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A VIAGEM DE RUDOLF STEINER AO BRASIL

Um Ensaio Poético de Wesley Aragão de Moraes


Juiz de Fora, novembro de 2005

Um navio a vapor aportou no Rio de Janeiro, perto da Praça Quinze, naquela manhã
de novembro de 1922. Era uma manhã quente, muito quente. Um bafo de calor fluía através
da Baía de Guanabara. O céu azul dos Trópicos estava resplandecente, crivado de gaivotas
e de urubus, e era linda a visão das pedras do Pão-de-Açúcar, dos Dois Irmãos e do
Corcovado, contrastando com os contornos dos prédios da cidade maravilhosa e do mar
azul-esverdeado. Logo desembarcavam os passageiros, a maioria imigrantes oriundos da
Europa Central. Mas, entre eles, estava um turista ilustre: um professor de humanidades e
filósofo, Dr. Rudolf Steiner. Vinha incógnito, sob um nome falso de Alberto Peter. Havia
fugido da chatice e do excesso de formalidades de seus seguidores, que o sufocavam e o
idolatravam, para relaxar um pouco e respirar novos ares. Em terra, esperava-o Sr e Sra.
Silva, um casal de mulatos, leitores entusiasmadíssimos de sua obra e também amigos de
Chiquinha Gonzaga, a compositora de maxixes e cateretês, que oferecera sua casa de
campo para hospedar o amigo dos amigos. Poucos sabiam que Steiner falava português. Por
isto, as conversas entre ele e os Silva e os nativos foi tranqüila. A primeira coisa que o Sr.
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Steiner disse ao desembarcar fora: “Meus amigos, que cenário espetacular!” Em seguida,
Steiner pediu uma cocada, vendida por uma baiana no passeio do cais.
Steiner queria conhecer o país todo, ir ao sul, ir aos pampas gaúchos, até a fronteira
com os falantes castelhanos. Ele queria conhecer as cascatas do Iguaçu. Queria percorrer as
avenidas de São Paulo e as praças de Curitiba e ver as rendas de Florianópolis. Queria
percorrer todas as trilhas e cantos. Mas mostraram-lhe os Silva como isto levaria anos e
anos, seria impossível Teriam que optar por uma rota.
O casal conduziu Steiner a passear por Copacabana, Ipanema, pela orla toda – que
naquele tempo ainda era matagal. Impressionou-o, sobretudo, em São Conrado, a Pedra da
Gávea, levando-o a exclamar: “parece um ícone gigantesco feito por antigos povos
caldeus!” Após um tour em um Ford bigode conversível, com a capota arreada, pelas
paisagens mais lindas da cidade, inclusive o Jardim Botânico, a Vista Chinesa, a Quinta da
Boa Vista e o centro da cidade e os arcos da Lapa, com seu casario já velho do século
anterior – e Steiner queria ver tudo – levaram-no, sob animada conversa e muitos risos,
saboreando uma cesta de quindins e docinhos caseiros de abóbora com coco (pois Steiner
adorava doces), para o sítio de Chiquinha Gonzaga, em Jacarepaguá. A própria compositora
esperava Steiner. Preparara um jantar e um concerto festivo e convidara alguns amigos
ilustres: o escritor Mário de Andrade (que tinha a intenção de ouvir de Steiner sua opinião
sobre o Macunaíma e o Mistério do Muiraquitã), a pintora paulista Tarsila do Amaral
(secretamente interessada em discutir arte moderna com Steiner), a revolucionária Pagu
(preocupada com questões político-sociais) e seu novo amante, o ainda jovem maestro
Villa-Lobos (disposto a explicar sua idéia de alma brasileira ao visitante e curioso a respeito
da possível aparência mestiça do Arcanjo protetor do Brasil), entre outros.. Foi neste jantar
que, pela primeira vez, Steiner saboreou sorvete de cupuaçu e torta de abacaxi. Ensinaram
ao ilustre visitante, as damas locais, os primeiros passos do lundu, ao som do piano a quatro
mãos do maestro e de Chiquinha. Acreditam alguns que Steiner, após o lundu, teria dito que
reformularia as bases da euritmia, tornando-a mais assemelhada á alegria solta e dionisíaca
dos passos africanos.
Steiner permaneceu alguns dias no Rio de Janeiro, sempre cercado pelos novos
amigos, todos artistas, escritores, gente ligada aos ofícios do espírito. Adorou ir à praia,
fazer caminhadas matinais de calções e de óculos escuros – uma invenção recente. Depois
disto, ele foi convidado a conhecer o interior do Brasil – convite que muito o agradou, pois
estava muitíssimo interessado em saber dos costumes, das plantas, dos minerais e das
coisas pitorescas desta gente mestiça dos trópicos.
Os Silva fizeram as malas e levaram Steiner em direção às Minas Gerais, passando
pela Serra de Petrópolis, pela estrada imperial antiga e depois pelo Morro da Boiada,
itinerário antigo de tropeiros – conforme pedido do ilustre convidado -, em direção a Juiz
de Fora. Nesta cidade, Steiner permaneceu por um dia, devido ao magnetismo encantador
da região. Foi nestas paragens que ele teve seu primeiro contato mais demorado com
algumas espécies de plantas – como o ipê, a siparuna e o mulungu - e de animais nativos,
para ele exóticas. Encantou-o tanto o tatu, que Steiner iniciou o esboço de um estudo
goetheanístico do animal. O que mais impressionou Steiner, entretanto, foi a delícia do pão
de queijo local e o frango caipira preparado no forno de lenha.
Steiner passou por Mariana, Ouro Preto e Belo Horizonte, seguindo rumo ao norte.
Impressionou-o sobremaneira a beleza das montanhas mineiras. Freqüentemente Steiner se
punha a conversar com os capiaus locais, a gente simples das ruas, sobre questões triviais,
como temperos e receitas culinárias ou o conhecimento de ervas de horta para dor-de-
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barriga e bordados feitos à mão, além dos cuidados com as mulas e a criação de galinhas.
Interessou-o também as lendas de lobisomem e de mula-sem-cabeça, populares na região.
Levaram-no a assistir uma festa de congado da irmandade dos negros de Mariana, o que o
fez exclamar: “que povo devoto e tão alegre!” Steiner lembrou-se das conversas com Mário
de Andrade e Villa-Lobos os quais já haviam percorrido todo o Brasil, justamente à cata de
costumes e danças e cantigas, como inspiração para suas metáforas. Levaram Steiner a
conhecer um quilombo, uma comunidade negra local que mantinha intacta a cultura afro do
tempo da escravidão, terminado poucas décadas antes. Ele chegou até a consultar uma mãe-
de-santo local, uma preta velha rezadeira que incorporava uma entidade cabocla. Então
Steiner encantou-se ao conversar com Mãe Maria, negra velha desdentada, simpática e
angelical, além de rezadeira, contadora de estórias, que ofereceu-lhe café forte em uma
caneca de latão, coado sobre um fogão de lenha aceso, doce de ambrosia e rocambole
mineiro.. Steiner, assim inspirado, iniciou seus rascunhos referentes ao “Ser Macunaímico”,
uma noção que jamais publicaria. O Ser Macunaímico seria a síntese de culturas e de raças,
produtora de um senso aberto e multilateral de humanidade – que transcende culturas, por
adotar e assimilar todas elas, digerindo-as e refazendo-as em nova síntese - , e que poderia
ser uma qualidade para um hipotético homem universal nietzscheano. Steiner interessou-se
por antropofagia, e pensou mesmo em rebatizar seu movimento europeu de “movimento
antropofágico livre universal”. A antropofagia era a metáfora nativa referente ao Ser
Macunaímico, que assimila e retraduz tudo.
Distraído, Steiner era flagrado constantemente pelos amigos Silva ensaiando passos
de lundu, combinando-os com versos de Goethe em alemão e rindo-se sozinho das falas e
gracejos que tivera com Mãe Maria, quando conversara com ela descalço, porque seus
sapatos molharam na chuva. Outras vezes era visto tentando imitar o que lhe disseram a
respeito do canto do uirapuru ou da cantilena mágica das mães d´agua do rio São Francisco.
Finalmente, Steiner seguiu em direção ao Mato Grosso, dias e dias de viagem em
um Ford desconfortável, seguidos de uma penosa peregrinação a cavalo. Steiner era
convidado pelos Silva para conhecer povos indígenas do interior do Brasil. Seguiu a
expedição pelo pantanal, atravessando em canoa rios infestados de piranhas, jacarés e
sucuris, arapapás e araçaris, tucanos, araras, tizius, arapongas, garças, socós, siriemas,
mutuns, macacos grandes e micos, antas, lontras, onças e outros animais. Deliciou-se com a
beleza dos igarapés e a vegetação exuberante entrelaçada de cipós. Nem mesmo o calor e a
mosquitada infernal fizeram Steiner perder seu encantamento pela terra. Subiu o Rio
Coluene a partir das nascentes deste, chegando ao Rio Xingu e finalmente, aventurando-se
por corredeiras perigosas, conheceu o magnífico Amazonas. Nesta altura, dois índios
Kalapalo e um terceiro Kamaiyurá eram os guias da aventuresca expedição.
Steiner e seus amigos chegaram assim, depois de dias e noites de viagem
desconfortável, à terra indígena dos Tupis e dos Tapuias. Foi bem recebido pelos caciques
locais, com os quais aprendeu um pouco dos idiomas e viu e ouviu costumes, mitos e
danças e cantos sagrados. Steiner aprendeu mais um pouco, além do muito que sabia, a
respeito da universalidade dos anseios de homem e de sua diversidade de formas e de
expressões. Steiner fez amizade, em especial, com um menino índio magrinho, que para ele
tinha tudo para ser a reencarnação de Aristóteles, tão grandes eram a inteligência e
perspicácia filosóficas do pequeno curumi magricela.. Quando Steiner partiu, deram ao
menino o novo nome de “Rodofistaini”, pela significação do encontro.
Steiner percorreu florestas fechadas ao lado de raizeiros indígenas e viu espécies de
plantas que jamais imaginaria existentes, ainda desconhecidas pela ciência botânica dos
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brancos. Um velho pajé mostrou-lhe espíritos da floresta e mamaés, como a Suyara, a


Jaçanã fantasma, os Aruanã do Araguaia, e as terríveis e mágicas Yamaricumã gigantes,
mulheres guerreiras espectrais cuja existência deu origem ao mito das Amazonas. Um
raizeiro índio indicou ao visitante centenas de plantas medicinais nativas e explicou que
eram dádivas de Mavutsini, o Criador, para o bem estar dos humanos. Steiner pensou em
rever, logo que voltasse, mais da metade das indicações que havia feito antes aos médicos e
aos farmacêuticos na Europa, a partir de novos insights que tivera.
Depois disto, Steiner foi conhecer mais ainda do rio Amazonas, a bordo de um
navio, sempre com seus amigos, os Silva. Viu botos rosados e o peixe-boi. Passou por
Manaus e assistiu a uma ópera de Wagner no teatro local.
Steiner desembarcou no Pará e de lá pegou um vapor que o levou rumo ao norte e, a
partir de uma segunda escala, retornou à Europa, no inverno de 1923. Para seus amigos
europeus, Steiner estivera em um retiro demorado em algum chalé nos Alpes. E ele os
deixou pensando assim. Mas todos estranharam o fato de Steiner ter aparecido “preto”,
como um nativo dos trópicos, em contraste com a brancura normal de sua pele. Foi quando
foi flagrado sorrindo – coisa rara-, sozinho num canto e olhando uma folha de siparuna do
Brasil, que levara consigo.
Logo no Natal, Steiner resolveu que era hora de fundar uma sociedade de livres
pensadores, lembrando-se do que vira entre os índios: uma sociedade de livres pensadores
que dividem um espaço comum para sobrevivência. Pensou em mudar o nome do prédio de
“goetheanum” para “brasileanum”, ou talvez “tupianum”, mas ninguém concordou, é claro
– nada mais fora de propósito! Que idéia mais primitiva! Steiner teve longas conversas com
Ita Wegman e aconselhou-a a estudar os Mistérios dos trópicos, de onde nascem os sacis e
boitatás, as mães d`água e os encantados, e o que eles fazem na natureza, como tais
espíritos da mata tropical produzem plantas que curam as doenças, e também porque tem o
tucano um bico tão grande – fantástica metamorfose! Steiner só falava de brasis e de
brasileiros, de congadas, de onças, cutias e de cateretês e curupiras. Pegaram-no ensaiando
um passo de samba atrás do palco, mas ele desculpou-se, dizendo-se manco devido a uma
queda. Alguns acharam que ele delirava ou falava simbolicamente de alguma coisa
suprassensível pouco compreensível. Steiner interrompia freqüentemente suas proferições
para dizer “bem, assim como no Brasil, entre os matutos do Pará....”, ou “também tive uma
grande imaginação ao nadar nas águas transparentes do rio Araguaia” ou “assim como a
planta que Mãe Maria, a negra rezadeira, denomina por Catinga-de-Mulata”., ou “como me
disse o caboclo Pindaré que ela mesma incorporou”...Ninguém entendia do que ele falava,
mas, por bom alvitre, todos acenavam com a cabeça em sinal de aprovação e de
entendimento falso. Veja só o leitor, Steiner chegou a iniciar um livro ao qual daria o
singular nome “Das Rätsel des Brasilianische Capiau und Indianen”. Sumiram com o
manuscrito e ninguém sabe, ninguém viu. De outra feita, numa refeição comunitária entre
antropósofos, Steiner proferiu um pequeno verso em língua tupi, começando a dizer
“enecoéma” (bom dia em tupi)...ninguém entendeu nada. Certamente um mantra,
imaginaram os incautos.
Dois anos depois, morria Steiner, de pura saudade do Brasil.

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