O objetivo central das pesquisas atuais que buscam uma aproximação entre a
geografia e os bens culturais é demonstrar a importância da análise das dinâmicas
territoriais em que tais bens estão associados diretamente ou indiretamente. Assim, para
qualquer gestor de bens culturais, a identificação e a apreensão das categorias espaciais
estudadas pela geografia permitem compreender as formas de apropriação dos espaços
dos bens culturais, as relações de poder envolvidas e seus limites, bem como as formas
materiais e simbólicas expressas pela paisagem configurada por tais bens.
Dessa forma, a gestão de bens culturais deve atentar para o fato que os bens
culturais não se limitam ao objeto ou expressão cultural em si, mas estão associados
diretamente a uma complexa e diversificada rede de relações sociais que apropriam e
influenciam esses bens, transformando-os ou submentendo-os aos interesses de grupos
hegemônicos que ali atuam.
Dentro dessa mesma lógica, devemos perceber que a paisagem expressa por tais
bens pode ser compreendida como um texto, ou seja, revela o significado de todo o
processo que envolve a dinâmica territorial. Composta de uma materialidade (aquilo que é
1 Professor adjunto do curso de turismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – e docente do
Mestrado em Preservação do Patrimônio do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – PEP/IPHAN.
Contato marcelo.sotratti@gmail.com .
visto e percebido) e de uma dimensão simbólica (construída pelas suas formas, usos ou
processos ideológicos) a paisagem supera o olhar reducionista e estético que muitas
vezes atribuímos àquilo que vemos.
Mesmo que em sua fase inicial o turismo moderno voltado aos bens culturais tenha
enaltecido o valor educativo, cívico, nacionalista e mesmo político, em breve ele assumiria
um papel extremamente importante na lógica de reprodução de capital. A expansão do
turismo mundial observado após a segunda guerra mundial impactou de forma
significativa o campo da preservação do patrimônio e dos bens culturais em geral. A
experiência européia na obtenção de recursos financeiros e na consagração de grandes
monumentos históricos como importantes destinos turísticos foram observados por
organizações importantes como a UNESCO, que passaram a defender o turismo em
centros urbanos detentores de bens patrimoniais onde os recursos financeiros advindos
desta atividade poderiam amenizar ou mesmo sanar a falta de recursos públicos na
manutenção do patrimônio cultural nacional.
Ainda, as conhecidas Cartas Patrimoniais, documentos referentes a reuniões sobre
a proteção do patrimônio cultural e ocorridas em diversas partes do mundo, abriram um
grande espaço em suas agendas para discutir a importância da atividade turística na
garantia da integridade dos patrimônios culturais preservados frente ao acelerado
crescimento das cidades e da pressão exercida pelos interesses capitalistas industriais.
As Normas de Quito, reunião da OEA – Organização dos Estados Americanos em 1967,
bem como a carta do Turismo Cultural de 1979 ressaltam a necessidade da conservação
e utilização dos monumentos e lugares de interesse histórico e artístico e reconhece o
valor econômico promovido pelo turismo e sua importância na proteção dos bens
culturais.
Nas cidades atuais, por exemplo, a paisagem torna-se um poderoso elemento que
orienta o processo de turistificação e de mercantilização do território, uma vez que por
meio de seu conteúdo simbólico alcançam com maior eficácia os resultados econômicos
pretendidos em tais áreas. As paisagens turistificadas, repletas de objetos novos e
antigos, inovações arquitetônicas, elementos tecnológicos e cenários criativos, expressam
as representações simbólicas de interesse das lideranças hegemônicas, na tentativa de
induzir formas de apropriação e consumo intensivo que se adequem aos objetivos do
sistema capitalista globalizado.
Esse novo olhar do turismo em destinos patrimoniais vai ser reafirmado e tomado
como referência mundial em 1999, por meio da Carta Internacional sobre o Turismo
Cultural, resultado da assembléia geral do ICOMOS no México. Nesse documento
constata-se a mudança conceitual da antiga forma de pensar o turismo cultural,
construindo uma nova prática da atividade com base na proteção, conservação,
interpretação e valorização da diversidade cultural em tempos de globalização. Nessa
carta o papel do turismo em áreas patrimonializadas é novamente visto como uma
instrumento positivo e potencializador de desenvolvimento local e passa novamente a
compor a agenda das políticas públicas de patrimônio mundiais e brasileiras.
Referências Bibliográficas
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. Tradução de Maria Cecília França.
São Paulo (SP): Ática, 1993.
SANTOS,Milton. A. Natureza do Espaço: espaço e tempo, razão e emoção. 3ª ed. São.
Paulo: Hucitec, 1999