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Ficha Técnica

Titulo Memórias do carvão


Edição Câmara Municipal da Batalha, Câmara Municipal de Porto de Mós
Colaboração Instituto de História Contemporânea, FCSH-UNL_CEHFCi da Universidade de Évora
Editores científicos José Manuel Brandão; Maria de Fátima Nunes
Revisão científica Ana Paula Pires; Helder I. Chaminé; Jorge Custódio; José Manuel Cordeiro; José
Manuel Brandão; Josep M. Mata-Perelló; Manuel Francisco Pereira; Manuel J.
Lemos de Sousa; Maria de Fátima Nunes; Octavio Puche; Pedro Miguel Callapez
Capa Arranjo gráfico de Maria Tonicher
Fotografia: Entrada da galeria St.ª Bárbara, Buarcos, 1925
Composição e Tipografia Cruz & Cardoso, Lda.
impressão
ISBN 978-989-8210-23-4
Dep. legal 395293/15

1
Índice
Proémio ...................................................................................................................................... 5
Manuel João Lemos de Sousa

Património geológico e mineiro


El Territori Geològic i Miner de l´Aiguabarreig: “oci, cultura i turisme a travérs del Camí de
Sirga” (Catalunya i Aragó, Depressió Geològica de l´Ebro)
Josep M. Mata-Perelló; Ferran Climent Costa y Jaume Vilaltella Farràs ...................................... 13
A mina de carvão do Cabo Mondego e a Paleontologia portuguesa
Pedro Miguel Callapez; José M. Soares Pinto; José M. Brandão; Vanda Faria dos Santos;
Matilde Azenha & Rodrigo Pinto................................................................................................. 27
Registo de minas do concelho de Porto de Mós: a memória em suporte papel
Fernanda Reis de Sousa & Helena Oliveira ................................................................................. 51
La technologie au service du transfert de charbon: l'innovation technique et
le rôle économique de la téléphérique Savon-San Giuseppe (Italie)
Alberto Manzini ......................................................................................................................... 73
As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural
Daniela Alves Ribeiro ................................................................................................................. 89
Caminho de Ferro Mineiro do Lena: viagem interrompida
José Manuel Brandão .............................................................................................................. 109
O Couto Mineiro do Lena – a base de um museu das indústrias e da comunidade
Jorge Figueiredo ...................................................................................................................... 133

Ciência, tecnologia e usos industriais


O Brasil discute o Carvão nos Congressos Científicos (1898-1922)
Maria Margaret Lopes ............................................................................................................. 153
Algunos datos sobre los primeros usos del carbón en España
Octavio Puche-Riart ................................................................................................................. 163
Os combustíveis na encruzilhada dos anos trinta: impacto no sector
dos transportes terrestres
Gilberto Gomes & Miguel Lobato ............................................................................................. 179
Carvão da Bezerra (Porto de Mós): “apropriado na conducção do fôgo nas locomotivas”
José Manuel Brandão & Fernanda Reis de Sousa...................................................................... 195

2
História mineira
Pode uma sociedade anónima estrangeira ser concessionária de minas portuguesas?
José Manuel Brandão & Maria de Fátima Nunes ...................................................................... 217
A mina de carvão do Cabo Mondego: 200 anos de exploração
J.M. Soares Pinto et al.............................................................................................................. 235
Memória da comunidade mineira Riomaiorense, 1942-1969
Nuno Alexandre Rocha ............................................................................................................ 259
Mineiras do Lena: no fio da navalha
José Manuel Brandão .............................................................................................................. 285
História de uma mina contada por alunos do ensino secundário: o exemplo
da exploração das lignites de Soure
Matilde Azenha et al. ............................................................................................................... 309
Minas de Alcanadas: prelúdio, fuga e final
José Manuel Brandão .............................................................................................................. 331

Notas curtas
João Monteiro Conceição, engenheiro. “Homem, técnico e empresário; um Legado”
José Charters Monteiro............................................................................................................ 361
“Carvões do Lena”: um projeto de investigação participada do MCCB
Equipa do Museu da Comunidade Concelhia da Batalha .......................................................... 371

3
As Minas do Pejão: da estrutura produtiva
à paisagem cultural

Daniela Ribeiro

Resumo
À semelhança do que se verificara em muitos países europeus, a exploração do carvão teve um papel
fundamental nas indústrias portuguesas. Ao longo do século XX é o combustível o motor de
desenvolvimento da Bacia Carbonífera do Douro. A dependência do País perante o minério determina a
relevância do sistema energético na transformação da paisagem.
Na base deste sistema, organizam-se os Coutos Mineiros, estruturas autónomas imbuídas por si só de
valor identitário e de representatividade; não só pela especificidade das formas e equipamentos que
acompanhavam o processo de extração; também pelas lógicas sociais que o árduo trabalho no subsolo
obrigava a estruturar.
No Couto Mineiro do Pejão, a paisagem constrói-se pela desconstrução do filão de carvão. Aproximamo-
nos do entendimento de paisagem cultural. Mais do que musealizar tudo o que foram equipamentos de
extração mineira, problematiza-se hoje a sua assimilação perante as lógicas contemporâneas.
Palavras-chave: Património; minas de Carvão; paisagem.

Abstract
Similar to what was happening in other European countries, the coal exploitation had a decisive role in
Portuguese industry. Throughout the twentieth century is the fuel the engine of development of the
Carboniferous Basin of Douro. The ore dependence of the Country determines the relevance of the energy
system in the landscape transformation.
On the base of this system, the “Coutos Mineiros” are designed, autonomous structures, by themselves
with important identity and representative value; not only because of the specificity of shapes and
equipment that were part of the extraction process; but as well because of the social logics that hard
underground work imposed.
The "Couto Mineiro do Pejão" landscape is constructed by the deconstruction of the coal seam. We are on
approaching of cultural landscape meaning. More than musealizate all that were extraction equipment,
today we are problematizing their assimilation before the contemporary way of life.
Keywords: Heritage; coal mining; landscape.
MEMÓRIAS DO CARVÃO

Nota biográfica
Daniela Alves Ribeiro. Arquiteta e Mestre em Arquitetura, pela Universidade do Porto. Em 2012 ingressa no
Curso de Estudos Avançados em Património Arquitetónico, no qual inicia a investigação relativa a
complexos mineiros. Atualmente encontra-se a frequentar o Programa de Doutoramento em Arquitetura
no Perfil de Património FA–UP, desenvolvendo investigação em torno de Territórios de produção
energética e património paisagístico, tendo já participado em seminários e conferências com
comunicações relativas à investigação desenvolvida na Bacia Carbonífera do Douro.

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As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural

Introdução
Volvidas duas décadas após a introdução do fuelóleo na Central Termoelétrica da Tapada
do Outeiro, encerra a última exploração de minério combustível em Portugal. Em 1994 dá-se a
“morte assistida” da Mina do Pejão. A afirmação da era industrial da eletricidade e da
transformação química vem alterar o sistema energético assente no que L. Mumford designa por
“Capitalismo Carbonífero” 1.
Durante a fase paleotécnica 2 o carvão é o combustível por excelência. Enquanto capital
acumulável, o carvão, um mineral não oxidado, rapidamente se torna mais rentável do que a
madeira: muito mais compacto, a sua extração, transporte, armazenamento e transformação
passam a constituir-se como um sistema de organização territorial. Pela primeira vez é utilizada
energia potencial, tanto nas indústrias como nas estruturas urbanas.
Ao longo do século XX é o combustível o motor de desenvolvimento da Bacia Carbonífera
do Douro: a dependência do Porto em relação ao carvão determina a relevância do sistema
energético 3 na transformação da paisagem 4, que se estende desde as estruturas sociais de apoio
à Mina aos sistemas infraestruturais da Cidade.
Desmaterializada a fonte de energia, todo o sistema deixa de ter significância: o elemento
de articulação territorial passa à imaterialidade; perde-se a necessidade de uma estrutura física
de suporte, duplamente obsoleta perante o esgotamento do minério. Mais do que a forma,
ganha relevância a sua representação enquanto símbolo cultural.
Perante a morte funcional deste sistema energético problematiza-se a sua assimilação
aquando da substituição das lógicas (infra)estruturantes. É neste contexto de investigação que se
apresenta uma primeira abordagem às Minas do Pejão.
No final do século XIX começa a ser atribuída particular relevância ao carvão nacional. Com
a “Regeneração” (1851-1868) e o forte investimento nas Obras Publicas, o carvão passa a ser
entendido como fator chave para a recuperação da economia nacional, iniciando-se a corrida ao
carvão mineral. Na viragem do século, já a Bacia Carbonífera do Douro se apresenta como
principal área de extração deste combustível. Contudo, será durante o Estado Novo que se
verificará o maior desenvolvimento dos sistemas energéticos: a vontade de afirmação
nacionalista de um País pouco industrializado leva ao forte investimento no sector.

1
Em Técnica y Civilización (1946) Lewis Mumford usa a expressão Capitalismo Carbonífero para se referir ao
sistema económico subjacente à utilização do carvão como fonte de energia potencial. MUMFORD, L. Técnica Y
Civilización. 1992. p. 112.
2
A fase paleotécnica corresponde à era industrial subjacente ao binómio carvão-fero, associada à 1.ª
Revolução Industrial, Idem. p. 109.
3
Entenda-se por Sistema energético o processo ilustrado por Fausto Posso em Development in Venezuela of
energy system based in the hydrogen . I : Production of electrolytic hydrogen, 2007.
4
Entenda-se por Paisagem a representação de um sistema de relação entre natureza e cultura.

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MEMÓRIAS DO CARVÃO

Figura 1. Carta da região mineira do Douro. Desenho original de J.P. da Silva Rosado, à escala 1:100 000.
[S.I.]: Lithographia da Imprensa Nacional, 18--?]

Na base deste sistema produtivo, em torno dos pontos de extração, constituem-se os


Coutos Mineiros, estruturas representativas de um surto de industrialização e inclusão iniciado
em Portugal na segunda metade do século XIX, fortemente influenciado pelas arquiteturas
utópicas formalizadas nos inícios da industrialização europeia e que viriam a sustentar a ideia de
cidade 5 e os princípios arquitetónicos do movimento moderno em toda a Europa.
Estaríamos perante banais formalizações de uma estrutura produtiva, sem grande
relevância arquitetónica, onde os edifícios de exceção emergem como forma expedita da
necessidade técnica e os edifícios habitacionais – em parte, autoconstrução- respondem
diretamente ao quotidiano do operário; rapidamente se verifica a sua relevância enquanto
estrutura urbana, onde os princípios que ditaram o arranque do urbanismo moderno,
formalizados já no século XVIII através das Salinas de Chaux ou cem anos mais tarde na proposta
de Tony Garnier para a Cidade Industrial (1901), definem uma nova estrutura socioeconómica.
Dependente das características do solo e não da vontade do homem, a exploração
mineira fixa-se, muitas vezes, em locais inóspitos (Rocha, 1997, p. 383), onde se torna necessário
criar o lugar da exploração, organizando-se este em função da estrutura produtiva, quer no
5
Em L’ architettura della città (1966) Aldo Rossi ressalva a importância da “ideia de cidade” entendendo-a
como análoga ao conceito de “cidade ideal e utopias urbanas”: “una parte importante dei nostri studi
dovrebbe essere dedicata alla storia dell’idea di città; in altri termini alla storia della città ideali e alla storia
delle utopie urbane”. ROSSI, A. L’ architettura della città. 2012. p. 15.

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As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural

sentido da otimização dos processos produtivos, quer enquanto resposta arquitetónica e


urbanística aos problemas introduzidos por um rápido processo de industrialização. São
introduzidos no processo de (infra)estruturação 6 do território os bairros habitacionais, as
cooperativas de consumo, as casas do pessoal, as igrejas, os hospitais, as farmácias, os cemitérios
mineiros.

Figura 2. Povoados existentes em 1877. Base: Carta corográfica do Concelho onde se define as concessões
da mina do Pejão e da Serrinha (Póvoa), publicada na Revista de Obras Públicas e Minas, 1877.

No Couto Mineiro do Pejão, este sistema ganha complexidade pela pré-existência de


povoados sobre o filão de carvão a explorar (fig. 2). No final do século XIX, os aglomerados
populacionais que o integrarão refletem a típica apropriação territorial da margem do Douro,

6
O termo infraestruturação é utilizado no sentido da criação das estruturas de suporte, neste caso, suporte de
todas as relações socioeconómicas, e até mesmo culturais, que se estabeleceram em torno do complexo
industrial

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MEMÓRIAS DO CARVÃO

caracterizada por grandes declives: ou numa posição alta - não extrema -, ou junto ao rio. Na
primeira, criam-se socalcos e libertam-se os vales para a agricultura. Evita-se o clima agreste do
alto dos montes; na segunda, privilegiam-se as relações comerciais, tendo como via de
comunicação por excelência, o Douro. Estes povoados - constituídos por aproximadamente 15
habitações - apresentavam sensivelmente a mesma distância entre si, 2 km (Araújo, 2006, p. 53),
consequência de um raio de apropriação para cultivo e estruturando-se a partir de uma rede de
caminhos articulados com a estrada que liga Castelo de Paiva ao Porto que, no final do século XX,
passa a corresponder a um troço da Estrada Nacional 222.

Figura 3. Evolução do sistema de povoamento durante o século XX. Base: Carta corográfica do Concelho
onde se define as concessões da mina do Pejão e da Serrinha (Póvoa), publicada na Revista de Obras
Públicas e Minas, 1877

Na margem sul do Douro, a exploração da Bacia Carbonífera incidirá sobre um filão de 10


km, desde Arouca a Germunde, ao longo do qual surgirão as várias minas e os respetivos
aglomerados populacionais, condicionados pela capacidade de extração do minério e pela
facilidade do seu transporte e comercialização.

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As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural

À semelhança do rio será também a referida estrada um dos elementos estruturantes do


Couto Mineiro, garantindo o transporte viário do carvão. Contudo, com a exploração, é
introduzido o caminho-de-ferro mineiro, alterando a lógica de assentamento territorial
polinuclear (fig. 3).
Passamos a ter uma organização sequencial do território que, tal como nas cidades lineares
socialistas, é determinada em função do sistema produtivo. As construções que surgem com a
necessidade de mão-de-obra, implantam-se, progressivamente, entre os aglomerados pré-
existentes e a linha férrea, fenómeno particularmente acentuado em Folgoso e Oliveira do Arda e
resultado das movimentações pendulares diárias casa-trabalho. Torna-se o caminho-de-ferro o
principal eixo do sistema de povoamento do século XX; é este o elemento que, à superfície,
garante a conexão entre os pontos de exploração ou de acesso ao subsolo.
Será no ponto de articulação entre o sistema de povoamento preexistente, de carácter
rural, e o introduzido pela exploração que surgirá o maior investimento da Empresa Carbonífera
do Douro, na intersecção do eixo do caminho-de-ferro com a Nacional 222, no lugar da Estação.
Inicia-se um processo de hierarquização entre aglomerados, ganhando relevância os que se
localizam nas proximidades da linha férrea. Tal como nos ideais de cidade linear, as funções
urbanas vão estruturando-se ao longo de uma via de circulação principal, à semelhança do
próprio sistema produtivo, em série, o mais económico possível.
O território, que anteriormente à mineração do carvão se via marcado por uma paisagem
agrícola, pontuado por aldeias de arquitetura popular, construídas com o xisto da margem sul do
Douro, é agora marcado pela miscigenação de uma paisagem rural e uma paisagem industrial,
consequente da mútua reação entre o sistema de exploração mineira e o território que a acolhe,
demarcando-se das "terras negras" dos territórios mineiros europeus.
No final da 1.ª Grande Guerra, pela quebra nas importações de carvão impostas pelas
necessidades decorrentes da Guerra, o “Couto Mineiro do Pejão”, demarcado como tal em 1920,
apresentava-se já como uma microrregião, um território autónomo, constituído pelo espaço
social dos mineiros, onde os espaços do trabalho mineiro e agrícola, as aldeias, e até mesmo os
espaços comerciais se misturavam, tornando inteligíveis só a uma comunidade muito própria os
signos e valores que dali provinham, transversais a todos os lugares que integram o Couto
Mineiro do Pejão (Custódio, 2004, p. 93).
No intuito de estruturar o quotidiano dos operários, o Couto Mineiro apresentava, na sua
génese, poucos espaços públicos, sendo os existentes adjacentes a equipamentos religiosos. A
liberdade interior e o comprometimento social imposto pela vida religiosa constituíam o principal
motor das relações extralaborais.
Em 1936, com a entrada de Jean Tyssen para na Empresa Carbonífera do Douro, antecipa-
se um programa de reforço das estruturas de apoio social, tanto ao nível da habitação, da saúde,
da educação, da distribuição de bens de consumo como até mesmo do desporto.
É visível o forte investimento a nível da modernização das infraestruturas de suporte e
também dos sistemas de relações do Couto Mineiro, reflexo de um período de prosperidade da
Exploração Mineira e consequente incremento das preocupações com a saúde e formação dos
seus trabalhadores. Pretendia-se, desta forma, consolidar uma estratégia de modernização e
promoção da imagem da Empresa fomentando, simultaneamente, a atratividade de mão-de-
obra.

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MEMÓRIAS DO CARVÃO

No caso do Pejão, deverá este Couto Mineiro ser entendido em articulação com o de São
Pedro da Cova, não só por integrarem o que aqui designamos por Sistema Carbonífero do Douro,
mas também pela articulação socioeconómica que mantiveram ao longo da história, visível, por
exemplo, através da partilha de estruturas de apoio social, a Caixa de Previdência designada
“Carvões”, ou de medidas protecionistas e de fomento à mão-de-obra comuns aos dois Coutos
Mineiros.
A imagem coletiva e de pertença ao Couto Mineiro era fomentada pela construção de
novos equipamentos, cada vez mais próximos do Douro. Desenhadas na Empresa e para a
Empresa, estas formas surgem da apropriação da linguagem das construções autóctones por
parte de uma arquitetura ao serviço das Minas, conferindo uma unidade específica ao território
que deverá ser entendida como símbolo de identidade.
No intuito de gerar uma espécie de referência/modelo socioeconómico, as estruturas
sociais (p. ex. Cooperativa de Consumo, 1942) e, ainda que de forma menos notória, as culturais
(p. ex. realização de Sessões de cinema sonoro, 1949) ou até mesmo as desportivas (p. ex. Piscina
de Germunde, 1957), pretendiam criar motivações para os mineiros (fig. 4). Eram estes os
espaços onde tinham lugar os momentos de sociabilidade e as festividades.

Figura 4. Acão Social no Couto Mineiro do Pejão (“O Pejão”, nº 49 ano V, 1952).

Durante décadas toda a região viveu em torno do Couto Mineiro: inteligível enquanto
conjunto, apresentava-se como uma comunidade autónoma, dependente de uma tutela especial,
com uma cultura administrativa própria, onde todos pormenores da vida do mineiro eram

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As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural

equacionados, desde a organização social, à prática de desposto. No fundo, um sistema


paternalista justaposto ao Estado Novo, onde o trabalho, a família e a religião eram entendidos
como valores fundamentais.
Contrariamente ao que se verifica noutros complexos mineiros, no Couto Mineiro do Pejão
as habitações agrupavam-se em bairros dispersos pela serra, destacando-se três grandes
conjuntos habitacionais construídos pela Empresa, Folgoso, Santa Bárbara e Germunde, nos
quais a relação que as implantações estabelecem com a topografia acentuada e a simplicidade e
banalidade das próprias construções determinam o seu valor identitário.
Trata-se de uma arquitetura assente numa grande adaptação à ruralidade, fomentando a
continuidade da ligação à terra. O trabalho de lavoura era entendido como uma segunda
atividade a desenvolver no seio familiar e que, segundo a Empresa Carbonífera, devia ser
mantida. Na maior parte dos bairros, preserva-se a lógica do comunitarismo agrário: recorre-se
aos equipamentos comunitários como o forno do pão ou os lavadouros. Noutros, verifica-se
mesmo a sua reprodução. A ocupação dos tempos livres devia ser canalizada para o ambiente
familiar, evitando as discussões políticas de café e até mesmo atividades grevistas.
Às políticas habitacionais promovidas pela Empresa se deve a construção e recuperação
das habitações dos trabalhadores das Minas que, através de um “fundo especial de empréstimos
e comparticipações”, do fomento da autoconstrução e do provisionamento de um “modelo
arquitetónico adequado”, tornavam possível a aspiração de o mineiro de possuir casa própria
(fig. 5).
Estamos perante a reprodução de modelos habitacionais subjacentes às lógicas de
estandardização - não só nos bairros operários, como também na habitação edificada pelo
próprio mineiro -, reflexo do modelo habitacional operário que marcará a arquitetura
modernista.

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MEMÓRIAS DO CARVÃO

Figura 5. “Constrói a tua casa. II - O Projecto” (“O Pejão”, n.º 72, 1954).

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As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural

Ainda que projetados pelos mesmos técnicos envolvidos na construção dos equipamentos
sociais, os edifícios construídos para participarem no processo extrativo apresentam um
resultado formal completamente distinto, não só pelo programa específico a que se destinam,
também pela introdução de um sistema construtivo próprio, baseado em estruturas de betão
armado e obedecendo à escala da Exploração, em nada articulada com a dimensão humana (fig.
6).

Figura 6. Cabo Aéreo, 1960


- ligação Germunde -
Central Térmica da Tapada
do Outeiro (“O Pejão”, n.º
139, 1960).

Trata-se de arquiteturas maioritariamente sem arquitetos. Só após a entrada do


movimento moderno em Portugal começa a haver espaço para uma edificação industrial
protagonizada por arquitetos, ainda assim baseada na reprodução de modelos importados. Estas
estruturas representam de forma clara a experimentação de materiais e linguagens que marcam
os complexos industriais na primeira metade do século XX.
Na década de 1930 surgem os primeiros – e únicos- cavaletes em betão armado em
Portugal. Ainda que com base num modelo belga, a construção do Cavalete de S. Vicente (S.
Pedro da Cova) (fig. 7) e do Fojo (Pejão) (fig. 8) representa de forma clara o processo de
experimentação de materiais e linguagens que marca a construção dos complexos industriais na
primeira metade do século XX.

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MEMÓRIAS DO CARVÃO

Figura 7. Cavalete de S. Vicente, S. Pedro da Cova, construído em 1936 (Imagem original: Direção Geral do
Património Cultural).

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As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural

Figura 8. Cavalete do Fojo, Pejão. Inaugurado em 1952. Fotografia da autora, 2014.

Embora o complexo mineiro do Pejão apresente edifícios desenhados pelos engenheiros


da Companhia, é visível o seu caracter experimental. Reconhece-se nas construções do Couto
Mineiro do Pejão – principalmente nas datadas a partir da segunda metade do século XX – uma
clara articulação de modelos funcionalistas e construções anónimas, cuja coerência formal
decorre de uma relação entre formas, técnicas e materiais autóctones, bem como de uma
adaptação ao lugar, característica das então arquiteturas populares e que serviriam de base de
entendimento para as “modalidades possíveis de uma relação nova entre o local e o global”
(Machado, 2006, p. 6) que marcara a arquitetura do Movimento Moderno em Portugal.
Neste contexto, destaca-se o Centro de Acão Social (1953) projetado pelo Arquiteto
Francisco Braancamp Figueiredo, entendido pela população, e pela própria Empresa, como
edifício icónico, onde é visível a utilização de materiais autóctones e, simultaneamente, de novas
tecnologias construtivas, como estruturas porticadas de betão armado (fig. 9); será também de
referir o próprio núcleo de Germunde, onde as construções se vão adaptando à topografia do
terreno, transformando o que seriam meras construções funcionais em verdadeiros elementos
de articulação com a paisagem (fig. 10).

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MEMÓRIAS DO CARVÃO

Figura 9. Centro de Acão Social, Oliveira do Arda. Desenho publicado n’ “O Pejão”, n.º 49 de outubro de
1952.

Figura 10. Casa do Engenheiro, Germunde. Fotografia da autora, 2013.

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As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural

Figura 11. Germunde, 1958 (“O Pejão”, n.º 114, 1958)

De funcionamento praticamente autónomo, constituindo-se de uma sociedade própria e


dependente de uma tutela especial, estes complexos refletem um tipo de urbanização que nada
tem que ver com a promoção pública. Destaca-se das estruturas industriais não só enquanto
valor da modernidade, mas também pela relevância que, neste caso, (man)tiveram na
organização territorial: contrariamente às fábricas cujo valor patrimonial é determinado em
função do edifício, aqui a estrutura social é entendida como espinha dorsal. É no território, na

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MEMÓRIAS DO CARVÃO

relação que a nova indústria estabelece com o lugar que assenta o património mineiro, em geral,
e por isso, omisso nas cartilhas de património (CUSTÓDIO, 2005: 148).O legado mineiro constitui
por si só valor identitário e de representatividade. Não só pela especificidade das formas e
equipamentos que acompanhavam os processos de extração; também pelas lógicas sociais e
territoriais que o árduo trabalho no subsolo obrigava a estruturar. Trata-se pois de um conceito
alargado e integrador, inerente a todo o espaço cultural da mina.
Estamos perante complexos cuja forma decorre de uma forte adaptação à paisagem
preexistente e também das questões ideológicas inerentes à lógica administrativa da Empresa
(fig. 11). Ganha relevância a sua dimensão enquanto modelo, enquanto “microcosmo económico,
social, científico e técnico” (Custódio, 2005, p. 149) cuja formalização denuncia a própria
organização social da Empresa. Destaca-se perante o entendimento de património cultural 7.
Contudo, tal como nos apresenta Lewis Mumford em Técnica Y Civilización (1992 [1946]:
112), a Mina é a base de assentamento urbano mais vulnerável possível. Esgotado o filão,
encerra, deixando obsoletas todas as estruturas determinadas em função da atividade extrativa.
A esta questão, os últimos trinta anos têm respondido com alterações programáticas nas suas
arquiteturas que, pelo seu funcionalismo, apresentam dificuldades de adaptação a novos usos.
Por um lado estamos perante um território estruturado em função “de imperativos
socioecónomicos (…) que desenvolveram a sua forma em resposta ao próprio ambiente natural”
(Aguiar, 2007: definição de Paisagem Cultural). Por outro, o Couto Mineiro do Pejão integra hoje
uma paisagem que denuncia os impactos de uma arquitetura industrial, também vernacular, cujo
processo de evolução ficara suspenso.
A natureza decadente destes complexos leva-nos a equacionar a “morte assistida” do
Património, no qual a ruína surge como alegoria dum processo destrutivo subjacente à própria
ideia de progresso (fig. 12).
Referimo-nos não só ao património subjacente ao conceito de paisagem cultural adoptado
em 1972 pela UNESCO 8 de carácter mais administrativo e politizado, mas também ao bem
patrimonial, em particular reconhecido em estruturas industriais, cujo próprio âmbito assume a
priori, a dimensão territorial.

7
Lei-quadro da política e do regime de proteção e valorização do património cultural (Lei n.º 107/2001)
“Artigo 2.º, Conceito e âmbito do património cultural
1- (...) integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de
cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objeto de especial proteção e valorização.
3- O interesse cultural relevante, designadamente histórico, paleontológico, arqueológico, arquitetónico,
linguístico, documental, artístico, etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens que integram o
património cultural refletirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade,
singularidade ou exemplaridade”
8
A ideia de Paisagem Cultural é definida, pela primeira vez, em 1925 por C. Sauer, sendo a definição de 1972
uma interpretação da mesma.

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As Minas do Pejão: da estrutura produtiva à paisagem cultural

Figura 12. Lavraria de Germunde. Relação do edifício industrial, agora em ruína, com a paisagem pré-
existente. Fotografia da autora, 2013.

Relevante enquanto legado técnico-arquitetónico e, fundamentalmente pelo valor sociocultural


que os modelos de organização territorial fundaram na população, o Couto Mineiro do Pejão
deverá ser entendido num contexto abrangente. Deparamo-nos com manifestações culturais,
mais ou menos artísticas, reflexos de um seu entendimento enquanto âncora cultural e elemento
identitário (fig. 13); não basta entendê-lo como património de salvaguarda; é importante
entendê-lo como expressão de uma memória coletiva, enraizada nas formas, no território, palco
das vivências de uma sociedade própria.

Figura 13. Presépio, Júlio Resende. Rep. de “O Pejão”,


n.º 99, Natal de 1966.

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MEMÓRIAS DO CARVÃO

Reconhecida a sua dimensão patrimonial no vínculo que estabelece com a paisagem e até
mesmo com as estruturas urbanas onde incide, procurou-se incitar ao debate da sua integração
nos modos de vida contemporâneos. Mais do que musealizar tudo o que foram equipamentos de
extração mineira, a sua valorização deverá conduzir à requalificação do território. A consciência
do valor do património deverá ser entendida como fator e desenvolvimento.
Qualquer estratégia que pretenda a valorização do património mineiro deverá conduzir à
sua reintegração no território, possibilitando a leitura das formas da Exploração enquanto parte
integrante de um todo. Ainda que a evolução dos edifícios industriais para ruína tenha construído
uma nova Paisagem, o entendimento do sistema de relações que sustenta a memória coletiva do
Couto Mineiro deverá manter-se.
Numa altura em que a articulação natureza-cultura começa a emergir como paradigma do
ordenamento territorial, o entendimento do património enquanto recurso estritamente
vinculado ao território, ultrapassando a prospetiva da sua inventariação e musealização, surge
como oportunidade para reequacionar os métodos e instrumentos não só para a sua gestão, mas
também para a revitalização de territórios, agora sustentada numa identidade territorial e com
base nos seus recursos patrimoniais.
A responsabilidade de preservar o legado mineiro surge como uma oportunidade para o
desenvolvimento de condições que assegurem o seu futuro.

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