Introdução:
Que é missão integral? O que envolve a missão da Igreja a ponto de investigarmos o que é mito e
o que é realidade?
Na procura de respostas para estas e outras perguntas semelhantes é que este estudo veio a
lume. Não é um trabalho original e nem exaustivo. Não é original porque missão integral já faz
parte da discussão teológica da Igreja há algum tempo. Não é exaustivo porque o número de
teólogos, missiólogos e pensadores que têm escrito e palestrado sobre a missão da Igreja, e em
seus vários aspectos, é enorme. Um bom exemplo da diversidade da missão integral é o livro A
Missão da Igreja, organizado pelo Dr. Valdir Steuernagel em 1994. Nele nada menos que 27
articulistas tratam da missão integral da Igreja. Mas existem muitos outros autores que não
aparecem no livro de Steuernagel. Além disso, obras como as de René Padilla e Timóteo Carriker
são dignas de nota, conforme observamos no capítulo sobre o conceito de missão integral da
Igreja na teologia contemporânea. Por causa dessa variedade de autores foi preciso adotar alguns
critérios, vez ou outra mencionados no corpo deste trabalho.
Nosso estudo divide-se em três capítulos principais. O primeiro trata da missão integral como mito
e realidade propriamente dito. Os outros dois são uma explanação bíblico-teológica e pragmática
do primeiro. Nosso objetivo é mostrar que a Igreja evangélica brasileira só pode ser
verdadeiramente missionária quando no desempenho de sua missão integral.
I. O MITO E A REALIDADE DA
MISSÃO INTEGRAL DA IGREJA
Que evangelização e responsabilidade social são verdades bíblicas para a Igreja de Jesus Cristo não
há dúvida, ou pelo menos não deveria haver (1). Felizmente, a consciência social da igreja
brasileira hoje parece ser maior do que algumas décadas atrás. Entretanto, se por um lado a Igreja
vem melhorando em sua visão social, por outro, ainda não amadureceu tanto em sua concepção
de missão integral, justamente porque ao se discutir prioridades (estamos falando apenas de
evangelização e ação social) a igreja deixa de fazer bem uma e outra coisa.
Evangelização e responsabilidade social devem andar juntas como causa e efeito de uma mesma
verdade evangélica. Com isso não queremos dizer que evangelização e ação social devam ser
entendidas como sendo a mesma coisa. Por outro lado, também não estamos afirmando que
sejam duas coisas diametralmente separadas. "Um ministério integral verdadeiro define a
evangelização e a ação social como funcionalmente separadas, mas relacionalmente inseparáveis
e necessárias para um ministério integral da igreja" (YAMAMORI, 1998, p. 14).
O relatório da Consulta Internacional realizada em Grand Rapids (EUA), presidida por John Stott
em 1982, concluiu que na questão da primazia entre evangelização e ação social "a evangelização
tem uma certa prioridade. Não estamos falando em prioridade temporal, mas em prioridade
lógica, pois há situações em que o ministério social precisa vir primeiro" (STOTT, 1983, p. 23).
E na prática?
Na prática, como aconteceu no ministério público de Jesus, estas duas realidades (evangelização e
ação social) são inseparáveis, pelo menos nas sociedades livres, e raramente teremos de optar
entre uma e outra. Em lugar de estarem em competição, elas se sustentam e fortalecem
mutuamente, numa espiral ascendente de preocupação crescente (STOTT, 1983, p. 23)
A discussão pouco louvável no meio cristão sobre a missão prioritária da Igreja no mundo também
levou o comitê de Lausanne a elaborar uma declaração sóbria e amadurecida. Diz assim, em seus
artigos, o chamado Pacto de Lausanne: "Os resultados da evangelização incluem a obediência a
Cristo, o ingresso em sua igreja e um serviço responsável no mundo" (O PACTO DE LAUSANNE,
1983, IV). E ainda:
Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu
interesse pela justiça e pela reconciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos
homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa,
sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma dignidade
intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos
arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a
atividade social mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja
reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação,
afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever
cristão. (Idem, V) (Grifos nossos)
E mais: "A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas
responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta" (Idem, V).
Façamos, a seguir, uma rápida apresentação de dois grandes movimentos que contribuíram
negativamente para o distanciamento da Igreja de sua missão integral.
Ver o indivíduo completo, não dictomizado, é uma necessidade urgente em nossos dias, conforme
veremos no decorrer deste estudo. Um dos maiores males cometidos na igreja evangélica
brasileira de hoje é limitar o conceito de salvação, achando que Cristo veio salvar apenas a alma
do homem ou da mulher.
O ser humano - homem ou mulher - é um todo e deveria sempre ser visto assim, como o é pela
Bíblia. Partindo da perspectiva bíblica, o ser humano poderia ser definido como sendo 'uma
comunidade integrada de corpo e alma' (STOTT, 1989, p. 38). Entretanto, a ausência da
compreensão do indivíduo como ser integral, pela própria Igreja, tem levado a mesma a
desvalorizar não somente o ser humano na sociedade, como também o próprio evangelho para o
qual ela foi chamada a proclamar no mundo, pois, como salientou muito bem Manfred (1987, p.
59), "só existe fidelidade na evangelização quando existe fidelidade na missão integral da igreja".
Veremos a seguir que pelo menos três fatores contribuíram negativamente para o surgimento do
mito da dicotomia humana, isto é, o platonismo, a influência missionária européia e norte-
americana e a teologia sistemática.
Outro fator que infelizmente tem colaborado para a dicotomia humana é a teologia sistemática,
independente de sua linha confessional. Embora a teologia sistemática seja uma tentativa
interessante de organizar em um ou mais compêndios conceitos e pensamentos religiosos
variados, é preciso ter cautela com a mesma. Bruce A. DEMAREST, em seu artigo Teologia
Sistemática (In EHTIC1990, p. 515), faz uma advertência importante:
No estudo da natureza do ser humano na teologia sistemática, na análise da questão corpo, alma
e/ou espírito, e em seus conceitos dicotômicos e tricotômicos, perdeu-se de vista a perspectiva
bíblica de que somos um todo. E, certamente, isto tem sido um dos fatores prejudiciais na
compreensão da missão da Igreja.
Por mais óbvia que pareça esta afirmação, sabemos que a ortopraxia da missão integral não é tão
óbvia como deveria ser. Não é fácil inculcar na cabeça do nosso povo que o envolvimento da Igreja
deve ser total. Não só no que se refere ao indivíduo, mas também à criação de Deus em geral.
Onde está, por exemplo, a consciência ecológica da Igreja? (4)
Além disso, a Igreja como sal da terra e luz do mundo deve fazer a diferença nos vários setores da
sociedade, principalmente no socorro aos menos favorecidos.
A injustiça social, verdadeira afronta contra a imagem e semelhança de Deus, tem solapado nosso
país e a Igreja muitas vezes tem se afastado como se nada tivesse com isso. É verdade que a Igreja
não é uma instituição político-partidária que deva defender qualquer bandeira política. É mais que
isso. Ela é uma instituição divina supra partidária. Por isso mesmo, tem o dever ético e moral de
ser mais justa do que qualquer governo ou partido político pretenda ser. Conforme salientou Jorge
GOULART (1941, p. 229), a Igreja "não prega uma forma de governo, mas cria uma consciência
democrática, à luz dos conceitos de liberdade, de dignidade humana, de respeito ao próximo e,
sobretudo, de amor a Deus e à humanidade".
Os cristãos foram postos no mundo para ser a consciência da sociedade, como diria Orlando
COSTAS (1979, p. 102). A Igreja deve ser a voz do que clama no deserto a fim de fazer a diferença
no mundo. Precisa deixar o monte da transfiguração (entenda-se contemplação) e descer até ao
sopé onde se encontram os excluídos. Uma opção preferencial pelos pobres? E por que não? O
evangelho é para todos, porém, somente o pobre precisa ser atendido também em suas
necessidades básicas prioritárias, por causa da má distribuição de renda de nosso país, como
resultado de uma política social opressora.
Quando se coloca o pobre e o rico lado a lado, em se tratando de benefícios a serem recebidos, o
primeiro sempre sai perdendo. É preciso sim que os pobres desse mundo recebam um tratamento
preferencial porque foi assim que Deus os tratou na Bíblia, como veremos mais adiante.
Orlando Costas via nesta dimensão diaconal ou encarnacional da Igreja "a intensidade de serviço
que a igreja presta ao mundo, como prova concreta do amor de Deus" (COSTAS, 1994, p. 113). E
ainda:
Esta dimensão envolve o impacto que o ministério reconciliador da igreja exerce sobre o mundo, o
seu grau de participação na vida, conflitos, temores e esperanças da sociedade e a medida em que
seu serviço ajuda a aliviar a dor humana e a transformar as condições sociais que têm condenado
milhões de homens, mulheres e crianças à pobreza. Sem esta dimensão a igreja perde sua
autenticidade e credibilidade, pois somente na medida em que conseguir dar visibilidade e
concreticidade à sua vocação de amor e serviço ela pode esperar ser ouvida e respeitada. (COSTAS,
1994, pp. 113,4).
No capítulo 2 desse estudo falaremos um pouco mais sobre a base bíblica da missão integral da
Igreja.
Tanto no Antigo como no Novo Testamentos a Bíblia ordena à igreja que ministre à pessoa como
um todo. Isto quer dizer que se deve atender tanto às necessidades físicas como às espirituais, que
estão inseparavelmente relacionadas, ainda que sejam separadas em termos funcionais.
No capítulo anterior mencionamos que a missão integral da Igreja é ampla. Isso é verdade. Por
isso mesmo nosso objetivo agora será tratar, à luz da Bíblia, apenas de um dos aspectos da missão
integral, isto é, aquele que está diretamente relacionado à pessoa do indivíduo ou, mais
especificamente, aos pobres deste mundo. "Nada é mais claro na Bíblia do que ser Deus o
campeão dos pobres, dos oprimidos e dos explorados". (BRYANT, 1988, p. 56).
a. No Antigo Testamento
Se folhearmos as páginas do Antigo Testamento veremos que existe uma clara opção preferencial
de Deus pelos pobres e oprimidos. Isto não significa que Deus faça acepção de pessoas ou de
classe social. De modo algum! Mas com certeza Ele olha de maneira especial para aqueles que não
têm vez, que não têm voz. Só no AT nós temos 300 referências sobre causas, realidade e
conseqüências da pobreza. Vinte e cinco palavras hebraicas para falar do oprimido, do humilhado,
do desesperado, do que clama por justiça, do fraco, do desamparado, do destituído, do carente, o
pobre, a viúva, o órfão, o estrangeiro. Em Isaías 58.3-8, quando o povo de Deus pergunta: "Por que
é que nós oramos e jejuamos e tu não nos respondes?", Deus diz: "É porque vocês jejuam e oram
para a iniqüidade, vocês estão oprimindo os pobres, e seus próprios operários, e o jejum que eu
quero, é que vocês cortem as ligaduras da impiedade, é que ajam com justiça em relação aos
desamparados". Veja também Isaías 1.17; 10.1,2.
Ezequiel 16.49 afirma que o pecado de Sodoma, além do orgulho, da vaidade e da imoralidade era
que aquela cidade, sendo rica e abastada, nunca atendeu o pobre e o necessitado. Se olharmos na
legislação do povo de Deus no Velho Testamento, veremos que o objetivo de toda a legislação era
que não houvesse miseráveis e injustiçados no meio do povo de Israel.
b. No Novo Testamento
Jesus Cristo é a revelação máxima da missão integral de Deus no mundo. No início de seu
ministério terreno o Senhor Jesus deixou bem clara a sua missão quando declarou: "O Espírito do
Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar
libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos, e
apregoar o ano aceitável do Senhor" (Lc 4.18,19). O cuidado de Jesus com os pobres e
marginalizados é enorme. "Nós nunca encontramos Jesus Cristo de dedo apontado contra os
pobres e marginalizados, mas enfrentando exatamente aqueles que oprimiam o povo, quer pelo
sistema religioso, quer pelo sistema econômico, ou sistema político de sua própria época".
(MACEDO FILHO, 1988, p. 35).
Em Mateus 4.23 lemos também: "Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas,
pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo". E
ainda em Mateus (cap. 25) notamos que além da questão do se "fazer igualmente a Cristo", a
nossa atitude para com os desfavorecidos deste mundo será um critério importante de
julgamento no Juízo Final.
Os apóstolos deram continuidade ao tema da missão integral de Jesus em seus ministérios. Veja
por exemplo Atos 5 e 6.
Em Jerusalém as três colunas do colégio apostólico (Pedro, Tiago e João) recomendaram a Paulo e
a Barnabé que não se esquecessem dos pobres, "o que também me esforcei por fazer", diz o
apóstolo em Gálatas 2.10.
Várias igrejas foram orientadas por cartas a agirem com a mesma visão de integralidade bíblica
dos apóstolos. Destacamos, dentre outras, as igrejas de Corinto (II Co 8 e 9), da Galácia (Gl 6.2-10)
e das doze tribos da dispersão (Tg 2. 1-7,14-26; 5.1-6).
O livro de Timóteo Carriker é uma teologia bíblica de missões. Seu objetivo é ressaltar as diversas
dimensões, na palavra de Deus, da identidade e tarefa missionárias do povo de Deus (1992, p. 11).
A seguir exporemos alguns dos principais conceitos da missão integral de Carriker.
No Antigo Testamento Javé é o Deus soberano sobre toda a sua criação. Esta imagem de Deus está
no coração do Novo Testamento também. Um Deus soberano e misericordioso é o ator último das
parábolas de Jesus. É este Deus salvador que alcança além das leis judaicas. Sua aproximação do
homem exige a atitude de conversão. O seu reino tem um escopo universal até cósmico. Os
marginalizados, mulheres, samaritanos, e gentios recebem a misericórdia de Deus.
Deus tem um plano salvífico que alcança tanto judeu quanto gentio, e Ele vai cumpri-lo. A
confiança no cumprimento do seu plano dá a igreja motivação para perseverar até o fim.
A igreja, contudo, não fica passiva em relação à soberania de Deus. Reconhecer que a missão é
essencialmente de Deus, missio Dei, não significa que a participação da igreja na evangelização
mundial tem pouca significância. Muito pelo contrário, a missio Dei exige os missiones eclesiae.
São praticamente dois lados da mesma moeda.
O Deus da Bíblia é o Deus que age na história. Não é principalmente apresentado como um
conceito ou idéia, uma doutrina que podemos elaborar. Ele é, acima de tudo, pessoal e age nos
eventos e experiências concretas das nossas vidas. Deus não se restringe a uma dimensão mística
da nossa vida. Atua através do êxodo, do dilúvio e do cativeiro no Velho Testamento, todos
eventos históricos até "seculares". Ele atua através da vida humana do seu filho Jesus, através da
sua morte e ressurreição, eventos bem visíveis que fazem parte da nossa história.
É na nossa história humana que Deus se revela e o faz com movimento para frente. Percebemos,
através da história, a sua conclusão. Assim, a perspectiva cristã da história é essencialmente
escatológica. A humanidade está indo na direção do cumprimento, julgamento e salvação, e este
movimento entrou na sua fase final com a ressurreição de Cristo. Hoje é o dia da salvação.
A abordagem de René Padilla é mais teológica e menos bíblica. Por "mais teológica" queremos
dizer que os argumentos de Padilla estão mais na área das idéias, o que não diminui, de modo
algum, o valor da obra dele. Por "menos bíblica" queremos afirmar que o livro de Padilla não é
uma teologia bíblica nos moldes do livro de Timóteo Carriker, porém, seus princípios são
eminentemente bíblicos. Apesar de não termos o objetivo de comparar os dois autores, vale
ressaltar que as aplicações de Padilla são mais contextualizadas que as de Carriker.
Padilla desenvolve seu tratado em termos de desafios. Diz ele que o maior desafio que a igreja
enfrenta atualmente é o desafio da missão integral (1992, p. 139).
O desafio da missão integral, por sua vez, subdivide-se em outros três, a saber: O desafio da
evangelização e do discipulado, o desafio da colaboração e da unidade e o desafio do
desenvolvimento e da justiça. Seus argumentos principais são os seguintes:
Porque há um mundo, uma igreja e um evangelho, a missão cristã não pode ser outra coisa que
missão realizada em colaboração mútua. Chegou o momento de encontrar maneiras de reduzir a
distância entre as igrejas no Ocidente e no Terceiro Mundo. Já há experiências úteis que estão
sendo levadas a cabo com este propósito, mas é necessário fazer muito mais para desenvolver
modelos de solidariedade acima das barreiras políticas, econômicas, sociais e culturais, e para
estimular a colaboração mútua entre as igrejas.
O desafio tanto para os cristãos no Ocidente como para os cristãos nos países subdesenvolvidos é
criar modelos de missão centrados num estilo de vida profético, modelos que apontem para Jesus
Cristo como Senhor da totalidade da vida, à universalidade da igreja e à interdependência dos
seres humanos no mundo.
Não são poucos e nem pequenos os problemas sociais brasileiros. A igreja evangélica brasileira
tem desafios enormes nesta área. Porém, de início é preciso que encaremos com seriedade e
maturidade o dilema de até onde podemos e devemos nos envolver nestes desafios. Que a igreja
evangélica brasileira não deve se esquivar de sua missão integral, é o nosso comum acordo com a
declaração de Lausanne:
Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social
evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que evangelização e o envolvimento
sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão.
É preciso sim que a Igreja seja a consciência da sociedade e a voz profética que denuncia os
desmandos desta mesma sociedade. Não devemos, como Igreja de Cristo, partir para a ignorância
e violência, mas podemos e devemos fazer confrontações sociais sérias. Confrontação não é
violência. Robert C. Linthicum (1996, pp. 171,2) explica:
Por outro lado, violência é o exercício da força física, a fim de ganhar uma disputa. Enquanto a
confrontação é verbal, a violência é física. De uma forma mais profunda, essas palavras não são
sinônimas, e sim antônimas, pois, em sua própria natureza, um ato de violência é a indicação de
que a confrontação falhou. A confrontação boa e eficaz nunca deve levar à violência, mas à
resolução do problema.
É nesse espírito de verdadeira confrontação que a Igreja deve encarar seus desafios sociais, com
propostas terapêuticas para uma sociedade enferma. Portanto, empenhemos-nos pela dignidade
do povo brasileiro. Reivindiquemos, pois, os seus e os nossos direitos: Saúde, segurança,
educação, trabalho e salário digno.
E até onde podemos e devemos ir nesta questão toda? Até onde os direitos sejam
verdadeiramente assegurados, o amor ao próximo evidenciado, a moral dignificada, o evangelho e
o bom testemunho não sejam prejudicados e, sobretudo, o nome de Jesus seja glorificado.
O governo tem (e como tem!) suas culpas e responsabilidades, mas não podemos ficar
indiferentes ao que ocorre em nossa volta, simplesmente criticando por criticar o governo. Pesa (e
como pesa!) sobre o povo de Deus também a responsabilidade pelo bem-estar social do nosso
país.
Os desafios sociais da igreja brasileira não são combatidos e vencidos como deveriam porque falta
vontade eclesiástica por parte da mesma. Ou porque a liderança não se empenha, ou porque os
liderados não se envolvem na obra. O certo é: Se não chegarmos a um consenso; se não juntarmos
forças, jamais sairemos do lugar comum. Continuaremos marcando passo, salgando a nós mesmos
e iluminando nossos umbigos.
Uma lição é preciso aprender com a igreja de Jerusalém. A igreja de Jerusalém estava consciente
de sua missão no mundo. Era uma igreja unida em seus propósitos e se amava de verdade.
Internamente ela estava pegando fogo, desejosa de pregar o evangelho, em obediência ao
mandado de Cristo. Porém, externamente os desafios eram humanamente insuperáveis. Pilatos,
Herodes e muita gente se levantaram contra a Igreja de Deus. Então a Igreja orou: "agora, Senhor,
olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua
palavra, enquanto estendes as mãos para fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome
do teu santo Servo Jesus" (At 4.29,30).
E Deus atendeu ao clamor de sua Igreja (At 4.31). Atendeu porque a Igreja deixou de lado seus
próprios interesses para servir ao mundo. Hoje, o que muito se vê, à nível de igreja local, é a
própria igreja criando obstáculos para não fazer a obra do Senhor. Externamente desfruta-se de
uma liberdade religiosa como nunca se viu, mas internamente muito de nossas igrejas estão
enfermas, quando na verdade eram elas que deveriam estar curando!
A seguir daremos duas sugestões práticas para que esse quadro sombrio possa se reverter.
O que muito tem contribuído para um mau desempenho da Igreja em sua missão integral é a falta
de estruturas que funcionem. Estruturas enrijecidas pelo tradicionalismo matam ou impedem a
visão de uma igreja.
A quebra de paradigmas é uma das coisas fundamentais para que a estrutura de uma igreja se
torne funcional. Às vezes é preciso muita coragem para mudar certos parâmetros que já não
funcionam mais. À primeira vista parece fácil mudar aquilo que se tornou obsoleto, mas não é tão
simples assim. Antes é preciso mudar a mentalidade dos acomodados e principalmente dos
saudosistas, daqueles que confundem inovação com inovacionismo, tradição com tradicionalismo.
O que está "matando" muito crente novo (e velho também) é a igreja não-funcional, que se limita
a suas atividades internas, fechada em quatro paredes.
Contudo, por uma questão de prudência e respeito àqueles que não pensam como nós, é preciso
que os paradigmas sejam quebrados aos poucos. As idéias devem ser amadurecidas no meio da
comunidade, sem atropelos, mas progressivamente.
Uma coisa aprendi em meus poucos anos de ministério pastoral: Se a igreja não comprar a nossa
idéia, não será por meio de decreto conciliar que conseguiremos qualquer êxito. Um diálogo
franco, aberto e amigável é a chave do sucesso.
Aquelas igrejas que um dia receberam orientação missionária, se não forem constantemente
lembradas daquele compromisso, rapidamente minguarão.
E como revitalizar uma igreja que começou com tanto entusiasmo por missões e de repente
esfriou? Em primeiro lugar é preciso reconscientizar a igreja de sua missão no mundo. Em segundo
lugar é preciso conscientizá-la de que ela está no mundo para servir o mundo integralmente.
Se a igreja chegou a se empolgar com missão algum dia, é sinal que ela tem potencial para fazer,
com a graça de Deus, o que fez antes. Sermões e estudos bíblicos missionários, filmes específicos
como As Primícias, Etal e Atrás do Sol, além do auxílio de uma boa agência ou junta missionária,
com certeza produzirão novo alento. Geralmente a frieza por missões acontece por causa da
rotina. Uma vez que o mal foi detectado é necessário que seja combatido com atividades variadas.
O mais importante é que a igreja seja cientificada de que sua missão no mundo é integral.
Evangelizar não é simplesmente distribuir folhetos como alguns pensam, mas sim, atender o
indivíduo na totalidade de suas necessidades. Por isso mesmo, a Igreja nunca deveria deixar se
levar pela prática do paternalismo e assistencialismo paliativos, porém, deveria partir sempre para
uma ação social transformadora, do indivíduo e da sociedade, para a honra e glória de Deus Pai.
Cada igreja deve refletir sobre sua motivação em praticar evangelismo e ação social, e todas as
atividades nestas direções devem estar debaixo do serviço a Deus em primeiro lugar (A. C. BARRO,
sem data, p. 5). O ponto de partida é o parâmetro bíblico e o contexto da igreja local.
Conclusão:
A missão integral da Igreja é basicamente evangelização e ação social. Dizemos "basicamente"
porque a missão integral da Igreja é na verdade universal. Abrange vários aspectos. Evangelizar é a
sua qualidade primordial. A Igreja que troca a evangelização por qualquer outra responsabilidade
social está fora de propósito e, portanto, descaracterizada como igreja de Jesus Cristo. Por outro
lado, que nenhuma igreja pense ser mais espiritual porque optou pela evangelização.
Concordamos que uma igreja possa fazer uma opção temporária entre evangelizar e assistir ao
necessitado, mas nunca uma opção permanente. A verdadeira espiritualidade do povo de Deus se
expressa em sua integralidade. A mesma igreja que proclama as boas novas do reino deve ser a
mesma que estende a mão ao necessitado.
Missão integral é uma realidade bíblica. Os mitos não fazem sentido quando são resultados
baratos de um reducionismo evangélico, polarização entre evangelização e ação social, e quando
se deixa de contemplar o indivíduo em sua totalidade. Os mitos (pelo menos os que aqui
estudamos) deturpam a missão integral da Igreja.
Se queremos atentar para o ensino bíblico, então devemos almejar por uma igreja brasileira
autêntica, que não seja ela mesma um mito, mas a realidade bíblica de uma missão integral em
nossa sociedade.