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[^(MfffflM"

"Para onde?
De volta? A Idade da Pedra e das peles.
De volta? Aos incertos dias onde as mulheres colhiam frutas e os
homens precisavam caçar.
De volta? As cavernas onde a tribo inteira precisava dormir.
! Ou para frente! Para onde? Para as casas de barro e de palha onde
tudo é escuro.
Para frente! Para onde? Na terra onde você precisa semear em uma
única linha infinita".2

O que é a didática da história? Não podemos responder a essa pergunta sem


olhar para a história da ciência da História. Pois a história da ciência é um meio da
autoafirmação da didática da história. A autoafirmação de uma disciplina, mediante
a história da ciência, não é incomum. A história da historiografia sempre teve - ao
i lado da teoria da História como reflexão sistemática - uma função de esclarecimen-
I to de posições na história da ciência da História 3 . O que se deve levar em conside-
j ração, quando a didática da história se preocupa consigo mesma, mediante a histó-
ria da ciência da História? Quais são seus problemas? Se ela se volta meramente
; sobre si enquanto instância transmissora do saber históricos e se sua relação à ciên-

2
Aluna da 6" classe sobre o tema: Confronto de culturas entre o Paleolítico e o Neolítico, anos 80. Esse
poema está fortemente influenciado pelo poema "Para onde?" de Michael Francis Dei-Anang ((in: Stockheim,
V . K - H - : Afrika: Schrei der Hof&ung [África: Grito da esperança]. Bischõfliches Hilfswerk Misereor. Material
para a escola 10). Aalen, 1981, p. 47 (Gentil indicação de S. Thiele).
Ver Blanke, Horst Walter: Historiographiegeschichte ais Historik (Fundamenta Histórica, vol. 3), Stuttgart-
Bad Cannstatt, 1991.
Jõrn Rüsen
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cia da História é definida apenas pelo conceito de "referência externa", o que se


pode levar em conta dela mesma, de seus princípios internos próprios? Poder-se-ia
argumentar que uma mudança na ciência da História, como a recente preferência
pela história cultural, leve a novos problemas de transmissão, bem como aos seus
respectivos desafios didáticos. Uma reconstrução dessas mudanças pode levar, com
efeito, a uma definição das tarefas da didática da história. Eu não negaria que, com
isso, um aspecto da didática da história viria à tona. No entanto, dentro dessa forma
de análise, a ciência da História e a didática da história teriam um relacionamento
apenas superficial. A didática da história aparece como uma variável dependente do
processo de desenvolvimento histórico da ciência da história. Ao ocupar-se consigo
mesma, dessa forma, dentro da história da historiografia, ela acaba por relegar-se a
um segundo plano.
A didática da história, no entanto, ganha uma visão totalmente diferente de si
mesma, se perguntar diretamente pelos fatores histórico-didáticos no processo do
conhecimento na ciência da História e se buscar descobrir o papel desses fatores na
história da ciência. Somente desse modo ela estabelece uma relação direta com a
ciência da história e a história da ciência da história - ao menos implicitamente - dá
informações sobre o que a didática da história como disciplina é, em si e por si4.
JA didática da história se situa nessa relação diretacoiiLaj^ência^da história, na
medida em que se concebe como ciência do aprendizado histórico e não como ciêr>
cia da transmissão do conhecimento histórico_produzido pela ciência da históriaj
No que segue, entende-se["aprendizado históricoJ como o processo de formação da
identidade e orientação históricas mediante as operações da consciência histórica.
Onde se pode discernir uma conexão direta da história, como ciência, com a didáti-
ca da história, como ciência do aprendizado histórico? Essa pergunta é mais bem
respondida quando se recorre à matriz disciplinar como modelo estrutural da histó-
ria como ciência 5 . Essa matriz apresenta os fatores mentais essenciais que definem
a história como ciência. Eles determinam o que realmente constitui a cientifícidade
da produção cognitiva da ciência da história.

São cinco os fatores que se constituem como referências determinantes essen-


ciais da matriz disciplinar da ciência da história. Sistematicamente, pode-se descrevê-
los da seguinte maneira: __
• carências de orientação ao longo das mudanças na vida humana;

4
Ver em especial Pandel, Hans-Jürgen: Historik und Didatik. Das Problem historiographisch erzeugten
Wissens in der deutschen Geschichtswissenschaft von der Spãtaufklãrung zum Frühhistorismus (1765-1830).
(Fundamenta Histórica, vol.3), Stuttgart-Bad Cannstatt, 1990.
5
Este conceito de matriz disciplinar é apresentado de forma mais completa em: Rüsen, Jõrn. A razão histó-
rica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001, p. 29ss.
Aprendizagem Histórica - Fundamentos e Paradigmas 17

a perspectivas da interpretação do passado como história;


a métodos da pesquisa;
D formas da apresentação;
D funções da orientação cultural.

Nada menos do que três desses fatores correspondem genuinamente às questões


didáticas:
a o fator das carências de orientação (ou dos interesses cognitivos);
D o fator das formas historiográficas de orientação, nas quais adquire forma a
relação do conhecimento histórico com seus destinatários; e, por fim,
n o fator das funções de orientação existencial, que leva em conta o saber histó-
rico na vida humana prática; uma das mais importantes dessas funções é a
formação da identidade histórica.

Em face desses três fatores fundamentais do conhecimento histórico cientifico


especializado, não faz sentido algum falar de uma relação extrínseca entre ciência
da história e didática da história. Esses fatores deixam claro o quão problemático é
atribuir, à didática da história, aJunção de mera transmissora do saber histórico. A
partir desses fatores apresento, a seguir, a história da ciência da história, ao longo
de uma época: do iluminismo aojhistoricismo6). Essa época pode ser caracterizada,
em resumo, a modernização do pensamento histórico. "Modernização" possui dois
sentidos: um é o dinamismo da consciência histórica. Isso quer dizer a temporalização
da relação da relação humana com o passadoTOs modelos mais antigos de formação
exemplar de sentido do pensamento histórico são substituídos por modelos genéti-
co-dinâmicos/^Reinhart Koselleck descreveu brilhantemente este passo, marcante
de uma época na história da cultura, como a superação do tópos "historia magistra
vitae" pelo "horizonte da história moderna em movimento" 8 . Modernização, junto
com a dinamização, significa também a^ietóifícização dq pjnsamento^istOTko.
Essa cientificização realizou-se de diversos modos, entre iluminismo e historicismo.
|(Xüuminismõjbtroduziu no pensamento histórico o princípio fundamental da ciên-

6
O conceito que subjaz na minha interpretação dessas épocas da ciência da história foi apresentado de forma
mais completa em: Rüsen, Jorn: Von der Aufklãrung r u m Historismus. Idealtypische Perspektiven eines
strukturwandels, in: Konfigúrationen des Historismus. Studien zur deutsches Wissenschaflskultur.
Frankfurt/Main 1993, S.29-94. Suas versões mais recentes estão em Rüsen, Jorn. Kultur macht Sinn.
Orientierungsprobleme zwischen Gestern und Morgen. Colônia: Bõhlau, 2006, p. 125-128. Ver também
Rüsen, Jõrn. Disziplinãre Matrix, em Jordan, Stefan (org.). Lexikon Geschichtswissenschaft. Hundert
Grundbegriffe. Stuttgart: Reclam, 2002, p. 61-64.
'Esse modelo de formação de sentido está descrito mais adiante, p. 79ss.
^Coselleçk, .Reinhart: Historia Magistra Vitae - sobre a dissolução do topos na história moderna em movi-
mento, m: Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto:
Ed. PUC-Rio, 2006, p. 41-60.
Jõrn Rüsen
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cia: a racionalidade metódica. 0(^istoricisn^ completou esse princípio da racio-


nalidade metódica, que tinha como pressuposto, com outro princípio fundamental:
o da especialização disciplinar
O que significa essa modernização para o processo do aprendizado histórico? O
que significa a modernização do pensamento histórico para a didática da história
como o local no pensamento histórico onde o aprendizado histórico é tematizado e
refletido? Eu gostaria de responder esta pergunta dando dois passos. Primeiramente
gostaria de tratar das implicações histórico-didáticas e das conseqüências da dina-
mização do pensamento histórico. Em seguida, cuidar-se-á de sua cientificização e
de seu siginifícado para o aprendizado histórico. Por força da dinamização do pen-
samento histórico alteram-se os modelos de interpretação da consciência histórica:
a história não ensina mais nenhuma regra geral e sua aplicação a situações concre-
tas. A historiografia não é mais vitae magistra. A experiência histórica não é mais
utilizada como meio de incremento da competência de regrar o comportamento
adequado; à constituição exemplar de sentido sucede a genética.^) que interessa, ao
se transformar a experiência histórica, pelo aprendizado, em capacidade interpretativa
de orientar a própria vida prática, não é mais a validade atemporal de regras de
comportamento nem a capacidade de ajuizar como aplicar essas regras abstratas e
genéricas a situações concretas da vida humana. Agjgvé^dissojã própria mudança
temporal ganha grande relevância na orientação histórica e na formação da identi-
dade histórica: a capacidade de mudar torna-se condição necessária para a
autoafirmação e duração da subjetividade humanaTJ
Modernização do pensamento histórico significa, histórico-didaticamente, a
temporalização da identidade histórica na apropriação interpretativa da experiência
histórica. As categorias de interpretação da experiência histórica correspondentes
são:/progresso/e desenvolvimento] A essas categorias correspondem categorias di-
dáticas com as quais a experiência histórica é relacionada à autocompreensão hu-
mana, na quais, por conseguinte o conhecimento histórico obtém sua valência didá-
tica. São elas:jãperfeiçoan^_to]ejfomaçiõ\ Em ambos os casos, trata-se de deter-
minções formais da identidade histórica. Em termos de conteúdo, no ilüminismo, é
a humanidade, como grandeza de referência da formação da identidade, que cor-
responde a essas categorias. Ela é apresentada como válida em toda a história uni-
versal, o que viabiliza a dimensão histórica, o horizonte temporal do ser humano,
seu destinatário. O que os direitos humanos formulam como princípios normativos
gerais da socialização política, é efetivado pela história universal do ilüminismo:
humanidade, enquanto sistema universal de normas, é correlacionada à multiplicidade
das diversas culturas, de modo tal que a unidade da humanidade nessa multiplicidade
se torna visível - inclusive como um processo histórico abrangente. August Ludwig
Schlõzer se referiu a este processso como uma comunidade de comunicação cres-
Aprendizagem Histórica - Fundamentos e Paradigmas 19

cente entre diferentes culturas9. O Historicismo adota essa concepção do conteúdo


da identidade histórica como humanidade. A definição de história de Droysen, como
"conheçe-te a ti mesmo" da humanidade, exprime essa idéia como uma agenda
programática10. Com respeito ao ilüminismo, o historicismo inverte a perspectiva
quanto à humanidade.^(iíümin^rnpgeneralizava a particularidade das diferenças
estamentais da formação da identidade na universalidade do ser humano. Ao revés,
o(historicísmQ) individualizou a universalidade do ser humano, a humanidade, na
particularidade de cada grupo de referência da identidade histórica, que deixa de
ser estamental para representar - por quase todo o século XIX - a naçãoTj
A dinamização da consciência histórica, que começa com o pensamento históri-
co do ilüminismo tardio possui, pois, um aspecto didático fundamental: diz respeito
ao aprendizado histórico em sua dimensão categoriaL A consciência histórica, em
seu trabalho de formação da identidade histórica, segue novos modelos de interpre-
tação, uma nova lógica da formação histórica de sentido. Com isso, a identidade
histórica ganha novas formas e conteúdos. Formalmente, a identidade se torna uma
grandeza temporal, um processo, um devir, perde j e u caráter estático. Quanto ao
conteúdo, a identidade histórica é formada pelo critério da humanidade. Humanida-
de significa: intenção moral e extensão empírica da experiência histórica. Nação
significa, então, a individualização das qualificações gerais da humanidade. O im-
perativo categórico como expressão da subjetividade moderna tem sua dimensão
histórica: moralmente, pode ser concebido como uma regra que manda determinar
o agir próprio por meio de intenções que possuam qualidade humana, isto é, que
sejam atribuíveis a qualquer ser humano, ou seja, são generalizáveis. Historicamen-
te, essa regra se efetiva ao tornar a vida humana prática imaginável e realizável
enquanto parte de um processo temporal, no qual uma natureza humana moralmen-
te universal se caracteriza temporalmente como cultura, sob condições diversas do
agir. "Nação" foi, para o historicismo clássico, uma caracterização específica da
natureza humana universal no processo temporal. Ranke assim o formulou: "Para
aproximar as diferentes nações e os indivíduos da idéia de humanidade e de cultu-
ra, o progresso é indispensável"11.
O processo de cientificização do pensamento histórico perpassa diferentes ní-
veis. Um deles é o das instituições, das universidades e academias, nas quais são
desenvolvidas novas formas de pesquisa histórica e de aprender e ensinar história,

'Schlõzer, August Ludwig: Vorstelluung seiner Universalhistorie. Gõttingen, 1772 (Edição reimpressa, pre-
faciada e comentada por Horst Walter Blanke. Hagen, 1990), Prefácio à segunda edição.
10
Droysen, Johann Gustav: Historik. Historisch-kritische Ausgabe, Ed. Peter Leyh, vol. 1. Stuttgart, 1977,
p. 28ss.
" Ranke, Leopold von: Über die Epochen der neueren Geschichte, Eds. Theodor Schieder e Helmut Berding
(Aus Werk und Nachlaâ, vol. 2). Miinchen, 1971, p. 80.
20 Jorn Rüsen

para profissionalizar os historiadores. Outro é o da estrutura cognitiva do pensa-


mento histórico, um nível da matriz disciplinar.
Como o que me interessa são os princípios do pensamento histórico-didático, ao
longo do processo histórico da ciência da história, me aterei ao último nível citado.
Nesse nível, como já mencionado anteriormente, o pensamento histórico é organi-
zado, mentalmente, por cinco fatores fundamentais: carências de orientação, pers-
pectivas orientadoras quanto ao passado, as regras pelas quais a experiência histó-
rica é apreendida, formas de apresentação e funções de orientação existencial pelo
conhecimento histórico. Neste nível, cientifização significa: as carências de orien-
tação tornam-se o interesse do conhecimento; as perspectivas orientadoras tornam-
se o quadro teórico de referência da interpretação histórica; as regras de decifração
da experiência histórica tornam-se métodos da pesquisa histórica; as figuras retóri-
cas da instrução histórica tornam-se formas discursivas e estéticas de apresentação
do conhecimento histórico obtido pela pesquisa; e a consolidação histórica da pró-
pria identidade torna-se especificamente científica ao se inserir, formalmente, no
modo discursivo de uma argumentação racional e, materialmente, ao ser determina-
da pelas grandezas de referência humanidade e nação12. Um fator decisivo para a
complexa relação recíproca entre essas cinco tendências da cientificização do pen-
samento histórico é que, graças ao modo cognitivo da pesquisa, este ganha uma
dinâmica interna: o pensamento histórico é inserido, de forma regrada, no processo
permanente do progresso do conhecimento mediante a pesquisa.
Onde está, então, a dimensão didática específica desse processo de cientifici-
zação? Ela aparece onde estão as necessidades da vida, as capacidades e formas de
aprendizagem da consciência histórica. A didática da história aparece onde os co-
nhecimentos históricos são determinados pela relação entre a consciência histórica
e o mundo da vida humana, e não onde se trate especificamente da relação da pes-
quisa histórica à experiência ou do manejo metodicamente regrado das fontes.
Mas não seria justamente esse contexto a ser superado pela cientificização?
Modernização do pensamento histórico por meio da cientificização não significaria
um abandono crescente da subjetividade e o conseqüente deslocamento da didática
da história para fora do âmbito estrito da ciência especializada? Com efeito,jexis-
tem conclusões claras na história da ciência que interpretam a cientifização do pen-
samento histórico, do iluminismo ao historismo, como um processo em que a didá-
tica da história, enquanto dimensão reflexiva especializada do saber histórico, é
mais e mais posta de lado13"?

12
Para isso, ver Rüsen (como na nota 6).
13
Ver também: Pandel, Hans-Jürgen: Historiker ais Didaktiker, in: Bergamnn, Klaus/Schneider, Gerhard
(Eds.): Gesellscháft, Staat, Geschichtsunterricht. Beitrage zu einer Geschichte der Geschichtsdidaktik und
des Geschichtsuntemchts von 1500-1980. Düsseldorf, 1982, p. 104-131.
Aprendizagem Histórica - Fundamentos e Paradigmas 21

Antes da cientifização, a historiografia era percebida, entendida e refletida pe-


los intelectuais como um empreendimento retórico-literário. Essa reflexão era, em
seu cerne, didática, pois tematizava a historiografia desde a perspectiva superior
dos destinatários. A historiografia possuia, pois, no autoconhecimento dos historia-
dores, uma forte relação didática interna com seus potenciais destinatários. Dito de
forma breve e resumida: na história da historiografia e do pensamento histórico, a
didática Por exemplo: Johann Christoph Gatterer, em 1767, tratou "do plano histó-
rico e da elaboração da narrativa que se baseia nele" e abordou o método do plano
a ser seguido pelo historiógrafo. Esse método é um construto narrativo teórico que
obedece a uma perspectiva explícita com relação ao passado humano. Para Gatterer,
pois, o método diz respeito ao aprendizado da história apresentada.14 Método, como
princípio científico básico do pensamento, é ainda entendido em seu cerne, aqui,
como didático. Gatterer dá, entretanto, um passo além dessa concepção tradicional
e pré-científica do método didático. Para ele, a medida do plano da história está
também em questões objetivas: trata-se, pois, de uma estruturação mais ou menos
teórica da experiência histórica. Gatterer, na teorização do conhecimento historico,
ainda estava indeciso entre a relação didática com os destinatários e a relação de
pesquisa com a experiência.
O avanço da cientificização transfere a ênfase para a re 1 ação com a experiência,
base da pesquisa histórica. Os pontos de vista didáticos desaparecem da estrutura
de princípios do conhecimento histórico organizado; a didática da história torna-se
apenas executora do conhecimento adquirido pela pesquisa, em contextos de apli-
cação externos à especialidade. Naturalmente, existem essas aplicações e, natural-
mente, faz sentido a distinção entre processos de pesquisa próprios à especialidade
e aplicações externas do conhecimento histórico adquirido pela pesquisa. No entan-
to, quando essa distinção torna-se um critério decisivo de como a ciência da história
e a didática da história se relacionam, então se perdem aspectos essenciais à
autocompreensão da ciência da história e a percepção do porque a didática da histó-
ria existe, mingua a ponto de tornar-se irreconhecível.
É aconselhável, então, examinar mais derádamentg^o processo histórico da
ç[entificização. Duas razões são fundamentais para isso: ajpriméirãj é que precisaria
ficar claro que a didática da história não desapareceu, de modo algum, do horizonte
da autocompreensão dos historiadores, mas sim que faz parte de uma nova conste-
lação de problemas dessa autocompreensão, modificada. Em segundollugar, a his-
tória da cientificização da ciência da história precisaria mostrar-se claramente como

14
Gatterer, Johann Christhoph: Von historischen Plan und der darauf sich gründenden Zusammenfügung der
Erzãhlung, in: Allgemeine historische Bibliothek 1 (1767), p. 15-89; ver em: Blanke, Horst Walter; Fleischer,
Dirk (eds.): Theoretiker der deutschen Aufklãrungshistorie. Vol. 2: Elemente der Aufklãrungshistorik. Stuttgart-
Bad, Cannstatt, 1990, p. 621-662.
22 Jórn Rüsen

uma história de perdas. Ela precisaria aparecer como uma história do estreitamento
crescente da perspectiva na qual o pensamento histórico se percebe e se torna per-
ceptível. Esse estreitamento diz respeito até à própria cientificização da ciência da
história. A cientificização precisaria ser cognoscível como um fenômeno histórico
no qual, não apenas os princípios metódicos da pesquisa histórica são adquiridos e
aplicados, mas também um processo no qual, ao lado do progresso da racionalidade
metódica, ocorreu um recuo. Recuo porque, no mesmo processo, dimensões essen-
ciais do pensamento histórico deixaram de fazer parte da autocompreensão profis-
sional e perderam a sua capacidade científica. Cientificização como progresso da
racionalização metódica deveria ser vista também como "progresso" da irraciona-
lidade nos princípios cognitivos do conhecimeto histórico.
Essa dialética do processo de cientificização pode ser constada, na história da
ciência, quando se leva em conta a dimensão didática específica do processo espe-
cializado de conhecimento, ao se montar, em perspectiva sistemática, a matriz dis-
ciplinar da ciência especilizada. Esse é o caso sempre que as carências de orienta-
ção provocam o conhecimento histórico. Em termos científicos específicos, essas
carências se tornam interesses do conhecimento. Essa passagem das carências de
orientação para interesses do conhecimento significa que a subjetividade humana,
carente de orientação, é incluída na produção de garantias de objetividade mediante
pesquisa. Se quisermos, podemos chamar essa disçiplinarfcagão de "jfeSitUdatfeaçao"
i o conhecimento histórico. Ao mesmo tempo, porém, e isso não deve ser ignorado,
na dinamização do pensamento histórico, na qual os modelos exemplares de inter-
pretação da experiência histórica se transformam em genéticos, são abertas novas
dimensões da subjetividade no manejo interpretativo da experiência histórica.
De fato, novas necessidades de aprendizado emergem da experiência da rápida
mudança estrutural causada pela dinamização modernizante do pensamento históri-
co no âmbito da história cultural. Novas capacidades de aprendizado ganham for-
ma, assim que essa experiência da mudança é trabalhada sob a forma de um modelo
interpretativo da consciência histórica, especificamente modernona. O "aperfeiçoa-
mento" e a "formação" indicam, como categorias didáticas do conhecimento histó-
rico, a expansão da capacidade de aprendizado da consciência histórica, inseparável
do processo de modernização do pensamento histórico.
Trata-se, aqui, de novas dimensões da subjetividade, especificamente didáticas.
Elas se referem ao aprendizado histórico como o meio de formação da identidade
histórica. Como assim? Na consciência histórica, a posição relativa da subjetivida-
de no manejo da experiência histórica se modifica. Com isso, modifica-se também
o modo de constituição da subjetividade como identidade histórica, mediante a inter-
pretação da experiência histórica. A subjetividade perde sua competência de criar
regras comportamentais de validade supratemporal. Per<^a^sim seu__ status_de
Aprendizagem Histórica - Fundamentos e Paradigmas 23

contraponto abstrato à experiência histórica, ou melhor, sua superioridade. Ela mes-


ma é engolfada pelos processos de mudança temporal, de que antes era senhora e
mestra, nas formas pré-modernas da consciência histórica. Descobre sua própria
mobilidade temporal como chance de crescimento, elabora para si, a partir da expe-
riência histórica, não mais regras do comportamento adequado, com as quais julga-
va o passado e poderia instruir seu mundo para benefício dos anos futuros (para
lembrar a famosa formulação de Ranke).15 Ao invés disso, descobre-se na experiên-
cia histórica como vinculada ao tempo e, simultaneamente, livre delejtias perspecti-
vas novas de futuro. * ^
Esse novo papel da subjetividade no processo de cientificização do pensamento
histórico torna-se explícito na discussão dos historiadores sobre o sua dependência
das tomadas de posição e de partido quanto ao conhecimento histórico. Um exem-
plo marcante está no escrito programático de teoria do conhecimento de Johann
Martin Chladenius, "Ciência Universal da Históra" (Leipzig, 1752), que tenta de-
monstrar a capacidade científica do pensamento histórico. Chladenius desenvolveu
não só uma argumentação, em cuja luz o pensamento histórico surgiria como capaz
de ser científico, mas formulou também, pela primeira vez, o entendimento de que
o conhecimento histórico depende de pontos vista (o "Sehepunct", no original).
Outro exemplo conhecido sobre a relação direta entre a disciplinação metódica dos
subjetos cognoscentes e o surgimento de novas dimensões e qualidades da subjeti-
vidade do pensamento histórico que se cientificiza, é o "Tratado sobre a posição e o
ponto de vista do historiador" de Gatterer (1768)16. O historiador de Gõttingen, que
trabalhou intensamente para sistematizar as operações da pesquisa acessórias à cri-
tica das fontes, com a intenção de garantir conteúdo objetivo ao saber histórico,
reconhece, ao mesmo tempo, a dependência fundamental do conhecimento históri-
co do ponto de vista de seu sujeito no respectivo tempo.
A cientificização do pensamento histórico,é^assjm v um processo duplo:|garantia
de objetividade por meio da pesquisa, por um lado, e ganho de subjetividade pela
relação ao posicionamento, por outrojEntre os dois lados, existe um vínculo extre-
mamente tenso. Iluminismo e Historicismo se diferenciam ideal-tijDicamente^jpela
maneira como lidamjçom esse vínculo tenso. A avaliação contemporânea dessas
duas grandes épocas da ciência da História depende, em larga medida, de que luzes

" "Man hat der Historie das Amt, die Vergangenheit zu richten, die Mitwelt zum Nutzen zukünftiger Jahre
zu belehren, beigemessen: So hoher Àmter unterwindet sich gegenwãrtiger Versuch nicht: er will bloss
zeigen, wie es eigentlich gewesen". Ranke, Leopold von. Geschichte der romanischen und germanischen
VoLker von 1494-1514, Sãmtliche Werke, vol. 33. Leipzig: Duncker und Humblot, 1885, p. VIII. PÁGINA
15 DA EDIÇÃO DE 2008.
16
Gatterer, Johann Chrstoph: Abhandlung vom Standort und Gesichtspunkt des Geschichtsschreibers oder
der Teutsche Livius, in: AUgemeine historische Bibliothek 5 (1768), p. 3-29; ver em: Blanke/Fleischer (Eds):
Theoretiker (nota 13), p. 452-466.
24 Jõrn Riisen

as soluções preconizadas por elas para esse vínculo tenso podem deitar sobre o
entendimento da didática da história. Refiro-me ao entendimento didático de que
ciência não significa exclusão, mas desenvolvimento da subjetividade, de que pen-
samento metódico como disciplinamento da subjetividade não significa perda, mas
pode significar ganho de subjetividade, de chances de aprendizado e de oportunida-
des de desenvolvimento na formação da identidade histórica.
G(^mjnismo)responde de dois modos ao novo entendimento da dependência de
pontos de vista na historiografia. De uma parte, eleva o grau de objetividade do
saber histórico ao garantir os fatos históricos por meio da crítica sistemática das
fontes. Por outro lado, tematiza o ponto de vista do historiador, marcante para a
historiografia, tornando-o objeto de tratamento discursivo. Exemplos típicos desse
caso são a "Apresentação de sua História Universal'" 7 , de August Ludwig von
Schlõzer, ou os ensaios "Do Plano Histórico" e "Tratado sobre a posição e o ponto
de vista do historiador'" 8 , de Gatterer. Considerações didáticas ainda desempenham
um papel explícito na formatação da perspectiva histórica (dependente da posição
tomada), mas logo essas considerações são complementadas por considerações te-
óricas acerca do objeto. Os historiadores tentam encontrar um "sistema" de histo-
riografia que corresponda aos dados objetivos da experiência histórica, mas que
não seria dedutível exclusivamente da subjetividade do historiador, marcada por
seus posicionamentos.
O(historicismo) nesse particular, dá um passo adiante decisivo. Ele não nega o
entendimento, alcançado pelo ilüminismo, acerca da dependência do conhecimento
histórico de pontos de vista, mas se posiciona de outro modo: para o historicismo, a
referência a um ponto de vista, a uma tomada de posição, torna-se um procedimento
ordenador do conjunto da evolução histórica. OJ^toricismoj^omove uma virada
objetivista, afastando-se do discurso súbjetivo dos historiadores sobre o seu lugar
na sociedade e sobre imersão nos dados objetivos da experiência histórica. Humboldt
formulou, em seu conhecido escrito programático "Sobre a tarefa do Historiador",
as premissas dessa virada como "concordância prévia e originária entre sujeito e
objeto'" 9 . O historiador cognoscente, em sua subjetividade, é o espírito do espírito
das idéias que movem a história. O conhecimento histórico se dedica ao contexto
intrínseco ideal do desenvolvimento temporal do homem e de seu mundo no passa-
do; evidencia empiricamente, portanto, a história enquanto tempo movido por idéias.
O sujeito toma posição na movimentada vida temporal de seu presente, a partir da

17
Schlõzer: Vorstellung seiner Universal-Historie (ver nota 9)..
18
Ver notas 14 e 16.
"Humboldt, Wilhelm von: Über die Aufgabe des Geschichtsschreibers (1821), in: Werk in flinf Banden,
vol. 1: Schriften zur Anthropologie und Geschichte, Eds. Andreas Flitner/Klaus Giel, Darmstadt, 1960, p.
596f. (Akademieausgabe IV, 48).
Aprendizagem Histórica - Fundamentos e Paradigmas 25

qual se constata um ordenamento temporal abrangente das condições atuais da vida.


A propósito dessa relação objetivadora da posição tomada, Gervinus chamou o his-
toriador de "partidário do destino"20.
A famosa máxima de Ranke: "Eu desejaria apagar o meu próprio eu, e falar
apenas coisas que deixam transparecer forças poderosas" 21 , expressa, em princípio,
a mesma coisa, embora o mesmo Ranke, em nome da objetividade científica, se
tenha afastado da tomada de posição político-partidária, consciente, de Gervinus22.
Os dois concordam, porém, que o conhecimento histórico abre a possibilidade de
suplantar as tomadas de posição particulares na vida política do presente, em bene-
fício de uma visão ampla da história como processo evolutivo, no qual as partida-
rizações seriam subsumidas nas mudanças temporais. O conhecimento histórico
produziu um saber sobre o sentido objetivo do movimento temporal do presente
como resultante de um dos partidarismos divergentes. Com essa pretensão, o pensa-
mento histórico se apresentou como base da formação de um consenso para além
dos partidos (no nível da identidade histórica). Correspondeu plenamente assim,
também, à autocompreensão do historiador como cientista especializado, ao atua-
rem em público como os advogados da universalidade, como os arautos das grandes
tendências objetivas do desenvolvimento histórico, para além do conflito dos parti-
darismos no presente.
^Droysen descreveu este disciplinamento objetivante da subjetividade do histo-
riador, como porta-voz de tendências históricas abrangentes, como extensão do "eu"
ou do "nós" dos sujeitos agentes para uma dimensão histórica profunda. A his-
toriografia abriria a seus destinatários o processo temporal interno de formação da
humanidade, no qual se inserem como contemporâneos e por intermédio do qual
poderiam adquirir sua identidade histórica e as orientações temporais de sua vida
prática, nela possibilitadas. À v c K X P A g CaLCo ^ / íkJ3'íyp> {Y3
' [ A passagem do Ilüminismo ao Historicismo pode ser caracterizada, em suma,
assim: a estrutura argumentativa do plano da historiografia, na qual as posições dos
, historiadores se dissolvem, é recuperada por uma teoria (implícita) do percurso
objetivo da históriaj\s posições não são mais postas de lado nem analisadas criti-
camente de forma isolada, mas são articuladas em processos históricos abrangentes.
Numa fórmula enxuta: o ilüminismo trata das intenções subjetivas que constituem
as representações objetivas dos processos; o historicismo desenvolve representa-

f Gervinus, Georg Gottfried. Grundzüge der Historik (1837), §39, in: idem: Schriften zur Literatur, Ed.
' Gotthard Erler. Berlin (DDR), 1962, p. 102. [Edição brasileira: GERVINUS, Georg Gottfried. Fundamen-
tos de Teoria da História. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 87.]
21
Ranke, Leopold von: Englische Geschichte vomehmlich im 17. Jahrhundert (Sãmtliche Werke, vol. 15).
Leipzig, 1877, p. 103.
22
Cf. Rüsen: Konfigurationen des Historismus (ver nota 6), p. 165.
26 Jorn Rüsen

ções objetivas dos processos, que devem viabilizar a plausibilidade das intenções
subjetivas. No historicismo tardio, essa articulação historicizante da capacidade
subjetiva de tomar posição torna-se uma verdadeira pressão para ajustar-se às re-
presentações do processo histórico na perspectiva dos estados-nação. Jacob
Burckhardt ironizou esta pressão a propósito das conseqüências historiográficas
dafundação do império (alemão): Agora, "toda a história do mundo, desde Adão,
será marcada pela vitória alemã e orientada para desembocar em 1870- 1871 ."23
Pode ser retirada dessa constelação da história da ciência entre iluminismo e
historicismo, conseqüências sistemáticas para a didática da história. A flexibilidade
argumentativa da relação às posições tomadas tem de estar conectada à função
objetivante do conhecimento histórico. O iluminismo impactou o historicismo jus-
tamente no ponto em que foi superado por ele: na sua concepção de um contexto
histórico, próprio às mudanças temporais, que possa servir de critério para a relação
à tomada de posição. Isso só é possível quando a objetividade desse contexto intrín-
seco - diversamente do que ocorre no historicismo, que a fundamenta com uma
teoria da história meramente implícita - se torna tema explícito da constituição, pós-
historicista, de uma teoria discursiva do processo cognitivo. O historicismo só con-
seguiu tornar plausível sua estratégia de objetivação da relação subjetiva à tomada
de posição ao preço de uma grande perda no plano discursivo: seja com a aparente
autodissolução, no sentido do objetivismo de Ranke, seja com uma identificação
apressada da tomada de posição política consciente à ruptura entre tendência histó-
rica em geral e conflito político no presente. O princípio metódico da teorização
explícita compensa essa perda e abre novas chances de uma perspectivação
fundamentável do conhecimento histórico, por meio da reflexão acerca dos pontos
de vista que estabelecem tais perspectivas.
Pode-se deduzir ainda, dessa constelação da história da ciência entre iluminismo
e historicismo, uma opção sistemática: a reflexão sobre pontos de vista e o uso da
teoria podem e devem ser articulados diretamente. Quando esta opção é adotada, o
conhecimento histórico ganha uma tarefa importante, que pode ser descrita como a
análise da constituição das perspectivas históricas, como articulação das carências
de orientação e de sua destinação a uma pesquisa histórica dirigida teoricamente. Se
a didática da história assumir esta tarefa, estabelece uma relação direta com a pes-
quisa histórica. Ela não segue a esta apenas no mero sentido de semear ("aplicar")
nos campos áridos da ignorância histórica extracientíflca a riqueza dos resultados
de pesquisa. Pelo contrário|a didática de certa maneira precederia a pesquisa, ao
articular as carências históricas de orientação decorrentes das mudanças de pers-

23
Carta a Friedrich von Preen, Silvester, 1872, in: Burckhardt, Jacob: Briefe, Ed. Max Burckhardt, vol. V.
Basel/Stuttgart, 1963, p. 181-184. " y
Aprendizagem Histórica - Fundamentos e Paradigmas 27

/ P ir^pof-iãMt. |
pectiva na vida contemporânea. Ela assumiria assim a função heurística que lhe é
habitualmente atribuída, e amiúde considerada como exterior à especialidade. Nes-
sa função, a didática correlaciona não apenas conhecimento histórico acumulado às
carências de orientação, mas também estas àqueleTj
Até aqui tratei apenas da dimensão didática do processo de cientificização da
ciência histórica, que reside no fator disciplinar dos interesses cognitivos. Uma se-
gunda dimensão didática torna-se visível no processo de cientificização, quando as
formas da apresentação histórica são tratadas como fator básico da elaboração
cognitivaesp^ecializada.
O iluminismo discutiu a formatação historiográfica como "método", ainda sob
fortes influências da tradição retórica, na qual os escritos da história eram discuti-
dos sob as formas literárias e didáticas. Assim, segundo Gatterer nas suas reflexões
em "O Plano Histórico", "as coisas que são bem narradas penetram, facilmente, no
coração e produzem grandes efeitos na vontade humana" 24 . A bem dizer, não há
como definir melhor a tarefa didática do historiador. Merece ser bem firmado na
autoconsciência histórica da didática da história, que desde o início da cientificização
da ciência da história se encontra um conceito histórico-didático de método genuí-
no, que o momento inaugural do "método", para a ciência, estava definido original-
mente em termos didáticos.
O que entende Gatterer por "narrar bem"? Para começar, afirmam suas conside-
rações sobre a realização narrativa do "Plano Histórico", a forma narrativa de apre-
sentação tornou-se predominante na historiografia. Mas o que significa então narrar
"bem"? O iluminismo desenvolveu três critérios de qualidade das formas de apre-
sentação narrativa:
(a) o primeiro é sua abertura discursiva, ou seja, seu potencial de fundamenta-
ção discursiva das assertivas e interpretações históricas, que se insere no
fluxo narrativo da exposição histórica;
(b) quanto ao conteúdo, narrar bem significa, que uma história põe em evidên-
cia a dimensão humana da experiência histórica nos respectivos temas trata-
dos;
(c) formalmente, narrar bem significa, que a história deve ser concebida em
relação à capacidade de recepção de seus destinatários, ou seja: bem legível
no sentido de poder ser aprendida.

No historicismo, continua predominante a forma de apresentação narrativa. Essa


forma, no entanto, passa por mudanças qualitativas. A categorização da coerência
• intrínseca das mudanças temporais como "história" se transpõe para a forma exter-

24
Gatterer (ver nota 14), p. 27.
28 Jõrn Riisen

na: os historiadores desejam escrever como se a história falasse por si mesma. Po-
der-se-ía caracterizar a passagem do Ilüminismo ao Historicismo, em termos de
tipologia da narrativa (usando os tipos de Stanzel25), como passagem da narrativa na
primeira pessoa (eu) à narrativa autoral. O historiador não se relaciona diretamente
com seu leitor mediante o discurso, mas apaga a si na apresentação do curso das
coisas (como diria Ranke).26
Desta maneira tem-se que a relação didática com o destinatário não é abandona-
da. Essa relação é transformada, modificada qualitativamente. Os princípios didáti-
cos da relação com o destinatário na apresentação histórica modificam-se. Não se
trata mais de uma competência regular, mas sim de uma formação. Não se trata mais
de uma competência de regular, mas de formação. Formação significa^omo já foi
dito, não o aprendizado de regras, mas a aquisição da competência de transformar
as regras de comportamento em representações, ordenadas no tempo, das mudanças
do mundo e da construção cultural de si própriojRanke qualificou este ordenamento
temporal fundamental dos processos históricos como "fazer convergir as diferentes
nações e dos indivíduos com a idéia de humanidade e de cultura". Categorizou
ainda esse processo de humanização como "progresso absoluto" 27 . Ninguém menos
do que Droysen chamou a historiografia, que apresenta a coerência intrínseca das
mudanças temporais, de "didática" - que considerava ser a forma mais elevada pos-
sível da historiografia 28 .
A intenção didática, que ({üuminismoirelaciona com a formatação historiográfica,
permanece inalterada no historicismo clássico. Este dá a ela apenas uma feição
histórico-filosóflca, ao interpretar a história como um processo de aprendizado uni-
versal. Droysen fala de um "poder didático da história"29 que - infundido livremente
pela historiografia na subjetividade dos destinatários - gera a competência para o
agir. O que isso quer dizer? Segundo Droysen, as pessoas vivem sob as circunstân-
cias objetivas de seu mundo dado, sem terem consciência de que essas circunstânci-
as são históricas, resultantes de ações significativas do passado. Em seu mundo, o
espírito humano objetivado determina o agir, de modo ainda inconsciente. Quando
as pessoas, mediante a reflexão de sua consciência histórica, desvelam a gênese
histórica de seu próprio mundo, descobrem que as determinações do seu agir, que
aparecem como imposições externas, deixam transparecer o espfrito que as formou
e cuja presença repercute assim indiretamente em seu dia a diaí-As pessoas adqui-

25
Stanzel, Franz K.: Theorie des Erzãlens. Gõttingen, 1979.
26
"Ich wünsche mein Selbst gleichsam auszuloschen, und nur die Dinge reden, die mãchtigen Krãfte
erscheinen zu lassen...". Ranke: Englische Geschichte (ver nota ...), p. 103.
27
Ver nota 11.
28
Droysen (ver nota 10), p. 249ss.
29
Ibid., p. 255.
Aprendizagem Histórica - Fundamentos e Paradigmas 29

rem assim sua i d e n ü ^ d e histórica e, ao mesmo tempo, transformam as circunstân-


cias de sua vida, de determinações impositivas do agir, em oportunidades de
autoafirmação e de autodesenvolvimento. Elas se apropriam, assim, das condições
objetivas de seu agir mediante a reconstrução histórica, fazendo-as aparecer como
processo de desenvolvimento e base de novos desenvolvimentos da subjetividade
autônoma. O conhecimento histórico libera, assim, uma qualidade interna ideal do
"eu", própria da gênese das circunstâncias da vida presenteTj
Essa ancoragem historicista da reflexão didática do conteúdo concreto do co-
nhecimento histórico não é realizada sem problemas. Nela, o pensamento didático
pode ser absorvido, inadvertidamente, na interpretação histórica como operação de
pesquisa e, com isso, desaparecer. Ele pode soçobrar como potencial reflexivo di-
dático especifico do conhecimento histórico. Se a história obtida das fontes, pela
pesquisa, já é formação, então a relação (didática) da historiografia com o destina-
tário (didático) está ameaçada de rebaixamento a mera função da relação da pesqui-
sa com a experiência. A pesquisa, como a operação cognitiva decisiva para o caráter
científico da história, engole a operação didática, na qual os resultados da pesquisa
são perceptíveis.
Apartir dessa argumentação pode-se interpretar a crise do historicismo, desde o
início dojécu^XXTcomç^confissão de que o potencial didático da pesquisa corTce-
bida historicisticamente e s ^ A instrumentalização da historiografia pela
pesquisa compromete seu impacto sobre a orientacão histórica, Ela obscurece a
visão quanto a sua aceitação prática. Uma lacuna na pesquisa não é, em si, um
déficit na formação, e nem todo o resultado de uma pesquisa tem sido uma oportu-
nidade para a formação.
Com esta instrumentalização da historiografia pela pesquisa histórica, é alijada
do resultado cognitivo da ciência da história não só uma dimensão didática essenci-
al, que é a formatação historiográfica. É a própria didática que se vê expulsa da
especialidade. Ela é relegada ao plano externo. A didática é reduzida à função de
aplicação ou "transposição" da historiografia científica nos livros didáticos, na
historiografia popular (de divulgação) ou algo parecido. Isso afasta a autocompre-
ensão profissional dos historiadores, para a qual a historiografia é uma práxis pró-
pria do pensamento histórico, distinta da práxis da pesquisa. Enquanto tal, a
historiografia possui uma relação própria com a didática da história, mais estreita
do que a da pesquisa. Ademais, a externalização da didática obscurece também o
olhar profissional sobre os fundamentos da ciência da história: por longo tempo a
historiografia mal foi admitida como uma elaboração produtiva, relativamente au-
tônoma, do conhecimento histórico. Essa situação por certo evoluiu desde há algum
tempo com o giro lingüístico na teoria da história, sem que se tenha chegado a uma
aproximação com a didática da história.
30 Jõrn Riisen

Hoje, esta omissão foi revertida 3( \|sob o signo d(^ós-ínõdêmism^, a teoria da


história recua da visão moderna da racionalidade cientifica da pesquisa histórica e
se volta para o lado literário do ofício histórico, para os complexos atos de fala da
historiografia. Agora, as frentes estão invertidas: a pesquisa aparece, de repente,
como mera instrumentalização do significado poético das formatações historio-
gráficas do texto. A especialidade da ciência da história é remetida a uma concep-
ção pré-historicista da pesquisa e vista como mera estratégia de garantia factual
mediante a crítica das fontes. Onde o historicismo ainda via, na interpretação, a
operação por excelência do conhecimento histórico, agora se vê apenas um proces-
so de atribuição poética de sentido, controlado por critérios prerracionais de senti-
do, de tipo linguístico^Por mais horrível que pareça esta virada da teoria da história
(da racionalidade metódica da pesquisa para a poética literária da historiografia,
inclusive para a disciplinada subjetividade profissional dos historiadores), para a
didática da história essa mudança libera, novamente, o campo no qual princípios
didáticos são fundamentais para a produção de conhecimento históricõjÉ^claro que
adidática da história não deve aderir ao antirracionalismo do pós-modernismo, mas
deve manter-se guiada pelo ilüminismo, para o qual os princípios didáticos da
historiografia pertencem ao potencial racional da formação histórica de sentido. Ela
deve igualmente preservar a lição do historicismo, de que a experiência histórica
pode ser inserida, pela interpretação, no constrato de sentido de uma história, e
entendida como um processo de aprendizado, no qual as coerções objetivas podem
ser traduzidas em competências subjetivasj
A terceira e mais importante dimensão histórico-didática do processo de
cientificização está no ponto em que o olhar sobre os fundamentos da ciência da
história encontra sua junção de orientação existencial. Esta função não se deve ser
interpretada apenas como uma circunstância externa ao processo de conhecimento
especializado. O processo do conhecimento científico é sempre (embora muitas
vezes mediado), um processo de formação da identidade histórica. A racionalidade
metódica que constitui a história como ciência, não é nada maisjio que um meio de
formação de identidade. A cientificidade representa, por sua vez, no processo cultu-
ral de formação da identidade histórica, um importante componente formal, um
modo específico de construção de consenso acerca de pertencimentos e delimita-
ções construídos historicamente^A ciência é a chance de construir consenso por
meio da argumentação racional nos conflitos comunicativos, nos quais os indivídu-
os e grupos lutam por sua autoafirmação, em conflito uns com os outros"^

30
Ver também Rtisen, Jorn: Postmoderne Geschichstheorie, in: Jarausch, Konrad; Rüsen, Jcfrn; Schleier,
Hans (Eds.): Geschichtswissenschaft vor 2000. Perspektiven der Geschichtstheorie, Historiographiegeschichte
und Sozialgeschichte. Festschrift für Georg Iggers zum 65. Geburtstag. (Beitrage zur Geschichtskultur, vol.
5). Hagen, 1991, p. 27-48.
Aprendizagem Histórica - Fundamentos e Paradigmas 31

Iluminismo e historicismo não podem ser entendidos, na história da ciência, se


não levarmos em consideração essa funcionalidade interna do conhecimento histó-
rico no processo de f o r m a ç ã o j ^ i d oTluminismo")acrescenta a
determinação material "humanidade" ao elemento formal da cientificidade do pen-
samento histórico, como grandeza de referência da formação da identidade histó-
rica, ou seja: o pensamento histórico científico serve à desparticularização da iden-
tidade histórica. A determinação dessa função se volta contra a desigualdade es-
tamental e estabelece_çritérios de igualdade civil na consciência histórica dos inte-
lectuais. 0(historicismo)nantém não apenas a vinculação formal da formação da
identidade com o meio específico da comunicação científica, mas também a refe-
rência material à humanidade. Ele critica, contudo, a concepção abstrata da huma-
nidade, como critério da formação de identidade, que o iluminismo possuía. Em vez
disso, ele tentou uma reparticularização da humanidade como o constrato cultural
dajnagão. A nação não se opõe originalmente à humanidade, mas é concebida como
a multiplicidade de culturas na unidade do gênero humano, concebida em catego-
rias históricas. Era isso o que Ranke queria dizer com sua formulação da "conver-
gência de diferentes indivíduos e nações com a idéia de humanidade e de cultura".
Claro, esta referência do historicismo à humanidade, como forma de identidade
histórica em sua versão nacional, é gradualmente perdida.
A partir dos resultados científicos obtidos pelo iluminismo e pelo historicismo
com respeito à função didática interna própria ao conhecimento histórico, se pode
tirar diversas conseqüências para o debate histórico-didático atual.(Dgjunlãdg)é
necessário elaborar o sentido didático da racionalidade metodológica própria à ciên-
cia como meio da formação da identidade histórica. Esse sentido tem de ser incor-
porado na ptocompreensão da ciência da história com mais eficácia do que tem
acontecidojA didática da história tem de dedicar-se, ademais, a ir além das meras
descrições formais das identidades históricas e descrever as variáveis fundamen-
tais de referência da identidade histórica. Essas variáveis tanto têm de corresponder
tanto ao universalismo da noção iluminista de humanidade, como devem preservar
o projeto do historicismo, de concretizar a unidade da humanidade na multiplicidade
das culturas. Seria desastroso se a tendência atual da ciência da histórica à
microhistória impedisse a realização dessa dimensão da formação da identidade
histórica, inaugurada no processo de cientificização da história pelo iluminismo e
pelo historicismo.

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