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Constituição e Direito Penal

Vinte anos de desarmonia

Miguel Reale Júnior

Sumário
I – Dignidade penal. II – O Direito Penal pós-
Constituição. 1. A lei penal ambiental. 2. Código
de Defesa do Consumidor. 3. Lei dos crimes
hediondos. 4. Lei dos remédios e cosméticos.
5. O RDD – Regime Disciplinar Diferenciado.
III – Conclusão.

I – Dignidade penal
A Constituição em um Estado Demo-
crático de Direito se de um lado consagra
direitos fundamentais e estabelece limites
ao poder político, instituindo princípios
básicos de proteção do indivíduo perante
o Estado, por outro fixa diretrizes, com a
finalidade de promover valores e ações de
cunho social.
Defluem, portanto, do texto constitu-
cional princípios fundamentais do Direito
Penal, sendo o primeiro e básico o da digni-
dade da pessoa humana, do que decorre a
proibição de penas cruéis ou o desrespeito
à integridade física e moral do preso e do
condenado, as penas de caráter perpétuo,
a pena de morte. Outros princípios funda-
mentais, garantidores do indivíduo contra
o arbítrio estatal são os da legalidade, da
não retroatividade, da proporcionalidade,
da individualização da pena.
Ao lado desses princípios garantistas,
uma Constituição de marca social alça ao
patamar de valores constitucionais condi-
ções essenciais de vida com dignidade, os
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denominados “direitos sociais”, como a me da criação de tipos penais requer atenta
saúde, a educação, os direitos trabalhistas, reflexão sobre o grau de ofensividade de
o meio ambiente, bem como as regras da um comportamento a fim de se aquilatar se
atividade econômica, como a livre concor- efetivamente requer a proteção penal.
rência e o limite ao poder econômico. Os valores fundamentais da justiça e
Neste sentido o Direito Penal está li- liberdade exigem que o legislador, ao cons-
mitado negativamente pela Constituição, truir as normas incriminadoras, arcabouço
devendo ater-se a esses princípios, não do Direito Penal, tenha em vista os bens
violando os valores constitucionais, mas jurídicos considerados dignos de tutela. O
sim por eles pautando-se. Mesmo porque bem jurídico preexiste à construção norma-
do contrário a norma seria inconstitucional tiva, sendo objeto da escolha do legislador
(Reale Júnior, 2002). pelo valor digno de tutela penal1 (Reale
Alguns penalistas, no entanto, procu- Júnior, 1998; FIANDACA; ALBEGGIA-
ram ancorar de forma mais estrita o Direito NI, 1996, p. 161). E bem por essa razão, o
Penal à Constituição, entendendo que não crime constitui, no dizer de Fiandaca e Al-
pode o direito penal punir comportamen- beggiani (1996, p. 160), “offesa significativa
tos que não lesem valores constitucionais a beni costituzionalmente rilevanti”, pelo
(Cunha, 1995, p. 129). que, da própria Constituição, se extrai tam-
A dignidade penal, portanto, decorreria bém o princípio da “ofensividade”, isto é , o
como reflexo dos princípios e valores cons- crime só pode ser lesão ou efetiva colocação
titucionais, espelhando-os. Indo mais além, em perigo de um bem jurídico.2
haveria a força impositiva da Constituição Em um Estado de Direito Democrático, a
de se proteger valores constitucionais por configuração penal – por se constituir na for-
via da incriminação, dando eficácia ao teor ma mais gravosa de interferência, com custos
do texto constitucional (CUNHA, 1995, elevados ao infrator e também à sociedade
p. 287). A Constituição, ao promover um – deve-se ater aos fatos que atinjam valores
determinado valor, estaria por isso autori- por via de uma conduta efetivamente lesiva
zando o legislador ordinário a proteger esse desses valores. A intervenção penal deve ser
valor por meio da tutela penal. aquela necessária, como único meio, forte,
Essa concepção, diante da amplitude mas imprescindível, para a afirmação do
dos textos constitucionais, que antes fixam valor violado, e para a sua proteção, visando
diretrizes, com normas promocionais, como à manutenção da paz social.
a de que a “saúde é um dever do Estado”, O bem jurídico deve exercer, na esfera
estaria antes alargando o campo penal do da Política Criminal, importante função
que restringindo-o, ao que Janaína Pascoal ao orientar o legislador na decisão de qual
(2003, p. 40) considera que conduz antes ao conduta deva ser reprimida por meio da
Direito Penal máximo do que ao Direito ameaça penal. E mais: auxilia a definir,
Penal mínimo, sendo incompatível com entre múltiplas formas que a conduta possa
o reconhecimento de que deve o Direito apresentar, qual aquela especial que, dadas
Penal ser a ultima ratio.
Doutra parte, a Constituição, ao con- 1
Para os autores citados, o bem jurídico deve fun-
cionar como critério de seleção dos fatos puníveis.
sagrar valores, visa antes a dirigir a ação 2
No mesmo sentido, Fiandaca e Musco, para os
estatal no sentido da sua realização, e não quais o recurso à pena, por violar o direito de liberda-
descrever condutas proibidas. A incri- de, apenas se justifica se dirigido a tutelar bens social-
minação se gira em torno da proteção de mente valiosos dotados de relevância constitucional.
(Diritto Penale, Bolonha, Zannichelli, 2. edição, p. 28).
um valor, no entanto, tem por objeto uma Entre nós acerca do princípio constitucional penal da
determinada espécie de conduta, a lesar de “ofensividade”, Cf. D’avila, Fábio Roberto, Ofensivida-
forma relevante esse valor. Destarte, o exa- de e crimes omissivos próprios, Coimbra, 2006.

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suas características, exige-se seja incrimina- escolha das condutas a serem alçadas à ca-
da por ofender efetivamente um interesse tegoria de comportamentos penais típicos,
avaliado como relevante. não por eleger bens jurídicos destituídos de
Assim, pelo princípio da liberdade, esta relevo, pois a própria Constituição prevê
apenas pode ser restringida por ofensa sua proteção penal, mas por se realizar
relevante a bem jurídico, a ser sancionada intenso expansionismo, sob o impacto da
de forma proporcional ao relevo social do denominada “esquerda punitiva4”, para a
valor atingido, e em vista da forma agres- qual a criminalização do mínimo se tornou
siva pela qual foi atingido. o instrumento de tutela dos bens de inte-
A ameaça penal utilizada prodigamente resse difuso. Desse modo, vulgariza-se a
pode conduzir a “tipos grotescos sanciona- repressão penal e criam-se oportunidades
dos com penas grotescas,” como diz Enrique de extorsão policial com a ameaça estatal
Cury (1973, p. 49). Por isto, deve-se recorrer, sobre ações irrelevantes, quando muito
repita-se, à ameaça penal com prudência, na merecedoras de sanção administrativa.
expectativa de que o legislador só utilize o De outra parte, sob o impacto do cresci-
Direito Penal “para proteger bienes juridi- mento da violência, baseado na hipótese do
cos verdaderamente importantes y tipifique denominado “crime hediondo”, menciona-
aquellos comportamientos verdaderamente do no art. 5o, LVI, da Constituição Federal,
lesivos o peligrosos a esos bienes juridicos” pretendeu-se, ingenuamente, enfrentar o
(MUÑOZ CONDE, 1984, p. 49). crescimento da criminalidade com o rigor
Assim, se a norma incriminadora deve penal, ao se consagrar medidas limitado-
visar a proteção de valores fundamentais ras de direitos fundamentais previstos no
à convivência social, não tem cabença o mesmo art. 5o da Constituição.
avassalador processo de criminalização, Comecemos pela análise do processo de
operado por meio de uma inflação legislati- administrativização do Direito Penal.
va penal (DOTTI, 2002, p. 25)3, que conduz
1. A lei penal ambiental
a uma contínua administrativização do
Direito Penal, com referências no tipo penal Com a Lei no 9.605/98, pretende-se,
à inobservância de normas regulamentares no campo da proteção penal ao meio
como fulcro da conduta incriminada. ambiente, aliás, prevista no art. 225, § 3o,
A administrativização do Direito Penal da Constituição, atribuir ao Direito Penal
torna a lei penal um regulamento, sancio- uma tarefa primordialmente intimidativa,
nando a inobservância a regras de conve- que não só se antecipe ao resultado lesivo,
niência da Administração Pública, matérias mas incida sobre momento prévio que
antes de cunho disciplinar. No seu substra- sequer coloque o bem jurídico em possível
to, está a concepção pela qual a lei penal perigo (PELARIN, 2002, p. 154)5. Segundo
visa antes a “organizar” do que a proteger, essa concepção, o tipo do crime ecológico
sendo, portanto, destituída da finalidade 4
CARVALHO (2006, p. 93) anota que se observa
de consagrar valores e tutelá-los. com espanto a facilidade de movimentos progressistas
atrelados às esquerdas em recorrer ao direito penal,
em um movimento que denomina de “nova moral
II – O Direito Penal pós-Constituição criminalizadora”. Assim ONGs e mesmo instituições
ligadas aos direitos humanos acabam consumindo o
A trajetória da produção legislativa em
discurso criminalizador, com um potencial maior do
matéria penal no Brasil, após a Constitui- que o dos setores conservadores tradicionais.
ção, não seguiu a diretriz de prudência na 5
Para o qual se instrumentaliza a proteção dos
bens jurídicos por meio de delitos de perigo abstrato,
3
Elenca a série de leis penais recentemente sendo suficiente a comprovação da ação, em descrição
editadas no Brasil, relativas a fatos irrelevantes no típica vaga, punindo-se a mera desobediência. Para Pe-
plano penal. larin (2002, p. 157), recorre-se a malabarismos penais,

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configurar-se-ia, no dizer de Paulo José da consistente na causação negligente de dano
Costa Júnior (1996, p. 79), como um crime- indireto a unidade de conservação.
obstáculo, sendo, então, a intervenção do O mesmo se pode registrar em face do
legislador penal uma medida preventiva crime previsto no art. 49, pelo qual se pune
diante de uma simples promessa de lesão o fato de maltratar planta de ornamentação
ao bem protegido, ou seja, um crime de de logradouro público ou de propriedade
mera posição. É de se rejeitar a admissão privada, dispondo-se, também, que será cri-
de uma intervenção penal com essas carac- me o dano ou maltrato a planta de ornamen-
terísticas (SILVEIRA, 2003, p. 137). tação de terceiro causado culposamente.
Por outro lado, no Direito Penal Am- Assim, tropeçar e pisar a begônia do jardim
biental, como demonstra a Lei no 9.605/98, do vizinho tornou-se delito punido com
dá-se uma evidente dependência em face pena de detenção de um a seis meses.
do Direito Administrativo, o que tem como Outros exemplos do acima registrado
corolário a obrigatoriedade do recurso ao está no crime de perigo abstrato previsto
reenvio a elementos extrapenais na for- no art. 56 da Lei no 9.605/98, consistente
mulação da norma incriminadora6. Para em embalar substância tóxica em desacordo
Hassemer (1998, p. 31), inafastavelmente o com as exigências estabelecidas em lei ou nos
Direito Penal ambiental transforma-se em seus regulamentos, punido-se a conduta com
instrumento auxiliar do Direito Adminis- reclusão de um a quatro anos.
trativo, mesmo porque apenas as normas Exageros punitivos, com recurso a cri-
regulamentares de cunho administrativo térios de cunho meramente disciplinares e
podem fixar os limites do permitido e do com sanção desproporcional, estão presen-
proibido. Assim, a Lei no 9.605/98 apre- tes também nos parágrafos 1o e 3o do men-
senta diversas normas incriminadoras que cionado art. 56. No § 1o pune-se com a pena
fazem o reenvio a normas administrativas, de reclusão de um a quatro anos e multa
para estabelecer os lindes dentro dos quais a ação de abandonar produto tóxico ou de
a conduta é de se considerar ilícita (MAS- utilizá-lo em desacordo com as normas
CARENHAS PRADO, 2000, p.95). de segurança. O desrespeito às normas de
Exemplo de exagero punitivo e de re- segurança, que deveria constituir infração
ferência a dado regulamentar que torna a administrativa, é alçado à condição de cri-
lei penal incompreensível vê-se no crime me, com pena igual à cominada ao crime de
de dano do art. 40 da Lei no 9.605/98, que poluição, o mais grave constante da lei.
considera crime dar causa a dano direto ou No § 3o prevê-se a forma culposa do
indireto à Unidade de Conservação ou às áreas abandono do produto tóxico ou da sua
definidas no Decreto no 99.274/90. Nessa figu- utilização sem observância das regras de
ra penal, não se exige especial dimensão ao segurança, em marcado exagero crimina-
dano, nem se indica o que seja dano indireto lizador, cominando-se a pena mínima de
e, no entanto, pune-se com reclusão de um a seis meses de detenção, ou seja, a metade da
cinco anos. O mais grave está em se prever pena prevista para o crime de poluição.
no parágrafo o crime na forma culposa, Por fim, ressalto a figura penal prevista
no art. 56, § 1o, que descreve como crime o
como a tutela antecipada, na crescente utilização de
figuras de perigo abstrato.
fato de abandonar ou usar em desacordo
6
A “ligação por demais estreita com a disciplina com as normas de segurança substâncias
administrativa é, em muitos casos, fonte primeira do tóxicas, admitindo-se como delito a condu-
que se deve evitar: a grande indeterminação das descri- ta culposa, consistente no esquecimento de
ções típicas” (PRADO, 2001, p. 33). Vide, igualmente,
Almeida da Costa, p. 28. A dependência mútua entre
um produto agrotóxico no campo.
os ramos do Direito Administrativo e Penal em matéria Constata-se, portanto, a elevação de
ambiental é ressaltado por Miranda Rodrigues. condutas insignificantes à categoria de

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crimes, em uma expansão de cunho mera- sua fragilidade, para, por meio do medo,
mente simbólico, instrumentalizando-se o da superstição, do pequeno discernimento,
Direito Penal, afastando-o dos pressupostos pretender cooptar sua adesão em favor
de dignidade e merecimento de pena das da aquisição de um produto. É também
condutas incriminadas próprios de um abusivo o anúncio se for capaz de induzir
Estado de Direito Democrático. o consumidor a se comportar de forma
prejudicial ou perigosa à sua saúde ou
2. Código de Defesa do Consumidor segurança.
Outro diploma penal, que decorre de A abusividade 7, destarte, apresenta
previsão constitucional, art. 5o, XXXII, é o diversas facetas, mas que contém um de-
Código de Defesa do Consumidor, cujas nominador comum, qual seja, a proteção
falhas técnicas na parte penal são gritantes, dos especialmente frágeis ou vulneráveis8,
a começar pela sofreguidão punitiva de que especialmente frágeis porque discrimi-
é exemplo a dupla punição da publicidade nados, porque de menor experiência ou
abusiva, nos artigos 67 e 68. conhecimento, porque passíveis de intimi-
Nos artigos 67 e 68 da Lei 8.078/90, dação pelo medo ou superstição, porque
estabelece-se: receptores crédulos e confiantes facilmente
Art. 67. Fazer ou promover publici- induzidos a comportamentos prejudiciais
dade que sabe ou deveria saber ser à sua própria segurança.
enganosa ou abusiva: Ora, se no art. 67 prevê-se como crime
Pena – Detenção de três meses a um a prática de publicidade abusiva, no artigo
ano e multa. seguinte, art.68, descreve-se como crime
exatamente a prática de publicidade abu-
Parágrafo único. (Vetado).
siva, sancionando-se, no entanto, com pena
Art. 68. Fazer ou promover publici-
maior. A falta de critério, na sofreguidão
dade que sabe ou deveria saber ser
punitiva, leva aos absurdos dessa natureza,
capaz de induzir o consumidor a se
nada justificando que se isole uma forma
comportar de forma prejudicial ou
de abusividade, de igual danosidade e
perigosa a sua saúde ou segurança:
fundamento que as demais, para se punir
Pena – Detenção de seis meses a dois
com o dobro da pena.
anos e multa.
Sucede, contudo, que a publicidade 7
A Diretiva 89/552 da CEE, denominada “TV
abusiva vem descrita no art. 37: sem fronteiras”, estabelece em seu art. 12 que a
Art. 37. É proibida toda publicidade publicidade na televisão não deve afrontar a digni-
dade da pessoa humana e conter qualquer tipo de
enganosa ou abusiva. discriminação, interferir em convicções religiosas ou
§ 1o... encorajar comportamentos prejudiciais à saúde ou à
§ 2o É abusiva, dentre outras, a publi- segurança dos consumidores. A respeito, Cf. Tenreiro,
cidade discriminatória de qualquer na- (1996, p. 207).
8
No art. 4o do Código de Defesa do Consumidor
tureza, a que incite à violência, explore estabelece-se a presunção absoluta de ser o consu-
o medo ou a superstição, se aproveite da midor vulnerável. É um dos princípios basilares
deficiência de julgamento e experiência para compreensão da relação de consumo o reco-
da criança, desrespeita valores ambien- nhecimento da vulnerabilidade do consumidor no
mercado de consumo, considerado este princípio,
tais, ou que seja capaz de induzir o por Judith Martins Costa (2004, p. 85-128), como um
consumidor a se comportar de forma postulado fático-normativo e, portanto, um ponto de
prejudicial ou perigosa à sua saúde partida obrigatório, fundado na realidade, mas aga-
ou segurança. salhado pelo direito. Diz Judith Martins Costa ser o
pressuposto fático e normativo da vulnerabilidade do
Segundo esse artigo, a publicidade consumidor também estruturante da Política Nacional
é abusiva por violar o devido respeito à das Relações de Consumo, na medida em que o consu-
pessoa, instrumentalizada ao se explorar midor é vulnerável no mercado de consumo.

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Mas o Código de Defesa do Consumidor torpecentes, latrocínio, extorsão mediante
apresenta, também, exemplos de criação de seqüestro, estabelecia-se que a pena seria
figuras penais que contemplam condutas cumprida desde o início em regime fecha-
irrelevantes, sem dignidade penal, desme- do, vedada a progressão de regime, poden-
recedoras de pena, como se pode ver no do ser concedida a liberdade condicional
tipo penal previsto no § 2o do art. 66, que cumpridos 2/3 da pena.
prevê a omissão culposa de informação Sempre defendi a inconstitucionalidade
relevante acerca da durabilidade ou desem- da lei, pois, com a proibição da progressão,
penho do produto ou serviço. impedia-se a individualização da pena, que
Igualmente, não se compadece com a se dá em três planos: legislativo, ao se fixar
dignidade penal a figura estatuída no art. a pena em abstrato na norma penal; judicial,
73 do Código de Defesa do Consumidor na aplicação concreta da pena na sentença
que tipifica como crime deixar de corrigir condenatória; e executória9, ao se definir
IMEDIATAMENTE informação sobre consu- benefícios ou restrições no cumprimento
midor constante de cadastro ou banco de dados da pena conforme o comportamento do
que DEVERIA SABER INEXATA, ou seja, apenado, o que compreendia a passagem
pune-se a ação negligente de não se ter de um regime mais duro para outro menos
corretamente tomado ciência de fato por rigoroso.
essa razão não de imediato alterado. O Supremo Tribunal Federal, em sua
Passemos, então, ao segundo aspecto anterior composição, não reconheceu a
destacado, qual seja, o da falta de relevo pe- inconstitucionalidade da proibição da
nal de incriminações tratadas com elevada progressão. Essa inconstitucionalidade era,
e desproporcional reprimenda. ao ver de muitos, evidente. O Executivo
constituiu Comissão presidida pelo faleci-
3. Lei dos crimes hediondos do procurador da República FRANCISCO
Houve, de 1988 a esta parte, a criação DE ASSIS TOLEDO, comissão esta que
de disposições penais de extremo rigor que integrei. Foi elaborado anteprojeto de lei,
correspondiam a uma genérica disposição visando, em um eufemismo, a permitir aos
constitucional, ou seja, a estipulação da crimes de especial gravidade, na verdade
categoria de crimes hediondos, que a lei os hediondos, um processo de progressão
ordinária especificou e deu tratamento pe- na execução da pena, mas com maior rigor.
nal diferenciado, para atender a reclamos Permitia-se a passagem para o regime semi-
de férrea repressão da opinião pública em aberto desde que cumpridos 2/5 da pena.
face de fatos explorados pela mídia. O livramento condicional permanecia aos
Deu-se larga resistência durante a Cons- dois terços da pena.
tituinte a se aprovar a emenda proposta Aprovado o projeto na Câmara, no
pelo deputado paulista do PTB Gastone Senado no dia de votação na Comissão
Righi que, por exercer a liderança de seu de Justiça, havendo parecer favorável do
partido, terminou por conseguir ver aceita relator, Senador Bernardo Cabral, o sena-
a proposta de previsão de crimes hedion- dor Antonio Carlos Magalhães, em tom
dos, a serem definidos em lei, conforme o de denúncia, repercutida pela rede Globo,
art. 5o, XLIII. anunciou que se pretendia facilitar a vida
Em seguida ao seqüestro de Roberto dos bandidos. O governo ficou acuado e
Medina, no Rio de Janeiro, no ano eleitoral indevidamente retirou o projeto.
de 1990, o Congresso resolveu editar a de- 9
Neste sentido, Garcia Garcia (1999, p. 319), afirma
nominada Lei dos Crimes Hediondos, Lei que com base em MIR PUIG, ao momento legislativo e
no 8.172/90, por via da qual, com relação a ao judicial deve-se acrescer a individualização durante
determinados crimes, como tráfico de en- o cumprimento das penas de prisão.

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Passados os anos, o Supremo Tribunal à liberdade de expressão, à preferência
Federal, em sua nova e recente composição, sexual e de crença religiosa”.
reconheceu a inconstitucionalidade do Diante da nova orientação do Supremo
impedimento da progressão na execução Tribunal Federal, os juízes da Execução
da pena de prisão, a ser cumprida inte- Penal também mudaram de opinião, e pas-
gralmente no regime fechado, por lesão à saram a aplicar, para os crimes definidos
individualização da pena, garantida no Art. como hediondos, a progressão de regime
5o da Constituição. Dessa forma, passou-se nos prazos fixados para a generalidade
a aplicar a progressão prevista para a ge- dos crimes, conforme disposto no Código
neralidade dos crimes, com a passagem do Penal e na Lei de Execução Penal. Editou-se,
regime fechado para o semi-aberto passado então, com rapidez a Lei no 11.464/67, que
1/6 do tempo de aprisionamento, podendo estabelece, exatamente, a progressão, tal
o livramento condicional ser concedido no como proposta anos antes para os crimes
prazo de 1/3 da pena. de especial gravidade.
Em voto vencedor10, o Ministro Aires Atendendo o clamor público, sequioso
Brito afirmou: de resolver o problema da criminalidade
“a ordem constitucional, se interpreta- violenta pelo meio fácil e enganoso do
da como um todo harmônico, jamais se rigor penal, dando ouvidos à ideologia
coaduna com a vedação da progressão, conservadora da Lei e da Ordem, o governo
como se percebe da proibição da pena e o Congresso violaram seguidamente a
de morte e de prisão perpétua. Assim, Constituição. Rejeitou-se uma solução que
há um mister reeducativo que deve ser se estava à beira de aprovar com receio
desempenhado pelo esforço conjunto da opinião pública, solução à qual se teve
da pessoa encarcerada e do Estado- de retornar apressadamente para vir ao
carcereiro, daí a supremacia da indi- encontro de um termo médio que respei-
vidualização das penas, que deve ser tasse a Constituição e, ao mesmo tempo,
seqüenciada. Lembrou, também, que correspondesse aos anseios de maior rigor
o fato de a Constituição permitir ao para com os crimes violentos.
legislador a regulação da progressão,
não lhe cedeu autorização de nulificar 4. Lei dos remédios e cosméticos
o processo gradativo de ressocializa-
Com a mais absoluta ausência de cri-
ção. Em síntese, asseverou que: a) A
tério e em arrepio ao princípio da propor-
vontade objetiva da Constituição de
cionalidade, no ano eleitoral de 1998, nas
1988 é de acolher a regenerabilidade de
únicas reuniões do Legislativo durante o
toda pessoa que se encontre em regime
recesso branco em vista do pleito, o Con-
de cumprimento de condenação penal;
gresso, diante da repercussão da venda de
b) deve existir claro comprometimento
anticoncepcionais com apenas farinha em
do princípio da dignidade da pessoa
sua composição, editou a lei dos remédios
humana (CF, art. 1o, inc. III) com a
garantia da individualização da pena (Lei no 9.677/98), tratando com rigor não só
(CF, art. 5o, inc. XLVI); c) não se pode a falsificação de medicamentos como tam-
confundir hediondez do crime com bém a venda de shampoo em discordância
a hediondez da pena, devendo ser com a fórmula aprovada pela ANVISA, in-
lembrado que a condenação não nuli- dependentemente de se ter causado algum
fica os direitos à saúde, à integridade dano à saúde. Pune-se tal fato “delituoso”,
física, psicológica e moral, à recreação, conforme disposto no novel art. 273, § 1o
A, do Código Penal, com reclusão de dez
10
Habeas Corpus no 82.959-7, de 23 de fevereiro a quinze anos, enquadrando-se a conduta
de 2006. como crime hediondo.

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A ausência de dignidade penal da con- I – Duração máxima de trezentos e
duta é evidente, o que torna ainda mais sessenta dias, sem prejuízo de repe-
inaceitável a punição imposta, gravemente tição da sanção por nova falta grave
lesiva ao princípio da proporcionalidade, de mesma espécie, até o limite de um
ao se prever a esse crime, indevidamente sexto da pena aplicada;
considerado hediondo, a pena mínima de II – Recolhimento em cela indivi-
dez anos de reclusão, mesmo que o produto dual;
cosmético, fabricado com divergência ao III – Visitas semanais de duas pes-
registrado na ANVISA, não venha a ser soas, sem contar as crianças, com
perigoso ou danoso à saúde11. duração de duas horas;
IV – O preso terá direito à saída da
5. O RDD – Regime Disciplinar Diferenciado cela por 2 horas diárias para banho
Em 2003, foi editada a Lei no 10.792, que de sol.
criou o Regime Disciplinar Diferenciado § 1o O regime disciplinar diferenciado
(RDD), por via do qual se estabelece o en- também poderá abrigar presos pro-
carceramento em cela individual, sem sair visórios ou condenados, nacionais
dela a não ser para banho de sol diariamen- ou estrangeiros, que apresentem alto
te por duas horas, a se impor o completo risco para a ordem e a segurança do
isolamento do condenado. estabelecimento penal ou da socie-
O RDD é de ser imposto ao preso que dade.
cometa crime doloso, bem como àqueles § 2o Estará igualmente sujeito ao re-
que “apresentem alto risco para a ordem e gime disciplinar diferenciado o preso
a segurança do estabelecimento penal ou da provisório ou o condenado sob o qual
sociedade”, critério que fica ao talante da recaiam fundadas suspeitas de envol-
subjetividade do diretor do estabelecimen- vimento ou participação, a qualquer
to prisional do qual deve partir a sugestão título, em organizações criminosas,
do castigo cruel. quadrilha ou bando.”
A Lei no 10.792 modificou a Lei das Ora, infringe-se com a criação do RDD a
Execuções Penais para acrescer a medida proibição constante do art. 5o, XLVII, no sen-
tido de não haver penas cruéis. O isolamento
drástica do RDD, passando o art. 52 a ter
celular, sem contato com qualquer pessoa, a
nova redação:
não ser o direito a uma breve visita semanal,
“Art. 52. A prática de fato previsto
sem qualquer atividade ou ocupação, é o
como crime doloso constitui falta gra-
caminho seguro para a perda da identidade
ve e, quando ocasione subversão da
e para a abulia. O silêncio imposto, pois só se
ordem ou disciplina internas, sujeita
poderá conversar com as paredes, conduz,
o preso provisório, ou condenado,
como se verificou no sistema aubarniano
sem prejuízo da sanção penal, ao
nos EUA, à loucura. Trata-se, portanto, de
regime disciplinar diferenciado, com
pena cruel, evidentemente vedada pela
as seguintes características:
nossa Constituição, de caráter meramente
11
Trata-se de mais das tantas figuras de perigo abs- profilático, de exclusão até mesmo do meio
trato produzidas recentemente em nossa legislação, carcerário, a se visualizar o detento como
nas quais se antecipa a incriminação, considerando- inimigo, nos termos preconizados por Jako-
se a conduta em si perigosa, independentemente da
criação de uma situação de perigo, no pressuposto de
bs, ou seja, pessoa a ser desconstituída de
uma lesividade que a ação encerra e que guarda em si, direitos e garantias diante do perigo que
como assinala Angelo Roberto Iha da Silva, que indica representa ao Estado e à civilização12.
a inconstitucionalidade de diversas figuras de perigo
abstrato em seu livro: Dos crimes de perigo abstrato em 12
Sobre direito penal do inimigo Cf. Jakobs (2005,
face da constituição, São Paulo, RT, 2003. p. 37).

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Na falta de competência para se garantir CUNHA, M. C. F. Constituição e crime: uma pers-
a disciplina carcerária, resolve-se a questão pectiva da criminalização e descriminalização. Porto:
Universidade Católica Portuguesa, 1995.
pela forma mais fácil: trancafia-se o repu-
tado perigoso (critério este sim perigoso) CURY, Enrique. Orientación para El estúdio de La
para, com certeza de sua não integração teoria Del delito. Santiago: Ediciones Nueva Univer-
sidad, 1973.
futura, fazer da exclusão um fim em si
mesmo, punindo-se o condenado mais gra- D’ÁVILA, Fábio Roberto. Ofensividade e crimes
vemente do que o foi pela sentença, em face omissivos próprios. Coimbra, 2006.
da eventual possibilidade, como perigoso, DOTTI, R. A. Curso de direito penal: parte geral. Rio
de atos futuros nocivos à vida prisional. de Janeiro: Forense, 2002.
FIANDACA, Giovanni; ALBEGGIANI, Ferdinando
III – Conclusão Libri. Casi i questioni di diritto penale. Milão: Giu-
freé, 1996.
Verifica-se, então, que o Direito Penal
______; MUSCO, Enzo. Diritto penale. 2.ed. Bolonha:
como desaguadouro de todas as frustrações Zannichelli.
da sociedade pós-moderna, na qual faltam
formas de controle social informais, assu- GARCIA GARCIA, Julian. Drogodependencias y jus-
miu um papel de tábua de salvação, pau ticia penal. Madrid: Ministério da Justiça, 1999.
para toda obra, razão pela qual vem sendo HASSEMER,Winfried. A preservação do ambiente
instrumentalizado como solução para a através do direito ambiental. In: Revista Brasileira
defesa de interesses diversos, visando antes de Ciências Criminais. v.22. São Paulo: Revista dos
Tribunais. Abr./jun. 1998.
a ordenar e a satisfazer interesses da Admi-
nistração, do que a impor a positividade de JACKOBS, Gunther. Derecho penal Del enemigo.
valores essenciais. Cancio Meliá (Trad.). Madrid: Civitas, 2003.
Urge, portanto, reafirmar o princípio MARTINS COSTA, Judith. Os campos normativos da
da reserva do Código Penal, para se evitar boa fé objetiva: as três perspectivas do direito privado
a proliferação de leis mistas, que têm por brasileiro. Estudos de direito do consumidor. v.6.
Coimbra, 2004.
objeto aspectos variados de determinada
questão, sob aspectos civis, administrativos MASCARENHAS PRADO, Alessandra Rapassi.
e também penais, com perda dos parâme- Proteção penal do meio-ambiente: fundamentos. São
Paulo: Atlas, 2000.
tros próprios da tipificação penal.
De outra parte, sob a ótica da propor- MIRANDA RODRIGUES, Anabela. Direito penal do
cionalidade e da ofensividade, cumpre ambiente: uma aproximação ao novo direito portu-
fazer-se uma revisão da legislação penal guês. In: Revista de Direito Ambiental. ano 1. abr./
jun. 1996.
extravagante, para adequá-la aos princípios
fundantes de nossa Constituição. MUÑOZ CONDE, F. Teoria general Del delito. Temis,
1984.
PASCOAL, Janaína C. Constituição, criminalização e
Referências direito penal mínimo. São Paulo: RT, 2003.
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Brasília a. 45 n. 179 jul./set. 2008 341


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