O único problema era agora conseguir manter de pé esses quatro pilares sobre os quais
se apoiavam as nervuras e que a quádrupla pressão tendia a afastar. A solução
encontrada foi simples, empírica na aparência, e inspirou-se no sistema rudimentar da
escora. Quando uma parede ameaça cair, um vigamento colocado obliquamente não a
segura? A pressão que tendia a desnivelar o edifício foi captada e conduzida por meio de
arcobotantes até massas muito pesadas: os contrafortes, pilares tão sólidos, tão bem
enterrados na terra, que não correriam o risco de ceder aos maiores pesos. E, para que
houvesse maior certeza de que resistiriam, foram carregados com um peso
complementar, uma espécie de torreão de pedra, o pináculo, da mesma forma que, para
impedir que uma bengala escorregue ou se incline, basta apoiar fortemente a mão sobre
o castão.
Este sistema, de uma simplicidade genial, era, em suma, uma homenagem prestada às
leis da matéria. Não é um dos menores paradoxos da arquitetura gótica que essa
impressão de um impulso para o céu derive, na realidade, de que toda a sua estrutura
corresponde a um movimento de cima para baixo. E, quando nos maravilhamos com a
leveza do conjunto, não devemos esquecer que esse fantástico arabesco repousa sobre
alicerces de um volume enorme, enterrados a uma profundidade de quinze metros. Mas
os mestres-de-obras góticos souberam tirar uma grande beleza da obrigação de se
submeterem ao inevitável peso da gravidade. Maravilha da lógica – Maritain comparou-
a à Suma de São Tomás -, solução elegante de um problema de geometria e de física, a
catedral foi bela precisamente porque nada há nela de falso ou artificial. Calculando
com justeza as dimensões e o desenho dos pilares, traçando de forma perfeita a curva
dos arcobotantes, os arquitetos deram uma vez mais a prova dessa grande lei estética
segundo a qual é belo todo o objeto totalmente adaptado ao seu desígnio. Nunca se
caracterizou melhor a catedral gótica do que com estas palavras: “Um desenho
arquitetônico revestido de beleza” (Lefrançois-Pillion).
É aqui que entrevemos o misterioso encontro entre os dados da técnica e os da mais alta
espiritualidade. Se os mestres-de-obras das catedrais não foram certamente movidos por
intenções místicas – pelo menos na sua maioria -, também não se pode afirmar que
tenham querido conscientemente construir algo de belo. E, no entanto, porque neles
circulava a seiva da fé e da esperança cristãs, produziram naturalmente uma obra bela,
grande e espiritual. Resolvido o problema da cobertura, as naves elevaram-se mais
ainda, quase além do que era prudente e, por uma lei elementar das proporções,
alongaram-se e ultrapassaram tudo o que até então fora feito. E também se
multiplicaram: naves triplas e quíntuplas conduziam as multidões por avenidas triunfais
até o altar do Deus presente. Os campanários, como que impelidos pela força
ascendente que elevava todo o edifício, ergueram-se a alturas nunca atingidas: 82
metros em Reims, 123 em Chartres, 142 em Estrasburgo e 160 em Ulm.
Catedral de Ulm
No entanto, esta arte, de uma ambição sobre-humana, permanece profundamente
humana; nada nela atinge o colossal e o desmedido que se nota nos templos romanos da
decadência. Da mesma forma que a escultura da catedral gótica continuará ligada ao
homem, à sua vida, às aparências que lhe são familiares, a sua arquitetura também
conservará a medida humana, como se pode verificar observando que as portas, as
galerias de serviço, as balaustradas de apoio e os degraus da escada são proporcionais à
altura do homem, foram concebidas em função dele. Não será o profundo humanismo
da doutrina tomista que aqui se encontra associado?
No entanto, para caracterizar este estilo arquitetônico, o termo mais exato, segundo a
história, seria estilo francês. Assim, aliás, o designava, nos dias do Renascimento, o
arquiteto Philibert de l’Orme, quando falava da “velha moda francesa”. Enquanto o
estilo ogival era corrente na França por volta de 1200, na Alemanha, por exemplo, só se
desenvolveria em fins do século XIII e produziria as suas obras-primas apenas por volta
de 1350. Foi também na França, e principalmente no restrito perímetro que cercava a
capital capetíngia, que brotaram as maiores obras-primas desta arquitetura, aquelas que
serviriam de modelo por toda a parte.
Com Notre-Dame de Paris (1163-1260) abre-se a série das quatro grandes obras-
primas: Paris, Chartres, Reims e Amiens, sem falar de todas essas outras “menores”,
ainda tão belas, que, de Rouen a Bourges, formam como uma coroa em volta da Notre-
Dame parisiense. Mas como essas maravilhas são diferentes! Paris, iniciada em 1163, é
a igreja sólida e refletida, meditativa e calma, que convinha ao gênio dos seus reis.
Nenhuma outra, a não ser Chartres, dá uma impressão de fervor tão grande e simboliza
tanto a esperança cristã no que ela tem de forte e quase trágico. A fachada pé de um
equilíbrio perfeito, embora ainda severa; a nave seria iluminada por uma luz muito fraca
se, por volta de 1260, não se tivessem construído esses braços do transepto cujas
rosáceas serão uma alegria para a luz. No entanto, que impressão de sereno domínio não
nos transmite esta catedral, com as suas belas colunas cilíndricas, os seus arcobotantes
perfeitos e esse telhado que é, tão evidentemente, uma “grande nau que ruma para o
céu”!
Notre-Dame de Paris
Catedral de Chartres
Reims (1214-1399) é talvez ainda mais impressionante do que Chartres, mais cheia de
maravilhas de grande estilo. Os seus arcobotantes não parecem estar ali para sustentar o
edifício, mas como simples detalhe ornamental. E que deliciosa idéia a de alojar no
cimo de cada um, no pequeno tabernáculo do pináculo, um anjo prestes a levantar vôo!
Reconstruída em 1214 – a sua dedicação é exatamente contemporânea de Bouvines -, é
uma catedral de prestígio, de glória. Todas as possibilidades que o gótico trazia em si
realizam-se agora, mas ainda com que notável prudência! Reims marca o ponto de
equilíbrio, para além do qual o anelo de elevação, claridade e amplidão acarretará
perigos à técnica. Não ousa suprimir as paredes, como tenderão a fazer os construtores
de Amiens, de Beauvais e dessa pequena maravilha que é a Sainte-Chapelle. Não é na
arquitetura que Reims será audaciosa, mas na escultura, em que não será ultrapassada,
sem falarmos do seu prestígio como a sé da sagração dos reis.
Catedral de Reims, interior
E é com Amiens (1120-1270) que se atinge o ponto supremo. Depois, haverá apenas a
tentativa de Beauvais, em que se procurará elevar a abóbada até perto dos 48 metros,
tornando os suportes tão delgados quanto possível, tentativa absurda, visto que, em
1284, o coro, única parte acabada, desmoronou, tornando-se necessário duplicar os
pilares. Em Amiens, a audácia respeita ainda as leis do equilíbrio. A abóbada está a um
pouco mais de 42 metros, mas o arremesso ascensional dos pilares em feixes é tão
altaneiro que ela parece ainda mais alta, dando a impressão de pairar em pleno céu. A
luz entra a jorros, mesmo no coro, onde desapareceu a última massa compacta,
substituída pelos vãos de lado a lado. Exteriormente, o sistema dos arcobotantes e dos
contrafortes é de uma naturalidade difícil de ser imaginada de outra forma. Aqui já não
é, como em Chartres, a harmonia das formas e das cores que se impõe à sensibilidade: é
a exclusiva perfeição das linhas. Começada em 1220, Amiens encontra-se no cume da
arquitetura gótica. Estamos realmente diante do “desenho arquitetônico revestido de
beleza”.
Amiens
Esta progressão contínua, marcada por Noyon, Sens, Laon, Paris, Chartres, Reims e
Amiens, pode ser acompanhada para além da estreita e privilegiada região onde se
encontram essas obras-primas. Ao lado dessas “maiores”, muitas outras “menores” são
igualmente admiráveis, uma pelo equilíbrio das suas massas, como Rouen, outra pela
sua altura interior verdadeiramente excepcional e pelos seus vitrais, como Bourges,
outra ainda, como Le Mans, pela transição do românico para o gótico. E quantas outras!
Bayeux, Lisieux, Évreux, Coutances, para citar só a Normandia, são catedrais
secundárias, mas de igual riqueza e encanto. E as da Bretanha, por conservarem um ar
rústico, têm um sabor sem preço. Muitas destas catedrais “menores”, aliás, foram feitas
à imagem de uma “maior”. Houve famílias de catedrais, e foi possível apontar no mapa
as filhas de Paris, as de Reims ou as de Amiens, com a exatidão de um genealogista.
No entanto, a expansão da nova arquitetura não se fez por toda a parte ao mesmo ritmo
e sem resistência. Já vimos na Borgonha o românico prevalecer sobre o gótico, e
harmonizar-se com ele. Mais ao sul, o jogo das formas tornou-se mais variado; do
gótico, conservou-se o cruzamento das ogivas, mas sem os seus órgãos complementares,
arcobotantes e contrafortes, e suprimiram-se as naves laterais, como em Albi, ou
mantiveram-se à altura da nave central, como em Poitiers, ou ainda, como em Angers,
deu-se à abóbada dessa mesma nave central um traçado que se avizinha do da cúpula.
Este acordo entre a parede e a ogiva, esta espécie de compromisso entre o espírito
românico e o espírito gótico não deixou, aliás, de trazer resultados admiráveis, em que
parece tornar a encontrar-se a majestade romana; a rosácea da catedral de Albi é, neste
gênero, uma obra-prima. Mas eram tendências erráticas, afastadas da verdadeira
corrente da arte e do seu desenvolvimento lógico. A grande perfeição – o tipo –
permanecia nos limites da terra afortunada que tinha servido de núcleo ao reino da
França e de onde partira a centelha da genialidade.
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Denis, catedrais góticas, Catedral de Chartres, Catedral de Noyon, Catedral de Reims,
Catedral de Ulm, contraforte, Cristandade, Daniel-Rops, gótico, No tempo de Tomás,
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