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CAMBOAS TUPI:

UM DOSSIÊ PARTICIPATIVO
SOBRE A PESCA TRADICIONAL
EM GOIANA

CAMBOAS TUPI: UM DOSSIÊ PARTICIPATIVO SOBRE A PESCA TRADICIONAL EM GOIANA 1


Ficha Técnica
PROJETO CAMBOAS TUPI: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL SOBRE AS ATIVIDADES DE PESCA
TRADICIONAL EM GOIANA E ITAMARACÁ.

Coordenação Geral | Debora Herszenhut


Coordenação Pedagógica | Debora Herszenhut e Mario Wiedemann
Produtora Executiva | Debora Herszenhut
Facilitador do curso | Mario Wiedemann
Assistente Pedagógica | Ana Cláudia Bastos
Produtor de Campo | Guimarães Silva
Assistente Administrativo | Maiara Lira
Organização do Dossiê | Debora Herszenhut e Mario Wiedemann
Revisão de Texto | Pérola Mathias
Projeto Gráfico e Diagramação | Refinaria Design

GOVERNADOR DE PERNAMBUCO
Paulo Câmara
VICE-GOVERNADOR
Raul Henry
SECRETARIA DE CULTURA
Secretário de Cultura | Marcelino Granja
Secretária Executiva | Silvana Meireles
Chefe de Gabinete |Severino Pessoa
FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO – FUNDARPE
Diretora-Presidente | Márcia Souto
Vice-Presidente | Antonieta Trindade
Chefe de Gabinete | Marcela Torres
Gerente Geral de Preservação do Patrimônio Cultural | Márcia Chamixaes
Gerente de Preservação Cultural | Célia Campos
Gerente de Equipamentos Culturais | André Brasileiro
Superintendente de Gestão do Funcultura | Gustavo Duarte de Araújo
Superintendente de Planejamento e Gestão | André Cândido
Gerente de Produção | Diego Santos
Gerente de Administração e Finanças | Jacilene Oliveira

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Camboas Tupi:
DOSSIÊ PARTICIPATIVO
SOBRE A PESCA TRADICIONAL
EM GOIANA

Este projeto foi realizado com o patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco
através do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura)
Olinda, 2018

3
Herszenhut, D.F. & Wiedemann, M. et al.

Camboas Tupi: Um dossiê participativo sobre a pesca tradicional em Goiana – 2018.

58 f.

Projeto: Camboas Tupi: Educação Patrimonial sobre a pesca tradicional em Goiana

e Itamaracá.

1. Goiana- Pernambuco – Dossiê. I. Patrimônio Cultural. II. Patrimônio Imaterial.

III. Inventário Cultural. IV. Projeto Camboas Tupy. V. Dossiê participativo sobre a pesca

tradicional em Goiana.

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SUMÁRIO
1. Apresentação.............................................................................................................................7
1.1 Metodologia.........................................................................................................................................10

2. Introdução................................................................................................................................13
2.1. Breve histórico pré-colonial das sociedades costeiras do brasil....................................................16

2.2. Caracterização sociocultural do litoral do município de Goiana....................................................18

2.3. Caracterização da Paisagem: Vegetação, clima e geomorfologia..................................................19

3. Etnografia da pesca em Barra de Catuama.......................................................................21


3.1. As Camboas..........................................................................................................................................24

3.2. Os objetos importantes da pesca......................................................................................................27

3.2.1. Agulhas e Redes.......................................................................................................................29

3.2.2. As embarcações.......................................................................................................................29

3.3. Lugares tradicionais: A Caiçara..........................................................................................................30

4. Avaliação e Recomendações...................................................................................................34
4.1. Recomendações...................................................................................................................................35

4. 2. Avaliação...............................................................................................................................................35

5. Lista de Entrevistados.............................................................................................................37

6. Bibliografia..............................................................................................................................37

7. Leitura Adicional.....................................................................................................................38

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1. Apresentação
“A importância da Educação Patrimonial reside no fato de que as comunidades devem ser as grandes
protagonistas de seus patrimônios e indicar os rumos que as futuras políticas preservacionistas devem
tomar. A preservação de bens culturais deve ser tratada como uma prática social, ou seja, é necessário
que os sujeitos e a comunidade reconheçam e agreguem valor aos bens culturais que o Estado pretende
preservar por meio dos mecanismos e instrumentos de que dispõe.” (IPHAN 2011:10)

Com o objetivo de realizar ações de educação patrimonial para professores e gestores públicos
sobre as atividades da pesca tradicional, o projeto “Camboas Tupi: Educação patrimonial sobre
as atividades de pesca tradicional em Goiana e Itamaracá”, patrocinado pela Secretaria de
Cultura do Estado de Pernambuco através do FUNCULTURA, entre os meses de Maio e Outubro
de 2017 capacitou 10 professores da rede Estadual de ensino do estado de Pernambuco e 4 estu-
dantes da Escola Estadual Frei Campo Mayor, localizada no distrito de Ponta de Pedra - município
de Goiana.
Vista como uma ação de vinculação social às ações de preservação de bens culturais, a Educação
Patrimonial amplia o acesso ao conhecimento científico ao levá-lo às esferas públicas. E deve
ser compreendida como um processo dialógico de formação de largo alcance, aproximando os
diferentes atores sociais envolvidos nos processos de preservação e identificação de patrimônios
culturais. A educação construída por meio das ações de preservação patrimonial nos permite
estimular as percepções e o envolvimento da comunidade com sua cultura tradicional, enraizar
as noções de pertencimento e promover, por meio de processos de construção participativa, o
engajamento coletivo nas transformações do território.
Este dossiê participativo sobre a pesca tradicional no município de Goiana foi elaborado
com base no curso de formação que teve duração de 60 horas. As atividades incluíram idas a
campo, palestras e exibição de filmes. O objetivo principal foi o de ressaltar a importância da
pesca artesanal enquanto patrimônio cultural do município, um hábito secular que revela
muitos dados sobre a história e a pré-história do estado de Pernambuco. Bem como apon-
ta igualmente para a construção e elaboração da identidade cultural dos habitantes desta
região através do tempo.
Este dossiê foi elaborado através da metodologia participativa proposta pelo IPHAN e baseia-se
nas diretrizes políticas para a elaboração do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC).
Ao longo do curso foram apresentadas ferramentas de pesquisa e identificação de bens cultu-
rais, dados bibliográficos e filmográficos; foram experimentadas técnicas de pesquisa de campo
etnoarqueológicas e, ao final do processo, através da metodologia sugerida pelo IPHAN para a
elaboração de inventários participativos de bens culturais, os alunos do curso de formação, sob a
orientação dos coordenadores, utilizaram-se das fichas de referências culturais como guias para
o levantamento deste bem cultural.

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Este dossiê apresenta as etapas de levantamento preliminar, referente à pesquisa bibliográfica do
tema, incluído aí: o trabalho de campo da equipe do projeto; a observação e identificação do bem
patrimonial em suas diversas dimensões; imersão etnográfica e registro das atividades de pesca
nas Camboas de Barra de Catuama em conjunto com os alunos do curso.
Ao longo destas 60 horas de encontros e debates, construímos a apresentação do conteúdo que
se segue utilizando-nos de diferentes abordagens.

Debora Herszenhut e Mario Wiedemann


Coordenadores do Projeto Camboas Tupi

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São autores deste dossiê: Os professores e gestores das E.E. Frei Campo Mayor, Karla Danielle
Barbosa Aranha da Silva, Tarcísio Alves de Araújo Pereira, Ednalza Vieira Betzen, Ivone Galvão
Sales Monteiro, João Alfredo dos Santos Neto, José Olimpío de Oliveira Neto, Maria de Lourdes
Gonçalo da Silva, Pablo Gonzaga da Silva, Zélia Tavares de Azevedo, Ana Maria Dornelas de Lima,
os alunos Fernando Rogério da Silva, Geovany da Silva Ferreira, Jõao Pedro de Lima Tavares, José Felipe
Francisco Gomes e os coordenadores do projeto Debora Herszenhut e Mario Wiedemann.

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1.1. Metodologia
Tendo em vista a natureza do objeto de pesquisa e os parâmetros metodológicos definidos pelo
IPHAN através do Decreto Federal 3.551/2000 que institui o Inventário Nacional de Referências
Culturais (INRC) e versa sobre o patrimônio imaterial brasileiro, o projeto “Camboas Tupi: Educação
patrimonial sobre as atividades de pesca tradicional em Goiana e Itamaracá” propôs através
de diferentes processos didáticos pensar o objeto de estudo em questão com o objetivo final de
elaborar um dossiê sobre a cultura material e imaterial da pesca artesanal no município de Goia-
na. Ao total foram seis aulas teóricas com dinâmicas de sensibilização, palestra, sessão de filmes
e três atividades de campo.

Palestra com o pesquisador Sérgio Romualdo Santos no auditório da E.E. Frei Campo Mayor.

A primeira atividade de campo teve como proposta, a apresentação de conceitos e técnicas de


pesquisa de campo, permitindo aos alunos do curso vivenciarem o contexto sócio-cultural e am-
biental da região. Esta vivência aconteceu no Quilombo de São Lourenço, localizado entre o fun-
do do estuário de Catuama e Itapessoca e a Plantação de Cana, cuja formação está associada ao
histórico de ocupação da região e as relações de exploração colonial que se estabeleceram neste
local desde então. Neste contexto de pesquisa, tivemos como guias três alunos da escola Frei
Campo Mayor, moradores da comunidade. Na ocasião, conhecemos a vila de São Lourenço, as
nascentes e reservatórios de água que abastecem a comunidade, ruínas existentes ali e a ativida-
de das marisqueiras. Guiados por estes jovens quilombolas, fomos apresentados às suas riquezas
e seus territórios, uma experiência que se revelou riquíssima diante da inversão de papéis: ali
foram os alunos da escola que apresentaram e ensinaram aos professores a história e cultura de
sua comunidade.

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Visita ao Quilombo de São Lourenço. No alto à esquerda, ruínas localizadas na vila. Ao lado, a equipe visitando o re-
servatório de águas; e abaixo, a equipe no limite da plantação de cana, com vista para o porto do Quilombo. Por fim,
a Igreja de São Lourenço na praça central.

A segunda atividade de campo, realizada ao longo de dois intensos dias, ocorreu na comunidade
de Barra de Catuama e visita ao estuário por meio de embarcação. O objetivo desta atividade
foi a aplicação das fichas de inventário sobre as atividades de pesca tradicional, registro de seus
lugares importantes e os objetos envolvidos na pesca praticada na comunidade. Além da expe-
riência de conhecimento e diálogo com os pescadores da região, caminhamos pela comunidade
e, ao final dos dias, pós-campo, promovemos o debate entre os alunos participantes sobre as
percepções, memórias e insights relativos à pesquisa. Nesta atividade colhemos as informações
e imagens que comporão este dossiê e que seguem detalhadas a seguir.

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Equipe de pesquisa em campo na Comunidade em Barra de Catuama

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2. Introdução

Barra do Rio Catuama, na praia da Comunidade da Barra de Catuama

Na comunidade de Barra de Catuama, localizada na Ponta do Funil, foz do estuário que se forma
pela Ilha de Itapessoca, Camboas são armadilhas utilizadas para captura de peixes na maré do
mangue. As Camboas constituem-se pelas reentrâncias e esteiros que se enchem com a maré, de
acordo com suas variações. Ou seja, nessas reentrâncias formam-se grandes “tanques” de águas
calmas, localizados fora da circulação da maré. Este é o local procurado pelos peixes, segundo
os pescadores, para se alimentar, reproduzir e “fugir” do fluxo contínuo da maré. Neste inventá-
rio, exploramos, sobremaneira, as atividades de pesca praticadas nestas armadilhas conhecidas
como Camboa, que encontram-se em larga escala ao longo do canal de Santa Cruz1.

1 O Canal de Santa Cruz se comunica com o mar através das desembocaduras, Barra Orange, ao sul, e Barra de Catuama,
ao norte, onde estas duas extremidades representam dois sistemas hidrodinâmicos de intenso intercâmbio de água
fluvial com água marinha.

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Imagem satélite de uma Camboa e imagem in loco, da estrada da Camboa Carapibu.

Em Barra de Catuama, boa parte das atividades dos pescadores desta comunidade está rela-
cionada com uma diversa arte de pesca, derivada, inexoravelmente, das excelentes condições
naturais do estuário e do mar. A Ponta do Funil é o local de hoje e de muito tempo escolhido por
muitos destes pescadores e suas famílias para a realização destas práticas de pesca tradicionais.

Percurso de navegação realizado pelo grupo ao longo do estuário

É visível e sensível a complexa relação que existe entre estes pescadores, as soluções e estraté-
gias estabelecidas para o exercício destas atividades. Neste complexo de tarefas simples e traba-
lhosas, é fundamental colocar nesta equação o movimento da maré e compreendê-la como um
elemento cardíaco2 que movimenta as águas no seu fluxo contínuo e orienta a pesca ali. Esse
fluxo contínuo é acompanhado pela mudança de toda a biodiversidade marinha e estuariana.
Considerando que são duas marés por dia, variando verticalmente (maré da lua) e lateralmente
(ventos e temporais), a pesca e a coleta nas Camboas são determinadas por estas variáveis.

2 Nas Camboas como em outras estratégias de pesca realizadas neste estuário, as atividades estão intimamente liga-
das à maré, que nesta região varia mais de 2m de altura provocando alterações sensíveis das águas na paisagem.

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Entre as variadas estratégias de pesca estabelecidas aí, algumas são intermitentes e/ou sazonais
e outras mais frequentes, como a pesca de currais, a pesca de covo, o cerco na boca da barra,
a pesca de linha e a mariscagem. Esta última, praticada em diversas comunidades da região,
principalmente por mulheres, divergindo da ideia tradicional da pesca como uma atividade
primordialmente masculina.

Algumas das estratégias de pesca realizadas na região: Pescador lançando a rede de cerco no interior da Camboa
Preguiça. Pesca de linha e mariscagem (esta última no quilombo de São Lourenço).

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2.1. BREVE HISTÓRICO PRÉ-COLONIAL DAS SOCIEDADES COSTEIRAS DO BRASIL
A pesca, a coleta e o uso dos recursos de rios e estuários representam parte importante das
atividades desenvolvidas pelas comunidades pré-históricas ou pré-coloniais do Brasil. Estes
dados foram abordados nos estudos arqueológicos de sítios costeiros (BEGOSSI, 2009, FIGUTTI,
1998;2014) e verificados a partir de vestígios encontrados no contexto, sobretudo no sul e no
sudeste do país.
Os sítios pré-coloniais litorâneos do sul e do sudeste, amplamente estudados pela arqueologia,
nos trazem informações relevantes sobre a importância destes territórios ao longo do período
de ocupação pré-colonial. A magnitude destas ocupações verificadas nos sítios pesquisados e
nos vestígios encontrados emerge essencialmente da disponibilidade de alimento proporciona-
da pelo ambiente (FIGUTTI, 1998).
Com o avanço das pesquisas no litoral nordeste, que apresenta diferenças marcantes na geo-
morfologia costeira e na relação com a “maré”, fica mais evidente que essas sociedades pré-
-históricas tinham como prática ocupar e se deslocar por todo o litoral nordeste e pelo interior.
Tinham a natureza como fonte, alimento e inspiração para o corpo material e para sua existên-
cia cosmológica. Assim, foram capazes de transformar e manejar seus “bens patrimoniais” ao
longo de milênios.

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Apesar de serem escassos os dados arqueológicos que permitam uma visão regional sobre
ocupações pré-históricas mais antigas neste território em pesquisa, há indícios3 (BANDEIRA, 2008,
2012; SILVA, 2009) de que as primeiras ocupações identificadas eram de sociedades de caçadores-
-coletores-pescadores habitantes dos estuários e rios, produtores de ferramentas líticas. Socie-
dades que viveram por muitos séculos tendo como base os recursos extraídos da mata, do mar e
dos rios. Estas sociedades de pescadores e coletores, ao longo de um período ainda incerto (sécu-
los, décadas ou mesmo milênios) de contato com outros grupos vindos de diferentes caminhos,
incorporaram novas tecnologias às suas dinâmicas culturais.
Os Tupi (CORRÊA, 2014) representam, neste dossiê, a consolidação da expansão social, cultural,
lingüística e cosmológica de uma sociedade que ocupava a costa do Brasil no período de contato.
Mais do que um arcabouço tecnológico refinado, tinham língua própria integrada e um interesse
voraz de expansão e conhecimento. Num processo multinaturalista4, essas sociedades fundiram
sua cultura e se estabeleceram nas mesmas áreas de ocupação dos grupos que ali habitavam ante-
riormente e herdaram parte do conhecimento da paisagem. Estes grupos tupi conheciam a arquite-
tura de caiçaras, produziam samburás, canoas e artefatos específicos de pesca para cada tipo de
peixe. Mantinham estreita relação com o mar, com os rios, conheciam seus percursos e ciclos.

Agulhas,e anzol de osso e ponta de arpão em silexito - Recolhidos na área da Redução Jesuítica de São Paulo
do Inaí - Acervo Museu Paranaense - Curitiba - PR

3 Um dos fatores indicados por pesquisadores é o de que muitos “Sambaquis” ou concheiros pré-históricos estariam
localizados em áreas inundadas pela maré há aproximadamente 5.000 anos, última grande transgressão marinha
registrada para esta região.
4 Eduardo Viveiros de Castro desenvolveu o conceito de Multinaturalismo para referir-se “aos traços contrastivos do
pensamento ameríndio em relação às cosmologias “multicuturalistas “modernas”. Ver: CASTRO, 1996.

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Viajantes europeus que estiveram no Brasil nos séculos XVI e XVII destacam em seus textos e gra-
vuras a importância da pesca e da relação com o mar e seus recursos para os antigos habitantes
desta região. As gravuras produzidas por Hans Staden, não obstante seu caráter mágico, trazem
elementos que indicam a intensa atividade de pesca entre os grupos indígenas com os quais teve
contato. Abbeville (1612) destaca detalhes da riqueza de técnicas e tecnologias de pesca empre-
endidas entre os Tupinambá como fonte rica e diversa de alimentos.
“Usam de Anzóis a que chamam de Pinda, para os peixes pequenos e médios e arpões para os peixes-
boi e outros maiores. Há também muitas outras qualidades de pescarias, que fazem de pedra, junto às
praias, ou de paus e varas, na entrada dos rios, como se fossem redes.” (ABBEVILLE 1614:354)

No início do século XVI dá-se início a um processo paradigmático da história indígena brasileira.
Os povos que ocupavam o litoral deste território, que viria a se chamar Brasil, estabeleceram
contato direto com os colonizadores.5 A resistência indígena foi intensa, mas abalada pela escra-
vização, extermínio, mortes por doenças e deslocamento de grupos para o interior. Pouco mais de
um século depois já não havia registro de nenhuma aldeia tupi livre na costa ancestral Brasileira.

2.2. Caracterização sociocultural do litoral do município de Goiana


O impacto das ações colonizadoras se deu inicialmente contra o território Tupi (populações que
habitavam densamente o litoral do Brasil no período), trazendo mudanças severas na história e
trajetória dessas sociedades.
No Quilombo de São Lourenço localizado em Goiana (PE), coexistem as referências e vestígios
materiais e imateriais desse longo processo de ocupação. As feitorias, casas, fortificações, cape-
las e igrejas ali localizadas, erguidas nos primeiros anos de contato, passaram a ocupar os locais
tradicionalmente ocupados pelos habitantes originários destas terras (denominados “índios”
pelos colonizadores recém chegados). Pesquisas arqueológicas realizadas na região identificaram
vestígios de uma “paliçada”6 (ALBUQUERQUE, 2011) indígena, que evidenciam a história destes
primeiros anos de contato através da cultura material encontrada e associada a este superartefato,
colocando o município de Goiana entre as áreas de contato primevo da colonização.
O atual município de Goiana está localizado na mesorregião Mata Norte e na Microrregião Mata
setentrional do Estado de Pernambuco, limitando-se ao norte com o estado da Paraíba, ao sul
com Itaquitinga, Igarassu, Itapissuma e Itamaracá, a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com
Condado e Itambé. Com uma população de aproximadamente 75.000 pessoas, sua economia

5 Em toda a costa nordeste do Brasil, coincidente com áreas de ocupação tupi, segundo Neves & Araújo (2015), pode-se
observar a pesca de currais e demais técnicas que também podem ser atribuídas a uma prática, tecnologia ou técnica
herdada das culturas que ali viveram. (Colonese El all, 2015; Paiva & Nomura, 1975; Maneschy, 1993; Piorski, 2009;
Araújo, 2012; Gomes et all, 2012; Fiddellis, 2013; Lucena et all, 2013, Nascimento, 2014; TAMAR, 2013; Mai et all, 2012,
2012; Tavares et all, 2005; entre outros ).
6 Ver Albuquerque, 2011 ; Barthel, 2007 http://www.brasilarqueologico.com.br/relatorios/Diagnostico%20Fiat%20
LP%20final_WEB.pdf. Último acesso em: 29 mar 2018.

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formal está vinculada à indústria e serviços, com menos de 10% de contribuição de demais
setores da economia (IBGE, 2014)7. O município de Goiana está localizado acerca de 65 quilô-
metros da capital Recife e é atualmente dividido em 3 distritos, a saber: Sede, Ponta de Pedra e
Tejucupapo - divisão política atual que reflete aspectos históricos.
Neste contexto, encontra-se a comunidade da Barra de Catuama inserida no distrito de Ponta de
Pedra, que nos revela aspectos importantes sobre a cultura pernambucana, sua relação com o
conhecimento tradicional, constituído a partir da profunda relação do homem com a natureza.

2.3. Caracterização da Paisagem: Vegetação, clima e geomorfologia


Tendo em vista a abrangência do território do município, com cerca de 446 km2, este engloba dife-
rentes contextos ambientais, dos quais podemos destacar as áreas de interior e as áreas costeiras.

Território do município de Goiana.

O relevo de Goiana faz parte, predominantemente, da unidade dos Tabuleiros Costeiros e Baixadas
Costeiras, a última caracterizada por restingas, mangues e dunas, com destaque para as porções
Sudeste e Nordeste, onde observa-se, em grau elevado de conservação, a vegetação no interior
dos estuários. A unidade dos Tabuleiros Costeiros que acompanha o litoral de todo o Nordes-
te apresenta altitude média de 50 a 100 metros. Compreende platôs de origem sedimentar, que
apresentam grau de entalhamento variável, ora com vales estreitos e encostas abruptas, ora
abertos com encostas suaves e fundos com amplas várzeas.

7 Ver: https://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?codmun=260620. Último acesso em: 29 mar 2018.

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Vista do alto do tabuleiro costeiro para as baixadas costeiras

Vista do interior do estuário para áreas de ocupação sob os tabuleiros costeiros ao redor do estuário.

O clima é do tipo tropical chuvoso com verão seco. O período chuvoso tem início em Abril/maio
e término em Setembro/outubro. A vegetação é predominantemente do tipo Floresta Ombrófila,
caracterizada pela sua estatura elevada e densidade aumentada da mata. (CPRH, 2005). Nos
estuários e rios que compõem a bacia do Rio Goiana, presença marcante do mangue.
Cabe destacar que a paisagem do município de Goiana está inserida em um contexto de mudan-
ças culturais intensas desde o que se define como a Pré-história. As características ambientais
desta região, representada por seus estuários de grande magnitude, possibilitam a ampla bio-
diversidade deste ecossistema, fator que historicamente agrega comunidades às margens deste
grande braço de mar.

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3. Etnografia da pesca
em Barra de Catuama
Em nossa segunda atividade de campo, realizada ao longo de dois dias na comunidade de Barra
de Catuama, inicialmente fizemos uma visita à vila, permitindo aos alunos do curso vivenciar o
cotidiano dos pescadores e os trabalho realizados nas caiçaras, a confecção de artefatos e manu-
tenção de equipamentos (redes, motor, embarcação) costumam acontecer ali, muitas vezes de
forma coletiva. No segundo dia de atividade, com o uso de uma embarcação, fizemos uma visita
ao estuário com mapeamento e georreferenciamento das Camboas. O grupo de pesquisa teve
como guia dois pescadores locais, Chiquinho, que também é vigia da E.E. Frei Campo Mayor, e o
Barqueiro Newton, antigo pescador local.

À esquerda Chiquinho, nosso guia local apresentando o estuário e a prática da pesca na região.

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Nilton, barqueiro e antigo pescador de Barra de Catuama.

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Chiquinho, que até este momento era conhecido pelos alunos do curso como “o vigia da esco-
la”, neste episódio revela-se um prestigiado pescador da comunidade. Conhecido no local como
“Chico da tainha”, ele nos relata que raramente pesca nas Camboas, apesar de demonstrar pro-
fundo conhecimento das mesmas. Enquanto circulávamos no interior das Camboas e observáva-
mos junto com ele os pescadores em ação, notamos que Chico estava atento aos pontos de pesca
nos momentos em que víamos enormes tainhas pulando no interior das camboas. Chico “lia” a
paisagem, pensando e avaliando suas ideias e conhecimentos, atualizando sua experiência.
Na comunidade de Barra de Catuama, no território tradicional abrangido por estes pescadores,
são praticados diferentes tipos de pesca, realizadas por pessoas com um profundo conhecimento
do ambiente, do comportamento do peixe, das sazonalidades e do elemento cardíaco que move
toda comunidade costeira do nordeste: a maré8. Desde a pré-história, este local abriga diferentes
experiências de vida, que se por um lado foram parcamente documentadas do ponto de vista da
arqueologia e da etnohistória, por outro temos a chance de dialogar com uma comunidade que
desenvolve a continuidade desta atividade ancestral.
Em Barra de Catuama um pescador e seu núcleo familiar praticam mais de um tipo de pesca, ou
seja, exercitam e constroem diferentes rotinas, dependendo do período, da necessidade e de
outros elementos de ordem subjetivas. Cada uma das pescas tem seus locais específicos de ação
e planejamento, locais de armazenamento, de tratar o pescado e de comer, na sua grande cadeia
operatória. Cada uma delas também reserva seus objetos e apetrechos necessários, em pequena
escala ou que exigem muitas vezes a participação de mais de um indivíduo. Alguns destes artefa-
tos, comprados em lojas ou fabricados artesanalmente, conectam-se com outras gerações. Este é
o elemento que relaciona todas estas atividades de pesca.

Exemplo de agulha para confecção de rede de pesca artefato utilizado historicamente pelos povos costeiros que
modificou-se com e adaptou-se ao longo tempo.

8 A “maré” é também o lugar para onde vai o pescador, é o seu território de pesca, independente
do tipo de pesca que praticará.

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O conhecimento da pesca na Comunidade de Barra de Catuama é o elemento principal deste
inventário e constitui a referência imaterial de uma prática tradicional. É referência para uma
sociedade que reconhece a pesca tanto em suas dificuldades, disputas e riquezas, além de ver a
atividade como o elemento de conexão com a paisagem e a história deste local. A atividade da
pesca pode ser compreendida como de subsistência ou auto suficiência, mas também revela o
valor simbólico de uma prática ancestral que compõe a identidade da comunidade pesqueira
como a parte de um todo.

3.1. As Camboas

Vista do Mangue com detalhe da estrutura da rede na entrada da Camboa Carapibu.

No contexto da comunidade de pescadores de Barra de Catuama, localizada na Ponta do Funil,


foz do estuário que se forma pela Ilha de Itapessoca, município de Goiana-PE, Camboas são ar-
madilhas para captura de peixes instaladas na maré do mangue. As Camboas são formadas pelas
reentrâncias e esteiros que enchem com a maré, de acordo com suas variações. Ou seja, nessas
reentrâncias formam-se grandes área conhecidas como Camboas: territórios marítimos de águas
calmas e que estão fora da circulação da maré, local que, segundo os pescadores, é procurado
pelos peixes para se alimentar, reproduzirem-se e estar.

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Os marcadores em cor azul representam as 12 Camboas visitadas durante as atividades de Campo do curso
de educação patrimonial.

Durante a atividade de campo foram georreferenciadas 12 Camboas, a saber: Camboa Auleria,


Carapibu, Cana, Proaçu, Santo Antônio, Cação, Canoezinho, Preguiça, Onça, Costa Funda, Peixe
Podre e uma que não identificamos o nome. Saindo da barra, a equipe navegou pelo estuário e
dentro das Camboas.
As Camboas não são construídas, mas constituídas em meio à densa vegetação de mangue, no
estuário. São reentrâncias no mangue que podem ter dimensões diferenciadas e que são maneja-
das para servir de armadilha. Quando a maré enche, o peixe adentra o estuário a procura destes
locais. Quando a maré alcança seu ponto mais alto, o pescador vai até a boca9 dos canais de
circulação da maré e nas margens do mangue para colocar uma rede. Quando a maré começa a
vazar, o peixe malha10 a rede no percurso de volta ao mar ou circulação e o peixe fica preso.

9 Boca: Refere-se à boca da Camboa, o local de entrada e saída do peixe das Camboas.
10 Malhar: É o nome dado a ação do peixe ao ficar preso na malha da rede.

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As Camboas são formações naturais do mangue e de seus canais de cheia e vazante, que no con-
texto da Barra de Catuama tem nome particulares e são reconhecidas por esses nomes. Cada
Camboa no estuário da ponta do funil é reconhecido por um nome que pode estar associado a
uma característica do local, ao nome de um animal visto no local, ao nome de uma pessoa etc. Os
nomes das Camboas são compartilhados entre os informantes abordados pela pesquisa e repre-
sentam parte de um patrimônio cultural local. Constituídas como uma das estratégias de pesca
praticadas no contexto da comunidade de pescadores de Barra de Catuama, são reconhecidas
pelos pescadores como locais de pesca que não tem um dono: esta é uma característica funda-
mental destes locais, pois colocam a comunidade em contato e interação.

Detalhe da estrutura construída como suporte para sustentar a rede na estrada da Camboa, destacando que esta
camboa não estava em uso no momento do campo.

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Fica estabelecido, portanto, que quando um pescador coloca sua rede em determinada camboa e/ou
reentrância do mangue, outro pescador não pode mais utilizá-la para a pesca e deve procurar outro
local. Parte daí um elemento interessante, que é a manutenção do segredo sobre o local e o resultado
da pesca, sem que nunca seja revelado exatamente os locais que renderam boas pescarias.
O resultado da pesca é irregular, aumentando em algumas épocas, como nos períodos da tainha ou
do camarão ou períodos de maré mais forte, quando os peixes procuram mais o estuário. A escala
da pesca nas Camboas de Catuama atende a uma demanda doméstica e local e, em alguns momen-
tos, a um mercado regional. Com freqüência é referida como uma atividade que não supre as de-
mandas de subsistência, complementada por outras atividades, como a mariscagem, por exemplo.
A palavra Camboa de origem tupi, aparece relacionado a Gamboa, como um local bom para a
Pesca, de águas calmas, um esteiro, uma baía. A Camboa do mangue resulta da compreensão
íntima da fluidez da paisagem, da maré e do peixe.

Vista da praia em Barra de Catuama onde coexistem Bares e Caiçaras.

3.2. Os objetos importantes da pesca

Rede de pesca na caiçara à beira do canal.

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A cultura material da pesca nas Camboas guarda uma relação intensa com a mudança e com
a transformação ocorrida nos últimos 60 anos como um todo, representada pela substituição
da matéria-prima natural pela matéria-prima industrializada. Como a estrutura dá-se por si, é
necessária somente a utilização de artefatos associados, como redes, cordéis, esteios e vigas,
neste caso, retirados do próprio mangue e implantados na baixa maré.
Os objetos expressam a dimensão material e o conhecimento necessário para a realização das
diferentes atividades de pesca e coleta. Os objetos ocupam também diferentes escalas e podem
ser decompostos em matérias-primas. A pesca, segundo Marcelo, pescador local de 41 anos de
idade, é realizada com o uso de alguns instrumentos de trabalho industrializados, comprados,
e outros, confeccionados na própria Caiçara (lugar de referência e explorado a seguir neste dos-
siê). Destacamos neste trabalho dois importantes objetos para os pescadores da comunidade de
Barra de Catuama, a rede, a agulha e as embarcações.

Acima pescadores trabalhando no reparo das redes em Barra de Catuama. No detalhe, a agulha com a linha.

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3.2.1. Agulhas e Redes
A agulha é um instrumento confeccionado em polietileno de aproximadamente 20 cm com
algumas ranhuras que servem para fixar a linha (náilon) de costura das redes. Marcelo, pescador,
comentou ainda que, anteriormente, a agulha era confeccionada com ossos ou madeira. E que
aprendeu a manusear com o seu pai esta ferramenta.
As redes são confeccionadas com linha de náilon 30, cordão de seda, isopor (para manter a rede
flutuando) e chumbo para ancoragem.

3.2.2. As embarcações

Rabeta da Comunidade de Barra de Catuama.

As embarcações da comunidade de Barra de Catuama servem aos pescadores em diferentes tipos


de pesca e tem dimensão necessária (até 10 metros) para o transporte dos pescadores, redes e
equipamentos quando estão na maré. São confeccionadas em madeira, algumas delas produzi-
das pelos próprios pescadores. Outras são de madeira revestida com fibra e outras só com fibra.
Para o deslocamento até as Camboas, utilizam um pequeno motor de popa. Essa embarcação
recebe o nome de rabeta.

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No alto, embarcações da comunidade de Barra de Catuama. Nas demais, os pescadores da comunidade em
atividade com membro do curso no trabalho de documentação.

3.3. Lugares tradicionais: A Caiçara


Os lugares são uma importante categoria dentro dos inventários participativos de diferentes bens
e manifestações culturais. Eles são espaços que compõem o território. Lugares que podem ser
construções materiais, mas também trazem consigo dimensões imateriais a partir de uma refe-
rência no local, na paisagem.
O termo Caiçara é um vocábulo de origem tupy-guarani e deriva de Caá- içara onde caá significa
esteiro, madeira e içara, cerco, ramo, armadilha. Esta palavra aparece aqui em Goiana, na região e
em outras partes do Brasil podendo designar municípios, comunidades e lugares, além de ser uma
categoria política atual, em razão de movimentos sociais de comunidades pesqueiras11 no Sudeste.

11 Ver: Catão, H. (2004)

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A Caiçara e suas redes na comunidade de Barra de Catuama

As caiçaras são construções de madeira, cobertas com palha ou telha e/ou materiais de reapro-
veitamento. Estão, em geral, localizadas à beira da água e sua função principal é guardar os ins-
trumentos de trabalho. Lá são guardadas as velas, o motor, as redes, esteiros e outros objetos
do cotidiano do trabalho na pesca. A construção da caiçara como local importante para a pesca
acontece há muito tempo em Goiana, fruto da sabedoria e força de vontade dos pescadores que
se juntam também neste momento para construir ou fazer a manutenção destes espaços de tra-
balho muitas vezes compartilhados, criando um movimento de integração neste local. Um dos
elementos que apresentou-se evidente para o grupo que inventariou as caiçaras foi a mudança
nas características estruturais, modificando-se não só a partir do uso e das necessidades, mas em
função do tempo e de acordo com a disponibilidade de matéria-prima.

CAMBOAS TUPI: UM DOSSIÊ PARTICIPATIVO SOBRE A PESCA TRADICIONAL EM GOIANA 31


Caiçara em funcionamento à noite, na comunidade de Barra de Catuama, com detalhe para a fundação e proteção
criada para a proteção da maré.

Detalhe da caiçara com o pescador da comunidade de Barra de Catuama.

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Caiçara, localizada no Quilombo de São Lourenço, que serve como suporte para pesca e coleta praticada no estuário.

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4. Avaliação e Recomendações
Tendo em vista os parâmetros metodológicos do inventário da atividade de pesca de currais em
Goiana embasados pelo INRC, em especial as diretrizes para a realização do inventário partici-
pativo, apresentamos neste item final uma avaliação e algumas recomendações relativas a este
bem patrimonial. Este item, de caráter conclusivo, tem como propósito servir de subsídio para a
elaboração de políticas públicas relacionadas à manutenção e à prática destes saberes.
Todas as fichas que compõem o inventário participativo terminam com um item de avaliação
e recomendações. A saber: avaliação das condições de conservação do objeto de estudo, neste
caso o saber da pesca de Camboa e sua prática, mas também o item de recomendação de ações
que visem a preservação do bem patrimonial.
De imediato, tem-se que, a valorização deste conhecimento e a prática deste tipo de pesca, incen-
tiva e movimenta toda uma extensa cadeia sociocultural e econômica, sendo, fundamental, sua
manutenção enquanto referência cultural.

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4.1. Recomendações
Uma das sugestões elencadas ao longo do processo de elaboração deste dossiê participativo
foi sobre o desenvolvimento de trabalhos de ecoturismo que mostrem as belezas e, principal-
mente, a importância dessas Camboas para a história da pesca, para preservação da cultura e
para o desenvolvimento da economia da região através tanto da pesca quanto pelo turismo.
No Quilombo de São Lourenço, mulheres, jovens e crianças engajam-se na coleta e tratamen-
to do marisco para consumo da família e para a comercialização. Outra sugestão que surgiu no
contexto do curso foi a elaboração de um dossiê participativo voltado somente para atividade
das mulheres Marisqueiras. A mariscagem representa parte da vasta arte de pesca presente no
município de Goiana e apresenta grande complexidade, constituindo-se como uma referência
cultural bastante presente entre os membros das comunidades pesquisadas, além de remeter a
processos pré históricos de interação e manejo da paisagem e de seus recursos.

4. 2. Avaliação
As Camboas tem uma importância econômica relevante para a comunidade de Barra de Catu-
ama. Parte do ano a pesca encontra-se favorável, mas há períodos de escassez. Muitas famílias
ainda dependem dessas estratégias de pesca para o sustento alimentar. Alguns pescadores, no
entanto, acreditam que a pesca em Camboas deveria ser proibida, pois, como relatado, ela agri-
de o meio ambiente, levando em consideração que muitos peixes morrem durante a técnica de
arrasto e são descartados nas próprias Camboas.
Ficou evidente para a equipe de pesquisa que a atividade de pesca nas Camboas vem passando
por transformações severas nos últimos 100 anos, reduzindo progressivamente sua intensidade,
mas mantendo-se e adaptando-se às novas referências culturais e geopolíticas. Alguns dos fato-
res que provocaram a redução desta atividade são internos, locais, outros externos. A pesqui-
sa nos permite apontar para uma redução drástica desta atividade nos últimos 20 anos. A esta
queda estão relacionadas também, dentre outras razões, a redução do pescado, as transforma-
ções e restrições que a atividade sofreu perante as legislações e restrições ambientais e, sobretudo,
à perda do território pelo pescador.
No contexto da Barra de Catuama e arredores, o que se pode identificar é a presença de uma série
de empreendimentos que geram pressão ao estuário, sua biodiversidade e pressão sociocultural.
A saber: As fazendas de camarão, os loteamentos e expansão da mancha urbana da cidade, o
turismo e a indústria que fica na Ilha de Itapessoca.

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Exemplo de dois conflitos evidentes no entorno do estuário: à esquerda, a Ilha de Itapessoca e a
fábrica de cimento; à direita, um loteamento para a construção de uma condomínio.

O território de vida do pescador não se limita ao seu espaço privado, à sua unidade domiciliar.
Para o pescador, sua casa é um espaço, em geral, pequeno, necessário para pousar e cuidar da
família, e também todo o ambiente que o rodeia - o rio, a mata, a praia, a caiçara - faz parte de
seu território. Em cada um desses lugares, o pescador exerce sua atividade
Partindo-se da premissa de que para comunidades pesqueiras território é conhecimento (WAGNER
& SILVA, 2013), devemos pensar a antiguidade de determinadas práticas e técnicas ao longo da
costa brasileira. Wagner e Silva (2013:61) afirmam: “Os territórios de pesca são mais do que es-
paços delimitados. São lugares conhecidos, nomeados, usados e defendidos. Cada grupo possui
uma familiaridade com essas áreas criando territórios que são incorporados à tradição cultural”.
Entendendo desta maneira, constata-se um cenário caótico de mudança cultural profunda para
as comunidades costeiras de todo o Brasil. A perda paulatina do território de pesca, por razões
já descritas, incorre na “desidentificação” ou desconexão haliêutica, ou seja, do distanciamento
dessas comunidades com o mar, seus ciclos naturais, sua técnica e por fim sua prática. Esse é o
cenário que se observa em algumas comunidades que ocupam o litoral pernambucano.
A relação do conhecimento da pesca se transformará nos próximos anos em razão do abandono
de atividades relacionadas ao mar, sobremaneira as atividades de coleta de mariscos, a pesca de
lagosta, a pesca de currais e outras artes de pesca presentes na Ilha. Quando as comunidades
costeiras, pescadoras e coletoras não podem mais acessar seu território, são impedidas de prati-
car sua pesca, torna-se desnecessária a construção do artefato. Torna-se desnecessário conhecer
a sazonalidades dos peixes, celebrar os santos padroeiros da pesca, conhecer as variações da
maré, entre outros elementos que regem a cultura das comunidades costeiras.

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5. Lista de Entrevistados
Chico, Pescador e Vigia da E.E.F.C.M

Marcelo, Pescador

Niton, Barqueiro

6. Bibliografia
ABBEVILLE, C. História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e suas circun-
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