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RESENHA

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti.


São Paulo: Boitempo, 2004. p. 142.

Ricardo Marcelo Fonseca*

O trabalho do filósofo italiano Giorgio e o novo front prático que a partir dele se
Agamben inscreve-se numa área temática abre, não implicam, como parece óbvio, que
hoje bastante pertinente e, creio, urgente para a esfera jurídica em sua totalidade (e
o pensamento jurídico: a reflexão sobre as particularmente muitas das liberdades e
relações entre a política e a vida, entre a garantias trazidas aos cidadãos pelo direito
soberania e a violência, entre o direito e a moderno) deva ser considerada como algo
biopolítica. Embora o pensamento jurídico nocivo, plenamente irracional ou prenhe
tenha buscado separar (ou ignorar) a relação exclusivamente de iniqüidades às esferas de
existente entre a incidência do poder “do subjetividade. Embora do ponto de vista
direito” (entendido, de acordo com a definição lógico a apresentação de uma crítica a uma
tradicional, como o conjunto de normas esfera social não implique automaticamente
vigentes num Estado, democrático ou não) a negação “m totum” dessa mesma esfera
daquele poder, não previsto e não admitido (mas somente o exercício crítico - no sentido
pelo discurso jurídico, que incide sobre as mais genuinam ente ilum inista - do
subjetividades e os corpos, moldando-os e pensamento), tal ressalva parece necessária
sujeitando-os, constrangendo-os e às vezes para aplacar a patrulha guardiã dos valores
anulando-os, o fato é que tal conexão (poder racionais e universais do direito, que sempre
do direito x sujeição biopolítica) é um tema está de tocaia em nosso meio, pronta para
a não ser mais ignorado e jogado para atirar contra o primeiro argumento (muitas
debaixo do tapete. Essa constatação teórica vezes sem que ele seja sequer enunciado por
inteiro) que coloque em questão algum dos
sacrossantos dogmas modernos.
* Professor do Curso de Direito e do Programa De todo modo, para aquele leitor que
de Pós-Graduação em Direito da UFPR). Pesquisador
do CPNq. reflete sobre a dinâmica do direito na
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modernidade de um modo impregnado pelos Como parece previsível, a conclusão do(
tabus teóricos, o livro de Agamben lançado autor caminha no sentido de que o “estado
no Brasil no final de 2004 pela Editora de exceção”, na sua indeterminação na
Boitempo, “O Estado de exceção”, pode relação com a situação de “emergência” ou
escandalizar. Apesar de m ostrar um de “exceção”, não é, na realidade, um estado
incontestável domínio sobre a reflexão excepcional, mas sim a regra. Impossível
jurídica antiga e contemporânea sobre o deixar de evocar, então, a conhecida oitava
problema que dá título ao livro (lançado em tese sobre o conceito de história do filósofo
2003 na Itália), a forma de abordagem alemão Walter Benjamin (de fato invocada
utilizada pelo autor está longe de pertencer por Agamben, que foi, inclusive, o editor
ao estilo de reflexão tradicional dos juristas. para a língua italiana das Obras Completas
De fato, a problemática central da obra de Benjamin), segundo a qual “a tradição
é - retomando as reflexões de seu livro já dos oprimidos nos ensina que o estado de
publicado no Brasil pela Editora UFMG exceção em que vivemos é na verdade regra
(“homo sacer”) - capturar o momento de geral”. Ou seja, há na tradição jurídica do
indistinção da incidência do poder do direito Ocidente (e especialmente a partir da Primeira
e da biopolítica justamente na figura do Guerra Mundial) uma indiscernibilidade
“estado de exceção”. Ou, em outras palavras, entre a “normalidade” e a “exceção”.
notar como nessa figura do direito público, Para demonstrar tudo isso, o livro traça
devidamente inscrita nas instituições jurídicas, uma trajetória bastante interessante: no
geralmente nas próprias Constituições, existe primeiro capítulo (“O estado de exceção
um ponto de tensão ineliminável entre, de como paradigma de governo”), que talvez
um lado, o poder do direito e, de outro, um seja o mais atraente para o leitor jurista, é
poder “nu”, não institucional e que incide feito um histórico do instituto na França (état
diretamente sobre os corpos. Ou, em outros de siège), onde surge o instituto, na
termos, uma tensão entre a norma e a anomia, Alemanha (onde o art. 48 da Constituição de
entre a violência institucionalizada (pelo Weimar, que assegura a presença do instituto,
direito) e a violência pura, entre a autorictas foi acionado ininterruptamente de 1923 até
e a potestas, entre, enfim, direito e vida. Ou, o final da Segunda Guerra), na Suíça, na Itália,
ainda de outra forma, o estado de exceção - na Inglaterra (e seu martial law) e nos
na medida em que constitui uma forma de Estados Unidos. O interessante, aqui, é como
“suspensão de toda a ordem jurídica” prevista o autor indica que a intervenção do Executivo
pela própria ordem jurídica - é aquela figura em áreas que a eles antes eram vedadas foi,
que inscreve a anomia no nomos, suspende a desde os anos 20, crescendo indefinidamente
norma para que prevaleça a pura decisão, e por meio de diversos institutos jurídicos
fazendo com que o poder puro e simples (entre os quais, na Itália, o art. 77 da
(aquele sem mediações das garantias do Constituição Republicana de 1946 que criou
Estado de Direito) pertença ao direito, mesmo “medidas provisórias com força de lei”, nos
dele, “em regra”, estando fora. casos “extraordinários de necessidade e

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urgência”). O autor nota como a noção de definição de Schmitt de soberano, que, para
“excepcionalidade”, a justificar a intervenção ele, é “aquele que decide sobre o estado de
do Executivo, foi evoluindo progressivamente exceção”. É recuperado seu debate com
das razões de segurança externa e interna Walter Benjamin (é especialmente recuperado
(do ponto de vista militar) para razões o texto deste último, “Crítica da violência,
de segurança “econôm icas”, e, assim, crítica do poder”), bem como é recuperada
foi-se paulatinam ente abrangendo as a noção rom ana de justitium (noção
hipóteses que ingressavam na categoria da controvertida entre romanistas e historiadores
“excepcionalidade”. Qualquer semelhança do direito, mas que representa uma espécie
como o que ocorreu no Brasil (que copiou de antecedente do moderno “estado de
o modelo italiano) com as intervenções exceção”), assim como o importante debate,
abusivas de m edidas provisórias e a também presente na Roma clássica, entre
hermenêutica dada às noções de relevância a distinção entre autorictas e potestas.
e urgência não é mera coincidência.1 Tudo para fazer uma “genealogia” da noção
Na seqüência, a obra, com erudição, de “estado de exceção” que, segundo
recupera o pensamento de Carl Schmitt Agamben, é tão central na compreensão da
(teórico que talvez esteja sendo um pouco política moderna.
negligenciado no Brasil) para destrinçar a E claro que a indiscernibilidade entre
noção de ‘estado de exceção’. Tudo isso é regra e exeção, entre anomia e nomos, pode
sintomático, considerando-se a famosa ferir de morte a convicção confortável no
sentido de que, após a queda do muro de
Berlim e a “vitória” do modelo democrático
1 Sintomática nesse particular foi a posição recente americano, vivemos num ‘Estado democrático
do candidato do próprio governo à presidência da
câmara dos deputados, dep. Luiz Eduardo Greenhalgh, de direito’ em que prevalece, em termos
que em debate com os dem ais candidatos daquela políticos, o ‘im pério da le i’. Segundo
insólita eleição, acusou o governo que apoiava sua
candidatura de estar “‘afogando’ a pauta da câmara Agamben, ao contrário, o funcionamento da
com medidas provisórias”. Disse ele que “O governo “m áquina” do Estado (usando de
está exagerando. Mais de 80% da paula são MPs”. In: empréstimo um termo caro a Deleuze e
“Folha de S. Paulo” de 11 de fevereiro de 2005, p. A6.
(“Candidatos do PT atacam governo em debate”). G uattari) é essencialm ente ligada ao
Sintomático também foi o último discurso de José dispositivo do estado de exceção, de modo
Sarney com o presidente do Senado Federal, quando
fez questão de ressaltar que “com as MPs é impossível que freqüentemente prevalece, em termos
aprofundar a dem ocracia”, pois elas (as medidas biopolíticos, o império da violência e da
provisórias) seriam “a consagração do im proviso, sujeição. No fundo, é dessa indeterminação
devendo, por isso, serem restritas a calamidades públicas
e matérias financeiras”; do mesm o modo o recém- entre o político e o biopolítico no
em possado presidente do senado, Renan Calheiros, funcionamento do Estado que trata este livro.
afirmou em seu prim eiro pronunciam ento com o
presidente do Congresso Nacional que seria necessário
Certamente que este argumento (que
que o Poder Executivo lembrasse “necessidade de não insiste na “secreta solidariedade entre anomia
governar legislando”, “in” w w w l.folha.uol.com .br/ e o direito” - p. 108, ou na “anomia interna
folha/brasil/ult96u671,93.shtm l, consultado em
15/02/2005, 13h40min. ao direito, o estado de emergência como
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pulsão anômica contida no próprio coração Afeganistão, além de não gozarem o Estatuto
do nomos” - p. 110), desfiado não sem certas de POW [prisioneiros de gerra] de acordo
obscuridade discursiva, causa perplexidade com a convenção de Genebra, tampouco
no leitor jurista. Mas o desconforto, neste gozam daquele de acusado segundo as leis
caso, ao sacudir convicções sedimentadas norte americanas. Nem prisioneiros nem
e ao suscitar uma discussão, só pode acusados, mas apenas detainees, são objeto
ser benéfico. de uma pura denominação de fato [...] porque
E, neste debate, certamente não podem totalmente fora da lei e do controle judiciário.
ser esquecidas pelo menos duas medidas A única com paração possível é com a
(excepcionais?) tomadas pelo “berço da situação jurídica dos judeus nos Lager
democracia” (os Estados Unidos), citadas por nazistas: juntam ente com a cidadania,
Agamben: “a ‘military order’ de 13 de haviam perdido toda a identidade jurídica,
novembro de 2001, que autoriza a ‘indefinite mas conservavam apenas a identidade de
detention’ e o processo perante as ‘military judeus. [...] no detainee de Guantánamo a vida
commissions’ (não confundir com os tribunais nua atinge sua máxima indeterminação” -
militares previstos pelo direito de guerra) dos p. 14-15.
não cidadãos suspeitos de envolvimento em E nesse cenário (que, segundo o autor,
atividades terroristas” - p. 14 e o Patriotic teve uma continuidade que ultrapassou as
A ct, que permite “ao Attorney general experiências totalitárias dos anos 30 e 40 do
‘manter preso’ o estrangeiro (alien) suspeito século XX, estendendo-se de diversas formas
de atividades que ponham em perigo ‘a até hoje) é que se deve inserir a sua tese
segurança nacional dos Estados Unidos’” - fundamental: a de que “a criação voluntária
p. 14. Em ambos os casos, como bem nota o de um estado de emergência permanente
filósofo italiano, é anulado “radicalmente (ainda que, eventualmente, não declarado no
todo o estatuto do indivíduo, produzindo, sentido técnico) tornou-se uma das práticas
dessa forma, um ser juridicam ente essenciais dos Estados contemporâneos,
inom inável. Os talibãs capturados no inclusive dos chamados democráticos” - p. 13.

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