Ensino de gramática: O trabalho de reflexão linguística nas
salas de aula do Ensino Fundamental
Resumo
O presente trabalho parte de uma retomada histórica Ethieli Vieira
acerca do ensino da Língua Portuguesa e Gramática no Universidade de Passo Fundo
Brasil desde o período colonial para ajudar‐nos a ethyy@hotmail.com
compreender como este período histórico influenciou e
ainda influencia no modelo de ensino desta disciplina como
conhecemos hoje e que ainda permeiam a prática de
inúmeros educadores: um ensino descontextualizado, Juliane Lodi Castellani Dörr
baseado em exercícios de classificação e repetição. Universidade de Passo Fundo
Posteriormente, busca‐se apresentar uma proposta de ju_castellani@hotmail.com
ensino da gramática que possa contribuir para um trabalho
de análise e reflexão linguística e que considere os
contextos reais de uso desta língua. Por fim, analisamos
duas produções de alunos com o objetivo de detectar os
possíveis conteúdos a serem trabalhados em sala de aula, a
fim de explicar que o objeto de reflexão linguística – e, mais
especificamente, sobre gramática do português escrito –
pode ser elaborado com base nas produções dos alunos e
não alheio a elas.
Palavras‐chave: Língua portuguesa. Ensino de gramática.
Reflexão linguística. Produção de textos.
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Introdução
O ensino da Língua Portuguesa, mais especificamente o ensino da gramática na
escola, vem sendo alvo de críticas em relação a sua eficácia. Muitos especialistas apontam
como principal problema, o ensino de uma gramática normativa já que ele não contribui
para o desenvolvimento linguístico do sujeito e que, além disso, gera entre os estudantes
um sentimento de negação, pois não veem aplicabilidade no estudo de conceitos e regras
gramaticais.
Para entender o motivo pelo qual o trabalho de reflexão linguística acontecia e
ainda acontece em muitas escolas dessa forma, recuperamos o modo assumido pelo
ensino do português no Brasil desde o período colonial e a sua inserção como disciplina
no currículo escolar na década de 1960. A partir de então, podemos verificar a presença
de um ensino centrado na norma culta da língua, mediante o qual, em sua maioria, os
alunos desempenham o papel de receptores passivos de conteúdos oferecidos por
professores que desconsideram qualquer manifestação oral ou escrita que não esteja de
acordo com a norma padrão.
Compreendendo tais fatores históricos e culturais acerca do ensino da língua,
podemos observar como essa herança ainda permeia muitas práticas docentes, o que
evidencia que o professor muitas vezes desconhece o que seja trabalhar com gramática,
não conseguindo desenvolver nos alunos as competências e habilidades linguísticas
necessárias para que se tornem leitores e produtores de textos adequados e eficientes.
Diante dessa situação, são retomadas algumas contribuições sobre como os
estudos da gramática podem se posicionar no âmbito de uma proposta de ensino de
análise linguística que consista em refletir sobre a língua em funcionamento.
Suassuna (2012) explica que a análise linguística
[...] se constitui, desde sua concepção, como uma alternativa à prática
tradicional de conteúdos gramaticais isolados, uma vez que se baseia em
textos concretos e com ela se procura descrever as diferentes operações
de construção textual, tanto num nível mais amplo (discursivo) quanto
num nível menor (quando se toma como objeto de estudo, por exemplo,
uma questão ortográfica ou mórfica) (SUASSUNA, 2012, p. 13).
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Assim concebida, a partir da produção do aluno, seja ela oral ou escrita, é possível
desenvolver um trabalho de reflexão sobre a língua. Buscar‐se‐á, então, com base na
análise de produções textuais de alunos do 4° ano do Ensino Fundamental, reconhecer
alguns dos conteúdos gramaticais que poderiam ser trabalhados em sala de aula, a fim de
oferecer aos educandos um ensino contextualizado e que contribua para o
desenvolvimento de suas habilidades linguísticas.
1. A língua portuguesa na escola: um breve percurso histórico
A língua portuguesa, enquanto disciplina a ser ensinada em sala de aula, foi
inserida tardiamente nos currículos escolares, por volta do final do século XIX. Até
constituir‐se como disciplina curricular e objeto de ensino foi percorrido um longo
caminho.
Durante o período do Brasil colonial, o português era trabalhado na escola não
como componente curricular, mas como instrumento de alfabetização. Em seguida,
passava‐se ao ensino do latim, conteúdo principal das práticas. No ensino secundário e
superior, priorizava‐se o estudo da gramática latina e da retórica com base em autores
latinos e em Aristóteles (PIETRI, 2010, p.73).
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De acordo com Soares, (2004), gramática e retórica prevaleceram do século XVI
ao século XIX na área dos estudos da língua. A partir do final do século XIX e meados do
século XX, o ensino no Brasil passou por um período de transição entre as concepções
humanas ditas clássicas e modernas. No entanto, o ensino de língua portuguesa, pautado
em um modelo clássico de ensino, proporcionava ao aluno uma prática de produção de
textos a partir do conhecimento das civilizações fundadoras da escrita, pela tradução
destes textos, sua imitação e reprodução, e, principalmente, ensinava a arte do bem falar
e escrever conforme as normas estabelecidas.
Durante as primeiras décadas do século XX, o ensino de latim apresentou grande
perda de valor, assim como a retórica que sofreu modificações ao mudar‐se o objetivo da
disciplina do falar bem para escrever bem. Isso resultou numa maior autonomia do ensino
da gramática do português.
A partir da década de 1950, com a democratização do acesso à escola, das
possibilidades de acesso e transformações das condições sociais e culturais da população,
aconteceram várias modificações no conteúdo e objetivos da disciplina, pois se tratava de
uma clientela com características diferentes. Nessa época, segundo Pietri (2010, p.74),
gramática e texto, estudo sobre a língua e estudo da língua começam a constituir
realmente uma disciplina com conteúdo articulado. Esse processo se consolida na década
de 1960, período no qual
[...] a fusão de gramática e livro de textos faz‐se de forma progressiva, e
os manuais passam a apresentar exercícios de vocabulário, de
interpretação, de redação e de gramática. Estuda‐se gramática a partir do
texto e vice‐versa, com primazia conferida àquela. (PIETRI, 2010, p.74).
Dessa forma, a tarefa de planejar aulas e atividades é, de maneira intensa,
transferida para o livro didático, uma das consequências da depreciação da função
docente que já se observava.
No final da década de 1960 e na década de 1970, no bojo das intervenções
militares próprias do período ditatorial que marcou a sociedade brasileira, ao ensino de
língua portuguesa, são agregados os elementos da teoria da comunicação (PIETRI, 2010,
p.74). Nessa perspectiva, o aluno seria visto, então, como um emissor‐receptor dos mais
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variados códigos e não apenas do código verbal. A disciplina assumiu a denominação de
“Comunicação e Expressão”. O ensino da gramática manteve‐se, no entanto, vinculada a
uma abordagem normativa da língua e centrado na variedade urbana de prestígio.
Instala‐se, aos poucos, a contundente polêmica quanto o ensinar ou não gramática nas
aulas de português.
Essas mudanças permaneceriam, de acordo com Soares (2004), até o início dos
anos de 1980, quando, com a redemocratização do país, a disciplina voltaria a ser
denominada Português e as ciências linguísticas voltariam o seu olhar para o campo de
estudo do ensino da língua materna.
2. O trabalho de reflexão linguística nas aulas de língua portuguesa
Se questionarmos a função da escola em relação ao ensino da língua,
verificaremos que a resposta será sempre a mesma: ensinar o aluno a ler e escrever
corretamente. É comum considerar que a gramática seja um dos campos de conteúdos
necessários para que a escola possa cumprir esse papel, isto é, ensina‐se gramática com a
expectativa de que isso assegure à criança o domínio da língua escrita.
Entre eles destaca‐se a falta de clareza dos objetivos ao ensinar conteúdos
gramaticais, a falta de coerência interna na organização dos conteúdos, a
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descontextualização das regras, a inadequação da realidade linguística que acompanha o
tratamento da gramática normativa e a exclusividade da variante de prestígio da língua.
Antunes (2003, p.19) explica que estudos revelam “a persistência de uma prática
pedagógica que mantém a perspectiva reducionista do estudo da palavra e da frase
descontextualizadas”.
Ao realizar pesquisas com professores de Língua Portuguesa de 1° e 2° graus,
Neves (2001, p. 10) verificou que grande parte dos professores indicou que o ensino de
gramática se refere “a um bom desempenho: melhor expressão, melhor comunicação,
melhor compreensão [...], reconhecimento de regras e normas e conhecimento do
padrão culto”. Apenas a minoria dos professores entrevistados indicou como finalidade
do ensino de gramática a aquisição das estruturas da língua, conhecimento, apreensão e
sistematização do conhecimento. Ao questionar sobre a natureza desse ensino nas
escolas, verificou que as aulas consistem “numa simples transmissão de conteúdos
expostos no livro didático em uso” (NEVES, 2001, p. 12) e que a gramática é conceituada
como um “conjunto de regras de bom uso (gramática normativa) ou como descrição das
entidades da língua e suas funções (gramática descritiva)” (NEVES, 2001, p. 40). Nesse
contexto, pode‐se afirmar que a gramática não é compreendida pelos professores como
um sistema em funcionamento, ou seja, para eles trata‐se de um conjunto de regras que,
apreendidas de forma mecânica e descontextualizada, são aplicáveis a qualquer situação
independentemente da reflexão do sujeito sobre esse uso e sobre como os contextos
intervém nas escolhas produzidas por esse sujeito.
Antunes (2003), ao referir‐se ao ensino da gramática constata o estudo de:
[...] uma gramática descontextualizada, [...] desvinculada dos usos reais
da língua escrita ou falada na comunidade do dia a dia; uma gramática
fragmentada, de frases inventadas, da palavra e da frase isoladas, sem
sujeitos interlocutores, sem contexto, sem função [...]; uma gramática da
irrelevância, com primazia em questões sem importância para a
competência comunicativa dos falantes. [...]; uma gramática das
excentricidades, de pontos de vista refinados, mas, muitas vezes,
inconsistentes, pois se apoiam apenas em regras e casos particulares que
[...] estão fora dos contextos mais previsíveis de uso da língua; uma
gramática voltada para nomenclatura e a classificação das unidades [...],
uma gramática prescritiva preocupada apenas com marcar o “certo” e o
“errado” [...]. (ANTUNES, 2003, p.31‐33).
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Ao conceber o ensino da gramática como transmissão de normas e conceitos, a
escola, de acordo com Leite (1999, p.24), “lança mão de uma concepção de linguagem
como máscara do pensamento que é preciso moldar”, e se omite da importância da
tarefa de tornar o ensino de gramática um importante aliado no processo de reflexão
sobre a língua utilizada no cotidiano dos falantes, e de estar a serviço da produção oral e
escrita e da ampliação das competências linguísticas e discursivas desejadas para a
formação plena do usuário, como afirma Bastos, Lima e Santos (2012, p. 119).
Com base nisso, alguns questionamentos acerca do ensino de gramática podem
ser apresentados: O que, como e quando se aprende gramática na escola? É possível
aprender a refletir sobre o funcionamento da língua no ambiente escolar? A proposta de
trabalhar com a gramática a partir da produção do aluno atende as necessidades
linguísticas dos sujeitos? Que abordagens teóricas auxiliariam a recompor sobre novas
bases esse objeto de ensino?
3. Algumas possibilidades para o trabalho com a gramática no âmbito de
reflexão linguística
O trabalho com a gramática como objeto de ensino das aulas de Língua
Portuguesa tem sido assunto polêmico e vêm dividindo opiniões de professores
principalmente quanto à importância e à validação do seu ensino para a formação de
leitores e produtores eficientes de textos orais e escritos.
A negação do modelo tradicional de ensino, segundo Neves (2001), juntamente
com a falta de perspectivas para redirecionar o trabalho de reflexão sobre a língua, gerou
um “clima de desalento” entre os professores em relação aos resultados e ao valor do
trabalho escolar que então se desenvolvia com os conhecimentos gramaticais.
Perini (2010) aponta a gramática como uma disciplina científica, cujo estudo
permite descrever, analisar e explicar os fenômenos reais da língua. Assim, enquanto
ciência e tratada de maneira adequada pode contribuir com a alfabetização científica dos
sujeitos. Para isso, não basta apenas conhecer a ciência; é preciso também fazê‐la,
transformando‐a em um campo de investigação, de descoberta, de produção de
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Para isso, se faz necessário que os objetivos do estudo da gramática sejam
reformulados, redimensionados para a aceitação de questionamentos, para a
necessidade de justificar afirmações feitas, para o oferecimento de atividades que
envolvam a observação e a manipulação real dos fatos da língua, que levem os sujeitos a
construir hipóteses, apresentando a ideia de que fazer gramática é estudar os fatos da
língua e não algo acabado, pronto para ser assimilado (PERINI, 2010, p.39‐40).
Nessa perspectiva, ainda em 1984, em “O texto em sala de aula”, Geraldi lançava
uma proposta que previa um ensino de Língua Portuguesa assentado em três pilares:
leitura, produção de texto e análise linguística. Sua proposta, marcada por uma
abordagem da linguagem como um fenômeno sócio‐histórico, tinha por objetivo
desenvolver no sujeito competências de leitura e escrita e conceber a análise linguística
como um campo de reflexão sobre a língua em funcionamento nos textos e nos discursos
(GERALDI, 1984). Essa proposta teria como bases epistemológicas a capacidade humana
de refletir, analisar e pensar sobre fatos e fenômenos da linguagem, a possibilidade que
tem a linguagem de referir‐se a si mesma por meio de atividades epilinguísticas e
metalinguísticas.
A atividade epilinguística, de acordo com Franchi (1987) é a reflexão que todo
falante de uma língua realiza ao operar sobre ela, comparando expressões,
transformando‐as, dando a elas novas significações. Realizamos análise epilinguística
quando “questionamos o que nosso interlocutor quis dizer com as palavras que usou ou
quando selecionamos, entre os recursos disponíveis na língua, aqueles que mais se
ajustam às nossas intenções comunicativas num determinado momento” (SILVA, 2010,
p.955).
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língua, seja por atividades orais ou de produção escrita. Ainda é possível provocar o
debate sobre as possíveis dúvidas que possam acontecer quanto ao funcionamento da
linguagem, sobre como utilizar corretamente o sistema de escrita alfabético e como
garantir, por exemplo, a coesão e a coerência nas produções, desencadeando assim um
momento de reflexão epilinguística. Somente no bojo de um trabalho desta natureza é
que faz sentido o trabalho com uma metalinguagem, visto que, gradualmente, ao atribuir
significado aos fatos relevantes sobre a língua o aluno em condições de descrevê‐los.
Nessa perspectiva, as atividades de reflexão linguística, ao partir de contextos
reais de uso da língua, de textos que façam parte do cotidiano dos sujeitos, de
proporcionar momentos de experimentação, de análise e de apresentação de intenções
claras e significativas, devem oferecer condições de reflexão epilinguística e
metalinguística. Assim, poderemos dizer que a análise linguística se configura como um
trabalho que tem o uso da língua como ponto de partida e de chegada.
O que dizem os textos dos alunos sobre o que é necessário aprender
Como vimos anteriormente, o trabalho de reflexão linguística está muito distante
do que se propunha de modo quase homogênico acerca do ensino da gramática até
meados da década de 1980. Por sua vez, como atingir a sala de aula, a organização do
trabalho docente e as aulas de língua portuguesa ainda é um desafio a ser enfrentado
pelos professores. Em virtude disso, propomos uma reflexão com base na produção
escrita dos alunos: em que medida esses produtos remetem a conteúdos do processo de
reflexão linguística? Como o processo de correção dos textos dos alunos pode ajudar o
professor a assumir a tarefa de organizar uma proposta que considere o que o aluno sabe
e o que ainda não sabe sobre a língua?
A leitura do texto do aluno pelo professor, de acordo com Signorini (2004), deve
focalizar três níveis que estão interrelacionados: primeiramente o nível macro, que trata
da adequação do texto ao gênero escolhido, o segundo seria o nível micro, que trata das
construções frásticas e o terceiro nível do uso das convenções gráficas. O nível macro
compreende aspectos relacionados à coerência textual, a organização da estrutura do
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texto, a construção do fio temático e a relação entre as partes. O nível micro refere‐se a
aspectos relativos à morfossintaxe, marcas dialetais, à coesão interfrástica e
intersintagmática. O terceiro nível compreende o uso das convenções gráficas, como a
organização do texto na página, a paragrafação, a ortografia e a pontuação. Os
problemas referentes ao nível macro do texto podem ser apontados por meio de bilhetes
indicativos que auxiliem o aluno na correção de sua produção. Problemas nos dois
últimos níveis podem ser apontados na própria produção, por sinais indicativos,
conhecidos pelo aluno. O objetivo da correção é orientar o aluno na reescrita de seu
texto.
Assim, o professor terá em mãos os elementos necessários para diagnosticar com
mais precisão o que os alunos já sabem e o que ainda precisam aprender. Nesse sentido,
este trabalho orienta a prática do professor para uma elaboração de atividades que
enfoque os problemas mais recorrentes nas produções dos alunos.
Os dois textos a serem analisados a seguir foram produzidos por alunos do 4°
ano de uma escola da rede privada de ensino do norte do estado do Rio Grande do Sul,
durante o primeiro semestre de 2013. Durante o período, os alunos trabalharam
sistematicamente com o gênero contos maravilhosos, convite, carta e fábula. Para análise
que segue, selecionamos o gênero fábula.
A fábula, de acordo com Vale (2001, p.43), pode ser definida como uma narrativa
curta, com ações protagonizadas por, geralmente, animais e que apresentam uma moral
explícita ou implícita. Esse gênero tem como função principal divertir e instruir o leitor.
Sua estrutura divide‐se em narrativa ou corpo, no que se revelam as ações realizadas
pelos personagens e a moral em que se explicita o ensinamento pretendido. Na fábula,
podemos perceber um discurso alegórico, fantasioso, que resulta da harmonia entre as
duas partes de sua estrutura.
Para uma primeira exploração do gênero, escolhemos o texto “A cigarra e a
formiga”, de Esopo, conhecido pelos alunos. Foram desenvolvidas diversas atividades de
compreensão, interpretação e exploração de elementos que caracterizam a narrativa.
Posteriormente, as crianças foram expostas a um corpus bastante variado desse gênero
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que os auxiliou na elaboração de uma lista com as suas principais características, ou seja,
os elementos que precisam ser considerados numa produção de fábulas. Na sequência,
foi solicitado aos alunos, considerando o que foi trabalhado acerca do gênero,
escrevessem uma primeira versão de sua própria fábula.
Julgamos interessante apresentar a primeira produção do aluno, na qual podemos
verificar e analisar alguns aspectos linguísticos que merecem constituir‐se objeto de
ensino nas práticas de análise linguística.
Texto 1:
O texaprsnciom bledtponuaçã, lmet cirusodpnfal ctri doãepíç curts;maieodntrfási c;deoga sclhifaexprõs. Ilunfóicratmbéq lguseaiõrmtco lesãugdaqtõo. Oseni aptxcmesn robladptulmcião, rnçetusdpal ncofistruçãdep comaií ts;deuncor i s;defát ograi clhdsexpaõ nfóri.Ilustmb qeagéustõrm eãoaicdsqlugteõ no.id
Ao analisar essa primeira produção, podemos perceber que o aluno considerou
algumas características da estrutura e do conteúdo da fábula (nível macro), estando mais
preocupado com esses elementos do que com a organização em nível micro do texto.
Ao longo de “A cigarra mentirosa”, podemos verificar que a construção dos
períodos não está marcada adequadamente pela pontuação que, na maioria dos casos, é
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substituída por conectores intrafrásicos, como, por exemplo, no final da quinta linha “(...)
e as pessoas sempre saiam correndo e o dono da cozinha viu ela mentindo e comendo a
comida e a cigarra foi desmentida (...)”. Esses conectores revelam um repertório restrito
de opções nas quais se baseia o escritor.
O repertório pouco denso também se revela nas estratégias de referênciação
anafórica utilizadas pelo escritor. É o que podemos perceber quando ele substitui
“cigarra” reiteradamente pelo pronome “ela”. No final da sexta linha, em “(...) e comendo
a comida e a cigarra foi desmentida (...)”, podemos perceber que a ausência da referência
ao dono da cozinha como aquele que descobriu a estratégia usada pela cigarra resulta
num problema de coesão. Também verificamos no decorrer do texto diversos problemas
com a escrita ortográfica.
Trabalhados esses elementos mediante situações didáticas de análise linguística,
os alunos são desafiados a escrever uma nova versão da fábula, que incorpore os
conhecimentos produzidos. Os alunos entregam seus textos ao professor que irá apontar
através de uma legenda previamente estabelecida com os autores as falhas na produção.
Por exemplo, marca‐se de caneta verde os problemas ortográficos e de amarelo aqueles
relacionados à relação intrafrásica e a referenciação anafórica. Em outro momento, os
alunos recebem seus textos e junto, uma ficha de revisão1, que os ajuda a auto‐avaliar sua
produção.
Criou personagens característicos de uma fábula?
Na história, as atitudes e o modo de pensar dos
personagens podem ser comparados com seres
humanos?
Elaborou uma situação‐problema envolvendo os
personagens, criando, assim, um conflito?
A resolução do problema corresponde à sua intenção e à
moral criada para a fábula?
A moral escolhida para a história combina com a fábula
escrita e com a sua intenção?
O tempo e o espaço da história estão indeterminados,
como nas fábulas?
1
A ficha de revisão foi retirada da apostila do 4º ano do Ensino Fundamental do Sistema Positivo de Ensino,
ano 2013.
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Assim, juntamente com os colegas e professor, avalia‐se as produções buscando
elementos para melhorá‐la. Em seguida, as crianças são levadas a reescrever seus textos
considerando os apontamentos. Além desses procedimentos de correção, pode‐se
proporcionar momentos de revisão coletiva. Um exemplo é a projeção de um dos textos
produzidos, de forma que ele fique visível a todo o grupo e que se possa provocar todo o
grupo e refletir sobre os problemas identificados nele. Outra possibilidade é a revisão do
texto entre pares, em que um colega ajuda o escritor a realizar a correção de seu
trabalho.
É importante ressaltar que esse trabalho não acontece em apenas um dia ou uma
semana. Trata‐se de um trabalho complexo, que pode levar até mais do que quinze dias,
dependendo das condições iniciais em que o grupo se encontra.
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Texto 2:
No texto 2, o aluno além de considerar a estrutura narrativa da fábula, também fez
uso de elementos comumente encontrados em exemplares desse gênero, como o uso do
travessão para marcar o discurso direto. Entretanto, assim como no texto anterior, o
conectivo “e” foi utilizado repetidamente seja como um conector intrafrásico, seja como
conector interfrásico.
Logo no início do texto, a ausência de um repertório de conectores intrafrásicos e
da reflexão sobre como esses elementos contribuem para a construção do sentido do
enunciado se fazem sentir na ligação que o autor do texto realiza entre a primeira oração
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(“Uma tartaruga andava tranquila pelo mar”) e a segunda (“que tinha botado seus
ovinhos”). Além desses elementos sintáticos, observamos problemas ortográficos de
diferentes naturezas no texto em questão.
Considerações finais
Este trabalho procurou apresentar uma reflexão sobre o ensino de gramática na
escola, situando‐o no contexto de uma proposta de análise linguística, marcada
historicamente pela presença de uma abordagem prescritiva da gramática normativa.
Uma alternativa a isso precisa ser produzida, recuperando a presença do aluno e do
professor como sujeitos ativos, que interagem e que refletem sobre a língua em
funcionamento nas diversas situações comunicativas.
Com base na análise das produções dos alunos, das revisões e reescritas que eles
fazem, é possível diagnosticar os conteúdos a serem trabalhados nesse eixo de ensino.
Sendo assim, além de abordar a revisão textual, o diagnóstico dos conteúdos ajuda o
professor a planejar intervenções que auxiliem os educandos a entender as regras e
estratégias utilizadas por escritores mais experientes e, de acordo com o contexto,
utilizar os recursos linguísticos mais adequados.
Para isso, faz‐se necessário superar uma concepção de estrutura pronta e
acabada, como afirma Lima, Marcuschi e Teixeira, (2010, p.45) “refletir sobre como os
interlocutores se servem dos esquemas linguísticos que dominam para desempenhar
papeis sociais durante a interlocução, revelando intenções comunicativas e atuando
como interlocutor” e também sobre as alternativas que estão à sua disposição para que
procedam de modo que suas intencionalidades comunicativas se realizem em escolhas
linguísticas adequadas, eficientes e criativas.
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