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ATORES, CENÁRIOS, REGULAÇÃO: NOTAS SOBRE A ATENÇÃO EM URGÊNCIA E

EMERGÊNCIA NO SETOR DE SAÚDE SUPLEMENTAR1

Helena Maria Scherlowski Leal David2

INTRODUÇÃO
A ocorrência súbita de doença ou agravo que coloca uma pessoa em situação
de risco imediato de morte ou incapacidade é, certamente, um cenário dramático.
Este parece ser um risco crescente, sobretudo nos grandes centros urbanos, e tem
gerado na população um sentimento de “risco constante” - o de vir a sofrer um dano à
saúde capaz de ameaçar a sua vida, ou a de alguém querido.

A mudança no perfil de morbidade e mortalidade da população brasileira tem


apontado para um aumento expressivo dos agravos e doenças cuja demanda de
atenção imediata os coloca como situações de urgência e emergência. A necessidade
crescente de manter uma estrutura tecnológica e humana permanentemente a postos
para estas situações tem se apresentado como um desafio tento para o setor público
quanto para o privado.
O direito universal à atenção em qualquer situação desta deveria ser uma
questão sobre a qual não haveria nenhuma dúvida. O campo da saúde está
“constituído em torno da esfera pública de relações que se estabelecem em torno da
dor” (ESCOREL, 2001), e o sofrimento desencadeado por uma situação emergencial
se sobrepõe a toda e qualquer discussão em torno do direito à atenção, porque
remete diretamente ao direito inalienável à vida. Trata-se de um “estado de
exceção,e, assim sendo, de um fenômeno social” (ALMOYNA, 1999). Embora este
direito seja, em essência, indiscutível, a atenção de urgência/emergência pode se
constituir em espaço de conflitos e contradições, já que a discussão sobre o que é ou
não uma situação clínica de ameaça à vida nem sempre está isenta de complicadores.

No setor público, a necessidade de manutenção de uma porta de entrada


qualificada e integrada na atenção de urgência e emergência, tem determinado uma
discussão em torno da regulação, como conceito relacionado à capacidade de resposta
frente às demandas de saúde, e como instrumento de ordenação e orientação da

1
Agradecemos os valiosos comentários e a revisão do texto por Juliano Lima, Setor de Planejamento, Hospital Geral
de Bonsucesso, Rio de Janeiro.
2

assistência, em seus diversos níveis. Assim, a recente estruturação de centrais de


regulação nos estados tem se apresentado como ferramenta importante para a
implementação de regionalização da saúde, otimizando a busca pela melhor
alternativa terapêutica do momento, de acordo com as necessidades do usuário.

O processo regulador da atenção suplementar em saúde no Brasil tem sido


construído dentro da perspectiva de regulação das condições contratuais, sobretudo
para a correção das falhas de mercado (BRASIL/ANS, 2002). A regulação específica da
atenção de urgência e emergência limita-se ao universo de cobertura e abrangência
de cada empresa, cooperativa ou seguro, balizada pelas regulamentações específicas
– Lei 9.656 e Resoluções CONSU números 10 e 13. A Lei trouxe a garantia legal, para
o usuário, do cumprimento dos itens contratuais quanto à cobertura de
procedimentos, incluído-se os de urgência e emergência, que passam a constar
obrigatoriamente no elenco de ações a serem ofertadas pelo contrato. Ainda que
limitada pela obscuridade de aspectos como a estratificação interna e os pressupostos
ético-financeiros (BAHIA & VIANA, 2002), é indiscutível que a elaboração e
promulgação desta Lei tornou mais amplo o debate sobre a necessidade da regulação
em torno dos planos e seguros de saúde.

Na coleta de dados para esta discussão, não encontramos dados estatísticos, de


produção e de morbidade, que pudessem ser considerados suficientes para tecer
comparações sobre o acesso e resolutividade entre os setores público e privado.
Também constatamos que não há homogeneidade nas soluções buscadas por cada
componente do setor de saúde suplementar para dar conta das novas regras.

Assim, optamos por identificar alguns possíveis eixos para a perspectiva da


regulação: os cenários epidemiológicos, a relação entre atores, os limites conceituais,
a forma como a atenção se organiza, as brechas existentes nos instrumentos de
regulação existentes. Evidenciar o olhar de usuários, órgãos de defesa do
consumidor, entidades de representação da classe médica, empresas de planos e
cooperativas de saúde e suas representações nos pareceu a melhor estratégia para
identificar os principais pontos de conflito.

2
Doutora em Saúde Pública, Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ
3

A consulta a alguns profissionais e órgãos nos trouxeram uma maior


compreensão sobre alguns aspectos específicos3. Ao final, destacamos o que
identificamos como os principais tópicos de discussão para o avanço do processo de
regulação.

Cabe aqui ressaltar que a inexistência de um sistema de informações específico


sobre os atendimentos de urgência e emergência no Brasil é tanto no setor privado
como no público. Para comentar sobre as causas mais freqüentes de atendimento no
setor, contamos apenas com a opinião de alguns representantes de operadores de
planos de saúde. Trata-se, portanto, de uma aproximação à realidade, partindo
apenas de um conhecimento empírico, não sistematizado. Da mesma forma também
quanto às formas de regulação do atendimento, não pudemos obter dados
sistematizados, e os relatos parecem indicar que a compreensão sobre o que é
regulação da atenção em urgência e emergência é bastante diversificada.

URGÊNCIA, EMERGÊNCIA, TRIAGEM: CONCEITOS E RESPONSABILIDADES

O Conselho Federal de Medicina - CFM, pela Resolução 1451/95, define como


URGÊNCIA, “a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de
via, cujo portador necessita de assistência médica imediata”, e EMERGÊNCIA, como “
a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, o tratamento médico
imediato”.

Neste enfoque, o balizamento é dado pela irreversibilidade da morte ou de uma


condição de dano permanente à saúde. Segundo esta Resolução, o médico possui
total autonomia para a definição do que é ou não condição de urgência/emergência.
Do ponto de vista jurídico, de fato, o conceito de soberania do ato médico ratifica a
situação de autonomia inquestionável, que não pode sofrer influência ou
constrangimento por parte de nenhum outro profissional, nem mesmo médico
(BRAGA, 2003).

3
Profissionais cujos depoimentos e informações tornaram este trabalho possível: Dr Sérgio Vieira –Presidente da
Regional ABRAMGE-RJ/ES; Dr. Antonio Jorge G. Kropf, AMIL Brasil - DITEC; Dr. Marcio Serôa de A. Coriolano,
Diretoria Gerencial Técnica – BRADESCO Seguros; Dr Manoel Ribeiro de Sá, psiquiatra e professor da Faculdade de
Medicina de Petrópolis; Dr Mauro Brandão Carneiro, conselheiro do CREMERJ e do CFM; Verônica Schara, Narcisa
Santos, Dra Helena Sales , Dr. Eduardo Mota da, ANS; agradecemos ainda a Ana Cristina, da ANS-Fórum, pela
presteza em atender nossos pedidos de ajuda.
4

No Estado do Rio de Janeiro, o atendimento de urgência/emergência não está,


do ponto de vista das responsabilidades do médico, limitado à demanda que chega
aos serviços assim classificados, e nem à especialidade médica de socorrista. Segundo
o Parecer 35/95, do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro - CREMERJ, a
especialidade não deve se constituir em entrave ao atendimento à população.
Somente nas condições classificadas como de urgência e emergência, e sem a
presença de outro médico é que a responsabilidade para a prestação do primeiro
atendimento é colocada. No entanto, contrapõe-se a esta responsabilização o fato de
que o médico pode recusar-se a prestar seus cuidados nas situações em que avaliar
ser seu conhecimento insuficiente ou inadequado.

Em relação à urgências psiquiátricas, há também uma grande dificuldade em


obter dados específicos. Autores como MELO FILHO (2003) afirmam que um grande
contingente de pacientes que chegam à porta do pronto-socorro clínico apresentam
quadros orgânicos com sintomatologia psiquiátrica, ou, ainda, que alguns transtornos
psiquiátricos apresentam sintomas físicos que fazem parte de algumas síndromes
orgânicas. Na área de saúde mental, há a crescente opinião de que os médicos, no
atendimento de urgência, deveriam estar capacitados para realizar uma avaliação
psiquiátrica mínima e para fazer um manejo psicológico e farmacológico inicial.

Olhemos algumas experiências de outros países. Nos Estado Unidos, a


aprovação pelo Congresso do chamado Emergency Act, ou EMTALA (sigla para
Emergency Medical Treatment and Active Labor Act), em 1986, veio trazer uma maior
clareza em relação aos conceitos e definições relacionados ao cuidado de
urgência/emergência, como resposta às crescentes situações de patient dumping – a
recusa do atendimento ou transferência de pacientes que chegavam às unidades de
emergência e não estavam cobertos por seguro-saúde, ou eram indigentes . Estes
relatos de patient dumping pipocaram na imprensa na década de 80, face ao aumento
progressivo dos custos da atenção, acrescido do aumento da população não coberta
por seguros-saúde (uninsured). Diante da pressão da opinião publica, foi a forma
como o governo americano buscou suprir a lacuna existente na legislação ordinária no
nível estadual quanto à responsabilidade dos hospitais públicos que fazem parte do
sistema Medicare/Medicaid.
5

É interessante verificar, nesta legislação de abrangência nacional, a busca pelo


apuro conceitual como meio de fornecer garantias básicas para o atendimento às
condições de ameaça à vida. Segundo esta legislação, situação de emergência é
definida como:

(i) Uma situação médica que se manifesta por sintomas agudos ou com
suficiente severidade (incluindo dor severa, distúrbios psiquiátricos e/ou
abuso de substâncias) as quais, na ausência de atenção médica, capaz de:

(A) Colocar a saúde de uma pessoa (ou, em se tratando de mulher grávida,


também a do feto) em situação de perigo;

(B) Resultar em sério dano às funções do corpo; ou

(C) Resultar em disfunção de qualquer órgão ou parte do corpo; ou

(ii) a respeito de mulher grávida que esteja tendo contrações:

(D) Constituir em situação na qual não haja tempo adequado para o


transporte seguro para outro hospital antes do parto; ou

(E) Constituir em situação na qual a transferência possa representar uma


ameaça para a saúde e a segurança da mulher ou do feto.

A responsabilidade do serviço diante destas situações é a de garantir a


estabilização clínica do paciente, antes de tomar qualquer outra decisão quanto à
internação ou transferência. Da mesma forma que todos os conceitos constantes do
texto do Emergency Act, a estabilização clínica é definida como sendo a condição
clínica que, uma vez atingida após o atendimento de emergência, não apresenta
maiores riscos para a integridade do paciente.

Uma das questões centrais em todo o debate norte-americano sobre a


responsabilidade dos serviços e a necessidade de haver “um adequado exame médico
diagnóstico” antes de se poder definir se é ou não uma condição de emergência.
Algumas questões emergem desta recomendação legal: o que é um exame clínico e
diagnóstico “adequado” ou “apropriado”?

Segundo o estatuto do EMTALA, o hospital ou serviço de emergência é o


responsável pelas condições para esse “exame adequado”, o que inclui todos os
procedimentos, mesmo os menores, que são ofertados num serviço deste tipo. Vale
6

ressaltar que o atendimento às urgências psiquiátricas está naturalmente incluído no


rol de procedimentos, e não parece constituir em uma área ou especialidade “extra”,
como, de modo geral, é visto no Brasil. O estatuto, ainda, não explicita que categoria
profissional – médico, enfermeiro ou outro - assume esta responsabilidade. Uma vez
que as leis estaduais quanto ao exercício profissional podem ser muito diferentes,
dependendo do Estado, cada serviço ou hospital pode determinar que enfermeiros
possam dividir com os médicos, ou assumir sozinhos a responsabilidade pela
identificação e decisão sobre uma situação clínica de emergência (SMITH, 2003).

O debate conceitual sobre da triagem e classificação dos casos de emergência


tem sido uma preocupação dos serviços de emergência nos EUA e no Canadá. Um
sistema típico de triagem nestes países classifica os casos em três ou quatro
categorias, com freqüência referidas como emergente, urgente, semi-urgente e não-
urgente. Há um certo consenso em torno do fato de que esta classificação, com
freqüência dá margens a um entendimento equivocado, sobretudo fora do contexto
hospitalar (DERLET, 2003). No Canadá e na Austrália, uma classificação em 5 níveis
tem sido mais utilizada tanto por médicos como por enfermeiros, e é aprovada pelas
associações nacionais de medicina e enfermagem de urgência. Os níveis definidos são,
em rodem decrescente de gravidade: ressuscitação, emergência, urgência, semi-
urgência e não-urgência.

O conceito de triagem por telefone não é novo, já que pediatras e outros


especialistas a têm utilizado por décadas para a tomada de decisões importantes.
Tanto nos EUA como no Canadá, hospitais individuais ou grupos de hospitais podem
desenvolver seus próprios sistemas de triagem por telefone, que ainda podem ser
adquiridos por meio de vendedores comerciais - mais recentemente, entidades
comerciais têm desenvolvido serviços de triagem por telefone para auxiliar grandes
hospitais para identificar o que chamam de “pacientes com potenciais problemas
médicos. No geral, o uso desses sistemas de triagem fica centralizado em um grupo
de enfermeiras, que falam diretamente com os pacientes no telefone e então os
direcionam ao atendimento de emergência ou urgência, ou para uma consulta médica
não urgente em poucas horas. Em muitos casos, a enfermeira da triagem oferece
conselhos de saúde para aqueles pacientes que não necessitam ir diretamente ao
serviço. Esses sistemas usualmente confiam em computadores, com enormes bancos
de dados de informação médica para guiar as enfermeiras, e, na avaliação de alguns
7

médicos, fornecem consistência e padronizam a qualidade do atendimento. Alguns


sistemas usam algoritmos que imitam a lógica de determinados modelos médicos
(DERLET, 2003).

Tem sido questionado o fato de que a que triagem por telefone não tem a
vantagem do contato visual fornecido pela triagem face-a-face. Em relação à atenção
psiquiátrica de urgência, encontram-se queixas contra a figura do chamado “médico-
porteiro”, sobretudo por uma crescente tendência de medicalização dos problemas de
saúde mental4. Em relação às outras urgências, esta parece ser uma prática mais
comum nos casos em que os pacientes já mantêm um vínculo com o médico.

Em que pese a persistência dos problemas de interferência das empresas do


“managed care” norte-americano sobre a autonomia do médico - o que pode
comprometer a qualidade da atenção - a existência do estatuto do EMTALA, como
normativa de caráter ampliado, parece ter proporcionado mais segurança a todos os
envolvidos - serviços, médicos e outros profissionais, assim como e pacientes.
Partindo do foco sobre a questão do patient dumping, as regras do EMTALA tornaram-
se logo uma espécie de padrão federal de prática para muitos hospitais e médicos nos
EUA (SMITH, 2003). No estabelecimento de contratos entre médicos e serviços de
emergência, a explicitação, no contrato, do compromisso com o cumprimento das
regras do EMTALA tem sido sugerida como forma de garantir a qualidade do
atendimento. (American College of Emergency Physicians 2001).

No Brasil, notamos uma grande fragmentação no arcabouço legal da regulação


do atendimento de urgência e emergência, no que se refere a um apoio de caráter
conceitual e de responsabilização legal. Nenhuma das Portarias ministeriais traz
qualquer discussão conceitual mais detalhada sobre o que caracteriza uma condição
de urgência ou emergência médicas, e seus possíveis desdobramentos.

Algumas regulamentações de Conselhos Regionais buscam trazer alguma luz


sobre o assunto, como a Consulta ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo – CREMESP número 17237/92, que reforça a necessidade de exame médico
“direto e iminente” nos casos de urgência e emergência. Segundo esta orientação,
não seriam considerados adequados os atendimentos de triagem por telefone, comuns

4
XVI Congresso Brasileiro de Psiquiatria - São Paulo , 28 a 31 de outubro de 1998 - Maksoud Plaza Hotel / Hotel Inter-
Continental. Relatório da Mesa Redonda “Psiquiatria nos Planos de Saúde” (Psiquiatria On Line: www.polbr.med.br)
8

em alguns planos de saúde. Portanto, o instrumento legal que mais claramente


caracteriza estas situações é Resolução CFM 1451/95, cujos conceitos foram
apresentados no início deste tópico. Ainda assim, a amplitude conceitual parece
conferir a este documento um caráter mais ético do que técnico, o que, ao nosso ver,
dificulta sua utilização como referência para médicos e usuários.

CENÁRIOS EPIDEMIOLÓGICOS NA ATENÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA

As mudanças nos perfis de morbi-mortalidade nos últimos vinte ou trinta anos


parecem apontar para a necessidade de se manter um sistema de atendimento de
urgência e emergência capacitado para atender a situações as mais diversas, e de
também diversa complexidade.

Em relação ao setor público brasileiro, poucos dados puderam ser encontrados


sobre morbidade específica do setor de urgência e emergência. Para pensarmos sobre
o tipo de demanda que chega aos serviços, tomamos como exemplo os dados
divulgados pela Prefeitura de São Paulo quanto às principais causas de morbidade
relacionada ao atendimento de urgência/emergência no ano de 1998. As cinco
principais causas de morbidade da demanda atendida são as infecções respiratórias
agudas, incluindo-se as faringites e amigdalites, influenza (gripe) e as pneumonias,
com 23,2% do total, seguindo-se os traumatismos (múltiplos ou especificados), com
9,0%, e os sintomas e achados anormais não classificados pelo Código Internacional
de Doenças CID, com 6,2%. A hipertensão arterial essencial (primária) aparece com
3,1% dos atendimentos.

Embora não estejam disponibilizadas informações específicas deste tipo de


atendimento nas bases de dados do SUS, podemos destacar alguns procedimentos
que se caracterizam como urgência, como o item “Atendimento a pressão arterial
elevada” segundo sexo, para os anos de 2000 a 2002 (gráfico 1). Mesmo levando-se
em conta fatores como aumento no número de registros e melhoria do sistema de
informações nos municípios, é expressivo o aumento do número de atendimentos.
9

Gráfico 1

Quantidade apresentada - atendimento ambulatorial segundo


Grupo de Procedimento - Pressão Arterial Elevada, em
Homens e Mulheres - Brasil, 2000 a 2002

4000000
3500000
3000000
2500000
2000000
1500000
1000000
500000
0
2000 2001 2002

Homens Mulheres

Fonte: DATASUS – SIA/SUS

O aumento expressivo da demanda de casos relacionados às causas externas


(violências, acidentes de trânsito, e outras causas) pode ser avaliado pelo aumento no
coeficiente específico de mortalidade por esta causa (MELLO JORGE, 1997), sobretudo
no adulto jovem do sexo masculino, e cuja evolução entre 1977 e 1994 é mostrada na
tabela 1. A participação proporcional das diferentes formas de causas externas na
mortalidade por esta causas em 2000, no Brasil, está no Gráfico 2. A distribuição
proporcional dos tipos de causas externas evidencia que as violências (homicídios) são
mais freqüentes que acidentes de trânsito.
10

Tabela 1 – Número, proporção e coeficiente de mortalidade por causas externas


– Brasil 1977 a 1994
Coef. De
Motal. Por
1000.000
ano No % * hab
1977 55240 8,7 49,9
1978 59683 9,0 52,7
1979 65253 9,2 56,3
1980 70212 9,4 59,0
1981 71833 9,6 59,4
1982 73460 9,9 59,5
1983 78008 10,1 61,9
1984 82386 10,2 64,1
1985 85845 10,9 65,5
1986 95968 11,8 71,8
1987 94421 11,8 69,3
1988 96174 11,5 69,4
1989 102252 12,5 72,4
1990 100656 12,3 70,0
1991 102023 12,0 69,5
1992 98944 12,0 66,5
1993 103751 12,8 68,6
1994 107292 12,0 69,8
*percentual sobre o total de óbitos
Fonte: Ministério da Saúde
Gráfico 2 – Distribuição proporcional da mortalidade por causas externas,
segundo tipo – Brasil 2000

Transporte
25%

Homicídios
38%

Indeterm. 10%

Quedas
4%

Suicídios
6% Outras Fonte: Ministério da
17%
Saúde
11

Estudos prospectivos sobre cenários epidemiológicos mundiais (GOULART,


1999) evidenciam, para as próximas décadas, o crescimento dos problemas
relacionados às causas externas de morbidade e desordens mentais, como a
depressão unipolar, com a permanência das doenças isquêmicas do coração e
cerebrovasculares. A utilização do indicador DALY - Anos de vida Ajustados por
Incapacidade (disability-adjusted life year) veio aprimorar a avaliação do impacto dos
problemas de saúde em uma população, pela identificação dos anos potenciais de vida
perdidos em função de agravos específicos. Assim, apesar de as causas relacionadas
aos traumatismos e lesões aparecerem em terceiro lugar nos estudos prospectivos
para a década de 2020, o impacto econômico e social causado por estes problemas é
muito maior do que o causado pelos problemas cardio e cerebrovasculares, campeões
de morbidade nas estatísticas globais (MEYER, 1998).

Em relação ao acidentes de trabalho, excluídos da cobertura pelos planos


básicos no setor de saúde suplementar, as estatísticas apontam para a sua gravidade:
em São Paulo, em doze meses entre 1999 e 2000, 6,5% da população
economicamente ativa com trabalho sofreu algum tipo de problema, sendo que deste,
11% foram devidos a doenças, 89% acidentes típicos, 11% acidentes de trajeto
(Ministério do Trabalho e Emprego, 2000)

Como já havíamos anteriormente comentado, não encontramos no setor de


saúde suplementar estatísticas específicas sobre atendimentos em
urgência/emergência. Algumas informações obtidas junto a representantes de
operadoras de Planos de Saúde, indicam que as principais causas que chegam ao
setor de saúde suplementar parecem estar relacionadas aos atendimentos em
pediatria (provavelmente, infecções respiratórias agudas), traumatismos diversos
(não especificada à gravidade).

Sobre os casos de urgência/emergência de clientes do setor de saúde


suplementar que foram atendidos em serviços do SUS e geraram internações e
processos de ressarcimento, podemos ver as suas principais causas de atendimento
na tabela 2, abaixo. São dados consolidados entre setembro de 1999 e janeiro de
2003. Excluídas as causas agrupadas em “outras causas”, verifica-se que as causas
obstétricas (parto normal, cesariana, curetagem pós aborto) são as mais freqüentes,
seguindo-se o item “tratamento em psiquiatria em hospital psiquiátrico B”, os quais
12

não sabemos se incluem urgências psiquiátricas ou não. Chama atenção a ausência de


causas externas ou violentas entre as principais causas, que podem estar dentro do
item “outras causas”. As causas cardiovasculares, entre as mais freqüentes,
confirmam o perfil epidemiológico da população brasileira. Permanecem as dúvidas
quanto às causas obstétricas e psiquiátricas: o que há exatamente por detrás destes
dados? De quais operadoras/planos são as beneficiárias que procuraram o SUS no
momento do parto, e por que? Os dados de tratamento psiquiátrico confirmam nossa
hipótese, de que esse tipo de urgência só chega ao setor público?

Tabela 2 – Procedimentos mais freqüentes do atendimento, pelo SUS, de


beneficiários do setor de saúde suplementar – acumulado set 1999 a jan 2003
PROCEDIMENTOS Numero %
parto normal 28743 7.0
cesariana 15357 3.7
curetagem pós aborto 12185 3.0
tratamento em psiquiatria em hospital 11793 2.9
insuficiência cardíaca 10003 2.4
diagnóstico ou primeiro atendimento em clínica 7855 1.9
parto normal - exclusivamente para hospital 7836 1.9
parto normal com atendimento do recém 7129 1.7
crise asmática 5035 1.2
pneumonia em adulto 4993 1.2
insuficiência coronariana aguda 4877 1.2
AVC agudo 4874 1.2
crise hipertensiva 4722 1.1
entero-infecções (clínica médica) 4563 1.1
doença pulmonar obstrutiva crônica 4517 1.1
outros procedimentos 276425 67.
TOTAL 410907 10

Fonte: Relatório Gerencial de Acompanhamento do Ressarcimento ao SUS


Sistema de Controle de Impugnações - DIDES-ANS

Ainda sobre as urgências psiquiátricas, estas não foram mencionadas como


fazendo parte da demanda pela ABRAMGE-RJ/ES, o que também parece indicar que as
pessoas estejam procurando os serviços gerais do SUS, ou, ainda, diretamente os
serviços públicos de atenção psiquiátrica. No entanto, seguindo os estudo
prospectivos, os agravos da área de saúde mental têm aumentado expressivamente,
13

o que indica a necessidade de rediscutir a abrangência de cobertura do setor de saúde


suplementar em relação a estes problemas.

URGÊNCIA E EMERGÊNCIA, ESPAÇOS DE CONFLITO

A imprecisão conceitual contribui, ao nosso ver, para tornar o nível de atenção


em urgência e emergência mais vulnerável à interferência de outros interesses,
sobretudo os relacionados à otimização de recursos financeiros por parte do setor
privado. Na ausência de uma normatização mais incisiva e precisa, justifica-se o
atendimento insuficiente ou parcial, previamente pela recusa em cobrir determinados
procedimentos, e, posteriormente, pela glosa das contas médicas apresentadas.
Embora coerente do ponto de vista da sua lógica interna, esta é uma racionalidade de
regulação da atenção em saúde que coloca em segundo plano a proteção da vida e a
integridade da pessoa humana.

Esta tem sido uma queixa comum, entre os médicos: a interferência das
operadoras de planos de saúde sobre o seu processo de trabalho, pelo
questionamento do diagnóstico médico e da decisão quanto à utilização de
determinados procedimentos de alto custo. A pesquisa realizada pelo Instituto de
Pesquisas Datafolha em 2002 mostra que, do universo de 2.160 médicos
entrevistados, 93% afirmaram que os planos interferem em sua autonomia, e há
fortes razões para se acreditar que o campo da atenção urgência/emergência seja um
dos mais afetados.

Segundo artigo publicado na homepage do CREMESP, há hoje uma


unanimidade de opinião da classe médica brasileira quanto a esta interferência,
marcadamente voltada para a otimização financeira das operadoras:

“A visão puramente mercantilista de certas operadoras é


um atentado contra o livre exercício da Medicina e os direitos
fundamentais dos pacientes.” (José Luiz Gomes do Amaral,
Presidente da Associação Paulista de Medicina – CREMESP, 2002).

Segundo informações obtidas junto ao Dr. Mauro Brandão Carneiro, Conselheiro


do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, o CFM e, no Estado do
Rio, o CREMERJ, regulamentaram o atendimento às urgências e emergências através
14

de Resoluções, que são aplicáveis tanto à rede pública como à privada de saúde. No
entanto, não foi possível verificar em que grau essas regulamentações estão
orientando a estruturação e manutenção dos serviços de urgência e emergência no
setor de saúde suplementar.

Para citar um exemplo, o CREMERJ, na sua Resolução No 100/96, estabelece


níveis de complexidade e responsabilidade para os serviços de Urgência e Emergência
no Estado, numerando-os de I a IV, de acordo com a complexidade do atendimento.
Em contato com o setor de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado de Saúde do
Rio de Janeiro, a informação que obtivemos é que todos os serviços, incluindo-se os
do setor de saúde suplementar, por ocasião da sua estruturação, são vistoriados
quanto ao cumprimento de todas as normas legais. Quando perguntamos a alguns
gerentes de operadoras de planos de saúde sobre como estão distribuídos os seus
serviços quanto a esta classificação, não pudemos obter nenhuma informação, pois
nos foi informado que este dado não se encontra disponível.

Ainda segundo o Dr. Mauro Brandão, a elaboração de uma regulamentação


específica para o setor de saúde suplementar seria de interesse da ANS, sendo que o
CFM estaria pronto a colaborar numa proposta conjunta:

“Poderíamos pôr fim aos abusos de algumas operadoras de


prometerem o que não têm, e garantirem aos seus usuários
atendimento digno, condizente com os valores que cobram. Mas
isso não pode deixar de lado os médicos, pois se estiverem
insatisfeitos nenhum atendimento será a contento. Elas (as
operadoras) precisam entender que o médico é a espinha dorsal
do sistema suplementar, tanto quanto o governo precisa se
convencer do mesmo em relação à saúde pública”.

Em relação ao atendimento pré hospitalar, há também uma Resolução do CFM,


recentemente modificada (julho de 2003), e que deverá estar publicada em breve.
Nos parece que os conflitos em relação a este nível de atenção concentra-se na
discussão sobre os procedimentos exclusivos ao ato médico, e os que são realizados
por outras categorias, sobretudo a enfermagem.

No X Encontro Nacional dos Médicos Brasileiros, ocorrido em 30 de maio de


2003, a classe médica colocou, entre suas reivindicações, a valorização do trabalho
médico e a regulação das relações com as operadoras de planos de saúde, indicando
15

um movimento no sentido de resolver estes conflitos. A implantação de instrumentos


normativos, como a Lista Hierarquizada de Procedimentos Médicos - LHPM proposta
pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Médica Brasileira – AMB é uma
das propostas que poderá diminuir a fragmentação normativa. Para além de se
constituir em uma proposta de otimização do processo de cobrança dos honorários
médicos, pretende também ampliar o consenso sobre o tema, já que foi precedida de
amplo debate envolvendo as sociedades de especialidades médicas, órgãos de defesa
do consumidor, operadoras de planos de saúde e o CADE – Conselho Administrativo
de Defesa Econômica, entre outros. Assim, embora venha a trazer uma contribuição
importante para a definição da atuação médica, carece da força de um instrumento
especificamente voltado para a regulação do atendimento de urgência e emergência
pelo setor de saúde suplementar, cuja elaboração seria de responsabilidade da ANS.

A questão do ressarcimento ao SUS tem sido evidenciada como um grande nó


crítico na relação entre o setor público e o privado suplementar em saúde. Sem entrar
na discussão sobre a alegada inconstitucionalidade desta medida, vale tecer alguns
comentários sobre as impugnações ao pagamento ao SUS impetradas pelo setor.
Tratam-se de meras hipóteses, a serem devidamente averiguadas: o primeiro motivo
alegado, segundo o Relatório Gerencial do Ressarcimento, da ANS, é “carência”, que
são as situações em que se alega que a internação ocorreu fora do período de
carência; seguem-se as situações de “não abrangência geográfica”, e “procedimento
não realizado” – este último, quando a operadora do plano alega que o referido
procedimento não ocorreu.. Em seguida, temos “procedimento não coberto pelo
contrato”, e também “quantidade não coberta pelo contrato” e “quantidade
considerada desnecessária” - tratam-se de casos urgentes, e que o SUS, ao atendê-
los, realiza algum procedimento que o referido plano ou serviço não inclui na sua
cobertura, ou só inclui em número limitado. Estes dados suscitam algumas perguntas:
onde começa e onde acaba a responsabilidade do setor privado? Se quem pode dizer
se um procedimento é desnecessário ou não é o médico assistente, apenas, qual a
base técnica deste tipo de questionamento? Estaria, assim, se confirmando a situação
de “riscos menores” para o setor suplementar, e “riscos catastróficos” para o SUS
apontada por BAHIA (1999)?

Não pretendemos aqui estender nossas considerações sobre problema do


ressarcimento em si, mas nos parece que qualquer discussão sobre sua solução
16

deveria estar vinculada à resolução do impasse do conflito entre médicos e o setor,


bem como à definição, pactuada, do conjunto de situações de saúde em relação ao
qual ficará clara e indiscutível a responsabilidade do atendimento.

“PLANO DE SAÚDE: E AGORA?” A VISÃO DO USUÁRIO NA PERSPECTIVA DA


ATENÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA

A “culpabilização” da ineficácia do setor público no atendimento à saúde como


explicação para a adesão ao setor de saúde suplementar no Brasil tem sido criticada
como simplista, por remeter apenas a uma suposta dicotomia entre o SUS e planos de
saúde (BAHIA, 2001), sem levar em conta o aspecto complexo das relações público-
privado no Brasil. Na perspectiva do usuário, no entanto, a possibilidade da
ocorrência de problemas caracterizados como de urgência/emergência parece ganhar
uma dimensão mais complexa, que não se explica apenas pela existência ou não de
uma porta de entrada para estes problemas.

A “segurança” oferecida pela compra (direta ou via empregador) de um plano


ou seguro saúde é vista, sobretudo, em função do risco ao qual as pessoas se sentem
submetidas, sobretudo nas grandes cidades brasileiras. Há, ainda, a percepção do
risco diferenciado a que alguns membros da família encontram-se expostos, o que
repercute na modalidade de compra direta, privilegiando as pessoas idosas e as
crianças.

FARIAS (1999) analisa a adesão aos planos e seguros de saúde no Brasil em


função de três categorias: qualidade, acesso e segurança. Ao setor de saúde
suplementar é atribuído, pelo usuário, uma “capacidade de proteção maior que o SUS”
(p. 22), assim como um acesso mais facilitado, pelo menor tempo de espera pela
consulta pelo menor absenteísmo ao trabalho por parte dos médicos. Segurança é,
segundo o autor, uma categoria subjetiva, construída a partir da percepção de maior
ou menor risco a que as pessoas se imaginam ou sentem estar expostas, e da sua
vulnerabilidade em relação e eles. Em muitos casos, é um evento detonador – um
agravo ou acidente súbito - que traz esta percepção de vulnerabilidade e leva o
usuário a aderir a um plano ou seguro. Vale lembrar que, desde a publicação da
17

Resolução CONSU No 10/98, há a exclusão da cobertura de acidentes de trabalho


pelos planos de saúde.

A escolha pela compra direta de um plano ou seguro de saúde se dá num


complexo e intrincado espaço de mediações, limites e possibilidades, no qual estão
presentes fatores econômicos, a noção de risco e bem estar, a de vulnerabilidade,
entre outros. Há assim, um maior ou menor “espaço de movimentação” do indivíduo,
no que se refere a estas escolhas (FARIAS, 2001). No entanto, o direito de escolha e
as alternativas do usuário parecem diminuir na razão inversamente proporcional em
que aumenta a gravidade do evento ou problema de saúde: em situações
extremamente graves, o SUS tem assumido quase totalmente o ônus pela atenção de
emergência, enquanto que os problemas mais leves e corriqueiros são os que com
mais freqüência chegam ao setor de saúde suplementar. Segundo BAHIA (1999), o
serviço público assume os riscos “catastróficos”, enquanto que o setor dos planos e
seguros prefere ficar com a fatia dos chamados riscos “menores”.

A esta noção de maior segurança com a cobertura de um plano ou seguro de


saúde, contrapõe-se, de modo bastante ambíguo, a noção de que, numa situação
efetivamente grave, não há maiores vantagens em ser cliente de um plano de saúde.
O problema é que esta “desilusão” do cliente com o setor de saúde suplementar pode,
com freqüência, se dar justamente em uma das situações que, no imaginário do
usuário, haveria maior vantagem em aderir a um plano. Neste caso, não haveria
muita diferença em ser um cliente compulsório (planos empresariais) ou voluntário. O
reconhecimento dos limites do setor privado diante das situações emergenciais pode
ser resumido na resposta que freqüentemente ouvimos quando as pessoas são
perguntadas sobre se possuem ou não um plano de saúde: “pra que ter plano de
saúde, se na hora em que eu sofrer um acidente, eu vou acabar indo mesmo é para o
pronto-socorro mais próximo?”

Parece haver, assim, uma percepção bastante ambígua dos usuários em relação
ao atendimento de urgência e emergência pelos planos e seguros de saúde: ainda que
persista, no seu imaginário, a idéia de uma maior segurança pela compra ou adesão a
um plano, há também o reconhecimento de que a probabilidade de ter que recorrer ao
setor público em situações emergenciais é bem grande. O imaginário, reforçado pela
propaganda crescente de produtos diversificados, como o atendimento pré-hospitalar
18

com transporte aéreo, é logo chamado à realidade pela constatação de que somente
os planos mais caros cobrem este tipo de produto.

Alguns dados da Pesquisa realizada pela ANS em março de 2002, sobre a


satisfação do usuário trouxeram novos elementos para a discussão sobre o tema.
Segundo estes dados 84% dos entrevistados declararam-se satisfeitos ou muito
satisfeitos com o seu plano de saúde. Sobre este resultado, vale apresentar o
comentário feito pela Federação Nacional de Empresas de Seguros e Capitalização –
FENASEG, afirmando que esta pesquisa derruba o mito de que o setor de saúde
suplementar não atende satisfatoriamente seus clientes, e que este elevado
percentual “não dá margens a sofismas” (FENASEG, 2003).

No entanto, 30% destes mesmos usuários declararam que utilizariam o SUS em


casos de emergência - seja pela proximidade do serviço em relação à sua residência,
ou quando não há tempo de acionar o plano em acidentes, ou ainda para primeiros
socorros. Sem correr o risco de sofismar, nos parece que estes detalhes apontam para
uma certa fragilidade do nível de atenção de urgência e emergência do setor, na visão
do usuário.

Em relação às urgências psiquiátricas, apenas 39% afirmaram saber que os


planos de saúde devem atender a estes casos, incluindo as causas relacionadas ao
uso de bebidas e drogas, e 1% informou ter necessitado deste tipo de atendimento, e
foi negado. Na nossa opinião, o baixo percentual de recusa de atendimento pode estar
relacionado a uma também baixa procura.

Também segundo depoimento do diretor do Departamento de Proteção e


Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, Ricardo Morishita, em
audiência pública da recém instalada CPI dos Planos de Saúde, na Câmara dos
Deputados, entre as principais queixas levadas por clientes de planos de saúde aos
órgãos de defesa do consumidor em todo o país estão as dificuldades de acesso dos
consumidores a atendimentos de urgência e emergência (BRASIL, Ministério da
Justiça, 2003). Há também, por parte de representação de trabalhadores, como a
Central Única dos Trabalhadores – CUT, a vocalização da necessidade de extensão da
cobertura de atenção de urgência e emergência para os acidentes de trabalho,
excluídos nas modalidades ambulatorial e hospitalar de planos.
19

Os órgãos de defesa do consumidor, como os PROCONs estaduais e o IDEC –


Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, vêm constantemente denunciando
situações de abuso por parte do setor de saúde suplementar. Em 2002, os planos de
saúde apareceram em primeiro lugar no ranking do atendimento do IDEC,
respondendo por 28% das consultas e reclamações de associados. A recusa ao
atendimento em função de inadimplência parece ser uma queixa comum, indicando o
desconhecimento do usuário sobre seus direitos – no caso, o de ser atendido caso o
atraso do pagamento seja menor que 60 dias, consecutivos ou não. Nos parece que
esta desinformação, e o receio da recusa do atendimento pelo plano, podem também
levar o usuário à procura do setor público nas situações de urgência.

ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NO SETOR

Apenas para facilitar a organização do texto, apresentaremos separadamente


os aspectos básicos da atenção em urgência e emergência das empresas de medicina
de grupo, das operadoras de seguros, das cooperativas médicas – UNIMEDs e do
componente de autogestão. Tentaremos apenas demarcar grosseiramente algumas
pequenas diferenças que observamos na organização e oferta destes componentes
neste nível de atenção. Utilizamos, como base para estas informações e textos
disponíveis em homepages, e alguns dados fornecidos pelos planos e seguros saúde
por telefone e correio eletrônico.

Em relação às primeiras – empresas de medicina de grupo – a oferta de


serviços de urgência e emergência é feita, em sua maioria, por hospital ou clínica
credenciados. Existiam, em 2001, 3.800 hospitais credenciados, e 250 próprios, ou
coligados. Não há informações sobre quantos destes serviços ofertam atenção em
urgência e emergência. Segundo informações fornecidas pelo Sr. Sérgio Vieira, da
ABRAMGE, não existem dados específicos de atendimentos. Sua estimativa é de que
cerca de 1% das despesas sejam feitas pelos atendimentos de urgência e emergência.
Quando perguntado sobre que problemas poderiam ser identificados quanto a este
tipo de atenção, a resposta foi que o principal problema detectado está relacionado
aos planos ambulatoriais, cuja cobertura aos atendimentos de urgência e emergência
não ultrapassa 12 horas.
20

A ABRAMGE, recentemente, organizou um mecanismo de integração entre


operadoras a ela vinculadas com o objetivo de prestar assistência de urgência e
emergência aos clientes em trânsito. Mediante regulamento interno que determina
que todas as operadoras vinculadas devem, obrigatoriamente, oferecer este tipo de
assistência, organizou-se uma rede nacional, denominada Sistema Urgência Nacional
ABRAMGE. A empresa detentora, à qual o cliente encontra-se vinculado
contratualmente, repassa à empresa prestadora do serviço os valores relativos aos
procedimentos realizados. A intermediação da ABRAMGE só ocorre quando necessário,
em função de ocorrerem dúvidas ou questionamentos de alguma das partes. Fora
isso, a relação é direta entre empresas, e a ocorrência de glosas nas contas é
expressamente proibida – se for o caso, discute-se depois do pagamento ser
efetuado. A realização de consultas e exames não possui limites previamente
estabelecidos, mas “os casos de internação clínica e/ou cirúrgica, só deverão ser
atendidos após observadas as limitações e ou carências descritas no cartão de
identificação, ou com autorização prévia e escrita da empresa detentora do contrato
(item XIII).

Trata-se de uma experiência de integração de serviços que possui os limites da


vinculação à ABRAMGE, e acentuadas diferenças de oferta entre regiões e estados.
Sobre seu funcionamento, somente obtivemos informações da ABRAMGE-RJ/ES, que
afirmou estar este sistema bem implantado e sem problemas. Não sabemos qual o
percentual que os casos de urgência e emergência em trânsito representam sobre o
total de casos atendidos. Ainda assim, é uma experiência que merece ser
acompanhada, já que é uma ampliação da cobertura de planos com localização
geográfica, sem ônus adicional para o cliente.

A tabela 2 mostra a distribuição dos serviços que integram este Sistema,


segundo listagem divulgada pela ABRAMGE, de acordo com a sua localização, em
capitais ou interior dos estados, e, ainda, segundo o horário de atendimento divulgado
– 24 horas, ou horário comercial/outros horários, que não os de atendimento
permanente.

Chama a atenção a concentração destes serviços nas regiões sudeste e sul,


com cerca de 80% do total. Apenas no Estado de São Paulo estão 33% dos serviços.
Estes números parecem acompanhar o padrão geral de distribuição da cobertura do
21

setor de saúde suplementar, que indicava, em 1998, uma maior cobertura no Estado
de São Paulo (35,15%), seguindo-se o Distrito Federal (com 25,65%) e o Rio de
Janeiro (com 23,48) . As demais unidades federativas registraram taxas de coberturas
inferiores à 20% (ANS, 2001).

A região Norte quase não possui serviços e o Centro-Oeste também possui


poucas unidades. As áreas não cobertas possuem, na sua grande maioria, a presença
de cooperativas médicas integrantes do sistema UNIMED5.

Para o atendimento de urgência em trânsito pelo Sistema ABRAMGE, a


orientação é que o usuário se dirija diretamente para um destes serviços, a apresente
o cartão da sua empresa, junto com documento de identidade. No atendimento de
urgência dentro da área geográfica de abrangência, há diferenças na forma de
regulação pré atendimento: algumas empresas maiores possuem atendimento médico
por telefone de acesso por 24 horas, e este orienta o cliente quanto ao serviço mais
adequado e próximo para o seu problema. Outras oferecem este tipo de atendimento
de triagem somente por meio da compra de planos especiais. Não há um padrão na
oferta deste serviço pelas empresas. A AMIL nacional informou que o profissional,
durante o atendimento por telefone, baseia-se “no conhecimento médico”. Não foi
possível obter maiores informações sobre os critérios utilizados para a tomada de
decisão.

Algumas operadoras de médio e grande porte oferecem planos diferenciados,


que incluem atendimento pré-hospitalar com resgate e transporte aéreo, e pessoal
capacitado segundo os modernos treinamentos em suporte avançado de vida, mas
limitado às capitais dos estados, e mediante a compra de plano especial. Não há
nenhuma informação sobre o impacto deste tipo de atenção, nem sobre o número de
usuários cobertos. É interessante notar que algumas prefeituras, como as de Porto
Alegre e Campinas estão implantando esta modalidade de atenção na rede pública,
tendo como modelo o sistema SAMU – Serviços de Atenção Médica de Urgência
francês, inclusive por meio de cooperação técnica com profissionais franceses.

Em relação às urgências psiquiátricas, não encontramos menção à cobertura


deste tipo de urgência, embora alguns planos informem cobertura de internação

5
Mesmo no interior de alguns estados do Sudeste, como o Rio de Janeiro, encontram-se microregiões onde
praticamente só há atenção médica suplementar por meio de UNIMEDs, como a região das baixadas litorâneas, a
norte e a noroeste fluminenses.
22

psiquiátrica. Segundo a ABRAMGE-RJ/ES, são raríssimos os casos que chegam ao


setor, e a explicação dada se refere à recente inclusão da área de saúde mental após
a nova etapa de regulamentação do setor iniciada em 1998.

Tabela 2 – Distribuição , por estado e região, dos serviços integrantes do


Sistema Nacional de Urgência ABRAMGE, segundo localização em capital ou
interior, e horário de atendimento

CAPITAL INTERIOR
TOTAL
COMER
REGIÃO

COME ESTAD
24 C 24 RC %SOBRE
ESTADO TOTAL TOTAL O
H OUTRO H OUTR O TOTAL
O* REGIÃ
*
O
RJ 6 3 9 24 15 39 48 11.7%
SP 15 6 21 99 18 117 138 33.6%
ES 6 0 6 7 0 7 13 3.2%
SUDESTE

MG 5 1 6 36 10 46 52 12.7%
16
32 10 42 43 209 251 61.1%
SUBTOTAL 6
RS 2 10 12 17 23 40 52 12.7%
PR 12 2 14 9 0 9 23 5.6%
SUL

SC 0 0 0 4 2 6 6 1.5%
SUBTOTAL 14 12 26 30 25 55 81 19.7%
CENTRO-OESTE

GO 2 0 2 4 3 7 9 2.2%
MS 1 0 1 1 0 1 2 0.5%
MT 0 0 0 3 2 5 5 1.2%
DF 0 0 0 0 0 0 0 0.0%
SUBTOTAL 3 0 3 8 5 13 16 3.9%
NO

AM 0 0 0 0 0 0 0 0.0%
AP 0 0 0 0 0 0 0 0.0%
AC 0 0 0 0 0 0 0 0.0%
PA 2 1 3 0 0 0 3 0.7%
RO 1 0 1 0 0 0 1 0.2%
RR 0 0 0 0 0 0 0 0.0%
23

TO 0 0 0 0 0 0 0 0.0%
SUBTOTAL 3 1 4 0 0 0 4 1.0%
AL 1 0 1 0 0 0 1 0.2%
BA 10 0 10 1 0 1 11 2.7%
CE 5 0 5 5 0 5 10 2.4%
PB 1 0 1 1 0 1 2 0.5%
NORDESTE

PI 5 0 5 5 0 5 10 2.4%
PE 10 0 10 4 0 4 14 3.4%
MA 7 0 7 1 0 1 8 1.9%
SE 1 0 1 0 0 0 1 0.2%
RN 1 0 1 1 0 1 2 0.5%
SUBTOTAL 41 0 41 18 0 18 59 14.4%
TOTAL 22
93 23 116 73 295 411 100.0%
GERAL 2
* informação de atendimento em horário comercial, ou outros horários.
Fonte: Lista de Prestadores de Serviços - Plano Nacional de Urgência ABRAMGE -
www.abramge.com.br
As cooperativas médicas que integram o sistema UNIMED possuem ampla
distribuição nacional, já que estão presentes em cerca de 4.000 municípios, cobrindo
assim cerca de 76% do território. Em muitos municípios, sobretudo nas regiões
centro-oeste e norte, são a única modalidade de saúde suplementar existente.
Oferecem atendimento pré-hospitalar e domiciliar de urgência, pela compra do
produto SOS UNIMED. Oferecem assistência de urgência e emergência integrada os
usuários em trânsito que adquirem planos com abrangência nacional. A UNIMED-Rio
informa a cobertura do atendimento de urgência para clientes em trânsito, com
reembolso dos valores gastos, nos casos onde não foi possível obter o atendimento
pelo plano.

Parece ser comum a existência de um suporte para o atendimento pré-


hospitalar nas capitais e cidades maiores, por meio de ambulâncias e atendimento
domiciliar. A figura do chamado médico regulador também está presente na maior
parte das UNIMEDs, sendo definido como o “médico que permanece na central de
atendimento, orienta por telefone os clientes e quando for o caso envia a ambulância
para o atendimento no domicílio (UNIMED Florianópolis, SC), sendo que também
24

“tem autorização legal para medicar por telefone”, embora não se especifique que
autorização seja essa. Algumas cooperativas possuem o Técnico Auxiliar de Regulação
Médica – TARM que tem a função de fazer o primeiro atendimento, e, após avaliar a
necessidade, encaminha o caso para o médico regulador. Não há informações sobre
qual a categoria profissional do TARM (UNIMED Santa Maria, RS). A UNIMED-Rio não
possui médico regulador com atendimento 24 horas, e solicita aos clientes que se
dirijam diretamente ao serviço credenciado mais próximo.

Não encontramos nenhuma menção específica da cobertura às emergências


psiquiátricas nas UNIMEDs pesquisadas, com exceção da UNIMED João Pessoa, PB,
que, surpreendentemente, informa em nota no rodapé de sua homepage: “não
estamos capacitados para atendimentos aos casos de psiquiatria e alcoolismo”.

A diferença entre as cooperativas do sistema UNIMED e as empresas de


medicina de grupo não parece ser expressiva para o usuário, no que se refere à oferta
de produtos e procedimentos adicionais para o atendimento de urgência e
emergência. Para o médico, parece haver uma diferença substancial, já que a filosofia
que rege a organização das cooperativas médicas se baseia no integral respeito à
autonomia do mesmo. A pesquisa do Instituto DATAFOLHA em 2001 parece confirmar
isso: nas 17 capitais brasileiras, só aparece uma UNIMED – a de Curitiba – na lista
dos planos considerados restritivos ao trabalho do médico.

As empresas de seguros saúde não apresentam rede integrada de atendimento


às situações de trânsito. Assim como as UNIMEDs, somente os planos com
abrangência nacional oferecem este tipo de cobertura. O conceito de “sinistralidade”,
inerente ao setor - para o balizamento do grau de sustentabilidade financeira da
empresa - confere a este componente, em tese, uma característica diferenciada
quanto à regulação da atenção. Algumas notícias veiculadas sobre o setor de seguros
saúde apontam para uma crescente ameaça ao equilíbrio financeiro destas empresas
no setor saúde, em comparação com outros setores, como o de seguros de vida ou de
automóveis. Em que medida isto se reflete no atendimento de urgência e emergência,
não foi possível verificar. Na pesquisa do Instituto DATAFOLHA, já anteriormente
comentada, a Bradesco Seguros aparece na lista das que mais intervêm no trabalho
do médico, segundo profissionais médicos de três estados: Minas Gerais, Paraná e
25

Santa Catarina. A Sul América Seguros aparece apenas no Estado da Bahia, e a HSBC
Saúde aparece no Estado do Paraná.

Não há menção à figura do “médico regulador” nos moldes em que este aparece
nas UNIMEDs. A Sul América informa um número de telefone para informações sobre
atendimento 24 horas, mas os produtos se referem à remoção do segurado, ou
seguro em viagem, de acordo com o contrato. A BRADESCO Seguros também informa
atendimento por meio de um 0800, por um atendente e o médico assistente pode
solicitar esclarecimentos ou pedir autorizações para procedimentos junto a outro
médico, com a função de regulação. Esta seguradora identifica, como problema, o fato
de as informações médicas serem resumidas, inviabilizando uma melhor
caracterização do evento. O fato de 85% dos contratos da BRADESCO serem coletivos
diminui eventuais já que nesta modalidade não há carências ou fator de co-
participação.

Pudemos observar diferenças no número e tipo de unidades prestadoras de


atenção em urgência e emergência, de acordo com a modalidade de plano contratado.
Pesquisando pronto-socorros gerais nas capitais do Acre, Amazonas e Tocantins, áreas
tradicionalmente carentes de serviços médicos, obtivemos os seguintes resultados,
relativos às coberturas ambulatoriais e hospitalares de planos individuais e familiar.

• Sul América Seguros - enquanto a modalidade “tradicional” possui rede em


todas as capitais, e, oferecendo inclusive atendimento de urgência
oftalmológica em Manaus, a modalidade “essencial” possui um número bem
menor de unidades na rede de referencia, sendo que Palmas não possui
serviços;

• Bradesco Seguros – O plano tipo Rede Preferencial está limitado aos estados do
Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco e não há rede
nos outros estados. O Plano Regional possui limitação geográfica para
atendimento não urgente, e atende urgências na rede coberta também pelo
Plano Nacional. O Plano que oferece uma rede mais ampliada é o Rede Nacional
Plus, mas para as capitais pesquisadas a oferta é exatamente a mesma em
todos esses planos. As diferenças estão na hotelaria – quarto, enfermaria – ou
nos valores de reembolso de honorários médicos.
26

Alguns mesmos serviços credenciados em um seguro aparecem em outros nestas


cidades, evidenciando a escassa liberdade de escolha dos clientes residentes nas
regiões norte, centro-oeste, e, em menor medida, nordeste.

Em relação às empresas de auto-gestão em saúde, não pudemos identificar um


padrão na oferta de serviços de urgência e emergência, ficando as diferenças por
conta da maior ou menor estrutura e abrangência da empresa. Encontramos
diversidade, também, na forma como se explicita a cobertura deste nível – nas
empresas menores e localizadas geograficamente, a propaganda gira mais em torno
da atenção básica ambulatorial, enquanto que empresas de abrangência nacional o
atendimento de urgência é colocado como mais uma vantagem para o usuário. Nestes
casos, todos seguem o padrão de cumprimento da resolução CONSU No 13.

Finalmente, vale comentar sobre o fato de termos encontrados, em diversas


homepages, e em todos os componentes do setor, a oferta de atendimento
“preventivo”, ou ainda de “atenção familiar” como também uma vantagem adicional
para o cliente, indicando que o setor privado suplementar começa a incorporar um
discurso característico de concepções de saúde que eram exclusivas do setor público.
Entretanto, permanece a dúvida sobre até que ponto este discurso representa uma
efetiva mudança no modelo de atenção, e suas possibilidades de impacto no perfil de
morbi-mortalidade.

PERSPECTIVAS PARA A REGULAÇÃO DA ATENÇÃO EM URGENCIA E


EMERGÊNCIA

A partir da avaliação da atuação da ANS realizada em 2001 evidenciam-se os


avanços obtidos na regulação da atividades do setor de saúde suplementar, e, em
relação ao atendimento de urgência e emergência, é inegável a importância da
obrigatoriedade de cobertura em todas as modalidades de contrato, incluindo-se os
casos de inadimplência até 60 dias, e com carência máxima de 24 horas.

A Resolução CONSU 13, que regulamenta este tipo de atenção, apresenta


alguns itens que, ao nosso ver, se constituem em falhas, e dão margem à situações
duvidosas. São eles:
27

• Art. 1° A cobertura dos procedimentos de emergência e urgência de que trata o


art. 35-D, da Lei n° 9.656/98, que implicar em risco imediato de vida ou de
lesões irreparáveis para o paciente, incluindo os resultantes de acidentes
pessoais ou de complicações no processo gestacional, deverá reger-se pela
garantia da atenção e atuação no sentido da preservação da vida, órgãos e
funções, variando, a partir daí, de acordo com a segmentação de cobertura à
qual o contrato esteja adscrito. – apenas afirmar a garantia da preservação da
vida, órgãos e funções não nos parecem suficientes. A estabilização clínica a ser
alcançada deveria constar deste artigo;

• Art. 2° O plano ambulatorial deverá garantir cobertura de urgência e


emergência, limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento. – Este
item, em especial, tem se mostrado confuso, e esta é uma opinião
compartilhada com a ABRAMGE. Embora os planos puramente ambulatoriais
não sejam os mais numerosos, nestes casos específicos, cessando a cobertura
após 12 horas, fica o usuário vulnerável à interrupção – neste caso legalmente
amparada – do tratamento. Não nos parece que o período necessário à
resolução, em termos de estabilização clínica, de um problema mais grave
possa ser delimitado em um número fixo de horas. Não pudemos verificar, mas
pensamos que provavelmente as impugnações ao ressarcimento cujo motivo
alegado foi “carência” são de casos de beneficiários de planos ambulatórias,
cujo problema de emergência exigiu internação, passadas ou não as 12 horas
de cobertura garantidas. É preciso rediscutir este item nos planos
ambulatoriais, na perspectiva de caracterizar adequadamente os casos que
deverão ser ressarcidos ao SUS, assim como para garantir o devido suporte
clínico ao usuário.

• § 1° No plano ou seguro do segmento hospitalar, quando o atendimento de


emergência for efetuado no decorrer dos períodos de carência, este deverá
abranger cobertura igualmente àquela fixada para o plano ou seguro do
segmento ambulatorial, não garantindo, portanto, cobertura para internação.
Novamente, o usuário que necessita da internação para a preservação da vida
28

ou estabilização clínica corre o risco de perder a cobertura, se estiver dentro da


carência para internação.

• § 3° Nos casos em que a atenção não venha a se caracterizar como própria do


plano hospitalar, ou como de risco de vida, ou ainda, de lesões irreparáveis,
não haverá a obrigatoriedade de cobertura por parte da operadora – Seria de
fundamental importância garantir, aqui, que esta decisão é prerrogativa
exclusiva do médico, por meio de exame físico adequado, o que inclui os
procedimentos diagnósticos e terapêuticos necessários à estabilização do
quadro clínico;

• Art. 6° Nos contratos de plano hospitalar e do plano e seguro referência que


envolvam acordo de cobertura parcial temporária por doenças e lesões
preexistentes, a cobertura do atendimento de urgência e emergência para essa
doença ou lesão será igual àquela estabelecida para planos ambulatoriais no
art. 2° desta Resolução – a polêmica em torno das doenças e lesões
preexistentes não é objeto desta nossa discussão, mas uma vez que estes
problemas podem evoluir para situações de urgência e emergência, há a
necessidade de esclarecer melhor esta questão também em relação à esta
probabilidade;

• § 1° Nos casos previstos neste artigo, quando não possa haver remoção por
risco de vida, o contratante e o prestador do atendimento deverão negociar
entre si a responsabilidade financeira da continuidade da assistência,
desobrigando-se, assim, a operadora, desse ônus – há, aqui, uma flagrante
contradição em relação ao Art. 1º, que informa claramente que a cobertura
estará garantida para a preservação da vida, órgãos e funções. Se há risco de
vida, não há o que discutir, na nossa opinião.

Em relação às emergências psiquiátricas, a Resolução CONSU No 11 informa


que os planos ambulatoriais estão obrigados a cobrir estes casos, definidos como “as
situações que impliquem em risco de vida ou de danos físicos para o próprio ou para
terceiros (incluídas as ameaças e tentativas de suicídio e auto-agressão) e/ou em
risco de danos morais e patrimoniais importantes”( Art 2º, item I, letra a). Para os
29

planos hospitalares, coloca-se a obrigatoriedade de cobrir internações até 30 dias em


hospitais/leitos psiquiátricos, e até 15 dias para os casos de dependência química,
incluindo-se alcoolismo.

Conforme já apontado anteriormente, as urgências psiquiátricas não parecem


chegar ao setor de saúde suplementar, segundo alguns depoimentos obtidos. O direito
a esta cobertura era conhecido por apenas 39% dos usuários do setor entrevistados
pela ANS na pesquisa sobre satisfação do usuário (ANS, 2002). Não nos parece que o
silêncio em torno do tema seja pela não existência de casos, e sim devido ao
desconhecimento do direito à cobertura, e pela não existência de um sistema de
acolhida para estes casos nas emergências, de modo geral.

Ignorar a dimensão deste problema significa excluir um crescente número de


usuários, e não reconhecer o que os estudos sobre cenários epidemiológicos vêm
apontando. Pensamos que qualquer discussão sobre a regulação da atenção em
urgência e emergência deverá incluir, necessariamente, a questão das urgências e
emergências psiquiátricas, e a definição da garantia efetiva de cobertura nos termos
contratuais, seja pela exigência de inclusão na equipe de urgência de médico
psiquiatra, seja pelo estabelecimento de um fluxo de referência rápido e adequado
para um serviço especializado, ou outra solução.

Os números do ressarcimento, anteriormente comentados, indicam que esta


base de dados pode se constituir em uma fonte de informações valiosa sobre a
atenção de urgência e emergência. Uma análise das variáveis existentes e suas
possibilidades de cruzamento poderia esclarecer o significado dos dados que
apresentamos, por exemplo, e identificar que questões se encontram por detrás deles.
O grande número de impugnações ao ressarcimento evidencia a necessidade de
identificar melhor as causas. Nos parece que, estando o ressarcimento vinculado à
atenção de urgência/emergência, qualquer análise sobre as alegações usadas para a
impugnação do pagamento – excetuando-se a questão da inconstitucionalidade –
remete diretamente à discussão sobre o que é ou não procedimento necessário à
preservação da vida e das condições de estabilidade clínica. Por exemplo, definido o
conjunto mínimo de condições de morbidade e os procedimentos considerados
30

imprescindíveis à atuação deste nível de atenção, cessariam as impugnações com


base no questionamento do procedimento realizado.

Sobre a questão da informação, chama a atenção a inexistência de um padrão


mínimo de coleta de dados e disseminação de informações sobre urgência e
emergência, tanto por parte do setor público como do privado suplementar. À
histórica resistência dos profissionais de saúde quanto ao preenchimento de
“papelada” soma-se a não padronização de instrumentos, como boletins de
atendimento. Neste sentido, seria de interesse da ANS manter um contato com as
redes ministeriais que desenvolvem padronização de bases de dados e informações,
como a RNIS/RIPSA, para um trabalho conjunto visando a melhoria do sistema de
informações também do setor de saúde suplementar.

Em relação à informação para o usuário, embora esteja havendo uma


ampliação da discussão sobre o direito do cliente pela divulgação realizada pelos
órgãos de defesa do consumidor e pela própria ANS, identificamos a necessidade de
que os serviços disponibilizem informações claras no momento do atendimento, seja
por meio de informação visual, seja pela presença de pessoal capacitado e atualizado.

A regulação da atenção em urgência e emergência, considerando as condições


do ambiente físico e a qualidade dos recursos humanos e tecnológicos disponíveis não
está contemplada por nenhuma regulamentação da ANS. Para além da regulação da
relações contratuais e da atuação das operadoras, pensamos que é de fundamental
importância que os serviços – unidades, clínicas, hospitais, ambulatórios – sejam
acompanhados, avaliados e fiscalizados a partir dos parâmetros de qualidade e
quantidade já estabelecidos . Concordamos com os profissionais de Vigilância
Sanitária, que, por meio da Associação Nacional de Profissionais de Vigilância
Sanitária apresentaram, como proposta para o Fórum de Saúde Suplementar,
sugestões para que se estabeleça um processo de acreditação hospitalar, em parceria
com a ANVISA e os níveis estaduais de vigilância sanitária. E ainda, pensamos que os
processos de impugnação em curso poderiam se constituir em “eventos disparadores”
para uma investigação, por parte da ANS e outros órgão, quanto aos determinantes
da procura do SUS pelo beneficiário, e das condições do atendimento.
31

Levando-se em conta que a Vigilância Sanitária possui poderes legais para


abranger também o setor privado, sugerimos que a ANS estabeleça um processo de
discussão sobre as possibilidades de adequação dos serviços do setor suplementar às
normativas existentes, incluindo-se as regulamentações dos conselhos profissionais da
área de saúde. Vale consultar as iniciativas de estabelecimento de “guidelines” de
outros países, a exemplo do trabalho realizado pelo American College of Emergency
Physicians e pelo Canadian Association of Emergency Physicians (2001).

Em relação aos procedimentos, a implantação da Lista Hierarquizada de


Procedimentos, proposta pela AMB e pelo CFM (Diretrizes do Procedimento Médico),
poderá dar conta do conjunto de ações sob responsabilidade do médico, mas é preciso
que se amplie o escopo da qualificação da atenção em saúde para outras categorias
profissionais que estão presentes nos serviços de urgência e emergência –
enfermeiros e auxiliares, fisioterapeutas, psicólogos, farmacêuticos, entre outros. À
ANS caberia, então, o papel de condução de um pacto ampliado sobre os níveis de
qualificação humana e tecnológica mínimos exigidos para a adequada prestação da
atenção.

A não cobertura aos acidentes de trabalho por parte dos planos básicos também
precisa ser rediscutida, já que estes são importante causa de morbidade em urgência
e emergência. A participação de setores da sociedade civil e de representação de
trabalhadores deve ser valorizada.

A experiência do sistema de urgência ABRAMGE merece um acompanhamento


maior, pela possibilidade de representar uma alternativa, sem ônus para o cliente, de
ampliação de cobertura deste tipo de atendimento. O que esta experiência pode estar
apontando para uma melhor relação entre o setor e o SUS, no que se refere às
urgências e ao ressarcimento, também merece ser verificado.

Finalmente, nos parece que, enquanto não houver um debate ampliado para a
definição dos termos que orientarão as relações entre a classe médica e o setor de
saúde suplementar, não haverá como pactuar regras claras para a regulação do
atendimento de urgência e emergência. Uma vez que este conflito tem sido apontado,
pela classe médica, como um nó crítico importante nas relações com o setor de saúde
suplementar, sugerimos que seja avaliada a possibilidade de desenvolver uma ação
32

pactuada em torno dos termos de responsabilização de cada ator quanto à resolução


dos problemas de saúde em urgência e emergência.

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