O PLANETA DOS
CAVADORES
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Está chegando o fim do mês de julho do ano 3.441 do
calendário terrano. Perry Rhodan, que voltou há pouco
tempo da galáxia Gruelfin para a Terra, defronta-se com os
destroços daquilo que foi construído em séculos de trabalho
incansável. Deixou a valiosa Marco Polo no porto da frota de
Terrânia e entrou, juntamente com sessenta companheiros,
entre eles Gucky e Atlan, na Good Hope II, uma corveta com
equipamentos especiais, para partir para o desconhecido.
Perry Rhodan não tem alternativa, embora as condições
caóticas reinantes na Terra exijam a atuação desinteressada
de todos os seres humanos não atingidos pelo processo de
deterioração mental. Desde que apareceu o misterioso
“Enxame”, há cerca de sete meses, o caos está presente em
toda parte. Atinge não somente o Sistema Solar, mas estende-
se a toda a galáxia, conforme se vê nas notícias e pedidos de
socorro das inteligências que ficaram imunes. Perry Rhodan
tem a intenção de investigar o Enxame. Acha que pode ser
possível encontrar um meio de evitar a manipulação da
constante gravitacional realizada pelo Enxame, que causou a
deterioração mental da maior parte dos seres inteligentes, ou
ao menos levar aqueles que comandam o Enxame a não
atravessar a Via-Láctea
A pequena nave de Perry Rhodan já percorreu uma
distância considerável. A Good Hope II encontra-se atrás do
Enxame — seu destino é O Planeta dos Cavadores.
Flinder Tex Gruppa seguiu adiante com muito cuidado, deixando para trás uma
galeria parcialmente desabada. Sabia o perigo que iria enfrentar, uma vez que ainda não
conhecia a área. Os insetos grandes e médios eram mais que uma praga. Quando
apareciam em grande número, podiam transformar-se num perigo. Atacavam pessoas
isoladas que nem bandos de ratos e tentavam devorá-las.
Flinder era considerado o primeiro cavador de Hidden World I.
Tinha cento e nove anos e usava os cabelos brancos bem curtos, por motivos
práticos. Vivia a maior parte do tempo embaixo da superfície e seus olhos se tinham
habituado à escuridão. Se necessário podia enxergar sem nenhuma luz. As pontas de seu
bigode branco tinham sido viradas para cima, de tal maneira que protegiam as narinas da
poeira, que estava em toda parte.
Tinha um metro e setenta centímetros de altura, mas parecia julgar-se maior, pois
mesmo quando atravessava um corredor de dois metros de altura vivia se abaixando,
dando a impressão de que estava com medo de esbarrar com a cabeça no teto. Além disso
o fato de estar sempre só o fizera adquirir o hábito de falar sozinho. Muitas vezes havia
discussões violentas, e com o tempo Flinder chegou à conclusão de que a melhor maneira
de brigar era brigar consigo mesmo.
Tinha a pele branca e pálida. Raras vezes vira o sol e nem fazia questão disso.
Flinder era o melhor detector de eupholithe e olio hymenopterii que se podia
imaginar. Fora o único colono de Hidden World que conseguira encontrar os restos
mortais da rainha dos cupins, o que lhe rendera uma fama lendária.
Usava dezenove de suas preciosas pedras como colar. Eram cristais que quase
chegavam ao tamanho de um punho humano, leves como penas e cintilantes.
Eupholithes genuínos!
Flinder chegou a uma caverna residencial dos cupins que ainda não conhecia. Seus
olhos treinados logo descobriram algumas blindagens de chitin, mas no momento não
tinha tempo para procurar eupholithes. Coisas misteriosas e incompreensíveis tinham
acontecido nos últimos dias em Hidden World.
Flinder sentou numa pedra que se desprendera do teto da caverna. Como estava
acostumado a fazer, falou sozinho. Não havia mais ninguém a quem pudesse fazer
perguntas e que lhe desse uma resposta...
***
— Deve haver alguma explicação, Flinder! Não tente convencer-me de que dez mil
homens transformam-se em doentes mentais de um dia para outro se não existe algum
motivo! Deve ser o sol. Que mais poderia ser...? Nunca gostei dessa bola vermelha no
céu.
— Você está mentindo, Flinder! Quantas vezes você não teve saudades do sol e...
— Era o outro sol, o sol amarelo da Terra! Você deve estar lembrado dele. Viu-o
em filmes e microlivros. É um sol bem diferente.
— Que seja! Mas sol é sol.
Flinder suspirou por ser tão obstinado.
— Está bem. Digamos que você tem razão. Mas vamos reconstituir os fatos. Tudo
era bem normal. Não havia nenhum sinal de que as coisas mudariam. Tenho certeza de
que isto não tem nada a ver com a estação da USO, que nem sequer conhecemos. Qual é
sua opinião?
—Tenho certeza de que não tem a ver. Ela não se interessa por nós, somente nos
protege contra pousos de seres inteligentes cujo lugar não é aqui. Pode ser excluída.
— Isso mesmo. Não pode ser considerada responsável Pelo que aconteceu. Mas
tenho certeza de que pode ajudar-nos. Temos de encontrá-la e pedir ajuda. Afinal, ainda
fazemos parte do Império Solar.
— Até aí tudo bem. Continue, Flinder...
— Muito bem. Continuarei. Certo dia entramos em contato com um certo Hershell
Anders, para discutir um novo plano. Acreditávamos que houvesse muitos túmulos de
cupins nas montanhas mais ao oeste. Para localizá-los seria necessária uma expedição na
superfície. Hershell concordou e prometeu organizar a expedição. Como geólogo poderia
ser-nos muito útil e receberia sua parte se realmente encontrássemos o que
acreditávamos.
— Hershell mobilizou vinte pessoas que nos acompanhariam, as quais pretendiam
deixar as pessoas nos alojamentos, levar mantimentos e tentar a sorte conosco.
— Isso mesmo! Foi então que houve a catástrofe, que surpreendentemente não nos
atingiu — nem a você, nem a mim. Somos as únicas pessoas em Hidden World que
ficaram com a inteligência intacta e dependem exclusivamente de nós que seja ou não
seja feita alguma coisa.
— Todo mundo perdeu o juízo de um instante para outro. Ninguém mais quis ir às
montanhas e por pouco não nos mataram a pancadas quando lhes lembramos o que tinha
sido combinado. Até Hershell, que é um dos colonos mais inteligentes, passou a falar de
repente que nem uma criança e exigiu que lhe arranjássemos algumas pedras coloridas
para ele brincar.
Houve uma pausa instantânea no diálogo travado em voz alta.
Mas este logo continuou.
— Flinder, acho que estamos loucos.
— Por quê? — perguntou Flinder a si mesmo.
— Porque nunca encontraremos essa estação da USO. Sabemos que é secreto.
Proibiram a nossos antepassados que se aproximassem dela, houvesse o que houvesse, se
por acaso a descobríssemos. Ela nos vigia e oficialmente não tem nada com os nossos
problemas. Nem sequer temos armas para defender-nos se formos atacados.
— Isso não tem nada a ver com o fato de termos perdido o juízo. Precisamos de
ajuda, e não sei quem poderia dá-la a não ser os homens da USO.
— Talvez você tenha razão. Vamos continuar procurando. Mas primeiro quero ver
o que achamos. Talvez seja uma rainha.
Não temos tempo.
— Só alguns minutos...
A luta que Flinder travou com sua própria tentação foi pacífica.
Acabou desistindo.
Colocou a cápsula blindada de costas e abriu-a no lugar mais mole, na barriga. Para
sua surpresa saíram rolando alguns cristais coloridos. Guardou-os imediatamente num
saquinho que escondeu na caverna. Os eupholithes só o atrapalhariam no que queria
fazer.
Também havia olio hymenopterii.
Mas a preocupação e o medo que sentia bem no íntimo e que Flinder não queria
confessar a si mesmo acabaram levando a melhor. Informara Hershell sobre o que queria
fazer, mas só encontrara incompreensão. O geólogo não queria acompanhá-lo na perigosa
caminhada. Por isso Flinder saíra sozinho.
Pelos seus cálculos, depois de mais um quilômetro devia dar de novo com as
galerias de uma área residencial que já conhecia. Pegara um atalho pouco conhecido.
Flinder conhecia várias galerias semi-obstruídas pelas quais ninguém se interessava,
porque existiam outras.
— Pegaremos isto na volta — disse ao parceiro invisível e seguiu adiante. —
Vamos ver se o que pensamos está certo. — Flinder hesitou. — Gostaria de saber por que
não perdemos o juízo como os outros. Por que houve esta exceção num acontecimento
que atingiu um mundo inteiro?
— Talvez sejamos inteligentes demais...
— Você é um convencido! — disse Flinder a si mesmo. Depois de atravessar
rastejando mais um trecho semi-obstruído, Flinder voltou à área residencial que já
conhecia. Nela até havia luzes elétricas acesas, embora fossem muito fracas. Mas foi o
suficiente para os olhos sensíveis de Flinder.
Em uma das grandes cavernas residenciais encontrou-se com os habitantes da
colônia. Comportavam-se como crianças. Brincavam com os eupholithes que tinham sido
recolhidos como se fossem bolas de gude. Quando reconheceram Flinder cercaram-no e
trataram-no como se fosse um professor de jardim de infância. Queriam que brincasse
com eles.
Flinder afastou-se o mais depressa que pôde.
Não podia contar com os amigos.
Felizmente ainda sabiam comer e beber. Mas um dia as reservas acabariam e eles
não se preocupariam em reabastecer-se.
Por um instante Flinder pensou que talvez todos os seres humanos da galáxia
tivessem sido atingidos pela mesma desgraça. Nesse caso não haveria salvador, pois os
colonos mentalmente deteriorados teriam de morrer de fome, se não houvesse contato
com a USO.
Flinder seguiu adiante e chegou a outro setor da área de extração. Era possível que
há dez mil anos o cemitério dos cupins tivesse ficado lá. Era claro que não se tratava dum
cemitério propriamente dito, do tipo que costumava ser construído pelos seres humanos
de outros tempos. Os cupins se recolhiam a certo lugar quando sentiam que o fim estava
próximo. Cavavam uma galeria do tamanho necessário para dar-lhes passagem. Entravam
no chão que nem brocas, geralmente em sentido horizontal, obstruíam o corredor atrás de
si com a terra solta e só paravam quando morriam.
Alguns cupins moribundos tinham errado nos cálculos. Seus corredores muitas
vezes tinham vários quilômetros de extensão. Era cada vez mais difícil encontrar os
lugares escavados pelos exemplares solitários.
Quanto ao cemitério, este correspondia ao lugar em que começava a maior parte das
galerias funerárias. Para simplificar as coisas, os colonos começaram a cavar toda a
parede. Depois de pouco tempo deixaram livres os corredores, que eram parecidos com
simples buracos, um ao lado do outro.
No fim de cada buraco havia um esqueleto de cupim, um recipiente blindado de
chitin cheio de eupholithe e olio hymenopterii.
Flinder não se interessou pelo cemitério. Nunca se interessara, pois aquilo era
apenas um trabalho de rotina. Qualquer imbecil podia seguir um dos corredores que
encontraria a recompensa no fim dele. Flinder era um caçador solitário e sempre fizera as
melhores descobertas.
Quando quis seguir adiante, apareceu cerca de uma dezena de colonos numa galeria
lateral. Estavam armados com martelos e enxadas de minerador e logo assumiram uma
atitude ameaçadora ao verem o primeiro cavador.
— Aonde vai, Flinder?
Flinder estava acostumado a ser tratado com respeito. Parou e fitou a pessoa que lhe
dirigira a palavra com uma expressão de espanto.
— O que você está pensando, James? Por que fica no meu caminho?
— Você quer ir à superfície, onde estão os maus espíritos. Ou será que não quer...?
Flinder ficou muito surpreso. Em Hidden World nunca ninguém acreditara em
espíritos, muito menos em espíritos maus.
— Sim, quero ir para onde estão os maus espíritos — disse. — Fizeram tremer o
chão e eu lhes pedirei que não façam mais uma coisa dessas.
Terremotos!
Nas últimas semanas houvera muitos terremotos, e o que os habitantes do planeta
menos queriam eram tremores tectônicos. Viviam no subsolo dum planeta inóspito, e
cada tremor fazia desabar alguns corredores e galerias. Nunca tinham morrido tantos
colonos como depois que começaram os terremotos.
Os homens acalmaram-se e baixaram suas armas primitivas.
— Vai falar com eles?
Não era a primeira vez que Flinder tinha uma conversa destas nos últimos tempos.
Tentara explicar aos mentalmente deteriorados as causas e os efeitos dum tremor de terra,
mas não conseguira. Finalmente resolvera acalmar-se, culpando certas forças que agiam
na superfície.
Os maus espíritos que viviam na superfície — era este o resultado das lições que
lhes dera.
— Sim, falarei com eles e lhes pedirei que não façam tremer mais a terra. Talvez
consiga aplacar sua raiva. Por que não querem deixar-me passar?
— Você é mais inteligente que nós. Não queremos que vá embora.
— Quero ir à superfície...
— Vai voltar para junto de nós?
Os homens pareciam assustados e desamparados. E como tinham sido antes!
Homens fortes, inteligentes e arrojados, que rastejavam pelas galerias e se expunham
todos os dias a perigos incríveis para sustentar suas famílias.
E agora...
— Logo estarei de volta. Mas não sei quanto tempo levarei para encontrar os
espíritos. Tenham paciência, que tudo acabará bem.
— Podemos acompanhá-lo?
Flinder sacudiu a cabeça.
— Fiquem aqui. É melhor que eu vá sozinho.
— Por quê? — quis saber um outro.
Como Flinder podia explicar? Não podia dizer que eles eram tolos demais.
— Indo sozinho chegarei mais depressa. Vocês sabem que costumava sair sozinho
para procurar os cupins e conheço a área melhor que vocês. Além disso conheço algumas
regiões da superfície, onde terei de procurar os espíritos. É possível que eles os
matassem.
Este argumento os convenceu. Os homens saíram do seu caminho.
— É verdade. Poderão matar-nos. Vá, Flinder. E traga boas notícias.
Flinder cumprimentou-os com um gesto e saiu andando. Dali a pouco desapareceu
num corredor largo que, como sabia, levava a uma cidade de cupins que fora explorada
há muito tempo.
Lá havia uma galeria que levava obliquamente à superfície.
***
A “cidade” ficava quase duzentos metros embaixo da superfície.
Quando foi descoberta pela primeira vez, pensaram que se tratasse da obra de seres
muito inteligentes que viviam em Hidden World. Ninguém queria atribuir tamanhos
conhecimentos arquitetônicos a insetos. Era um dos vícios fundamentais do homem achar
que não havia quem o igualasse. Mas as pesquisas que se seguiram afastaram todas as
dúvidas. Os cupins haviam construído a cidade embaixo da superfície e dela saíam
galerias e corredores pequenos em todas as direções, ligando-a com as aldeias, locais de
incubação e depósitos de mantimentos.
Havia um corredor pequeno que levava ao túmulo da rainha e Flinder o descobrira.
Sabia que devia ter havido outras rainhas e sempre tivera uma ambição: encontrar
os outros túmulos. Mas até então suas buscas não tinham dado em nada.
Em compensação descobrira outra galeria — a que levava à superfície.
Nem todos os cupins tinham cavado a própria sepultura. Quando veio a grande
fome, passaram a entredevorar-se. Os restos mortais continuavam nos lugares em que
tinha acontecido o drama e representaram uma presa valiosa para os colonos.
Um gigantesco pavilhão formava o centro da antiga cidade dos cupins. Em torno
dele havia corredores laterais dispostos em vários pavimentos e atrás deles se
enfileiravam celas individuais. Era bem provável que os cupins residissem nestas celas
individuais, não nas salas coletivas. Deviam ter conhecido uma civilização de verdade,
apesar de não dominarem a técnica nem possuírem ferramentas. Criaram tudo com suas
garras afiadas e as potentes mandíbulas.
Se ainda estivessem vivos, seriam os inimigos mais perigosos dos colonos.
De repente houve um ruído. Flinder parou e ficou na escuta.
Algum inseto...?
Havia besouros do tamanho dum coelho. Eram carnívoros. Não se atacavam uns aos
outros, mas faziam caça aos insetos menores. Os membros do próprio clã eram tabu.
Se os besouros grandes apareciam em bandos, o que era bem frequente, não tinham
medo de atacar os homens. Neste caso representavam um grande perigo.
Felizmente os besouros quase só viviam na superfície. Poucas vezes arriscavam-se a
descer pelas galerias, à procura de alimentos.
O ruído vinha da direita.
Flinder entrou às pressas num corredor lateral e procurou não fazer nenhum ruído.
Saberia enfrentar os besouros, mesmo desarmado. Carregava uma pequena picareta no
cinto do macacão, mas na verdade não se podia dizer que se tratava de uma arma.
De repente viu o homem.
Era o geólogo Hershell Anders.
Saiu da galeria, ficou parado, olhou em volta como se estivesse à procura de
alguém. Na mão direita segurava uma barra de ferro na qual se apoiava, ao andar.
Flinder ficou furioso. Antigamente gostaria de ter o geólogo como companheiro,
mas naquele momento só poderia atrapalhá-lo. Como faria, se não estava à procura dos
espíritos maus, mas queria encontrar a estação da USO para pedir ajuda aos homens que
trabalhavam lá?
De repente houve outro ruído, vindo do lado oposto. Era bem diferente daquele que
Flinder ouvira antes e que logo identificara como sendo dos passos de um único homem.
Desta vez era um ruído mais variado, dando a impressão de que era produzido por
centenas de pés.
Os besouros!
Os primeiros apareceram em um dos lados do pavilhão. Eram do tamanho de uma
mão humana e não pertenciam à espécie mais perigosa. Mas podiam transformar um
homem num esqueleto, se ele não fugisse enquanto era tempo.
Os insetos não corriam muito depressa. Não era difícil escapar — a não ser que se
fosse cercado e esmagado pela força do número.
Ainda bem que na cidade havia muitos caminhos pelos quais se podia fugir.
Hershell Anders!
Não podia deixar o geólogo entregue à própria sorte. Ainda lhe restava um pouco de
inteligência, mas provavelmente esquecera suas experiências e acabaria sendo vítima dos
besouros. Tinha de ajudá-lo.
Numa súbita resolução Flinder tirou a picareta do cinto, saiu do esconderijo seguro
e correu pelo pavilhão subterrâneo, em direção a Hershell. Este se assustou, mas de
repente seu rosto marcado pelo tempo mostrou que tinha reconhecido o cavador.
— Flinder, estava à sua procura.
— Vamos, Hershell. Depressa! Os besouros estão atrás de nós.
Hershell compreendeu imediatamente. Ainda não se esquecera do perigo que
representavam os besouros. Já era um sinal positivo.
Segurou a mão de Flinder e deixou que ele o conduzisse.
Mas os besouros já tinham farejado a presa. Entraram no pavilhão em grandes
grupos, espalharam-se e ocuparam quase todas as saídas. Demonstrando certo grau de
inteligência, tentaram fechar os caminhos de fuga.
— Use a barra, Hershell! — gritou Flinder para seu protegido e investiu com a
picareta contra os primeiros besouros que se aproximaram deles. Suas blindagens se
romperam com um estrondo desagradável. — Temos de chegar a este corredor...
Era a galeria que levava à superfície. Devia haver outras galerias iguais a esta e
parecia que os besouros as conheciam. Também esta. Saíram dela às dezenas e caíram
sobre os homens, que se defenderam como podiam.
Foi uma luta equilibrada. Apesar da deterioração mental que sofrera, Hershell ainda
era mais inteligente que os besouros, isto sem falar de Flinder. Em compensação os
besouros eram em maior número. Milhares deles já atravessavam o pavilhão em sua
direção.
Mas na galeria que levava para cima não havia mais de cem.
Flinder esmagou-os com as botas, estourou sua couraça com a picareta e
arremessou-os a pontapés. Hershell batia neles com a barra de ferro ou usava esta como
lança para perfurá-los.
Finalmente conseguiram. Não perderam tempo. Saíram correndo para ter uma
dianteira. O importante era que não se encontrassem com outro exército de besouros que
se deslocasse da superfície para a cidade subterrânea de cupins.
Depois que tinham corrido cinco minutos, Flinder parou ofegante.
Sentou no chão e olhou para o geólogo.
— Que houve, Hershell? Você enlouqueceu?
— Por que acha que enlouqueci? O pessoal me disse que você queria falar com os
espíritos maus. Eles não existem. Foi meu pai que disse. Queria que você soubesse disso.
Flinder pôs a mão na cabeça, mas conseguiu controlar-se. Era claro que Hershell só
podia pensar assim. Finalmente sua mente não se deteriora tanto quanto a dos outros.
Mas de outro lado não possuía bastante inteligência para compreender o truque de
Flinder.
Devia dizer-lhe a verdade?
— Preste atenção, Hershell. Quero subir à superfície para evitar que a terra continue
a tremer. Como quero fazer isto? Deixe por minha conta. Você vai voltar. Entendeu?
— Voltar? — o geólogo também sentou. — Quer que eu volte para onde estão os
besouros? Eles me devorarão, Flinder.
— Você mostrou muita bravura. Não acredito que seja devorado por eles...
— Lá em cima existem outros. Posso ajudá-lo a matá-los. Mas tenho medo de ficar
sozinho com eles.
Era uma lógica infantil. Não havia a menor dúvida. Flinder não podia negar que o
geólogo o ajudara bastante na luta contra os besouros. Talvez não representasse mesmo
nenhum obstáculo se ele o levasse.
— Está bem. Pode vir comigo. Mas sob uma condição.
— Aceito qualquer uma!
— Você não fará perguntas tolas e não tentará dar-me conselhos. O chefe sou eu e o
que eu disser será feito. Entendido?
— Sempre achei isso bem natural, Flinder. Mas essa história dos espíritos...
— Esqueça, Hershell. Vamos. Não podemos perder tempo, senão os besouros
acabam nos alcançando.
Os dois levantaram e continuaram a subir.
O ar era cada vez mais puro e fresco.
***
Quando chegaram à superfície era noite.
A diferença quase não pôde ser notada pelos dois homens que estavam acostumados
a viver na escuridão ou na penumbra. Para Flinder a ausência dos raios fortes do sol até
chegava a ser agradável, embora o frio súbito o perturbasse bastante.
Era difícil orientar-se.
Ao contrário dos outros colonos, Flinder já subira à superfície muitas vezes, mas
não ficara o suficiente para orientar-se. Só sabia que certa vez seu pai lhe descrevera o
lugar em que devia ficar a estação da USO. Para ser claro, a distância era de cerca de
quinze quilômetros. A estação ficava na passagem da cela, entre duas montanhas não
muito altas.
Havia montanhas em todas as direções, inclusive alguns vulcões que tinham entrado
em atividade nos últimos dias, causando tremores de terra.
Se não estava enganado, o pai lhe explicara que as montanhas a que se referira
ficavam ao sul da colônia.
Onde era o sul?
Hershell segurou-o pelo braço.
— Olhe! — cochichou em tom nervoso. — Alguma coisa se aproxima.
Flinder sacudiu a mão do companheiro e ergueu a picareta. Também ouvira um
ruído fraco, de alguma coisa se arrastando. Talvez fosse um único besouro, que não podia
tomar-se perigoso para eles.
O cavador voltou a baixar a picareta.
Dali a pouco a pá de moinho de vento passou caminhando devagar e calmamente ao
vento da noite. Possuía três raízes. Toda vez que enfiava a da frente no chão, levantava a
de trás. Enquanto isso apoiava-se na do meio.
Era um quadro fantástico, mas a planta não fazia mal a ninguém.
— Pois é — disse Flinder em tom de alívio. — Você me deu um susto, Hershell.
— Pensei que fossem os besouros.
Ainda bem que não está fazendo perguntas, pensou Flinder. Nem saberia a resposta.
Talvez seja melhor esperarmos até que fique mais claro.
Mas com isso eles perderiam muito tempo.
As pás de moinho de vento!
Flinder sabia que as plantas sempre seguiam a luz, na esperança de alcançá-la.
Logo, caminhavam para o oeste quando o vento soprava na direção certa. Só de manhã,
pouco antes do nascer do sol, ficavam parados, à espera da luz do dia.
Flinder já sabia onde era o sul!
— Vamos — disse a Hershell, que muito assustado tentava perscrutar a noite para
avisar Flinder imediatamente se algum inimigo se aproximasse. — Para o sul.
O chão era macio, às vezes cheio de cinzas e poeira, depois passava a ser duro e
rochoso. O terreno subia aos poucos. Um brilho claro apareceu no horizonte, à esquerda.
Algumas montanhas destacavam-se contra ele.
Os dois caminharam vigorosamente. Quando nasceu o sol, tinham percorrido quase
dez quilômetros. Ali Hershell protestou. Parou, olhou em volta e descobriu um bloco de
lava alongado. Sentou.
— Vamos fazer uma pausa — disse e enfiou a barra de ferro no chão. — Estou
cansado.
— Quando chegarem os besouros, você vai acordar.
Mas Flinder acabou reconhecendo que era melhor seguir o conselho do amigo.
Sentou ao lado dele e tirou do bolso um pedaço de alimento concentrado embrulhado em
papel. Dividiu-o com o geólogo.
Depois que acabaram de comer prosseguiram para o sul, onde Flinder descobrira
duas montanhas uma perto da outra, com uma passagem no meio.
Naquele lado uma coisa prateada brilhava aos raios do sol que ainda estava junto ao
horizonte.
3
Dados Técnicos:
1. Canhão inicial de dupla ação, que cria 6. Reator de grande potência e conversor
um campo energético sobre o alvo capaz de energia.
de paralisar toda e qualquer arma 7. Propulsor linear de fabricação takerer.
atômica, unidade geradora ou aparelhos 8. Geradores do campo defensivo.
que trabalham com energia nuclear. 9. Aletas estabilizadoras de popa.
Alguns segundos depois de deixar de 10. Jatopropulsor principal.
funcionar estas instalações explodem, 11. Jatos direcionais (4 ao todo)
destruindo a nave inimiga numa reação 12. Propulsor energético para voos infraluz.
nuclear em cadeia. 13. Trem de pouso de popa escamoteável.
2. Banco de energia do canhão inicial de 14. Asas delta com lemes e travessas de
dupla ação. reforço.
3. Mira de nêutrons. 15. Jatos de frenagem (2 ao todo).
4. Sala de comando coberta por cúpula 16. Cabine da tripulação.
transparente de plástico blindado, com 17. Projetores antigravitacionais.
assentos hidropneumáticos para o piloto, 18. Trem de pouso escamoteável da proa.
o engenheiro de máquinas, o navegador 19. Eclusa de passageiros com depósito de
e o radioperador, além de direção equipamentos ao lado.
positrônica e aparelho de comunicação 20. Antena de rastreamento de alta
dakkar. sensibilidade.
5. Antena de dakkarcomunicação.
4
O pedido de socorro do planeta Hidden World foi transmitido a Rhodan por escrito.
Atlan também leu a mensagem.
— De qualquer maneira queremos pousar lá — disse. — Combina tudo muito bem.
Aconteceu o que esperávamos. Um mundo pelo qual o Enxame passou de raspão também
sofreu sua influência.
— Quanto a isso não havia a menor dúvida, Atlan. Basta lembrar a Terra. O
Enxame passou a milhares de anos-luz dela, mas assim mesmo o planeta sofreu sua
influência. Antecipadamente. Ali está a diferença. Queremos descobrir o que acontece
com um planeta depois que o Enxame tiver passado.
— Hidden World deve ser um objeto de estudos apropriados. O pessoal da USO
morreu e parece que um dos colonos não teve a mente deteriorada. Ainda vamos
descobrir por quê. De qualquer maneira teve bastante inteligência para transmitir um
pedido de socorro e lidar com o sistema de repetição automática. É sempre um fio de
esperança, se quiser saber minha opinião.
— Pedi a Mentro Kosum que de mais algumas voltas em tomo do planeta. Talvez
consigamos estabelecer contato direto com o tal do Tex Gruppa.
— Quer que eu vá à sala de rádio para cuidar disso?
— E uma boa ideia. Talvez ele possa fornecer as coordenadas de pouso.
Esta esperança não se cumpriu. Por mais que o oficial de rádio de plantão Capitão
Farside se esforçasse para estabelecer contato com a estação da USO, não houve resposta.
O pedido de socorro continuava a ser repetido ininterruptamente, mas parecia que em
Hidden World só funcionava o transmissor. Nada indicava que as transmissões fossem
recebidas no planeta.
Gucky achou que estava na hora de aparecer de novo. Materializou na sala de
comando, depois de Rhodan ter sentado ao lado de Mentro Kosum, à frente dos controles
principais.
— Estou recebendo impulsos mentais em massa — disse e sentou na terceira
poltrona sem ser convidado. — Mas não me perguntem o que está sendo pensado. De
qualquer maneira a colônia ainda existe, mesmo que completamente abobada.
Rhodan fitou-o com um ar de repreensão.
— Você poderia ter um pouco mais de sentimento, meu chapa. Nem quero saber
como se comportariam os ilts se lhes tivesse acontecido uma coisa dessas.
— Não pensar nada é melhor que pensar todas essas bobagens, Perry. A propósito.
Um dia ainda realizarei meu plano de voar ao mundo dos Dois Sóis Mistery para trazer
alguns dos meus bisnetos. Você deve saber que eu os descobri, os descendentes de meus
amigos falecidos. Um ilt nunca sucumbe, diz um velho provérbio de nosso povo.
— Conseguiu fixar os limites da colônia subterrânea? — apressou-se Rhodan em
perguntar. — O antigo porto espacial deve ficar perto dela, numa cratera, se não estou
enganado. Se quisermos pousar temos de encontrá-lo.
— Se necessário podemos pousar em qualquer monte de estéreo — foi o que Bell
disse certa vez — afirmou o rato-castor com o rosto mais sério deste mundo. — Não sei
por que de repente todo esse cuidado.
Rhodan continuou calmo, apesar de ter outras preocupações.
— Porque deduzi dos relatórios que o porto espacial fica exatamente na área que
separa a estação da USO das residências dos colonos. Desta forma mataremos dois
coelhos de uma cajadada. Além disso não correremos o perigo de pousar sobre um vulcão
em atividade. Deu para compreender?
— Ficou claro que nem caldo de galinha — reconheceu Gucky e sacudiu-se. — Que
comparação nojenta!
— Quem a usou foi você — disse Rhodan em tom seco.
Mentro Kosum apontou para os controles.
— Completamos a vigésima volta. Vamos iniciar a vigésima primeira.
***
Flinder passou correndo pelas primeiras galerias.
Preferira abandonar a superfície, porque no lugar em que estava avançava mais
depressa embaixo do solo. Como era um lobo solitário, não conhecia muito bem aquelas
galerias. Ali se praticava sistematicamente a extração de minérios, e ele pouco tinha que
ver com isso.
Havia algumas faixas de transporte, além dos trens automáticos, que o ajudaram a
avançar mais depressa. Tinha de percorrer um trecho de mais de quinze quilômetros ao
todo.
Quanto mais se aproximava da colônia propriamente dita, mais nervoso se sentia.
Teve a estranha sensação de que chegaria tarde, mas não sabia dizer por quê e para quê.
Entrou mais uma vez numa galeria que conhecia e ligou a esteira instalada
lateralmente. Ha se movia com uma velocidade considerável e servia para carregar a terra
que sobrava na escavação das novas galerias. Correu um pedaço ao lado da esteira, até
poder saltar sobre ela sem correr nenhum perigo. Deitou de barriga, com o rosto voltado
para a frente, e tratou de descansar.
Talvez Hershell tivesse razão quando achava que não era conveniente dizer aos
cavadores a verdade a respeito da estação. Cairiam sobre ela que nem um bando de
selvagens e poderiam destruir certas instalações importantes. Nesse caso não haveria
mais nenhuma esperança de serem salvos.
Por enquanto o pedido de socorro continuava a ser irradiado sem parar. Acabaria
sendo recebido por alguém que tomaria providências.
Três quilômetros antes das cavernas residenciais a esteira fazia uma curva de
noventa graus. Transportava a terra para a superfície e parava junto a uma grota que ia
sendo aterrada aos poucos.
Flinder saltou para andar o resto do caminho a pé. Deixou a esteira ligada, porque o
posto de controle mais próximo ficara centenas de metros atrás dele.
Já fazia mais de três horas que saíra da estação. Não tinha nenhuma possibilidade de
entrar em contato com Hershell. Portanto, não sabia se estava tudo em ordem. Também
não sabia muito bem como faria para contar a verdade aos cavadores.
Encontrou-se com os primeiros a pouco menos de um quilômetro das cavernas
residenciais.
Era um grande grupo e estavam todos armados com martelos, barras e outras
ferramentas. Assim que os que iam na frente reconheceram o primeiro cavador, saíram
correndo em sua direção brandindo ameaçadoramente as armas rudimentares.
Flinder parou. Lembrou-se do fuzil energético. Segurou-o na mão um tanto
indeciso. A arma continuava destravada. Só em último caso podia atirar em sua gente, se
é que podia.
— Parem! — gritou. — Que houve?
Os cavadores pareciam ter perdido todo o constrangimento. Sua insatisfação, a
situação má, a falta de alimentos, a incerteza cada vez maior, tudo isto aliado à
deterioração mental — representaram uma descarga que se manifestou na liberação dos
instintos de agressão que dormem no subconsciente de todos os seres humanos.
— Foi você que os chamou, Flinder! — berrou um deles.
— Em vez de escorraçar os maus espíritos, você os chamou. Duas cavernas
desabaram.
— Pare de dizer bobagens! Foi apenas um terremoto. Lá em cima não senti nada.
— Você é culpado! Saia de nosso caminho, senão será morto.
Flinder levantou o fuzil.
— Pretendo defender-me. Ouçam, minha gente! Estive na estação e encontrei
alimentos, muitos alimentos. Pertencem a nós. Hershell ficou lá para que ninguém possa
tirá-los. Tenham juízo e...
Os homens pararam quando Flinder falou na estação. Sua inteligência rudimentar
começou a funcionar e logo tiveram um novo argumento.
— Tirar os alimentos! É claro que vocês querem tirá-los de nós. Hershell sozinho
não poderá evitar que isso aconteça. Temos de ajudá-lo. Saia do nosso caminho. Flinder!
Os homens aproximaram-se em atitude ameaçadora.
— De quem estão falando? Quem poderia tirar os alimentos? Os besouros?
— Não, Flinder. Os homens cuja nave acaba de pousar na cratera.
Flinder ficou atordoado.
Uma nave!
Seu pedido de socorro fora recebido. Tinham vindo para ajudar os colonos. E estes
malucos acreditavam que eles tinham vindo para tirar alguma coisa deles. Por que não
calara a boca em vez de mencionar a estação? Mas provavelmente a reação dos cavadores
não teria sido diferente.
— Parem! — gritou Flinder desesperado e saiu ao encontro dos homens. — Vocês
estão cometendo um erro e...
Flinder sentiu uma dor lancinante. Alguém perfurara sua coxa com uma barra de
ferro. Caiu. A horda passou por cima dele. Uma martelada atingiu sua cabeça. Flinder
perdeu os sentidos.
Os colonos não quiseram saber dele. Deixaram-no jogado no chão. Correram para
atacar os forasteiros que tinham vindo na nave.
Viam em qualquer ser vivo um inimigo mortal vindo de cima.
O último homem abaixou-se, não para ajudar Flinder, mas para pegar seu fuzil
energético.
***
Hershell sentia-se bem.
Atravessou todos os cantos da estação e sentiu-se como o soberano dum pequeno
reino. Tudo pertencia a ele e nem pensava em voltar a morar nas cavernas subterrâneas.
Pegou outra garrafa e abriu-a.
Voltou ao centro de comando balançando ligeiramente. Sentou na poltrona giratória
e contemplou as telas de imagem.
No platô continuava tudo como estava. Reinava a calma, e nem sequer se viam
besouros. Por enquanto brilhava o sol, mas ele logo desapareceria no horizonte.
A nave esférica voltou a aparecer em uma das telas da fileira de cima. Parecia maior
e mais lenta.
Hershell contemplou a tela encantado e logo esqueceu a garrafa que colocara numa
mesa de controle. Só via a nave, que parecia cada vez mais próxima. Quando viu a
curvatura do planeta deslizando embaixo dela, compreendeu o que estava acontecendo.
A nave preparava-se para pousar!
Hershell quis saltar da poltrona, mas acabou ficando sentado como se tivesse sido
paralisado. O espetáculo que se desenrolava diante de seus olhos deixou-o fascinado.
Fazia muito tempo que não via uma nave pousar ou decolar.
Finalmente viu a cratera pouco profunda na qual estava entrando a nave. Começou a
mexer-se. Se andasse depressa, poderia acompanhar o pouso ao vivo. Pegou o binóculo
eletrônico que vira na mesa encostada à parede e saiu da estação. Teve muito trabalho em
subir na rocha ao lado da ponte e ficou satisfeito quando atingiu o pequeno platô que
ficava para o lado do vale.
A cratera ficava a cinco quilômetros de distância, mais embaixo. A nave ainda
estava algumas centenas de metros acima dela e continuava descendo.
Hershell apertou o botão que ficava embaixo da regulagem de distância do
binóculo. O tripé saiu e entrou em posição. Hershell acertou o binóculo. A nave parecia
estar a poucas centenas de metros. Via os menores detalhes.
Finalmente o veículo pousou suavemente no fundo da cratera.
As colunas de sustentação telescópicas se encolheram e a nave ficou imóvel.
Não se via nenhum movimento.
Hershell continuou em cima da rocha. Será que Flinder já chegara à colônia?
Sabia que a nave tinha pousado? Provavelmente não. Como poderia saber, se tinha
usado a galeria subterrânea?
Hershell voltou a olhar pelo binóculo e descobriu uma coisa que ainda não tinha
notado.
Grampos corredores começavam a juntar-se na borda da cratera.
Eram as únicas plantas de Hidden World que podiam tornar-se perigosas a um ser
humano que se descuidasse.
Os grampos corredores tinham certa semelhança com os cipós terranos. Do tronco
principal em forma de serpente partiam braços secundários em todas as direções. Estes
braços serviam para a planta agarrar sua presa. Nas pontas dos braços secundários
ficavam as cabeças de sucção com os quais eram extraídos os líquidos orgânicos das
vítimas.
Os grampos corredores eram vegetarianos. Alcançavam as plantas mais lentas para
devorá-las. No início costumavam aproximar-se dos colonos. Apalpavam-nos e
acabavam soltando-os. Só se tornavam agressivos quando alguém tentava resistir ao
exame indolor. Mais de um cavador saíra com manchas roxas produzidas pelas pontas de
sucção.
Os grampos corredores possuíam um pouco de inteligência, que se manifestava
principalmente em forma de uma curiosidade constante. A nave que acabara de pousar
despertara seu interesse. Hershell tinha certeza de que não demorariam a examiná-la.
Como eram seres coletivos, reuniram-se para este fim.
E dentro de uma hora já teria escurecido.
***
— A estação fica a cinco quilômetros.
Rhodan fez um sinal para Farside.
— Obrigado. O pedido de socorro continua a ser transmitido?
— Automaticamente, senhor. Isto não significa que o tal do Gruppa ainda se
encontre na estação. De qualquer maneira nosso pedido de responder aos chamados
continua sendo ignorado.
Neste momento entrou Atlan, seguido por Lorde Zwiebus.
— Vamos fazer alguma coisa antes do pôr-do-sol?
— Não — respondeu Rhodan. — Seria inútil. Não sabemos o que aconteceu aqui e
que perigos nos esperam lá fora. Esperaremos até amanhã. Se houver alguém à nossa
espera, este alguém deve ter notado nosso pouso e certamente se manifestará.
— Está certo. Não temos pressa.
Gucky apareceu na porta.
— Os impulsos são mais nítidos, mas não mais inteligentes. É uma terrível
confusão. Alguns impulsos revelam satisfação, outros demonstram raiva e vontade de
destruir. Não dá para entender.
— Isso é mais um motivo para nos cuidarmos e esperarmos até amanhã — insistiu
Rhodan. — Gucky, faça uma tentativa para o lado da estação. Deve haver pelo menos
uma pessoa dentro dela.
Gucky começou a trabalhar.
Enquanto isso Rhodan deu ordem para que a tripulação tirasse uma pausa para
descanso. Algumas sentinelas ficariam a postos.
As telas panorâmicas não mostravam nada de suspeito.
O sol desapareceu no horizonte.
— É isso mesmo — informou Gucky. — Ainda há uma pessoa na estação, mas não
se trata de uma grande luz. Mas também não é tão bobo como os outros. Apesar disso
também há algo de errado com seus pensamentos. Tenho a impressão de que está
balançando.
— Você poderia explicar melhor?
— Para usar uma expressão vulgar: ele está bêbedo.
Rhodan continuou a fazer perguntas.
— Você acredita que ele teve bastante inteligência para ligar a estação? Ou será que
isto foi feito por outra pessoa?
— É difícil saber. De qualquer maneira farei mais uma investigação em outra
direção.
— Descanse um pouco. Isso pode ficar para amanhã de manhã.
Do lado de fora já estava escuro. Mentro Kosum preferiu não ligar os faróis da
nave. Não queria que alguém que tivesse observado o pouso da nave ficasse nervoso.
Só as imediações da nave foram controladas ininterruptamente por meio de um
sensor infravermelho. Ninguém poderia aproximar-se da nave sem ser notado.
A noite passou sem incidentes.
Quando começou a clarear, o oficial de plantão na sala de comando olhou
estupefato para a tela panorâmica. O quadro com que deparou era tão incrível e grotesco
que não quis acreditar no que estava vendo.
Figuras de quatro ou cinco metros de altura, finas como cipós e parecidos também
na forma, aproximavam-se balançando desajeitadamente. Não pareciam perigosas, mas
também não inspiravam muita confiança. Parecia que não se tratava de animais, mas de
plantas — mas quem poderia saber? De qualquer maneira se moviam.
O oficial achou melhor avisar o comandante.
Mentro Kosum não ficou muito contente por ter sido acordado tão cedo, mas
naturalmente o oficial de plantão só estava cumprindo seu dever. Mentro vira num
relatório secreto que em Hidden World existiam formas de vida muito estranhas, ao
menos quanto à flora. Por isso não se surpreendeu com a notícia alarmante e prometeu
estar na sala de comando quanto antes. Enquanto isso não se faria nada sem que ele
soubesse.
Kosum lavou-se calmamente, mudou de roupa e tomou o elevador. Quando entrou
na grande sala de comando, lançou um olhar para a tela panorâmica.
— Ainda chegaram outras — disse o oficial. — Seu número aumenta cada vez
mais. Será que planejam um ataque?
— Não acredito, tenente. São plantas inofensivas. Nem sei o que estão querendo.
Talvez se aproximem por curiosidade.
Rhodan e Atlan, que depois de algum tempo também, chegaram à sala de comando,
foram mais ou menos da mesma opinião. Mas Joak Cascal achava que se devia esquentá-
los com uma arma térmica.
Dali a duas horas Rhodan resolveu sair da nave para dirigir-se à estação abandonada
e cuidar dos colonos.
Atlan, Ras Tschubai e Gucky foram com ele.
Usavam trajes de combate leves sem equipamentos de oxigênio. Suas armas
consistiam em armas portáteis reguláveis. Rhodan recomendou ajustá-las na intensidade
mínima, para que ninguém fosse morto.
Os grampos corredores já tinham atingido a nave. Reuniram-se em grupos
compactos em tomo das colunas de sustentação telescópicas e subiram por elas em forma
de trepadeiras. Agarraram as travessas metálicas com os galhos secundários e apalparam-
nas com as cabeças de sucção.
— Acabam devorando a nave — disse Gucky preocupado. — Quer que lhes dê um
susto?
— Sim. Mostre-lhes como você é — exclamou Atlan bem-humorado.
Gucky quis dar uma resposta sarcástica, mas calou-se. Parecia estupefata. Uma das
plantas notara as quatro pessoas que tinham descido da nave e veio lentamente em sua
direção.
— Não se mexam — disse Rhodan. — Elas têm de verificar se somos inofensivos.
Depois nos deixarão em paz.
— Como faremos para saber se elas são inofensivas? — quis saber Gucky.
O grampo corredor hesitou um instante quando tinha chegado mais perto, mas
acabou escolhendo o rato-castor.
— Fique quieto! — alertou Rhodan com a voz abafada. — Deixe que ela o
examine.
Gucky ficou imóvel e num gesto de heroísmo deixou que os galhos em forma de
serpente o envolvessem. Não se sentia muito à vontade, mas confiava nos três
companheiros que observavam tudo com muito interesse.
As cabeças de sucção não ficaram presas no tecido da roupa de Gucky. Felizmente a
planta não teve a ideia de apalpar o rosto de Gucky. Depois de uma inspeção meticulosa
os galhos moles como borracha soltaram Gucky e o grampo corredor voltou para junto
dos outros.
— Caramba! — disse Gucky aliviado. Que sensação esquisita!
— Felizmente já sabemos que suas intenções não são hostis — observou Atlan
satisfeito.
— Sem dúvida. Tanto que ainda estou vivo — piou Gucky indignado.
Os outros grampos corredores não se interessaram mais por Gucky e seus
companheiros. Rhodan usou o telecomunicador para entrar em contato com Mentro
Kosum, que continuava na nave.
— As plantas são inofensivas. Vamos dar uma olhada por aí. Enquanto isso prepare
um planador para nós. Manteremos contato.
Quando chegaram perto da borda da cratera, a quinhentos metros da nave,
descobriram a entrada duma galeria subterrânea. Quando ainda se aproximavam, de
repente saíram correndo duas dezenas de homens. Sacudiam barras de ferro e marretas.
Não pareciam nem um pouco pacatos.
Rhodan parou.
— Esperem! Não atirem!
Tentaram em vão encontrar um lugar onde pudessem abrigar-se, mas não havia
rochas nem buracos no chão. Quando os atacantes ainda estavam a cem metros foram
atiradas as primeiras pedras.
— Vou esquentar o pelo desses caras! — exclamou Gucky furioso e não ligou para
o gesto negativo de Atlan. — Quero vê-los pular.
E Gucky realmente viu.
O efeito paralisante das armas era pouco intenso. Mas foi o suficiente para deter o
ataque por algum tempo, permitindo que Rhodan gritasse algumas palavras para os
atacantes.
— Que querem de nós? Viemos para ajudá-los.
— Espíritos maus! — gritou um deles em tom furioso. — Voltem ao lugar de onde
vieram.
— Precisamos saber o que aconteceu em Hidden World.
— Vão embora. Não queremos vocês aqui.
O grupo voltou ao ataque. Desta vez parecia mais furioso e decidido que da
primeira vez. Correram cinquenta metros e arremessaram suas armas primitivas. Tiveram
boa pontaria. Gucky teve de fazer um grande esforço para desviar-se de uma lança. O
rato-castor segurou telecineticamente a que veio depois e desviou-a de tal maneira que
atingiu a cabeça do homem que a tinha arremessado.
Mas os outros continuaram avançando obstinadamente.
— Ligar armas energéticas para o efeito narcotizante! — ordenou Rhodan e atirou
para dentro do grupo de atacantes.
Os que foram atingidos caíram e ficaram deitados, inconscientes. Dormiriam pelo
menos durante uma hora.
Dentro de alguns segundos tudo passou.
— Um deles até tem um fuzil energético do tipo usado pela USO — constatou Ras
Tschubai. — Será que foi tirado da estação?
— Sem dúvida, Ras. Vamos dar uma olhada no corredor?
Gucky estava parado na entrada, olhando para dentro.
— Recebo impulsos mentais. São bem fracos e tenho certeza de que vêm de longe.
São de um homem que sente dores e está quase inconsciente. Pensa na estação e numa
nave — talvez seja a Good Hope. Parece bem sensato, mas tenho a impressão de que está
ferido.
— Pode determinar sua posição?
— É claro que posso. Quer que vá buscá-lo?
— Não se exponha ao perigo sem necessidade — disse Rhodan. — É possível que
haja mais colonos que queiram atacar-nos.
— Nós lhes daremos uma lição. Não tenha a menor dúvida.
Antes que Rhodan pudesse dizer mais uma única palavra, Gucky desmaterializou.
Atlan apontou para a nave.
— Acho que vamos esperar por ele lá dentro — disse em tom enfático. — Quando
estes homens acordarem, teremos mais problemas.
— Muito bem. Vamos pegar o planador para dar uma olhada na estação.
Os homens voltaram à Good Hope II sem terem descoberto nada de concreto.
***
Gucky rematerializou bem perto dos impulsos mentais por ele detectados, no
interior dum recinto mergulhado na penumbra. Inspirou cuidadosamente e chegou à
conclusão de que o ar era surpreendentemente fresco. As instalações automáticas da
povoação subterrânea ainda estavam funcionando.
O homem que procurava devia estar bem perto, mas os impulsos mentais muito
débeis eram um sinal de que estava inconsciente.
Aos poucos os olhos de Gucky foram se acostumando à penumbra. Estava numa
sala quase retangular de paredes nuas. Não havia instalações ou móveis que pudessem dar
uma ideia da finalidade do recinto.
O homem que procurava estava deitado do outro lado. Parecia estar ferido.
Gucky foi para perto dele, abaixou-se e examinou-o. Havia uma ferida na coxa que
sangrava bastante. Na cabeça do desconhecido aparecia um gigantesco hematoma.
O rato-castor fez o curativo da ferida na perna o melhor que pôde. Quando
finalmente resolveu teleportar com o desconhecido para a Good Hope, este acordou.
Encarou Gucky com uma expressão de espanto.
— A nave! Eles querem chegar à nave!
— Fique bem quieto! — disse Gucky. — O senhor está ferido. Vou entregá-lo a
nossos médicos, que cuidarão do senhor. Quem é o senhor?
— Sou o primeiro cavador, Flinder Tex Gruppa.
— Foi o senhor que transmitiu o pedido de socorro da estação?
— Fui eu, sim.
— E os homens da USO?
— Morreram esmagados por rochas.
Gucky leu os pensamentos de Flinder e chegou à conclusão de que ele dizia a
verdade. Não havia motivo para desconfiar dele. Flinder parecia ser o único homem de
juízo no planeta enlouquecido.
— Muito bem. Vou levá-lo à nave. Rhodan certamente gostaria de fazer algumas
perguntas e...
— Perry Rhodan? — Flinder ergueu-se abruptamente, mas logo caiu para trás
gemendo. — Rhodan está aqui? — Tex fitou Gucky. — Quer dizer que o senhor é?...
— Isso mesmo. Meu nome é Gucky. Já ouviu falar de mim?
— Quem não ouviu? Se bem que... — Flinder esboçou um sorriso — ...se bem que
em Hidden World vivemos bastante isolados.
Gucky segurou as mãos do ferido.
— Preste muita atenção, Flinder. Vamos dar um salto. O senhor não precisa fazer
nada. O que é mais importante, não precisa ter medo. Levaremos menos de um segundo
para chegar à nave.
— Por teleportação?
— Perfeitamente, meu caro. Então...?
— Pronto! — disse Flinder em tom corajoso.
Gucky fixou-se na concentração de impulsos mentais vinda da Good Hope. Num
caso destes não tinha nenhuma dificuldade em fixar a posição.
Em seguida usou sua faculdade e...
Nada!
Não aconteceu absolutamente nada.
Perturbado e tomado pelo pânico, Gucky tentou de novo. Não conseguiu.
Não podia teleportar mais.
— Que houve? — perguntou Flinder preocupado. — Não está dando certo?
— Não compreendo. Aqui não existem campos energéticos nem pára-armadilhas.
Mas deve haver alguma coisa que me impede de teleportar. Alguma coisa que atua na
quinta dimensão. Mas tudo bem. Mesmo sem teleportar daremos um jeito. A telepatia
ainda está funcionando, embora também esteja sujeita às influências da quinta dimensão.
O senhor é capaz de levantar?
Flinder cerrou os dentes e tentou. Perdera muito sangue pela ferida na coxa, mas
apesar da fraqueza conseguiu levantar sozinho. Ensaiou alguns passos.
— Darei um jeito. A poucas centenas de metros daqui existe um painel de controle
das esteiras transportadoras. Podemos usar uma delas para chegar à cratera onde pousou a
nave.
— Muito bem. Então vamos lá...
Durante a marcha difícil pela galeria de ligação, Gucky tentou entrar em contato
com Fellmer Lloyd. Quando finalmente conseguiu, já tinham chegado à esteira
transportadora. Gucky pediu a Fellmer que mantivesse contato mental com ele.
Ajudou Flinder a manipular os controles e ligar as esteiras. O ferido usou as forças
que ainda lhe restavam para subir nela e explicou ao rato-castor como devia fazer para
ligá-la.
Gucky ligou a esteira e saltou depois de tomar um ligeiro impulso. Rastejou para
onde estava Flinder.
— Avise-me quando chegarmos.
— Vai demorar quase uma hora.
— Pois trate de dormir. Enquanto isso avisarei o comandante da nave.
Flinder acenou com a cabeça e fechou os olhos. Dali a pouco sua respiração regular
mostrou que adormecera de tão exausto que estava.
O funcionamento do telecomunicador era tão precário que Gucky não conseguiu
uma ligação razoável com a nave. Por isso voltou a estabelecer contato com Fellmer
Lloyd. Informou-o sobre o que tinha acontecido. Pediu ao telepata que providenciasse
para que um grupo de resgate os esperasse com uma maca antigravitacional na entrada da
galeria.
Fellmer prometeu cuidar disso, mas alertou Gucky de que ainda havia problemas
com os colonos. Um grupo estava deitado na entrada da galeria. Fora narcotizado, mas
estava recuperando os sentidos.
Pretendia-se aguardar para ver o que fariam.
Rhodan, Atlan e Ras Tschubai estavam entrando num planador para dirigir-se à
estação da USO. Fellmer prometeu informá-los pelo telecomunicador a respeito da
aventura de Gucky. Dessa forma Rhodan finalmente saberia quem expedira a mensagem
de rádio.
Depois de interromper o contato telepático Gucky certificou-se de que Flinder
estava confortavelmente deitado e que dormia. A esteira larga deslizava lentamente pela
galeria. Estava escuro.
Gucky enrolou-se e cochilou.
Tentou descobrir em vão por que não podia teleportar mais.
***
Quando os colonos narcotizados recuperaram os sentidos, receberam um reforço
que não esperavam. Cerca de quarenta homens saíram da galeria. Estavam todos armados
e dispostos a não recuar diante de nada. Felizmente já não eram capazes de elaborar um
bom plano. Acreditavam poder atacar a nave com barras, pás e outras ferramentas.
Depois de uma ligeira discussão, que parecia antes com o vozerio de um bando de
macacos, os homens do primeiro grupo pegaram suas armas e juntaram-se ao segundo
grupo.
Dirigiram-se à nave, que ficava a menos de quinhentos metros dali.
***
Mentro Kosum viu-os chegarem, mas o ataque não o pegou de surpresa. O centro de
artilharia da Good Hope estava preparado.
Os grampos corredores já se tinham retirado. Pareciam decepcionados enquanto se
dirigiam balançando à borda da cratera para desaparecer entre as rochas. Provavelmente
pensavam que a nave esférica fosse um repolho gigante muito saboroso.
Naturalmente os colonos não podiam causar maiores estragos à nave, mas até
avarias ligeiras nas colunas de sustentação podiam exigir reparos que consumiriam
bastante tempo. Além disso esses tipos obstinados deviam aprender de uma vez por todas
que não podiam atacar sem motivo uma nave da Frota Solar sem ser punidos por isso.
O canhão narcotizante foi apontado para os homens que avançavam furiosamente.
Mentro Kosum deu ordem de abrir fogo. Os feixes energéticos invisíveis foram atingindo
um colono após outro, paralisando seu sistema nervoso e deixando-os inconscientes sem
deixá-los feridos.
Joak Cascal, que acompanhava tudo pela tela panorâmica, disse:
— Primeiro as árvores de borracha andando e agora os colonos enlouquecidos.
Estou curioso para ver o que ainda encontraremos neste mundo. O que vai acontecer
quando eles acordarem?
— Nada — respondeu Kosum. — Se forem bastante tolos para isso, levantarão e
continuarão correndo. Aí receberão outra lição. Mas é possível que tenham aprendido
com a experiência. Nesse caso desistirão de sua ideia absurda e talvez se disponham a
conversar conosco.
Fellmer Lloyd entrou na sala de comando.
— Estou novamente em contato com Gucky. Ele e o homem ferido chegaram perto
da entrada da galeria. Será que não está na hora de enviar o grupo de resgate?
— Encarregue-se disso, Cascal. Traga Gucky e o tal do Flinder.
Joak Cascal foi à eclusa, onde o médico e alguns enfermeiros já estavam à sua
espera com uma maça antigravitacional. A escotilha foi aberta e o grupo saiu. Os campos
antigravitacionais que mantinham a maca suspensa no ar eram tão fortes que puderam
carregar todos.
O grupo pousou. Ainda não se via nenhum sinal de Gucky e do ferido. A entrada da
galeria era um buraco escuro. A qualquer momento podiam aparecer colonos nele para
expulsar a nave e os espíritos maus.
Fellmer Lloyd chamou pelo telecomunicador.
— Atenção, Cascal! Está chegando. Ajude-o.
— Qual é a distância?
— Está junto à entrada, a poucos metros do senhor.
Dali a instantes Cascal viu duas sombras — um homem que caminhava encurvado e
o rato-castor, que o apoiava da melhor maneira possível.
Os enfermeiros saltaram para perto deles. Só neste momento perceberam que
Flinder devia estar gravemente ferido. Só se aguentara tão bem porque a vontade de viver
era mais forte que as dores e a depressão. Mas quando viu a nave parada no interior da
cratera e os homens acorrendo para ajudá-lo, esta vontade o abandonou. Flinder desabou.
Foi colocado na maca que subiu imediatamente para levá-lo à nave.
Joak Cascal e Gucky ficaram para trás.
— Então, baixinho? Não pode teleportar mais?
— Pelo menos na caverna não foi possível. Mas quem sabe se agora vai dar certo?
— Dê-me a mão, grandalhão.
Os dois chegaram à nave antes do grupo que transportava o ferido.
Gucky estava perplexo.
— Mas não é...! Posso teleportar de novo! Como se explica isso?
— Talvez tenha sido por alguma espécie de radiações — disse Cascal quando
estavam entrando na eclusa. — Radiações subterrâneas.
Apesar da surpresa agradável que tivera ao perceber que sua faculdade só
desaparecera por algum tempo, o rato-castor não se deu por satisfeito com a explicação.
Até chegou a pensar em saltar de volta para a caverna na qual descobrira Flinder, mas
logo se lembrou da longa caminhada que teria de fazer se a teleportação falhasse de novo.
Preferiu não fazer a experiência, mas deu alguns saltos dentro da nave.
Tudo na mais perfeita ordem, constatou.
Flinder foi levado ao hospital, onde os médicos cuidaram dele imediatamente.
Diagnosticaram uma concussão cerebral. A ferida na coxa exigia uma operação.
Flinder foi despido. Seus pertences estavam numa cadeira. Gucky apareceu, curioso
para saber como estava passando seu protegido. Foi quando descobriu o colar com os
eupholithes coloridos e brilhantes.
— Para que serve isto? — perguntou ao médico, mas este não pôde dar nenhuma
informação.
Gucky pegou o colar e examinou-o cuidadosamente. Voltou a guardá-lo no mesmo
lugar. De repente seu estômago roncou. O médico fitou-o como quem quer perguntar
alguma coisa.
Gucky sorriu. Parecia embaraçado.
— Estou com fome — disse. — Cuidem bem do Glinder. Aparecerei mais tarde
para ver como está.
O rato-castor concentrou-se na teleportação.
Mais uma vez seu dom não funcionou.
Gucky ficou estupefato. Não compreendia mais nada. Toda vez que Flinder estava
perto dele não conseguia teleportar. Será que ele emitia uma radiação especial que
impedia a desmaterialização?
Gucky olhou para a corrente.
— Vou levá-la de volta — prometeu Gucky, pegou-o e saiu.
Bastaram duas ou três experiências para encontrar a solução do enigma.
Eram os eupholithes que davam toda essa dor de cabeça a Gucky.
Mais tarde isso seria confirmado por novas investigações científicas.
As pedras presas no colar abafavam os impulsos individuais das pessoas que
chegavam perto delas. Impediam a teleportação. Além disso verificou-se que o colar
evitara que Flinder fosse atingido pelo processo de deterioração mental. Tomara-se imune
e não precisaria mais dele. Talvez a peça lhe tivesse salvo a vida sem que ele soubesse.
Mas não havia dúvida de que fora graças a ele que conseguira transmitir o pedido de
socorro.
Gucky levou a corrente de volta ao hospital, onde já fora iniciada a operação.
Voltou ao corredor e parou depois de ter andado dez metros.
Teleportou sem problemas para a sala de comando, onde fez uma ligação de
telecomunicador com Rhodan e seus companheiros.
5
No dia seguinte Icho Tolot comunicou a Rhodan e todos que queriam ouvi-lo que se
sentia bem e perfeitamente normal. Mas por causa de sua alegria as palavras foram ditas
em voz tão alta que puderam ser ouvidas em toda a nave. Um oficial supernervoso quis
dar o alarme, porque acreditava que animais selvagens tinham invadido a Good Hope
para devorar a tripulação. O mal-entendido só foi esclarecido no último instante.
Atlan pegou o colar com os eupholithes.
Flinder já estava de pé de novo. Tentara juntamente com Rhodan e alguns oficiais
chamar os colonos à razão, mas não conseguira. Não havia quem convencesse essa gente
de que os forasteiros vindos do céu eram culpados de sua desgraça. Só podiam ter sido
eles que fizeram desabar suas cavernas e obstruíram várias galerias.
Outros grupos se tinham entrincheirado junto à cratera. Não se atreviam a lançar um
ataque frontal contra a Good Hope, porque ainda não se tinham esquecido da lição
recebida.
Mas de repente chegou outra nave.
Pousou na cratera, a menos de duzentos metros da Good Hope. Era um veículo
espacial esférico de sessenta metros de diâmetro que ostentava o nome Trader.
Os espíritos maus estavam recebendo reforços.
Numa súbita decisão, os colonos prepararam-se para o ataque.
Hershell Anders parecia ter recuperado um pouco de sua inteligência. De forma
quase imperceptível foi absorvendo as impressões, ia aprendendo e conseguiu raciocinar.
Naturalmente não voltara ao QI normal, mas já se podia falar com ele. Compreendia o
que tinha acontecido.
— Tentarei explicar-lhes o que houve — disse e apontou para a tela que mostrava
os colonos se agrupando. — Querem atacar a nave que acaba de pousar.
— Sentas possui armas narcotizantes — respondeu Rhodan. — Poderá defender-se.
Acho bom que os próprios colonos percebam que a outra nave também dispõe de
recursos para repelir seus ataques. Desta forma se cuidarão melhor daqui em diante. Mas
de qualquer maneira fico muito grato pela oferta. Talvez ainda recorra ao senhor, pelo
menos em relação ao pessoal que se reúne lá em cima, em tomo da estação.
Gucky parecia ser o único que se divertia com a situação. Flinder mal se recuperara,
quando Gucky o convenceu a fazer uma excursão nas galerias subterrâneas. Queria ver a
cidade dos cupins e agora que Flinder já não usava o colar podia teleportar a qualquer
momento e para onde quisesse.
Rhodan não fez nenhuma objeção.
Flinder, que estava na plena posse de suas faculdades mentais, queria tirar todo o
proveito possível da situação. Não era todos os dias que se arranjava um teleportador para
ajudar a gente. Com ele podia-se chegar até às galerias obstruídas e a corredores ainda
não descobertos sem expor-se a qualquer perigo.
Gucky naturalmente leu os pensamentos do primeiro cavador e resolveu agir de
acordo. Teria muito cuidado. Se materializassem numa caverna afastada onde houvesse
eupholithes, não poderia teleportar mais. Ficariam irremediavelmente presos.
Mas apesar de todo o cuidado Gucky sofreu uma repreensão.
Os dois teleportaram para trás das posições dos colonos. Flinder conhecia uma
entrada semi-obstruída que pretendiam usar. Gucky exigira que não se teleportasse
sempre. Para ter uma ventura de verdade era necessário andar a pé, caminhar, rastejar por
galerias apertadas e queimar as gorduras supérfluas.
E dessas gorduras Gucky possuía uma boa quantidade, como viviam lhe dizendo.
Estavam de pé junto à entrada da galeria, muito bem camuflada por alguns arbustos
ambulantes e blocos de pedra.
— Quer dizer que tenho de entrar neste buraco?
— Você não queria andar a pé? — lembrou Flinder com uma ponta de ironia. —
Mas não se preocupe. Depois de alguns metros o corredor fica mais largo. Poderemos
andar de pé. Eu conheço. Conheço esta galeria.
— Para onde leva?
— Para a cidade dos cupins.
Os dois entraram no buraco de quatro. Depois de alguns metros a previsão de
Flinder se confirmou. Puderam caminhar de pé. Gucky trouxera uma lâmpada forte. Não
estava com vontade de bater com a cabeça na escuridão.
— Sempre me interessei pelos cupins. Aliás, interesso-me por todos os insetos. Em
minha opinião alcançaram certo grau de inteligência em todas as partes da galáxia. Sem
dúvida são os próximos candidatos ao governo do universo, depois dos humanóides.
Flinder não estava acreditando muito.
— Não são inteligentes de verdade. Só possuem certo instinto, se me permite que
use esta palavra. Ficam unidos e cuidam da perpetuação de sua espécie. Isto não tem
muita coisa a ver com uma verdadeira inteligência.
— Quando você me falou a respeito de certa cidade sua opinião não parecia ser
esta.
— Espere até chegarmos lá.
Caminharam pelo menos uma hora. De repente Gucky parou.
— Quanto falta?
— Dez quilômetros, contando a volta que daremos.
— Que volta?
Flinder sentou numa pedra.
— Esta galeria não está diretamente ligada às outras. Faz uma curva que temos de
acompanhar. Por isso fica tão longe.
Gucky fungava.
— Muito bem. Se é assim teleportaremos. Você seria capaz de dar uma descrição
exata da situação? Preciso conhecer a direção e a distância.
Flinder esforçou-se o mais que pôde. Finalmente conseguiu convencer Gucky de
que tudo tinha de dar certo. O rato-castor concentrou-se no ponto indicado e os dois
desmaterializaram.
Saíram bem no centro da cidade dos cupins.
Entusiasmados com o resultado, a primeira coisa que fizeram foi inspecionar as
instalações subterrâneas e defender-se de um ataque dos besouros médios. Gucky ficou
muito admirado com a arquitetura dos cupins. Não compreendia que os besouros
estúpidos tivessem sobrevivido a eles.
— Só pensam em comer — opinou Flinder. — Talvez seja por isso que ainda estão
vivos.
Gucky acenou com a cabeça.
— Você deve ter razão. Mas seja franco. Você traz uma ideia nas profundezas do
subconsciente. Que bobagem de rainha é essa?
Flinder percebeu que fora descoberto. Era impossível esconder seus segredos de um
telepata. Começou a falar em tom hesitante, explicando ao rato-castor o que havia com os
restos mortais de uma rainha de cupins.
— Então é isso! — Gucky pôs-se a refletir. Afinal, todos deviam muito ao primeiro
cavador. — Deixe-me pensar. Depois que me afastei dez metros de seu colar, consegui
teleportar de novo. Quer dizer que se encontrarmos uma rainha e o bicho emitir seus
raios, não poderei teleportar. Mas se me afastar dez metros do lugar, a coisa volta a
funcionar. Quer dizer que no fundo não assumiríamos nenhum risco se quiséssemos
tentar. Ou será que assumiríamos?
— É claro que não — concordou Flinder entusiasmado. — Não pode acontecer
nada. Preste atenção. Tenho minhas ideias. A única rainha descoberta em Hidden World
estava naquele corredor. — Flinder apontou para a parede oposta. — Não se encontrava
no lugar que costumamos chamar de cemitério. Parece que as rainhas eram uma exceção.
— Vamos dar uma olhada — sugeriu Gucky.
Os dois desviaram-se de alguns besouros agressivos, que ainda não tinham desistido
da esperança de uma boa refeição. Flinder parou à frente de um paredão liso.
— É atrás deste paredão — disse.
— Atrás? Como os cupins atravessaram a rocha?
— A rocha foi colocada depois. Além disso eram capazes de perfurar camadas de
pedra. Deviam possuir mandíbulas de aço.
— Hum. Quer dizer que teremos de teleportar através da rocha, o que não seria
nenhum problema, se eu soubesse onde fica o espaço oco. Não estou com vontade de
rematerializar em plena rocha.
— Isso pode ser calculado. Afinal, conheço os hábitos de um cupim moribundo. Na
horizontal e sempre em frente. Tentaremos por etapas.
Depois de quatro saltos, que terminaram em certo trecho da galeria fúnebre,
finalmente alcançaram o mausoléu propriamente dito. Assim que Gucky ligou a lâmpada,
Flinder soltou um grito de alegria. Descobrira a rainha bem no canto, quase encoberta
pelo deslizamento de terra.
— É a segunda rainha de cupins em Hidden World!
Flinder precipitou-se sobre ele e pôs-se a abrir a blindagem da barriga com uma
pedra. Gucky contemplou-o fascinado quando dali a pouco tirou os eupholithes coloridos
e os enfiou no bolso. Enquanto isso ficava murmurando alguma coisa, como se tivesse
pegado a febre do ouro.
Enquanto isso Gucky olhou em volta e logo percebeu que cometera um erro de
raciocínio.
A câmara mortuária tinha cerca de um metro de largura e quatro de comprimento.
Eram menos de dez metros.
O rato-castor sentou. Esperou que Flinder se acalmasse e chegasse perto dele.
— É uma descoberta sem igual, mais rentável ainda que a primeira. Gucky, eu lhe
agradeço. Como poderei recompensá-lo?
— Começando a cavar, meu chapa.
Flinder fitou-o como quem não tivesse compreendido.
— Cavar? Como?
— Com as mãos. Ou será que você me pode dizer como farei para afastar-me dez
metros dessas suas malditas pedras?
Flinder compreendeu logo.
— Podemos tentar. Se não for possível, você terá de avisar Fellmer Lloyd. Virão
tirar-nos daqui.
Flinder começou a trabalhar com uma disposição que só podia causar a admiração
de Gucky. O corredor pelo qual se podia voltar à cidade só estava obstruído por massas
de terra, mas felizmente não era de rocha natural. Nos últimos dez mil anos houvera
certas mudanças. Os terremotos e os movimentos tectônicos tinham contribuído para que
Flinder fosse punido pela ganância. Gucky ajudava-o de vez em quando, para aliviá-lo,
mas principalmente porque não queria levar uma bronca de Rhodan.
Depois de três horas de trabalho duro finalmente conseguiram.
Mas aí apareceu outro problema.
— Se você levar as pedras não poderemos teleportar, meu chapa. Leve-as de volta à
rainha morta para que fiquemos a dez metros de distância.
— Quer que deixe estes belos eupholithes?
— Só se quiser. Se não quiser, volte sozinho para junto da rainha e eu sairei daqui.
Não adiantava discutir.
Só havia uma possibilidade, a não ser que Flinder quisesse ficar enterrado vivo. Era
verdade que com um esforço tremendo conseguiria avançar pelo corredor obstruído, mas
se encontrasse massas de rocha pela frente estaria perdido.
A decisão só podia ser uma.
— Está bem. Seja o que você quiser. Mas ainda voltarei para buscar as pedras.
Atlan diz que precisaremos de muito eupholithe. Principalmente daquele que pertencia às
rainhas. Não sei o que quer dizer com isso, mas já sei onde procurar.
— Espero você aqui — prometeu Gucky.
— Flinder voltou rastejando à câmara mortuária e pegou as pedras coloridas
brilhantes que tinha guardado no bolso. Empilhou-as cuidadosamente ao lado do
esqueleto da rainha e voltou para junto do rato-castor.
— Lá atrás há uma fortuna — disse amargurado.
— Se você estiver morto ela não lhe servirá para nada — consolou-o o ilt.
Em seguida segurou a mão de Flinder, concentrou-se no pavilhão da cidade dos
cupins — e teleportou.
Não foi um salto perfeito.
Rematerializaram cinco metros acima do chão rochoso. Como não estavam
preparados, sofreram uma queda violenta. Gucky esfregou as canelas.
— Que foi isso? Não compreendo. Se conheço oticamente o destino, sempre dá
certo. — Depois de lançar um olhar penetrante para Flinder, prosseguiu. — Como é? Não
tem nada a dizer?
Flinder esfregou as juntas doloridas.
— Tudo por causa duma pedrinha...! Eu não sabia.
— Deixe-me ver! — disse Gucky zangado.
Flinder enfiou a mão no bolso e tirou um eupholithe mais colorido que os outros.
Gucky pegou-o.
— Esta pedra poderia ter-nos custado a vida, seu leviano! Por que resolveu levá-lo?
Não vai ficar mais rico por causa dela.
— Levei por levar — respondeu Flinder.
Gucky tomou impulso e atirou a pedra para o meio de uma horda de besouros
canibais.
— Vai buscá-la. Se fizer isso, prepare-se para voltar à nave a pé. Porque me
despedirei de você exatamente dentro de dez segundos. Então...?
Flinder segurou a mão de Gucky.
— Não estou muito disposto a andar — disse.
Gucky teleportou de volta para a Good Hope.
***
Lark Sentas saiu da nave depois que Rhodan lhe deu permissão. Trancara seu
imediato na cantina, com os outros. Não queria arriscar-se. Usara a arma narcotizante
para defender-se dos ataques dos colonos. Os homens ainda estavam deitados no chão,
inconscientes, nas mais diversas posições.
Rhodan cumprimentou-o num misto de cortesia e curiosidade.
No primeiro encontro, ao qual Atlan esteve presente, ficou-se sabendo por que
Sentas não fora atingido pela deterioração mental. Usava um eupholithe como talismã.
Parecia que a teoria de Atlan se confirmara.
A bordo da nave de Sentas havia mantimentos para muitos meses. Rhodan
recomendou que ficasse em Hidden World, para aguardar os acontecimentos. Devia
entrar em contato com Flinder e revezá-lo no serviço da USO.
Sentas ficou apavorado quando descobriu a causa de tudo isso. Era bem
compreensível que fizesse uma pergunta.
— O Enxame! Eu o vi. Em que consiste? Em naves dirigidas por seres que não
conhecemos? Querem destruir-nos? De onde vieram?
Rhodan e Atlan fizeram um gesto de resignação.
— Não sabemos, Sentas — respondeu Atlan. — Por enquanto não sabemos
absolutamente nada. Contamos o que chegou ao nosso conhecimento. O Império Solar
como nós o conhecemos não existe mais. A maior parte da humanidade foi atingida pelo
processo de deterioração mental. A ordem estabelecida desmoronou-se. Por enquanto
estamos indefesos diante do desconhecido que nos atinge. Existe um velho provérbio
terrano, Sentas, que diz: Contra a estupidez até os deuses lutam em vão. É bem verdade
que quem fez este provérbio se referia à estupidez com que nascem certas pessoas, mas
agora nos defrontamos com uma estupidez provocada. Talvez seja uma radiação que
afeta os cérebros. Nem sequer sabemos se esta radiação é espalhada em nossa galáxia de
propósito ou involuntariamente.
— Quer dizer que, resumindo, o inimigo é desconhecido?
— Não o conhecemos e não sabemos se um dia poremos os olhos nele. Nem sequer
sabemos se o inimigo existe. É possível que os desconhecidos nem saibam que estrago
estão causando. O importante é sobrevivermos — e o senhor poderá contribuir para isso,
Sentas. Cuide da estação da USO com Flinder e deixe que seu pessoal saia da nave.
Talvez façam as pazes com os colonos.
Sentas suspirou.
— Quem dera que eu pudesse jogá-los fora e decolar. Se ficar sozinho, levarei a
Trader a qualquer lugar da Via-Láctea.
Rhodan fitou-o com uma expressão indagadora.
— O que vai fazer lá? Acha que as coisas são diferentes daqui? Trata-se de uma
catástrofe universal. É incompreensível e suas proporções não podem ser avaliadas. Acha
que pode escapar dela?
Sentas ficou embaraçado.
— Desculpe, foi somente uma ideia. Uma ideia tola.
— Tola não, mas irrefletida. Quer dizer que o senhor fará o que foi combinado?
— Naturalmente, senhor.
***
Antes de decolar, recapitularam os fatos.
Estavam na pequena sala de reuniões da Good Hope — Rhodan, Atlan, Cascal,
Saedelaere, os mutantes, alguns cientistas e o comandante Mentro Kosum.
Sentas e Flinder tinham comparecido como convidados, da mesma forma que
Hershell.
— Por enquanto não existe nenhuma esperança de que as condições em Hidden
World ou em qualquer outro lugar se normalizem — principiou Rhodan depois que
tinham discutido o assunto. — Flinder continua como chefe da colônia. Hershell e Sentas
serão seus assistentes. Três homens normais para um mundo tão escassamente povoado
— é mais do que poderíamos esperar. No que diz respeito à Good Hope e sua tripulação,
daqui em diante teremos de cuidar-nos melhor. Tivemos sorte, uma vez que em Hidden
World não enfrentamos nenhum perigo grave. Mas em outros mundos pode ser diferente,
porque lá existem armas.
— Quanto à estação da USO — prosseguiu Atlan — sabemos quais são as tarefas
que deverá desempenhar. Por enquanto não se pode contar com um revezamento por
homens regularmente treinados. Sempre que houver uma indagação sensata, deverão
fornecer os dados disponíveis a respeito do Enxame. O pouso de naves deve ser
impedido, a não ser que se trate de naves cargueiras à procura de socorro ou unidades
militares comandadas por alguém que tenha ficado normal. Ainda não pudemos
interpretar todas as gravações que fizemos. É bem possível que delas possamos extrair
informações muito úteis. A colônia Hidden World fará o possível para arranjar-se sem
nenhuma ajuda de fora. Logo, terá de tomar-se independente em matéria de fornecimento
de energia e alimentos. Pode demorar muitos anos até que apareça uma nave para trazer
abastecimentos. A extração dos eupholithes e do óleo deverá prosseguir. Flinder fica
encarregado disto. — Atlan sentou. — Era só o que eu queria dizer. Tenho certeza de que
Flinder, Anders e Sentas cumprirão seu dever.
O comandante da Good Hope, Mentro Kosum, levantou a mão. Rhodan fez um
gesto para que falasse.
— Que foi?
— A rota, senhor. Ainda não recebi as instruções.
— Resolvemos fazer mais uma experiência. Desta vez nos dirigiremos a um planeta
que fica à frente do Enxame — isto é, a um mundo que em termos relativistas ainda não
foi atingido por seus efeitos. Sei que se poderia objetar que a Terra poderia servir de
exemplo, mas sou de opinião que nunca saberemos bastante. Os dados lhe serão
fornecidos depois que tivermos examinado o respectivo mapa setorial. Mais algumas
perguntas?
Flinder teve uma.
— O que faremos com os eupholithes que forem extraídos daqui em diante se não
aparecer ninguém para levá-los? Onde deverão ser guardados?
— Armazenem-nos num lugar seguro, Flinder. De preferência na estação da USO.
Façam tudo para que os colonos recuperem o juízo. Entreguem-lhes mantimentos em
troca de eupholithes.
— E uma garrafa de cachaça, se trouxerem uma rainha — exclamou Hershell
Anders entusiasmado. Sobressaltou-se e fez cara de espanto: — É melhor não fazer isso.
Era um sinal evidente de que sua inteligência voltara ao normal.
Gucky estava sentado num lugar mais afastado. Não disse uma palavra. Só
estremeceu ligeiramente quando Hershell se referiu à rainha dos cupins.
***
A Good Hope decolou dali a dois dias, em 28-7-3.441.
Hidden World, o mundo do pavor, mas também um mundo em que reinava uma paz
relativa, ficou para trás. Talvez Flinder conseguisse convencer os colonos a voltar ao
trabalho, talvez não. De qualquer maneira a Trader seria vigiada ininterruptamente por
um dos três homens. Representava a única possibilidade de sair do planeta.
— Aprendemos alguma coisa? — perguntou Atlan quando Rubi ômega voltara a ser
apenas uma estrela vermelha.
— Aprendemos muita coisa — respondeu Rhodan. — Tão depressa não voltaremos
a pousar num planeta desconhecido. Enviaremos pequenos comandos para fazer um
reconhecimento. Uma nave grande causa alvoroço e cria confusão entre os habitantes.
Aqui ainda tivemos sorte, mas as coisas poderiam ter sido diferentes. De qualquer
maneira colhemos algumas informações. Logo, valeu a pena assumir o risco.
Depois da primeira etapa linear viram de novo o Enxame.
Cobria uma distância de vários anos-luz e parecia deslocar-se com uma lentidão
incrível à frente da massa de estrelas. A direção parecia ter mudado um pouco. Atlan deu
algumas instruções ligeiras ao oficial navegador.
Esperaram.
Finalmente veio o resultado.
O Enxame seguia em direção à Via-Láctea propriamente dita.
Estava entrando nela.
Rhodan deu ordem para que fosse preparada a segunda etapa, que levaria a Good
Hope mais um pedaço para a frente.
Para a frente do Enxame...
***
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cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1