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(P-534)

O DEMÔNIO
NEGRO

Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários do planeta Terra e dos outros planetas
da humanidade registram os últimos dias do mês de abril do
ano 3.442.
Perry Rhodan e os outros terranos não atingidos pela
deterioração mental de âmbito galáctico, ou que não o são
mais — seu número, embora já tenha crescido para alguns
milhares, é insignificante em comparação com os bilhões de
seres atingidos — enfrentam uma série de tarefas quase
insolúveis por causa da falta aguda de colaboradores
qualificados.
Perry e seus companheiros tentam encontrar meios de
impedir o desastroso avanço do “Enxame” pela galáxia;
fazem o possível para aliviar o sofrimento na Terra e nos
outros mundos habitados; preocupam-se com o Império
Secreto, cuja existência parece representar de certa forma
mais uma ameaça; e tentam mobilizar as pessoas ainda não
atingidas na Galáxia.
Apesar da dificuldade dessas missões e das resistências
encontradas, já foram conseguidos consideráveis êxitos
parciais. E parece que mais um sucesso está para ser
alcançado na confrontação com o “Enxame”.
Uma espaçonave da Quinta Coluna, que conseguiu
fazer a travessia, voa para o mundo dos degenerados e entra
em luta. O inimigo do grupo-tarefa terrano é o Demônio
Negro...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Alaska Saedelaere — Chefe da expedição da Gevari.
Mentro Kosum — Piloto da Gevari.
Blazon Alfa e Blazon Beta — Dois irmãos desiguais.
Gucky, Ribald Corello, Merkosh e Balton Wyt — Mutantes
que viajam a bordo da Gevari.
Magallion — O Demônio Negro.
1
A capacidade de liderança de Saedelaere não era notada à primeira vista. Pelo
contrário. Alguém que visse o homem lesado por um transmissor pela primeira vez
poderia perfeitamente achar que se tratava de um homem indefeso que falava
desajeitadamente e movia o corpo magro devagar demais. Pessoas com mais senso
psicológico talvez percebessem que as qualidades desse homem se manifestavam nas
situações difíceis, que só vinham à tona quando a situação o exigia.
Aí o jeito discreto, quase tímido desse homem era substituído por uma firmeza
objetiva.
Mentro Kosum, que sabia avaliar o homem que usava uma máscara de plástico, se
perguntou se Saedelaere encararia o quadro que se oferecia na superfície do planeta
Casulo com a mesma indiferença que costumava mostrar ao entrar em contato com coisas
misteriosas.
Fazia alguns minutos que a Gevari entrara numa órbita ampla em torno do planeta
Casulo.
Kosum recapitulou o que se sabia a respeito desse mundo. Os dados conhecidos
provinham do voo de reconhecimento realizado há dois dias por Balton Wyt, Merkosh e
os irmãos Blazon, a partir de Praspa IV, com as lentes voadoras da Gevari.
Essa expedição só fora bem-sucedida em parte, uma vez que duas das lentes
voadoras tinham caído no planeta Casulo por causa de energias desconhecidas. Seus
pilotos tinham-se mudado para as outras lentes voadoras. Os quatro tripulantes tinham
voltado para Praspa IV sãos e salvos.
A interpretação dos resultados colhidos durante a expedição demorara dezesseis
horas. Foi extremamente difícil realizar cálculos exatos, por causa das fortes radiações
emitidas pelos trilhos energéticos que envolviam o planeta Casulo que nem uma rede.
Mas sabia-se alguma coisa. O planeta Casulo, que os seres aquáticos de Praspa IV
costumavam chamar de mundo dos degenerados, era pouco maior que a Terra. Fazia
muito calor no planeta; as temperaturas médias chegavam a oitenta graus centígrados
positivos. Cada movimento de rotação do planeta durava 22,7 horas e sua gravidade era
um pouco superior à da Terra.
Não se via muita coisa da estrutura da superfície. Mentro Kosum convenceu-se
disso olhando para as telas ou através da cúpula de plástico blindado. Os trilhos
energéticos escondiam a maior parte da superfície do planeta.
Mas sabia-se que além de grandes porções de Terra havia extensos mares internos
em Casulo. Estes mares estavam ligados por meio de canais.
Graças ao elevado poder reflexivo dos trilhos energéticos, o brilho de Casulo era
visto de bem longe no espaço.
Kosum desprendeu os olhos à força daquele quadro misterioso e examinou os
controles. A maior parte sofria a influência dos impulsos energéticos de Casulo e suas
indicações eram irregulares.
Por isso o emocionauta estava sem o capacete-SERT e pilotava a nave
manualmente. Confiava exclusivamente nas percepções óticas.
Na sala de comando da Gevari reinava um silêncio fora do comum. Os tripulantes
estavam concentrados exclusivamente na observação do planeta desconhecido. Já tinham
visto muita coisa assustadora, mas o aspecto de Casulo talvez excedesse até as imagens
de outros mundos pintadas por sua fantasia.
Os trilhos energéticos cercavam Casulo em trajetórias irregulares. Alguns
estendiam-se até as camadas superiores da atmosfera, tendo quase cem quilômetros de
altura. Outros descreviam curvas grandes e quase tocavam no chão, para voltar a subir em
outro lugar, onde se uniam à malha formada pelos trilhos. O conjunto brilhava nas cores
violeta e vermelho-claro.
Entre as grandes aberturas entre as trilhas energéticas Mentro Kosum distinguiu
algumas áreas da superfície do planeta. Surpreendentemente grandes áreas apresentavam
um tom amarelo-ocre. A monotonia dessa cor era quebrada pelo azul dos mares e pelo
verde das florestas e pradarias. Algumas manchas vermelhas eram um sinal da existência
de pequenos desertos.
Kosum raramente vira um planeta que visto do espaço apresentasse um colorido tão
exuberante.
Corello foi o primeiro a romper o silêncio.
— Gostaria de saber quem criou essas trilhas energéticas e para que fim.
A Gevari estava atravessando o terminador e entrando na face noturna do planeta,
onde a malha de trilhos exibia toda luminosidade.
— Não deixem que esse quadro os faça esquecer de ficar atentos na presença de
naves estranhas — disse Saedelaere ao emocionauta.
— Somos a única nave no sistema de Praspa — respondeu Kosum.
— Se as indicações dos instrumentos estão certas, as áreas amarelo-ocres da
superfície do planeta ficam em posição mais alta que o resto da paisagem — observou
Blazon Beta, que estava com a trança enrolada no pescoço. — Isso me leva a concluir
que se trata de montanhas ou pelo menos de regiões mais elevadas.
— É possível que a cor seja de uma substância parecida com a neve — opinou
Merkosh.
— Não acredito que com estas temperaturas possa haver neve — contestou Blazon
Beta. — Mesmo nas grandes altitudes. Para isso as montanhas teriam que ter milhares de
metros de altura. E nossos instrumentos indicam o contrário.
— Acontece que não estamos em condições de realizar sondagens de profundidade
exatas — acrescentou Blazon Alfa. — Os aparelhos não funcionam bem.
Kosum observou as telas de imagem. A julgar pelos resultados fornecidos pelos
rastreadores, a largura de cada trilho era de oitocentos metros. Sobre a espessura os
astronautas só podiam fazer avaliações subjetivas; pelos cálculos de Kosum devia chegar
a uns duzentos metros. Apesar dos fortes raios energéticos emitidos pelo conjunto de
trilhos, eles pareciam ser de matéria sólida. Os cantos externos em ângulo reforçavam
essa impressão.
A Gevari retornou à face diurna do planeta. Em nenhum lugar os trilhos tocavam a
superfície do planeta e não se sabia como eram mantidos estáveis. Kosum pensou na
possibilidade de uma almofada antigravitacional, mas isso sem dúvida seria um método
muito complicado. Era mais provável que os diversos trilhos se sustentassem por si
mesmos.
Saedelaere levantou e atravessou a sala de comando com movimentos
aparentemente desajeitados.
— Está recebendo impulsos, baixinho? — perguntou ao rato-castor.
Gucky ficou com uma expressão martirizada.
— Resolvi fechar meus sentidos paranormais à investida de impulsos. Não é
possível localizar uma corrente definida entre tantas fontes.
— E o senhor, Ribald?
O supermutante estava tão distraído que estremeceu quando Saedelaere lhe dirigiu a
palavra.
— Sinto três fontes de energia de grande intensidade — respondeu Corello em tom
embaraçado. — Estão ligadas entre si, mas parecem ser de natureza diferente.
Naturalmente existem inúmeras fontes menores, mas acho que não têm a menor
importância.
— Uma das fontes de energia de grande intensidade são sem dúvida os trilhos
energéticos — disse Saedelaere.
Kosum duvidava que com o sistema de funcionamento dos controles descobririam
alguma coisa além do que já sabiam. Se quisessem outras informações sobre o que
acontecia em Casulo, tinham de pousar.
Saedelaere parecia pensar mais ou menos da mesma forma. Dirigiu-se a Kosum e
perguntou:
— Será que podemos arriscar um avanço ligeiro até as camadas superiores da
atmosfera?
— É possível que alguns instrumentos e controles falhem completamente —
advertiu Kosum. — Mas de outro lado conseguiríamos imagens muito melhores nas telas.
— Acha que pode haver problemas na direção da nave?
Kosum refletiu. Por enquanto os propulsores e a direção funcionavam
perfeitamente. Não havia motivo para duvidar de que nas imediações do planeta seria
diferente. Mas não deviam esquecer que duas lentes voadoras tinham falhado e caído
durante a manobra de aproximação ao planeta Casulo.
Mas a Gevari era muito maior e menos sensível que uma lente voadora. Além disso
seus campos defensivos eram mais fortes.
— Se houver problemas, voltarei — disse Kosum ao chefe da missão.
Saedelaere inclinou-se para fora do assento e olhou para o capacete-SERT.
— Cuidarei disso sem o capacete — explicou Kosum. — Só assim terei certeza de
que minha ligação com a nave não sofrerá a interferência de impulsos vindos de fora.
Mentro começou a acelerar a Gevari. A nave saiu de órbita em alta velocidade e
aproximou-se do mundo cheio de mistérios. Kosum dirigiu a nave de tal maneira que no
momento da maior aproximação ao planeta se encontrariam na face noturna. Lá os trilhos
podiam ser vistos mais nitidamente. E as outras áreas podiam ser tornadas visíveis pelos
rastreadores infravermelhos.
Kosum sentiu que a gravidade de Casulo tentava arrancar a Gevari da trajetória,
mas o emocionauta não teve nenhuma dificuldade em compensar estas forças com os
propulsores.
Já sobrevoavam a face noturna do planeta. Embaixo deles cintilavam as estradas
luminosas. Destacavam-se com toda nitidez. Neste momento os tripulantes da Gevari
descobriram trilhos muito mais largos e espessos que os já observados. Seu brilho era
muito mais fraco e seus contornos não eram nítidos como os da maior parte dos outros
trilhos.
O trilho mais largo que viram durante o voo de aproximação tinha quase mil e
seiscentos metros de largura. Chegava a oitenta quilômetros de altura e estendia-se junto
à costa de um dos continentes.
Kosum viu que as indicações dos instrumentos de forma alguma podiam
corresponder à realidade. Uma das telas começou a tremer. O campo defensivo da Gevari
estava cercado por uma camada de cristais faiscantes. A iluminação interna da nave
perdeu em intensidade.
Kosum inverteu a rota da nave, embora os propulsores continuassem a funcionar
perfeitamente. Quando começaram a afastar-se do planeta Casulo, os instrumentos
voltaram a indicar valores mais ou menos normais.
A nave não correra um perigo imediato, mas Kosum respirou aliviado. Perto de
Casulo esperara constantemente um incidente perigoso. Mas no lugar em que estava,
numa órbita mais ampla, sentia-se mais seguro.
— Quer dizer que existem trilhos maiores que os que vimos até agora — constatou
Blazon Beta. — São muito mais raros, seu brilho é mais fraco e não apresentam os cantos
nítidos dos outros. Variam na largura e espessura. Além disso sua cor se parece com a
das montanhas do planeta Casulo.
— Vamos esperar o que mostram as câmeras automáticas — sugeriu Saedelaere. —
É bem possível que tenhamos sido vítimas de ilusões óticas.
As fotografias foram reveladas dentro de alguns minutos. Saedelaere mandou fazer
ampliações de algumas delas. Os resultados das câmeras infravermelhas também foram
aproveitados.
As fotografias não trouxeram resultados apreciáveis.
Os irmãos Blazon afirmavam que nelas aparecia uma massa que envolvia alguns
trilhos tomando-os maiores.
Por enquanto não era possível provar essa teoria.
As fotografias infravermelhas mostraram que a estrutura dos trilhos mais largos e a
das montanhas se parecia muito. Mas os trilhos normais não apresentavam nenhuma
semelhança com algum trecho de paisagem.
— Vamos retirar-nos um pouco mais no espaço — decidiu Alaska Saedelaere. —
Nossa nave é valiosa demais para arriscarmos sua segurança sem necessidade. Depois
disso concluiremos as avaliações e procuraremos outro meio de descobrir mais alguma
coisa a respeito de Casulo. De qualquer maneira continuaremos a examinar esse mundo.
Corello logo se animou e participou apaixonadamente das discussões. O estado de
espírito de Gucky também mudou. Os dois tinham dado uma impressão quase letárgica
enquanto estavam sob a influência dos impulsos estranhos.
Quando chegou à altura da órbita de Praspa IV, Kosum reduziu a velocidade da
Gevari até que a nave passou a deslocar-se em queda livre. Passou a dedicar sua atenção
ao espaço cósmico. Continuava não recebendo impulsos que fossem um sinal da presença
de outras naves. Parecia que o sistema de Praspa era evitado pelos habitantes do
“Enxame”.
Será que o motivo desse isolamento era o planeta Casulo?
Ou havia outra coisa nesse mundo que os habitantes do “Enxame” deviam temer?
Kosum não prosseguiu nas reflexões sobre este ponto. Teorias como esta
geralmente acabavam revelando-se falsas e por isso eram inúteis.
Kosum estava curioso para conhecer as intenções de Saedelaere. Não lhes restavam
muitas possibilidades. Para desvendar o enigma do planeta Casulo teriam de pousar nele.
E o que tinham visto e observado mostrava que isso colocaria em perigo sua vida.
Mas sabiam desde o início da operação que estariam arriscando a vida.
Ainda não havia contato pelo rádio com a Intersolar e a Good Hope II. Os
tripulantes da Gevari não podiam enviar notícias a Perry Rhodan, nem receber
mensagens.
A falha estrutural no campo flexível já se fechara. Para surpresa de Corello ela
permanecera visível durante cinco dias. Por mais tempo que de todas as outras vezes
houvera um intercâmbio de energia entre o universo einsteiniano e as dimensões
superiores.
Era verdade que os irmãos Blazon afirmavam que a estabilidade do conjunto
espácio-temporal não podia ser afetada, mas Kosum tinha suas dúvidas de que os físicos
sextadim estavam convencidos de sua tese.
Eles e Corello pensariam antes de romper o campo flexível novamente com uma
bomba de sextagônio.
As horas que se seguiram não trouxeram nada de interessante para Kosum. Ele não
participou da interpretação das fotografias e dos resultados fornecidos pelos
instrumentos; devia ficar de olho nos controles e manter a nave preparada para partir a
qualquer momento. Até então não tinham visto sinal de uma outra espaçonave, mas a
Gevari devia estar sempre pronta para fugir.
Kosum deduziu das conversas dos companheiros que nem a interpretação detalhada
das fotografias nem o processamento positrônico dos resultados fornecidos pelos
instrumentos trouxe maiores novidades.
Parecia que Casulo sabia guardar seus segredos.
— Assim não conseguiremos nada — confessou Saedelaere finalmente. —
Precisamos descer.
— Descer com a Gevari? — perguntou Merkosh.
— Enviaremos mais duas lentes voadoras — respondeu Saedelaere. — Desta vez
lhes dou permissão de pousar.
— Permissão de pousar? — repetiu Kosum estupefato. — O senhor se esqueceu do
que aconteceu com duas lentes voadoras na primeira aproximação?
— É claro que não esqueci! — Saedelaere apontou para uma tela que mostrava o
planeta Casulo como uma bola colorida. — Desta vez os pilotos das lentes voadoras
receberão ordem de dirigir-se diretamente ao planeta e pousar imediatamente. Espero que
dessa forma possamos excluir o maior número possível de fatores de risco. Cada lente
será tripulada por duas pessoas e Gucky as acompanhará como reserva. É tão pequeno
que cabe em uma das lentes. Se uma delas falhar, Gucky poderá salvar a tripulação por
meio de um ou vários saltos de teleportação.
— Por que não pousamos logo com a Gevari? — quis saber Balton Wyt.
— Não sabemos o que acontece na superfície de Casulo — respondeu Saedelaere.
— Por isso seria um erro enviarmos logo a nave que é vital para nós. Se as lentes
voltarem intactas ainda poderemos pousar com a nave.
O homem lesado por um transmissor girou a poltrona e olhou para os astronautas
que se encontravam na sala de comando.
— Wyt e eu partiremos na primeira lente voadora — informou. — Os irmãos
Blazon ficarão a bordo da outra, juntamente com Gucky.
— Vai ficar muito apertado! — protestou o ilt.
— Não será um voo muito longo — respondeu Saedelaere. — Logo não deverá
haver problemas.
— Quando pretende decolar? — perguntou Kosum.
Alaska puxou as pernas compridas e levantou.
— Agora mesmo — disse.
2

Saedelaere deslizou da eclusa aberta da Gevari para a face externa de uma lente
voadora. Estava com a mochila energética ligada, para corrigir imediatamente qualquer
movimento errado. Dali a instantes estava de pé sobre a lente, com as pernas afastadas e
balançando ligeiramente e fez um sinal para Balton Wyt, que esperava em cima dele na
eclusa.
A outra lente já estava pronta para entrar em ação. Blazon Alfa e seu irmão estavam
deitados de barriga, lado a lado. O rato-castor ficou agachado entre eles.
Obliquamente embaixo dos contornos sombrios da Gevari brilhava o sol vermelho
Praspa. Do lugar em que se encontravam o planeta Casulo não parecia maior que um grão
de ervilha.
Saedelaere estendeu a mão para Wyt.
— Venha!
Wyt desceu para onde estava ele. Seus movimentos não eram tão ágeis como os de
Alaska. Mas o telecineta compensou a falta de habilidade com uma grande decisão. Dali
a pouco os dois estavam deitados lado a lado sobre a lente voadora.
Saedelaere ligou seu equipamento de voo.
— Gevari I chamando Gevari!
Sua voz parecia ressoar sob o capacete fechado.
— Gevari chamando Gevari I e II — respondeu Kosum. — Estamos ouvindo.
— O contato pelo rádio será interrompido — previu Saedelaere. — Se não nos
comunicarmos dentro de vinte e quatro horas a partir do momento da saída, o senhor
assumirá o comando da Gevari e agirá sob sua responsabilidade.
— Entendido.
Saedelaere examinou os controles e ligou o propulsor da lente voadora.
— Gevari I a Gevari II. Estamos partindo.
Os dois pequenos barcos espaciais separaram-se da nave-mãe e aproximaram-se de
Casulo acelerando sempre. Dentro do “Enxame” o espaço não era completamente negro.
O campo flexível luminoso aparecia ao longe. Parecia uma gigantesca cortina de cristais
que tivesse descido sobre o palco. Numerosas estrelas próximas destacavam-se contra a
luminosidade do campo flexível.
As duas lentes voadoras atravessavam o espaço a trinta metros uma da outra. Os
irmãos Blazon e Gucky eram apenas sombras escuras, uma vez que a luz de Praspa
atingia os barcos espaciais obliquamente “de baixo”.
— Seguir diretamente para Casulo! — ordenou Saedelaere.
Em seguida fez um teste de contato com a Gevari. As comunicações ainda estavam
funcionando. As lentes voadoras, capazes de alcançar quase a velocidade da luz,
atravessaram o sistema de Praspa em velocidade alucinante, seguindo para Casulo.
O terceiro planeta do sol vermelho aumentava cada vez mais. No lugar em que
estavam as cores principais eram o amarelo, o vermelho e o azul. Não se distinguiam os
diversos trilhos; a malha parecia uma massa compacta.
Kosum chamou. Sua voz já era abafada em parte pelas interferências.
— Que tal se eu seguisse o senhor a grande distância com a Gevari? Se houver uma
emergência, poderei recolhê-lo mais depressa.
— Por enquanto o senhor fica onde está! — ordenou Saedelaere. — Nada de ações
arbitrárias antes que termine o prazo de vinte e quatro horas.
Kosum suspirou decepcionado.
— Como queira, Alaska. Pensei que fosse uma boa ideia.
Todos sabiam que o emocionauta era um homem de iniciativa, que mais de uma vez
“esquecera” as ordens recebidas agindo por conta própria. Mas desta vez Saedelaere não
podia ter nenhuma contemplação pelas ambições de Kosum. Qualquer erro poderia
representar o fim da missão.
A comunicação pelos radiocapacetes entre os tripulantes dos pequenos barcos
espaciais continuava a funcionar perfeitamente.
— É possível que nos separemos por algum motivo — disse Saedelaere aos irmãos
Blazon. — Se isto acontecer, cada grupo fará as investigações por conta própria. Gucky
tentará manter a ligação entre os dois grupos.
— Entendido! — respondeu Blazon Beta.
Era o mais falador dos dois irmãos. Blazon Alfa raramente abria a boca. Só se
esquentava quando se tratava de algum jogo.
Já se tinham aproximado a 600.000 quilômetros de Casulo e conseguiam distinguir
alguns detalhes. Casulo parecia uma bola de bilhar pintada destacando-se contra o fundo
meio escuro.
Infelizmente o terceiro planeta do sol Praspa não tinha satélite. Se tivesse, a Gevari
poderia descer nele e fazer as medições com toda calma.
— Vamos aumentar a distância — ordenou Saedelaere aos irmãos Blazon. —
Assim evitaremos que as duas lentes voadoras entrem juntas numa área de perigo.
Os irmãos Blazon concordaram. Mantiveram a rota, enquanto Saedelaere fazia uma
correção. Dali a pouco a Gevari II desapareceu diante dos olhos de Saedelaere. As
comunicações pelo rádio tornaram-se menos nítidas.
Quando estavam a 250.000 quilômetros de Casulo, Saedelaere ouviu pela última
vez a voz do emocionauta que continuava na sala de comando da Gevari, em companhia
de Merkosh e Ribald Corello.
— Vai pousar na face diurna ou noturna? — perguntou o emocionauta.
Sua voz soava fraca e pouco clara.
— Resolvi descer na face diurna — informou Alaska. — O senhor só voltará a ter
notícias minhas depois que tivermos saído de Casulo.
Um “entendido” em voz baixa foi a única resposta que veio da Gevari.
As comunicações com a Gevari II também foram interrompidas com uma
frequência cada vez maior pelas interferências. Se não houvesse nenhum imprevisto, a
Gevari II pousaria alguns minutos antes da Gevari I. A diferença era causada pela
correção de rota realizada por Saedelaere com a Gevari I.
— Estava me lembrando de que os conquistadores amarelos que já vimos e
fotografamos eram da mesma cor das montanhas de Casulo.
Era a primeira vez desde que tinham saído da Gevari que Balton Wyt usava a
palavra.
Saedelaere virou o rosto e iluminou o rosto do companheiro com o farol embutido
em seu capacete. Wyt sorriu.
— Deve ser apenas uma ideia maluca!
— De forma alguma!
Saedelaere perguntou-se espantado por que não tivera essa ideia tão evidente. O
amarelo-ocre era a cor predominante dentro do “Enxame”. Era a cor dos conquistadores
amarelos.
— Talvez seja um acaso — respondeu Balton Wyt numa tentativa de refutar sua
própria ideia. — Por que essas montanhas teriam uma cor parecida com a de alguns
seres?
— A vida no interior do “Enxame” é tão entrelaçada que a semelhança não pode ser
resultado do acaso, — Alaska abanou tristemente a cabeça. — É uma pena não podermos
transmitir sua suspeita a Corello pelo rádio. Seria sem dúvida uma indicação preciosa
para ele.
Wyt escorregava nervosamente de um lado para outro sobre a lente voadora.
— Suponhamos que a semelhança não seja um simples acaso — disse. — Qual
seria a explicação?
— Por enquanto não temos nenhuma. — Saedelaere examinou os controles.
Percebeu que de vez em quando a lente voadora sofria um abalo fraco. — Vamos
concentrar-nos na operação de pouso. Falaremos sobre isso mais tarde.
Casulo aparecia como um disco gigantesco. Saedelaere teve a impressão de que,
agarrado na lente metálica voadora, caía sobre o planeta de cabeça para a frente.
Mais um dos abalos quase imperceptíveis. Saedelaere tinha certeza de que Wyt não
o percebera. Por isso preferiu não falar sobre isso. Talvez tudo acabasse bem.
Neste momento ouviu um chiado em seu radiocapacete. Era um dos irmãos Blazon.
Mas não entendeu o que dizia.
Saedelaere já distinguia perfeitamente os diversos trilhos. De repente a lente
voadora foi sacudida por um forte solavanco.
Balton Wyt levantou a cabeça.
— Que foi isso? O propulsor está com defeito?
Mais uma vez Saedelaere não soube a resposta.
— É a influência de energias estranhas. Não podemos fazer nada. A lente continua
obedecendo à direção. Talvez consigamos passar.
— E os outros? — perguntou o telecineta.
— Já devem voar na atmosfera.
A lente voadora sofreu mais um abalo, mas não foi necessário fazer uma correção
da rota. Quando mergulhou nas camadas superiores da atmosfera, o voo se estabilizou.
Saedelaere viu os trilhos através de algumas camadas de nuvens. Alguns deles até
subiam acima delas.
Saedelaere teve a impressão de ver por um instante bem embaixo o movimento de
uma figura gigantesca. Mas devia ser uma ilusão provocada pelos movimentos das
nuvens.
Saedelaere verificou o propulsor antigravitacional da lente voadora. Funcionava
perfeitamente. O homem lesado por um transmissor desligou o propulsor principal.
Sustentada pelos campos energéticos gerados pelos projetores antigravitacionais, a lente
desceu lentamente para a superfície.
O destino das duas lâminas era uma fenda entre os trilhos que aparecera nas
fotografias ampliadas. Nesse lugar os tripulantes da Gevari pretendiam chegar à
superfície.
A Gevari I passou perto de um trilho energético. A figura de oitocentos metros de
largura e duzentos de espessura emitia um brilho vermelho-claro. Saedelaere não viu
nada de extraordinário. Conforme acreditara, não havia colunas de sustentação ou outros
dispositivos para segurar os trilhos. Eles só podiam repousar sobre campos energéticos.
Mesmo naquele momento ainda não se percebia qual era a finalidade da rede que
envolvia todo o planeta.
Saedelaere levantou a cabeça e espiou para a superfície pela borda da Gevari II.
Bem embaixo deles havia um dos trilhos mais largos. Estava revestido com uma massa
amarelo-ocre e sua luminosidade era fraca. Ao contrário dos trilhos normais que emitiam
fortes radiações, o trilho mais largo não irradiava nenhuma energia.
Um chiado saiu do receptor-capacete de Saedelaere. Baixa, mas bem
compreensível, a voz de Gucky se fez ouvir:
— Acabamos de pousar perto do trilho largo e vemos vocês.
Saedelaere soltou um suspiro de alívio.
— Tudo em ordem?
— A recepção está ruim — respondeu Gucky. — Mas aqui embaixo as
comunicações pelo rádio não sofrem tantas interferências como na atmosfera.
Encontramo-nos numa região esquisita. Está coberta em parte pela massa que envolve os
trilhos energeticamente mortos. O chão livre é de rocha dura, na qual cresce uma
vegetação escassa.
Saedelaere viu a Gevari II na pequena tela de imagem junto aos controles. Estava
pousada a uns duzentos metros do trilho mais largo e sua face externa tocava a superfície
de massa amarelo-ocre que se empilhava em toda parte.
— Essa coisa amarela se parece com plasma — prosseguiu Gucky muito exaltado.
— Recebo constantemente impulsos telepáticos que só podem ser emitidos por essa
massa. Isso significa que ela possui certo grau de inteligência.
— Isso é uma loucura! — exclamou Wyt.
— Continue — ordenou Saedelaere em tom seco.
— Desconfio de que em todos os lugares em que o plasma cobriu um trilho ele
exerce as funções de isolante. É este o motivo por que esses trilhos não transmitem
impulsos energéticos.
Saedelaere reconheceu os irmãos Blazon e Gucky. Estavam de pé junto ao barco
espacial, observando o trilho maior. O homem de máscara pousou a Gevari I bem perto
da segunda lente e saltou do veículo. Afundou na massa amarela até os tornozelos e ela
recuava lentamente diante dele. A claridade era tamanha que a luz doía nos olhos. Mas
apesar disso Saedelaere distinguiu uma montanha que só podia ser formada por plasma.
— De qualquer maneira é uma forma de vida orgânica — informou Gucky pelo
radiocapacete. — Os impulsos que recebo já são mais nítidos. O plasma está com medo
de nós.
— Será que se trata de um ser coletivo? — perguntou Blazon Alfa.
— É difícil saber — respondeu o ilt. — É bem possível que exista uma ligação entre
este plasma e os conquistadores amarelos. Mas prefiro não falar sobre isto enquanto não
tiver certeza de todos os detalhes.
Saedelaere contemplou espantado o gigantesco trilho ligado ao chão pela massa de
plasma. Se não se enganava, a montanha de plasma enviara suas ramificações a este lugar
e acabara cobrindo o trilho normal. Já havia algumas excrescências alastrando-se sobre a
parte do trilho que continuava com o diâmetro normal.
— Que quadro fantástico! — exclamou Wyt admirado. — Nunca vi nada parecido.
Saedelaere obrigou-se a contemplar o quadro com a mente fria.
— Parece que as emanações energéticas do trilho não prejudicam a massa de
plasma — disse. — Se não fosse assim, ela nem pensaria em entrar em contato com os
trilhos energéticos.
— Será que o alastramento do plasma sobre os trilhos representa um ataque a eles?
— perguntou Blazon Alfa.
Saedelaere girou lentamente em tomo do próprio eixo para colher a maior
quantidade possível de impressões das coisas que o cercavam.
— Talvez os trilhos só foram instalados para poderem ser cobertos pelo plasma —
respondeu Wyt no lugar de Saedelaere. — É possível que o plasma se alimente com a
energia irradiada pelos trilhos.
Saedelaere apontou para o rato-castor, que estava sentado numa pedra,
concentrando-se ao máximo.
— É provável que Gucky possa dar uma resposta a esta pergunta.
Os olhos de Saedelaere já se tinham habituado à luz ofuscante. O homem de
máscara via todos os detalhes em volta dele. À frente do grupo o trilho coberto pelo
plasma erguia-se como uma parede, impedindo a visão para o horizonte. Mas bem no alto
e mais ao longe viam-se trilhos normais que subiam e desciam formando desenhos
bizarros.
À esquerda de Saedelaere ficava a gigantesca montanha de plasma que não pôde ser
vista em toda a extensão, porque havia trilhos impedindo a visão.
No trilho encoberto que ficava do outro lado estendia-se a rocha nua, parcialmente
coberta por uma vegetação primitiva, chegando até uma savana que alcançava o
horizonte. Por cima da savana também passavam trilhos normais.
À direita de Alaska o trilho coberto subia numa curva íngreme. A uns duzentos
metros de altura não havia mais nenhum plasma.
Gucky levantou a cabeça.
— Os impulsos ainda são confusos — informou. — Nossa chegada no início
provocou espanto, e depois medo. Acho que não estou errado se disser que o plasma aos
poucos vai entrar em pânico. É difícil prever o que acontecerá depois.
— Acho que devemos cuidar-nos ligando os campos defensivos das lentes voadoras
— sugeriu Blazon Beta e pôs a mão num aparelho de comando que trazia no pulso.
— Espere! — exclamou Saedelaere em tom apressado.
O homem lesado por um transmissor olhou para o trilho coberto. Os movimentos do
plasma eram tão insignificantes que mal podiam ser vistos a olho nu.
Mas as ramificações da estranha massa movimentavam-se mais depressa.
Rastejavam trilho acima, cobriam a rocha e deslizavam em direção aos cinco astronautas.
— Precisamos proteger nossos barcos espaciais! — insistiu o físico-sextadim.
Saedelaere sacudiu a cabeça.
— Se o plasma tem medo de nós, devemos aguardar suas reações daqui em diante.
Existem ramificações que chegam até a rocha. Não sabemos o que poderá acontecer se
ligarmos os campos defensivos dos barcos espaciais. É possível que a energia faça mal ao
plasma.
Blazon Beta baixou o braço no qual trazia o aparelho de comando.
O homem lesado por um transmissor dirigiu-se a Gucky.
— Tente entrar em contato com essa inteligência esquisita, baixinho.
— Não será fácil — respondeu o rato-castor. — Pensei que se tratasse de um ser
coletivo. Mas não é nada disso. A massa de plasma é formada por inúmeros seres
individuais entre os quais existe uma ligação orgânica.
— Você poderia explicar melhor? — perguntou Wyt.
Gucky voltou a concentrar-se sem responder à pergunta do telecineta.
Neste momento Blazon Alfa soltou um grito de alerta.
Saedelaere virou-se abruptamente e viu algumas ramificações do plasma cobrirem
as superfícies externas das lentes. Um dos lados da Gevari II já estava coberto pela massa
amarelo-ocre.
— Estão atacando os barcos espaciais! — exclamou Wyt e mexeu no cinto em que
estavam guardadas as armas.
Saedelaere deu um passo em sua direção e segurou seu braço.
— Não atire! — gritou. — Você estragaria tudo.
Wyt arregalou os olhos.
— Devemos deixar que nos tirem as possibilidades de fuga? — gritou indignado
para o homem lesado por um transmissor. — Depois que os barcos espaciais não
estiverem mais em condições de funcionamento, eles nos atacarão.
— Calma — disse Saedelaere. — Por enquanto nossa vida não está em perigo.
Alaska percebeu que a massa plasmática em torno deles começava a ondular.
O medo instintivo de que o plasma pudesse abater-se sobre eles como uma vaga
gigantesca fez o pulso de Alaska bater mais depressa. Mas logo chegou à conclusão de
que aquilo era uma ideia absurda. Desde sua chegada os movimentos do plasma tinham
sido muito lentos e a capacidade de expansão das ramificações parecia ser muito limitada.
Mas apesar disso Alaska olhava constantemente para o trilho coberto, observando o
plasma.
A massa de plasma começava a abaular-se perto dos dois barcos espaciais,
espalhando um líquido marrom-escuro que cobriu a face externa das duas lentes.
— É um ácido — afirmou Blazon Beta com uma raiva reprimida. — O que ainda
terá de acontecer até que o senhor resolva fazer alguma coisa contra isso?
O líquido pingou de cima dos barcos espaciais. Nos lugares em que caía na rocha
nua queimava grandes buracos na pedra. Wyt empalideceu.
— Um ácido corrosivo.
— Os barcos espaciais não serão atingidos — disse Saedelaere em tom calmo.
— Mas são cobertos cada vez mais pelo plasma — disse Blazon Alfa. — Daqui a
alguns minutos não se verá mais nada deles. Aí seremos obrigados a destruir a massa
para poder decolar.
Bem no íntimo Saedelaere achava que o físico-sextadim tinha razão. Mas ainda teve
dúvidas se devia dar ordem de atirar. Depositava suas esperanças no rato-castor. Se
Gucky recebia impulsos telepáticos do plasma, também havia a possibilidade de se
comunicarem. Assim que o plasma compreendesse que as intenções dos cinco forasteiros
não eram hostis, ele poderia retirar-se.
A Gevari II estava quase completamente coberta.
Saedelaere viu que Blazon Alfa estava com a mão sobre o cinto que servia para
guardar as armas.
Sem dúvida chegaria o momento em que um dos astronautas perdesse o controle
dos nervos e começasse a atirar no plasma. Isto seria o fim de qualquer possibilidade de
entendimento.
— Consegui estabelecer contato — disse Gucky. Estava falando baixo. Notava-se
por sua voz que esse tipo de comunicação lhe custava um grande esforço. Afinal, estava
falando com seres completamente estranhos. — O plasma está admirado porque ainda
não o atacamos. Esperava um ataque.
Saedelaere fez um gesto na direção dos barcos espaciais. — Tente explicar a estes
seres inteligentes quem somos e de onde viemos.
O ilt voltou a concentrar-se.
Era difícil manter o contato. Todos os indivíduos mentais que faziam parte do
coletivo orgânico irradiavam ininterruptamente impulsos telepáticos. Gucky só
compreendia os desconhecidos quando muitos deles se uniam numa transmissão mental.
A massa amarelo-ocre formada pela união de inúmeros indivíduos parecia ter
compreendido que o rato-castor só a podia compreender quando um grande número de
seres individuais emitia impulsos telepáticos parecidos.
Gucky sentiu que as estranhas criaturas esperavam ansiosamente uma explicação.
— Viemos de fora do “Enxame” — pensou intensamente. — Nosso povo é
ameaçado pelos habitantes do “Enxame”, pelos soberanos amarelos.
O rato-castor sentiu uma onda de incredulidade. Não se duvidava que ele e seus
companheiros tinham vindo de fora do “Enxame”, mas contestava-se violentamente de
que seres do “Enxame” pudessem espalhar a morte e a destruição.
— Acontece que é assim! — transmitiu Gucky intensamente.
Neste momento ouviu a voz de Saedelaere que parecia vir de bem longe.
— O plasma afasta-se lentamente das lentes voadoras.
Gucky conseguiu.
Gucky mergulhou ainda mais profundamente na ligação telepática com o plasma.
Achava que encontrara uma pista. Os desconhecidos pareciam convencidos de que
nenhuma das criaturas que viviam no “Enxame” seria capaz de matar um ser vivo. A
simples afirmação de que isso teria acontecido levou-os a transmitir impulsos mentais
desesperados.
De repente muitos indivíduos perguntaram:
— Você é XYM-Xatharma, o bondoso? Veio para submeter-nos a uma prova?
O nome XYM-Xatharma despertou certas associações na memória de Gucky.
Edmond Pontonac fora o primeiro a pronunciar um nome semelhante perto dele.
Fosse quem fosse o XYM-Xatharma, ele devia ocupar um lugar importante no
“Enxame”. Gucky pensou que talvez fosse uma divindade aceita e venerada por todos os
habitantes do “Enxame”. Quem quer que tivesse iniciado este culto a um ídolo dominava
completamente os habitantes do “Enxame”. Não era de admirar que o ídolo tivesse nomes
diferentes entre os diversos povos. Mas todos os nomes se pareciam.
XYM-Xatharma soava mais ou menos com o Y'Xanthymr ou Y-Xanthimona.
Gucky compreendeu que esse ídolo era um dos grandes mistérios do “Enxame”.
O plasma repetiu a pergunta. Acreditava que o desconhecido coberto de pelos fosse
uma divindade.
— Ninguém de nós tem qualquer ligação com o tal do XYM-Xatharma — pensou
Gucky, que teve de fazer um esforço para reprimir o nervosismo. Percebeu que estava na
pista certa. Se agisse com inteligência, poderia obter informações importantes sobre o
“Enxame” e seus habitantes.
— Pedimos que vocês nos ajudem! — transmitiu o ilt.
Sentiu a recusa espontânea dos indivíduos reunidos no plasma.
— Somos nós que precisamos de ajuda — foi a resposta. — Um perigo terrível nos
ameaça.
— Um perigo? — indagou Gucky espantado. — Quem poderia ameaçar vocês?
A pergunta provocou um tumulto telepático. Centenas de seres plasmáticos
responderam ao mesmo tempo. Gucky levantou instantaneamente um bloqueio
parapsíquico do cérebro para proteger-se.
— Estão se fazendo de doidos — disse aos quatro companheiros. — Sua existência
é ameaçada por alguém ou alguma coisa.
Saedelaere subira em cima da Gevari I, completamente libertada pelo plasma.
— Você tem de descobrir quem são esses seres plasmáticos e qual é o perigo que os
ameaça — disse. — Tenho certeza de que em Casulo poderemos encontrar a solução de
um dos mistérios do “Enxame”.
Gucky estava agachado entre as rochas. Seus braços e pernas tremiam. Tinha de
fazer um esforço para defender-se da investida parapsíquica. Mas os seres plasmáticos
logo perceberam que punham em perigo seu interlocutor e agiram de forma mais discreta.
Gucky dirigiu-se a Saedelaere.
— Neste mundo existe um perigo que não conseguimos imaginar. Trata-se de uma
força que controla o crescimento do plasma. Acredito que a montanha de plasma é
formada por conquistadores amarelos degenerados que são obrigados a subdividir-se
ininterruptamente.
— O mundo dos degenerados! — exclamou Blazon Alfa. — Foi o nome que os
seres aquáticos de Praspa IV deram a este planeta. Vê-se que o nome não foi escolhido
por acaso.
— Soberanos amarelos degenerados! — exclamou Wyt. — Se realmente for assim,
precisamos descobrir qual foi a causa dessa divisão celular explosiva.
O ilt levantou um braço.
— Silêncio! — piou. — Acho que posso voltar a estabelecer contato com eles.
Os quatro homens olharam para ele. Deram-se conta mais que nunca de que seu
destino talvez dependesse da habilidade do rato-castor.
Os pensamentos de Saedelaere se agitavam que nem um torvelinho. Refletiu
ansiosamente se podia haver algo de verdade na afirmativa de Gucky de que as
montanhas de plasma amarelas eram conquistadores amarelos. Seria possível que alguns
desses seres misteriosos tivessem degenerado a ponto de não serem mais capazes de
controlar a divisão de suas células?
O plasma já retirara suas ramificações da rocha sobre a qual estavam pousadas as
lentes e se retirara para o trilho coberto.
Saedelaere constatou aliviado que a substância amarela por enquanto não
representava nenhum perigo para eles. Mas isto não significava que estavam em
segurança. A ameaça que os seres plasmáticos temiam também podia tornar-se perigosa
para os astronautas. Por isso era necessário que Gucky descobrisse novos detalhes quanto
antes.
O homem lesado por um transmissor viu Gucky cair sobre a rocha de tão exausto
que estava.
Blazon Alfa quis ir para perto do rato-castor e levantá-lo. O homem de máscara
entrou no caminho do cientista e segurou-o. Saedelaere viu através dos visores dos dois
capacetes como os olhos de Blazon se estreitaram.
— Não percebeu que ele está passando mal? — perguntou Blazon Alfa zangado.
— Não sou cego — respondeu Saedelaere calmamente. — Isso vai passar. Não é a
primeira vez que vejo Gucky assim. Geralmente recupera-se depressa.
Blazon Alfa afastou as mãos de Saedelaere.
— Tomara que não ponha em perigo a vida do baixinho para conseguir o que quer.
Saedelaere ainda não perdeu a calma.
— Sei o que estou fazendo.
Gucky, que estava deitado no chão duro, só ouviu a troca de palavras no
subconsciente. Não compreendeu seu sentido. O barulho feito pelos quatro homens
perturbava.
Apesar disso o rato-castor tentou concentrar-se de novo nos degenerados. As
explicações que já tinham dado só contribuíram para tomar sua existência ainda mais
misteriosa. O ilt queria descobrir o que realmente acontecia no planeta Casulo. De onde
vinham as montanhas de plasma? Quem tinha construído os trilhos e qual era sua
finalidade?
Gucky teve a impressão de que o movimento ondulante da massa amarelo-ocre se
tomara mais violento.
Não se poderia deixar de notar o nervosismo das montanhas de plasma.
Gucky baixou a barreira em seu cérebro, mas estava preparado para erguê-la de
novo assim que a tempestade de impulsos telepáticos se tornasse insuportável.
Por enquanto só sentia a confusão telepática que já notara no primeiro contato.
De repente percebeu uma explicação apressada.
— O castelo do demônio negro vai atacar.
Gucky estremeceu.
O impulso telepático foi repetido. Continha claramente uma advertência contra o
demônio negro e o castelo no qual vivia a misteriosa criatura.
O ilt lembrou-se de certas coisas ditas pelos seres aquáticos de Praspa IV. Lamentou
não ter conversado mais com os nativos cobertos de escamas. O rei das conchas e seu
povo deviam saber muita coisa a respeito do planeta Casulo.
Gucky acordou da rigidez física. Ainda atordoado, saiu em direção às duas lentes
voadoras, onde se tinham reunido os quatro homens.
— O plasma receia um ataque — comunicou.
Sua voz quase chegou a atropelar-se. — Deve ser iminente.
Saedelaere olhou para trás. Não notou nenhuma modificação nos trilhos. Mas os
movimentos do plasma tinham-se tornado ainda mais fortes. Em alguns lugares subia
vários metros. Até parecia que queria fugir.
Gucky encostou-se a Alaska e prosseguiu:
— Os degenerados pensam num demônio negro e num castelo. Ainda não sei muito
bem o que isso significa, mas o demônio deve ser um inimigo mortal dos seres de
plasma.
— Quando se verificará o ataque? — perguntou Saedelaere preocupado.
— Se interpretei corretamente os impulsos telepáticos, deve ser a qualquer
momento.
Balton Wyt arregalou os olhos.
— Que mais sabe a respeito disso?
— Nada — lamentou Gucky. — Podemos fugir ou esperar.
Saedelaere sabia que cabia a ele tomar uma decisão. Todo seu ser ansiava por uma
fuga imediata. Levava a sério as palavras do rato-castor.
Mas de outro lado precisavam descobrir de qualquer maneira o que significavam os
acontecimentos verificados em Casulo. Se recuassem para o espaço para de lá observar os
acontecimentos, talvez não pudessem ver o que aconteceria na superfície do planeta.
Saedelaere cerrou fortemente os lábios. O fragmento de cappin exercia uma pressão
surda sobre seu rosto. Manifestara-se várias vezes depois que as lentes voadoras tinham
pousado em Casulo. Fora ativado pela energia estranha deste mundo.
O homem de máscara comunicou sua decisão aos outros.
— Ficaremos! Estou curioso para saber se realmente haverá um ataque, ou se isso
não passa de um truque para fazer-nos sair de Casulo.
Os quatro homens e o rato-castor ficaram de olho nos trilhos e nas montanhas de
plasma que os cercavam. Por enquanto não aconteceu nada de anormal.
Depois de algum tempo Wyt notou que alguns dos trilhos energéticos não cobertos
pelo plasma começavam a tremer.
— Fazem movimentos muito fracos — confirmou Blazon Beta. — Parece que são
abalados por alguma coisa.
Os astronautas viram espantados as oscilações dos trilhos aumentarem aos poucos.
— O que os seres plasmáticos pensam sobre isso? — perguntou Saedelaere ao rato-
castor.
— Não tenho coragem de entrar em contato com eles neste momento — respondeu
Gucky em tom hesitante. — Estão fora de si de medo. Parece que uma coisa importante
está para acontecer. Mas não tenho certeza se será perto de nós. Neste mundo existem
montanhas de plasma em toda parte. Os degenerados nunca sabem antes onde o demônio
negro vai atacar.
Saedelaere verificou os controles da Gevari I.
Os mostradores dos instrumentos voltaram a passar da marca máxima, como já
acontecera durante a aproximação ao planeta Casulo. Algumas indicações não podiam
estar certas. Os mostradores deviam sofrer a influência de energias estranhas.
— Há alguma coisa se aproximando! — informou Saedelaere.
Os outros fitaram-no com uma expressão preocupada.
— Será que é uma nave? — perguntou Balton Wyt.
— Não acredito — respondeu Saedelaere. — Talvez seja o castelo do demônio
negro.
— Como ele se movimenta? Trata-se de um veiculo grande?
Blazon Beta falou em tom apressado.
— O objeto aproxima-se em alta velocidade. — Alaska inclinou-se sobre os
controles para examiná-lo melhor. — Se as indicações dos rastreadores não forem
completamente erradas, o objeto muda constantemente de altura.
— Quer dizer que se trata de um objeto voador? — opinou Wyt.
— É possível.
Um zunido encheu o ar. Alaska olhou na direção da qual vinha o ruído. Ainda não
se via nada.
— Lá vem uma coisa! — gritou Wyt alarmado.
Os homens e Gucky puseram as mãos nas armas. O barulho era cada vez mais forte.
O zunido transformou-se num trovão.
Finalmente, ainda bem ao longe, os astronautas viram o castelo do demônio negro.
Fazendo pouco das forças da inércia, deslizou sobre os trilhos normais, desceu numa
curva íngreme e em seguida voltou a subir rapidamente. Passando por diversas
bifurcações dos trilhos, o castelo tomou a direção dos cinco astronautas.
— São mesmo trilhos! — exclamou Blazon Beta estupefato. — Essa coisa desloca-
-se em alta velocidade sobre eles.
— Um veículo de dimensões incríveis deslocando-se sobre trilhos! — acrescentou
seu irmão.
Saedelaere contemplou perplexo o objeto que se aproximava. Parecia um blindado
enorme em forma de tartaruga. Pelos cálculos de Saedelaere devia ter novecentos metros
de comprimento e largura. A face inferior descansava toda ela sobre os trilhos. O objeto
tinha cerca de trezentos metros de altura. Emitia um brilho cinza-azulado. Saedelaere
distinguiu cerca de duzentos pontos vermelho-vivos em sua face externa. Em sua opinião
deviam ser cúpulas de canhões.
Sua suspeita confirmou-se quando o monstro abriu fogo. Blazon Alfa gritou
apavorado quando os raios energéticos saídos de inúmeras armas atingiram as montanhas
de plasma. Os raios batiam nos lugares em que as ramificações do plasma se estendiam
sobre os trilhos energéticos. O plasma não conseguiu retirar-se em tempo. As
ramificações foram carbonizadas ou morreram.
Saedelaere ficou apavorado com o que via. Nuvens brancas subiram.
De repente Gucky começou a gritar e debateu-se no chão. Mal conseguia defender-
se dos impulsos loucos dos degenerados. O bloqueio com o qual tentava proteger o
cérebro ameaçou desabar sob a investida dos gritos de pavor telepáticos.
— Protejam-se! — berrou Alaska.
Os homens atiraram-se no chão perto das lentes voadoras. Saedelaere pegou a perna
de Gucky e puxou-o para perto de si. Em seguida ligou os campos defensivos das lentes
voadoras. Esperava que resistissem a um eventual bombardeio.
A face externa do castelo continuava despejando raios. O veículo aproximou-se
rapidamente sobre os trilhos.
Sua velocidade era tamanha que levaria pouco tempo para dar a volta em todo o
planeta. Alaska deu-se conta de que a ideia nem era absurda. O monstro técnico parecia
controlar toda a superfície do planeta Casulo. Certamente lhe cabia controlar o
crescimento dos degenerados. Os trilhos encobertos eram uma prova de que não
conseguia cumprir sua tarefa.
Durante o bombardeio o calor aumentou tremendamente. Pedaços do plasma que
não eram atingidos diretamente pelos tiros arderam.
A massa amarelo-ocre agitou-se mais que nunca. Batia em retirada.
Blazon Alfa encostou a mão no braço de Saedelaere.
— Olhe só! Já sabemos para que servem os trilhos construídos em Casulo. O objeto
chamado de castelo desloca-se sobre eles. Usando os desvios, pode atingir e bombardear
quase todos os lados do planeta. Move-se com a energia retirada dos trilhos.
— Será que o estranho veículo sobre trilhos foi construído para manter o
crescimento da massa de plasma dentro de certos limites? — perguntou Wyt.
— Ainda não podemos responder a esta pergunta — respondeu Blazon Alfa.
— Não sabemos o que apareceu primeiro neste mundo, o plasma ou os trilhos —
completou seu irmão. — É possível que no início a finalidade dos trilhos tenha sido bem
diferente. Talvez fizessem parte de uma experiência científica.
De repente o castelo parou. Seu movimento alucinante foi interrompido tão
abruptamente que os astronautas pensaram que ele se arrebentaria. Mas não aconteceu
nada disso.
— O veículo deve estar equipado com excelentes neutralizadores — disse Blazon
Beta.
Agora, que estava parado, era ainda mais parecido com uma tartaruga gigante presa
aos trilhos.
O bombardeio não foi suspenso. De ambos os lados os raios energéticos atingiam o
plasma que fugia devagar demais.
Saedelaere rolou para perto de Gucky e segurou-o pelos braços. O ilt estava com os
olhos abertos, mas dava a impressão de que não via Saedelaere.
O homem lesado por um transmissor compreendeu que Gucky corria um perigo
grave. Não resistiria por muito tempo à carga dos impulsos parapsíquicos.
Numa súbita decisão, Saedelaere pegou a arma paralisante e atirou em Gucky. O
corpo imobilizado do rato-castor descontraiu-se.
— O que está fazendo? — perguntou Blazon Beta apavorado. — Ficou louco?
— Fiz isto para proteger o rato-castor — explicou Wyt em tom apressado. — Com
a paralisia a sensibilidade do cérebro de Gucky é reduzida a um mínimo.
Saedelaere rastejou para dentro da Gevari I arrastando Gucky.
— Temos de sair daqui — ordenou. — Se não dermos o fora, seremos atacados pelo
castelo.
— O que acontecerá quando decolarmos? — objetou Blazon Beta — Estaríamos
provocando um bombardeio.
Saedelaere apontou em silêncio para o trilho onde o castelo começava a
movimentar-se devagar e destruir sistematicamente as ramificações mais avançadas do
plasma.
— Vem exatamente em nossa direção — percebeu Blazon Alfa. — Temos de fugir,
senão seremos destruídos.
— Decolaremos ao mesmo tempo — decidiu Saedelaere. — As duas lentes devêm
tomar o caminho mais curto para atravessar a fresta entre os trilhos. Vamos voar para a
Gevari.
O castelo estava atirando com pelo menos cem cúpulas armadas. O plasma começou
a ferver em certos lugares que ficavam a alguns metros dos locais de impacto. O ar
tremia. Certos trechos da paisagem desapareceram atrás de densas cortinas de fumaça.
— Isso... isso é um assassínio! — exclamou Wyt em tom exaltado. — Essa
substância vive e possui inteligência. Eles matam a sangue frio.
Saedelaere não respondeu. Não compreendia por que o castelo não atacava as
montanhas de plasma que representavam o centro dos degenerados. Dessa forma o
problema seria resolvido para todo o sempre. Mas os ataques concentravam-se
exclusivamente nas ramificações do plasma.
Era difícil compreender o que estava acontecendo.
A cúpula cinza-azulada aproximava-se devagar. Estava a apenas cem metros das
duas lentes voadoras.
Saedelaere olhou para a outra lente voadora e viu que os irmãos Blazon tinham
ocupado seus lugares.
O homem de máscara segurou-se com uma das mãos, enquanto colocava outra
sobre os controles.
— Decolar! — gritou.
As duas lentes voadoras subiram quase ao mesmo tempo. O homem lesado por um
transmissor prendeu instintivamente a respiração. Os campos defensivos dos barcos
espaciais não resistiriam a um bombardeio concentrado do castelo.
As Gevari I e II correram em direção à abertura entre os trilhos.
Um lampejo surgiu embaixo das mininaves. À frente da Gevari I formou-se uma
bola incandescente. O campo defensivo tremeu.
O castelo do demônio negro abrira fogo contra os dois objetos voadores.
Saedelaere espiou por cima da borda da Gevari I.
Não viu muita coisa. As energias chamejantes impediam quase completamente a
visão da superfície do planeta. Mas olhando através de uma fresta entre o fogo e as
chamas viu o castelo aproximar-se em velocidade alucinante sobre um trilho que subia.
— Está nos seguindo! — gritou Blazon Beta que também observava o castelo.
A Gevari I sofreu mais um impacto. O campo defensivo ameaçou entrar em
colapso. O voo da lente voadora tomou-se irregular. O pequeno veículo espacial não
resistiria a outro impacto.
Desesperado, Alaska girou a direção. A lente voadora voltou a perder altura, mas
conseguiu colocar um trilho normal entre si e a cúpula metálica cinza-azulada.
— Não se atreverão a atirar nos trilhos — disse Saedelaere em tom convicto.
A Gevari I prosseguiu entre dois trilhos que ficavam bem perto um do outro.
Numa manobra arrojada Saedelaere fez voltar o pequeno veículo à abertura. O
castelo ficou para trás embaixo deles. Seus habitantes — se é que existiam —
provavelmente tinham reconhecido que seria inútil continuar a perseguição.
— Passamos! — disse Saedelaere com um suspiro de alívio. Neste momento
lembrou-se da Gevari II e ligou apressadamente o rádio.
Conseguiu imediatamente fazer contato com Blazon Beta.
— A Gevari II já se encontra no espaço — informou o físico-sextadim.
— Muito bem — disse Saedelaere. — Seguiremos diretamente para a Gevari. Não
adianta voltar para Casulo com estes barcos espaciais. O castelo voltaria a atacar
imediatamente.
— Que vai fazer? — perguntou Wyt.
— Não sei — confessou Saedelaere. — Primeiro temos que distanciar-nos dos
acontecimentos. Depois que tivermos trocado ideias tomarei minha decisão.
O resto do voo correu em silêncio. Cada um dos quatro homens ficou entregue aos
seus próprios pensamentos. Uma única vez Saedelaere enviou uma mensagem de rádio a
Kosum para informar que as duas lentes voadoras estavam regressando. Não tomou
conhecimento das perguntas impacientes do emocionauta.
Depois que os barcos espaciais chegaram à nave-mãe, Gucky acordou da paralisia
gemendo. A lembrança dos gritos de socorro telepáticos do plasma ainda era tão forte que
ameaçava esmagá-lo.
3

Alaska Saedelaere acordou de um sono agitado, interrompido por pesadelos, e olhou


para o relógio. Fazia sete horas que tinham voltado de Casulo. O homem lesado por um
transmissor pegou a máscara de plástico e cobriu o rosto desfigurado por um fragmento
de cappin. Ainda estava sob a influência dos acontecimentos no terceiro planeta do sol
Praspa. Depois de examinar-se ligeiramente no espelho saiu da sala a minúscula que
servia de cabine-dormitório.
Quando chegou à sala de comando, só encontrou Kosum, Merkosh e Ribald
Corello. O supermutante estava dormindo no assento carregado por seu robô especial.
Kosum levantou os olhos por um instante quando entrou o comandante da missão.
— Os outros quatro ainda estão dormindo — informou. — Principalmente Gucky
estava completamente exausto.
Saedelaere fez um gesto compreensivo. Também sentia o cansaço pesando em seu
corpo. Tinha de esforçar-se para ficar concentrado na tarefa que tinha pela frente.
— Já concluímos a interpretação dos resultados indicados pelos instrumentos —
informou Kosum. — O que descobrimos confirma com poucas exceções o que o senhor
disse.
Saedelaere deixou-se cair num assento e massageou a nuca com as duas mãos.
— Uma coisa parece certa — prosseguiu Kosum. — As gigantescas montanhas
amarelo-ocres de Casulo são da mesma substância que o plasma que cobriu parte dos
trilhos energéticos. Corello manifestou a suspeita de que possa tratar-se de um número
enorme de conquistadores amarelos cujo processo de divisão celular entrou num ritmo
explosivo. Parece que a tarefa do chamado castelo consiste em manter esse crescimento
dentro de certos limites. Ainda não sabemos se o castelo e os trilhos foram construídos
para este fim.
Saedelaere apertou as mãos contra as braçadeiras de sua poltrona. O que Kosum
estava dizendo quase ultrapassava a capacidade de sua imaginação.
Será que Casulo era um mundo ao qual os conquistadores ou soberanos amarelos
levavam seus doentes?
O homem de máscara endireitou-se na poltrona.
— Vamos basear-nos nas informações que já temos — sugeriu. Sua voz acordou
Corello. O mutante fez um sinal para Saedelaere, mas não o interrompeu. — Podemos ter
certeza de que os conquistadores amarelos iniciam o processo de divisão em toda galáxia
na qual entram com o “Enxame”.
— Realmente — confirmou Kosum. — Para isso é preparado certo número de
mundos fora do “Enxame”.
Saedelaere fechou os olhos e deitou a cabeça para trás.
— Em nossa galáxia a onda principal ainda está por chegar. Por enquanto só
enfrentamos uma vanguarda. — O homem de máscara estalou os dedos. — Tenho certeza
de que essa vanguarda não veio para fazer experiências. Sou de opinião que alguns
conquistadores amarelos se dividem antes do tempo previsto e por isso são levados a
mundos apropriados antes dos outros.
— Quer dizer que nem todos os conquistadores amarelos iniciam o processo de
divisão ao mesmo tempo? — conjeturou Corello.
— Sem dúvida. Podemos admitir que existem certos casos em que a divisão se
realiza com intervalos menores. Segundo parece, essas criaturas estranhas não querem
realizar a divisão dentro do “Enxame”. Por isso alguns deles podem entrar num conflito
grave. É possível que dentro do “Enxame” existam seres que se dividem
ininterruptamente. São degenerados, incapazes de controlar o processo de reprodução.
— Acha que os seres que encontramos em Casulo são dessa espécie? — perguntou
Merkosh.
— Seria uma boa explicação.
A conversa foi interrompida pelo rato-castor, que materializou na sala de comando
da Gevari. Gucky parecia completamente recuperado da aventura que enfrentara no
planeta Casulo.
— Gucky sem dúvida poderá dar-nos algumas informações — disse Saedelaere. —
Afinal, manteve contato telepático com o plasma.
Mas logo se descobriu que o ilt não podia ajudar.
— Senti principalmente o medo que o plasma tinha do demônio negro — relatou
Gucky. — Quem viu como o castelo agiu contra os degenerados pode compreender esse
medo. Infelizmente não descobrimos quem é o demônio negro. Talvez sejam vários
soberanos amarelos que continuam normais e vigiam seus companheiros degenerados. É
claro que também pode tratar-se de uma estação robotizada sem tripulantes.
— Você tem de informar tudo que sabe — pediu Corello. — Qualquer detalhe pode
ser importante.
Os outros olharam ansiosamente para o rato-castor. Mas Gucky levantou os
bracinhos como quem não sabe o que fazer.
— Achei estranho que o plasma parece convencido de que todos os habitantes do
“Enxame” são pacatos. — O rato-castor sacudiu a cabeça recordando os impulsos. —
Quando comuniquei aos degenerados que viemos para salvar nosso povo da destruição,
eles mostraram-se incrédulos. O plasma parece ter certeza de que fora do “Enxame” não
acontece nada que possa pôr em perigo a vida dos outros.
Merkosh trombeteou indignado.
— Essa atitude quase pode ser chamada de esquizofrênica.
— Suponhamos que o plasma do planeta Casulo está convencido de que o
“Enxame” é inofensivo — prosseguiu Gucky. — Por que teria tanta certeza?
— Não precisamos responder a esta pergunta — opinou Saedelaere. Parecia um
pouco impaciente. — Não devemos perder tempo com teorias. Vamos basear-nos nos
fatos que conhecemos.
— Devo confessar que tudo me parece ainda mais misterioso. — afirmou Merkosh.
***
As horas seguintes foram gastas em mais uma interpretação minuciosa de todos os
dados, resultados fornecidos pelos instrumentos e fotografias, da qual desta vez
participaram todos os tripulantes da Gevari. Apesar de todos os esforços, a maior parte
das perguntas que os astronautas se faziam depois da primeira visita ao terceiro planeta
ficaram sem resposta.
Saedelaere confessou a si mesmo que no fundo não sabiam nada além do que já
sabiam antes de sua perigosa excursão. Tinham uma suspeita, mas nenhuma certeza. Suas
reflexões baseavam-se em teorias, não em fatos.
Depois de um exame mais cuidadoso, que por enquanto não se sabia se seria
realizado, poderia surgir um quadro bem diferente.
A obstinação com que os tripulantes da Gevari seguiam qualquer pista não podia
esconder o fato de que em toda parte só encontravam novas perguntas.
Mas um êxito eles tinham alcançado. Casulo era um mundo onde aconteciam coisas
importantes. O terceiro planeta do sistema escondia a solução de muitos enigmas.
Saedelaere até estava convencido de que em Casulo poderiam encontrar
esclarecimentos sobre a origem e as intenções dos conquistadores amarelos.
Por isso estava decidido a voltar mais uma vez a Casulo.
Ainda não disse nada aos outros. Em vez disso prescreveu uma pausa de algumas
horas a si e seus amigos.
A Gevari dava voltas lentamente em torno do sol vermelho chamado Praspa, em
cujo sistema ainda não tinham aparecido naves estranhas.
Parecia que o setor era evitado pelos habitantes do “Enxame”.
***
Quando olhou para os rostos dos homens e dos dois extraterrestres que estavam
reunidos na saía de comando, Saedelaere teve a impressão de ver neles sinais de que
sabiam de sua decisão. Isso não era nenhum absurdo. A maior parte dos tripulantes
conhecia-se bem e há bastante tempo, e por isso podia adivinhar alguns pensamentos e
intenções dos companheiros.
— Acho que não precisamos discutir tudo mais uma vez — disse Blazon Beta
contrariado. — O resultado seria praticamente nulo.
— Sou da mesma opinião que o senhor — respondeu Saedelaere em tom calmo. O
homem de máscara conhecia os modos agressivos do físico-sextadim.
Os outros o fitaram com uma expressão de curiosidade.
Nos primeiros meses depois do acidente sofrido num transmissor, esses olhares
teriam deixado Saedelaere nervoso e embaraçado. Mas naquele momento eles não o
incomodavam mais. Também sabia que os astronautas que se encontravam a bordo da
nave já se tinham acostumado a vê-lo.
Os outros não puderam ver o homem lesado por um transmissor sorrir
instintivamente embaixo da máscara. Ninguém nunca via quando Saedelaere sorria.
O homem magro ergueu-se.
Sua voz, que muitas vezes dava a impressão de que tinha dificuldade em pronunciar
as palavras, encheu a sala de comando.
— Não devemos sair do sistema de Praspa. Acho que é muito importante. Casulo é
um mundo no qual podemos encontrar a solução de muitos dos enigmas do “Enxame”.
Infelizmente também é um mundo que não revela seus segredos voluntariamente. Em
nossa primeira visita mal e mal escapamos com vida.
— Não nos deixe curiosos, Alaska! — exclamou Gucky. — Já sabemos o que
pretende fazer.
— Nesse caso ninguém deve ficar surpreso se eu disser que quero voltar mais uma
vez para Casulo.
— Desta vez os golpes do castelo serão mais rápidos — profetizou Blazon Beta. —
Com as lentes voadoras não teremos nenhuma chance.
— Disso eu sei. — Saedelaere fez um movimento abrangente. — Por isso iremos na
Gevari. Além de oferecer mais segurança, a nave permitirá melhores medições e
operações de rastreamento.
Blazon Beta puxou a trança comprida por cima do peito e segurou-a com ambas as
mãos.
— Não me diga que está falando sério.
— O senhor não conhece Alaska — observou Merkosh. — Ele sempre diz o que
pensa.
O cientista baixo deu um passo na direção de Saedelaere. Estava com o rosto
vermelho.
— Talvez os boatos que circulam a respeito do senhor sejam verdadeiros.
— Faça o favor de explicar melhor — disse Saedelaere em tom penetrante.
— Diz-se por aí que o senhor não tem muito apego à vida. — Blazon Beta apontou
para a máscara que cobria o rosto de Alaska. — É por causa dessa máscara. Dizem que o
senhor procura a morte. Isso naturalmente é problema seu, mas o senhor não tem o direito
de envolver outras pessoas nisso.
Ficou tão quieto na sala de comando que Kosum ouviu o zumbido baixo dos
computadores positrônicos.
Kosum não tirava os olhos de Saedelaere. Acompanhou suas reações com um
interesse quase científico.
— Nunca ninguém me disse que se fala a respeito disso.
Balton Wyt certamente tinha a impressão de que devia ajudar Saedelaere.
— Isso não é de admirar! — observou Blazon Beta. — O senhor nunca vai ouvir
falar nisso. Nem o senhor nem Gucky. E nem Kosum. Nenhuma pessoa importante
ouvirá falar a respeito disso. Ninguém se atreve a tocar no assunto com os senhores. Mas
não ficarei quieto. Não permitirei que esta nave, que é muito importante, seja colocada
em perigo. Temos uma missão a cumprir e só podemos fazê-lo com esta nave, isto
mesmo se continuarmos vivos.
Blazon Alfa chegou perto do irmão.
— Ele é um esquentado — disse numa tentativa de desculpar seu procedimento.
— Bobagem! — Blazon Beta virou-se rapidamente para ele.
— Digo o que penso.
— Talvez ele tenha razão — disse Saedelaere muito calmo.
— Mas não é o que interessa no momento. Temos de voltar para Casulo. Aquele
que acreditar que isto é um erro pode ser deixado em Praspa IV. Quem não quiser
acompanhar-nos para Casulo terá à sua disposição um disco voador com o respectivo
equipamento.
Ninguém se manifestou.
— E o senhor, Mr. Blazon? — perguntou Saedelaere.
Os olhos do homem baixo chisparam.
— Irei a Casulo com o senhor — disse em tom exaltado. — Mas daria muita coisa
para descobrir o que acontece atrás de sua máscara.
— Estou sorrindo, Mr. Blazon — respondeu Saedelaere laconicamente.
4

Mentro Kosum começou a fazer os cálculos de uma nova rota. Segundo o plano de
Saedelaere, deveriam verificar primeiro em que lado do mundo dos trilhos se encontrava
o castelo do demônio negro. Desceriam exatamente do lado oposto.
A primeira dianteira que conseguiriam com isso devia dar-lhes tempo suficiente
para procurarem um esconderijo.
Kosum sabia que não seria fácil achar o castelo. Em comparação com a malha de
trilhos seu tamanho era pequeno. Além disso seus impulsos seriam abafados pelos dos
trilhos.
Da primeira vez não tinham descoberto o castelo antes do pouso. Mas desta vez
sabiam de sua existência e podiam concentrar-se na procura.
Para achar o castelo, tinham de arriscar o pouso sem um prévio rastreamento.
“Se não acharmos o castelo — ele nos descobrirá de qualquer maneira!”, pensou
Kosum num rasgo de sarcasmo.
O computador forneceu-lhe os dados de que precisava. Desta vez também não
usaria o capacete-SERT para dirigir a nave.
O astronauta dirigiu-se a Alaska.
— Tudo pronto!
A Gevari abandonou sua posição e seguiu em direção ao planeta Casulo.
***
A estação de trilhos apareceu por alguns segundos na tela de imagem do
telerrastreamento.
— Lá está ela! — exclamou Mentro Kosum e acelerou a Gevari, levando-a de volta
ao espaço.
— Seus movimentos são relativamente lentos — disse Saedelaere. — Isso aumenta
nossas chances de pousarmos sem sermos notados.
Kosum fitou-o com uma expressão de ceticismo.
— Se não encontrarmos um bom esconderijo logo depois do pouso, o castelo nos
localizará e atacará.
A Gevari voltou a aproximar-se do mundo dos trilhos. Seus rastreadores tinham
detectado o castelo do demônio negro na face noturna do planeta. Naquele momento o
veículo em forma de disco sobrevoava a face diurna. Os tripulantes distinguiram
formações de nuvens na atmosfera, através da cúpula de plástico blindado. Os trilhos
energéticos apareciam nas telas.
— Há uma gigantesca montanha de plasma embaixo de nós — informou Balton
Wyt. — Se as indicações dos instrumentos forem corretas, algumas montanhas têm cinco
mil metros de altura.
Saedelaere se perguntou quanto tempo já devia ter durado a proliferação dos
degenerados para que eles produzissem formações desse tamanho. Provavelmente Casulo
existia há milênios no estado em que se encontrava. Mas não se sabia se o castelo tinha a
mesma idade.
— Onde vamos pousar? — perguntou Kosum.
Saedelaere refletiu um instante. No início pensara em procurar um esconderijo entre
os trilhos cobertos de plasma. Lá poderiam ter certeza de não serem descobertos e
atacados logo pelo castelo.
Mas naquele momento Alaska teve uma ideia melhor.
— Acho que devemos tentar pousar no meio das montanhas de plasma.
Wyt manifestou suas dúvidas.
— Será que os degenerados concordam com isso?
Saedelaere já esperara essa objeção. Dirigiu-se a Gucky.
— Você se julga bastante forte para voltar a estabelecer contato com o plasma
inteligente?
O rato-castor respondeu que sim.
— Espero que os degenerados estejam mais calmos. Aí será fácil entrar em contato
com eles.
A Gevari perdia altura rapidamente. Passou por uma abertura entre os trilhos
energéticos brilhantes e desceu sobre uma cadeia de montanhas de plasma. Os
astronautas viram que as montanhas tinham coberto grandes extensões de trilhos. Nesta
área o castelo certamente não podia deslocar-se mais. Saedelaere viu-se reforçado na
decisão de pousar em algum lugar nessas montanhas de plasma.
Kosum reduziu a velocidade. Dali em diante tudo dependeria de Gucky.
— Sinto os impulsos do plasma — informou o ilt. — Os degenerados ainda são
dominados pelo medo que sentem do castelo do demônio negro, mas estão muito mais
calmos que no momento do ataque.
Os outros tripulantes ficaram calados.
O ilt concentrou-se. Demorou algum tempo que alguns dos indivíduos ligados ao
plasma notassem sua presença.
— Ofereço-lhes paz e amizade em nome de XYM-Xatharma, o bondoso —
transmitiu Gucky. — Nosso contato foi interrompido pelo ataque do demônio negro.
A resposta que Gucky recebeu foi um sentimento de gratidão. Compreendeu
imediatamente o que os seres que viviam em Casulo queriam exprimir. Tinham visto na
retirada dos dois discos voadores e seus tripulantes uma tentativa de trazer ajuda. Logo
depois da fuga o castelo suspendera o bombardeio.
— Não queremos criar dificuldades — prometeu Gucky. — Mas pedimos que nos
indiquem um lugar seguro para pousar.
Mais uma vez houve uma pausa prolongada. Gucky sentiu a impaciência dos
companheiros e disse:
— Parece que os degenerados estão trocando ideias.
Kosum examinou os controles.
— Se nos fizerem esperar mais, o castelo nos descobrirá e aparecerá por aqui.
Gucky transmitiu os receios de Kosum ao plasma.
A resposta foi imediata.
— Resolvemos acolher vocês.
O ilt fez um sinal para Kosum.
— Pode descer mais, Mentro.
— Onde, por todos os planetas, devo pousar?
— Ainda não sei — respondeu Gucky. — Mas os degenerados nos darão um sinal
que não podemos deixar de compreender.
Kosum fitou Saedelaere com uma expressão de dúvida. Mas apesar disso desligou
os propulsores normais da nave e deixou que ela descesse em direção às montanhas
sustentadas por seus campos antigravitacionais. Desta forma evitava que as massas de
plasma fossem feridas pelas emanações dos bocais dos jatos. Gucky acenou com a cabeça
para Kosum.
— Nossos novos amigos agradecem — disse traduzindo os impulsos telepáticos que
estava recebendo. — Perceberam que os propulsores foram desligados em consideração a
eles.
Kosum observou as telas. A Gevari estava suspensa num grande vale. De ambos os
lados paredões amarelo-ocres erguiam-se ao céu. Kosum não conseguia imaginar que
essa massa imensa pudesse ter vida. Mas devia acostumar-se à ideia. Qual fora a origem
da proliferação anormal das células?
Kosum mordeu o lábio. Não devia pensar nisso; precisava concentrar-se
exclusivamente no voo da nave. Desde o momento em que a Gevari se encontrava no
interior do vale, o funcionamento de seus controles voltara quase ao normal. As
montanhas de plasma mantinham afastadas as emanações dos trilhos energéticos.
— Vá mais devagar, Mentro! — gritou Gucky. — O esconderijo que os
degenerados escolheram para nós deve ficar perto.
Kosum olhou para as telas e observou as montanhas de plasma através da cúpula de
plástico blindado.
A cadeia de montanhas não podia ser comparada com as elevações naturais que
Kosum vira na Terra e em outros planetas. Faltavam os desfiladeiros profundos, as
formações rochosas entrecortadas e os picos íngremes. O plasma formava colinas suaves
e passagens uniformes. Não se viam pontas salientes nem cumes altos. A paisagem
sobrevoada pela Gevari parecia antes um gigantesco monte de mingau.
De repente um buraco de cem metros de diâmetro abriu-se no paredão de plasma,
perto da Gevari.
Saedelaere viu-o imediatamente. Apontou para a tela.
— Olhem! O plasma está formando uma caverna.
Kosum cocou nervosamente a cabeça. Não se sentia muito bem ao lembrar-se de
que teria de fazer entrar a Gevari na abertura. O que sabiam a respeito dos degenerados
era muito pouco.
O que aconteceria depois que a Gevari entrasse no esconderijo?
Saedelaere notou a hesitação do emocionauta.
— Acho que podemos confiar nos degenerados — disse.
Gucky concordou.
— Se quisessem enganar-nos, eu sentiria. Pode entrar tranquilamente no
esconderijo oferecido, Mentro.
— Apesar disso vamos preparar-nos para uma fuga rápida — sugeriu Blazon Beta
em tom desconfiado. — Ninguém sabe o que acontecerá daqui a alguns minutos.
A nave já se aproximara a algumas centenas de metros da abertura surgida de
repente. Na caverna gigantesca estava escuro. Kosum se perguntou se o plasma possuía
bastante estabilidade para sustentar o peso da nave.
— É um risco que temos de assumir — decidiu Alaska e olhou para o rato-castor
agachado numa poltrona. — Se a situação ficar perigosa, o baixinho nos avisará.
A decisão do comandante tinha sido tomada. Kosum fez a Gevari entrar na caverna
e ligou os faróis externos.
Viu paredes irregulares de cor amarela. O plasma fazia movimentos ligeiros.
Kosum fez a Gevari pousar suavemente.
Viu as encostas do outro lado através da abertura. Nas telas de projeção do
telerrastreamento via-se que grande parte delas estava coberta de vegetação.
Kosum chamou a atenção de Saedelaere para o que acabara de descobrir.
— Provavelmente é uma simbiose — opinou o homem de máscara. — Mais tarde
Gucky poderá investigar o fenômeno.
Neste momento uma porção de plasma desceu sobre a abertura da caverna.
Num movimento instintivo Kosum aproximou a mão do botão de acionamento do
canhão energético pesado.
Saedelaere viu o movimento.
— Pare! — ordenou. — Isso não quer dizer nada. Os degenerados fecharam a
caverna por motivos de segurança. Vão abri-la para nós assim que for necessário sair
dela. Não é verdade, baixinho?
— É, sim — confirmou o rato-castor. — Meu contato com os degenerados
melhorou muito. Eles afirmam que nosso pouso não foi notado. A área na qual nos
encontramos nunca foi atacada pelo castelo. Podemos dedicar-nos com toda calma aos
degenerados.
A ideia de obter informações importantes nas próximas horas deixava Saedelaere
mais animado. Ainda bem que depois de terem atravessado o campo flexível haviam
descoberto o sistema de Praspa.
Talvez lá descobrissem coisas muito importantes. Corello, que permanecera calado
durante a operação de pouso, pediu a palavra.
— Também recebo os impulsos desses seres. São mesmo de índole pacífica e estão
dispostos a ajudar.
Se a massa plasmática do planeta Casulo realmente era formada por conquistadores
amarelos degenerados, eles tinham sofrido mudanças não apenas no físico, mas também
na mente.
Ou será que tudo que sabiam a respeito do “Enxame” não passava de uma ilusão.
5

No início a conversa com o plasma, mantida primeiro por Gucky, e mais tarde
também por Ribald Corello, mostrou-se complicada e pouco produtiva. Os degenerados
não eram capazes de controlar suas emoções. Gucky e Corello eram obrigados
constantemente a erguer barreiras psíquicas para não enfrentar dificuldades.
Durou algumas horas até que os dois conseguiram ter uma ideia aproximada dos
acontecimentos verificados no planeta Casulo.
No início o planeta fora um mundo completamente normal. Da mesma forma como
em muitos outros planetas dentro do “Enxame”, nele viviam conquistadores amarelos.
Mas depois de algum tempo houve uma catástrofe. Pelos cálculos de Saedelaere
isso devia ter acontecido há vários milênios. Houve uma perturbação nos mecanismos de
ajuste dos seres que habitavam o planeta Casulo. Enquanto o “Enxame” viajava de uma
galáxia para outra, os habitantes de Casulo começaram a dividir-se antes do tempo.
Demoraram demais em chegar a um planeta estranho, no qual poderiam realizar o parto
num ambiente preparado. Em virtude disso houve uma explosão de células, temidas por
todos os seres amarelo-ocres. Ela se manifestou em forma de uma doença altamente
contagiosa, que poderia atingir todos os conquistadores amarelos e colocá-los num estado
parecido com o dos habitantes de Casulo.
A tripulação da Gevari deduziu das informações dos degenerados que em outros
mundos já houvera problemas semelhantes aos de Casulo.
— Já compreendo por que por duas vezes uma vanguarda saiu do “Enxame” —
disse Alaska. — Os amarelo-ocres desceram no planeta dos insetos e nos das amazonas
para evitar mais uma catástrofe.
O plasma confirmou a hipótese.
Explicou que para uma divisão antecipada deviam ser preparadas as pousadas dos
aclars, uma vez que o processo de parto só podia ser realizado em certas condições.
— Precisamos descobrir por que numa situação de emergência não iniciam a
divisão dentro do “Enxame” — disse Kosum.
Gucky e Corello fizeram perguntas sobre isso aos degenerados.
O plasma não pôde dar uma resposta satisfatória. Alguma coisa que havia dentro
deles impelia os soberanos amarelos a saírem constantemente do “Enxame”. Em hipótese
alguma deviam ser usados mundos. Era um rito complicado, para o qual nem mesmo os
degenerados tinham uma explicação. — Acho que estão contando a verdade — disse
Gucky. Alaska começou a compreender certas coisas. Os seres que antigamente
povoavam o planeta Casulo tinham sido vítimas de uma divisão explosiva das células.
Dividiam-se e voltavam a dividir-se, davam origem a novos seres sem parar, até
transformar-se nas montanhas gigantescas. Mas apesar desse processo não tinham
perdido a inteligência.
— Já sei por que não encontramos nenhuma espaçonave no sistema de Praspa! —
exclamou Kosum. — Os que continuam normais evitam o sistema porque não querem
correr o risco de contaminar-se. O foco de doença dentro do “Enxame” é uma zona
proibida.
— Para os conquistadores amarelos esta forma de divisão celular é uma doença
mortal — explicou Gucky. — A contração da doença equivale à perda da alma, uma vez
que nenhum doente pode alcançar os leitos de aclar.
Saedelaere concentrou-se para refletir. Em seguida voltou a dirigir-se a Gucky.
— Há uma coisa que não compreendo — disse. — O plasma afirma que ele mesmo
e os conquistadores amarelos não são perigosos. Não pode ignorar os acontecimentos
terríveis que já se verificaram em nossa galáxia. Pergunte aos degenerados como encaram
o fato de centenas de milhares de dianas terem morrido em condições horríveis. Explique
ao plasma que a modificação da constante gravitacional e da temperatura média dos
mundos escolhidos para a procriação representa a morte de bilhões de seres.
— Vou tentar — disse Gucky. — Mas tenho medo de não ser compreendido.
Os homens e Merkosh ficaram atentos ao verem Gucky e Corello concentrar-se.
Corello já mostrava os primeiros sinais de exaustão.
Finalmente Gucky informou suspirando:
— Aconteceu o que eu receava. Não compreendem o que quero que eles façam.
— Eles não querem compreender! — disse Alaska em tom ríspido.
— Não é verdade — interveio Corello. — Estes seres não compreendem que seus
semelhantes possam ter causado alguma desgraça. Simplesmente não acreditam.
A conversa silenciosa continuou.
Saedelaere ficou cada vez mais impaciente. Achava que o plasma o fazia perder
tempo.
— Cometemos um grande engano, Alaska — afirmou Gucky depois de algum
tempo. — Os conquistadores amarelos não merecem este nome. Não são conquistadores.
— O quê? — exclamou o homem lesado por um transmissor em tom surpreso. —
Tomara que você tenha uma explicação para o que acaba de dizer.
— A explicação é simples e convincente — respondeu o ilt. — Estes seres possuem
uma coisa que poderíamos chamar de instinto das aves migratórias. Atravessam o
Universo e voam de uma galáxia para outra para pôr filhos no mundo. Como qualquer
ave migratória que muda de lugar, ou qualquer salmão que sobe os rios pondo em perigo
a própria vida para chegar ao local de desova, eles não têm nenhuma compreensão ou
sentimento pela desgraça que causam. Os amarelo-ocres descem em mundos estranhos,
manipulam-nos com toda naturalidade, procriam e voltam a sair. — Gucky fez um gesto
desolado. — Para eles isto é a coisa mais natural deste mundo.
Alaska praguejou e deixou-se cair pesadamente na poltrona.
— Se realmente é assim, os conquistadores amarelos são assassinos contra a
vontade — disse.Kosum.
— Isso mesmo — confirmou Gucky. — Não acredito que possam ser
responsabilizados pelo que fazem.
Saedelaere rebelava-se contra a ideia. Como poderiam lutar com seres que no fundo
não queriam fazer nenhum mal?
Se fosse confirmado que os conquistadores amarelos eram guiados por um instinto,
surgia logo uma pergunta. Será que os terranos tinham o direito de combatê-los por causa
disso? Os habitantes do “Enxame” eram seres inteligentes que não podiam ser
comparados com um bando de gafanhotos que pode ser destruído sem nenhum escrúpulo.
— Existe um erro em tudo isso — disse Saedelaere. — O plasma não pode fazer-se
de desentendido diante das atrocidades cometidas pelos purpurinos e pelos instaladores
do “Enxame”. Deve saber o que aconteceu e ainda acontece em nossa galáxia.
Apresente--lhes uma descrição detalhada.
— Por enquanto não estou mais nessa — gemeu Corello. — Estas sessões
telepáticas são muito difíceis. Não tenho forças para continuar nelas.
— Pois eu continuo — disse Gucky. — Explicarei aos degenerados o que aconteceu
na Galáxia.
Desta vez houve uma pausa maior. Saedelaere e Kosum conversaram em voz baixa
para não perturbar a concentração de Gucky.
— Qual é sua opinião? — perguntou Kosum.
Saedelaere olhou para o chão.
— Não consigo acreditar nisso.
— Se for verdade, enfrentaremos graves problemas mentais.
— Que motivo poderiam ter para mentir a Gucky? — perguntou Saedelaere. —
Deve ser verdade.
O rosto do emocionauta não mostrava o que havia dentro dele.
— Talvez o plasma esteja louco e tenha inventado a história. O homem lesado por
um transmissor recostou-se e fechou os olhos. Sentiu o fragmento de cappin mexer-se.
Isso não era nada de anormal e Saedelaere já estava acostumado.
— Devemos aguardar outras informações — disse Blazon Beta. — O que sabemos
é muito vago. Não serve para nada.
Kosum olhou fixamente para Saedelaere.
— Que faria o senhor se conseguisse entrar em contato com a Intersolar e com
Perry Rhodan neste momento?
Alaska entendeu perfeitamente o sentido da pergunta.
— Não sei — confessou. — Talvez não revelaria o que acabamos de descobrir. Pelo
menos até que tivéssemos certeza de que as informações do plasma são verdadeiras.
Kosum sorriu.
— Existem momentos na vida das pessoas em que aquilo que se acredita ser um
prejuízo acaba representando uma vantagem.
— Quer dizer que é bom não termos contato com Rhodan?
— Isso mesmo.
A conversa foi interrompida por Gucky. O rato-castor respirava com dificuldade,
mas empertigou-se num gesto resoluto.
— Falei minuciosamente a respeito dos problemas existentes — anunciou. — A
problemática mudou, na melhor das hipóteses está deslocada. Não existe nenhuma dúvida
de que os conquistadores amarelos são aves migratórias cósmicas que se guiam pelo
instinto. O plasma explicou isto de forma clara e convincente.
— E as atrocidades? — quis saber Balton Wyt.
— Os conquistadores amarelos duvidam que tenha havido alguma. — Gucky foi
para perto de Saedelaere e apoiou-se em suas pernas. — É bem verdade que reconhecem
já ter havido uma lei que exigia a proteção do sagrado processo de reprodução contra a
ação destrutiva de seres estranhos.
— É possível que essa lei tenha sido a origem de tudo aquilo que hoje nos causa
dificuldades — acrescentou Corello.
— Quer dizer que os conquistadores amarelos perderam o controle de suas equipes
de apoio e povos protetores — disse Merkosh.
— Deve ser isso mesmo — confirmou Gucky. — Pelo menos é a única explicação
lógica que me ocorre no momento.
O ilt comunicou outros detalhes. As respostas que tinha recebido dos degenerados
pareciam confusas. As opiniões dos amarelo-ocres eram produto de uma mentalidade
muito diferente.
— Como se guiam por um instinto, — afirmou Gucky — eles acham que ninguém
se atravessará em seu caminho. Os planetas que visitam e modificam fazem parte de sua
vida. Se seus semelhantes escolhem um mundo, passam a manipulá-lo e acabam usando-
-o como local de procriação, os degenerados acham isso bem normal. Tão natural como o
nascer e o pôr-do-sol.
Se os degenerados não estavam mentindo, o único problema dos terranos era
explicar aos conquistadores amarelos que sua ação representava a desgraça de outros
povos.
— Por mais estranho que isto possa parecer, os degenerados só têm uma ideia
abstrata do ato de matar — prosseguiu Gucky.
Saedelaere ergueu o braço. Gucky interrompeu-se.
— Se a palavra matar não faz parte de seu vocabulário, como se explica a existência
do castelo do demônio negro que abre fogo contra o plasma doente e mata parte dele?
Blazon Beta encarou Saedelaere com uma expressão benevolente.
— Uma boa pergunta. Estou curioso para saber qual será desta vez a explicação dos
degenerados.
Parecia que os amarelo-ocres não demoraram em dar a resposta, pois Gucky fez um
gesto para mostrar que compreendia e disse:
— Existe uma lei que proíbe a destruição dos planetas contaminados com amarelo-
-ocres infectados. Os doentes devem ser protegidos da destruição completa. Os seres que
vigiam a massa plasmática vivem no castelo do demônio negro. Cabe-lhes controlar a
proliferação doentia a tal ponto que os degenerados podem continuar vivos, não morrem
sufocados ou de frio e recebem o alimento de que precisam. Só matam partes do plasma
para que a massa principal continue viva.
Blazon Alfa soltou um gemido.
— Que lógica macabra!
— Acabo de me lembrar de mais uma coisa — disse Saedelaere. — Os degenerados
sabem qual é a finalidade do castelo, mas têm medo dele e tentam escapar aos seus
ataques.
— Além de ter medo, eles o odeiam — informou Gucky. — Isso é compreensível.
É claro que os degenerados sabem por que o castelo do demônio negro está em Casulo e
regula o crescimento do plasma, mas como quase todos os seres inteligentes, os amarelo-
-ocres possuem um instinto de auto-conservação bastante acentuado. Lutam contra o
castelo. Inspirados pelo ódio e pelo medo, conseguiram cobrir alguns trilhos e torná-los
energeticamente estéreis. Certas partes do plasma tomaram-se imunes aos raios térmicos
do castelo. São capazes de absorver os tiros das torres de canhões. Os trilhos estéreis não
podem ser usados pelo castelo. Mas apesar disso o conjunto de trilhos alcança todos os
pontos da superfície do planeta.
— Que história fantástica! — comentou Kosum. — De qualquer maneira as
informações dos degenerados explicam algumas coisas acontecidas nos últimos meses
que para nós continuavam sendo um mistério.
— Resumindo, podemos afirmar que os conquistadores amarelos são seres pacatos
que seguem um instinto — disse Blazon Beta em tom sarcástico. — Quais não são nossas
perspectivas! Alguma vez o homem impediu uma ave migratória de fazer o que seu
instinto manda?
— Desta vez nossa existência está em jogo — ressaltou Gucky. — Aí as coisas
mudam de figura.
Saedelaere sabia que poderiam passar horas a fio discutindo o problema sem chegar
a uma conclusão.
— Entramos no “Enxame” para colher informações — lembrou aos outros. — Até
aqui fomos bem-sucedidos. Não nos cabe tirar as conclusões que essas informações
permitem. E não devemos tomar decisões.
— Mas apesar disso o senhor poderia ajudar-me — respondeu Kosum. — Os
amarelo-ocres ainda são nossos inimigos ou não são?
Saedelaere fitou-o com uma expressão pensativa. Sabia perfeitamente aonde o
emocionauta queria chegar.
— Cada tripulante da Gevari poderá decidir isso segundo sua consciência — disse
Alaska.
Merkosh encarou-o com uma expressão de indiferença.
— E qual foi sua decisão?
— Empurro a decisão com a barriga — respondeu Alaska diplomaticamente. —
Depois que tivermos outras informações, eu a comunicarei.
— Que pretende fazer para descobrir outras coisas? — quis saber Wyt.
— É fácil — respondeu Alaska e apontou para a eclusa. — Vamos sair e dar uma
olhada lá fora.
6

Saedelaere e Gucky colocaram os trajes de proteção. O ilt informara os degenerados


telepaticamente sobre o que pretendiam fazer. O plasma os alertara para o castelo, mas se
mostrara disposto a abrir a caverna, para que Alaska e Gucky pudessem sair.
— Vamos ficar em contato pelo rádio? — perguntou Kosum.
— Não nos comunicaremos pelo rádio, a não ser que haja um imprevisto — decidiu
Alaska. — O perigo de sermos detectados seria muito grande. Por isso mesmo Gucky e
eu sairemos sozinhos. Se o castelo aparecer, o rato-castor poderá saltar comigo de volta
para a caverna.
Kosum olhou para Gucky com uma expressão preocupada.
— Ele já está bastante forte?
Gucky fitou o emocionauta com uma expressão de desafio.
— Estou bem! — exclamou.
— Não quero ver ninguém nervoso! — advertiu Kosum. — Isso poderia fazer mal
aos nervos maltratados de Gucky.
O rato-castor exibiu o dente roedor para o emocionauta e fechou o capacete que
fazia parte do traje especial. Saiu caminhando para a eclusa atrás de Saedelaere.
— Se de trás Gucky se pudesse enxergar, ele preferiria andar, e não os pés arrastar
— rimou Kosum.
O rato-castor parou e virou-se devagar. Apoiou os bracinhos nos quadris.
Kosum sorriu e prosseguiu:
— Mas melhor que os pés arrastar ou torto andar, é teleportar — a gente para ele
não precisa olhar.
Sem que Kosum, que estava sentado de costas para o reservatório de água, pudesse
ver, uma bola de água desprendeu-se e ficou suspensa em cima de sua cabeça.
— Nunca me joguem na mesma panela com Kosum, o cabeça de água! — gritou
Gucky em tom estridente.
No momento em que disse cabeça de égua, a bola de água estourou e caiu na cabeça
de Kosum.
O emocionauta enxugou o rosto e soprou a água. Gucky acenou para ele.
— Eis a moral da história, não se perturba um ilt quando arrasta os pés.
— Basta — disse Alaska. — Vamos sair.
Saedelaere também fechou o capacete e entrou na câmara da eclusa. A atmosfera de
Casulo não era venenosa, mas por enquanto Alaska não queria assumir nenhum risco.
Não sabiam o que encontrariam do lado de fora.
A parede externa da eclusa deslizou para o lado. A luz dos dois faróis do capacete
caiu na caverna de plasma.
Saedelaere saiu da eclusa. Seus pés tocaram o chão formado por plasma. Parecia
macio e elástico. Para Saedelaere a ideia de ter de andar sobre seres vivos tinha algo de
deprimente. Achava que as montanhas no interior das quais se encontravam deviam ser
formadas por bilhões de conquistadores amarelos.
Gucky e seu companheiro terrano pararam à frente da parede exterior da caverna.
Saedelaere olhou para o ilt de cima para baixo.
— Quanto tempo levará esta parede para se abrir?
O ilt transmitiu um impulso telepático aos seres de plasma.
A parede começou a abrir-se à frente dos astronautas. O plasma deslocou-se para o
lado. Uma abertura irregular, que devia ter uns cinco metros no ponto mais largo, surgiu
na parede.
Gucky fez um gesto convidativo.
— O senhor primeiro, amigo.
Alaska ligou o projetor antigravitacional de sua mochila energética. O perigo de
serem detectados era muito pequeno. As emanações dos trilhos abafariam os impulsos do
conjunto energético.
Saedelaere saiu voando pela abertura. Já era noite, mas os trilhos irradiavam
bastante luz para iluminar o vale entre as montanhas de plasma.
Alaska esperou que Gucky chegasse a seu lado.
O vale oferecia um quadro fantástico. Tinha pelo menos cinquenta metros de
comprimento e uns dez quilômetros no lugar mais largo.
A cor dominante era o amarelo-ocre, mas em certas regiões as plantas, arbustos e
até árvores cobriam o plasma, dando uma coloração marrom-esverdeada à paisagem.
Saedelaere girou lentamente em torno do próprio eixo.
— É incrível — disse em voz baixa. — Tudo que estamos vendo são seres vivos.
Alaska levantou a cabeça. Bem acima do vale via-se a luminosidade da rede de
trilhos. Alguns deles tinham sido cobertos pelos seres de plasma.
— Vamos embora? — perguntou o ilt em tom impaciente. Saedelaere não tinha um
destino certo. Queria fazer uma inspeção nos arredores.
Saiu voando junto ao paredão, que era íngreme, mas quase liso. Depois de algum
tempo desceu lentamente. Gucky seguiu-o de perto. Dentro de pouco tempo chegaram a
um lugar em que cresciam plantas parecidas com capim.
Não soprava nenhum vento, mas o capim da altura de um pé humano se mexia. Os
movimentos ondulantes eram provocados pelo plasma. Saedelaere pousou para fazer um
exame mais minucioso do lugar. Gucky descreveu círculos em cima dele.
Alaska teve a impressão de que nessa área o chão era mais firme. Abaixou-se e
passou a mão pelo capim. As plantas pareciam firmes ao tato quando Alaska as soltava.
Raízes finas atravessavam o plasma como veias capilares.
— É uma simbiose — disse Saedelaere. — Se o plasma não concordasse, o capim
não poderia crescer aqui.
— Eu sei — respondeu o rato-castor. — Em uma das transmissões telepáticas o
plasma explicou que as plantas o ajudaram a criar imunidade contra as armas térmicas em
certas áreas. As plantas absorvem parte do calor, formam um escudo.
Saedelaere voltou a levantar voo. Os dois tripulantes da Gevari seguiram adiante.
Saedelaere pousou perto de alguns arbustos de um metro de altura. Os arbustos também
estavam firmemente enraizados no plasma. Quando Alaska quebrou um galho, o plasma
começou a agitar-se embaixo dele.
Depois de algum tempo os dois seres tão diferentes chegaram a um lugar em que
havia um trilho energético passando pouco acima do vale.
—Vamos lá em cima dar uma olhada no trilho? — perguntou Gucky.
Saedelaere teve dúvidas.
— O plasma é capaz de verificar se o castelo está por perto? Depois de fazer
contato telepático com os degenerados, o antigo habitante do planeta Vagabundo disse:
— No momento o demônio negro não representa nenhum perigo para nós.
Gucky perguntara várias vezes, mas os amarelo-ocres não puderam explicar o que
significava a expressão demônio negro. Saedelaere acreditava que os próprios
degenerados não sabiam muito bem quem comandava e habitava a rede de trilhos.
O homem de máscara apontou para o alto.
— Já que é assim, podemos examinar o trilho.
Os dois saíram voando do vale lado a lado. A luz do trilho atingia o visor
transparente de seus capacetes. O sol desaparecera há tempo, mas o vale continuava bem
iluminado.
O trilho estendia-se sobre o vale que nem uma ponte. Algumas ramificações do
plasma erguiam-se em sua direção, mas não o alcançaram.
Saedelaere ainda não pôde verificar de que material era feito o trilho. Voava alguns
metros em baixo dele. O trilho emitia uma luz forte, que doía nos olhos do astronauta,
apesar do visor antiofuscante.
Alaska e Gucky saíram de baixo do trilho e seguiram alguns quilômetros junto a ele.
Não se viam pontos irregulares ou elementos de ligação. Parecia que o trilho era formado
por uma única peça. O pedaço junto ao qual Saedelaere e Gucky voaram tinha sempre a
mesma largura e altura. Parecia que alguém fabricara a peça com um molde gigantesco
para em seguida dar-lhe uma carga energética e colocá-lo em volta do planeta Casulo.
Havia outro enigma. Como era mantida a estabilidade da figura?
Finalmente Saedelaere e Gucky arriscaram-se a subir acima do trilho.
— Estou com vontade de pousar — disse Saedelaere. — Pergunte ao plasma se
existe algum perigo.
— Isso já foi feito — respondeu Gucky. — Os seres amarelo-ocres deram uma
resposta evasiva. Não sabem o que poderá acontecer conosco se entrarmos em contato
com o trilho. Mas não acham que correremos um perigo muito grande se pousarmos nele.
Saedelaere refletiu um instante antes de tirar a arma paralisante que trazia no cinto e
jogá-la sobre o trilho. A arma continuou intacta no lugar em que tinha caído. Nenhum
raio saiu do trilho, nenhuma energia estranha envolveu a arma paralisante.
— Vou tentar — decidiu o homem lesado por um transmissor. — Espere até termos
certeza de que nada nos acontecerá.
Saedelaere desceu devagar sobre o trilho. Primeiro tocou-o cuidadosamente com as
pontas dos pés. Quando viu que não acontecia nada, desligou o projetor antigravitacional,
para que a gravitação de Casulo agisse em cheio sobre ele. Ficou com todo o peso
apoiado sobre o trilho.
Alaska dobrou os joelhos e voltou a erguer-se apressadamente. Repetiu o
movimento várias vezes, bem depressa. Tudo continuou calmo sobre o trilho.
— Tudo bem! — gritou para Gucky. — Pode descer.
Alaska pegou a arma paralisante e voltou a enfiá-la no cinto. Gucky abaixou-se e
apalpou o piso duro.
— Parece ser de metal — disse como quem não tem muita certeza.
— Tudo é possível — respondeu Saedelaere. — Até pode haver formas de energia
estáveis.
Gucky e Saedelaere não ficaram longe um do outro, mas as comunicações pelo
rádio não eram boas. Os aparelhos sofriam a interferência das radiações emitidas pelo
trilho.
— Aqui não descobriremos muita coisa — afirmou Alaska decepcionado. — Para
conseguir outras informações sobre as características dos trilhos energéticos, temos de
trazer alguns instrumentos da nave. Mas não temos tempo para isso. Devemos examinar a
rede de trilhos.
— O que pretende fazer? — perguntou Gucky.
Saedelaere encostou a mão ao visor do capacete e levantou os olhos para a
gigantesca rede de trilhos que se estendia sobre sua cabeça. Dava a impressão de que
estava à procura do castelo.
— Só queria ver esse estranho ônibus sobre trilhos mais de perto — disse.
***
Dentro de três horas Saedelaere e Gucky chegaram ao fim do vale. Estavam de pé
no topo de uma das montanhas mais altas, contemplando a paisagem que era iluminada
somente pelos trilhos. As massas de plasma estendiam-se por vários quilômetros. Suas
ramificações cobriam parte da savana na qual crescia capim, e esta por sua vez era
limitada por montanhas naturais. Atrás destas montanhas, sabia Alaska, começava o mar.
Do lugar em que estavam os trilhos formavam um quadro confuso. Pareciam um
novelo inextricavelmente enredado. Em alguns lugares havia tantos trilhos superpostos
ou interligados que pareciam formar um bloco gigantesco.
Esse mundo, imaginava Saedelaere, nunca revelaria todos os seus segredos. Casulo
era um planeta apavorante, no qual aconteciam coisas misteriosas.
— O que está pensando? — perguntou Gucky.
— Penso neste mundo — respondeu Saedelaere em voz baixa.
— Pois é bom perder esse hábito — aconselhou o ilt. — Isso não dá em nada, a não
ser talvez que você aprenda a ter medo.
Saedelaere foi obrigado a rir.
— Vamos voltar! — decidiu. — Voar adiante não adiantaria e seria perigoso. Além
disso não acredito que com os recursos de que dispomos ainda possamos descobrir coisas
importantes.
— Entrarei em contato com os doentes — avisou Gucky. — Talvez possam dar um
conselho.
Neste momento Alaska viu o trilho que se encontrava a apenas alguns metros deles
começar a tremer. Chamou a atenção de Gucky, que começava a concentrar-se.
— Pergunte o que significa isso. Não quero que o castelo me pegue de surpresa.
Gucky encolheu-se e estabeleceu contato telepático com os conquistadores amarelos
degenerados. Depois de um minuto levantou sobressaltado.
— É o castelo! — gritou em tom de alarme. — Vem para estas montanhas.
Saedelaere praguejou.
— Por que o plasma não nos avisou antes?
— Será que preciso descobrir isso agora? — protestou Gucky. — Não temos muito
tempo.
— Você tem razão, baixinho. Vamos dar o fora.
Alaska segurou a mão de Gucky.
— Teleporte para a caverna em que está a Gevari. É o lugar mais seguro.
— Você acha que o castelo localizou a nave?
Saedelaere hesitou antes de responder.
— Talvez tenha sido um erro pousarmos num trilho. O castelo percebeu o contato e
pode tê-lo interpretado de forma errada. Sem dúvida acredita que se trata de uma
ramificação de plasma querendo cobrir seus trilhos.
— Não... não consigo! — disse Gucky em tom inseguro.
Saedelaere compreendeu imediatamente.
— Você não consegue teleportar?
— Não compreendo — disse o ilt em tom aflito. — Meus poderes telepáticos não
diminuíram, mas no momento não é possível fazer uma teleportação.
— Deve ser por causa das energias estranhas — opinou Alaska. — Não adianta
discutirmos sobre isso. Temos de sair daqui depressa.
O homem de máscara olhou para os trilhos de cima e certificou-se de que o tremor
era mais forte. O castelo do demônio negro poderia aparecer a qualquer momento perto
deles e abrir fogo.
Saedelaere ligou o equipamento de voo. Usou o propulsor normal. Seriam
descobertos de qualquer maneira, e dessa forma iria mais depressa que com o projetor
gravitacional.
Os dois astronautas levantaram voo da montanha de plasma quase ao mesmo tempo.
Saedelaere olhou para cima e viu o castelo do demônio negro descer por um trilho
mais distante. Dali a pouco ouviu o chiado no ar que já ouvira antes.
— Lá está ele! — gritou Gucky. — Vem para cá.
— Vamos descer pelo vale — ordenou Saedelaere.
Os dois astronautas entraram no vale à velocidade máxima. Saedelaere viu o plasma
agitar-se. A cadeia de montanhas começou a ondular. Os picos mudaram de forma. Os
degenerados de Casulo tinham percebido a aproximação do veículo sobre trilhos e
reagiam à sua maneira.
Alaska levantou os olhos de novo. Não viu o castelo, mas o tremor dos trilhos
mostrava que ele corria bem alto em cima deles e estava descendo. Saedelaere e Gucky
voavam rente ao fundo do vale. O homem de máscara fazia votos de que a tripulação do
castelo não os descobrisse tão depressa lá embaixo.
O castelo desceu trovejando. Deslizou por um trilho íngreme a uma velocidade
alucinante, entrou numa curva e passou para o trilho seguinte. Visto do fundo do vale,
parecia um besouro blindado. Parou alguns segundos, para em seguida arrancar de novo.
O barulho do veículo sobre trilhos enchia o vale.
— Está nos alcançando! — gritou Gucky.
Saedelaere desceu sobre o plasma.
— Peça aos degenerados que formem uma caverna neste lugar e nos recolham.
O contato telepático foi estabelecido imediatamente, mas Gucky não conseguiu
explicar aos seres amarelo-ocres o que queria que eles fizessem. Desde que o castelo
começara a aproximar-se os soberanos amarelos reunidos no vale estavam quase loucos
de medo. Gucky teve de fechar a mente aos impulsos mentais dos degenerados.
— Não posso fazer nada! — gritou para Alaska. — Se não interromper o contato,
acabo sofrendo lesões.
Saedelaere cerrou os lábios. Os dois tinham de arranjar-se sozinhos.
Seguiram voando. O castelo já alcançara um trilho que passava por cima do vale.
Parou bem em cima dele. Suas torres de artilharia brilharam. Raios energéticos correram
chiando para os picos de plasma.
— Desta vez está atacando as montanhas! — exclamou Alaska apavorado.
Mas logo se viu que o castelo só estava atirando nos cumes mais altos, obrigando o
plasma a recuar. Depois de algum tempo o veículo blindado sobre trilhos voltou a
acelerar e desapareceu por alguns segundos atrás das montanhas. Quando apareceu de
novo, atirou com todas as peças no plasma que ondulava violentamente. O trilho em cima
do qual se deslocava passava em diagonal sobre o vale.
Saedelaere voou para uma área coberta de arbustos altos. Voltou a pousar. A alguns
quilômetros de distância os cumes das montanhas de plasma voltaram a ficar
incandescentes.
— Vamos ficar aqui — decidiu Saedelaere depois que o ilt também tinha pousado.
— Os arbustos nos protegem. Desligar o equipamento energético.
Os dois agacharam-se embaixo de alguns galhos compridos.
— Temos de voltar à caverna o mais depressa possível — disse Gucky. — Se o
castelo continuar o bombardeio destas montanhas, a Gevari corre um grande perigo.
— Por enquanto ficamos aqui — decidiu Saedelaere.
O veículo sobre trilhos deslocava-se muito devagar, atirando ininterruptamente. Do
trilho sobre o qual deslizava podia atingir todas as montanhas em volta. Mas continuava a
dirigir seu fogo somente para os topos das montanhas.
O plasma percebera isso e reagiu de acordo. Os topos que ainda não tinham sido
atacados baixaram. Massas gigantescas de plasma desciam pelas encostas do vale. Todo o
conjunto começou a movimentar-se.
Saedelaere notou que certas áreas cobertas de vegetação não eram atacadas pelo
castelo. Seus tripulantes deviam saber que nesses lugares não seriam bem-sucedidos.
O chão no qual Saedelaere e Gucky estavam deitados balançou violentamente.
Saedelaere ficou muito preocupado ao pensar na Gevari. A nave-disco estava
trancada numa caverna de plasma. Os degenerados tinham entrado em pânico. Não se
podia prever qual seria seu comportamento. Alaska fez votos de que a caverna não
desabasse. O veículo sobre trilhos chegou ao fim do trilho em diagonal. Ficou alguns
segundos no mesmo lugar. Encolhido que nem um animal pronto para dar o salto, ficou
deitado sobre o trilho energético que brilhava num vermelho claro vivo. Alaska esperou
ansiosamente.
Viu o veículo sobre trilhos seguir de repente em sentido contrário, deslizando para o
outro lado das montanhas. Suspendera o bombardeio.
O castelo passou para um trilho mais alto e subiu em alta velocidade para o céu.
Dali a pouco Alaska não pôde vê-lo mais. O barulho diminuiu. O plasma acalmou-se tão
depressa como começara a movimentar-se.
Saedelaere levantou.
— Foi embora!
O tremor dos trilhos ficou mais fraco. Os cumes amarelo-ocres voltaram a formar-se
de ambos os lados do vale.
— Enquanto o castelo puder viajar por Casulo, não teremos segurança —
reconheceu Alaska. — Acabaremos sendo descobertos e atacados. Temos de pô-lo fora
de ação.
Os dois saíram voando. O homem lesado por um transmissor queria chegar pelo
caminho mais curto à caverna que servia de hangar à Gevari. Esperava o pior.
***
Mentro Kosum viu à luz dos faróis externos as paredes da caverna tremerem de
repente e mudando de forma. Acordou os irmãos Blazon e chamou sua atenção para o
que estava acontecendo.
Blazon Beta cobriu a boca com a mão e bocejou.
— Acho que não devemos ficar preocupados por isso — disse. — A montanha em
cujo interior nos encontramos é uma massa formada por seres inteligentes. É bem natural
que ela se movimente.
Mas quando o chão começou a tremer e os abalos se propagaram à nave, o
emocionauta ficou nervoso.
— Alguma coisa não está certa! — trombeteou Merkosh em tom exaltado.
Lembrou-se de que sua voz doía aos outros a não ser que ele a moderasse e recolheu
apressadamente a tromba.
O barulho na sala de comando era tamanho que Ribald Corei-lo também acordou. O
supermutante reconheceu a situação ao primeiro lance de olhos. Enviou alguns impulsos
parapsíquicos ao plasma. Não era um telepata tão bom quanto Gucky, mas percebeu que
a montanha estava com medo.
— O castelo está viajando! — comunicou aos outros.
Kosum ficou nervoso.
— Alaska e o baixinho ainda estão lá fora!
Os balanços do chão sobre o qual estava pousada a nave eram cada vez mais fortes.
Kosum examinou os controles. Ligou os projetores antigravitacionais para se necessário
estabilizar a posição da Gevari.
Neste momento um bloco enorme de plasma desprendeu-se do teto da caverna e
bateu ruidosamente na cúpula de plástico blindado. O impacto fez Kosum estremecer-.
Não via mais o que acontecia do lado de fora. Por alguns segundos pensou em abrir fogo
contra as paredes da caverna para abrir passagem à força. Mas lá encontrariam o castelo,
que era ainda mais perigoso que o plasma. Barulhos medonhos vinham de fora. Corello
encolheu-se no assento carregado por seu robô. — Não posso manter o contato —
comunicou aos outros. Kosum fitou-o com uma expressão preocupada. Sua velha
desconfiança contra o supermutante estava despertando de novo. O emocionauta sabia
que Corello era imprevisível. Se perdesse o autocontrole, poderia haver uma catástrofe.
Mais um bloco de plasma atingiu o casco da Gevari. O chão no qual estava apoiada
a nave começou a movimentar-se. Duas colunas de sustentação vergaram.
Num instante Kosum ligou o projetor antigravitacional, mas a nave já estava
completamente envolta no plasma e acompanhava seus movimentos.
— A caverna desabou! — Blazon Alfa estava pálido. — Toda a montanha está em
movimento.
— Abra a eclusa! — disse Merkosh a Kosum. — Abrirei espaço para nós.
— Não vamos atacar o plasma — recusou o emocionauta. — Não pode ser culpado
pelo que está acontecendo.
— Se continuarmos a entrar na montanha, não sairemos mais — advertiu Blazon
Beta. — Além disso é duvidoso que a nave resista à pressão por muito tempo. Se a
cúpula de plástico blindado for esmagada, estamos perdidos.
Numa visão sombria, Kosum imaginava a cúpula arrebentando e o plasma entrando
na sala de comando.
Os instrumentos mostravam valores errados e Kosum não pôde ver para onde
estavam sendo levados. Fazia votos de que não se afastassem muito da encosta da
montanha. Depois de algum tempo a nave parou. Mas a esperança de Kosum, de que a
montanha viva se normalizaria, não se confirmou. Pelo contrário. Os degenerados
começaram a tremer violentamente. A Gevari era sacudida pelas vibrações. A pressão
sobre as paredes externas da nave era cada vez mais forte.
— Por quanto tempo ainda assistiremos a isso? — exclamou Blazon Beta.
O emocionauta levantou sem dizer uma palavra e pôs a mão no traje de proteção.
— Se a parede externa ceder, isso não adiantará nada — profetizou Blazon Beta.
Kosum enganchou os fechos de seu traje.
— Vou ver se dou uma olhada lá fora. O físico-sextadim fitou-o intrigado.
— Quer sair da Gevari?
— Se for possível — restringiu Kosum.
Deu ordem para que Merkosh abrisse uma fresta na eclusa e voltasse a fechá-la
imediatamente. Esperava que fora da nave ainda houvesse espaços vazios. Queria
descobrir a que distância se encontravam da encosta do vale.
Kosum atravessou a nave que balançava e entrou na câmera da eclusa. Depois que a
parede interna se fechou, deu ordem a Merkosh pelo rádio para que abrisse a porta.
— Devagar! — alertou ao opronense.
A porta da eclusa abriu-se por um palmo. No mesmo instante massas de plasma
amarelo-ocre entraram na câmara. Kosum recuou.
— Feche! — gritou em tom apressado. — Depressa!
A porta fechou-se devagar, o plasma cedeu aos poucos. Kosum voltou à sala de
comando e deixou-se cair no assento. Tirou o capacete.
— Nada feito — disse ofegante. — O plasma entra assim que a porta é aberta.
— Isso eu sabia. — Blazon apontou para os controles do armamento. — Vamos
abrir caminho a tiro enquanto isso é possível.
Kosum não concordou.
— Primeiro vamos colocar os trajes de proteção para qualquer eventualidade —
ordenou.
Sabia perfeitamente que numa emergência os trajes não adiantariam muito, mas
queria manter ocupados os companheiros. Era necessário distrair sua atenção do que
estava acontecendo do lado de fora.
A Gevari foi alcançada pelas ondulações do plasma e empurrada para a frente
devagar. De repente clareou em cima deles. Kosum compreendeu que a nave estava
saindo da montanha e que parte dela já se encontrava do lado de fora.
Preparou-se para se necessário dirigir a Gevari para fora do vale. Mas no mesmo
instante o plasma voltou a cobrir a nave.
— Ainda estamos na periferia da montanha — disse Kosum com um suspiro de
alívio. — Quer dizer que o plasma não nos empurrou montanha adentro.
Blazon Alfa olhou para ele.
— Por que não aproveitamos a oportunidade e saímos?
Kosum também pensara em usar a chance, mas a segurança duvidosa entre os
doentes de Casulo ainda lhe parecia mais suportável que a ideia de expor a nave a um
ataque do castelo.
Finalmente o plasma voltou a acalmar-se. A massa que cercava a nave estabilizou-
-se.
— Parece que passou — disse Kosum. Em seguida dirigiu-se a Corello. — Tente de
novo entrar em contato com os estranhos.
O emocionauta viu que o supermutante hesitava.
— Se for perigoso para o senhor, pode deixar — acrescentou Kosum em tom
apressado.
Mas Corello já começara a concentrar-se. Seu peito chato subia e baixava em
movimentos rápidos. Parecia tenso ao extremo. Mas de repente seu rosto pequeno foi
desfigurado por um sorriso.
— O castelo retirou-se — informou em voz baixa. — Aos poucos os degenerados
estão se encontrando de novo. Pedem desculpas e prometem criar outra caverna para a
nave.
Os seis tripulantes não esperaram muito para que essa promessa fosse cumprida.
— Um espaço vazio começa a formar-se sobre a cúpula! — gritou Wyt satisfeito.
— A Gevari ficará livre.
Dali a pouco a nave estava de novo numa caverna espaçosa. As paredes e o chão
ainda se mexiam um pouco. Mas a nave não corria nenhum perigo.
— Wyt, saia para ver se a nave sofreu avarias — ordenou Kosum ao telecineta.
O emocionauta passou a concentrar suas preocupações em Saedelaere e Gucky. Dali
a alguns minutos foram informados por Corello que Alaska e o ilt se encontravam à
frente da caverna e esperavam que se formasse uma abertura.
— Desta vez ainda acabou bem — observou Kosum com um suspiro de alívio. —
Mas o castelo representa uma ameaça constante. Temos de fazer alguma coisa contra ela,
até mesmo no interesse do plasma.
Blazon Alfa franziu a testa.
— Tenho minhas dúvidas. Não sei se devemos perturbar o equilíbrio deste mundo.
É possível que se destruirmos o veículo sobre trilhos não estaremos fazendo nenhum
favor ao plasma.
— Tenho certeza de que os degenerados se sentirão gratos — disse Wyt.
— Será que os doentes já aprenderam a regular seu crescimento? — perguntou
Kosum.
— Quem pode descobrir isso é Gucky — respondeu Corello. — Não posso
conversar com o plasma sobre problemas tão complexos. Nisso o rato-castor é melhor
que eu.
A encosta da montanha abriu-se. Gucky e Saedelaere entraram voando na caverna.
Kosum abriu a eclusa para deixá-los entrar.
Depois de entrar na sala de comando, Saedelaere tirou o capacete e disse:
— Vamos atacar o castelo.
***
Seis horas depois da excursão perigosa em companhia de Alaska Saedelaere Gucky
recuperou a capacidade de teleportar. Parecia não haver mais a menor dúvida de que os
impulsos psi cheios de pânico emitidos pelos degenerados durante o ataque pelo veículo
sobre trilhos prejudicavam as faculdades parapsíquicas do rato-castor. Por enquanto não
havia outra explicação para sua falha.
— Saedelaere resolveu que a tripulação da Gevari deve atacar o castelo sem
consultar o plasma. Tem medo de que os degenerados façam objeções.
Gucky contestou isso de forma enfática.
— Os doentes odeiam o veículo sobre trilhos do demônio negro e nos apoiariam se
soubessem do ataque.
— Vamos cuidar disso sozinhos — insistiu Alaska.
A essa discussão ligeira seguiu-se uma troca de ideias que durou algumas horas.
Planos foram elaborados e abandonados.
— Provavelmente será possível destruir o castelo com bombas ou raios energéticos
— disse Wyt. — Mas será que é isso que queremos?
— De forma alguma! — exclamou Blazon Beta. — Meu irmão e eu somos de
opinião que devemos descobrir quem se encontra no castelo.
Saedelaere ouvia em silêncio. Sabia que seria difícil conquistar o castelo do
demônio negro sem envolver-se num combate com seus ocupantes. Pouco importava que
estes fossem seres vivos ou robôs.
— Devemos admitir que o castelo mantém contato com alguns centros no interior
do “Enxame” — ponderou Merkosh. — Se atacarmos o castelo, seus ocupantes pedirão
socorro. Mesmo que consigamos interromper o contato em tempo, haverá pelo menos um
controle externo.
— A objeção se justifica — reconheceu Kosum. — Não pensei nisso.
Wyt apoiou a cabeça nas mãos.
— Com isso a possibilidade de um ataque ao castelo transforma-se numa ilusão.
— Devemos lançar um ataque de surpresa — disse Saedelaere depois de algum
tempo. — Os ocupantes não devem ter tempo de entrar em contato com seres que se
encontrem fora do sistema de Praspa. Ninguém deseja que uma frota-patrulha do
“Enxame” apareça aqui.
A troca de ideias continuou. Depois de algum tempo todos concordaram com uma
sugestão de Alaska que se baseava no fato de que, segundo parecia, o castelo não era
protegido por nenhum campo defensivo.
— Sairemos desta caverna com a Gevari e a faremos subir na atmosfera — disse o
homem de máscara. — De lá determinaremos a posição do veículo sobre trilhos. Depois
que o tivermos encontrado, Gucky teleportará para dentro do castelo levando Merkosh e
Ribald Corello. Isso deve ser possível, pois não existe nenhum campo defensivo que
pudesse jogar o baixinho para trás. Corello e Merkosh terão de agir contra os tripulantes
do veículo, impedindo que possam usar o rádio para pedir socorro. Enquanto isso Gucky
volta para cá e levará Wyt e a mim. O telecineta e eu apoiaremos o trabalho dos dois
mutantes que já estarão lá — caso isso ainda seja necessário.
Alaska interrompeu-se e levantou da poltrona. Em seguida dirigiu-se aos irmãos
Blazon.
— Gucky só virá buscá-los quando o castelo estiver em nosso poder. Deverão
examinar as instalações. — Saedelaere olhou para Kosum. — Em outras palavras, Kosum
será o único que ficará a bordo da Gevari para fazê-la sobrevoar o castelo em grande
altura, para que se necessário possamos voltar imediatamente para dentro de nossa nave.
O homem magro pôs cuidadosamente a mão na máscara.
— É claro que tudo isto é apenas teoria. Na realidade tudo se passará de uma forma
um pouco diferente, ainda mais se os ocupantes do castelo causarem problemas.
Alaska olhou em volta.
— Alguém tem uma pergunta ou objeção?
Todos ficaram calados. Saedelaere acenou com a cabeça. Parecia satisfeito.
— Então vamos começar. Gucky, entre logo em contato com os degenerados e
peça-lhes que abram a caverna.
Dentro de alguns minutos a Gevari ficou pronta para decolar. Os conquistadores
amarelos enfermos abriram a caverna de boa vontade.
— Não fazem perguntas — informou o rato-castor. — Confiam plenamente em nós.
Tomara que não estejamos abusando dessa confiança.
Saedelaere contestou em tom violento.
— O castelo é nosso inimigo comum. Além disso viemos para defender os
interesses da humanidade. A existência de todos os terranos está em perigo. Devemos
considerar isto sempre que pensarmos no assunto.
Não houve nenhuma objeção.
A Gevari levantou do chão e saiu flutuando para o vale, onde estava anoitecendo a
terceira vez depois que tinham chegado. Seria uma noite iluminada pela luz dos trilhos
energéticos.
7

Magallion estava deitado de costas em seu tanque predileto, contemplando cheio de


tédio seu filho que acabara de desprender-se dele desmanchar-se em energia pura. O
colosso negro que vivia no veículo sobre trilhos dava à luz dezenove vezes por hora.
Todos os descendentes que punha no mundo desapareciam da mesma maneira. Magallion
não se preocupa com isso, pois até onde chegavam suas recordações sempre fora este o
destino de seus filhos.
Agora, que Magallion estava deitado num tanque, ele começou a sonhar. Seus
pensamentos voltaram ao passado, até esbarrar numa barreira. Desta forma o gigante só
se lembrava do tempo que passara dentro do veículo sobre trilhos. Sentia no
subconsciente que antes de entrar nesses recintos grandes vivera em outro lugar. Fora
trazido a esse lugar há um tempo incrivelmente longo.
Magallion vivia da energia dos trilhos. Toda vez que era dado o alarme levantava,
atravessava tateando as salas grandes e punha as mãos nas chaves que lhe tinham sido
mostradas há muito tempo.
Magallion tinha vinte metros de altura e era negro como carvão. Possuía um corpo
em forma de torre com membros que pareciam imóveis. Um hipnocristal de um metro
fora implantado em seu crânio. Às vezes usava as forças deste cristal contra o plasma.
Era raro Magallion sentir em seu interior alguma coisa parecida com as emoções
humanas. O gigante vivia numa modorra e cumpria automaticamente suas tarefas quando
chegava a hora de agir contra o plasma. Devia verificar regularmente se havia certas
luzes acesas nos controles. Se alguma delas se apagasse, tinha de tocar na respectiva
chave.
Mas por enquanto não houvera problemas. Magallion viu seu corpo inchar. Quase
não deu atenção a isso. Sonolento, observou que uma bola começava a formar-se
embaixo de sua pele negra. A pele foi se dilatando até liberar uma versão menor do
gigante.
O novo ser debatia-se e fazia esforços desesperados para afastar-se do corpo maior.
Quando finalmente foi completada a divisão, o filho de Magallion caiu exausto na beira
do tanque. Ficou deitado lá, enquanto no corpo do monstro unissexual já era preparado
mais um processo de divisão.
Depois de algum tempo o corpo jovem começou a brilhar e transformou-se numa
nuvem de energia que se volatilizou com a velocidade de um relâmpago. Às vezes o
acontecimento causava certo mal-estar a Magallion. Era como se uma voz misteriosa lhe
cochichasse que esta reprodução sem sentido era contra a natureza.
Nesses momentos Magallion esquecia seus sonhos e se erguia no tanque. O líquido
em que costumava descansar escorria de seu corpo negro em fios prateados. O
hipnocristal implantado em seu crânio brilhava fracamente. De vez em quando Magallion
via sua imagem numa parede polida ou em alguma tela grande. Toda vez que isso
acontecia Magallion sentia o cristal como um estorvo.
Há muito tempo o colosso perdera o autocontrole e correra com a cabeça para a
frente contra uma coluna de sustentação dentro do castelo. Fizera isso para despedaçar o
grande cristal. Ainda se lembrava muito bem das dores horríveis que tinham atravessado
seu corpo, deixando-o imóvel. Magallion nunca esquecera este alerta enérgico. Sabia que
precisava ter cuidado. Alguém implantara certos reflexos em seu corpo forte. Estes
reflexos eram despertados sempre que Magallion não agia no interesse de seus donos.
Mas o hipnocristal não era a única causa do nervosismo que o gigante sentia de vez
em quando.
Havia momentos em que Magallion tinha vontade de abandonar o castelo e juntar-
-se e ao plasma na superfície do planeta. Muitas vezes este desejo se transformava numa
ansiedade, levando Magallion a perder o autocontrole mais de uma vez. Por duas vezes
tentara sair do castelo. O único resultado fora a perda da consciência durante essas ações.
Magallion compreendera há tempo que havia certas diferenças entre ele e os seres
que viviam fora do castelo. Os outros também se dividiam sem parar, mas havia uma
diferença. Os descendentes dos amarelos não se desmanchavam em energia, mas
continuavam vivos e também procriavam.
Cabia ao veículo sobre trilhos evitar o crescimento exagerado dos seres que viviam
na superfície do planeta. Magallion acompanhava com algum interesse a imunização cada
vez maior das montanhas de plasma,
Havia uma troca constante de notícias entre o rádio automático do castelo e um
centro bem distante. Magallion não sabia muita coisa a respeito disso. As instalações do
castelo eram complicadas demais para que o demônio negro pudesse compreender seu
funcionamento.
Muitas vezes, quando estava fora de seu tanque, Magallion tocara assustado em
certos equipamentos. Toda vez que isso acontecia dava-se conta de suas imensas forças
físicas. Receava que, se destruísse alguma coisa, seria castigado. Por isso preferiu
abster--se de um exame minucioso das máquinas e instrumentos.
No momento em que a Gevari saía da caverna na montanha de plasma, Magallion
estava deitado em seu tanque, esperando a conclusão de mais um processo de divisão.
Sabia da presença de alguns seres esquisitos em Casulo, mas isso não o preocupava nem
causava qualquer espécie de reação. Era uma situação completamente diferente. Bem nas
profundezas do demônio jazia o conhecimento do fato de que o mundo em que se
encontrava era evitado pelos outros seres. Isso estava ligado à divisão ininterrupta dos
seres de plasma.
Se fosse mais inteligente e menos indeciso, Magallion sem dúvida teria tentado
informar os seres que controlavam o castelo de longe sobre a presença dos forasteiros.
Mas da forma que estavam as coisas só esperava quer o castelo destruísse os intrusos.
O colosso assistiu ao fim de mais um descendente. Sem tomar conhecimento disso,
saiu calmamente do tanque. Ergueu-se lentamente e ficou parado algum tempo imóvel.
Depois deu início a sua ronda diária. Já refletira para descobrir o motivo por que se
dirigia regularmente a todos os recintos que podia alcançar, mas este comportamento
fazia parte dos segredos situados além da barreira que não podia transpor com seus
pensamentos.
Enquanto o demônio negro atravessava os recintos do veículo sobre trilhos, a
Gevari alcançou as camadas superiores da atmosfera.
O colosso no interior do castelo não imaginava que nestes momentos seria decidido
seu destino.
8

O plasma prometera suspender grande parte de sua atividade parapsíquica. Com isto
Saedelaere queria conseguir duas coisas: a capacidade de teleportar de Gucky não devia
ser afetada, e os controles e rastreadores da Gevari não seriam sobrecarregados.
Logo se viu que a bordo da nave-disco se superestimara bastante as possibilidades
do plasma, principalmente quanto ao último destes dois aspectos.
Os instrumentos da Gevari continuavam a indicar valores fortemente influenciados
pelos impulsos energéticos dos trilhos.
— Ainda será difícil localizar o castelo — contestou Kosum decepcionado. — Se
descer mais, corremos perigo de sermos detectados pelo inimigo antes que consigamos
localizá-lo. A Gevari seria atacada imediatamente.
Não se demorou a perceber que os nervos de alguns tripulantes tinham sido bastante
maltratados. Os acontecimentos dos últimos dias tinham deixado nervosos
principalmente os irmãos Blazon.
Blazon Beta, que por natureza possuía um temperamento colérico, foi o primeiro a
exaltar-se.
— Temos sido cuidadosos demais — disse ao piloto. — Até aqui nossos
equipamentos técnicos se mostraram superiores aos do inimigo. Quer voar por aí mais
algumas horas para no fim descobrir o castelo?
— Cale a boca! — exclamou Kosum, que também estava nervoso. — Quem decide
aqui é Alaska e eu. Depois que tivermos conquistado o castelo, o senhor pode enfiar seu
nariz comprido em tudo que encontrar pela frente.
Blazon Beta encarou-o furioso.
— Parece que o senhor não aprecia muito os cientistas.
— Acha que alguém lhe pisou na trança? — perguntou Kosum numa alusão ao
penteado do físico-sextadim.
— Silêncio! — ordenou Saedelaere. — Estamos discutindo à toa.
— Se pelo menos achássemos esse maldito castelo! — exclamou Wyt. — Aí
poderíamos entrar em ação logo.
Saedelaere também sentiu a tensão que se espalhava pela sala de comando. Todos
os tripulantes compreenderam que a ação decisiva era iminente. Mas ninguém sabia qual
seria a reação do castelo a um ataque. O plasma era mais um fator de risco. Saedelaere
imaginava que conforme as circunstâncias, interferiria na luta. Mas não se podia ter
certeza se ficaria do lado dos atacantes.
De repente Alaska teve dúvidas se devia atacar o castelo sem o consentimento dos
degenerados. Mas já era tarde para voltar a comunicar-se com eles. Seria pura perda de
tempo.
Saedelaere levantou os olhos e viu um sorriso forçado no rosto de Balton Wyt. O
telepata apontou para uma das telas.
— Lá está ele!
Mas logo se percebeu que só vira um reflexo luminoso. A Gevari voava devagar,
para tomar possível uma observação minuciosa da superfície do planeta.
Assim mesmo demoraram toda a noite para achar o castelo. Estava imóvel num
trilho que passava perto do chão.
Saedelaere respirou aliviado quando os impulsos fracos, mas característicos
apareceram nas telas e nos oscilógrafos.
— Não é de admirar que levamos tanto tempo procurando — disse Corello. — O
castelo permanece imóvel e por isso quase não pode ser detectado entre os trilhos.
Os tripulantes ficaram livres da tensão, que foi substituída por uma grande vontade
de fazer alguma coisa. Preparativos que já tinham sido concluídos foram repetidos.
As pessoas voltaram a entender-se. Blazon Beta até chegou a pedir desculpas a
Kosum.
O emocionauta só fez um gesto de pouco-caso. Sabia como as pessoas costumavam
reagir em situações como esta.
— Agiremos segundo o plano — disse Saedelaere. — Primeiro Gucky tentará
teleportar com Merkosh e Corello para dentro do veículo sobre trilhos. Depois voltará
para levar Wyt e a mim.
Para isso o supermutante tinha de sair do assento de seu robô especial. Mas Gucky
prometeu que levaria o robô quanto antes.
Corello ficou de pé balançando sobre as perninhas finas. Cada passo que dava
representava um tremendo esforço. Sem o robô estava fisicamente indefeso. Antigamente
esse estado representava uma carga psíquica com ele, mas agora conseguia superá-lo
melhor.
Gucky, Corello e o opronense fecharam os trajes de proteção e fizeram mais um
controle do equipamento.
— O importante é causarmos o menos possível de estragos no castelo — advertiu
Saedelaere aos três tripulantes que estavam prontos para entrar em ação. — Qualquer erro
de nossa parte, e logo teremos uma frota nos calcanhares.
Gucky estufou o peito.
— Sou um combatente experimentado! — gabou-se pateticamente. — Não preciso
de seus conselhos.
— Está bem! — disse Saedelaere um tanto desconfiado. — Tudo dependerá do
inimigo.
Merkosh e Gucky aproximaram-se do supermutante, que estava sentado no chão. O
ilt segurou os dois seres que o acompanhariam no primeiro salto.
Concentrou-se.
— Se houver problemas, volte! — apressou-se Saedelaere em gritar.
Não houve resposta. Os três desmaterializaram. Uma cintilância ficou no lugar em
que tinham estado há um instante.
Uma pressão surda comprimiu o peito de Saedelaere. O rato-castor e seus
companheiros já não podiam dar para trás.
Alaska fez um sinal para o telecineta.
— Vamos ficar de prontidão, Balton — disse. — Gucky voltará a qualquer
momento.
Na verdade o homem lesado por um transmissor não estava tão convencido.
Enquanto se colocava ao lado de Wyt, os segundos foram passando.
9

Foi a sensação de que alguma coisa tinha mudado bem perto dele que fez Magallion
interromper suas caminhadas através do castelo.
Parou com as mãos apoiadas nos quadris e ficou na escuta.
Não ouviu nada, além dos ruídos já conhecidos das máquinas.
No entanto...
Magallion girou devagar em tomo do próprio eixo e olhou para a sala vizinha, cuja
entrada estava aberta.
Continuava tudo como antes. Magallion continuava no ambiente a que estava
familiarizado.
Mas havia alguma coisa!
Uma coisa intangível!
Um nervosismo nunca antes experimentado tomou conta de Magallion. Mal sentiu
que mais um descendente se desprendeu de seu corpo e ficou incandescente. Os
pensamentos do gigante sucediam-se com uma lentidão incrível.
Quando voltou a andar, seguiu antes o instinto que um pensamento racional.
Um sentimento em seu interior o fez voltar a seu tanque. Era a primeira vez que se
lembrava que interrompia uma ronda antes do tempo.
De repente ouviu um ruído. Foi muito fraco, mas não fazia parte da cortina acústica
à qual estava acostumado. Parou intrigado. Não sabia o que fazer. A rotina dos últimos
milênios fora interrompida de repente. Talvez nem fosse um ruído que ele tinha
percebido, mas apenas o sentimento de que havia um ruído. Sua capacidade de percepção
subira a um nível insuportável por causa de sua ligação estreita com aqueles recintos e
suas instalações mecânicas. Magallion estava tão adaptado ao ritmo de trabalho do
castelo que qualquer mudança, por menor que fosse, fazia soar um alarme em seu
cérebro.
Quando isso acontecia, o gigante sentia-se completamente indefeso. Sua mente
ansiava para descobrir a causa da percepção, mas ele retardava de propósito todos os
movimentos porque queria fechar os olhos a qualquer mudança. Estivera sujeito por
muito tempo às influências a que estava acostumado e por isso não suportaria nenhuma
modificação.
Um gemido surdo saiu do peito de Magallion. Foi o primeiro som que emitiu há
tempos imemoriais. O demônio assustou-se com o barulho que estava fazendo. Já se
esquecera de que possuía uma voz.
As reações de seu subconsciente fizeram com que o demônio negro se sentisse
ainda mais inseguro.
Tinha medo de descobrir outras faculdades, há muito esquecidas, que só serviriam
para aumentar sua confusão.
Magallion saiu caminhando desajeitadamente para a entrada da sala vizinha. Parou
e olhou atentamente em volta. Não viu nada de suspeito. Continuava tudo como antes.
Magallion devia sentir-se aliviado por causa disso, mas seu nervosismo aumentou.
Parecia que era observado por olhos invisíveis. Inseguro, recuou até que suas costas
tocaram em uma das colunas de sustentação. A pressão do metal frio na nuca devolveu-
-lhe um pouco de segurança.
Magallion estava decidido a não sair do lugar em que estava. Talvez tudo passasse
tão depressa como tinha começado.
Um pequeno demônio negro desprendeu-se do corpo do gigante e caiu ao chão com
um baque surdo. Magallion contemplou seu filho maios novo e ficou indiferente ao vê-lo
desmanchar-se numa incandescência.
***
Gucky materializou numa sala cheia de máquinas estranhas. Percebeu
imediatamente que não havia ninguém por perto. Mas quando estendeu as antenas
telepáticas, sentiu além dos impulsos do plasma uma emanação mental vinda de bem
perto.
Olhou para Merkosh e Corello.
— Cuidado! — alertou. — Há alguém por perto.
Corello estava sentado no chão, com as costas apoiadas numa máquina. Segurava
uma arma especial em uma das mãozinhas. Como não podia fugir sem a ajuda de Gucky,
estava disposto a defender-se de todos os ataques durante a ausência do rato-castor.
Merkosh fez sair a tromba e olhou atentamente em volta.
— Não precisa usar sua voz malvada — advertiu Gucky. — Só faça uso dela se
você ou Corello correrem algum perigo.
— Não preciso dos seus conselhos — disse o opronense. — Sei o que devo fazer.
O ilt voltou a perscrutar os arredores com seus sentidos telepáticos. Os impulsos do
indivíduo estranho eram fracos. Gucky não conseguiu tirar deles nenhuma informação.
— Volte à Gevari e traga mais dois — soou a voz de Merkosh nos ouvidos de
Gucky. — Enquanto isso vamos dar uma olhada.
Corello recorreu a seus sentidos parapsíquicos para tentar descobrir a fonte de
energia principal do castelo.
Gucky lançou mais um olhar para os dois mutantes e desmaterializou. Quando
voltou a aparecer na nave-disco, Saedelaere já estava impaciente à sua espera.
— Já pensamos que tivesse acontecido alguma coisa. O que está acontecendo lá
embaixo?
O ilt jogou a cabeça para trás e exibiu seu dente roedor.
— Calma, Alaska. Corello e Merkosh não correm um perigo iminente. Estão no
castelo. Lá existe um ser que não pude localizar exatamente.
— E o cabo de energia principal? — exclamou Saedelaere aborrecido. — Não se
lembraram de que dentro do castelo pode haver alarmes automáticos?
— Se não forem postos fora de ação imediatamente, o castelo pedirá socorro —
profetizou Wyt.
— Se é assim, não sei o que estamos esperando! — disse o ilt em tom sarcástico.
Em seguida estendeu os bracinhos. Alaska e Wyt seguraram-nos.
O ilt sorriu para Kosum.
— Até logo mais — disse e desmaterializou.
***
Magallion fazia votos de que o castelo saísse do lugar e entrasse em ação. Só assim
a algazarra acabaria. Mas o veículo continuou com os propulsores desligados sobre o
mesmo trilho em que fora parar há algumas horas.
Apesar de não se sentir em condições de tomar decisões fora do comum, o demônio
negro afastou-se depois de algum tempo da coluna em que estivera apoiado para terminar
sua ronda. A necessidade de descobrir a causa da perturbação era mais forte que o medo
de uma surpresa desagradável.
Magallion caminhou com as pernas de tronco duras em direção à sala vizinha. Bem
em cima dele as cúpulas de canhões erguiam-se na cobertura do castelo. Magallion nunca
refletira sobre elas ou sobre as outras instalações do veículo sobre trilhos. Agora ele se
lamentava por isso.
Tivera um comportamento muito passivo em todos esses anos. No tempo que ficava
atrás da misteriosa barreira em sua memória devia ter sido diferente. Magallion não tinha
a menor dúvida quanto a isso.
Deixou para trás mais um demoniozinho negro. A coisa esquisita abriu a boca quase
quadrada como se quisesse soltar um grito, mas logo se transformou numa nuvem de
energia que desapareceu numa fração de segundo.
O hipnocristal começou a pulsar na cabeça de Magallion. O gigante negro parou e
jogou os braços para cima. Nunca sentira tão intensamente a presença do corpo estranho
em seu crânio. Que significava isso?
O demônio negro procurou instintivamente uma superfície brilhante na qual
pudesse contemplar-se. Descobriu o revestimento traseiro de uma máquina que subia
quase até o teto.
Pela primeira vez em milênios Magallion se olhou com todo o interesse. Apavorado
viu diante de si sua imagem refletida na superfície brilhante. Viu um bloco sem forma
definida de vinte metros de altura coberto por uma pele negra que emitia um brilho
metálico. A cabeça era uma saliência abaulada na qual estava abrigado o hipnocristal.
Naquele momento o cristal brilhava tanto que a parte inferior do rosto de Magallion ficou
invisível. A linha nítida que o demônio negro mal conseguia distinguir era a boca.
Na metade da altura do corpo saíam duas figuras afuniladas. Dentro delas ficavam
os braços móveis, cada um com dez metros de comprimento e um de espessura.
Magallion não possuía mãos no sentido humano da palavra, mas somente tocos de braços
desfiados que podia mover à vontade.
As pernas do gigante eram curtas e robustas. Dividiam-se na parte inferior em
dezenas de membros menores que lhes davam um aspecto de raiz.
Embaixo dos funis de que saíam os braços a pele era flácida e áspera. As inúmeras
divisões a tinham amolecido. Enquanto se contemplava, Magallion deu à luz mais um
demoniozinho.
O ser saído de dentro dele desmanchou-se como todos os outros.
Magallion estendeu os braços para segurá-lo. Gemeu ao ver que não conseguia.
Pela primeira vez desejava um contato com seus descendentes.
A certeza de que esse contato nunca seria estabelecido deixou-o desesperado. O
demônio negro atravessou a sala devagar. Seus pensamentos eram cada vez mais
confusos. Depois de tantos milênios seu sossego fora perturbado.
Era uma coisa que seu cérebro não podia suportar.
***
Quando Gucky materializou no castelo do demônio negro com Saedelaere e Balton
Wyt, Merkosh estava parado na sala com as pernas afastadas, fundindo com o
desintegrador um grosso feixe de cabos que passava embaixo do teto.
Saedelaere tratou de controlar-se. Costumava recuperar-se depressa da dor da
rematerialização.
— Fui eu que dei ordem para fazer isso — explicou Ribald Corello. — Tenho
certeza de que se trata de um conduto de energia principal que leva diretamente à sala de
comando.
Saedelaere olhou em volta sem dar uma resposta. O grande número de máquinas de
aspecto estranho podia confundir a mente. Não se via poeira nas instalações nem se
notavam outros sinais de velhice ou decomposição, mas Alaska logo teve a impressão de
que o castelo era antiquíssimo.
— Vamos à sala de comando — disse. — Se existem alarmes, eles têm de ser
desligados.
Quando se virou viu um ser gigantesco de pé na passagem para a sala vizinha.
Tinha a pele negra e carregava um gigantesco cristal luminoso na cabeça.
Alaska sentiu uma tontura.
— Isso... isso... — conseguiu dizer a muito custo.
Sua voz falhou. O brilho do cristal exercia uma atração mágica sobre ele.
A grande pedra produzia um efeito hipnótico. Alaska quis livrar-se dele, mas ficou
parado como se estivesse pregado no chão. Ficou apavorado ao dar-se conta de que era
incapaz de fazer qualquer coisa.
Viu Wyt pelo canto dos olhos. O telecineta também não se mexia.
O monstro parado na entrada da sala soltou um gemido. Pôs a mão na cabeça
inchada, dando a impressão de que sentia dores.
***
Gucky estava de pé entre Alaska e Merkosh quando Magallion apareceu na entrada.
O ilt viu o gigante desconhecido e sentiu imediatamente os fortes impulsos hipnóticos
emitidos pelo cristal. Não era a primeira vez que sofria essa espécie de ataque, mas
poucas vezes ficara exposto a emanações hipnóticas tão intensas.
Antes de pensar numa reação, teve de armar-se contra essas emanações. Gucky
criou uma barreira no cérebro, mas percebeu apavorado que não possuía a necessária
estabilidade. Os impulsos hipnóticos continuavam a penetrar em sua mente. O rato-castor
teve de arriscar uma redução de suas forças ativas para reforçar a barreira. Isto
significava que enquanto esta existisse não poderia realizar teleportações. A capacidade
telecinética também fora afetada.
A violência do fluxo hipnótico diminuiu. Apesar disso Gucky recuou
instintivamente.
Viu Alaska, Wyt e Merkosh imobilizados no meio da sala. Estavam completamente
sob a influência do transmissor hipnótico. Gucky lançou um olhar ligeiro para Corello,
que estava encostado numa máquina. Não pôde ver se o mutante também fora
influenciado ou se conservava suas faculdades.
Sem entrar em pânico, o ilt reconheceu que a situação era muito perigosa para ele e
seus companheiros. O contato com o desconhecido fora tão repentino que os intrusos se
viram pegos de surpresa. Gucky sentira o tempo todo os impulsos mentais do gigante,
mas não lhes dera muita importância por achar que eram fracos e rudimentares. Agora
arrependia-se amargamente desse erro.
Sem desmontar a barreira mental, Gucky enviou um impulso telecinético. O
monstro não reagiu.
Gucky abriu o espírito aos pensamentos do desconhecido. Recebeu impulsos
confusos. Ficou surpreso ao perceber que o colosso não estava menos apavorado que os
cinco intrusos. Logo, não controlava de forma consciente o cristal implantado em sua
cabeça. Além disso Gucky não acreditava que o grande transmissor hipnótico tivesse sido
organizado. Provavelmente outros seres tinham colocado o cristal no demônio negro.
O gigante desconhecido pensava em si mesmo como Magallion.
Gucky arregalou os olhos ao ver o corpo do gigante inchar mais ou menos no meio.
Dali a instantes uma versão menor do demônio negro atravessou a pele elástica.
“Ele se divide!”, pensou Gucky espantado.
Será que essa criatura tinha algum parentesco com os conquistadores amarelos?
Fisicamente a semelhança era muito pequena. Talvez o demônio negro também não
passasse de um degenerado, que sofria uma doença ainda pior que os conquistadores
amarelos.
“No planeta Casulo”, pensou Gucky, “tudo é possível.”
Viu fascinado o jovem demônio desprender-se de vez do corpo que o tinha gerado e
cair no chão. Ficou deitado, tentando respirar através da boca bizarra. De repente ficou
incandescente. Perplexo, Gucky viu o pequeno monstro transformar-se em energia.
Enquanto a nuvem se apagava, os sinais do desenvolvimento de mais uma criatura se
mostraram no corpo do demônio negro. Gucky fez um grande esforço para controlar-se.
Sentia-se cada vez mais sonolento. Os impulsos hipnóticos não o atingiam diretamente,
mas as pulsações constantes do cristal deixaram o ilt cansado. Gucky fechou os olhos e
recuou devagar.
— Alaska! — gritou. — Para trás, Alaska!
— Ele não ouve você! — gritou Corello. Gucky virou abruptamente a cabeça.
— Ribald! — disse com um alívio enorme. — Ainda bem que não pegou você.
— Isso não adianta muito — respondeu o supermutante em tom sarcástico. — Pode
me dizer o que farei sem o robô que me carrega? Só posso ficar deitado, esperando qual
será o próximo passo do monstro.
Gucky destravou a arma. Devagar, pôs a mão no desintegrador. Fechou os olhos,
para não ver o cristal. Teve a impressão de ainda vê-lo pulsar sob as pálpebras fechadas.
— Precisamos atacar! —gritou para Corello.
O rato-castor levantou o braço. Quando abriu os olhos, viu que Ribald Corello
também estava fazendo pontaria com sua arma especial.
Gucky fez pontaria para Magallion, mas não conseguiu apertar o gatilho. Sua
vontade fora enfraquecida.
— Não... não consigo atirar nele! — gemeu desolado.
— Pensei que ele não pudesse dominá-lo — disse Corello.
— Não posso resistir — explicou o ilt. — A barreira em meu cérebro é muito fraca.
Ainda estava falando, quando o demônio negro começou a mexer-se. Entrou
desajeitadamente na sala em que estavam os astronautas. Aproximou-se de Saedelaere
com os braços estendidos.
— Está atacando! — gritou Gucky.
Corello segurou a arma com as duas mãos e fez pontaria com muito cuidado. De
fora o aleijado parecia bem calmo. Mas seus pensamentos se agitavam como num
torvelinho. Gucky fez votos de que Corello aguentasse.
Magallion deu à luz mais uma versão reduzida de si mesmo.
Corello apertou o gatilho.
A pele negra de Magallion absorveu a energia. Corello levantou o braço e fez
pontaria no hipnocristal implantado na cabeça do gigante. Um campo reflexivo
energético formara-se à frente do cristal. O tiro disparado pelo mutante não produziu
nenhum efeito.
Gucky caiu ao chão. Recebia impulsos desesperados de Magallion, que parecia ter
perdido totalmente o autocontrole e não sabia o que acontecia perto dele. Mas a confusão
do gigante não ajudava muito os intrusos. O verdadeiro inimigo era o hipnocristal
implantado na cabeça do gigante.
Magallion atravessou a sala cambaleando. Agitava os braços. Atingiu Saedelaere e
atirou-o contra uma máquina. O homem lesado por um transmissor tombou.
— Alaska! — gemeu Gucky. — Alaska!
Não houve resposta. Corello disparou vários tiros em seguida, mas não conseguiu
deter o gigante nem destruir o hipnocristal.
Gucky rastejou de quatro para perto de Saedelaere. O demônio negro andava sem
rumo. Se não conseguissem dominá-lo, acabaria esmagando-os com os pés.
Gucky chegou perto de Saedelaere. O homem de máscara estava deitado de costas,
imóvel. Não se viam seus olhos atrás das aberturas da máscara.
Gucky obrigou-se a concentrar seus impulsos parapsíquicos em Alaska.
Tocou o braço do homem lesado por um transmissor.
A tentativa de teleportar com Saedelaere para a sala vizinha fracassou. Suas
energias psi tinham sido bastante afetadas.
O rato-castor deixou-se cair no chão perto de Alaska e contemplou o demônio
negro, que estava parado à frente de Corello, fitando-o com uma expressão indecisa.
***
A agitação mental de Magallion não diminuiu. Perdera o autocontrole e se guiava
por reações interiores que não compreendia. A presença de seres estranhos em sua área
deixou-o furioso. Não sabia de onde tinham vindo e quais eram suas intenções, mas
achava que perturbavam seu sossego. Há milênios vivia no castelo, só e abandonado. De
repente houvera uma mudança. O demônio negro não estava em condições de absorver
este acontecimento.
O demônio negro atravessou em fúria a sala na qual estavam reunidos os intrusos.
Sofria um violento acesso de raiva, mas não era capaz de executar em ataque controlado
contra os desconhecidos. Sentia as pulsações do grande cristal em seu crânio, que o
deixaram irritado, fazendo com que seus movimentos parecessem inúteis. Finalmente
parou e olhou em volta. Havia um ser minúsculo deitado bem à sua frente. Segurava um
instrumento com o qual podia gerar energia. Tentara usar essa energia contra Magallion,
sem produzir maiores estragos.
O ser de pele negra balançou ameaçadoramente os braços.
Mas o ser continuou deitado.
Magallion soltou um rosnado e bateu os pés. O chão retumbou sob o peso de seu
corpo.
As pulsações do cristal eram cada vez mais violentas. Magallion gritou e virou-se
abruptamente. Não sabia o que estava fazendo. Pôs as mãos na cabeça e tentou agarrar e
arrancar o cristal para ficar livre do sofrimento. Ao fazer isso pisou em um de seus
descendentes, que acabara de separar-se de seu corpo. A pequena criatura desmanchou-se
sob seus pés.
Magallion batia com força no cristal. Viu que seus braços pareciam transparentes à
luz emitida por ele.
O demônio negro inclinou o corpo e bateu com a cabeça numa parede de metal.
Toda a sala foi sacudida. O cristal continuou a pulsar.
Magallion virou-se e tentou localizar os seres estranhos. Só tinha uma visão confusa
das coisas que o cercavam. Berrando que nem um louco, saiu tateando e batendo em cada
sombra que aparecia à sua frente.
***
Corello teve de fazer um esforço para refletir calmamente. Poucas vezes vira a
morte tão de perto como há poucos instantes, quando o gigante negro estivera à sua
frente, agitando os braços enormes. Felizmente Corello absorvia cada vez melhor as
emanações do hipnocristal. Jogara fora a arma, porque era inútil na luta contra o gigante.
O ser frágil de cabeça grande não se surpreendeu ao perceber que até o rato-castor
sofria a influência dos hipnoimpulsos. O cristal implantado na cabeça do demônio era
capaz de emitir hipnocomandos concentrados.
Corello achava que esses comandos não saíam do cérebro do gigante. Era um ser
desajeitado, que de forma alguma seria capaz de controlar esse cristal. Á pedra luminosa
recebia certos comandos que eram transmitidos, ou reagia espontaneamente. Na opinião
de Corello a última hipótese era a correta. Sua presença ativara o cristal.
Os comandos obrigavam os seres atingidos a permanecerem completamente
inativos. Dessa forma o cristal era um dispositivo de proteção do veículo sobre trilhos.
Corello viu que seus companheiros tinham sido postos fora de combate.
O mutante concentrou-se na energia que se formava toda vez que um jovem
monstro começava a desmanchar-se depois do processo de divisão.
Corello sentiu essa energia, era capaz de classificá-la e talvez até de manipulá-la.
Apalpou a energia com suas forças telepsimáticas. Tudo dependia de sua
capacidade de controlá-la.
***
Gucky estava deitado no chão ao lado de Alaska Saedelaere, observando a cena
terrível que se desenrolava diante de seus olhos. Magallion perdera de vez o autocontrole
e parecia completamente cego. Era a única explicação para seus ataques descontrolados
contra tudo quanto era instalação. As máquinas montadas em toda parte possuíam uma
resistência surpreendente. Se o colosso desenvolvesse sua atividade furiosa no centro de
comando de uma nave terrana, a maior parte das instalações seria quebrada.
Alaska, Wyt e Merkosh pareciam inconscientes. Mas Gucky e Corello continuavam
de pé. Mas não fizeram nada para desviar-se do gigante enfurecido quando ele passava
balançando tão perto que os punha em perigo.
Gucky acompanhou os acontecimentos com certa indiferença. Não era capaz de
fazer qualquer coisa, por mais que se esforçasse, apesar de ele e Corello serem os únicos
que acompanhavam conscientemente a atividade do gigante.
O rato-castor continuava sujeito à influência do hipnocristal. De vez em quando um
impulso mental de Magallion penetrava em seu cérebro. Quando isso acontecia, percebia
que o demônio negro fora surpreendido pelos acontecimentos. O desejo vago de
recuperar o sossego perdido o mais depressa possível e de forma radical começou a
manifestar-se em Magallion. Queria voltar ao estado em que vivera há tempos
imemoriais.
Gucky compreendeu que aquele ser devia ser um fóssil com vida. Certamente vivia
no castelo desde o início. Gerava ininterruptamente descendentes que só tinham alguns
segundos de vida.
Se não estava muito enganado, Magallion nem sequer tinha uma ideia clara das
finalidades do castelo. Era um servo mentalmente debilitado de outros seres que o tinham
trancado no castelo por motivos que não se conheciam. Talvez só tivesse sido escolhido
para ser o portador do perigoso cristal.
Gucky se perguntou se os conquistadores amarelos que continuavam normais eram
inescrupulosos a ponto de deixar seus semelhantes que adoeciam abandonados num
mundo como o planeta Casulo. Pela primeira vez pensou na possibilidade de haver outros
governantes dentro do “Enxame” além dos seres amarelo-ocres. Lembrou-se do que
tinham afirmado os degenerados. Não queriam acreditar que os povos que os ajudavam
na galáxia causavam danos irreparáveis.
Os pensamentos de Gucky eram cada vez mais confusos. Enquanto refletia sobre os
conquistadores amarelos não tirava os olhos do demônio negro que corria de um lado
para outro num acesso de fúria.
Neste instante o acaso levou Magallion diretamente para perto de Balton Wyt.
Gucky viu o gigante roçar o corpo do telecineta com o braço. Magallion deteve-se no
meio do movimento. Wyt quase não se mexera. Se tinha consciência do perigo que o
ameaçava, não fez nada para livrar-se dele.
Magallion estendeu o braço e envolveu o astronauta com várias fibras de um
centímetro de espessura.
Wyt foi levantado como um brinquedo.
Este quadro mobilizou as últimas energias de Gucky. Não podia atacar Magallion
por meio da telecinesia, mas ergueu-se e irradiou um impulso de comando telepático.
“Solte-o!”, pensou intensamente. “Você tem de soltá-lo.”
O colosso virou-se devagar. Era um sinal seguro de que tinha recebido e
compreendido os impulsos. Girou Wyt no ar. O telecineta não se mexeu.
Gucky baixou a cabeça.
Não podia fazer mais nada.
***
O demônio negro carregou Balton Wyt através da sala e soltava gritos furiosos.
Corello sabia que a vida do telecineta corria um grave perigo. Parecia que o gigante ainda
não resolvera de que maneira daria cabo de sua vítima.
O mutante teve de fazer um esforço para não continuar de olho em Wyt. Era
necessário controlar a energia que se formava durante a dissolução dos jovens demônios.
Se quisesse ajudar o telecineta, alguma coisa tinha de acontecer depressa.
O gigante parou de novo. Balançou Wyt no braço direito como se fosse um
brinquedo. Levantou-o. Apavorado, Corello prendeu a respiração. Será que o monstro
queria esmagar Wyt atirando-o no chão?
Mas Wyt foi trazido para trás aos poucos. Ribald Corello viu, trêmulo, o gigante
apertar Wyt contra o peito e segurá-lo com o braço bem estendido, mas dava mais um
pouco de tempo a Wyt.
Corello esperou ansioso que mais um descendente se separasse do corpo do
desconhecido. Quando isso aconteceu, concentrou-se na energia gerada pela dissolução
do filhote. Se quisesse manipulá-la, devia tê-la completamente sob controle. E, o que era
o mais importante, precisava evitar que ela se volatilizasse imediatamente.
Corello segurou a nuvem de energia com suas forças psi. Ainda não se arriscou a
deslocá-la em certa direção, pois nesse caso ela poderia escapar-lhe.
O gigante negro interrompeu a caminhada pela sala e resmungou desorientado.
Parecia observar a nuvem de energia que ao contrário das outras vezes não estava
desaparecendo. Depois de algum tempo aproximou-se devagar. Corello ficou satisfeito ao
ver isso.
Mas de repente a energia escapou ao seu controle. Por uma fração de segundo
concentrara-se demais no gigante. A nuvem de energia dissolveu-se aos poucos.
Passaram-se mais alguns minutos durante os quais Balton Wyt corria um grave
perigo de vida. Nessas circunstâncias era bom que tivesse sido completamente paralisado
pelos raios hipnóticos do cristal gigante. Qualquer ação em falso poderia provocar uma
reação mortal do ser de pele negra.
Corello olhou para os companheiros. Gucky e Saedelaere estava deitados um ao
lado do outro, Merkosh continuava de pé no mesmo lugar. Não podia esperar nenhuma
ajuda deles.
O colosso negro deixou-se cair lentamente. Acabou deitado de costas. Mantinha
Wyt afastado do corpo. Naquele momento segurava-o com ambos os braços. Corello não
podia saber se Wyt era apertado com força. Só podia fazer votos de que a pressão
exercida pelo monstro não matasse o telecineta. O corpo do demônio voltou a inchar.
Corello aguardou ansioso que mais um filho se desprendesse dele.
Finalmente este escorregou por cima da barriga e ficou incandescente. No mesmo
instante o mutante mobilizou suas forças telepsimáticas para alcançar a energia. Mais
uma vez conseguiu mantê-la no lugar. Só pensava na tarefa que devia cumprir. Depois de
um esforço incrível conseguiu finalmente mover a nuvem de energia. Fez uma
experiência levando-a rente ao chão, depois a fez subir ao teto e descer de novo.
Aos poucos foi-se acostumando a dirigir essa quantidade de energia. Não precisava
empenhar-se exclusivamente nisso. Depois de algum tempo sentiu-se com forças para
arriscar mais um passo. Fez parar a nuvem de energia e concentrou-se na tarefa seguinte.
Para ser bem-sucedido, tinha de arremessar a energia de um golpe contra o hipnocristal.
Ela devia materializar atrás do campo defensivo do gigante negro.
Corello respirava com dificuldade. Só percebeu no subconsciente que o gigante
libertara Wyt e o depositara sobre o peito. Não se podia saber se o telecineta ainda estava
vivo.
O mutante devia desmaterializar a energia, atirá-la através do hiperespaço e fazê-la
materializar junto ao hipnocristal. Não sabia se a energia estranha podia ser manipulada
até esse ponto, mas devia tentar.
Quando desferiu o golpe final, percebeu logo que seu esforço seria coroado de
êxito. Sentiu uma forte ligação com a nuvem de energia que estava manipulando. Ela
reagia aos seus impulsos psiônicos como um ser vivo.
A nuvem desapareceu e voltou a aparecer quase no mesmo instante em cima do
hipnocristal, onde a energia represada se descarregou numa explosão.
O cristal desfez-se em milhões de fragmentos e apagou-se. Praticamente no mesmo
instante Corello percebeu que uma pressão abafada saía de cima de seu cérebro. Gucky
ergueu-se do outro lado da sala.
Corello deitou de barriga e rastejou para perto do gigante morto. A explosão abrira
sua cabeça. Um processo de divisão que estava começando fora interrompido.
“Wyt!”, pensou Corello. “A explosão devia ter despedaçado seu corpo.”
Com um grande esforço o supermutante empurrou o corpo desfigurado por cima da
pele negra do gigante. Segurou-se nos fios em que terminavam os braços e ergueu-se.
Wyt continuava deitado sobre o peito do demônio. Sem querer o gigante protegera o
telecineta com os braços. O traje de proteção do astronauta não apresentava nenhum
dano.
Corello deixou-se cair para trás. Estava exausto. Sentiu um enjôo.
— Ribald! — chamou o rato-castor que se aproximava. — Tudo bem com você,
Ribald?
Neste instante Ribald perdeu os sentidos.
***
Magallion estava morto.
Sem a menor tristeza Gucky, que estava em cima do peito do gigante, olhou para a
abertura na qual estivera o hipnocristal. Fez uma experiência com a telecinesia e percebeu
aliviado que dava certo.
Saedelaere e Merkosh também se aproximaram.
Cuidaram de Corello e Wyt.
— O senhor teve uma sorte incrível, Balton — disse Alaska ao telecineta. — É um
milagre que o colosso não o tenha esmagado.
Em seguida dirigiu-se a Gucky.
— Depois que tiver recuperado as forças, você vai buscar os irmãos Blazon e o robô
de Corello. No momento não corremos nenhum perigo.
10

O plasma amarelo-ocre entrou aos poucos pelas eclusas abertas do castelo e


distribuiu-se pelas salas de controle. Gucky, que permanecia em contato
ininterruptamente com os degenerados, deu as necessárias instruções.
— Temos de consertar todos os condutores principais que destruímos com nossas
armas — decidiu. — O castelo tem de funcionar, senão teremos visita no sistema de
Praspa.
Blazon Alfa e seu irmão trabalharam o mais depressa que podiam. Graças ao
plasma conseguiram controlar as instalações mais importantes.
A Gevari estava pousada em cima do castelo.
— Você precisa descobrir se o castelo já enviou um pedido de socorro — disse
Alaska Saedelaere ao ilt.
Gucky voltou a entrar em contato com os doentes.
— Eles não acreditam que o castelo já tenha pedido socorro, mas acham que
devemos transmitir um impulso breve pelo rádio programado para comunicar ao centro
de controle que deve ficar dentro do “Enxame” que houve uma avaria que já foi
consertada.
Saedelaere acenou com a cabeça para os companheiros.
— Seguiremos a recomendação dos doentes.
— O plasma exige que o veículo sobre trilhos volte a executar as mesmas funções
que desempenhava antes — prosseguiu Gucky.
— O quê? — perguntou Saedelaere em tom de incredulidade. — Eles querem que
atiremos nas montanhas de plasma?
O rato-castor não permitiu que pairasse qualquer dúvida de que o desejo do plasma
era este mesmo. Mas ressalvou que o bombardeio só devia atingir as áreas que se tinham
tornado imunes por causa da vegetação.
— O plasma tem razão — disse Corello que dormira algumas horas em seu assento
especial. — Para quem está fora de Casulo nada deve mudar. Só assim podemos ter
esperança de não sermos descobertos.
Wyt sorriu zangado.
— Nunca pensei que um dia viajaríamos pelos trilhos a bordo do castelo.
Os reparos continuaram a ser feitos às pressas. Pouco antes de sua conclusão foi
recebida uma mensagem vinda de dentro do “Enxame”.
— Alguém quer saber por que o castelo não envia mais impulsos — disse Gucky,
traduzindo as explicações do plasma.
Depois que as instalações elétricas tinham sido ligadas, o castelo movimentou-se
devagar. Os tripulantes da Gevari não precisaram fazer muita coisa. Os contatos eram
quase completamente automáticos.
O sistema de rádio do castelo enviou a mensagem combinada.
— Agora ninguém mais se preocupará com Casulo — disse Saedelaere. — Tudo
segue como antes, com a única diferença de que escolheremos as áreas a serem
bombardeadas um pouco melhor do que fazia o demônio negro.
O homem lesado por um transmissor teve de confessar que se não fosse o plasma
não teria controlado o castelo tão depressa. Surpreendeu-se de que o plasma estava tão
bem informado sobre as instalações técnicas.
Uma vez concluídos os trabalhos, Saedelaere deu ordem para que os tripulantes da
Gevari, que estavam exaustos, descansassem algumas horas.
O plasma que tinha entrado na estação voltou a retirar-se.
Mentro Kosum assumiria o primeiro turno da guarda.
— Se houver algum problema, acorde Gucky — recomendou Saedelaere ao
emocionauta. — O ilt poderá entrar em contato com os doentes.
— Tenho certeza de que isso não será necessário — disse Kosum em tom confiante.
— Dentro de alguns dias conhecerei tão bem os controles que não precisarei mais do
auxílio dos degenerados.
— Tanto melhor — disse Alaska.
O homem lesado por um transmissor entrou na Gevari depois de passar pela eclusa.
Estava satisfeito com o resultado da missão. Tinham obtido informações muito
importantes a respeito dos conquistadores amarelos, além de conquistar uma base
importante. Para os habitantes do “Enxame” o sistema de Praspa era tabu. Se não
houvesse nenhum incidente grave poderiam ficar no castelo durante anos sem serem
descobertos.
Mas não era essa a intenção de Saedelaere.
Devia encontrar um meio de entrar em contato com Perry Rhodan. Os terranos,
principalmente os cientistas, deviam ser informados sobre os conhecimentos que a
tripulação da Gevari acabara de adquirir no interior do “Enxame”. Além disso ainda
havia o grande conflito com os conquistadores amarelos, sempre prontos para dividir-se.
Se as informações dos degenerados eram corretas, isso poderia representar um problema
moral grave para a humanidade.
Mas Saedelaere esperava que fosse possível resolver o problema sem a força das
armas.
Talvez houvesse uma possibilidade de convencer as aves migratórias cósmicas a
voltar ou deixar certos mundos à sua disposição.
Alaska deitou na cama estreita e cruzou os braços embaixo da cabeça.
Um abalo leve sacudiu o veículo.
O castelo do demônio negro subia em alta velocidade por um trilho para retomar a
atividade interrompida por pouco tempo.

***
**
*
Os membros da expedição da Gevari podem
respirar aliviados. Derrotaram o demônio negro e ao
mesmo tempo acharam um esconderijo dentro do
“Enxame” no qual se sentem bem seguros.
Mas para cumprir as tarefas que ainda têm pela
frente têm de entrar em atividade de novo e assumir
certos riscos.
Um desses riscos é o transporte para o
desconhecido.
Transporte Para o Desconhecido — é este o título
do próximo volume da série.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores.


Não perca a chance de conhecê-lo e/ou se associar:

http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?
cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1

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