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Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul

ENTRE A COINCIDÊNCIA E A NÃO-COINCIDÊNCIA:


UM ESTUDO SOBRE AS FALAS DE ESQUIZOFRÊNICOS NO CAMPO DA ENUNCIAÇÃO

Patrícia Laubino BORBA (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

ABSTRACT: This work draws on Authier-Revuz’s theory of heterogeneity to present an analysis of the four
non-coincidences in a corpus constituted of interviews with schizophrenics. We intend to study the pacients’
use of linguistic forms which usually are used to do an Autonimic Modalization, which is the representation
of a non-coincidence

KEYWORDS:Pathology of language, schizophrenia, heterogenity, metaenunciation.

0. Introdução A presente pesquisa se propõe a estudar o trabalho sobre as heterogeneidades enunciativas de


Jaqueline Authier-Revuz. A revisão bibliográfica (cf. Cap. 1 e 2) situa a autora em relação a outros teóricos da
lingüística da enunciação e discute as articulações feitas com áreas exteriores, como o dialogismo bakhtiniano
e a psicanálise freudo-lacaniana. A partir disso, apresenta a análise de um corpus constituído por falas de
esquizofrênicos ( cf. Cap. 3)
Esse trabalho dá continuidade a três anos de pesquisas como bolsista de Iniciação Científica. A
conclusão de um trabalho anterior1 – o esquizofrênico não realiza metaenunciação - levou nos a questionar o
porquê da utilização de formas que realizam a Modalização Autonímica pelo paciente e também a pensar que
o estudo dessas formas, no discurso do paciente, poderia nos levar as outras descobertas a respeito da
heterogeneidade no discurso do esquizofrênico. Trabalhamos com a hipótese da existência de outro elemento
para a não-realização da Modalização Autonímica, além da incapacidade de metaenunciar.
Por meio da análise do corpus, tivemos o objetivo de verificar se há algum outro elemento que
interfere na percepção do outro dentro da realização lingüística na esquizofrenia. Objetivamos também
esclarecer o conceito de heterogeneidade e a substituição desse conceito pelas não-coincidências, além de nos
dedicarmos a estudar as formas de realização da Modalização Autonímica.
Justificamos a realização dessa monografia pela tentativa de compreender os movimentos do
discurso do psicótico de uma forma comparatista, na medida em que utilizamos uma teoria que estabeleceu os
padrões de uma normalidade lingüística. O estudo sobre as falas de esquizofrênicos permite muitos
questionamentos acerca da natureza da linguagem e possibilita novas perspectivas de investigação que nos
leva a entender melhor a nossa própria língua. Tal procedimento encontra eco no estudo das patologias da
linguagem desenvolvido por Jakobson (1995), em especial a respeito das afasias.
Outra justificativa para a realização desse trabalho está na estreita relação entre linguagem e
psicose, que já desafiou muitos estudiosos da língua a adentrar num campo outro.

1. Das heterogeneidades às não-coincidências


1.1Heterogeneidades No texto Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva: elementos para
uma abordagem do outro no discurso (1982), Authier-Revuz discute formas de perceber a alteridade no
discurso. Num primeiro momento, ela aponta formas lingüísticas especializadas na erupção do outro no
discurso, como o discurso direto (DD) e o indireto (DI), ressaltando a especificidade de cada forma: no DD, a
citação é feita sem que haja a explicitação de interferências, por parte do locutor, ao discurso de um outro ao
qual ele se remete; no DI, o locutor se comporta como tradutor do sentido de um outro que o locutor se
propõe a relatar. Nessas duas formas de discurso relatado, há uma explicitação por parte do locutor de uma
abertura no seu próprio discurso ao discurso de um outro.
Há também formas mais complexas de explicitar a heterogeneidade. Authier-Revuz recorre ao
trabalho de Rey-Debove, especialmente à noção de conotação autonímica. Em seguida, forja seu próprio
conceito denominado de Modalização Autonímica.
Tem-se autonímia quando há a menção de um signo, e conotação autonímica quando essa
menção se transforma em outra face do uso. Uma autonímia simples seria a citação de um discurso de forma
direta sem a intervenção do relator. A delimitação desse outro é tão nítida que há uma ruptura na sintaxe (Z
disse: x, na expressão de Z, x). Em uma conotação autonímica, o discurso do outro está incorporado no

1
(Borba, 2001).
discurso do falante, como nas glosas por incisa, itálicos e aspas. A conotação autonímica permite uma
continuidade sintática – o único traço que remete o discurso para o exterior são as marcas de aspas e itálico.
Tais marcas são, no primeiro caso, redundantes, pois o locutor anuncia que será de outro o discurso proferido;
contudo, no caso da conotação autonímica, essas marcas são vestígios de exterioridade concreta.
Esses exteriores também podem ser localizados se houver glosas, retoques, comentários
(assinalados ou não por aspas ou itálico). Esse voltar sobre os elementos autonímico evidencia os parâmetros,
ângulos, pontos de vista do falante em relação a esse outro que interfere no discurso.
Esse movimento de descoberta do outro atravessado no discurso nada mais é do que a
reafirmação da unidade (homogeneidade do discurso). Esse outro é visto como um corpo estranho, como uma
espécie de defeito localizado que pode ser corrigido. Ao mesmo tempo, esse outro é localizado, ou seja, é
marcado como pertencente a um outro discurso, diferente do discurso do locutor. Na medida em que ele
marca a exterioridade, o que resulta é uma interioridade, o UM do discurso.
Essa marca de exterioridade localizável é uma das formas de manifestação da heterogeneidade
na língua. Porém, o objetivo de Authier-Revuz é explicitar outro traço da heterogeneidade: a sua presença
constitutiva em qualquer parte do discurso, independentemente da sua aparição implícita ou explícita. Ou seja,
há duas perspectivas de alteridade do discurso: a heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva.
A heterogeneidade constitutiva e a mostrada representam duas ordens de realidades diferentes:
processos de constituição de um discurso e processos de representação da constituição de um discurso. São
processos intercambiáveis, mas não de simples tradução. A heterogeneidade mostrada não é a representação
real da heterogeneidade constitutiva, pois, caso contrário, a primeira pressuporia estados de homogeneidade
que eventualmente se cruzariam. Sendo assim, a heterogeneidade mostrada percebe uma das facetas da
heterogeneidade constitutiva sem percebê-la como um todo.
Outro fato que torna a relação direta entre heterogeneidade mostrada e constitutiva inviável é o
mecanismo ilusório do qual a heterogeneidade mostrada está imbuída. A heterogeneidade mostrada é uma
tentativa de dissolver a alteridade que foi percebida pelo falante para transformá -la em homogeneidade. Esta
correção faz parte do movimento da heterogeneidade mostrada, mas é inconcebível dentro da idéia de
heterogeneidade constitutiva, pois a tentativa de restaurar o UM que está sendo ameaçado mostra as
limitações do falante que acredita haver o UM.
A heterogeneidade mostrada está no campo da descrição lingüística, enquanto a heterogeneidade
constitutiva se apoia em teorias exteriores à lingüística: o dialogismo do círculo de Bakhtin e a psicanálise
freud-lacaniana.
No próximo item, percorreremos a contribuição do dialogismo de Bakhtin na obra de Authier-
Revuz.

1.1.1 Contribuições do dialogismo Uma nova concepção de outro, forjada na perspectiva dialógica, é a grande
contribuição de Bakhtin para os trabalhos de Authier-Revuz. No dialogismo, o outro não é nem uma
duplicação, nem uma diferença excludente do um, mas algo que atravessa constitutivamente o um.
A noção de linguagens sociais que está no seio de uma mesma língua, construída nos seus
trabalhos de crítica literária da obra de Rabelais, pode mostrar essa nova concepção de outro. A relação entre
essas linguagens sociais não é de total exclusão, mas, sim, de diversas intersecções. As linguagens outras
podem ser confrontadas, comparadas, podem servir de complemento mútuo, podem se entrecruzar de diversos
modos, surgindo, assim, falares novos, possuidores de lugares sociais. Esse novo conceito de língua, que
inclui em sua teorização a alteridade, sustenta o conceito de heterogeneidade constitutiva em Authier.
Em Bakhtin, o conceito de linguagens sociais é estudado como pontos de vista específicos sobre
o mundo, ou seja, concepções ideológicas de mundo. A língua é, assim, completamente diversificada, em
qualquer momento de sua existência histórica (Authier- Revuz, 25, 1982). Para isso, a língua se constitui de
elementos abstratos: palavras, frases, portadoras de uma significação no quadro do sistema lingüístico; e de
acontecimentos concretos, únicos: os enunciados são produtos da interação da língua/situação, portadores de
um sentido contextual da palavra e de um julgamento de valor.
O resultado dessa inclusão da enunciação na constituição da língua é que toda palavra ao ser dita
passa por uma orientação dialógica com o já-dito (enunciações anteriores) dessa palavra por um outro. Ou
seja, as palavras são sempre projetadas a um ou a vários contextos em que são marcadas socialmente,
carregando, assim, tal peso ao serem pronunciadas.
Todas as palavras são atravessadas por discursos, e esse movimento é visto por Bakhtin por uma
saturação da linguagem. O dialogismo é condição de constituição do sentido, na medida em que o sentido só
acontece no e pelo entrecruzamento dos discursos: um discurso se constrói na medida em que os outros são
seu exteriores teóricos.
Nessa teoria, existem duas formas de perceber a dialogização: a exterior, que acontece com a
interferência da presença de um interlocutor na produção do discurso; e a interior, que enfatiza o
direcionamento por parte do locutor do discurso a um interlocutor virtual, a fim de antecipar a sua
compreensão. Esse outro antecipado é apreendido como um discurso, e, a partir deste discurso outro, o locutor
constrói o seu discurso. O outro de Bakhtin pertence ao campo do discurso – em nenhum momento em seu
trabalho, o autor se preocupa com o inconsciente, pois seu recorte é histórico e social.
Para estudar esse outro do inconsciente, Authier recorre à psicanálise freudo-lacaniana. No item
seguinte, iremos mostrar as contribuições dessa área ao trabalho da autora.

1.1.2Contribuição da Psicanálise A autora justifica sua incursão à psicanálise mostrando que essa pode
concernir à lingüística um olhar exterior a seu campo de atuação em objetos comuns à linguagem, à fala e ao
sujeito falante.
Uma contribuição importante vinda da psicanálise é a sua concepção de sujeito dividido (em
inconsciente e consciente), produtor, por isso, de uma palavra heterogênea. O inconsciente é a parte
transindividual do discurso concreto, a qual o sujeito não tem acesso para explicitar a relação com seu
discurso consciente.
Nessa relação entre o inconsciente e a linguagem, o papel do psicanalista é fazer ressurgir do
inconsciente conflitos esquecidos, a fim de mostrar a relação com fatos de sua vida cotidiana. O psicanalista
não faz seu paciente voltar a um passado traumático, mas, sim, aos discursos construídos nesse passado, para
que os significantes que aprisionam os desejos/sentidos inconscientes sejam resignificados. Há uma asserção
lacaniana, a linguagem é condição do inconsciente, que pode explicar esse movimento lingüístico do
psicanalista.
A talking-cure só é possível através de uma transgressão das leis normais de conversação na
sociedade. A linguagem para o psicanalista é a mesma que usamos normalmente, num outro estado da
palavra, similar à escrita poética, em que é dada uma iniciativa às palavras, deixando com que ela produza
uma não total previsibilidade de sentido. Porém, a situação de análise é anormal, na medida em que há um
ouvinte que busca ler, na fala de seu analisado, uma escritura poética, buscando todos os sentidos
possivelmente evocados. Assim, se, de um lado, a língua que está em questão é normal, por outro lado, a
situação analítica é anormal.
A eficácia desse trabalho deve-se ao fato de o inconsciente não possuir um discurso próprio,
agindo sobre o discurso normal. A interpretação analítica não traduz algum sentido oculto vinculado à palavra
do analisado, mas, sim, faz um trabalho de escuta que pontua, recorta e produz eco sobre a materialidade
lingüística. O lugar da interpretação analítica é a linguagem, não como objeto de estudo, mas como
instrumento para circunscrever seu objeto: o desejo inconsciente.
A manifestação do inconsciente, no discurso, acontece na projeção de outros discursos sobre o
discurso dito sem que haja nenhuma relação desses com o que está sendo dito. Todo o discurso é polifônico,
na medida em que carrega potencialmente os discursos do inconsciente. Apesar de o sujeito ser dividido e ter
sua palavra heterogênea, o eu é dotado de uma função de desconhecimento, em que percebe tanto a si mesmo
quando a sua palavra como homogênea. Essa função é necessária e normal para o sujeito.
A partir da relação entre inconsciente e linguagem, da polifonia do discurso, da função de
desconhecimento da divisão do sujeito e da heterogeneidade da palavra, Authier-Revuz discute a
heterogeneidade constitutiva e a função de ilusão do sujeito que insiste em restaurar o UM do discurso.

2. As não-coincidências Segundo Teixeira (2000), as heterogeneidades, tanto mostrada quanto constitutiva,


ganharam uma nova denominação que engloba ambas: as não-coincidências. Essa nova denominação delimita
um território na enunciação que se contrapõe a um outro em que há o efeito de transparência e de standard.
Essa reformulação teórica provoca um novo olhar sobre o fato lingüístico. Agora não se tem somente
dois pólos de heterogeneidade – a que se mostra e a que constitui toda a enunciação – , e sim quatro – em que
todas são mostradas e todas estão constitutivas na enunciação. As quatro não coincidências serão mostradas
detalhadamente.

2.1Não coincidência interlocutiva A não-coincidência interlocutiva é fundamentada na concepção de sujeito


pós-freudiana, em que o sujeito é dividido em consciente e inconsciente. Formalmente, apresenta-se como um
chamado ao interlocutor para co-enunciar, compartilhando, assim, o sentido. Pode ser representada
basicamente de duas formas:
a) tentando restaurar o UM,
b) marcando o NÃO-UM.
No primeiro caso, há a tentativa de fixação de um determinado sentido com o consentimento ou
cumplicidade do outro/interlocutor; o locutor busca duas estratégias: a') prevenindo a não co-enunciação; a’’)
evitando o risco de não transmissão do sentido.
No segundo caso que se marca o NÃO-UM, o locutor constata a diferença entre as suas palavras
e as palavras do outro: x, como você diz, x, como nós dizemos, x, você diria Y.

2.2Não-coincidência do discurso consigo mesmo A não-concidência do discurso consigo mesmo tem como
base teórica o dialogismo bakhtiniano, que trata do fenômeno da marca que as palavras possuem por terem
habitado outros discursos e do conceito de interdiscurso2 de Pêcheux, em que o já-dito, o pré-construído, está
na base do dizível. É a explicitação da interdiscursividade, porém de forma localizada, pois o locutor assinala
a presença de algumas palavras marcadas pelo discurso do outro.
Diversas são as formas como um locutor pode reagir ao fato de palavras enunciadas por ele
pertencerem a um discurso outro – tentamos aqui apenas exemplificar alguns modos.

2.3 Não-coincidência entre as palavras e as coisas São formas que vêm romper localmente a relação biunívoca
entre as palavras e as coisas que são designadas por elas, trata-se aqui da relação entre a língua-sistema finito
de unidade discreta e as infinitas singularidades do real a nomear ou, em termos lacanianos, da
impossibilidade de captura do objeto pela letra ( Teixeira, 161, 2000)

2.4Não–coincidência das palavras consigo mesmas Pode ser explicada pelo conceito de lalangue de Lacan,

consagrando fundamentalmente o sistema lingüístico de unidade distinta, e os enunciados,


ao equívoco de uma homonímia generalizada, aquela em que se ancora a poesia, a prática
psicanalítica, e que Saussure havia encontrado com temor nos anagramas (Authier-Revuz,
25, 1998)

Reflete a imagem do locutor se deparando com o equívoco em sua própria fala. Percorremos as
quatro não-coincidências, para que, posteriormente, sejam analisadas em um corpus de falas psicóticas.

3. Falas psicóticas: procedimentos de análise O corpus que utilizaremos para a análise se constitui de cinco
entrevistas com pacientes esquizofrênicos internados nos hospitais psiquiátricos Espírita e Mário Martins,
coletado pelo grupo de pesquisa Lingüística e Psicanálise 3.
Das cinco entrevistas que compõem o corpus, duas constituem o nosso objeto de análise pela
riqueza do aparecimento das formas lingüísticas estudadas. Essas entrevistas serão referidas como (J.V., 43
anos, sexo masculino) e (E. 43 anos, sexo masculino). Nossa opção também se justifica pela singularidade
desse corpus, e pela necessidade de apreender o máximo da enunciação a fim de capturar a cena enunciativa,
ou seja, contemplar o sujeito, a língua e a situação enunciativa (Flores, 58, 2001).
Na análise do corpus de falas de esquizofrênicos, procederemos conforme a metodologia
utilizada por Authier-Revuz4 (166 e 167, 1998). A análise procede da seguinte forma:
a) Levantamento das formas das não-coincidências. Teremos o cuidado de manter o
contexto e a compreensão da enunciação ao recortar o enunciado. Para isso, faremos recortes longos, a

2
Segundo Orlandi, o interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o
que dizemos ( 33, 2001)
3
Esse grupo foi composto pelos professores doutores Margareth Schäffer, Valdir do Nascimento Flores, Leci
Boges Barbisan, Marlene Teixeira, Francisco Franke Settineri, Mônica Nóbrega de 1995 até 2002.
4
Mesmo sendo diferente a natureza do empírico a ser estudado – a autora trabalha com um corpus de quatro
mil enunciados orais ou escritos, proveniente dos mais diversos gêneros, desde uma conversa no trem até
autores significativos como Proust - , acreditamos que seria interessante utilizar tal metodologia a fim de
compararmos os resultados e de visualizarmos os efeitos de ruptura que tal corpus pode gerar na análise já
que é algo não previsível pelos padrões da lingüística.
fim de que sejam capturados traços que possam reconstruir a cena enunciativa. As formas representativas
das não-concidências serão sublinhadas e estudadas em itens separados pelos tipos de confrontamento
com a alteridade.
b) O questionamento desse procedimento, numa perspectiva do sujeito enunciador
segundo a teoria da heterogeneidade.
c) A reflexão sobre a emergência dessas formas lingüísticas no discurso do psicótico
será feita através de uma descrição do movimento lingüístico e/ou discursivo do paciente. O nosso
questionamento tem como foco de atenção o porquê do aparecimento de formas de não-coincidências, se
não há possibilidade de realizar a Modalização Autonímica devido à incapacidade de realizar a
metaenunciação..

3.1 Análise
3.1.1 Figuras representativas da não-coincidência interlocutiva

3.1.1.1 Paciente: Eu tava na cama com o lençol por cima.


Entrevistador: Sim
Paciente: Não tinha nenhuma garota embaixo da cama.
Entrevistador: Ah, não tinha.
Paciente: O que eu quero dizer nesse frio não é bom dormir pra quem tá de benefício? (E. 43 anos, sexo
masculino).

3.1.1.2 Paciente: Calçado é uma coisa cara ... Eu tô falando coisa que o senhor entende um pouco, né?
Entrevistador: Uhum.
Paciente: É, e eu quero dizer, tá, que eu tô, não tava, que nem agora, é que eu não tomo cachaça, pra fazer que
tô dando uma de tonto na rua, e arranjo uma garota pra baixo da, do lençol. (E. 43 anos, sexo masculino).

3.1.1.3 Paciente: Pode ser uma garota dizer que ia no primeiro andar e ele no segundo andar.
Entrevistador: Uhm.
Paciente Por certo de ele ter caído na fofoca, né?
Entrevistador: Aham. Aí por isso trouxeram o senhor pra cá?
Paciente: Não, eu quero dizer que eu não tava olhando nem a tela, nem a tela eu tava. (E. 43 anos, sexo
masculino)

3.1.1.4 Paciente: Mas tô sempre nos 39, né? É que eu acho tô, eu gastava grana bastante (?) ovo de galinha.
Mas só comia quando eu tinha 7 anos. Desculpa talvez, né? Não quero isso vai, não quer dizer que, não quero
dizer que sou da lei, né? É, é, mole, ovo mole. Pelo contrário, tem que abrir tudo tá bem quente, né? Mas não
precisa ficar duro (...).(E. 43 anos, sexo masculino).

3.1.1.5 Paciente: Com a desculpa que eu tô em benefício, eu tenho que ocupar com a minha mãe, com o meu
irmão, por isso que eu não vou fazer tais asneiras, né?
Entrevistador: Aham. O que que tá em benefício?
Paciente: É que eu não gosto de falar, o senhor perguntou (?). Eu não gosto de falar coisa de trabalho, que faz
tempo, né? Que lá uma vez ou outra (?) desde aquela época. O senhor entendeu o que eu quero dizer?. (E. 43
anos, sexo masculino)

Todas as formas representativas da não-coincidência interlocutiva existentes no corpus tentam


restaurar o UM, com a fixação do sentido para que haja a transmissão desse; contudo, não há a concretização
de uma negociação, nem a produção de uma coincidência entre o entrevistador e o entrevistado. Tal fato
acontece pela não realização da metaenunciação5 , por parte do paciente. A representação de uma não-
coincidência fica prejudicada, pois não há a realização de uma modalização autonímica – o retorno sobre a
enunciação opacificando-a.
A forma representativa da não-coincidência interlocutiva o que eu quero dizer, e suas variantes,
posicionam-se, insistentemente, no começo de uma fala do paciente. A enunciação que essa expressão quer
reformular a fim de evitar o risco da não transmissão é algo construído a partir de muitos enunciados

5
cf. (Borba, 2001).
intercalados por interferências do interlocutor, apesar de não haver nenhuma participação, a partir desses
comentários, na construção do sentido nos casos estudados. Mesmo que, em alguns momentos, haja a ilusão
de uma certa negociação de sentido, como no item 3.1.1.5, em que o paciente responde ao questionamento
feito pelo interlocutor, o que se desenrola após a forma representativa da não-coincidência continua sendo
uma dispersão do sentido.
Normalmente a Modalização Autonímica acontece com a percepção localizada de uma não-
coincidência, ou seja, com a percepção do falante de que aquilo que é dito pode não ser compreendido pelo
interlocutor. Assim, ele o reformula de forma a especificar o que já foi dito.
Entretanto, a utilização desse artifício no corpus subverte esse padrão: em vez de fortalecer a
fronteira daquilo que foi dito, o paciente simplesmente fala de uma outra coisa, que, no item 3.1.1.3, não tinha
sido mencionado antes na sua fala, o termo tela. Nos demais casos, percebe-se algum tipo de fragmento já
falado, mas que não remonta a nenhuma idéia clara. Sempre que a forma da não-coincidência é posta, a
reformulação do sentido que se quer transmitir foge totalmente daquilo que foi dito, evidenciando uma
dispersão do sentido. O problema em questão, nesse item, não requer uma análise lingüística minuciosa de
sintaxe nem de morfologia, pois o estranhamento está num nível discursivo, ou seja, no sentido global que
está sendo posto.
Uma peculiaridade da análise desse item é que todos os recortes são do mesmo falante (E., 43
anos, sexo masculino). Embora isso possa causar suspeita de ser um “tique” do locutor, Authier-Revuz (apud
Bernades, 140, 2003) não exclui a idéia de motivação, mesmo de elementos usados automaticamente.
Mas o argumento mais forte para acreditarmos que esses trechos sejam uma tentativa de
representação da não-coincidência interlocutiva é o fato de todas as utilizações das formas de não-
coincidência mostrarem o esforço do locutor de ser realmente compreendido, ou seja, de que pode ter
ocorrido uma não-coincidência. Esse ponto é reforçado por trechos como O senhor entendeu o que que quis
dizer, Eu to falando coisa que, o senhor entende um pouco, né, O senhor entendeu o que eu quero dizer?, Eu
tô falando em Português, é português, né?. Esses fragmentos evidenciam uma certa percepção de algum
ponto de não-coincidência; contudo, a incapacidade de metaenunciar não é o único ponto de afastamento com
uma situação normal; há um outro elemento que difere o discurso estudado com o discurso que a lingüística
estuda: a incapacidade do paciente de localizar em que ponto do discurso houve a quebra da ilusão do UM.

3.1.2 Figuras representativas da não-coincidência do discurso consigo mesmo Estudaremos a não-


coincidência do discurso consigo mesmo, a partir da hipótese levantada, no capítulo anterior, de não haver o
resgate discursivo das palavras utilizadas pelo paciente. Apresentaremos, nos itens 3.1.2.1, 3.1.2.2, 3.1.2.3,
momentos em que os entrevistadores indagam ao paciente sobre a localização discursiva daquilo que ele está
falando. Nesses trechos, não há o aparecimento de forma alguma de não-coincidência, sugerindo que, para o
paciente, o discurso era coincidente. O item 3.1.2.4 é um recorte do mesmo falante, na mesma enunciação, em
que há uma tentativa de mostrar uma não-coincidência, que não se realiza. Optamos em trabalhar com
recortes do mesmo falante a fim de localizar os discursos tratados. Também consideramos esse o melhor
exemplo para estudar a não-coincidência do discurso consigo mesmo, pois os discursos a que esse paciente se
refere são mais acessíveis de serem reconstituídos.

3.1.2.1 Paciente: Ele que sabia. Aí eu cheguei lá, coisa temperada, e nós se fomos pro Lami. Os caras queriam
me matar. Nós fomos lá pro sítio. Eu não sei quem é esses caras. Nós fomos lá, eu me batizei, né? Fumava
quatro carteiras por dia. Aí me batizei, né? Daí, daí, quando eu parei o ano retrasado, não, o ano passado, é, o
ano passado eu parei. Tava só fumando quatro pacote de colomi. É bravo, né? Quatro pacote de colomi é uns
40 conto, não sobrava nada, eu sempre endividado que eu tava. Eu disse pra mãe e pra tia, é tia Tereza, eu
disse pra ela: bah, tia, eu vou ficar um mês lá no calçadão, tenho meu pandeiro, sabe? Posso tocar. Eu tinha
pandeiro, né?
Entrevistador 2: Uhum.
Paciente: (?) fugido.
Entrevistador 2: Uhum
Paciente: Eu não vou enterrar os dois talentos das criancinhas.
Entrevistador 2: Como?
Paciente: Eu não vou enterrar os dois talentos, eu tenho duas talentos.
Entrevistador 2: Quais são os dois?
Paciente Ahm?
Entrevistador 2: Quais são os dois talentos?
Paciente: O pandeiro e o louvor.
Entrevistador 2: O louvor?
Paciente: Isso. O pandeiro e o louvor. O louvor que é rápido, eu não vou enterrar meus talentos das
criancinhas. O louvor é que rapidinho, furioso. Eu quero ser ele. Mas o louvor que é rápido é outra vida, a
vida eterna. (J.V., 43 anos, sexo masculino).

3.1.2.2 Paciente: Eu não quero enterrar os dois talentos. Eu disse pra mãe: o menino quer que eu me enterre
nos dois talentos. O menino não tem poder. Vou deixar esse cigarro, vou deixar de tudo. (J.V., 43 anos, sexo
masculino)

3.1.2.3 Entrevistador 1: Só pra gente entender um pouco sobre o que tu tá falando ...
Paciente: Eu tô pecando com o senhor, né? Eu tenho dois talentos, tô fumando cigarro, fumando maconha,
tomando vinho ...
Entrevistador 1: Tá, isso aí é o pecado que tu tá falando.
Paciente: É o pecado.
Entrevistador 1: E o que que é enterrar as crianças pra mim...
Paciente: Não, enterrar os dois talentos. (J.V., 43 anos, sexo masculino)

3.1.2.4 Paciente: Não. Mas a mãe sabe que eu fumo, ele sabe que eu fumo, ele sabe que eu fumo. Ele sabe que
eu sou viciado. Eu disse para ele: eu to fumando, mas é o seguinte, eu não sou de tá roubando de vocês. Eu
disse pra ele: eu não sou da tá indo na bolsa, nos bolsos de vocês, de se atucanar, por causa que não tem. Eu
fumo quando eu tenho condições. Não assim de querer assaltar, passar a faca, entende? Não, essa operação,
graças a Deus. Vamos ver essa operação, sabe? De querer roubar para possuir aquela maconha. Não. Eu fumo
quando eu tenho. Eu sou assim um fumante social, né? Eu fumo quando tenho. (...) (J.V., 43 anos, sexo
masculino).

Os trechos citados são nichos discursivos que não foram devidamente recortados pelo locutor,
ou seja, o traço mais forte desses recortes é a especificidade do discurso tratados pelo locutor como uma fala
que se origina dele mesmo, ou seja, esse locutor está, mais evidentemente nos itens 3.1.2.1., 3.1.2.2. e 3.1.2.3,
totalmente iludido pelo efeito de um discurso coincidente.
Começaremos pela análise dos trechos de 3.1.2.1 até 3.1.2.3. Selecionamos dois trechos que
representam o aparecimento de um nicho discursivo não explicitado pelo paciente. Reconstituímos a origem
discursiva a partir das seguintes palavras: talento, louvor. A partir do rastreamento dessas palavras na Bíblia,
descobrimos trechos como Então ela deu ao rei cento e vinte talentos de ouro, e muitíssimo óleo de bálsamo,
e pedras preciosas (Reis 10: 10), Por intermédio dele, oferecemos sempre a Deus um sacrifício de louvor (...)
(Hebreus 13:15), (...) terá o seu louvor da parte de Deus (Coríntios 4:5). A fala do paciente é constituída por
um discurso bíblico, porém tomado como seu discurso e não como um discurso outro. Tal discurso bíblico é
acompanhado de um discurso religioso, representado pelos seguintes elementos: pandeiro, batuque bebido,
enterrar, anjo. O discurso religioso acompanhado não é claramente identificado, em muitos momentos
flutuando entre uma religião africana, como o Candomblé, ou uma religião protestante, como a Assembléia de
Deus. Esses três universos discursivos não são em momento algum separados ou vistos como um outro
discurso.
Ao mesmo tempo que o paciente não percebe isso, ele produz seu discurso de tal modo que não
seja claro essa separação. Podemos perceber isso pelo trajeto que os entrevistadores pe rcorrem para
compreender esse dizer (3.1.2.1). O entrevistador 2, que questiona o paciente sobre quais são os talentos
mencionados, surpreende-se não pelo conteúdo total da resposta, mas pela presença da palavra louvor. Pois o
entrevistador tinha colado no significante talento a idéia de habilidade, pelo encaminhamento do discurso do
próprio paciente que se refere à habilidade de tocar pandeiro anteriormente. A partir disso, ambos os
entrevistadores questionam elementos da fala do paciente para tentar compreender o que está sendo dito
(3.4.2.3).
No item 3.1.2.4, o paciente usa uma estrutura que sugere a percepção de estar usando um dizer
outro, Eu sou assim um fumante social . O advérbio, nessa posição, traz um caráter autonímico para o
enunciado. Se o enunciado fosse Eu sou um fumante social, o falante estaria assumindo que fumante social é
uma expressão coloquial, ou seja, coincidente, não precisando de nenhuma marca para que o sentido seja
transmitido.
Porém esse enunciado possui outra peculiaridade, que é a própria expressão que não existe. O
que estaria mais perto disso é a expressão bebo socialmente, ou seja, o paciente toma emprestado uma
estrutura socialmente estabelecida a fim de adaptar para o sentido que ele quer utilizar.
Devemos observar, também, que há anteriormente um conceito do que seja fumar socialmente:
não roubar para conseguir a droga, só fazer uso dela na medida em que tem condições financeiras para isso.
Comparando esse conceito ao do de beber socialmente, vemos que não há semelhanças, pois esse está
relacionado ao fato de não beber excessivamente, mas, sim, em companhia de amigos que estão bebendo
também, em uma situação em que esse ato seria totalmente natural.
Concluímos que a utilização da língua pelo psicótico está na utilização dos significantes, da
estrutura, com a perda do significado pelo fato de não conseguir dominar o universo discursivo, por não
perceber as fronteiras discursivas da língua.

3.1.3 Figuras representativas da não-coincidência entre as palavras e as coisas

3.1.3. 1 Paciente: É que eu comia ovo de galinha ...


Entrevistador: Aham.
Paciente: Eu coto isso porque eu sou de origem italiana, cozida ou gringo. Eu comia um ovo. Eu digo pela
tonalidade do cabelo, né? E a maneira de falar.
Entrevistador: Aham.
Paciente: E se eu não falo é só pela tonalidade (?). (E. 43 anos, sexo masculino).

3.1.3.2 Entrevistador: Qual é o teu trabalho E.?


Paciente: O senhor foi direto ao problema, mas já que ta quase terminando o, a conversa, quer dizer, o
assunto, né? (...).(E. 43 anos, sexo masculino).

No recorte 3.1.3.1, a primeira forma de representar a não-coincidência entre as palavras e as


coisas assume totalmente seu dizer como um dizer pleno, enfatizando o UM da nomeação. Enquanto, na
segunda forma do mesmo recorte, marca-se a busca da adequação por um cogitar interno do locutor. O
mesmo elemento tonalidade traz consigo a certeza e a dúvida, além do fato de haver uma certa amarragem
entre o termo tonalidade do cabelo e origem italiana ; no entanto perde-se totalmente o tema ovo, que será o
assunto do paciente. Mesmo que haja alguma relação entre ovo e origem italiana, não há explicitação
compreensível da parte do paciente, e o resto da conversa dilui totalmente essa relação.
No recorte 3.1.3.2, há uma busca pela adequação, partindo de um cogitar por parte do
locutor, a fim de buscar uma conclusão. Essa busca, contudo, é irrelevante, pois nem a conversa, muito menos
o assunto, estavam acabando.
Constatamos também, nesse item, que não há um domínio da marca discursiva das palavras,
que nesse caso reflete numa dificuldade de relacionar a referência com a palavra. Queremos ressaltar que tal
incapacidade está relacionada à dificuldade de perceber a conseqüência advinda do fato de as palavras já
terem habitado outros falares. Na medida em que o paciente não consegue perceber as fronteiras entre os
discursos, ele não domina unidades significativas das palavras, e muito menos consegue estabelecer um
referente para elas.

3.1.4Figuras representativas da não-coincidência das palavras consigo mesmas

3.1.4.1Entrevistador 1: E o que que é enterrar as criancinhas pra eu poder entender ...


Paciente: Não, enterrar os dois talentos.
Entrevistador 1: Ah, enterrar os talentos.
Paciente: É a mesma coisa que se tu pegar cinco quilos de ouro, mandar as tombadeiras lá e enterrar, não
acrescentar pro Senhor na hora dos talentos. Tem que acrescentar pra ele. (J.V., 43 anos, sexo masculino).

3.1.4.2 Paciente: Não é bom dormir em quem tá em benefício? Pelo menos vai pra rua, vai tá calçado, né? Pra
ter ...
Entrevistador: Aham.
Paciente: (?) Não quer dizer que a pessoa que tá em benefício não sabe o que que é e ou quem é. (...). (E. 43
anos, sexo masculino).
3.1.4.3 Paciente: Porque as coisas que a gente lembra a gente fala de um conhecido para o outro. Não quer
dizer que a pessoa tá cheia de segredo, né? Não é isso. (E. 43 anos, sexo masculino).

É na não-coincidência das palavras consigo mesmas que o paciente precisa explicitar de qual
marca discursiva ele está se apoderando quando ele utiliza essa palavra. Ou seja, é nesse momento que as
especulações dos outros capítulos podem ser provadas, pois até chegar nessa não-coincidência se tentou
descobrir os porquês do desvio, e todos levavam a acreditar que estaria no não domínio da localização
discursiva. Na não-coincidência das palavras consigo mesmas, essa habilidade está sendo testada.
No primeiro recorte, 3.1.4.1, o paciente tenta fixar um sentido de um termo que ele utilizou
repetidamente em seu discurso, enterrar os talentos. O paciente não direciona o termo para nenhum discurso,
ele explica como se fosse algo coincidente no próprio discurso. Ao mesmo tempo, ele utiliza uma parte
significativa do discurso bíblico, talento, como dinheiro; contudo, sua fala mistura outro elementos, como
tombadeira, acrescentar, hora dos talentos. Nessa segunda utilização da palavra talento, perde-se novamente
o sentido bíblico. Além de utilizar as palavras de uma forma singular, o paciente não consegue perceber em
nenhum momento que elas remetem a um discurso específic o.
Nos recortes 3.1.4.2 e 3.1.4.3, a forma de não-coincidência sugere a busca da adequação a fim
de fixar um sentido; para isso, é preciso selecionar um entre outros. Em ambos os casos, não há localização de
nenhuma marca discursiva pertencente as palavras utilizadas. Nem mesmo, na medida que o paciente nega um
dos possíveis sentidos do que foi dito, se abre um leque de possibilidades discursivas. Já no item 3.1.4.2
existem algumas possibilidades discursivas: quando o paciente sugere que dormir em quem está em benefício
pode significar que em determinado discurso que a pessoa que está em benefício não sabe o que é ou quem é.
O mesmo acontece com o item 3.1.4.3, em que as lembranças que são contadas é relacionado com o oposto:
o segredo
.
4. Considerações finais Procuramos deixar claro, no decorrer do texto, as opções teóricas e os procedimentos
desenvolvidos; por esse motivo, não iremos fazer uma retrospectiva de todo o percurso. Contudo, neste
momento, faremos algumas observações pertinentes, sobretudo em relação à análise.
Apesar de analisarmos duas entrevistas de pacientes esquizofrênicos, em muitos momentos há
recortes de apenas um dos falantes nos itens a respeito das não-coincidências – interlocutivas, do discurso
consigo mesmo, e das palavras e as coisas. Contudo, na quarta não-coincidência, da palavra consigo mesma,
há trechos dos dois falantes utilizados para análise. O fato de haver recortes dos dois entrevistados no ponto
de confrontamento com a alteridade em que se precisa da habilidade de localização discursiva confirma o
nosso argumento de que o esquizofrênico não consegue localizar o ponto em que não há a não -coincidência,
em relação ao discurso.
Nas outras não-coincidências, há também a necessidade de se perceber as fronteiras discursivas,
mas, juntamente com outros pontos específicos: a percepção da multiplicidade de discursos pode interferir na
transmissão, ou do próprio mecanismo de constituição discursiva, ou, até mesmo, da limitação da linguagem
para capturar o real.
Concluímos que o outro elemento que impossibilita a realização de uma Modalização
Autonímica, além da incapacidade de realizar a metaenunciação, é a inabilidade de localizar as marcas
discursivas das palavras. Authier-Revuz nos mostra que tal localização numa fala não psicótica acontece
normalmente, apesar da ilusão de que alguns discursos se originam no próprio falante. Para o paciente
esquizofrênico, há momentos em que o discurso se origina nele e é coincidente (3.1.2.1 até 3.1.2.3); em
outros, em que são utilizadas formas de não-coincidência, essas tentativas não se realizam, porque não é claro
para o paciente a alteridade confrontada.
Esperamos que, para além da análise realizada, tenhamos refletido sobre a fértil relação entre os
estudos lingüísticos e a psicose. Mariluce Novaes (1996) crítica a falta de cientificidade em algumas área da
psicologia e na psiquiatria para estudar essa patologia, argumentando que essa deficiência acontece pela falta
de instrumentalização em relação à língua. Acreditamos que a lingüística pode fornecer a essas outras áreas
embasamento teórico e instrumentos mais aperfeiçoados a fim de desenvolver um trabalho em prol da
sociedade.

RESUMO: Este trabalho parte da teoria de Jacqueline Authier-Revuz sobre heterogeneidade para
apresentar uma análise de quatro não-coincidências em um corpus constituído de entrevistas com
esquizofrênicos. Pretendemos estudar o uso, pelo paciente, de formas lingüísticas que normalmente são
utilizadas para realizar uma Modalização Autonímica, que é a representação de uma não-coincidência.
PALAVRAS-CHAVES: Patologia da linguagem, esquizofrenia, heterogeneidade, metaenunciação.

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BORBA, Patrícia Laubino. SCHÄFFER, Margareth. A questão do significante na psicose: possíveis
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ROUDINESCO, Elisabeth. PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998.
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