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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Angelina Michelle de Lucena Moreno

O TRABALHO IMATERIAL E AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E


COMUNICAÇÃO: as condições de trabalho em P&D e TI

Guarulhos
2016
ANGELINA MICHELLE DE LUCENA MORENO

O TRABALHO IMATERIAL E AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E


COMUNICAÇÃO: as condições de trabalho em P&D e TI

Texto de dissertação apresentado à banca de defesa do


Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre (Stricto Sensu)

Orientador: Prof. Dr. Henrique José Domiciano Amorim

Guarulhos
2016
Moreno, Angelina Michelle de.

O Trabalho Imaterial e as Novas Tecnologias da Informação e


Comunicação: as condições de trabalho em P&D e TI / Angelina Moreno –
Guarulhos, 2016
146 p.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de
Filosofia e Ciências Humanas, 2016
Orientador: Henrique José Domiciano Amorim
The Immaterial Labor and the new information and communication
technologies: working conditions in P&D and TI

1. Trabalho Imaterial; 2. Novas Tecnologias da Informação; 3. Sociologia


do trabalho; I. O Trabalho Imaterial e as Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação: as condições de trabalho nos setores de P&D e de TI; II. Henrique
Amorim.
ANGELINA MICHELLE DE LUCENA MORENO

“O TRABALHO IMATERIAL E AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E


COMUNICAÇÃO: as condições de trabalho em P&D e TI”

Texto de dissertação apresentado à banca de defesa do


Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre (Stricto Sensu)

Orientador: Prof. Dr. Henrique José Domiciano Amorim


Data de aprovação: 05/12/2016

________________________________________________
Prof. Dr. Henrique José Domiciano Amorim
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP – Campus Guarulhos)

________________________________________________
Prof. Dr. Davisson Charles Cangussu de Souza
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP – Campus Guarulhos)

________________________________________________
Prof. Dr. Leandro de Oliveira Galastri
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP – Campus Marília)
i
AGRADECIMENTOS

Sintetizar, nesses agradecimentos, quem presenciou ou colaborou com esta pesquisa é


uma tarefa que considero difícil e que as palavras, ás vezes, não apresentam a intensidade dos
sentimentos que gostaria de expressar. Isso resulta, talvez, da impossibilidade de fazer uma
simples soma do quanto esses encontros e desencontros contribuíram para o desenvolvimento
dessa pesquisa. E agora, nesse momento, tento, em poucas palavras, dar sentido a algo que
não consigo expressar de forma apropriada.
Primeiramente, gostaria de agradecer ao Programa de Pós-Graduação de Ciências
Sociais da Universidade Federal de São Paulo, em especial, aos secretários mais prestativos
que conheci, a Daniela Gonçalves e ao Rafael Ferreira, por serem sempre tão atenciosos e
dispostos em auxiliar com as burocracias do programa no decorrer dessa pesquisa de
mestrado, seja em dias úteis, feriados ou ainda, em horários um tanto inusitados.
Ao meu orientador, Henrique Amorim, por uma parceria de pesquisa que já dura mais
de 7 anos e por toda a sua paciência em lidar com os diferentes momentos dessa pesquisa ou
das anteriores, por sempre me estimular intelectualmente, por dar apoio em momentos
difíceis, por arranjar soluções e problematizar questões que até então pareciam não ter saída,
por revisar textos de forma minuciosa e por ter me apresentado uma linha de pesquisa tão
especial da qual não me imagino mais ausente, dando sentido para as minhas referências de
pesquisa.
A minha família, em especial, a minha mãe Ivaneide, meu pai Claudemil (Bob) e a
minha vó Vanda Kemp que trabalharam arduamente para dar-me condições de vida, e que me
inspiraram a seguir uma vida de estudos, respeitando mutuamente minhas decisões
profissionais e confiando no meu trabalho de pesquisadora, mesmo quando, até para mim,
este cotidiano perdia ou ganhava diferentes significados.
Ao meu companheiro André Oliveira, por todos os momentos incríveis que passamos
juntos, e por todas as revisões e comentários atenciosos, por sempre me empurrar para frente e
me motivar quando, em diversos momentos, as peças da pesquisa não se encaixavam, ou o
desânimo me abatia, sem nunca esmorecer e sempre refutando todas as minhas previsões
pessimistas, com uma xícara de café a tiracolo. É difícil às vezes qualificar em palavras o
quão isso foi importante para mim. Creio que essa pesquisa não seria a mesma, sem esses
momentos e que, embora esses dias não sejam todos azuis e de céu cristalino, certamente, essa
parceria deu mais cor aos dias que se arrastavam.

ii
Aos meus amigos e companheiros (ou resumindo: os poucos que me sobraram?) que
me aturaram durante o período que fiquei repetitiva e monotemática, pois, sempre falava da
pesquisa, e conseguiam me ouvir sem pestanejar, ajudando com sugestões, palavras de
motivação em momentos angustiantes, ou ainda com um papo cabeça pra distrair um pouco
(“Você viu o filme tal, da série tal? Pois, deveria ver...”). São eles/elas: Wilver Portella,
Mariana Braunert, Bruna Fávaro (Favo-de-mel), Isadora Carvalho, Ezequiel Schedler, João
Gabriel Pellegrini, João Gabriel Tury e Carlos Eduardo Tauil (Cadu). Obrigada, de verdade.
Aos companheiros do Grupo de Pesquisas do Trabalho Imaterial: Ana Clara Guedes,
Bruna Fávaro, Guilherme Henrique Guilherme, Maurício Reis e Vinícius Lena, pelas tantas,
tantas, tantas, (repete mais 34 vezes apenas) reuniões. E que, embora estas discussões
intermináveis tenham soado tão parecidas e frequentes, e de ás vezes propiciarem o
sentimento desnecessário de querer jogar o notebook pela janela da Universidade, foram essas
reuniões que deram um fruto muito importante: o nosso roteiro lindo de entrevistas!
Aos pesquisadores do Grupo Classes Sociais e Trabalho (GPCT) que tanto contribuíram
com a minha formação e com esta dissertação, seja na forma de sugestões, ou de idéias e
críticas. Citarei apenas os nomes daqueles que ainda estão presentes no grupo e que não citei
anteriormente: Amanda Oliveira, Breno Augusto Santos, Clarissa Sanches, Danielly Nobrega,
Fernanda Brito, Heloisa Freitas, Mariana Donati Valle, Phirtia Rodrigues, Rebeca Righetti
Ramos e Sandro Oliveira.
Aos professores que no decorrer da minha graduação, de alguma forma, me
motivaram, seja com pequenos ou grandes gestos ou ainda com palavras, a seguir essa
trajetória louca que é desenvolvida durante o decorrer da pesquisa acadêmica, sem omitir o
quão tortuoso às vezes é trilhar o seu caminho. São eles: Henrique Amorim (mais uma vez),
Davisson Charles Cangussu de Souza, Javier Amadeo, Marcia Regina Tosta Dias, Luis
Antonio Coelho Ferla, Luciano Gatti, Mauro Luiz Rovai, Humberto Prates da Fonseca Alves,
Antônio Sérgio Carvalho Rocha, Marcos Pereira Rufino, Henrique Zoqui Martins Parra e
Ingrid Cyfer Chambouleyron.
Aos professores do meu exame de qualificação realizado em 26 de abril de 2016, que
contou com uma banca de qualificação de três professores titulares e uma suplente e que se
mostraram igualmente preocupados e ansiosos em ajudar a dar um rumo para esta pesquisa
que estava em desenvolvimento e do qual sou muito grata: Prof. Dr. Jair Batista, Prof. Dr.
Davisson Charles Cangussu de Souza, Prof. Dr. Sávio Machado Cavalcante e Profa. Dra.
Débora Cristina Goulart.

iii
Gostaria ainda de agradecer aos trabalhadores que me receberam de braços abertos
dentro do CPqD e no SinTPq, possibilitando a realização das entrevistas. Agradeço também
as indicações de contatos para as entrevistas, repassadas também pelo meu orientador e pelo
Prof. Dr. Sávio Machado Cavalcante, pois, sem essas entrevistas, a pesquisa também não seria
possível ou não apresentariam os mesmos resultados.
Aos Professores Carolina Martins Pulici e Humberto Prates da Fonseca Alves, pela
ajuda nas questões metodológicas da pesquisa empírica, e por serem tão solícitos, me
indicando textos, dados ou contatos que pudessem dar conta desses resultados da forma mais
acadêmica e séria possível.
Aos professores Maria Aparecida Bridi, Marco Aurélio Santana e Pablo Míguez que,
na apresentação dos resultados parciais desta pesquisa nas edições dos eventos Anpocs (2015)
e Alast (2016), conseguiram analisar criticamente essa pesquisa, dando conselhos,
contribuições e observações valiosas.
Por fim, gostaria de agradecer às agências de fomento CAPES e FAPESP que
possibilitaram financeiramente o desenvolvimento desta pesquisa e que contribuíram com esta
de forma muito construtiva, seja fazendo sugestões apropriadas ao texto que até então estava
em desenvolvimento, ou possibilitando um novo leque de construções analíticas sobre o
mesmo.
E a minha gata Aretha, por me acompanhar fisicamente, dormindo todas as
madrugadas ao lado do meu notebook, a escrita e desenvolvimento desta pesquisa e que
embora às vezes (sempre) me atrapalhasse com uma pata peluda no teclado ou cheirando
minha cara, deu nome ao sentimento de ser observada enquanto escrevia madrugada adentro.
A memória é uma coisa maravilhosa e ocasionalmente se opera de uma forma um
tanto esquisita. De vez em quando esquecemos de coisas realmente relevantes, e lembramos
de detalhes muito insignificantes de nossas vidas com uma importância realmente exagerada.
Me perdoem se esqueci de alguém. Foi muito difícil, repito, escrever esses agradecimentos.
Eles realmente não valem nada perto daquilo que senti no decorrer dessa pesquisa e das
experiências e situações que vivenciamos juntos, e das quais, sou realmente muito grata.
Muito obrigada.

iv
A doença do Sr. Keuner
“Por que está doente?”, perguntaram ao Sr. Keuner as pessoas.
“Porque o Estado se acha em desordem”, respondeu ele. “Por isso
também meu modo de vida não está em ordem, e meus rins, meus
músculos e meu coração ficam em desordem.
Quando chego à cidade, tudo anda mais rápido ou mais lento do que
eu. Falo apenas com quem está falando, e escuto quando todos
escutam. Todo o proveito que ganho de meu tempo vem da confusão;
a clareza não traz proveito, a não ser que apenas um a possua.

Bertolt Brecht, Histórias do Sr. Keuner

v
RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo realizar uma análise crítica das teses do trabalho imaterial e da
precarização do trabalho intelectual, pautada nas recentes discussões sobre a reconfiguração
social do trabalho na primeira década do século XXI. Com base em uma incursão empírica
realizada com os trabalhadores do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
telecomunicações (CPQD) no polo tecnológico da região de Campinas (CIATEC), esta pesquisa
analisa as condições de trabalho em dois setores centrais para a produção de tecnologia
nacional, os setores de P&D e de TI. Apresentando como contexto a produção de software e
de hardware e a consolidação do setor de telecomunicações brasileiro nos anos 2000-2015,
orientamo-nos pelo seguinte problema de pesquisa: em que medida as novas tecnologias de
informação e comunicação, ao promoverem um processo de reestruturação da produção
requeridas no âmbito do trabalho imaterial, estão inseridas em um processo mais amplo que
tende a reproduzir formas de trabalho tipicamente capitalistas?

Palavras-chave: trabalho imaterial; condições de trabalho; novas tecnologias da informação e


comunicação; precarização do trabalho intelectual.

vi
ABSTRACT

This research aims to perform a critical analysis of the thesis of immaterial labor and the
precariousness of intellectual labor, based on the recent discussions about the social
reconfiguration of labor in the first decade of the 21st century. Based on an empirical
incursion with the Center for Research and Development in Telecommunications (CPQD)
workers at the Technological Center of the Campinas region (CIATEC), this research
analyzes the working conditions in two central sectors for the production of national
technology, R&D and IT sectors. With the context of software and hardware production and
the consolidation of the Brazilian telecommunications sector in the years 2000-2015, we are
guided by the following research problem: to what extent do new information and
communication technologies, by promoting a restructuring process of production required in
the scope of immaterial labor, are embedded in a broader process that tends to reproduce
typically capitalist forms of labor?

Keywords: immaterial labor; labor conditions; new information and communication


technologies; precarization of intellectual labor.

vii
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Evolução do orçamento e dos recursos aplicados no CPqD (US$ milhões) .......... 40
Tabela 2 - Relação do número de funcionários do CPqD (período) ....................................... 45
Tabela 3 - Relação do número de trabalhadores do CPqD (qualificação)............................... 51
Tabela 4 - Atividades econômicas – Tecnologia da Informação (CNAE 2.0.) ....................... 51
Tabela 5 - Atividades econômicas - Telecomunicações (CNAE 2.0.) .................................... 55
Tabela 6 - Relação de funções e experiência dos entrevistados .............................................. 56
Tabela 7 - Relação de ocupações e descrição sumária (CBO) ................................................ 78
Tabela 8 - População ocupada de dez anos ou mais, por posição na ocupação – 2002-2012 . 86
Tabela 9 - Tipos de contrato de trabalho ................................................................................. 88
Tabela 10 - Empresas titulares de registro de software por porte no Brasil (1989-2006) ..... 107
Tabela 11 - Propriedade Intelectual (PI) no CPqD ................................................................ 108
Tabela 12 - Publicações técnico-científicas no CPqD ........................................................... 108

viii
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Média salarial e participação na força de trabalho ocupada por jovens de até 29
anos, mulheres e pessoas com onze ou mais anos de estudo (pelo menos, o ensino médio
completo) em serviços de telecomunicações (1994-2010) ...................................................... 36
Gráfico 2 - Organizações com Qualificação CMM no Brasil – 1997-2006. .......................... 80

ix
LISTA DE SIGLAS

SIGLA SIGNIFICADO

ACT Acordo Coletivo de Trabalho


ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações
AFCPQD Associação dos Funcionários do CPqD
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento
BRASSCOM Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e
Comunicação
CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CBO Classificação Brasileira de Ocupações
CIATEC Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CMM Capability Maturity Model
CMMI Capability Maturity Model - Integration
CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas
CNET Centre National d’Études des Telecommunication
CNT Código Nacional de Telecomunicações
CONTEL Conselho Nacional de Telecomunicações
COPPE Centro de Pós-graduação e Pesquisa
CPA-T Controle por Programa Armazenado - Temporal
CPqD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em telecomunicações
CTB Companhia Telefônica Brasileira
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
DSB Diretoria de Soluções em Billing
DLIR Diretoria de Laboratorios de Infraestrutura e redes
EMBRATEL Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FHC Fernando Henrique Cardoso
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FITTEL Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações
FUNTTEL Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações

x
GPCT Grupo de Pesquisa Classes Sociais e Trabalho
JK Juscelino Kubitschek
IEC International Electrotechnical Commission
INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial
ISD Integrated System Diagnostics Brasil
ISO International Organization for Standardization
ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica
LGT Lei Geral de Telecomunicações
LER Lesão por Esforço Repetitivo
MINICOM Ministério das Comunicações
MPS.BR Melhoria de Processo de Software
NASA National Aeronautics and Space Administration
NISB Núcleo de Inteligência do Software Brasileiro
NTICs Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
OIT Organização Internacional do Trabalho
PADTEC Produtos de Alto Desafio Tecnológico Ltda.
PAT Polo de Alta Tecnologia
PCCS Plano de Carreira, Cargos e Salários
PI Propriedade Intelectual
PITCE Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
P&D Pesquisa & Desenvolvimento
PJ Pessoa Jurídica
PROGRAMA Programa para Promoção da Excelência do Software Brasileiro
SOFTEX

PUC Pontifícia Universidade Católica


RDMS Relational Database Management System
SEST Secretaria de Controle das Estatais
SINDC&T Sindicato dos Trabalhadores em Ciência e Tecnologia de São José dos
Campos
SINTPQ Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, ciência e tecnologia
SLA Service Level Agreement
SPL Software Product Line
TST Tribunal Superior do Trabalho

xi
TELEBRÁS Telecomunicações Brasileiras S. A.
TI Tecnologia da Informação
TST Tribunal Superior do Trabalho
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNIFESP Universidade Federal de São Paulo
USP Universidade Estadual de São Paulo

xii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
I. DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E O SETOR DE
TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRO 20
1.1 A fábrica e a indústria brasileira de software 23
1.2 O Centro de Pesquisa em Telecomunicações e o modelo desenvolvimentista de P&D 33
1.3 A reestruturação do setor de telecomunicações e a transição para a Fundação CPqD 39

II. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA FÁBRICA DE SOFTWARE 50


2.1 Os trabalhadores dos setores de P&D e de TI 53
2.2 A imaterialidade do processo produtivo: a criação de softwares e hardwares 58
2.3 A constituição de projetos: as fases de elaboração e de tomada de decisões 65
2.4 Normas e padrões de qualidade: a supervisão e a gerência do trabalho 69

III. UMA “NOVA” FORÇA DE TRABALHO? O PERFIL DOS TRABALHADORES


DE P&D E DE TI NOS POSTOS DE ALTA TECNOLOGIA 81
3.1 A “flexibilização” da jornada de trabalho: as diferentes formas de contratação 84
3.2 A jornada de trabalho enxuta: rumo a liberação do tempo de trabalho? 94

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS 111

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 118

VI. ANEXOS 118


6.1. Carta de apresentação 128
6.2. Roteiro de Entrevistas 130
6.2.1 Roteiro dos Trabalhadores de P&D e de TI 132
6.2.2 Roteiro do Sindicato 136

13
INTRODUÇÃO

No âmbito das Ciências Sociais, tanto nas áreas da sociologia do trabalho ou ainda em
alguns domínios mais específicos da economia, um dos temas que ganhou relativo destaque
nos últimos anos foi o tema sobre o futuro das sociedades contemporâneas a partir de uma
“sociedade da informação”1. Embora as principais discussões sobre o protagonismo do
trabalho imaterial concentrem-se ao final dos anos 1990 e na primeira década dos anos 2000,
é possível identificar alguns dos elementos que compõem essa discussão desde o processo de
reestruturação produtiva toyotista iniciado em meados da década de 1970. Desde o último
quartil do século XX, um leque variado de transformações tecnológicas e produtivas deu
fundamento ao debate sobre o trabalho imaterial, fomentando a concepção de que uma nova
era, para além do trabalho tipicamente fabril, estava se formando2. Por meio da ampliação do
setor de serviços, sobretudo em ramos produtivos nos quais predominam o conhecimento e a
informação, e com a utilização da microeletrônica e da robótica, a produção de conhecimento
vinculado a estes processos produtivos também se expandiu.
Como consequência, o crescimento dos setores que lidam diretamente com a produção
de mercadorias imateriais, a produção de softwares e de tecnologias, tornaram-se um
segmento estratégico para compreender a configuração recente do trabalho nas sociedades
contemporâneas. Com variadas transformações tecnológicas, gerenciais e produtivas iniciadas
nas décadas de 1960 e 1970 e com a inserção da automação da produção, da organização de
estoques e de distribuição advindas do toyotismo, é possível indicar um movimento de
relativo enxugamento dos postos de trabalho nas indústrias desse período, em especial, em
alguns países da Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão. Destaca-se ainda o avanço de
políticas neoliberais que, somadas à crise3 de acumulação do processo de produção e do
Welfare State, contribuíram, direta ou indiretamente, para a construção da tese de que uma
nova “sociedade do conhecimento” estaria se formando, na medida em que a antiga
“sociedade do trabalho” teria alcançado seu limite estrutural.
1
Entre os principais pressupostos teóricos desse conjunto de teses da “sociedade da informação”, podemos
destacar as obras de Lojkine (1992); Schaff (1990); Gorz (2005); Hardt & Negri (2005 [2004], 2005b [2000]);
Castells, (2000 [1999]); Lévy, (2010 [1999]) e Moulier-Boutang (2012).
2
Para uma melhor compreensão do processo de reestruturação produtiva e das políticas estatais que orientaram
este processo nas sociedades capitalistas de economia avançada, ver: Harvey (1992 [1989]), Hobsbawm (1996
[1994]), Anderson (1995); e para o contexto histórico brasileiro, ver: Dias (2006) e Boito Jr & Galvão (2007).
3
Um contraponto pertinente apresentado por Estanque é o de que devido à forte interligação econômica
proporcionada pela expansão do sistema capitalista, as consequências dessas mudanças se expressaram
distintamente, variando de contexto para contexto. No caso brasileiro, os efeitos da crise de acumulação
repercutiram em diferentes níveis devido as especificidades econômico-política e desenvolvimento regionais
distintos (Estanque, 2013, p. 341).
14
A dissertação de mestrado aqui apresentada é uma pesquisa4 teórica e empírica sobre
as condições de trabalho nos polos de alta tecnologia (PATs) no contexto das novas
tecnologias de informação e comunicação (NTICs). Ela se constitui por uma análise crítica das
condições de trabalho, do trabalho imaterial e das formas de precarização desse tipo de
trabalho. Esta pesquisa também está pautada em uma incursão empírica de entrevistas
realizadas com um conjunto de 14 trabalhadores da fundação de parceria público-privada, o
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD).
Fundado em 1976 e instalado fisicamente no polo tecnológico da cidade de Campinas,
o CPqD está integrado ao conjunto de empresas incubadas na Companhia de desenvolvimento
do Polo de Alta Tecnologia de Campinas II (CIATEC)5. Além da análise teórica sobre o tema
de pesquisa e das 14 entrevistas realizadas com trabalhadores e sindicalistas do CPqD6, o
presente estudo também consultou documentos, planilhas e relatórios sobre a consolidação do
Centro de pesquisa, além de realizar entrevistas com trabalhadores afastados ou aposentados
sobre suas experiências de trabalho nos setores de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de
tecnologia da informação (TI).
Tendo por objeto de pesquisa as condições de trabalho desses setores (P&D e TI), a
hipótese que fundamenta esta pesquisa é a de que, embora as atuais formas de trabalho
relacionadas a produção imaterial apresentem-se como centrais para a compreensão de um
processo mais amplo de reestruturação da produção nas sociedades capitalistas
contemporâneas nas últimas décadas, as formas de trabalho hoje intituladas “novas formas de
trabalho imaterial” se assemelhariam, em linhas gerais, à da produção de tipo fabril,
marcadas, sobretudo, por um controle dos trabalhadores em suas atividades produtivas. Em

4
Projeto de mestrado financiado pela agência de fomento à pesquisa - FAPESP (nº de processo 2014/27238-0).
5
A CIATEC é uma entidade de economia mista que apresenta a Prefeitura Municipal de Campinas como sua
principal acionista. Ela é responsável por coordenar dois parques tecnológicos na cidade de Campinas e
selecionar empresas para "programas de incubação". As empresas selecionadas têm direito a um espaço físico de
desenvolvimento e assessoria de gestão empresarial. Os programas são desenvolvidos por uma parceria entre a
prefeitura e o programa de apoio às pequenas empresas da FAPESP, o Pipe. O modelo de polo tecnológico
desenvolvido em Campinas apresenta muitas características em comum com a de outros polos tecnológicos
brasileiros. Trataremos este assunto com maior profundidade na parte II e III dessa dissertação.
6
Os roteiros, aplicados ao final do 2º semestre de 2015, encontram-se nos anexos desta dissertação. Elaborados
coletivamente por seis pesquisadores (Ana Guedes; Angelina Moreno; Bruna Fávaro; Guilherme Guilherme;
Mauricio Reis e Vinicius Lena) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do grupo de pesquisa
classes sociais e trabalho (GPCT - UNIFESP) sob a coordenação do Prof. Dr. Henrique Amorim, os roteiros de
pesquisa foram direcionados aos trabalhadores da fundação CPqD e aos funcionários do Sindicato dos
Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia (SinTPq). Entre os temas tratados durante as entrevistas
destacamos os seguintes pontos: informações sobre o trabalho realizado na empresa, histórico de experiências
anteriores, jornada de trabalho, percepção do funcionário sobre ritmo, fluxo e qualidade do trabalho produzido,
configuração do setor, tempo de descanso fora da empresa, formas de luta sindical e dados socioeconômicos do
entrevistado.
15
resumo, os setores de P&D e de TI, ao se utilizarem das capacidades intelectuais e das novas
tecnologias da informação para a produção de mercadorias imateriais, também apresentam
elementos que remontam práticas da produção taylor-fordista, aliadas às particularidades do
desenvolvimento do setor de telecomunicações no contexto brasileiro.
A reconfiguração dos processos de trabalho não somente alterou profundamente a
dinâmica da produção, mas, também, dinamizou o consumo de mercadorias imateriais,
exemplificado pela propagação da internet, das linhas telefônicas, da formação de redes, e da
utilização massiva de aplicativos e de softwares, em ascensão nas últimas décadas. Com base
nesse contexto histórico, elencaremos algumas das questões que norteiam a nossa pesquisa:
em que medida as condições de trabalho em que predomina a produção de mercadorias não-
físicas, como a de softwares, se distingue da produção de mercadorias materiais (físicas)? De
que forma esse tipo de trabalho se desenvolveu e se configura atualmente no contexto
brasileiro? Como se constituem as formas de subsunção contemporâneas do trabalho ao
capital na produção de mercadorias imateriais?
Com a finalidade de analisar a recente configuração da produção que tem como base
as tecnologias da informação e comunicação, esta dissertação está fundamentada em quatro
partes intituladas: “1. Divisão Internacional do trabalho e o setor de telecomunicações
brasileiro”; 2. A organização do trabalho na fábrica de software; “3. Uma ‘nova’ força de
trabalho? O perfil dos trabalhadores de P&D e de TI nos postos de alta tecnologia” e, por
último, as conclusões obtidas no decorrer da pesquisa em “4. Considerações finais”.
Na 1ª parte dessa dissertação analisaremos os principais fatores político-econômicos
que influenciaram a constituição do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
telecomunicações (CPqD). Compreendemos que o desenvolvimento do setor de
telecomunicações brasileiro ocupa um lugar periférico em relação aos países centrais de
capitalismo avançado, o que trouxe conseqüências muito particulares quanto à forma de
produção de tecnologia nacional. Nesse sentido, a reestruturação produtiva e tecnológica e a
expansão da fábrica de software como novo modelo produtivo a partir da década de 1970
chega ao país apresentando características regionais distintas entre si. Em outras palavras, o
crescente número de postos de trabalho que se utilizam das NTICs e da criação dos polos de
alta tecnologia nos grandes centros urbanos não se constituíram como fenômenos exclusivos
dos países capitalistas avançados. Desde meados da década de 1970, o investimento nas áreas
de P&D e de TI também foi realizado, mesmo que sob outra dinâmica, em países periféricos.

16
A criação do CPqD foi considerada elemento central para a consolidação das
telecomunicações em contexto nacional. Criado como um centro de pesquisa e de tecnologia
da antiga holding Telebrás, o CPqD produziu equipamentos e tecnologia nacional a partir da
década de 1970. Sua atuação, que passou de uma empresa estatal para uma privatização de
parceria público-privada ao final da década de 1990 e que perdura até os anos mais recentes,
indica, de maneira particular, as especificidades das transformações tecnológicas, gerenciais e
produtivas desse período, e como os setores de P&D e TI se dinamizaram.
Essa fase preliminar, de recente consolidação na área de telecomunicações, nos trouxe
aspectos importantes sobre a primeira inserção de investimentos em P&D no Brasil. Algumas
pesquisas importantes sobre esse setor, como as de Rocha (2005) e de Menardi (2000), já
indicaram que as décadas de 1970-1980 se configuraram como um momento importante para
a consolidação do sistema de telecomunicações, considerado um marco para a produção de
tecnologia nacional. Como iremos analisar no decorrer dessa dissertação, esse processo é
interrompido posteriormente pela privatização das telecomunicações e da implementação da
Lei Geral das Telecomunicações (LGT). Com o avanço das políticas neoliberais na gestão do
presidente Fernando Henrique Cardoso7, o processo de privatização das telecomunicações
indicou um novo momento na gestão desse setor.
Uma hipótese que consideramos central para a compreensão dos setores de P&D e de
TI, é a de que ambos os setores, ao requisitar alta produtividade de seus trabalhadores,
ocasionam uma relação cada vez maior entre o período de jornada de trabalho dentro da
empresa com o período fora da empresa. Essa associação entre dois tipos distintos de tempos
nos fez questionar no decorrer desta pesquisa: Em que medida o coletivo desses trabalhadores
encontraria autonomia na organização de sua jornada de trabalho como indicam os teóricos da
economia do trabalho imaterial? Contrapondo a ideia de que o trabalhador que lida com
tecnologia adquiriria maior autonomia na produção, acreditamos que o tempo necessário a
produção de mercadorias imateriais extrapolariam o período da jornada de trabalho na
empresa, resultando em uma subordinação ao trabalho mesmo em períodos fora da jornada de
trabalho determinada formalmente8.
Por fim, na última década, a expansão dos polos de alta tecnologia ganhou contornos
mais nítidos e apresentou particularidades se comparado com outros modelos de polos
tecnológicos consolidados nos países capitalistas centrais. Embora a ampliação desses postos

7
Em citações futuras, iremos referenciar a gestão do Fernando Henrique Cardoso pelas siglas “FHC”.
8
Analisaremos esse tema com mais profundidade no capítulo 3 desta dissertação.
17
de trabalho esteja inserida em um movimento mais amplo do processo de produção, a
conjuntura brasileira apresenta determinadas especificidades regionais quando confrontadas
com as condições de implementação e de trabalho em países capitalistas de economias mais
avançadas, apresentando dinâmicas próprias de expansão e políticas de investimento que
merecem ser investigadas mais atentamente. Por isso, faz-se necessário uma análise desses
processos levando em consideração as particularidades do contexto brasileiro.
Na 2ª parte dessa dissertação intitulada “A organização do trabalho na fábrica de
software” nos deteremos sobre a constituição do trabalho desses dois setores
comparativamente, desde a sua contratação até ao processo de entrega das mercadorias. Nesse
sentido, as reestruturações produtivas nos setores de P&D e TI apresentam, por sua vez,
formas de contratação intituladas como “novas jornadas flexíveis” pelos teóricos da
sociologia contemporânea, por lidar com áreas específicas do conhecimento científico e
diferentes formas de contabilizar a produtividade do trabalhador. No entanto, ao analisar esse
processo atentamente, encontramos indicações de que os trabalhadores desses postos de
trabalho subordinam-se de forma mais intensiva, principalmente quanto ao comprometimento
com a qualidade da entrega de resultados e a disponibilidade de tempo fora do trabalho.
Uma indicação importante, realizada por Gramsci (2008 [1934]) e mais
contemporaneamente por Dias (2006, p. 50), e que nos utilizamos aqui, é a de que as
necessidades de produção no taylorismo e no fordismo, ao contrário do que indicam as
análises dominantes, não se restringem apenas por um arcabouço de técnicas de gestão e de
tecnologias. Elas são, em seu conjunto, expressão de um modo de vida, constituído pela
exploração e dominação dentro e fora do trabalho. Com a última reestruturação produtiva, a
incorporação ativa do trabalhador à empresa foi reconstituída com novas tecnologias que
mantêm o trabalhador envolvido em questões relacionadas ao trabalho da empresa mesmo
quando se encontra fora do local de trabalho, e que adquire novos moldes com a ampliação do
trabalho Home Office.
Dessa forma, embora consideremos o local de trabalho como um elemento central para
a compreensão das mudanças tecnológicas e dos embates classistas, observamos um
deslocamento das relações sociais e das práticas do trabalhador para além do espaço físico da
empresa. Procuraremos desenvolver mais profundamente essa questão, na 3ª parte dessa
dissertação intitulada “Uma ‘nova’ força de trabalho? O perfil dos trabalhadores de P&D e
de TI nos postos de alta tecnologia”. Esse deslocamento aparece sob duas formas
predominantemente: a primeira, sob a expansão do emprego Home Office, transformando o

18
local de repouso do trabalhador no de produção e tornando mais tênue a separação entre o
“tempo liberado” e o “tempo necessário à produção”. Já a segunda, pela exigência crescente
por qualificação profissional e acadêmica, vinculando os resultados da pesquisa universitária
ao trabalho produzido dentro da empresa. Assim, para compreendermos as formas
contemporâneas de subsunção do trabalho ao capital, é necessária uma análise das condições
de trabalho, dos processos de qualificação e do tempo de trabalho fora da empresa.
A procura por maior qualificação acadêmica e científica também adquiriu fôlego
renovado nas últimas décadas na competição entre as próprias empresas capitalistas. Embora
o conhecimento científico e técnico já configurasse um lugar de destaque, a produção enxuta e
a heterogeneidade requeridas pela produção toyotista elevou esse tipo de competitividade a
um novo patamar. Colocando em outras palavras, a “descoberta científica mais atualizada”, “a
última técnica” ou ainda “o mais recente estudo” sobre determinada tecnologia passou a
significar uma importante vantagem competitiva. Nesses moldes, o próprio conhecimento
pôde ser qualificado como uma mercadoria (HARVEY, 1992 [1989], p. 151).
Quando analisamos comparativamente o caso brasileiro com os demais países de
economia capitalista avançada, podemos notar que as transformações tecnológicas e
produtivas foram acompanhadas por um processo de terceirização tardio e pela consolidação
de um grande contingente de trabalhadores informais. As formas de desregulamentação
trabalhistas já atingem esses postos de trabalho, como demonstram as pesquisas de Bridi &
Braunert (2015) e Castro (2013), com o aumento de contratados nas modalidades CLT Flex e
PJ nos polos tecnológicos. Embora estas formas de contratação se auto-intitulem como
flexíveis, elas são maneiras de desvincular o trabalhador de seus direitos trabalhistas.
Uma outra hipótese que desenvolvemos nesta pesquisa é a de que embora a fundação
CPqD mantenha uma parceria público-privada, ancorada em um repasse de investimento
estatal, por meio de um discurso de investimento nacional tecnológico, a produção de
conhecimento no CPqD seria determinada pela lógica capitalista de mercado e estaria à mercê
dos processos de privatização, de terceirização e de desvalorização da força de trabalho, tema
que será tratado no 4º capítulo intitulado “Considerações finais” dessa dissertação, em que
nos debruçaremos sobre as conclusões finais desta pesquisa.
Dando encaminhamento às questões anteriormente apresentadas, faremos uma
incursão teórica no próximo capítulo sobre a consolidação do setor de telecomunicações
brasileiro e as particularidades da produção na fábrica de software, por meio de uma
revisitação crítica das recentes reconfigurações do trabalho.

19
I. DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E O SETOR DE
TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRO

Neste capítulo analisaremos de que modo se constituiu o setor de telecomunicações


brasileiro e as particularidades da produção de tecnologia nacional, relacionadas à emergência
da produção de mercadorias imateriais. Trataremos ainda preliminarmente de alguns dos
principais argumentos que constituem as teses sobre o pós-industrialismo, problematizando,
portanto, de que modo a produção na fábrica de software poderia ser, ou não, semelhantes à
produção das típicas fábricas taylor-fordistas.
Com a dinamização do capitalismo financeiro e a expansão dos setores de tecnologia
da informação e de pesquisa e desenvolvimento, o preâmbulo desse debate pôde ser
vislumbrado por inúmeros teóricos a partir do contexto do que foi chamado como
“acumulação flexível” e da produção cada vez mais acentuada de produtos considerados
imateriais, como softwares, programas e aplicativos.
Entre as várias escolas teóricas que discutiram esse debate, destacam-se as teorias do
pós-industrialismo, que ganharam fôlego nas décadas de 1970 e 1980, e as da sociedade da
informação, na década de 1990. 9 Ambas, cada qual a seu modo, apresentaram o argumento
de que os avanços tecnológicos obtidos desde o final da 2ª guerra mundial teriam
transformado a produção e a estrutura ocupacional capitalista. Esse argumento é retomado
pelos teóricos da economia do trabalho imaterial nos anos 2000.10
Considerado como um dos principais expoentes da tese do pós-industrialismo, Daniel
Bell (1974 [1973]) indicou a constituição de uma nova sociedade a partir das transformações
produtivas no último quartil do século XX. Ele vislumbrou a constituição de uma nova
sociedade da informação e a ascensão de uma classe trabalhadora técnica. Seus argumentos
tiveram como base as rápidas mudanças tecnológicas e a expansão do setor de tecnologia de
informação nos Estados Unidos. Segundo Bell, numericamente, os trabalhadores que
trabalhavam com tecnologia e informação ocupavam, já naquele período, quase metade da
força de trabalho ativa da estrutura ocupacional estadunidense na década de 1970.
Acompanhado por Alan Touraine (1970 [1969]), antes Dahrendorf (1982 [1959]) e,

9
Com o objetivo de compreender esse novo momento da produção, a sociologia contemporânea debruçou-se
sobre essa questão desenvolvendo estudos em torno das sociedades de serviços (Schaff, 1990), da sociedade pós-
industrial (Lojkine, 1992; Schaff, 1990), do trabalho imaterial (Gorz, 2005; Hardt & Negri, 2005 [2004]; 2005b
[2000]), das sociedades em rede (Castells, 2000 [1999]; Lévy, 2010 [1999]), do capitalismo cognitivo
(Fumagalli & Lucarelli, 2007; Moulier-Boutang, 2012), dentre outras expressões.
10
Para uma análise crítica dessas teses, ver: Amorim (2009; 2014), Antunes (1999) e Prado (2004).
20
posteriormente por Gorz (1982 [1980]), seu argumento central residiu no potencial da
tecnologia e no declínio gradativo das indústrias.
A informatização, o desenvolvimento da micro-eletrônica e da robótica, e a
transformação da estrutura-ocupacional do trabalho não somente alterou a dinâmica
econômico-produtiva dos países capitalistas centrais, mas, também se expandiu para as
economias mais periféricas. Para os teóricos do pós-industrialismo, as implementações
tecnológicas evidenciaram mudanças significativas na forma com que nos relacionamos na
contemporaneidade. Nesse sentido, em que medida podemos considerar os argumentos sobre
a grande potencialidade das novas tecnologias da informação, evidenciada pelas teses do pós-
industrialismo?11
Em contraposição às teses do pós-industrialismo, Braverman, na década de 1970,
indicou que a ciência e a tecnologia, como apropriação do processo de produção, foram os
elementos distintivos entre a Revolução Industrial do século XVIII e a reestruturação
produtiva nas últimas décadas do século XX. Enquanto o avanço científico na revolução
industrial apresentou um conhecimento difuso, que se conectava indiretamente com a técnica
produtiva, é na última reestruturação que a apropriação da ciência adquire uma relação mais
integrada com o processo de produção. Nesses moldes, a inovação da última reestruturação
produtiva é a transformação da própria ciência em capital (BRAVERMAN, 1980 [1974], p. 138-
146).
Em relação a reconfiguração dos postos de trabalho nas décadas de 1960-1970,
Braverman também indicou que a quantidade de indústrias de bens duráveis desse período,
como as manufaturas, indústrias mecânicas e mineração nos países de economia capitalista
avançada, não teria declinado em números absolutos, como foi indicado pelos teóricos do pós-
industrialismo. Segundo censos desse período, as indústrias apresentaram crescimento e
estabilidade numérica até meados das décadas de 1920, demonstrando o deslocamento do
processo de trabalho para outros setores12 (BRAVERMAN, (1980 [1974]), p. 203). Sobre essa
questão, Braverman ainda explica que

11
Para uma análise crítica desta questão ver: Amorim (2010, p. 191).
12
Ao analisar os dados percentuais das transformações socioeconômicas desse período e a capacidade de
expansão do sistema capitalista, Braverman ainda explica que “Em vista da natureza inidônea das estatísticas do
século XIX, seria talvez errôneo tirar delas qualquer outra conclusão a não ser de que a percentagem dos
proveitosamente ocupados que deviam ser encontrados nessas indústrias produtoras de bens flutuava em uma
faixa razoavelmente estreita, entre 45 e 50 por cento do emprego não agrícola. E esta situação, bastante
surpreendente, continuou até 1920; daí por diante, a percentagem baixou coerentemente para a crifra de 33 por
cento do censo de 1970” (Braverman, 1980 [1974]), p. 204).
21
O próprio êxito da gerência em aumentar a produtividade em algumas indústrias
leva ao deslocamento do trabalho em outros setores, onde ele se acumula em
grandes quantidades devido a que os processos empregados ainda não foram objeto
– e em alguns casos não podem ser objeto no mesmo grau – da tendência de
mecanização da indústria moderna. O resultado, portanto, não é a eliminação do
trabalho, mas seu deslocamento a outras ocupações e atividades. [...] A redução do
trabalhador ao nível de um instrumento no processo produtivo não está, de modo
algum, exclusivamente associada com a maquinaria. Devemos também observar, ou
a ausência de maquinaria ou em conjunção com máquinas operadas
individualmente, a tentativa de tratar os próprios trabalhadores como máquinas. Esse
aspecto da gerência científica foi ampliado pelos sucessores imediatos de Taylor
(BRAVERMAN, 1980 [1974], p. 150).

Contrapondo-se a concepção de uma nova sociedade de serviços, o trabalho nos


escritórios e no setor de serviços apresentou tipos de trabalho próximos ao do taylor-fordismo.
Nesse sentido, o trabalho dos colarinhos brancos realizado nos escritórios, comparado ao
trabalho realizado nas indústrias, teriam como características centrais a rotinização de tarefas
e a fragmentação de tarefas no trabalho.
Apresentando argumento similar ao de Braverman, Kumar também indicou que
embora os avanços tecnológicos desse período tenham alterado significativamente a forma
com que lidamos com a informação, o principal argumento contra a concepção de uma nova
sociedade informacional esteve ancorado em que o desenvolvimento de TI não implantou
princípios que rompessem com o processo de produção capitalista. Ao contrário, essas novas
tecnologias foram desenvolvidas reforçando uma estrutura político-econômica já existente.
Nesse sentido, os postos de trabalho mais informatizados estariam submetidos a práticas
fordistas e tayloristas, pois, seriam expansão dos tipos de trabalho mecanizados e rotinizados
da indústria (KUMAR, 1997 [1978], p. 44).

A TI, como todas as tecnologias, foram escolhidas e moldadas em conformidade


com certos e determinados interesses sociais e políticos. [...] A maior parte dessa
tecnologia, porém, é complexa e cara. Exige investimento maciço de capital e
grandes equipes de pesquisadores. Só os interesses mais poderosos na sociedade,
governos e grandes empresas privadas – dispõem dos recursos necessários para
promovê-la. ‘O escritório automatizado, a fábrica robotizada e o campo de batalha
eletrônico’, respondem por mais de 80% dos negócios da TI (KUMAR, 1997 [1978],
p. 45-6).

Além do deslocamento relativo do trabalho nas indústrias para outros setores mais
rentáveis, indicando uma capacidade altamente expansiva do capital, um aspecto que parece
mais revelador desse período, é a transformação da composição ocupacional dentro das

22
próprias indústrias13. Nesse sentido, observa-se um processo de separação mais intensivo
entre a “concepção” e a “execução” de tarefas na jornada de trabalho, em que se retira todo o
“saber-fazer” do trabalhador do chão-de-fábrica, passando-o para o escritório. Ao mesmo
tempo, nos países capitalistas centrais da Europa ocidental e nos EUA, o aumento das taxas
percentuais de trabalhadores empregados em processos de trabalho que não estão diretamente
relacionados a parte produtiva, evidencia também o aumento de grandes contingentes de
trabalhadores não-produtivos a partir da década de 1970 (BRAVERMAN, 1980 [1974], p. 206).
Enquanto o enxugamento dos postos de trabalhos nas fábricas fez parte da agenda
sociológica nos países capitalistas centrais, nos países da América Latina observou-se
características distintas. Especificamente no caso brasileiro, podemos citar a organização dos
trabalhadores nas fábricas do ABC, a luta sindical nas décadas de 1970 e 1980 e a influência
tardia do neoliberalismo, o que proporcionou uma forte desregulamentação do mercado de
trabalho desse setor a partir da década de 1990.
Desse modo, o processo de expansão da terceirização e dos trabalhadores de escritório
na década de 1970 nos EUA, só se difunde no Brasil na década de 1990, com as políticas
neoliberais e a privatização das telecomunicações nacionais. Nesse mesmo período, as
políticas relacionadas ao setor de tecnologia da informação ganham amplitude, influenciando
a instalação de diversas fábricas e empresas desse setor entre os anos 1990 e 2000. Com o
intuito de analisar essa conjuntura particular, analisaremos, no próximo item, algumas das
especificidades da produção de tecnologia e de software no país.

1.1 A fábrica e a indústria brasileira de software

Analisaremos nesse item de que modo se consolidou a indústria de software brasileira


nas últimas décadas, problematizando suas principais distinções em relação aos países de
capitalismo avançado. Em um segundo momento, dando continuidade a esta discussão,
analisaremos de que forma se constituiu a linha de produção nas denominadas “fábricas de
software”. O conceito “fábricas de software” ganhou relevância sociológica ao final da década

13
Sobre a separação entre concepção e execução do trabalho nas fábricas em meados da década de 1960, Kumar
(1997 [1978]) argumentou que “Além disso, quanto Taylor pregou que todo serviço intelectual possível deve ser
retirado da oficina e centralizado no departamento de planejamento e projeto, ele incluiu explicitamente tanto o
trabalho intelectual dos empregados mais humildes quanto o de gerentes. O conhecimento – a qualificação e a
capacidade de julgamento de todos os trabalhadores, quaisquer que fossem seus níveis – devia ser identificado
em todas as partes da empresa e concentrado somente no departamento de planejamento [...] Isso explica em
boa parte o fato notável de que a maior resistência ao taylorismo nas fábricas veio não da massa dos operários
ou de seus sindicatos, mas dos chefes de seção e administradores de nível médio” (p. 31-32).
23
de 1960, em que apresentou por referência as primeiras formas de produção em larga escala
que nasceram na indústria automobilística, como o taylorismo e o fordismo14. Nesse sentido,
essas teses estão ancoradas na análise comparativa de aspectos da linha de montagem para a
produção de mercadorias relacionadas à tecnologia, softwares e dispositivos eletrônicos.
Essas teses, em sua maior parte, defendem que embora a produção de software seja composta
por mercadorias com propriedades não-físicas, ela apresenta características muito próximas a
dos demais setores, tema do qual também iremos nos debruçar (ROCHA; OLIVEIRA E

VASCONCELOS, 2004, p. 131-132).


As primeiras discussões sobre a produção de software em escala comercial começaram
a ganhar forma com o conceito “fábrica de Software” na década de 1960 nos Estados Unidos
e, posteriormente, no Japão. Um dos principais referenciais teóricos que auxiliou a disseminar
o debate desta temática foram as obras de Cusumano (1991 [1989]), que por meio de
pesquisas de análise comparativa desse setor entre a indústria japonesa e a estadunidense,
indicou as principais práticas que fomentaram a produção de software daquele período, além
de vislumbrar a passagem de uma forma de produção com características tipicamente
artesanais para uma produção padronizada e em larga escala.
Entre as principais características desse tipo de produção artesanal de softwares,
destaca-se que o processo inicial e final da programação do software era realizado apenas por
um único trabalhador ou uma pequena equipe, até obter-se o produto final. Além de
apresentar alto grau de personalização, como a inexistência de padronização de códigos a
serem seguidos, por exemplo, havia uma maior concentração de tarefas heterogêneas a
encargo do mesmo trabalhador. Outra característica importante nesse tipo de produção é a de
que nesse período a indústria nascente de software apresentava um forte vínculo com a
elaboração de hardwares.
Já o início da indústria brasileira de software15 não apresentou um processo
padronizado de produção até o começo da década de 1980. É somente a partir de 1993 que o
conceito “Fábrica de Software” começa a popularizar-se em escala comercial no Estado de
São Paulo (FERNANDES; TEIXEIRA, 2004, p. 24-29). Temos como pressuposto que a

14
Em outras palavras, segundo Rocha; Oliveira e Vasconcelos, a inspiração da metáfora Fábrica de Software
esteve nas "...iniciativas de organização do modelo fabril, moldado a partir de preceitos como o taylorismo e o
fordismo, vindos desde o século XIX, e que têm tentado mapear conceitos de produção em larga escala com
qualidade para o mercado de software, aumentando a produtividade e reduzindo os custos de produção, de forma
semelhante à proposta de Taylor e Ford, no surgimento das fábricas tradicionais" (2004, p. 131-132).
15
Segundo Roselino (2006, p. 108), o que se compreende por “Indústria brasileira de software” é o conjunto de
empresas (sejam elas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras) concentradas em atividades de comércio e
desenvolvimento de software.
24
consolidação da indústria de software nacional é a expressão de um conjunto de fatores
históricos, resultantes de uma trajetória específica de desenvolvimento. Nesse sentido, a
indústria brasileira de software apresenta limitações próprias de desenvolvimento periférico,
somadas a demais características particulares do cenário tecnológico e industrial brasileiro.
Desde o seu início, uma das principais características da indústria nacional, segundo
Roselino (2006), é a sua forma de produzir para o mercado interno. Como conseqüência, a sua
consolidação só foi possível com a existência de políticas públicas orientadas para fomento
dessa área desde o período militar, com aplicação direta no desenvolvimento das indústrias de
tecnologias de informação e comunicação (ROSELINO, 2006, p. 108-110). Realizando uma
análise comparativa entre o nosso contexto e a nascente indústria de software estadunidense,
Roselino ainda explica que

O desenvolvimento histórico da indústria de software em seu berço original (Estados


Unidos), bem como nos países não-centrais que lograram a constituição dessa
indústria, atesta que, assim como outras indústrias intensivas em tecnologia, sua
emergência e consolidação não ocorrem espontaneamente, mas resultam de políticas
públicas de fomento. Seja no caso da constituição original da indústria de software
nos Estados Unidos, seja nos casos já apresentados, a indústria de informática, e
especificamente a indústria de software, são geralmente estimuladas por
instrumentos institucionais específicos.
Não se deve esperar, portanto, que em países de economia periférica como o Brasil
uma sólida indústria de software surja com base nas livres forças de mercado. A
consolidação desta indústria só poderá ser obtida mediante políticas públicas de
fomento e coordenação abrangente de esforços (ROSELINO, 2006, p. 110).

É possível indicar ainda que as políticas de fomento a indústria de software nacional


tornaram-se mais abrangentes a partir da década de 1990. Dentre algumas das principais
políticas adotadas nesse período destacamos a criação do Observatório SOFTEX16 (em 1992),
a nova Lei de Informática, aprovada em outubro de 1991 (Lei 8.248/91) e vigente após a sua
regulamentação em 1993, o lançamento das diretrizes da Política Industrial, Tecnológica e de
Comércio Exterior (PITCE) em 2003, e a reformulação da atuação do Banco Nacional de
Desenvolvimento (BNDES) com a ampliação do programa de apoio à indústria de software
intitulado “Novo Prosoft”, em 2004.
Dentre as políticas de fomento institucionais apresentadas anteriormente, destacamos
que o Observatório SOFTEX foi um programa que objetivou a promoção e a comercialização
de softwares no exterior. Criado em 1991 na Telebrás e dentro do CPqD, sua concepção deu-
se por meio das discussões internas realizadas pelos trabalhadores do Centro de Pesquisa, que

16
Sobre a criação do sistema Telebrás, discutiremos ainda esse tema de modo mais detalhado nos itens 1.2. e
1.3. desta dissertação.
25
perceberam o potencial da exportação brasileira de software, ao notarem que
aproximadamente 80% do valor das centrais Trópico17 estavam relacionadas direta ou
indiretamente à produção de software agregado (MELO & CASTELLO BRANCO, p. 114-115).
A indústria de software desenvolveu-se, portanto, com um forte aparato protecionista
que, segundo Tápia (1995), foi desmontado nas décadas de 1980 e 1990. O principal evento
que iniciou esse processo deu-se após um conflito do governo brasileiro com a Microsoft, em
que o mesmo se recusou comercializar o sistema operacional MS-DOS 3.0. A recusa, ocorrida
em setembro de 1986, foi pautada pela produção de um sistema operacional similar ao
chamado Sisne (Scopus), conhecido no mercado por apresentar funções próximas a da
Microsoft, mas, de comercialização nacional. Como consequência, uma ação do governo
norte-americano foi notificada, sobre a aplicação de diversas sanções comerciais a produtos
brasileiros. Tápia indica ainda como esse evento ganhou protagonismo no desmonte da
política brasileira de informática, ao enfraquecer as bases de sustentação política nacional.
Entre as sanções indicadas pelo governo norte-americano, incluíam-se principalmente
inúmeras retaliações comerciais às commodities brasileiras. Nesse sentido, o governo
brasileiro recuou sob sua decisão anterior, e autorizou a comercialização do MS-DOS 3.0 em
janeiro de 1988, dando início ao desmonte e a desmobilização da proteção à indústria de
informática brasileira. O aparato protecionista perdeu força definitivamente no governo
Collor, na década de 1990, com a abertura comercial e a redução do apoio estatal (ROSELINO
2006, p. 113; TÁPIA, 1995).
Demonstrando a intensidade desse processo na década de 1990, Leite (1997, p. 68-73)
conduziu uma pesquisa empírica com 125 empresas de ramos variados e de diversos setores,
tendo por enfoque a terceirização na área de informática brasileira. Dessas empresas,
aproximadamente 80% entre as pesquisadas declararam que terceirizavam serviços de
informática. Entre os serviços mais terceirizados, destacam-se os segmentos da manutenção
de equipamentos, treinamento em microinformática, programação e manutenção de sistemas,
indicando, portanto, como o setor de TI estaria mais propenso a essas formas de
desregulamentação.
Outros fatores que indicam a intensa desregulamentação desta indústria é a chamada
"terceirização total" de outros segmentos da empresa, aliado a instabilidade dos contratos de

17
As plataformas Trópico R e Trópico RA foram desenvolvidas pelo antigo sistema Telebrás. Consideradas
ambas como tecnologia de ponta, elas são uma plataforma de multiaplicação com tecnologia digital CPA-T
(Controle por Programa Armazenado de Comutação Temporal). O CPqD e a organização Promon criaram, em
1999, a Trópico S.A., uma empresa que desenvolve, fabrica e distribui equipamentos modernos de
telecomunicações relacionadas a esse tipo de tecnologia (Santos, 1997, p. 9).
26
serviços prestados. Leite (1997) ainda destaca que devido as características da mercadoria
software, ou seja, um produto não-físico que depende de outros sistemas com propriedades
físicas para sua viabilidade e execução técnica, a não adequação da redação do acordo de
serviço, com o detalhamento do produto e as condições de entrega do mesmo, trazem
conseqüências para o ritmo de trabalho e a qualidade do serviço prestado. Dessa forma,
“Cláusulas escritas nem sempre refletem adequadamente as percepções das partes mas,
como existe uma situação formalizada, fica difícil rever os termos do acordo. Por vezes, há
mútuas acusações de má fé quando, na verdade, o produto final não foi corretamente
especificado” (LEITE, 1997, p. 73). Em menor ou maior escala essa situação afeta o
trabalhador desse ramo pois o trabalho exigido na linha de produção é adequado conforme o
acordo de trabalho18 estabelecido previamente. Os objetivos e as restrições específicas de um
determinado software podem ainda ser requisitados por meio de um projeto. O projeto é
constituído pelas principais diretrizes solicitadas pelo cliente, além de conter uma estrutura
organizacional, preços e orçamentos desejáveis pelas prestadoras de serviços (OLIVEIRA;
ROCHA; VASCONCELOS, 2004, p. 135).
Com o crescimento da terceirização nesses setores, uma denominação mais específica
de terceirização acabou ganhando forma na indústria de software, intitulada outsourcing19.
Embora ambas estejam pautadas na delegação de serviços a empresas terceiras, na primeira
situação, enquanto a terceirização está focalizada, em sua maior parte, nos setores de limpeza,
serviços gerais e segurança, a outsourcing é uma forma mais específica de terceirização20, que
interliga setores estratégicos de produtividade, recursos tecnológicos e trabalho intelectual.
Contudo, como vimos até aqui, embora esse setor tenha já se estruturado de forma
desregulada e acompanhado os impactos da reestruturação produtiva desde a década de 1990,
até que ponto o processo de produção na fábrica de software apresentaria semelhanças aos
processos de produção taylor-fordista? Para problematizarmos essa questão, vamos analisar

18
Segundo Rocha, Oliveira & Vasconcelos, a Fábrica de software pode ser caracterizada por projetos de
software ou por projetos físicos, contudo, suas características e requisitos de operações básicas seriam muito
semelhantes. Os critérios estabelecidos para a produção são ainda estipulados por meio de um SLA (Service
Level Agreement), que consta os requisitos e o escopo dos procedimentos de avaliação do serviço (2004, p. 134).
Debateremos essa questão com mais profundidade no 2º capítulo dessa dissertação.
19
De origem inglesa, podemos dividir o significado do termo “outsourcing” pela junção de duas palavras: a
primeira, “out”, que significa “fora” e a segunda, “source” ou “sourcing”, que significa “fonte”. Em resumo, é a
ação tomada pelo gestor de uma empresa para obter força de trabalho de uma fonte externa à empresa.
20
Outra forma de outsourcing que lida mais especificamente com a terceirização de serviços na produção de
software é a outsourcing de sistemas que, segundo Fernandes e Teixeira, combina operação de desenvolvimento
e manutenção de software com características de operações fabris (Fernandes & Teixeira, 2004, p. 24).
27
algumas das características da implementação do taylorismo e do fordismo no contexto
nacional.
Diferentemente dos EUA, que experienciou o início do processo de produção
taylorista diretamente nas fábricas, uma das principais influências do taylorismo no Brasil
deu-se por via estatal, com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público
(DASP), em 1938. Entre seus principais objetivos, com forte inspiração nas formas de
organização do trabalho criadas por Frederick Taylor (1966 [1911]), destaca-se a constituição
de uma burocracia estatal com rígida separação entre a concepção e a execução de tarefas, e o
compromisso de manter sob controle as oligarquias locais21 (BARIANI, 2008, p. 20-21).
Ainda apresentando elementos particulares da conjuntura brasileira, quando
avançamos para a metade do século XX, Gramsci (2008 [1934]) indicou que o fordismo nos
EUA não se restringiu à produção industrial automobilística criada por Henry Ford (1863-
1947), mas, a uma forma de organização do trabalho que ultrapassou os muros da fábrica,
composto por elementos de caráter ideológico, político e cultural e que tinha como objetivo a
criação de constructo de um “novo tipo de trabalhador”. Essa forma de produção, quando
comparado ao contexto dos países latino-americanos, não foi vivenciada nos mesmos moldes
no caso brasileiro. Um dos principais indicadores contrastantes é a ausência dos dispositivos
sociais e dos altos salários, propiciados pelo Welfare State nos EUA, além de sua
implementação tardia no caso brasileiro.
Desse modo, se o fordismo foi considerado o processo de produção hegemônico por
excelência até meados do final da década de 1970, no caso brasileiro sua expressão deu-se por
formas periféricas que mesclam diferentes processos produtivos.
Antunes contextualiza essa transição, explicando que

No fim da ditadura militar e durante o período Sarney, o Brasil ainda se encontrava


relativamente distante do processo de reestruturação produtiva do capital e do
projeto neoliberal, em curso acentuado nos países capitalistas centrais, mas já se
faziam sentir os primeiros influxos da nova divisão internacional do trabalho. A

21
O departamento tinha como função constituir-se como um órgão de administração geral, exercendo apoio
direto ao chefe do executivo. “Fruto de uma experiência pioneira, o DASP foi parte da iniciativa de reforma e
planejamento que inaugurou uma nova feição dos órgãos estatais no Brasil, somente a partir dele organismos
planejadores e fiscalizadores de caráter técnico-burocrático ganharam importância [...] Em sua criação (e
posterior desempenho), consta a procura por um modelo de gestão que propiciasse racionalidade e excelência
produtiva com rigor técnico, impessoalidade e autonomia; [...] Entre as idéias principais da teoria da
administração de Willoughby, estão: 1) a consideração dos princípios da administração como passíveis de
aplicação universal, 2) a separação entre política e administração e 3) a menção a um departamento de
administração geral como órgão de apoio direto e imediato ao chefe do Executivo. Tais elaborações eram
particularmente congruentes com a pretendida armação político institucional brasileira naquele momento
(Bariani, 2008, p. 21-23).
28
nossa singularidade começava a ser afetada pelos emergentes traços universais do
sistema global do capital, redesenhando uma particularidade brasileira que pouco a
pouco foi se diferenciando da anterior, inicialmente em alguns aspectos e,
posteriormente, em muitos de seus traços essenciais [...]. Esse padrão de
acumulação, desde JK e especialmente durante a ditadura militar, vivenciou amplos
movimentos de expansão, com altas taxas de acumulação, entre os quais a fase do
‘milagre econômico’ (1968-1973). O país vivia, então, sob os binômios ditadura e
acumulação, arrocho e expansão (ANTUNES, 2015 [2006], p. 17).

Em décadas recentes, segundo Antunes, o fordismo periférico e subordinado que se


estruturou tardiamente em diversos setores nacionais, coexistiu em conjunto com os novos
processos produtivos toyotistas22 e com o avanço do discurso da “flexibilização” sobre as leis
trabalhistas, mas, na prática, se expressou pela desregulamentação dos direitos sociais, e pela
expansão da terceirização e de contratos desvinculados aos direitos estabelecidos pela CLT,
além da expansão de mecanismos próprios de produção regionais e que estão sendo
assimilados por diversos setores produtivos brasileiros atualmente (ANTUNES, 2015 [2006], p.
19).
Outro aspecto importante a ser ressaltado, é a emergência da produção de softwares e
da informatização nas últimas décadas, aliada as novas teses do trabalho imaterial.23 Essas
teses, que ganharam destaque na agenda sociológica nas últimas décadas, enfatizaram o
desenvolvimento das forças produtivas e indicaram uma alteração significativa do tempo
necessário para a produção de mercadorias. Motivadas principalmente pela última
reestruturação produtiva, pela emergência da produção de softwares e pela informatização,
elas indicaram o fim do trabalho assalariado, além de anunciar uma nova era em que os

22
Sobre a desregulamentação e as práticas toyotistas de produção, Geraldo Pinto ainda analisa que “O sistema
toyotista permitiu, assim, a configuração de uma rede de subcontratação entre empresas muito mais forte, que,
no caso da Terceira Itália e justamente sobre essa base, conseguiu fundamentar um método de produção e
entrega mais rápido e preciso que os preexistentes – o just in time/kan ban –, uma vez que a rede de empresas
toyotista se fortalece pela focalização das firmas no núcleo principal dos seus negócios, gerando
desverticalização e terceirização. Como parte desses elementos, a intensificação do uso da força de trabalho foi
fundamental, mediante o desenho de uma organização dos processos de trabalho que atribui a cada trabalhador
uma gama diversificada de tarefas até então apartadas pela introdução do taylorismo-fordismo – como, por
exemplo, no caso de uma empresa metalúrgica, o controle da qualidade dos produtos ou serviços junto da
execução; a manutenção e limpeza das instalações após o seu uso; a operação simultânea de vários
equipamentos; entre outros”(Pinto, 2012, p. 538).
23
Como expoentes centrais das teses do trabalho imaterial, podemos destacar as obras do filósofo austro-francês
André Gorz e as do filósofo italiano Antonio Negri. Ressaltamos ainda que tanto Gorz quanto Negri apresentam
trajetórias distintas de publicações, voltadas para as transformações organizacionais vivenciadas nas fábricas dos
países da Europa ocidental nas décadas de 1960 e 1970. No caso de Gorz em particular, na década de 1980, o
mesmo descartou o conceito de classe trabalhadora na obra “Adeus ao proletariado” (1982 [1980]). Nessa
mesma obra, o autor refuta a centralidade do trabalho, diagnosticando que com a redução dos postos de trabalho
nas fábricas na década de 1970 e o surgimento do trabalhador politécnico, o típico trabalhador fabril, segundo
sua concepção, teria “desaparecido”. Já Negri, vinculado a criação do movimento operaísta, apresentou uma
trajetória política militante ativa desde a década de 1960, além de apresentar publicações variadas sobre o
coletivo do operário fabril, do qual tratou principalmente da massificação do trabalhador entre os períodos do
taylor-fordismo e da transformação da composição da classe trabalhadora nas décadas de 1960 e 1970.
29
indivíduos produziriam seu próprio sustento24 de forma autônoma e/ou em casa, com o acesso
a internet, a partir do seu próprio computador.
Partimos da premissa que os teóricos que indicaram o “fim do trabalho” assalariado a
partir dessas transformações econômico-produtivas, como Gorz (1980; 2003), Lazzarato
(1992), Hardt e Negri (2004; 2000), teriam se equivocado ao considerar o enxugamento das
fábricas e a propagação da automação no chão-de-fábrica nas décadas de 1970 e 1980 como a
passagem para uma sociedade pós-industrial. Esse equívoco se repete ao considerar o trabalho
imaterial, na produção capitalista, como um trabalho dotado de potencialidades
emancipatórias e livres do controle gerencial e produtivo. Destacamos nesse sentido que,
diferentemente de visualizarmos um processo de autonomia do trabalhador, pela ascensão do
trabalho imaterial, esse processo não significou uma dissociação das formas assalariadas de
trabalho.25
Como consequência, compreendemos que a teoria do fim do trabalho26, não apresenta
base empírica quando comparamos os números do mercado de trabalho das áreas
tecnológicas. Só no contexto europeu, em 2008, o setor de TICs produziu 574 bilhões de
euros e empregou 8,3 milhões de trabalhadores. No contexto brasileiro, no período dos anos
2006-2010, esse setor contabilizou a criação da média de 610.282 empregos, apresentando
crescimento mais significativo nos segmentos de serviços computacionais e de produção de
software. Nesses números ainda não se inclui as formas de contratação Home Office, Pessoa
Jurídica (PJs) ou projetos de empresas na modalidade Startup27, e que se constituem como
formas de contratação desvinculadas dos direitos trabalhistas e da proteção oferecida pela

24
No início do século XXI as teses do pós-industrialismo e da sociedade da informação reapareceram
revitalizadas com a mundialização da internet, mas, sob uma nova roupagem: as teses do trabalho imaterial.
Enquanto nos anos 1970-1980 previa-se uma transformação completa da estrutura social, com a expansão das
novas tecnologias e da reestruturação produtiva, essas teses partem do pressuposto que as sociedades
contemporâneas já estariam vivenciando um novo momento “pós-capitalista”. Estas interpretações vislumbraram
o grande potencial de economias constituídas pela produção imaterial, interpretando-se o futuro do trabalhador
com determinadas características vinculadas a esse tipo de produção, elencadas pela flexibilidade, autonomia, e a
constituição de uma nova subjetividade do indivíduo que se auto-realiza no que produz.
25
Sobre o tema em que relaciona a produção entre o trabalho material e imaterial, há um debate teórico
recorrente nas últimas décadas sobre como estes tipos de trabalhos estariam presentes com o auxílio das NTIC’s,
tema que não teremos como aprofundar nessa dissertação no momento.
26
Um aspecto comum, observado a partir das teses do trabalho imaterial, é a interpretação de vivenciaríamos
uma nova sociedade da informação. Nesse contexto, é a partir dos excertos dos Grundrisse (2011 [1859]) que
uma parte considerável de autores da literatura sociológica do trabalho interpretou os avanços tecnológicos
recentes e a reestruturação produtiva como a expressão de um momento de superação do processo de produção
capitalista.
27
Startup são microempresas recém-criadas com a finalidade de obtenção de retorno rápido de investimento,
focadas na área de inovação tecnológica. Segundo Alencar "No Brasil o empreendedorismo se popularizou a
partir da década de 90, mas o empreendedorismo start up só passou a ser conhecido no país e executado por
empreendedores brasileiros nos anos de 1999 a 2001, quando surgiu a bolha da internet" (2012, p. 2).
30
CLT, além de estarem cada vez mais recorrentes nos setores tecnológicos (ABDI, 2012, p. 16-
17).
Em outras palavras, ao indicar a superação do trabalho assalariado em detrimento dos
avanços tecnológicos, os teóricos da economia do trabalho imaterial construíram uma teoria
generalizante, sem considerar empiricamente as transformações do trabalho. Castillo (2011
[2009]) também sintetiza a relação entre as teorias que analisam os setores da tecnologia sem
base empírica, em que

O primeiro desses aspectos diz respeito a um estudo de campo, teoricamente


orientado, capaz de separar o deve ser do que é. [...] Porque – como analisam com
brilhantismo os pesquisadores dinamarqueses Bo Hansen, Jeremy Rose e Gitte
Tjørnehøj, num conjunto de 322 investigações sobre métodos de melhoria dos
processos de desenvolvimento de software – em numerosas ocasiões predomina a
prescrição em detrimento de descrição ou da reflexão. Sua conclusão não pode ser
mais esclarecedora: a imensa maioria dos artigos e obras analisados dizem como as
coisas devem ser, e não como necessariamente são. [...] Essa vontade de reconstruir
‘as situações reais de trabalho’, o realmente existente, é um marco epistemológico
necessário no caso do software, posto que é mais que habitual não somente a
generalização com escasso fundamento, a respeito do próprio ‘setor’, mas também
sua transferência às mudanças globais da sociedade como um todo (CASTILLO, 2011
[2009], p. 18-19).

Por fim, uma questão relevante para o debate sobre a produção do trabalho imaterial é
a de que desde meados das décadas de 1960 e 1970, quando os efeitos das transformações
produtivo-econômicas começaram a desenrolar de forma mais sensível, o debate teórico de
fôlego sobre o tema esteve permeado por dicotomias, tais como: trabalho material e trabalho
imaterial, trabalho produtivo e trabalho improdutivo, trabalho intelectual e trabalho manual,
entre outros.
Segundo Amorim (2014, p. 1-2), o trabalho imaterial foi definido como uma relação
contraposta ao conceito de trabalho produtivo, que se constitui por tipos de trabalho que não
formam valor, e que dão uma maior dinâmica ao processo de valorização. Os teóricos da
economia do conhecimento se referem às atividades relacionadas aos serviços e à capacidade
intelectual do coletivo demandada do trabalhador não produtivo. No entanto, ainda segundo
Amorim, só é possível diferenciar trabalho material de trabalho imaterial do ponto de vista do
trabalho concreto, útil, isto é, tendo como referência trabalhos concretos diferentes como os
do operário de fábricas de automóveis ou de programadores de software, dos cortadores de
cana-de-açúcar ou dos engenheiros de produção.

31
Em razão disso, seria mais apropriado inserirmos o conceito de trabalho imaterial no
conjunto de categorias sociais da teoria de Marx. Sua relação mais próxima seria,
portanto, aquela do conceito de trabalho concreto. A materialidade física ou
espiritual do trabalho e do produto do trabalho teria, assim, uma relação
teoricamente mais coerente quando relacionada à utilidade da mercadoria (AMORIM,
2014, p. 1-2).

Para Amorim, trabalho material e trabalho imaterial não se diferem do ponto de vista
do trabalho abstrato, isto é, não há diferença do ponto de vista da produção da mais-valia,
ambos fazem parte da materialidade histórica capitalista que tem como elemento central a
produção de valor com base na subsunção real do trabalho ao capital. Deste ponto de vista, do
trabalho abstrato28, não importa se a mercadoria é física ou não-física. Estando sob a lógica da
produção de valor, o que é necessário compreendermos é de que forma e sob que relações
sociais tais mercadorias são produzidas (AMORIM, 2010, p. 92).
Concluímos, portanto, ao considerar a emergência de uma sociedade voltada para a
produção do trabalho imaterial, em que o conhecimento tornar-se-ia a principal fonte de valor,
que essas teses29 apresentaram incoerências internas em comparação ao contexto brasileiro
em, pelo menos, dois aspectos. O primeiro, por não se relacionar com as particularidades
conjunturais nacionais, tais como a industrialização tardia e o desenvolvimento tecnológico
dependente dos países capitalistas centrais, tema que foi, durante muito tempo, central para os
debates da sociologia contemporânea brasileira. E segundo, no sentido mais estrutural, o
mercado de trabalho brasileiro apresentou características distintas se comparado com o
exemplo dos países capitalistas centrais, pela informalidade, pelos “bolsões de miséria”
regionalizados, e pela precarização do trabalho. Além disso, há ainda de salientar a ausência
de dispositivos de coberturas sociais, como os vivenciados pelos países da Europa ocidental e
EUA. Dessa forma, essa situação singular das condições trabalhistas foi exemplificada pelos
polos automobilísticos do grande ABC paulista, em que o acesso material aos direitos
trabalhistas e a inserção cidadã só foram obtidas com as lutas sindicais e as mobilizações
classistas ao final da década de 1980 (COCCO, 2001, p. 9-10).
Analisaremos mais detalhadamente no próximo item como se constituiu o setor de
telecomunicações e de P&D nacionalmente e o contexto no qual o CPqD foi criado.

28
Para uma análise crítica sobre o conceito de trabalho abstrato, ver: Bihr (2001, p. 57, tomo I).
29
Mesmo considerando o exemplo dos países centrais, a realidade apresentada por Gorz, Negri e demais teóricos,
não se adequou a das nações européias ou dos EUA, principalmente no que tange ao potencial da informação
como principal agente para uma possível ruptura no processo de produção capitalista. Longe dessas nações se
situarem em um momento que antecederia ao “comunismo do saber”, o comprometimento cada vez mais
acentuado do trabalhador dentro e fora do seu local de trabalho, tornando-o “parceiro” do capital, ao contrário de
associar-se a autonomização do trabalhador, indicou uma radicalização da subsunção contemporânea ao capital.
32
1.2 O Centro de Pesquisa em Telecomunicações e o modelo desenvolvimentista de
P&D

Como analisamos anteriormente, a indústria de software apresentou uma trajetória


específica no que se refere à reconfiguração das condições de trabalho e das transformações
produtivas nas últimas três décadas. Uma questão relevante é a de como pensar o trabalho que
hoje é intitulado como “imaterial” e que são emblematicamente representados pela produção
nas fábricas de software, assim como nas áreas de telecomunicações, P&D e TI. Tendo por
objeto os trabalhadores e as condições de trabalho no CPqD analisaremos nesse item,
primeiramente, como se consolidou o setor de telecomunicações e, segundo, como se
estruturou a produção de P&D. Concomitantemente, analisaremos também como se constituiu
o desenvolvimento das telecomunicações em contexto nacional e quais as suas
particularidades em comparação aos países de capitalismo avançado.
A estratégia para a formação de um sistema brasileiro de telecomunicações se
consolidou com a promulgação da lei nº 579230, criada em 11 de julho de 1972 e com a
criação da holding Telecomunicações Brasileira S/A (TELEBRÁS)31 (TELEBRASIL, 2004, p. 14).
Como produto de um amplo movimento de estatização, autonomização tecnológica e
unificação das telecomunicações e das concessionárias até então existentes, a holding
apresentava entre seus principais objetivos de longo prazo a coordenação integradora das
telecomunicações que incorporou 27 operadoras nacionais e a Embratel. Criada pela mesma
lei nº 5792, a Embratel transformou-se em uma empresa de economia mista, vinculada à
Telebrás. Desde então, a concepção da Telebrás já expressava o teor desenvolvimentista32 e
estatista do governo militar, presente no poder nesse período.33

30
No primeiro artigo dessa lei indica-se que " Os serviços de telecomunicações serão explorados pela União,
diretamente ou mediante autorização ou concessão [...] Institui política de exploração de serviços de
telecomunicações, autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa Telecomunicações Brasileiras S/A. -
TELEBRÁS, e dá outras providências" (BRASIL. Lei 5.792, 1972, art. 1º).
31
Com esta reforma, além da Telebrás, foi criado o Ministério das Comunicações (MINICOM), responsável pela
gestão de investimentos nesse período até meados da década de 1970. Após a década de 1970, a Secretaria de
Controle das Estatais (SEST) passou a exercer essa função (Telebrasil, 2004).
32
Compreendemos por “teor desenvolvimentista” quando o Estado é o principal mediador de investimento
nacional. O Estado, nesse período, era o principal acionista da Telebrás, visando o desenvolvimento nacional do
sistema de telecomunicações. O desmonte desse setor ocorreu com a privatização das operadoras e empresas de
telecomunicações ao final da década de 1990.
33
Sobre a função do Estado nesse período, Rocha analisa que “Até a instituição da Telebrás, o papel do governo
estava restrito a estimular as fabricantes estrangeiras de telequipamentos a instalarem unidades produtivas no
Brasil. Por isso, várias subsidiárias de fabricantes internacionais, como Ericsson, Standard Eletrônica-ITT,
Siemens e Philips, já atuavam no país quando se iniciou o processo de nacionalização do setor” (Rocha, 2005,
p. 21).
33
Após a criação da Telebrás em 1972, a portaria 661/7534 foi determinante para a
constituição do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em telecomunicações (CPqD), do qual
originou-se a primeira central de comutação nacional a partir do projeto CPA-T35 – TRÓPICO
RA. O projeto foi encaminhado inicialmente para a inclusão de um departamento de P&D da
diretoria técnica da Telebrás, e para a contratação de um grupo de universitários em pesquisas
básicas. Por despacho do presidente Geisel, o CPqD foi fundado em 31 de agosto de 1976
com a nova portaria. O próprio conteúdo textual da portaria descrevia as filiais estrangeiras
como uma ameaça ao desenvolvimento de tecnologia nacional. Nesse sentido, o CPqD
tornou-se elemento central para a produção de tecnologia nesse setor. Considerando a
fragilidade da indústria doméstica, o Estado realizava investimentos na área de P&D, em que,
em um segundo momento, a indústria nacional se tornava a responsável por sua produção
(CROSSETTI, 1995, p. 110-116; 124-125). Ao ser questionado sobre o momento de formação
do CPqD, um dos entrevistados, que trabalhou como pesquisador em telecomunicações nesse
período, relata que

A Telebrás era o principal cliente, porque todas as operadoras estavam ligadas a ela.
Ela era a principal cliente na compra de equipamentos e nós desenvolvíamos a
pesquisa, a partir de uma demanda que a própria Telebrás tinha. ‘Olha eu preciso de
uma central telefônica’, por exemplo, nós desenvolvíamos a tecnologia das centrais
telefônicas, passávamos para a indústria e a própria Telebrás comprava da indústria,
ou seja, tinha um modelo que fechava um ciclo (ENTREVISTA 1, setor de P&D).

O modelo de demanda e compra de equipamentos desenvolvidos pelo CPqD ficou


conhecido posteriormente pelo formato “tríade”, composto pela Telebrás, pelo CPqD e pelas
indústrias nacionais. Na medida em que as indústrias nacionais eram suas principais
compradoras, a Telebrás constituiu-se como o principal órgão regulador das demandas
produtivas nacionais. Nos anos seguintes, o período entre os anos 1972-1976 caracterizou-se
por um momento de consolidação do CPqD, por meio dos convênios firmados entre os
laboratórios universitários, e constituído por estudantes da USP, UNICAMP, PUC-RJ e ITA.
Sua localização geográfica, na cidade de Campinas, de certo modo facilitou a entrada desses
pesquisadores instalados no estado de São Paulo. Consequentemente, um modelo de parceria

34
Em relação aos objetivos iniciais do CPqD destacamos: “Segundo as diretrizes da Portaria 661/75 foram
determinados os objetivos do CPqD que se apoiavam em duas linhas de ação: (a) Criar tecnologia própria,
baseada nas necessidades do Sistema Nacional de Telecomunicações e/ou em fatores intrínsecos ao país; (b)
Criar condições à absorção e fixação de tecnologia estrangeira, consoante com as necessidades do Sistema
Telebrás” (Menardi, 2000, p. 72 apud Relatório Telebrás, 1981)
35
Controle por programa armazenado de comutação temporal.
34
padrão foi constituído entre as instituições da universidade, o CPqD e a indústria, assim,
criando-se as primeiras firmas de grandes projetos em P&D, como os de comutação digital,
fibras ópticas e multiplexadores (CROSSETTI, 1995, p. 124-125).
Planejado inicialmente como um centro de pesquisas de P&D estatal, o CPqD
apresentou, como uma de suas principais funções a longo prazo, a interligação do eixo
constituído por pesquisadores dos principais polos universitários, os fabricantes de
telequipamentos, e as operadoras de serviços. Em termos práticos, contudo, a atuação do
CPqD foi desenvolvida de forma centralizada em seus primeiros anos de funcionamento.
Composto em sua maior parte por uma elite de engenheiros militares36 que concentrou o
conhecimento das telecomunicações, a sua atuação afastou-se gradualmente do modelo
planejado inicialmente37 (ERBER E AMARAL, 1993, p. 43-47).
A modernização do setor de telecomunicações a partir da década de 1970, que até
então se concentrara nas regiões sul e sudeste, conseguiu expandir uma rede de serviços
telefônicos e tecnológicos em território nacional. Mesmo que observando as particularidades
regionais de sua implantação em diversos países, os postos de trabalho no setor de
telecomunicações apresentaram forte status nessa época, com medidas de responsabilidade
pública e de políticas próximas a do Welfare State, além da constituição de sindicatos com
grande potencial social (CAVALCANTE, 2006, p. 82-84). Seguindo parâmetros similares aos
dos demais países em que se desenvolveu o setor de telecomunicações, os postos de trabalho
oferecidos na antiga Telebrás gozavam de altas remunerações e benefícios salariais indiretos.
Com a descontinuidade da linha de investimentos nesse setor, a partir da década de
1990, o efeito principal foi a retração do salário base entre os anos de 1997 e 2007, que se
reduziu de R$ 3.100,00 para R$ 2.700,00, considerando os trabalhadores com os mesmos
níveis de qualificação e de experiência no setor de telecomunicações. Na tabela abaixo,
indicamos a participação de jovens com idade de até 29 anos inseridos nesse mercado,
incluindo-se mulheres e pessoas com onze anos ou mais de estudos que se encontravam

36
Além de resguardar elementos de uma estrutura rígida e hierárquica da época dos militares, o investimento na
área de P&D era considerado uma questão de segurança nacional. Um dos resquícios desse período é a
interligação física de túneis subterrâneos entre diferentes áreas do CPqD, uma estrutura que permanece até os
dias atuais.
37
Sobre esse período, Erber e Amaral constatam que: “...de 1973 a 1976, a Telebrás empenhou-se em
desenvolver uma capacitação científica, tecnológica e industrial através de projetos contratados, inicialmente
com as universidades e, a seguir, com as indústrias” (Erber e Amaral, 1993, p. 43).

35
empregados nos postos de trabalhos de serviços de telecomunicações, além de apresentar o
índice de queda contratual desse setor no período38 (SOUZA; NASCIMENTO, 2012, p. 10).

Gráfico 1 - Média salarial e participação na força de trabalho ocupada por jovens de até 29
anos, mulheres e pessoas com onze ou mais anos de estudo (pelo menos, o ensino médio
completo) em serviços de telecomunicações (1994-2010)

Fonte: Sousa e Nascimento, 2012, p. 14.

Para efeitos de comparação, enquanto o setor de telecomunicações das décadas de


1970 e 1980 apresentava ainda altos salários, nos países capitalistas desenvolvidos se
desencadeava uma profunda crise econômica e política de acumulação. Essa crise se expandiu
após um período de relativo avanço das condições socioeconômicas das classes trabalhadoras.
Em comparação, o padrão de vida apresentado pelo trabalhador da indústria nas principais
capitais brasileiras (naquele período, São Paulo e Guanabara) indicava um cenário bem
distinto, afetado por uma intensa desvalorização de sua força de trabalho desde o final da
década de 1950 (OLIVEIRA, 2011 [1981], p. 88).
Um argumento que foi utilizado abertamente por um leque de teóricos desse período é
que o caráter redistributivo e paternalista do Estado nacional era comprovado pelo subsídio
repassado aos preços dos transportes, da energia e do combustível. Contudo, há de se destacar
que esse subsídio não era redistribuído ao consumidor, mas sim, para as próprias empresas,

38
Iremos ainda analisar a desvalorização da força de trabalho desse setor mais detidamente no item 1.3. desta
dissertação, em que analisaremos mais profundamente o processo da privatização desse setor a partir da década
de 1990.
36
não afetando, portanto, a acumulação real destas. Ao mesmo tempo, esses mesmos subsídios
também eram erodidos pela inflação. Com a constituição do setor industrial e o crescimento
da urbanização na década de 1960, as duas décadas anteriores não foram suficientes para
elevar a remuneração real dos trabalhadores urbanos39, excetuando-se aqui os trabalhadores
rurais, os públicos e os autônomos (OLIVEIRA, 2011 [1981], p. 78; 86-87).
Com a crise do petróleo da OPEP em 1973, e com a recessão macroeconômica nos
países capitalistas avançados, ocorreu um enxugamento das verbas de fomento à indústria, o
que ocasionou uma série de cortes nas verbas direcionadas para a Telebrás, afetando os
investimentos federais para o desenvolvimento de ciência e tecnologia (C&T) no Brasil. Em
meados da década de 1980 em Campinas, como alternativa para solucionar a fraca interação
das áreas de C&T e de P&D com o de setores produtivos da economia, foi criada uma
proposta de políticas que envolveu o poder público e membros da comunidade de pesquisa
estadual, e que propiciou o desenvolvimento de múltiplos PATs nessa região, entre eles, o
Polo de Alta Tecnologia da Ciatec (SILVA, 2008, p. 36-42).
Com o intuito de promover maiores investimentos no setor de P&D e com melhor
distribuição regional, Silva (2008) explica a criação dos PATs:

O modelo dos Parques Tecnológicos foi concebido como uma área (espaço
delimitado) em que deveriam estar concentradas atividades produtivas estritamente
ligadas à alta tecnologia. Essas atividades, dado ao seu caráter inovador,
promoveriam o crescimento e o desenvolvimento das cidades e regiões em que
estivessem alocadas. [...] Os Parques Tecnológicos foram idealizados a partir de três
atributos: operacional; físico; e de localização. O primeiro, o operacional, definiria
um agrupamento de instituições de pesquisas, que ofereceriam novas tecnologias aos
setores produtivos, englobando um processo seqüencial que ia da etapa do
laboratório à fabricação e comercialização do produto. O segundo, o físico,
compreenderia o conjunto dos macrossistemas técnicos (como empresas —
majoritariamente pequenas e médias —, universidades, instituições de P&D,
ferrovias, sistemas de comunicação e informação) presentes em uma mesma
localidade. O terceiro seria o da localização. Os Parques Tecnológicos deveriam ser
implantados em municípios com algum potencial instalado de C&T e em áreas
próximas às universidades e institutos de P&D (SILVA, 2008, p. 50-51).

Esse modelo de Parque Tecnológico se propagou em diferentes regiões


metropolitanas e grandes capitais brasileiras, principalmente em meados das décadas de 1990
e 2000. Cabe salientar que a utilização potencial de C&T nos países da América Latina

39
Um dado particular do nosso contexto em relação aos demais países capitalistas centrais é o de que o ano de
1956 é considerado um marco para a indústria nacional, pois esse é o ano em que pela primeira vez a renda do
setor industrial superaria a dos postos de trabalho na agricultura (Oliveira, 2011 [1981], p. 35).
37
também fez parte de um projeto de maior magnitude na década de 1960 com a publicação do
documento intitulado Science: the Endless Frontier40.
Com forte impacto nos países da América Latina, diversas instâncias das esferas
públicas brasileiras apresentaram à comunidade de pesquisa metas ambiciosas de incentivo a
longo prazo, como a criação de institutos de P&D com a Coordenação dos Programas de Pós-
Graduação e Engenharia da COPPE-UFRJ e da UNICAMP, o estabelecimento de múltiplos
programas de pesquisas militares, a criação de políticas de mercado para as áreas de
informática e de microeletrônica, e de centros de pesquisas tecnológicas em acordo com
empresas estatais do governo federal, entre elas, a Companhia Vale do Rio Doce, Petrobrás e
Telebrás (idem, p. 40-42).

O cenário de transição política, marcado pelo fim da ditadura e o início do Governo


Sarney, também trouxe à tona, em meados da década de 80, uma nova discussão
acerca dos rumos da indústria de telequipamentos. Para alguns, a indústria brasileira
estava suficientemente madura, não mais necessitando de um arcabouço tão
intervencionista. Quando na verdade, [...] sem contar com a participação no mercado
que lhe possibilitasse maior aproveitamento das economias de escala e maiores
recursos para investir em P&D, a empresa nacional continuava dependente, em
termos tecnológicos, do CPqD (responsável pela maioria dos seus produtos), e em
termos financeiros, da Telebrás (ROCHA, 2005, p. 27).

Em virtude das restrições orçamentárias e dos cortes de investimentos, o próprio


CPqD passou por reestruturações internas, objeto do qual iremos nos debruçar. Ao final da
década de 1980, o CPqD apresentou um processo de reconstituição de planejamento
estratégico, que objetivou a criação e a competitividade no mercado. Esta mudança aplicou-se
na medida em que o próprio centro desempenhara até aquele momento o papel predominante
de um laboratório de produtos desenvolvidos para a indústria, menos do que o de um centro
de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia voltado para o setor de telecomunicações
nacional. Afetado por restrições orçamentárias e em virtude dos efeitos das políticas
macroeconômicas de combate à inflação, o centro sofreu limitações relacionadas aos
investimentos e a contratação de pessoal especializado, principalmente a partir do final da
década de 1980.

40
Segundo Silva (2008, p. 36-42), o referido documento tornou-se popularmente conhecido como "Relatório
Bush". Elaborado por Vannevar Bush e entregue a Henry Truman após o término da Segunda Guerra Mundial, o
documento destacava, em termos práticos, o incentivo tecnológico e científico na região dos países da América
Latina, preocupação advinda principalmente da possibilidade dos países europeus desenvolverem competências
tecnológicas superiores à estadonidense.
38
Ao passar por restrições em seus programas de pesquisa, o centro obrigou-se a
procurar novas opções de recursos e como decorrência, acabou perdendo relativamente sua
capacitação tecnológica (CROSSETTI, 1995, p. 127; MENARDI, 2000, p. 79-89).
Sobre esse período de transição, um engenheiro entrevistado sintetiza esse momento
do CPqD, iniciado na gestão do presidente Collor, em que:

Nesse período começaram grandes mudanças. Até a entrada do Collor,


desenvolvíamos muito hardware e equipamento. E a partir desse momento, mudou
o foco. O cliente passou a ser as próprias operadoras. Nós começamos a fornecer
software de controle para elas. E a parte de hardware e de desenvolvimento de
equipamento foi morrendo aqui. [...] Foi um processo gradual, ele foi reduzindo
porque, as pessoas, por exemplo, iam fechando as áreas, dedicadas ao
desenvolvimento de hardware e elas eram “re-treinadas” para trabalhar com
software. Foi feito isso durante muito tempo mesmo (ENTREVISTA 1, setor de P&D).

No decorrer da década de 1990, segundo Menardi (2000) antes da privatização do


CPqD foram promovidas tentativas sistemáticas que visavam estabelecer autonomia e
agilidade para a tomada de decisões dentro do centro de pesquisa. Segundo entrevistas
realizadas naquele período, as falas indicavam o culto hierárquico nas relações dentro do
centro de pesquisa, em que se assumia o discurso de mudança, mas em termos práticos, as
relações de apadrinhamento foram mantidas pela manutenção de cargos, o que impedia
mudanças estruturais de fato. Nesse sentido, as alterações antes tidas como estratégicas, que
tinham por objetivo criar maior autonomia ao centro, foram instituídas de forma burocrática e
de maneira operacional.
Ao final da ditadura militar, com o inicio das políticas privatizantes e neoliberais,
aumentaram-se também as demandas para uma nova reconfiguração do setor, em que resultou
na privatização do Centro de pesquisa e em uma nova configuração durante o governo FHC
(MENARDI, 2000, p. 93; CAVALCANTE, 2006, p. 84). Ao final da década de 1990, o modelo
planejado para o Centro de pesquisa e para os investimentos de P&D, pautados no
gerenciamento de investimentos via estatal acabaram por desmoronar. Analisaremos no
próximo item como se desenvolveu o processo de privatização do setor e a parceria público-
privada que foi instituída posteriormente no CPqD.

1.3 A reestruturação do setor de telecomunicações e a transição para a Fundação


CPqD

39
Analisamos até o momento de que modo se constituiu o setor de telecomunicações. A
partir da década de 1990, o setor de telecomunicações passou por uma reestruturação em que
o CPqD foi transformado em uma fundação de parceria público-privada. A configuração do
setor nas décadas de 1970 e 1980 tinha por objetivo criar tecnologia nacional. Ou seja:
priorizava o desenvolvimento de tecnologia nacional, para evitar a dependência nessa área em
relação a outros países, principalmente da Europa central e dos EUA. O CPqD também tinha
o objetivo de suprir demandas internas, tanto na forma de equipamentos, quanto na de
formação pessoal, técnica e especializada, com o apoio das universidades, e do
desenvolvimento de produtos e mercadorias, no caso, softwares, aplicativos e tecnologia de
ponta.
Se na década de 1970 o CPqD centralizou a sua produção no mercado nacional,
especializando-se na área de telecomunicações, após o desmonte e a privatização do sistema
de telecomunicações, ele constituiu seu mercado de atuação de forma diversificada,
alternando-se entre as áreas de comunicações sem fio, ópticas, redes elétricas inteligentes e
em "soluções tecnológicas", como a produção de computação cognitiva e segurança da
informação e comunicação.
Embora as décadas de 1980 e início da década de 1990 fossem consideradas o auge do
funcionamento do CPqD, Costa e Menardi (1999) destacam que a Telebrás investia
relativamente pouco no setor de P&D em comparação a sua receita bruta. A sua política usual
era de investir cerca de 1% de suas receitas operacionais na área de P&D, um montante
considerado muito inferior quando comparado aos valores brutos investidos pelas grandes
multinacionais internacionais.

Tabela 1 - Evolução do orçamento e dos recursos aplicados no CPqD (US$ milhões)


Período Investimentos Percentuais

1986 32,2 1,56%


1987 36,0 1,43%
1988 57,0 1,73%
1989 70,6 1,45%
1990 72,6 1,23%
1991 46,2 1,05%
1992 49,0 0,92%
1993 86,0 1,22%

Fonte: Costa e Menardi (1999, p. 56-57).

40
Com o avanço das políticas neoliberais, como indica a tabela anterior, os
investimentos nessa área começam a reduzir-se até o início da privatização do setor de
telecomunicações, ao final da década de 1990.
Um conceito importante que nos utilizamos no decorrer desta pesquisa é o de
condições de emprego, indicado por Mocelin (2010), que trata sobre a percepção de diferentes
situações dentro do mercado de trabalho e que são influenciados por diversos fatores como
local de trabalho, ambiente cultural e institucional e suas alterações no decorrer do tempo.
Essas modificações afetam, por exemplo, o perfil dos trabalhadores e a organização do
trabalho, indicando situações de trabalho diversas em curtos espaços de tempo, mesmo se
tratando da mesma instituição. Nesse sentido, indicamos que quando as formas de
financiamento do Centro de Pesquisa foram modificadas, alterações mais significativas foram
também desencadeadas, indicando um processo de reestruturação dos postos de trabalho no
Centro de Pesquisa, com a expansão do setor de TI.
Comparando a reestruturação do setor de telecomunicações em outros países, como
nos Estados Unidos e na Inglaterra41, que passou por uma reforma neoliberal e voltada para o
exterior, foram criadas agências específicas de regulamentação, incentivou-se a concorrência
na maior parte do mercado e alterou-se elementos básicos do modelo histórico monopolista.
Já no contexto dos países latino-americanos, há dois elementos distintos a serem
considerados. O primeiro, o de países como Argentina, México, Venezuela e Peru, que no
final da década de 1980 venderam as operadoras de serviços públicas para as operadoras
estrangeiras, sem abrir diretamente a concorrência em um primeiro momento, e o caso
brasileiro, que reestruturou o sistema público de telecomunicações antes de privatizá-lo
(ROCHA, 2005, p. 14-16).
A reestruturação do setor de telecomunicações se deu com base na Lei Geral das
Telecomunicações42, que, em um primeiro momento, não apresentava um destino para o
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em telecomunicações da Telebrás. Conforme o
parágrafo único do artigo 190 que constava do novo projeto, o poder executivo definiria o que

41
Ao final da década de 1980, a reestruturação do setor é observada nos Estados Unidos e na Inglaterra. A partir
da década de 1990 essa reestruturação torna-se uma tendência mundial, principalmente com o avanço das
políticas neoliberais (Almeida, 1994, p. 99-110).
42
Com a partilha do antigo sistema Telebrás, o CPqD foi o único órgão preservado pela LGT. No período em
que foi aprovada, Brito resume a situação do Centro de pesquisa da seguinte forma: “Sem a definição da
estrutura do CPqD, não está assegurado, como será o financiamento da pesquisa. Atualmente, o Centro é
totalmente subsidiado pela Telebrás. Nesse período o orçamento anual é de R$ 120 milhões, cerca de 90% é
bancado pelo governo. O restante é recebido das empresas 'privadas e públicas’ que exploram tecnologia
desenvolvida pelo órgão a título de royalties” (Brito, 1997).
41
seria feito com o centro, sendo que as opções apresentadas seriam ou transformá-lo em uma
empresa de economia mista, ou em uma fundação governamental, pública ou privada (BRITO,
1997). Com a privatização, ocasionada pelo governo, o Centro de pesquisa foi transformado
na Fundação CPqD, órgão de direito privado e autônomo, financiado pelo Fundo para
Desenvolvimento das Telecomunicações (FUNTTEL).43
Segundo Menardi (2000), por meio de uma pesquisa realizada com membros do
Centro de pesquisa e com trabalhadores da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)
ao final da década de 1990, a decisão de transformar o Centro de pesquisa em uma fundação
privada foi apoiada por parte da diretoria do mesmo. Nas reuniões realizadas na central da
Anatel, segundo Menardi, e por meio de sua pesquisa empírica, indicou-se a inexistência de
pontos no roteiro das reuniões que sequer discutissem o futuro do Centro de pesquisa. Por
pressão da Diretoria do CPqD, após o término das reuniões sobre os rumos pós-privatização
da Telebrás e do setor de telecomunicações, propostas sobre qual finalidade dar ao CPqD
foram apresentadas, não chegando a um consenso comum sobre o mesmo (MENARDI, 2000, p.
95-96).
Entre os locais dessas reuniões decisivas, destaca-se as sedes da Minicom e da Anatel.
Essa ausência de diálogo era acompanhada por trabalhadores em cargos menores no Centro de
Pesquisa, do qual em nenhum momento foram consultados sobre a futura configuração do
local onde trabalhavam. Outra questão, salientada também por Menardi, é a baixa
participação, ou talvez, passividade dos trabalhadores nas reuniões e assembleias convocadas
pelo SinTPq. Uma hipótese desenvolvida pelo mesmo sobre a passividade dos trabalhadores
quanto ao futuro da instituição na década de 1990 seria a “cultura hierárquica” enraizada no
Centro de pesquisa desde a sua consolidação44, do qual apenas se “acata” as decisões
superiores, sem um exercício de diálogo ou discussão interna para a tomada de decisões. É
relevante também que a “crise de identidade institucional” quanto aos desígnios do Centro,

43
Sobre a natureza do FUNTTEL, o fundo apresentaria os seguintes objetivos, segundo o Ministério das
Comunicações e o BNDES: “O Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL)
é um fundo de natureza contábil com o objetivo de estimular o processo de inovação tecnológica, incentivar a
capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias
empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira de
telecomunicações, nos termos do art. 77 da Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997. Instituído pela Lei nº 10.052,
de 28 de novembro de 2000, o fundo tem como agentes financeiros o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e a Empresa Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)” (Ministério das
Comunicações, 2015).
44
Segundo Menardi, “Esta cultura da ‘autoridade’, pode-se dizer, da ‘obediência’, e da ‘disciplina’ parece ter
origem na própria criação do CPqD, em 1976, durante o Regime Militar, e que foi ‘idealizado’ e ‘criado’ pelo
então Presidente da Telebrás, o General Alencastro, que imprimiu as marcas de hierarquia militar na
administração do Centro” (2000, p. 97).
42
transpareceu em falas dos trabalhadores antes do período da privatização, em que os
trabalhadores, já naquele período, vislumbravam a instituição não como um local para o
desenvolvimento de P&D e direcionado às necessidades do sistema Telebrás, mas, apenas
como mais uma central prestadora de serviços45 (IDEM, 2000, p. 96-97).
Em relação ao cenário apresentado, outros atores, tais como a Federação Interestadual
dos Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL) e o SinTPq, também se posicionaram ao
encaminhar uma proposta alternativa para a remodelação do antigo sistema Telebrás. A
proposta, intitulada Brasil Telecom, apontou que se devia criar mecanismos que garantissem
“maior incentivo ao único centro de pesquisa e desenvolvimento em telecomunicações da
América do Sul”, indicando, portanto, uma contra-proposta a de privatização do Centro de
pesquisa. A proposta, contudo, carecia de mecanismos fiscais e legais para ser colocada em
vias práticas, e, devido a essa ausência, não conseguiu ir adiante (idem, p. 97).
Uma questão relevante, ressaltada em entrevista, sobre os impactos que a privatização
ocasionou na indústria nacional nesse período, foi a de que

Na gestão FHC, quando se iniciou as privatizações, teve um impacto muito maior


ainda, por que, nesse momento, eles privatizaram as empresas de Telecom, e as
grandes multinacionais compraram essas empresas, por exemplo, a Telefônica, aqui
no Estado de São Paulo. A Telefônica é um conglomerado mundial, tem Telefônica
em toda a América Latina, na Europa, na Espanha. E ela não compra equipamentos,
em nível local. Ela compra em nível global. Então, vou comprar centrais telefônicas:
Compro uma quantidade que vai servir pro Chile, pro Brasil, pra Espanha, então ela
faz uma compra grande, compra no atacado. E isso inviabilizou as indústrias
nacionais na época. Então, por exemplo, as centrais telefônicas, quando entra o
Fernando Henrique e privatiza a grande maioria das centrais telefônicas, elas eram
produzidas pela TRÓPICO, uma empresa nacional, com tecnologia nossa. Ai a
TROPICO morre. Como morreu também a empresa aqui do lado, que foi originada
também de tecnologia nossa, que era a CISTALK, que produzia fibra óptica. Ta aí,
porque os caras, quando compram cabos, eles compram cabos pro mundo inteiro,
eles não iam comprar numa empresa local, brasileira. Então isso tem um impacto em
toda uma cadeia de produção brasileira. Até o metalzinho que vai lá no poste, que
pendura o cabo, que era metalúrgica que fazia aquilo, eles começaram a comprar de
fora. Então, nada sobrou. Nada sobrou (ENTREVISTA 1, setor de P&D).

A abertura do CPqD para o mercado na década de 1990 foi veiculada por depoimentos
na grande mídia pelo ex-diretor do centro de pesquisa Hélio Graciosa no momento seguinte à
privatização, com falas que referenciaram como o CPqD estava trabalhando com essa “fase de
45
Em entrevista, questionado como se configurava o trabalho de pesquisa na década de 1990 e se o mesmo dava
treinamentos, um dos trabalhadores responde “Aos montes. Eu andava pelo Brasil, treinando pessoal das
operadoras, mas isso degradou muito a qualidade e o nível do nosso trabalho. Porque a gente fazia pesquisa e
começamos a fazer isso. E como as operadoras queriam dar uma aplicação para o dinheiro delas, que elas
estavam colocando aqui, você dava treinamentos muito simples para as pessoas, qualquer coisa ele nos
chamava, pra ir dar treinamento. Só faltava nos pedir para fazer a parte da faxina lá... Então chegou a ser uma
grande decadência isso ai” (Entrevista 6, setor de P&D).
43
transição”. Menardi (2000) qualifica esse momento como “o CPqD de mercado”, que
constitui uma mudança radical quanto as diretrizes internas do centro, voltada agora
estrategicamente para uma fase mais competitiva de vendas, produção de tecnologias e de
equipamentos para as grandes multinacionais. Esta fase constituiu-se também por uma
centralização das prioridades com a venda de equipamentos e seu posicionamento dentro do
mercado, assim como pela objetivação em angariar clientes e garantir a sua auto-sustentação
enquanto Centro de pesquisa.
Sobre esse momento de abertura em que o CPqD direcionou sua produção para o
mercado, as formas de produção se modificaram significativamente. Dessa forma, explica um
arquiteto de software sobre esse processo, em que

Foram vários tipos de mudanças entre todos esses anos. No caso dos gerentes, por
exemplo: os gerentes, antigamente, eles não eram tão preocupados com a venda.
Hoje eles são também preocupados com as pessoas, afinal, são gerentes, mas, aqui
no CPqD, eles também são responsáveis pela venda, pela continuidade. Isso muda
muito, porque nossa equipe faz ela ficar ligada diretamente com o mercado
(ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Em termos orçamentários, as verbas do Centro de pesquisa foram garantidas até o


início de 2001. Nesse período de transição46, a principal fonte de recursos para o CPqD foi
obtida pelos Contratos 7000, que se constituíam por contratos de prestação de serviços
oferecidos para as empresas de telefonia fixa e celular e a Embratel, além de treinamento,
serviços de consultoria, laboratoriais e de software. Incluída na concessão das operadoras no
âmbito das empresas privadas, o seu valor foi fixado em R$ 124 milhões ao ano durante os
três primeiros anos transitórios (MELO & GUTIERREZ, 2002, p. 25). Segundo os formuladores
de política aplicada, esse tempo seria o necessário para a readequação do CPqD, de forma a
angariar clientes e se adequar ao mercado. Em meados de 2002, contudo, foi garantido ao
Centro de pesquisa uma verba fixa, regulamentada pelo Fundo do Desenvolvimento das
Telecomunicações (FUNTTEL). Esse novo arranjo garantiu a Fundação CPqD, em termos
percentuais, 30% dos valores arrecadados pela FUNTTEL, sendo que os demais recursos

46
Sobre as mudanças estratégicas adotadas pelo CPqD na partilha do Sistema Telebrás, destaca-se as estratégias
de marketing em que, segundo Rocha, se estabeleceu da seguinte forma: “Quando se tornou legalmente uma
instituição de direito privado, o centro também buscou reorientar suas estratégias de marketing. Além de manter
o laboratório central em Campinas, estabeleceu as seguintes subdivisões: A) uma empresa de manufatura - a
Trópico, fundada em 1999 em parceria com a Promon; B) uma empresa de serviços - a Clear Tech, voltada
para a prestação de serviços de clearing house, para a região da América Latina; C) uma subsidiária nos EUA,
na região do Vale do Silício, para desenvolver e vender uma série de operações e negócios relacionados aos
sistemas de software; D) uma empresa voltada para o desenvolvimento e a industrialização de equipamentos de
comunicações ópticas - a Padtec” (Rocha, 2006, p. 43).

44
seriam captados pela própria instituição. Esse modelo de orçamento funciona até os dias
atuais (ROCHA, 2005, p. 44).
Ao longo da última década, os atrasos dos repasses da verba provisionada pela
FUNTTEL e a queda dos indicadores financeiros do CPqD evidenciou uma reestruturação
produtiva no contingente de trabalhadores e uma política de “redução de custos” estava em
curso. Contudo, essa “redução de custos” já se apresentava desde a década de 1990,
incentivada de maneira não planejada pelo governo federal, ocasionando a demissão de
trabalhadores de empresas estatais de maneira generalizada. Esses desligamentos afetaram
tanto os trabalhadores menos qualificados, quanto os de formação mais especializada, onde
esse primeiro grupo foi o mais afetado por essas políticas. Ao final da década de 1990 o
CPqD contava com um quadro de funcionários onde 70% eram detentores de formação
universitária A redução do quadro de trabalhadores foi compensada pela contratação de
terceirizados ou de prestadores de serviços externos.

Tabela 2 - Relação do número de funcionários do CPqD (período)


Período 1990 1991 1992 1993 1998 1999 2013 2014

Nº de funcionários 1691 1589 1396 1174 864 949 1412 1285


Fonte: Relatório anual de área do CPqD (1990; 1991; 1992; 1993; 1998; 1999; 2013; 2014).

Enquanto na primeira tabela, é possível visualizar a oscilação de contratados dentro do


Centro de pesquisa até o período da privatização, na tabela seguinte, vemos como se
configurou a contratação dos trabalhadores em relação à qualificação.

Tabela 3 - Relação do número de trabalhadores do CPqD (qualificação)

Período

Grau de instrução 1998 1999 2012


Graduados 419 474 291
Mestres 88 85 131
Doutores 22 24 31

(*) Considerando o número de trabalhadores com todos os tipos de qualificação, ou seja, ensino básico, médio,
graduação incompleta e demais setores não-especializados do Centro de Pesquisa.

Fonte: Menardi (2000) e Relatório anual de área do CPqD (1998; 1999; 2012).

45
A própria criação do sindicato do CPqD teve como contexto um problema trabalhista
relacionado ao plano de carreira, cargos e salários (PCCS). “O PCCS, que era aplicado
igualmente a todas as empresas do grupo Telebrás era inadequado a um centro de pesquisas,
além de ser autoritário e obsoleto. As regras para avaliações, preenchimento de cargos e
ascensão, por exemplo, não eram objetivas e não havia relações entre as suas diversas
partes” (SINTPQ, 2010). Devido a inexistência de um espaço em que pudesse discutir
propostas políticas destinadas ao setor de telecomunicações, esses dois problemas foram
considerados o princípio para a fundação da Associação dos Funcionários do CPqD (AFCPQD).
No entanto, a AFCPqD não conseguiu resolver os problemas do plano de carreira do
Centro de Pesquisa, pois, as pautas dos trabalhadores eram ignoradas e a associação não
conseguia desempenhar uma força política necessária para as negociações. Com o corte de
10% do pessoal das empresas públicas e de economia mista no governo Collor, os
trabalhadores se mobilizaram para iniciar o processo da criação de um sindicato próprio e
direcionado a área de Ciência de Tecnologia. A criação do SinTPq foi realizada de forma
“clandestina” pois a direção do CPqD “não deixava dúvidas que os envolvidos em tal
processo poderiam sofrer uma decisão sumária”, ou, em outras palavras: o desligamento do
trabalhador envolvido (SINTPQ, 2010). O Sindicato dos Trabalhadores em Ciência e
Tecnologia de São José dos Campos (o SINDC&T) foi um dos principais sindicatos a
fornecerem material para a base da constituição do novo sindicato, que realizou a sua primeira
mobilização intitulada “Ato em defesa do CPqD e das atividades de P&D no Brasil”, com 700
trabalhadores, em novembro de 1990.47 Até os últimos anos, embora tenha um contexto de
criação atribulado, o SinTPq é hoje uma das principais agentes das reivindicações dos
trabalhadores do CPqD e de mais 29 empresas bases afiliadas.
De acordo com os últimos levantamentos realizados pelo sindicato, embora o quadro
de funcionários tenha aumentado no início de 2010, houve mudanças significativas quanto ao
perfil dos trabalhadores e o processo de demissões dentro do Centro de pesquisa nos últimos
anos. A criação de “autônomos”, nesse período, foi considerada uma das formas mais comuns
de terceirização dentro do Centro de pesquisa, que consistia na seguinte prática: os
trabalhadores demitidos eram recontratados como consultores, retirando do trabalhador seu

47
Sobre as represálias da empresa contra os trabalhadores, o SinTPq ainda ressalta que “Demoraria apenas um
mês e meio para a diretoria do CPqD se manifestar. Em 2 de janeiro de 1991, o diretor-superintendente do
Centro demitiu sumariamente os sete diretores do SinTPq recém-eleitos. Desrespeitando a lei de estabilidade do
dirigente sindical, a direção demonstrou claramente a intenção de acabar com a entidade. Resistindo ao golpe
inicial, os diretores voltariam para a empresa em março de 1993 quando a Justiça do Trabalho determinou a
reintegração dos dirigentes” (SinTPq, 2010).
46
conhecimento daquela área ao mesmo tempo em que o afastava de seus direitos trabalhistas.
Essa prática, que remonta ao taylorismo, consiste na transferência e concentração do “saber-
fazer” do trabalhador para a gerência.
Além da alta rotatividade48 interna nas décadas de 1980 e de 1990, o CPqD passou
também por uma nova redefinição de objetivos internos, alinhando-se com a criação de
grupos de trabalhos terceirizados e de consultoria (MENARDI, 2000, p. 124; CAVALCANTE,

2006, p. 235-236). Em relação às mudanças internas do CPqD e a forma que isso afetou os
trabalhadores nesse período, dois trabalhadores explicam a relação entre a alteração do ritmo
de trabalho e a quantidade de trabalhadores no centro:

Quando foi privatizado, nós tínhamos, aqui no CPqD, algo em torno de 900 pessoas.
E hoje, nós temos algo em torno de 1000 e tantas pessoas. Portanto, não variou, até
aumentou um pouco da privatização pra cá. Porém, o trabalho a ser feito, aumentou
demais. Então, o que eu posso te dizer é que os projetos são mais apertados hoje.
Tanto de projetos que tem, tanto de pessoas que tem, é bem mais apertado.
Antigamente era mais... A produtividade era menor. Hoje a produtividade é maior. É
muito mais assim agressivo (ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Além dos atrasos dos repasses de verbas pela FUNTTEL, somadas ao não
cumprimento dos retornos financeiros do CPqD com empresas parceiras nos últimos anos,
entre eles as receitas de empresas do mercado Telecom, como as sócias PadTec, Cleartech,
Civicom, WXBR, Trópico e CPqD EUA, e as políticas de restrição orçamentária, esses são
elementos que indicaram uma crise político-administrativa dentro da fundação. Como
conseqüência, devido aos atrasos dos repasses internos, e suas políticas de reestruturações
internas, o CPqD perdeu gradualmente uma parte de seu potencial tecnológico e parou de
oferecer parte de seus salários diretos e indiretos, o que influenciou também a composição dos
trabalhadores dentro do Centro de pesquisa.

Porque o CPqD ele é muito procurado para as pessoas que acabam de se formar, é
um ambiente que você tem bastante desenvolvimento, então o pessoal acaba
procurando o CPqD para adquirir experiência. Contudo, o mercado acaba sendo
mais atraente para esse profissional, do ponto de vista do salário e todo o mais. O
CPqD está na média salarial, mas esse pessoal acaba conseguindo posições melhores
ou salários melhores aí no mercado externo, fora do CPqD (ENTREVISTA 2, setor de
P&D e TI).

48
Ao analisar os dados sobre a rotatividade de trabalhadores no Centro de pesquisa, Cavalcante apontou que
“Outra tendência que atesta os problemas enfrentados pelo CPqD é a alta rotatividade existente. Segundo
dados do SinTPq, cerca de 700 empregados deixaram o centro de 1998 a 2003, uma taxa altíssima tendo em
vista que o número total de trabalhadores nessa época variou de 850 a pouco mais de 1000” (Cavalcante, 2006,
p. 235).
47
Entre os atrasos de repasses mais emblemáticos, destaca-se a do ano de 2015, que
ocasionou a demissão do principal diretor do CPqD, o Hélio Graciosa49, após 38 anos à frente
da direção do Centro de pesquisa. Nesse sentido, a fundação continuou a adotar políticas de
reestruturação interna (QUEIROZ, 2015), mesmo em anos mais recentes, em decorrência do
processo de privatização. Em fevereiro de 2015, o SinTPq publicou em nota na sua página
oficial uma resposta às políticas de demissões50 que vinham se alongando desde início de
2010:

Para o SinTPq, a empresa alega que o motivo dos desligamentos são reestruturações
internas. Porém, as demissões, normalmente, atingem os trabalhadores mais antigos,
mostrando que na verdade sua intenção é trocar os trabalhadores mais experientes - e
com maiores salários - por trabalhadores que representem um custo menor (SINTPq
- Comunicação, 2015).

A relação entre o corte de custos e o enxugamento do quadro de trabalhadores ainda é


explicada pelo perfil do trabalhador atingido51 por essas demissões, conforme explica o
SinTPq:

Nas demissões ocorridas nos últimos dias fomos alertados de que as pessoas
desligadas são justamente as que realizavam deslocamentos constantes a trabalho.
Essa situação mostra uma face da empresa que desconhecíamos, já que estamos em
processo de negociação para o pagamento de deslocamentos fora do horário habitual
de trabalho (SINTPq – Comunicação, 2015).

Outro problema encontrado no Centro de pesquisa após a privatização foi o grande


número de trabalhadores terceirizados ou sob contratação na modalidade Pessoa jurídica (PJ).
Esta prática consiste em registrar o trabalhador como se fosse uma micro-empresa. Como
consequência, o CPqD passa a pagar menos impostos e encargos trabalhistas. Em 2009, o
SinTPq fez uma denúncia no ministério do trabalho sobre essas contratações vigentes, em que
dos 130 terceirizados, o CPqD primarizou 113 trabalhadores, com exceção da área de suporte
de TI.

49
Após a carta de demissão assinada por Hélio Graciosa, em que acusava o governo como o principal
responsável pela crise institucional da fundação, o antigo vice-presidente de Administração e Finanças da
entidade, Sebastião Sahão Junior, assumiu seu lugar na presidência da fundação.
50
Segundo dados do sindicato, enquanto os trabalhadores mais antigos da área de P&D estão enfrentando um
processo de afastamento e demissões, aproximadamente 75% da força de trabalho da fundação CPqD é
constituída plenamente ou parcialmente pelo setor de TI.
51
Em 2014, o SinTPq ainda relata que a empresa desligou uma trabalhadora em período de pré-aposentadoria,
infringindo a cláusula do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) assegurado pelo sindicato. Outros processos de
demissões foram realizados no mesmo ano, tendo por alvo trabalhadores com filhos recém-nascidos. O
descumprimento do acordo coletivo de trabalho em questão constitui-se por demissões internas realizadas sem a
tentativa de realocação do trabalhador em outros setores (SinTPq, 2015).
48
O que aconteceu, foi que o ministério público chamou as partes, discutiu e o CPqD
internalizou, ou seja, primarizou, 113 funcionários. Muitas dessas pessoas ainda
estão lá. Um grupo que ele não primarizou, foi o do pessoal de TI, na área de
suporte. Porque o CPqD falava “Não, é suporte, isso aí eu posso terceirizar”, e essas
pessoas continuam terceirizadas lá pela via Stefanini, uma empresa de outsourcing.
E essas pessoas, terceirizadas e PJs, que sobraram, ainda estão lá. E quem era os PJs
no CPqD? Que que aconteceu? Eram as pessoas antigas que se aposentavam ou
eram desligadas do CPqD, era uma fraude do CPqD, porque essas pessoas pediam
demissão, e se eu te mandar embora, eu não te contrato de volta. Ou seja: o CPqD
economizava multa, economizava várias coisas (ENTREVISTA 14, setor de P&D e
TI).

Embora haja elementos que apontem para uma “onda privatizante” do setor de
telecomunicações em diversos países e que demonstram uma conjuntura econômica-política
de concorrência entre as empresas de telequipamentos internacionalmente, a privatização não
ocasionou necessariamente nesses países, o desincentivo à pesquisa e tecnologia. Em outras
palavras, os países que passaram por políticas neoliberais, com incentivo à privatização,
mantiveram ainda assim uma postura protetora quanto ao setor e ao desenvolvimento
autônomo de tecnologia. No contexto brasileiro, contudo, verifica-se que a abertura
desestimulou a consolidação do setor de forma autônoma, na medida em que se aumentou a
dependência externa e se deu uma redução de investimentos nessa área (CAVALCANTE, 2006,
p. 230-236).
Comparando esse encadeamento de mudanças pelo qual passou o setor de
telecomunicações em relação ao histórico de outros setores nacionais, ao se analisar o
processo de reestruturação do setor de telecomunicações, Dantas qualifica que não somente os
déficits comerciais, mas também a perda de autonomia na produção de tecnologia própria
trouxe o setor de telecomunicações a um patamar de inferioridade qualitativa. É oportuna a
comparação com a indústria automobilística nacional, onde esses problemas se apresentam
em termos práticos, uma vez que a mesma é constituída por um cenário de dependência
externa e retrocesso tecnológico (DANTAS, 2002, p. 62-66). Iremos, no próximo capítulo,
analisar de que modo está organizado as condições de trabalho no Centro de pesquisa
atualmente.

49
II. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA FÁBRICA DE SOFTWARE

Nesse capítulo aprofundaremos os dados obtidos no decorrer desta pesquisa,


problematizando as etapas de produção encontradas nos setores de TI e de P&D. Este capítulo
encontra-se dividido em três partes. No primeiro item intitulado “A imaterialidade do
processo produtivo: a criação de softwares e hardwares” analisaremos como se constitui as
etapas de produção em ambos os setores. Embora o título deste item leve a compreensão de
que há um modelo dual de classificação, como se a mercadoria produzida fosse
necessariamente um software ou um hardware, compreendemos que a mercadoria nem
sempre se “encaixa” em uma dessas categorias, apresentando características muito
heterogêneas sob um leque variado de serviços e tecnologias não-físicas, e que iremos tratar
mais detidamente no decorrer deste capítulo.
Em um segundo momento, no item dois deste capítulo intitulado “A constituição de
projetos: as fases de elaboração e de tomada de decisões” analisaremos a principal forma de
vendas de mercadorias nesses dois setores: a entrega de “projetos”, e a prestação de contratos
de serviço, requisitado por uma empresa terceira.
O processo de produção outsourcing constitui-se por uma forma de terceirização
específica da área da tecnologia da informação, em que uma empresa solicita ao CPqD um
projeto detalhado sobre a produção de um determinado produto, além das condições e prazos
em que este produto deve ser produzido. Dessa forma, analisamos como é o início desse
processo até a entrega final do produto ao cliente, a partir das entrevistas realizadas em
campo, e de outras pesquisas realizadas sobre esse tema nesses setores.
Encerrando o capítulo, analisaremos no terceiro item, intitulado “Normas e padrão de
qualidade: a supervisão e a gerência do trabalho”, de que modo se organiza as auditorias de
qualidade desses setores e se estas são distintas das etapas de produção de outras mercadorias
físicas, análogas a produção de fábrica. Como consequência, também apresentaremos de que
modo se opera as principais avaliações sob as normas de qualidade e de que forma os
trabalhadores são avaliados e cobrados.
Segundo Sousa e Nascimento, os segmentos da indústria de software e de serviços do
setor de telecomunicações apresentaram uma convergência de campos de atuação cada vez
mais próximos desde a última década. Esta convergência foi analisada principalmente entre as
indústrias de telecomunicações e de TI (2012, p. 10-11). Apesar de apresentar classificações
de atividades econômicas distintas, é possível encontrar trabalhadores do setor de TI

50
empregados em quase todas as empresas de classificações de atividades econômicas. Isto
deve-se em contrapartida porque um fenômeno que vem se desenvolvendo nos últimos anos é
o de que mesmo nas empresas que trabalham com a produção de mercadorias físicas, ou seja,
na indústria, cada uma destas empresas possuem um departamento próprio voltado para o
desenvolvimento de tecnologias da informação.
Pautada na metodologia indicada por Sousa e Nascimento, nos utilizamos da segunda
versão da Classificação Nacional de Atividades Econômicas52 (CNAE), vigente desde 2002.
Nesse sentido, compreendemos que o sistema de telecomunicações é constituído por empresas
prestadoras de serviços na área de telecomunicações, que fabricam ou desenvolvem
equipamentos eletrônicos de comunicação, informática e componentes de aparelhos de áudio
e vídeo, ou ainda, de tecnologias relacionadas à fabricação desses aparelhos. Com a finalidade
de comparar estas informações empíricas com a de outros bancos de dados, excluímos
também de nossa análise as centrais de teleatendimento, com o objetivo de nos concentrarmos
na produção de mercadorias associadas à tecnologia.
Concentrada na seção “J. Informação e Comunicação”, e nas divisões “61.
Telecomunicações” e “62. Atividades dos Serviços de Tecnologia da informação” da CNAE
2.0, listamos a seguir algumas das principais atividades englobadas por esses dois setores nas
duas tabelas a seguir:

Tabela 4 - Atividades econômicas – Tecnologia da Informação (CNAE 2.0.)


SEÇÃO J INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Divisão 62 ATIVIDADES DOS SERVIÇOS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO


Grupo 620 ATIVIDADES DOS SERVIÇOS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

CÓDIGO CLASSES CNAE

6201-5 Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda


6202-3 Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis
6202-1 Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não-customizáveis
6204-0 Consultoria em tecnologia da informação

52
A Classificação Nacional de Atividades Econômicas tem por objetivo padronizar os códigos de atividades
econômicas no território nacional, por meio de uma tabela com descrições e números correspondentes. Esses
códigos são utilizados como critérios em diversos órgãos de administração tributária em território nacional.
51
6209-1 Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação

Fonte: CNAE 2.0. Disponível em: http://cnae.ibge.gov.br/?view=divisao&tipo=cnae&versao=9&divisao=62


Acesso em: 15 de abril de 2016.

Em segundo plano, temos também por base as atividades relacionadas ao setor de


telecomunicações, representado pela divisão de número 61, e por cinco subgrupos:

Tabela 5 - Atividades econômicas - Telecomunicações (CNAE 2.0.)


SEÇÃO J INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Divisão 61 TELECOMUNICAÇÕES
Grupo 620 ATIVIDADES DOS SERVIÇOS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

CÓDIGO CLASSES CNAE

611 Telecomunicações por fio


612 Telecomunicações sem fio
613 Telecomunicações por satélite
614 Operadoras de televisão por assinatura
619 Outras atividades de telecomunicações

Fonte: CNAE 2.0. Disponível em: http://cnae.ibge.gov.br/?view=divisao&tipo=cnae&versao=9&divisao=61


Acesso em: 15 de abril de 2016.

Podemos observar que a indústria que outrora foi considerada como componente do
setor de telecomunicações em território nacional, constituiu-se, em anos mais recentes, por
um complexo que englobou não somente operadoras de telefonia, mas competências
tecnológicas muito diversas, como a produção de hardware, software, firmware53, redes,
transmissão, fornecedores de equipamentos, internet, multimídia, fibra óptica, entre outras
especialidades. Devido a heterogeneidade de serviços e produtos produzidos por ambos os
setores, delimitar suas fronteiras é uma tarefa difícil, haja vista que o escopo de produção
desses setores não se limita somente a essas categorias, podendo ser vislumbrados em outras

53
Na área de eletrônica e computação, firmware é o conjunto de instruções operacionais programadas no
hardware de um equipamento eletrônico, e armazenado num circuito integrado (chip) de memória, no momento
da fabricação do componente.
52
atividades do CNAE 2.0, como os de equipamentos de informática, componentes eletrônicos,
acessórios para equipamentos de informática, microchips, semicondutores, e entre outras
modalidades de produção e fabricação. Com a finalidade de compreender como está
estruturada a organização do trabalho dentro destes setores, vamos analisar mais detidamente
as características desse tipo de produção a partir do próximo item.

2.1 Os trabalhadores dos setores de P&D e de TI

Até junho de 2015, o organograma do CPqD contava com sete diretorias principais: 1.
Diretoria de recursos humanos, 2. Diretoria de suporte à decisão e aplicações, 3. Diretoria
de soluções de negócios e operações, 4. Diretoria de redes convergentes, 5. Diretoria de
laboratórios e de infraestrutura de redes, 6. Diretoria de negócios e soluções de mercado e 7.
Diretoria de Gestão da Inovação.
Como indicamos anteriormente, embora o Centro de Pesquisa tenha se constituído na
área de P&D, após a privatização, além do processo de abertura do CPqD para o mercado
externo, é possível constatar também um processo de expansão dos postos de trabalho na área
de TI e a redução do contingente de trabalhadores no setor de P&D.
Sobre essa nova configuração do centro de pesquisa em anos recentes, um dos nossos
entrevistados explica o perfil destes trabalhadores demitidos:

Nós estamos com quadro de demissões. Tanto que estávamos com um quadro de
1400 funcionários ao final de 2013. Mas, nós podemos dizer o seguinte, a maioria
são pedidos de demissão. A empresa tem demitido gente? Tem. Qual o perfil que
tem demitido? Pessoas mais velhas de casa, com experiência e quando contrata, são
pessoas com menos experiência, com salários menores, agora, os que estão pedindo
demissão, são pessoas mais jovens. Esse pessoal que chega no mercado de trabalho
com até 30 ou 35 anos de idade. Esse é o perfil das pessoas que pedem demissão,
porque essas pessoas conseguem se realocar relativamente fácil no mercado de
trabalho [...] É, os mais novos, que se associam, são de TI. Até porque o setor de
P&D, não tem tantos funcionários novos na área. A rotatividade acontece mais na
área de TI. É um mercado mais aquecido também, entendeu? [...] O CPqD está
fazendo todo um processo de reestruturação. É uma empresa grande, com muitos
cargos gerenciais, muitas diretorias, tinham várias diretorias... Esse ano, já teve
junção de quatro diretorias. Quatro diretorias viraram duas, esse ano (ENTREVISTA
14, setor de P&D e TI).

Podemos constatar, por meio da pesquisa empírica, é que com a atual configuração do
Centro de Pesquisa, a divisão entre esses dois setores é desigual. Outra mudança significativa
desse período foi o investimento na produção de software desde a década de 1990 em
comparativo a produção de hardware.
53
Então, naquela época, nós tínhamos muito desenvolvimento de hardware. Tanto de
fibra óptica, centrais telefônicas, as analógicas, as digitais, tínhamos o cartão
telefônico indutivo, esses orelhões que usa o cartão, então, o CPqD tinha muito
trabalho de P&D. E na área de desenvolvimento de software, que fazia funcionar,
isso foi aprofundando cada vez mais na empresa. Então, nós tínhamos a área de
software e a área de hardware. [...] Agora com a privatização, nós temos a empresa
que comprava essa tecnologia. A Telebrás, empresa nacional, comprava tecnologia
nacional. [...] Ou seja, o CPqD começa a perder terreno. Então, essas empresas, elas
acabam privilegiando as tecnologias desenvolvidas nos seus países. O CPqD, a
partir dai, foca muito em desenvolvimento de software. Que é mais barato pra se
desenvolver, porque, você fazer hardware, tem que ser mais a longo prazo. Então o
CPqD concentrou muito em tarifação, em análise de rede, começou a vender
serviços pra essas empresas. Não vendia mais tecnologia, a tecnologia diminuiu
sensivelmente. [...] Então, o desenvolvimento, P&D, que você fala, hoje, está
resumido aí, a 25%, sendo otimista, do quadro dos funcionários do P&D.
(ENTREVISTA 14, setor de P&D e TI).

Segundo o último relatório, com dados socioeconômicos do CPqD, publicado em 2015


e com informações colhidas no decorrer do ano de 2014, sabemos que o Centro de pesquisa
contava com 1.274 trabalhadores. Acreditamos que o número total de trabalhadores no
período de 2016 é ainda mais reduzido, devido aos frequentes desligamentos que o Centro de
Pesquisa vem realizando, como relatado no item 1.3. desta dissertação.
Como podemos perceber através dessa fala, a distribuição entre os dois setores é
desigual dentro do Centro de pesquisa, com atual predominância na área de TI. Dentre as
estimativas apresentadas pelo SinTPq e das diretorias que o CPqD contém atualmente, os
trabalhadores do centro de Pesquisa estariam divididos, em aproximadamente 318
trabalhadores do setor de P&D e 956 trabalhadores do setor de TI. Essa divisão
desproporcional teria por finalidade “baratear” o custo da força de trabalho dentro do centro
de pesquisa e da própria produção, que hoje está centralizada na área de software. Um dos
principais motivadores dessa mudança deve-se às características que torna o software tão
rentável, que é o seu custo baixíssimo de reprodução.
Com a finalidade de analisar mais profundamente a relação entre esses dois setores,
realizamos entrevistas qualitativas com 14 trabalhadores de ambos os setores, e que ocupam
diferentes funções na linha de produção do Centro de pesquisa. Na tabela a seguir, é possível
distinguir de melhor forma a experiência desses trabalhadores, sua respectiva qualificação e o
seu setor de atuação.

54
Tabela 6 - Relação de funções e experiência dos entrevistados

Ord. Função Nº Setor Qualificação

1º Pesquisador Telecom 1 P&D Doutorado


2º Pesquisador Telecom 1 P&D e TI Mestrado
3º Pesquisador Plênior 1 P&D Mestrado
4º Engenheiro de Hardware 1 P&D Mestrado
5º Líder técnico de Hardware 1 P&D Mestrado
6º Arquiteto de software 1 P&D Mestrado
7º Consultoria 1 P&D e TI Graduação
8º Analista de sistemas 1 P&D Graduação
9º Analista de infraestrutura 1 TI Graduação
10º Analista de testes 1 TI Graduação
11º Analista de sistemas Jr. 1 TI Graduação
12º Consultor de tecnologia 1 TI Graduação incompleta
13º Engenheiro sênior 1 TI Graduação
14º Diretor sindical 1 P&D e TI Graduação

Total 14

Fonte: Pesquisa de campo (2015).

É importante constatar, a partir desta última tabela, que as funções citadas descrevem
não somente o cargo, mas a posição do trabalhador em determinado campo de atuação.
Trabalhadores que se encontram empregados no setor há pelo menos dois anos, podem ser
classificados como “Júnior”, e trabalhadores com experiência de dois a quatro anos de
atuação, podem ser classificados como “Líder”. Se ainda continuarem na área, poderão
avançar para as posições “Plênior” ou “Sênior”. Embora pareça uma trajetória retilínea, de
constante avanço do plano de carreira, nem sempre a mudança de posição segue o período
proposto, podendo ser mais rápida ou demorada, a depender do setor ou de quantas pessoas
trabalham na mesma equipe. Comumente, essa projeção é avaliada pelo tempo ativo na
empresa e na especialização apresentada pelo trabalhador de determinada área. Quanto mais
específico o conhecimento e a experiência destes trabalhadores, mais chances o mesmo tem
de obter uma posição elevada no setor.

55
Com a exceção da entrevista realizada no sindicato (SINTPQ), no decorrer desta
pesquisa entrevistamos, entre 2015 e 2016, apenas trabalhadores54 do CPqD. Outro aspecto
relevante que podemos apreender com base nesta última tabela é o setor de atuação de cada
trabalhador. Constatamos que é possível, para o trabalhador, desenvolver atividades tanto no
setor de TI quanto no de P&D, sem que a formação acadêmica se torne um fator limitante, a
depender de sua área de atuação.
No exemplo específico do setor de P&D, embora seus trabalhadores apresentem maior
qualificação, intitulados mestres e doutores, o setor pode ser dividido em duas áreas de
concentração, a saber: de “Pesquisa” (P), que pesquisam e publicam trabalhos com formato
mais acadêmico e apresentam os resultados de suas pesquisas em congressos nacionais e
internacionais, e de “Desenvolvimento” (D), que são os trabalhadores que estão inseridos no
desenvolvimento de hardware e software aplicado à produção de protótipos industriais, e que
tem como objetivo a produção, por outras empresas, na indústria. Nesse sentido, a divisão
entre as duas áreas de P&D em diferentes momentos se auto-complementam, tendo diálogo
com uma linha de produção voltada para o mercado.
As funções e as atividades exercidas em cada cargo também podem ser
complementadas pela descrição sumária contida na Classificação Brasileira de Ocupações
(CBO). Pautada nos padrões internacionais de classificação e orientada pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), a CBO é uma referência utilizada pelo Ministério do
Trabalho e Emprego que possibilita o cruzamento de dados da Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS), do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) e do
Rainsmigra.
Abaixo, segue as principais ocupações encontradas entre os trabalhadores
entrevistados e suas respectivas funções:

Tabela 7 - Relação de ocupações e descrição sumária (CBO)


Código Ocupação Descrição sumária

2032-15 Pesquisador de engenharia Participam na elaboração de projetos de telecomunicação;


elétrica e eletrônica instalam, testam e realizam manutenções preventiva e corretiva
de sistemas de telecomunicações. Supervisionam tecnicamente

54
O objetivo de especificar as funções e os cargos que encontramos no decorrer da pesquisa sobre a produção de
software e hardware é compreender, a partir da pesquisa empírica, de que modo se configura a linha de
montagem dos produtos tidos como não-físicos. Contudo, compreendemos que os trabalhadores de ambos os
setores estão submetidos a uma condição de assalariamento, e da venda da sua força de trabalho, não existindo, a
priori, diferenças entre os postos de alto escalão e daqueles de chão de fábrica, por exemplo.
56
processos e serviços de telecomunicações. reparam equipamentos
e prestam assistência técnica aos clientes; ministram
treinamentos, treinam equipes de trabalho e elaboram
documentação técnica.
2122-05 Engenheiro de softwares Projetam soluções em tecnologia da informação, identificando
computacionais problemas e oportunidades, criando protótipos, validando novas
tecnologias e projetando aplicativos em linguagem de baixo,
médio e alto nível. Implementam soluções em tecnologia da
informação, gerenciam ambientes operacionais, elaboram
documentação, fornecem suporte técnico e organizam
treinamentos a usuários.
2122-05 Engenheiro de sistemas Similar ao anterior (ênfase em sistemas computacionais-
computacionais-aplicativos aplicativos)
2122-10 Engenheiro de sistemas Similar ao anterior (ênfase em sistemas computacionais-
computacionais- equipamentos)
equipamentos
2122-10 Engenheiro de hardware Similar ao anterior (ênfase em hardware computacional)
computacional
2122-15 Engenheiro de software Similar ao anterior (ênfase de software computacional básico)
computacional básico
2124-15 Analista de sistemas de Desenvolvem e implantam sistemas informatizados
automação dimensionando requisitos e funcionalidade dos sistemas,
especificando sua arquitetura, escolhendo ferramentas de
desenvolvimento, especificando programas, codificando
aplicativos. Administram ambiente informatizado, prestam
suporte técnico ao cliente, elaboram documentação técnica.
Estabelecem padrões, coordenam projetos, oferecem soluções
para ambientes informatizados e pesquisam tecnologias em
informática.
2124-05 Analista de sistemas Similar ao anterior (ênfase em informática)
(informática)
2124-05 Analista de sistemas para Similar ao anterior (ênfase em sistemas para internet)
internet
2124-05 Analista de sistemas web Similar ao anterior (ênfase em sistemas web)
(webmaster)
2124-05 Consultor de tecnologia da Similar ao anterior (ênfase em consultoria)
informação
2124-20 Analista de suporte Similar ao anterior (ênfase em suporte computacional)
computacional
2124-20 Analista de suporte de banco Similar ao anterior (ênfase em suporte de banco de dados)
de dados
2124-20 Analista de suporte de Similar ao anterior (ênfase em suporte de sistema)
sistema
2143-50 Engenheiro de sistemas de Executam serviços elétricos, eletrônicos e de telecomunicações,
comunicação analisando propostas técnicas, instalando, configurando e
inspecionando sistemas e equipamentos, executando testes e
ensaios. Projetam, planejam e especificam sistemas e
equipamentos elétricos, eletrônicos e de telecomunicações e

57
elaboram sua documentação técnica; coordenam
empreendimentos e estudam processos elétricos, eletrônicos e de
telecomunicações

2612-15 Analista de informações Disponibilizam informação em qualquer suporte; gerenciam


(pesquisador de informações unidades como bibliotecas, centros de documentação, centros de
de rede) informação e correlatos, além de redes e sistemas de informação.
Tratam tecnicamente e desenvolvem recursos informacionais;
disseminam informação com o objetivo de facilitar o acesso e
geração do conhecimento; desenvolvem estudos e pesquisas;
realizam difusão cultural; desenvolvem ações educativas. Podem
prestar serviços de assessoria e consultoria.

Fonte: CBO (2015).

Como podemos constatar nesta tabela, as ocupações e as descrições sumárias


apresentadas pela CBO indicam uma grande heterogeneidade de funções e atividades
executadas por esse grupo de trabalhadores. Embora o leque de funções seja vasto, elas
podem variar conforme o tempo de experiência no cargo, ocasionando uma definição padrão
de funções que por vezes não corresponde com os dados empíricos apresentados.
Para exemplificarmos essa questão de melhor forma, iremos primeiramente analisar o
conceito de “fábrica de software” e suas características produtivas, para voltarmos ao tema
das funções e cargos encontrados posteriormente.

2.2 A imaterialidade do processo produtivo: a criação de softwares e hardwares

Como já mencionado anteriormente, uma elemento importante que ocorreu nas


últimas décadas foi a expansão dos modos de produção taylorista, fordista e toyotista, para
outros setores além da indústria automobilística e da produção de bens de consumo duráveis.
Nesse sentido, pressupomos durante nossa pesquisa que a típica divisão taylorista entre
concepção e execução de atividades, assim como a esteira da produção fordista55, e a
constituição de grupos (células) de produção toyotista, apenas para citarmos algumas das
principais características desenvolvidas por esses tipos de produção, não se restringiram as
fábricas de produção física, mas, poderiam ser encontradas em outros setores, como no

55
Criado por Henry Ford (1863-1947), o sistema fordista continha um elaborado sistema de linha de montagem,
de modo que o trabalhador não precisava se deslocar do seu posto de trabalho para buscar peças, como era no
sistema artesanal. Como conseqüência, a peça vinha “ao encontro” do trabalhador, realizando o menor número
de movimentos possíveis.

58
trabalho de escritório, nos bancos e nos setores administrativos. A reestruturação produtiva e
micro-robótica iniciada na década de 1970 e que ganhou amplitude no século XXI,
demonstrou aspectos econômico-produtivos e organizacionais em inúmeros setores
tecnológicos, o que indicou uma nova divisão social do trabalho, segundo Tenório e Valle
(2014):

Passadas já algumas décadas desde os anos 1970, esse processo de mudança


continua no inicio do século XXI, atingindo simultaneamente aspectos técnicos,
econômico-financeiros, organizacionais e de relações sociais nos mais diferentes
setores produtivos (agrícola, industrial ou de serviço, público ou privado),
promovendo uma nova divisão social do trabalho. Essa divisão, engendrada pelo
conjunto da tecnologia da informação (TI) – hardware e software -, tem
protagonizado o significado de fábrica de software (TENÓRIO; VALLE, 2014, p. 45).

Nesse sentido, se esta expansão atingiu setores diversos desde a década de 1970, é de
se supor que a indústria de software também contenha características dessa forma de
organização do trabalho. O conceito “fábrica de software”, segundo as próprias palavras de
Tenório e Valle (2014), “é uma metáfora” que compara a produção de software com a de
qualquer outro produto físico, identificando suas etapas de produção, permitindo prever os
prazos acordados de entrega do produto pelas empresas de software e um processo de
produção sistematizado. Embora a influência do processo de produção fordista tenha se
expandido e apresentado particularidades regionais nos países em que foi implantado, um
elemento comum pode ser destacado nesse modo de produção: a esteira de produção ou a
linha de montagem, considerado a principal ferramenta organizacional do trabalho desse
sistema.
Uma questão importante, e que delimita o diferencial das mercadorias não-físicas, é a
de como se organiza a linha de produção na fábrica de software. Um novo conceito, ainda
mais específico, surgiu ao final da década de 1990 para designar a ordem da produção dentro
dessas fábricas. Intitulado “Software Product Line” (SPL), seu principal objetivo foi o de criar
uma manufatura de software em moldes similares a uma linha de montagem (FERNANDES,
TEIXEIRA, 2004, p. 24).
Diferentemente de uma fábrica comum, em que as posições físicas dos trabalhadores
são bem demarcadas por suas funções, com trabalhadores uniformizados e ritmo de trabalho
cronometrado visualmente, na fábrica de software, como explica Tenório e Valle (2014, p. 45-
46), os trabalhadores estão dispostos em seus computadores, com a utilização de ambientes
virtuais. Consequentemente, equipes inteiras são formadas por esses ambientes, separadas por

59
divisórias físicas simples e instaladas entre as escrivaninhas e os computadores. As funções
desempenhadas e a supervisão do ritmo de trabalho não é mais cronometrada visualmente,
pois, tecnicamente, todos os trabalhadores estão exercendo a mesma função: escrevendo
códigos em seus computadores, pesquisando, ou produzindo novas informações no
desenvolvimento do produto. Nesse sentido, “a esteira de produção” é supervisionada tanto
por programas que medem o tempo de trabalho nos ambientes virtuais, quanto pelos prazos
acordados com o cliente e que estão inseridos dentro do projeto de execução do serviço
prestado.
Ao visitar uma fábrica de software, não vamos encontrar trabalhadores
uniformizados operando maquinários ruidosos, nem esteiras pelas quais se vê
circular o produto inacabado em seus diversos estágios de produção. Não vamos
identificar tampouco um supervisor circulando pelas estações de trabalho para
verificar a produtividade de cada um dos empregados ou de um grupo deles. Ao
contrário, de modo geral vamos nos deparar com um salão silencioso, subdividido
por divisórias que delimitam o espaço de pequenos grupos de empregados, e na
mesa de cada um deles existe um computador no qual estão trabalhando (TENÓRIO;
VALLE, 2014, p. 46).

A desvinculação dos postos físicos de trabalho com a organização das funções da


equipe não é o único fator distintivo nesse modelo de “fábrica”. Pequenas equipes podem
trabalhar concomitantemente sob uma determinada etapa do produto, ou grupos podem ser
feitos e desfeitos conforme o andamento do trabalho. Dependendo da complexidade do código
produzido, a supervisão do trabalho gerado pode ser feita pelos líderes da equipe ou por
outros softwares de forma mecânica.

Como já observado, em uma fábrica de software não encontraremos a figura do


tradicional trabalhador fabril, uniformizado geralmente com macacão azul; na
realidade, encontraremos o “colarinho branco” trabalhando em equipe e não em
linhas de produção. As equipes que trabalham nas fábricas de software atuam em
espaços delimitados por divisórias, nas quais cada membro da equipe desenvolve
suas atividades em um computador [...] O tamanho e/ou os integrantes desses grupos
variam ao longo do processo de desenvolvimento de um produto (software), e tal
modo de operar é um fator decisivo para que a planta física da fábrica não esteja
atrelada à estrutura formal da organização. Isso ocorre porque a tecnologia
empregada permite que o funcionário continue instalado na mesma mesa quando
instado a trabalhar em outro grupo ou software. Dado esse processo de organização
da produção, dificilmente se consegue identificar como estão estruturadas as
equipes, qual delas atua em que etapa, quais seriam essas etapas, ou qual o papel de
cada empregado no processo, uma vez que todos parecem fazer a mesma coisa, isto
é, observar a tela e/ou digitar o teclado do computador. Virtualmente, porém, estão
presentes tanto a “esteira de produção” quanto a figura do “capataz” (TENÓRIO;
VALLE, 2014, p. 58).

Por fim, cabe ainda ressaltar que a rígida distinção hierárquica da fábrica fordista com
o chão de fábrica e os uniformes distintivos de uma fábrica padrão existem dentro da fábrica
60
de software. Contudo, os dispositivos que definem a quantidade do trabalho e quem o fará,
delimitando, portanto, a divisão do trabalho, está presente como em qualquer outro tipo de
fábrica, mesmo que esses dispositivos pareçam à primeira vista não estar presentes.
Entre uma das particularidades apresentadas por esse tipo de produção, segundo
Vivacqua (2009), é a de que ela pode apresentar duas metodologias fundamentalmente: uma
metodologia tradicional e outra metodologia ágil. A metodologia tradicional pressupõe um
ciclo de funcionamento em cascata, prevendo uma execução sequencial com atividades de
análise, projeto, codificação e testes. Nesse sentido, segundo essa metodologia, um projeto só
pode ser iniciado quando encerrada a conclusão de análise, a codificação só é elaborada
quando finalizado o projeto, e assim, todas as etapas restantes só iniciam quando terminada a
etapa anterior. O problema apresentado por essa metodologia é o seu formato enrijecido, que
demora a apresentar resultados e atrasos na detecção de erros (VIVACQUA, 2009, p. 45-46).
Em resposta a metodologia anterior, a metodologia ágil propõe ciclos interativos, em
que as atividades de análise, projeto e codificação podem ser realizadas de forma combinada,
de modo que uma determinada etapa do produto pode retornar a etapa anterior, sem atrasar a
entrega do produto, pois, a etapa seguinte já estaria sendo realizada por outra equipe de
trabalho, incorporando mais facilmente as mudanças requisitadas. O rompimento com a
linearidade da produção faz com que o ciclo do processo seja mais rápido, e os defeitos,
quando apresentados, sejam corrigidos mais rapidamente.
As características dessa metodologia puderam ser vislumbradas na pesquisa de campo
quando perguntamos aos entrevistados tanto sobre as etapas da produção de software como as
de hardware:

Na área de Hardware, como é muito mais voltada para o produto, é necessário se


relacionar com o pessoal de pesquisa, e com o pessoal comercial. Porque o pessoal
comercial vai dar, para gente, diretrizes e premissas de um tipo de produto que eles
querem no mercado, o pessoal de pesquisa vai dar um feedback se é viável, ou não,
esse tipo de produto, e a gente simplesmente pega toda essa realidade, pesquisas e
dados, e gera um produto factível para o mercado. A gente gera, então, protótipos
pré-industriais, e desses protótipos pré-industriais a gente faz as transferências para
as empresas (ENTREVISTA 5, setor de P&D).

Contudo, outro aspecto importante é sobre como as equipes estão organizadas nessa
linha de produção. Devido ao dinamismo desses setores, as formas de produção se alteram
também rapidamente. Encontramos alguns relatos na pesquisa de campo que indicaram essas
informações, tanto com trabalhadores de P&D, quanto na área de TI, em que

61
Mudanças dos anos 2000 para cá: As equipes... As equipes antigamente eram
maiores. Mesmo software, as equipes eram muito maiores. Eram da ordem de três
vezes maiores, e eram dedicadas... Hoje, no CPqD, nós usamos uma locação
matricial, e as equipes são bem menores, porém mais dinâmicas (ENTREVISTA 6,
setor de P&D).

Sim, a cada dois ou três anos, mais ou menos isso, há alguma modificação na forma
de trabalho na área, seja na atualização do software, ou no tipo de monitoria.
(ENTREVISTA 9, setor de TI).

Nesse sentido, é possível visualizar duas características importantes do processo


produtivo toyotista nesses relatos56: a organização da produção por meio de pequenos grupos
de trabalho (células) em que trabalhadores interagem simultaneamente com um mesmo
produto, e o rompimento da sequência unidimensional da produção, de modo que o produto
pode seguir trajetórias complexas até chegar ao seu acabamento final.
Sobre a organização da produção no CPqD:

Geralmente, são grupos. Para mim é passado ‘tarefas’, onde dentro dessas tarefas
nós dividimos em grupos, onde a gente vê que algumas pessoas tem mais facilidade
pra determinadas atividades do que outras pessoas Então a gente tenta pegar e
expandir um pouco mais isso e fazer com que haja uma produtividade maior do
desenvolvimento (ENTREVISTA 5, setor de P&D).

Estão organizadas por etapas do desenvolvimento de software. São equipes


pequenas, então uns trabalham na etapa preparatória, outra no código, e por aí vai.
Depois tem uma reunião meio que de alinhamento, e depois uma monitoria em que
temos feedback de como o trabalho está sendo produzido (ENTREVISTA 8, setor de
P&D).

Destacamos ainda que esse tipo de metodologia é uma adequação recente: até meados
das décadas de 1960 e 1970, o detalhamento de tarefas requisitadas pelo analista de sistemas,
poderia se resumir a uma descrição sumária ou um fluxograma simples, dependendo,
portanto, do programador interpretar, codificar e adequar uma solução sobre as instruções
repassadas, a sua maneira. Com os novos tipos de programação top-down57, e os métodos em
cascata, os programas começaram a apresentar mais maleabilidade no momento de serem
redigidos e alterados (WARNIER, 1986 [1981] p. 85-92).
A reprodução do software é realizada de forma coordenada pois é necessário produzir
apenas um único produto que servirá de matriz para todas as outras cópias.

56
Coriat sintetiza o sistema toyotista pela expressão “pensar pelo avesso”, pois, ao contrário do sistema
taylorista-fordista, que inicia seu processo de produção sequencialmente, o modelo toyotista pressupõe que o
produto já se encontra vendido, partindo do final do processo de fabricação (1994 [1991], p. 53-62).
57
Criado na década de 1970 por funcionários da IBM, Top-down é uma forma de programação que o design se
inicia com especificação das peças mais complexas, dividindo-a em partes menores.
62
Consequentemente, o tempo necessário para a produção de um novo software é descartada,
haja vista que o mesmo produto pode ser reproduzido diversas vezes a partir de uma
mercadoria matriz. Embora este produto não precise de investimentos para sua reprodução, é
importante notar que dependendo do contrato SLA elaborado entre a empresa prestadora de
serviços e o cliente, ela pode prestar consultoria e serviços por meio de uma equipe de
manutenção, além de atualização do produto em prazos estipulados pelo contrato. Outro
aspecto relevante é a participação do cliente no processo de produção. O produto
especificado, caso não supra as necessidades requeridas pelo cliente, poderá retornar a linha
de produção após sua finalização, sofrendo novas alterações a cada novo “feedback” do
cliente. Nesse sentido, outra área que ganha destaque é o setor de consultoria. Destacamos
abaixo um fragmento de um entrevistado, em que explica como funciona a área de consultoria
no setor de P&D, e qual é seu modus operandis.

Nós estamos numa área de consultoria, então, temos solicitação de serviços, e ás


vezes nosso trabalho tem uma proximidade com a modalidade pré-venda. Quando o
produto é aprovado, nós o desenvolvemos. Normalmente, conforme é desenrolado o
processo da consultoria, nós configuramos uma equipe de duas, três ou cinco
pessoas, com uma segmentação por área de conhecimento. Então, por exemplo, eu
estou numa determinada área de sistemas de gestão e de gerência. Essa é uma parte
que a gente chama de ‘empreendimento’, que é aquilo que a gente pega lá no
mercado e oferece ao cliente. Tem uma área que faz isso. Eles vão nos dar possíveis
clientes, ofertam os produtos de consultoria, normalmente quando é aprovado, aí
passamos a executar esse trabalho (ENTREVISTA 8, setor de P&D).

Segundo Fernandes e Teixeira, os “reparos” que frequentemente são requisitados na


produção de software, são realizados, geralmente, através da aplicação de métricas e aplicados
em dois níveis: a melhoria reativa e a melhoria proativa.

A melhoria reativa ocorre quando há variação nos resultados esperados do processo,


por exemplo: variação nos padrões de qualidade do produto, entrega do software no
prazo, variação no custo etc. A melhoria contínua é incessante e sistematizada,
visando, de forma permanente, eliminar causas de variabilidade e comuns ao
processo de produção. [...] A melhoria proativa ocorre quando os requisitos do
cliente mudam radicalmente, ou quando se prevê uma mudança radical no mercado.
Nesse caso, pode ser requerida da operação uma mudança radical na tecnologia do
produto e do processo, via práticas de reengenharia ou de pesquisa e
desenvolvimento (FERNANDES & TEIXEIRA, 2004, p. 65).

Cabe destacar ainda que esse processo só é possível devido as características da


produção de software. Por sua natureza não-física, ela permite a descentralização de tarefas,
com a execução de atividades em ambientes virtuais. O ciclo de desenvolvimento do software
fica armazenado em servidores de desenvolvimento, separados conforme a sua etapa no

63
processo de produção: um ambiente de testes, em que o software pode ser submetido a
avaliações, um ambiente de desenvolvimento, onde o software pode ser guardado enquanto
são desenvolvidos, e um ambiente de homologação, onde os produtos já prontos podem ser
submetidos à aprovação do cliente (TENÓRIO; VALLE, 2014, p. 59).
Exemplificando como essa forma de trabalho se alterou da década de 1990 até os
últimos anos, também temos esse relato de um dos nossos entrevistados, em que em vez de
deslocar pessoas fisicamente, hoje, eles podem se encontrar por audioconferência, ou em salas
virtuais.

Antes você tinha que deslocar gente. Ah não, tem que ir lá, tem que fazer
apresentação. Ou então “tem que discutir algum assunto”. Dá para fazer via vídeo,
via áudio, via videoconferência. Video eu usei bastante ano passado, mas era um
projeto de outra distribuidora elétrica. [...] O normal nas reuniões mais freqüentes, o
formato mais freqüente é o audioconferência. Os projetos aqui, quando tem reunião,
no geral, tem reuniões semanais. E aí temos várias idéias, o que chamamos de salas
virtuais, que são quando reservamos a sessão e que aparece lá como ‘sala virtual’.
Ali você reserva um período, tem o número da sala e uma senha, que é divulgado
para os clientes. Todos se conectam e ficam na sala, não é necessário sair para
localidade alguma. Eventualmente, hoje não se faz dessa maneira, nos reunimos em
uma sala, pegamos uma com o cliente, porque conseguimos colocar uma conversa
em paralelo, esse tipo de coisa, sobre o andamento do projeto, por exemplo. Tem
uma diferença grande (ENTREVISTA 7, setor de P&D e TI).

Como podemos observar, esse processo de produção exige retorno constante do


cliente, tornando-o uma componente ativa durante todo o processo. Algumas das
consequências dessa organização do trabalho é o controle do trabalho intensivo, que requer
que o trabalhador se adeque as coordenadas impostas tanto pela gerência quanto do cliente,
muitas vezes em prazos curtos e com grande frequência de variação. Ao mesmo tempo, por se
tratar de um trabalho em equipe, o trabalhador é submetido a uma rotina de alinhamento com
os outros trabalhadores da equipe, em que envolve atividades rotineiras com a empresa. Nesse
sentido, para cobrir os prazos acordados, são estabelecidas metas diárias ou semanais,
variando conforme a qualidade e a quantidade de trabalho requisitado pelo projeto, como
indica os trabalhadores de ambos os setores.

Tem metas. Basicamente são separadas em equipes, então, temos a equipe de


desenvolvimento, a engenharia, que é quem especifica, a equipe de testes e assim
por diante. O que existe dentro da nossa equipe de desenvolvimento, chamamos de
metodologia-zoide. Então são técnicas de desenvolvimento em par, em trio...
Reuniões para discussão de código, de processo, assim por diante. Mas, em geral, a
atividade é solitária (ENTREVISTA 8, setor de P&D).

64
Quando a equipe é maior, no geral tem uma reunião, que se discute. Inclusive,
dentro dessas metodologias que eu comentei, um dos processos definidos é a reunião
“daily” que é a reunião diária, onde cada um apresenta seus problemas. “Olha, teve
um problema aqui, tem que ajudar” e assim por diante. No nosso caso, a equipe de
desenvolvedores é um pouco menor. [...] Quando são coisas mais determinantes do
projeto, que envolvem a equipe como um todo, por exemplo, de entrega “Tô
atrasado e não vou conseguir entregar”, aí fazemos, até uns meses atrás, mais
freqüentemente, uma reunião de área, com toda a equipe, para alinhar (ENTREVISTA
8, setor de P&D).

A metodologia indicada por esse trabalhador explicita, mais uma vez, como o trabalho
em pequenas células de produção está presente nesse ambiente, lembrando as práticas
toyotistas de produção.
Contudo, segundo Nascimento; Behr e Bianco (2007, p. 9), ao realizar uma pesquisa
empírica no setor financeiro e com o objetivo de compreender de que forma as células de
trabalho organizam esse ambiente, apesar do conceito de células de trabalho apresentar como
origem o processo de produção toyotista, é possível também relacionar esse elemento aos
princípios do taylorismo, pautado na especialização do trabalho. Ou, ainda em outras
palavras, o trabalhador, quando executa somente as tarefas relacionadas a sua área de atuação,
pode não estar “conectado” com as atividades restantes da célula, indicando,
concomitantemente, um tipo de especialização desse trabalhador. No próximo item
analisaremos mais detalhadamente de que modo se opera as fases de confecção da produção
desses dois setores e de tomada de decisões.

2.3 A constituição de projetos: as fases de elaboração e de tomada de decisões

Para compreendermos como se desenvolve a demanda de projetos e a elaboração de


softwares, analisaremos nesse item quais fases constituem a elaboração dos projetos.
Compreendemos no item anterior que a principal mercadoria comercializada dentro da
“fábrica de software” é acordada por meio de um projeto.
A primeira etapa para constituição de um vínculo de projeto entre a empresa
prestadora de serviços e a empresa cliente, é a criação de um contrato de trabalho com o
cliente. Segundo Muncinelli (2012), o conceito Service Level Agreement (SLA) é um acordo
de nível de serviço entre um fornecedor de serviços e um cliente, em que especifica em quais
termos será fornecido os serviços para o cliente. Esse acordo de nível de serviço pode ser
considerado como um contrato, que garante níveis específicos de desempenho, custos, e as
condições de entrega. O SLA foi amplamente utilizado no setor de telecomunicações e de
65
tecnologias da informação. Criado na década de 1990, inicialmente, sua utilização ficou
concentrada em ambientes computacionais, com a finalidade de gerenciar a qualidade do
serviço prestado.
Em síntese, a contratação de serviços, definido pelo SLA e o projeto apresentado pelo
cliente, são partes determinantes para a produção do setor, o que influencia na quantidade e na
qualidade do serviço exigido dos trabalhadores. Essa constatação também pode ser encontrada
em alguns momentos das falas dos trabalhadores.

Independentemente da crise, independente do projeto, para fazer com que a roda da


inovação do CPqD rodasse58 a gente teve que desenvolver muito mais produtos do
que pesquisa, então isso fez com que nossa área de desenvolvimento, que antes era
de Hardware e eram 4 pessoas, por exemplo, hoje essa área de desenvolvimento está
com dez pessoas. Lógico que se você olhar ao longo do tempo isso não é muita
coisa. Não se fala “nossa”, não é um absurdo de pessoas que aumentou. Mas, se
você for colocar em contrapartida a quantidade de projetos que aumentou... Com o
grupo, com a crise, onde teve muitos outros fatores, problemas de Funttel, dos
fundos do CPqD, foi uma área que cresceu muito para conseguir poder dar o retorno
esperado (ENTREVISTA 5, setor de P&D).

Como já indicamos anteriormente, o CPqD passou por uma reestruturação de


diretrizes internas, que consistiu em uma maior abertura para o mercado.
Dessa forma, o Centro de pesquisa investiu na demanda de infra-estrutura e na
heterogeneidade de produtos desenvolvidos por ambos os setores.

Nós desenvolvíamos apenas amplificadores e desenvolvíamos RDMs59 muito


simples. Hoje, além de uma gama absurda de amplificadores e RDMs, a gente
consegue fazer a parte aqui de dentro, de transmissores, de receptores, de partes
coerentes, que antes a gente não tinha isso voltado para parte de tecnologia.
(ENTREVISTA 5, setor de P&D).

Além da qualificação constante, com a finalidade de acompanhar as tarefas


empreendidas pelo projeto desenvolvido em sua área, foi possível, no decorrer da pesquisa
empírica, identificar duplas funções quanto a execução do trabalho, em que além das provas
de qualificação on-line, o trabalhador em época de maior fluxo de projetos também ficava

58
“A roda da inovação do CPqD”, que é citada na fala desse trabalhador, trata-se de valores básicos da cultura
do CPqD. Esse termo aparece em diversos materiais do CPqD, ao descrever o papel da fundação: “Para que um
país seja grande, é necessário que a roda da inovação – pesquisa-desenvolvimento-mercado – gire cada vez
mais e que sua capacidade de transformar conhecimento em riqueza gere benefícios para toda a sociedade”
(Violato; Romano et all, 2009, p. 3).
59
Da sigla inglesa “Relational database management system”, em português, faz referência a um sistema
gerenciador de banco de dados relacional.
66
encarregado de realizar treinamentos com os novos trabalhadores do setor e “dísponível” on-
line, no caso de videoconferências e de reuniões de alinhamento com a equipe.

Hoje o programa de qualificação e treinamento é on-line. Então, você tem uma


prova, tem todo o processo documentado, mas quando foi implantado isso, nós
tivemos treinamentos e várias provas, e elas eram mensais. Agora tá bem mais
trivial, agora tá bem mais... Quando a gente pega um novo funcionário, pelo menos
pra mim, a gente vai tirando a dúvida, mas o processo já existe, e ele já se engaja. ‘O
que tem que fazer?’, ah ‘Você tem que fazer isso, isso e isso” pra estar dentro do
processo (ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Segundo Braunert (2012, p. 81), uma prática comum existente no setor de TI é o das
equipes serem realocadas conforme a necessidade do projeto, podendo variar conforme a
dificuldade, tamanho e prazo acordado com o cliente. Nesse sentido, e se tratando de uma
produção não-física, um problema se apresenta em relação ao trabalho desse setor: como é
realizada a média ou é medida a produtividade do trabalho? E como é possível medir o tempo
necessário para a produção e efetivação de cada projeto? De modo a responder essas duas
questões, a principal forma de medir a produtividade nesse setor é a utilização de “métricas”,
realizadas principalmente por programas específicos de software, em que é possível saber
quantas horas o analista de programa precisou para produzir uma determinada quantidade de
códigos. Como consequência, a partir desse primeiro cálculo, é possível saber quantos
funcionários serão delegados para aquela função e, por fim, quantos trabalhadores seriam
também necessários para adequar a viabilidade daquele projeto.

E eles especificam, e é documentado, e fica pra mim o documento dizendo o que é


determinada aplicação deve fazer, ou, o que é a nova funcionalidade que
determinada aplicação deve fazer. Ou ainda, ‘é o processo X que deve ser
implementado’, então, é um conjunto de instrução, que é o resultado de um estudo
de um determinado problema, que chega pra mim. E aí disso, eu efetuo a codificação
em alguma linguagem, e passo pra teste, que é uma outra parte do processo. Então,
eu atuo nessa vertente mais de produção de códigos (ENTREVISTA 8, setor de P&D).

Até a entrega do produto estipulado pelo cliente, pode ocorrer uma variação do ritmo
de trabalho, a depender das fases que são necessárias para a finalização do produto. Após essa
fase, o produto é encaminhado para o arquiteto de software, desenhado, e depois,
desenvolvido pela equipe. Durante a pesquisa de campo foi possível distinguir relatos que
indicaram também como esse trabalho exige uma alta capacidade criativa dos trabalhadores,
no sentido de criar soluções para os problemas apontados pelo cliente.

67
Hoje nós temos uma parte da gerência que só faz controle do projeto, só faz a
coordenação [...] No início não tínhamos isso. Agora nós temos uma gerência que só
faz isso. Só controla contratos, só controla as equipes, controla a locação, e os
custos. Eles têm todo esse controle nosso. Só que acontece o seguinte, tem um
porém. É que alguns softwares são extremamente complexos. Não dá para ser
monitorado. Às vezes, não tem solução. E a gente é que acha uma solução
alternativa, e a solução nasce ali. Então, nem sempre o que parece ser ruim lá, pode
ser considerado como ruim. Pode ser considerado como uma inovação, uma
oportunidade. Não é trivial! (ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Há também, nesses setores, diferentes ritmos de trabalho, conforme o produto


estipulado dentro do projeto. É o que indica esse outro trabalhador:

Tudo depende da parceria que está o seu projeto. Eu já tive videoconferências


absurdamente tardes, principalmente pelo problema do fuso horário. Eu já tive que
ficar dois meses fora por conta do fuso horário e por conta do projeto (ENTREVISTA
5, setor de P&D).

A alta freqüência de implementações técnico-produtivas são comuns nessa área.


Devido a um grande leque de programas e tipos de codificações que são lançados no mercado
a cada semana, o setor acaba exigindo constante atualização e treinamento do trabalhador,
requisitando qualificação constante e acompanhamento das últimas implementações
tecnológicas. Esses novos dispositivos refletem também uma cobrança maior por parte do
cliente, em que as ferramentas disponibilizadas permitem um alto grau de personalização do
pedido, além de novas formas de controle da produção e de acompanhamento.
Perguntado sobre as principais diferenças desse tipo de produção há alguns anos atrás,
e como ela é efetivada agora, um dos nossos entrevistados explica que:

Há outras formas. Hoje são formas muito mais baratas. Do ponto de vista
tecnológico, tem uma infinidade de coisas e novidades. Isso traz impacto na
demanda do cliente. Eles podem falar ‘Não, eu quero isso e tal’. Já há muito tempo
atrás era: ‘Eu só quero receber um SMS quando tiver uma falha em tal situação’
Mas aí, o que aconteceu: a própria empresa não tinha um contato corporativo. Cada
funcionário tinha o seu, excetuando a gerência. Aí você fala: ‘Mas então, como é
que vocês fizeram...?’. Eles pediram: ‘Ah não, você tem que mandar para vários’.
Nessa situação, você tem que dar uma solução tecnológica para conseguir que as
pessoas recebam a sua mensagem. Isso é comum, né? No meio dessa área de
operação, de empresa e de gestão, você recebe notificações, em situações no dia-a-
dia. Sei lá, por exemplo: ‘Equipamento tal está caído...’. Isso já faz um tempinho,
usar algo via SMS, né? Hoje não, hoje tem um funcionário, um cliente no sistema,
no celular, então ele consegue acessar o sistema, pelo celular, ou de casa. Mas isso
são recursos tecnológicos que acabam gerando novas demandas dos clientes
(ENTREVISTA 7, setor de P&D e TI).

O aspecto ressaltado por esse entrevistado é uma característica evidenciada em outras


entrevistas também: a de como o trabalhador, tanto do setor de TI quanto do setor de P&D,

68
precisa dar soluções tecnológicas conforme a demanda do cliente e da empresa, algo que era
impensável a uma década atrás, por exemplo. Nesse sentido, evidenciamos que as novas
tecnologias acabam também demandando um nível maior de trabalho desses funcionários, na
medida em que fornecem ferramentas mais eficazes e detalhadas e ao mesmo tempo cria
novas necessidades por parte do coordenador do projeto e do cliente.
Devido aos prazos e a rotatividade das equipes, um aspecto é cobrado
fundamentalmente pelo cliente: a qualidade do produto. Embora tenhamos visto nesse item
que os setores de P&D e TI operam em lógicas similares de projetos, veremos no próximo
item que esses dois setores são controlados de formas distintas, observando também de que
modo está configurada a relação entre trabalhadores e a gerência do trabalho.

2.4 Normas e padrões de qualidade: a supervisão e a gerência do trabalho

Nesse item temos como objetivo resgatar o conceito de gerência e da supervisão do


trabalho, aliado ao padrão de qualidade exigida por ambos os setores (P&D e TI). Mas, antes
de adentrarmos na análise desses conceitos, iniciaremos pelos principais pressupostos da
noção de gerência científica de Taylor, para então problematizarmos as principais
características da gerência na contemporaneidade. Temos como objetivo, com essa
comparação, evidenciar quais aspectos ainda permanecem no controle exercido pela gerência
na fábrica de software.
No século XX, diversas formas de organização do trabalho exaltaram a função da
gerência no local de trabalho e sua importância na divisão de funções e da coordenação de
tarefas na linha de produção. Segundo Braverman, nenhuma outra pessoa definiu tão bem o
objetivo da gerência quanto os princípios da gerência de Frederick Taylor. Com o surgimento
do fordismo e do toyotismo, Braverman argumenta que houve a falsa concepção que o
taylorismo estava obsoleto, tese que ele refuta, pois

É impossível superestimar a importância do movimento da gerência científica no


modelamento da empresa moderna e, de fato, de todas as instituições da sociedade
capitalista que executam processos de trabalho.
A noção popular de que o taylorismo foi ‘superado’ por escolas posteriores de
psicologia industrial ou ‘relações humanas’, que ele ‘fracassou’ – por causa do
amadorismo de Taylor e suas opiniões ingênuas sobre a motivação humana ou
porque provocou uma tempestade de oposição ao trabalho ou devido a que Taylor e
vários sucessores jogavam trabalhadores, uns contra os outros e às vezes, gerências
também – ou que está ‘fora de moda’, porque certas categorias tayloristas, como
chefia funcional ou seus esquemas de prêmio incentivo, foram descartadas por
métodos mais requintados: tudo isso representa lamentável má interpretação da

69
verdadeira dinâmica do desenvolvimento da gerência (BRAVERMAN, 1980 [1974], p.
83).

Em síntese, antes de Taylor, admitia-se que a gerência tinha por função controlar o
plano de trabalho e a forma que ele deve ser executado. Contudo, esse controle muitas vezes
significava a limitação de tarefas, com pouca interferência em como elas deveriam ser
realizadas pelo trabalhador. No taylorismo, essa forma de organizar as atividades sofreu uma
transformação sensível, tornando-se um empreendimento em que não somente objetiva o
controle do modo de fazer, mas, efetuasse o acompanhamento da execução de todo o trabalho,
seja ele uma tarefa simples ou uma atividade mais complexa.
Outro aspecto importante é a relação do controle das tarefas no taylorismo aliado à
implementação tecnológica. Ainda segundo Braverman, Taylor não estava interessado, no
início, com a reestruturação produtiva via aparato tecnológico, e a aplicação direta desta na
organização do trabalho, como aconteceu com a expansão do fordismo. Sua principal
preocupação centralizava-se no conhecimento técnico e no correto manejo das ferramentas de
trabalho, com o intento de sistematizá-las e classificá-las. Uma consequência direta desse
princípio foi a separação completa entre a execução e a concepção do trabalho, de modo que a
“ciência do trabalho”, segundo Taylor, nunca deve ser desenvolvida pelo trabalhador, e sim
pela gerência, de modo a assegurar o barateamento da força de trabalho, sob a forma de
funções simplificadas de serem seguidas.

Logicamente, o taylorismo pertence à cadeia de desenvolvimento dos métodos e


organização do trabalho e não ao desenvolvimento da tecnologia, no qual seu papel
foi mínimo. A gerência científica, como é chamada, significa um empenho no
sentido de aplicar os métodos da ciência aos complexos e crescentes do controle do
trabalho nas empresas capitalistas em rápida expansão. [...]
N.T: É importante apreender esta questão, porque dela decorre a aplicação universal
do taylorismo ao trabalho em suas várias formas e estágios de desenvolvimento, seja
qual for a natureza da tecnologia empregada (BRAVERMAN, 1980 [1974], p. 82).

É importante destacar que esse controle rígido do trabalho visa a qualidade da


mercadoria produzida. Com a reestruturação produtiva, informacional e tecnológica iniciada a
partir da década de 1970 nos países centrais, a tecnologia tornou-se um elemento cada vez
mais ativo no controle da produção. No caso específico da nossa pesquisa empírica, a
utilização de softwares que controlam o tempo de produção e a quantidade de códigos
produzidos, foram as principais formas de controle utilizadas para planejar a demanda e os
prazos de entregas nos setores de P&D e de TI. Desse modo, não apenas a tecnologia, mas a

70
combinação entre os softwares e os ambientes virtuais que cronometram e quantificam as
linhas de códigos produzidas, são elementos essenciais para informar a gerência o quanto é
produzido e em que ritmo é realizado pelos próprios trabalhadores.
Vimos no item anterior uma conseqüência importante no setor de P&D e de TI: a
predominância tecnológica mesmo em atividades básicas da jornada de trabalho. Devido a
reestruturação recente destes setores no contexto brasileiro, compreendemos que essas
formas de controle do trabalho ainda não apresentam um padrão uniforme e sistemático de
produção. Exemplificando esse argumento, conforme pesquisa realizada em 2008 com 61
empresas brasileiras e com principal concentração nos estados de São Paulo e Minas Gerais, a
pesquisa concluiu que 43% dos projetos realizados pelo setor de TI eram mal sucedidos em
sua execução, ou só obtinham "sucesso parcial" em sua entrega60 (RIBEIRO; PRADO;

ARCHIBALD, 2011, p. 24). Entre os elementos mais recorrentes que influenciavam na execução
mal sucedida e na entrega dos resultados, destacam-se as estimativas mal definidas, os
objetivos do projeto não concebíveis com os dados e equipamentos físicos não disponíveis, e
as recorrentes exigências e obrigatoriedades comerciais (CHARETTE, 2005, p. 43-44).
Se à primeira vista parece que a “desregulamentação” experienciada nos projetos
desses setores poderiam beneficiar os trabalhadores com prazos mais flexíveis, a prática tem
demonstrado o contrário: segundo outra pesquisa, realizada no Reino Unido em 2014 e 2015
pela empresa GFI Software, aproximadamente 79% dos administradores de TI pensam em
deixar seus empregos61 por conta do alto nível de stress, sendo que em 2014 o número de
trabalhadores descontentes com o setor representavam em torno de 53% (GFI SOFTWARE,

2015).
O principal responsável pelo andamento dos projetos é o gerente de projetos, que
estabelece métricas para a avaliação dos mesmos e a estrutura das equipes. No decorrer desta
pesquisa empírica nos utilizamos das entrevistas dos trabalhadores dos setores de P&D e TI e
que abordam como é a relação entre o setor e os supervisores do trabalho. Pensando na

60
O The Standish Group publica a cada dois anos uma pesquisa chamada Chaos Report, que indica o percentual
de projetos, na área de TI, que alcançaram sucesso, déficit, ou fracasso, no momento de entrega do produto
estipulado. O relatório de 2014, que contou com 365 entrevistados de diferentes países do mundo, indicou que
apenas 39% dos projetos de TI no mundo obtiveram sucesso na entrega de seus projetos (Relatório The Standish
Group Report, 2014 p. 4).
61
Segundo Mangia e Joia (2015, p. 541), a migração dos profissionais de Tecnologia da Informação (TI) para
outras áreas é um fenômeno que tem se tornado cada vez mais frequente. O fenômeno intitulado "Turnaway" foi
identificado entre trabalhadores que possuem formação na área de TI e que “migraram” para outros setores.
Como principais motivos desse processo de migração destacam-se: a exaustão do trabalho desta área e a
necessidade constante de adquirir novas experiências profissionais e a cobrança constante para manter um
currículo atrativo para o mercado.
71
quantidade de requisitos que é sobreposta nos trabalhadores desse setor, problematizamos de
que modo estas influenciam as condições de trabalho dos mesmos.
A principal característica distintiva que encontramos no CPqD em relação as outras
empresas, e que se apresenta nos dois setores, é entre os postos de gestor e coordenador do
projeto. No setor de P&D, mais especificamente, o coordenador tem o objetivo de viabilizar a
execução do projeto, planejando as atividades e montando a equipe que cuidará da realização
do projeto do início até o final.

Tem certas empresas que não separam esses dois papéis. Ele tem só o papel do
gestor ou do gerente do projeto. CPqD separa porque o coordenador técnico ele é...
Sempre é bom que ele tenha um conhecimento a mais na área do projeto, não precisa
ser o ‘superespecialista’, mas ele tem que ter um certo conhecimento e o gerente de
projeto, normalmente, por carreira, eles não são super conhecedores daquela área do
projeto. A carreira dele é fazer gestão no projeto. E aí, ao invés da gente ter líder,
técnico, a gente tem o ‘coordenador’ técnico do projeto. Aí o coordenador é o cara
que cuida da parte técnica do projeto. É ele que faz o planejamento das atividades,
junto com a equipe. Não é ele sozinho. Ele reúne a equipe. Não é 100% da equipe,
são os principais envolvidos em cada especialidade do projeto. Faz um projeto do
cronograma das atividades, aí aloca as pessoas. E ele faz todo o acompanhamento e
o direcionamento desde o início do projeto até o final do projeto. Então é ele que
cuida da parte técnica. E depois o gestor, ou, tem lugares que chama de gerente do
projeto, é que como aqui tem a figura do gerente, a gente não chama de gerente do
projeto para não confundir, então, se chama gestor (ENTREVISTA 2, setor de P&D e
TI).

Ou seja, para gerenciar a realização do projeto, o coordenador do projeto escolhe do


seu respectivo setor os trabalhadores com determinadas “especialidades” e que, segundo o
gestor, teria uma relação direta com os objetivos do projeto. Nesse sentido, nem todos os
trabalhadores do setor serão convocados para a reunião em que será discutida a viabilização
do mesmo. Desse modo, a decisão final de quem fará parte da equipe e de como será a
integração da mesma é repassada pelo gestor do projeto, e quem irá acompanhar o
desenvolvimento do projeto, é o gerente.
Já na área de TI, uma modalidade de monitoria e de controle do trabalho para a
efetivação do projeto, é a monitoria “360 graus”, conforme explica essa trabalhadora:

Há uma avaliação que chamamos de 360 graus, por que sou avaliada por
companheiros de equipe e superiores, e também faço a avaliação de outras pessoas
da equipe, meio que como feedback62, por exemplo. Essa é a mais comum
(ENTREVISTA 10, setor de TI).

62
“Feedback”, uma expressão da língua inglesa, significa uma “resposta” que resulta de uma avaliação.
72
O método de "avaliação de desempenho 360º graus" surgiu nas décadas de 1950 e
1960. Na prática, é uma forma difundida de avaliação do trabalhador, que consiste na coleta
de múltiplos questionários de desempenho, em que superiores, pares subordinados,
fornecedores, e clientes atribuem uma nota de avaliação para a tarefa executada. Com isso, a
pressão psicológica sobre o trabalhador aumenta na medida em que além das tarefas
designadas pelo projeto, há também a cobrança de diferentes atores no seu ambiente de
trabalho, somadas a uma avaliação de desempenho que ele também tem que elaborar sobre o
trabalho dos seus colegas.63
Quando voltamos a analisar a área de P&D, a principal conseqüência sobre a
“abertura” para o mercado foi a criação de uma gerência específica relacionada ao
desenvolvimento de produtos. Nesse sentido, sobre a qualidade requerida das mercadorias
produzidas pelo setor, são cobrados produtos mais finalizados e prontos para a venda no
mercado, algo que não era cobrado anteriormente, até o final da década de 1990, dos
trabalhadores, conforme explica esse trabalhador abaixo:

Nós criamos essa área em novembro de 2014, onde essa área chama-se “Gerência de
desenvolvimento de produtos”. Dentro dessa área de gerência de produtos a gente
teve que ter uma qualidade um pouquinho maior do que a gente fazia antes. Antes
nós fazíamos protótipos, onde apenas aprovava o conceito, e se virasse o produto,
nós refazíamos o projeto, e mandava para indústria. Ou, se fosse só uma prova de
conceito, a gente aqui faria ela, se não tivesse nenhum fim comercial, nós
arquivaríamos ela e futuramente a utilizaríamos. Hoje não, a gente tem dentro do
CPqD uma área onde nós criamos um processo de desenvolvimento de produto,
onde toda a parte de documentação é feita de acordo com a parte do ISO64, e com a
parte do desenvolvimento de qualidade do CPqD (ENTREVISTA 5, setor de P&D).

Devido à grande frequência e nível de exigência desses projetos, outro fator


importante que aumentou no setor de pesquisa é a cobrança em relação aos prazos de entrega,
conforme também destaca esse outro trabalhador

Em relação à quantidade e à densidade, a cobrança piorou. Não é porque as pessoas


não queiram as tarefas, até porque você só consegue cobrar se você tem como medir,

63
Segundo Silva; Gomes "o avaliado não recebe um feedback de uma única fonte, resultante de uma possível
observação tendenciosa ou equivocada. Na Avaliação 360 graus as observações podem ser feitas oralmente,
quando se trata de pequenos grupos, em uma reunião informal, convocada pela chefia imediata do avaliado ou
de um posto superior. Em se tratando de equipes de porte médio ou grande, as avaliações podem ser feitas
através de questionários a serem preenchidos manualmente ou, dependendo da natureza e do tamanho físico da
equipe, pode-se lançar mão de ferramentas da informática como programas informatizados de avaliação ou
outros que apresentem segurança e privacidade" (2014, p. 5). Essa modalidade de avaliação, em que é exercida
em pequenas células de trabalho, remonta mais uma vez às práticas toyotistas.
64
A sigla ISO significa “International Organization for Standardization”, uma entidade de padronização e
normatização de linguagem criada na Suiça, em 1947.
73
né? Se não tiver uma ferramenta de medição, você não consegue cobrar. Então,
assim, tem... É como o pessoal faz em Call Center. Na mesa de operação, os
supervisores sabem exatamente ali o quando você faz, ele tem uma estatística muito
precisa. E o que é isso? É ferramenta. Ah, eles são cobrados, e de certa maneira isso
sempre existiu, de algum jeito essas tarefas são repassadas e cobradas... Quero dizer,
os processos eram muito mais lentos, o ciclo e o tempo de medição e cobrança. O
tempo de medição era longo e a cobrança acabava não sendo tão efetiva... Hoje, não.
Acho que hoje somos mais cobrados, sim (ENTREVISTA 8, setor de P&D).

Enquanto no taylorismo o cronômetro das atividades era exposto com a ciência do


trabalhador, nesse exemplo anteriormente citado o cronômetro que mede quantas horas o
trabalhador precisou para realizar determinada atividade no sistema encontra-se “escondido”
no próprio computador. Desse modo, embora pareça, à primeira vista, que as formas de
controle do trabalho inexistam, a prática demonstra uma realidade mais cruel para os
trabalhadores desses setores, em que são monitorados 24 horas pela sua própria ferramenta de
trabalho.
Outro fator relevante é a busca intensiva por maior qualificação em ambos os setores.
Devido a crise orçamentária do Centro de pesquisa, as soluções adotadas para se alcançar a
qualificação requerida beiram a “improvisação” dos próprios trabalhadores. Em outras
palavras: trabalhadores que não possuem a função de realizar treinamentos são estimulados a
frequentar um curso de qualificação fora do CPqD e, quando ele retorna para o Centro de
pesquisa, este fica encarregado de repassar o treinamento para todos os outros trabalhadores
da sua equipe. Segundo a gerência do setor, a ausência de recursos impossibilitaria pagar o
curso de qualificação para todos os trabalhadores da equipe, como indica o relato desse outro
trabalhador:

Então, hoje, o que eu e meu gerente tentamos fazer: sobrou um dinheiro, teve um
dinheiro destinado para cursos, a gente separa, a gente tenta qualificar algumas
pessoas dentro desse grupo [...] E hoje a gente tem essa promessa, de com essa nova
gerência de tecnologia de produtos, a gente qualifica as pessoas para não mais
desenvolver protótipos, e sim produtos pré-industriais. Como a gente não pode
comercializar, a gente quer fazer algum produto, que chegue pra indústria e haja o
mínimo possível de re-desenvolvimento, o mínimo possível de testes e
gerenciamento para virar um produto comercial [...] O que eu tento fazer pelo grupo:
é pegar pessoas especializadas, nós temos eu, e mais uma pessoa, que foram fazer o
curso lá fora e nós demos o curso pra todas as pessoas que não tiveram essa
oportunidade. Nós pegamos toda essa parte do curso, nós sentamos, antes de dar o
curso pra eles, e fazemos aulas mesmo teóricas, e aulas práticas da nossa vivência
(ENTREVISTA 5, setor de P&D).

Outra questão relevante que podemos evidenciar nas entrevistas, é a dificuldade de


estabelecer parâmetros para a “progressão de carreira” ou “subir de cargo”. Embora em

74
diferentes momentos os entrevistados manifestem que o salário do CPqD não é alto, ou ainda
que “poderia ser melhor”, e que as vantagens que os mantém no CPqD são os salários
indiretos, como plano de saúde, plano odontológico, dentre outros benefícios e a importância
do nome da instituição CPqD dentro do mercado, a inexistência de um procedimento padrão
para estabelecer as promoções dos cargos dentro do Centro de pesquisa, demonstra uma
dificuldade dos trabalhadores chegarem aos cargos de coordenação. Essa é uma questão que
fica evidente em trechos das entrevistas realizadas em ambos os setores:

Eu acho que o plano de carreira poderia ser mais definido. Isso é uma coisa que me
incomoda um pouco. Poderia ser mais definido. Hoje é muito vago. [...] Existe. Mas
desde que eu cheguei aqui eu não vi funcionando... (ENTREVISTA 8, setor de P&D).

Não existia uma política de plano de carreira até o momento em que eu entrei na
empresa. Somente mudava o cargo caso tivesse uma promoção. Um ano depois,
começou a ter algumas promoções, mas ainda acho essa parte bem difícil
(ENTREVISTA 11, setor de TI).

Isso se deve em parte porque a mudança de cargo dentro do centro de pesquisa não
está vinculada diretamente à formação acadêmica do trabalhador. Isto quer dizer que se um
trabalhador consegue obter o título de mestre ou de doutor, a mudança na faixa salarial ou de
cargo não é realizada automaticamente. O único tipo de incentivo que o CPqD faz nesse
sentido é a liberação do trabalhador de um dia da semana, para o mesmo poder realizar
disciplinas e cumprir créditos dos programas de pós-graduação ou especialização. Dessa
forma, essa “liberação” ocorre em cursos específicos, estritamente relacionados ao que o
trabalhador desenvolve já na empresa.65

A carreira, ou a nossa carreira no CPqD, diferentemente das outras empresas, ela


não está muito atrelada a sua formação acadêmica. Para você obter, por exemplo,
um doutorado, você não vai mudar de nível. Que nem acontece em alguns lugares,
em que se é assistente, passa para pesquisador. Isso não acontece aqui. Mas existe
um incentivo a ter mestrado e doutorado. Qual é o incentivo? Por exemplo: o
pessoal aqui tem um dia por semana que eles podem fazer as matérias deles numa
escola, aqui na Unicamp, ou na USP, ou em São Carlos (ENTREVISTA 1, setor de
P&D).

65
Segundo Prado, um exemplo atual de subsunção contemporânea do trabalhador ao capital é a exigência do
aperfeiçoamento profissional. A empresa dispõe-se a investir na constituição de sua força de trabalho a partir de
variadas formas: palestras, cursos, treinamentos particulares, e em troca o trabalhador fica disponível para a
empresa nas áreas em que ela requisitar. Como consequência, essa força de trabalho que foi "aperfeiçoada" em
suas capacidades produtivas traz uma dupla vantagem para a empresa: primeiro, faz parecer que a concessão é
um benefício voluntário e em segundo, ele orienta a dedicação e os investimentos do trabalhador para além da
jornada de trabalho (2004, p. 51-53).
75
Como adiantamos anteriormente, além da qualificação profissional e acadêmica
requerida, uma parte importante do trabalho desses setores é a auditoria de qualidade,
conhecido também como o conjunto de modelos e normas de qualidade. Compreendemos que
essas normas têm o objetivo de padronizar a produção desse setor, de modo que os
supervisores conseguiriam acompanhar e monitorar o andamento do trabalho de forma mais
direta e precisa, segundo a finalidade da gerência.
Uma particularidade importante que encontramos na pesquisa de campo é a de que as
auditorias ocorrem de forma heterogênea nos dois setores. A diferença mais fundamental é a
de que os trabalhadores do setor de Pesquisa não são auditados pelos principais modelos
conhecidos de gestão de processo de software conhecidos, como o “Capability Maturity
Model” (CMM) e sua versão mais recente intitulada “Capability Maturity Model – Integration”
(CMMI).66 Esse aspecto é explicado por alguns dos trabalhadores que entrevistamos:

E aí é diferente, então, esse pessoal que presta esse tipo de serviço, tipo, vender
software, ficam presos nessa parte toda. De ISOs não sei o quê, 14 mil, tal, tal, tal.
Entende, a parte toda de qualidade. Então eles foram auditados, seguem todas
aquelas normas. Esse grupo, em particular, como faz pesquisa, nós não somos
auditados. Por que não prestamos serviços para terceiros. Por exemplo, o pessoal
que mede o celular... Eles são auditados. Tem que seguir todas as partes... Todas as
normas, tudo é isso ai... Meu grupo aqui, em particular, é diferente. Porque a gente
faz “pesquisa” (ENTREVISTA 1, setor de P&D).

O início dessas normas deu-se primeiramente com o surgimento e disseminação das


práticas de Gestão de Qualidade Total (Total Quality Management) na década de 1980 nos
EUA. A introdução dessas normas teve apoio direto do governo estadunidense e esteve
ancorado nos trabalhos de Watts Humphrey67, da Software Engineering Institute (SEI) da
Carnegie Mellon (University), e do qual nasceu a norma CMM, que é uma das principais
referências em gestão de processo de software (TENÓRIO e VALLE, 2012. p. 50).
Os modelos CMM e CMMI, segundo Maciel; Valls; Savoine (2011), tem por objetivo
apresentar métodos de avaliação e de organização de software, fornecendo um guia para as
empresas implementarem melhorias em sua produção, por meio de “níveis de maturidade”.
Esse modelo possui cinco “níveis de maturidade” e que apresentam metas de melhorias
intituladas: nível 1 - Inicial; nível 2 - Repetível; nível 3 - Definido; nível 4 - Gerenciado; nível
5 – Otimização. Cada meta de melhoria equivale a uma nota que vai de 0 a 5 e que indica qual

66
Devido ao grande número de normas nacionais e internacionais, iremos nos deter apenas sobre as principais
que encontramos no decorrer da pesquisa de campo.
67
Na década de 1960, Humphrey liderou a equipe de software da IBM que introduziu a primeira licença de
software. Ele também foi vice-presidente da IBM.
76
é a qualidade do software produzido. Nesse sentido, há uma avaliação realizada pela SEI, em
que as empresas produtoras de software têm um prazo para serem avaliadas, em intervalos de
a cada três anos, aproximadamente:

Nível 1 - Inicial: Pode-se desenvolver software de qualidade, de acordo com o


desempenho e capacidade da equipe, ou seja, é uma caixa preta onde apenas as
entradas e o produto final podem ser vistos claramente.
Nível 2 - Repetível: São estabelecidas políticas para gerenciar os projetos, bem
como procedimentos para implementá-los, onde a capacitação do processo é
melhorada, projeto a projeto com o estabelecimento de disciplinas de gerência de
processo, logo os métodos de gerenciamento são documentados e acompanhados.
Nível 3 - Definido: O processo de software para as atividades de gerenciamento e de
engenharia é documentado, padronizado e integrado em um processo padrão de
software para a organização.
Nível 4 - Gerenciado: A organização estabelece metas quantitativas de qualidade
para os produtos e para os processos de software, onde serão medidas a qualidade e
a produtividade para as atividades importantes. É possível prever o desempenho
dentro de limites quantitativos. Para este nível a capacitação para as organizações é
quantificável e previsível, pois o processo é medido e opera dentro de limites
aceitáveis.
Nível 5 - Otimização: A melhoria contínua do processo é feita através do feedback
quantitativos dos processos e das aplicações de novas ideias e tecnologias, seguindo
que as mudanças no próprio processo sejam regerenciadas de forma a não causarem
impacto na qualidade do produto final. (MACIEL; VALLS; SAVOINE, 2011, p. 7)

Segundo a Integrated System Diagnostics Brasil (ISD Brasil), os relatórios de perfil de


maturidade do mercado emitidos pelo SEI não contém menção dos nomes das empresas
avaliadas. Um estudo importante realizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia em 2006
indicou como se desenvolveu a quantidade de empresas que obtiveram as normas de
qualificação dentro do território nacional na última década, detalhadas pelos dois gráficos a
seguir:

77
Gráfico 2: Organizações com Qualificação CMM e CMMI no Brasil – 1997-2006

Fonte: Ministério da Ciência e da Tecnologia (2006).

Embora essa tabela pertença a um dos relatórios mais completos que encontramos
sobre o "estado da arte" do nível de maturação em CMM e CMMI em território nacional, é
importante ressaltar que a rapidez das mudanças tecnológicas faz com que essa tabela, de dez
anos atrás, tenha se tornado extremamente desatualizada no momento. Como o Ministério da
Ciências e Tecnologia ainda não publicou um novo mapeamento dos últimos dez anos, essa
tabela nos mostra como evoluiu, de certa forma, as qualificações das principais empresas de
software nacionais. Em anos recentes, até 2011, metade das principais empresas brasileiras
desse setor apresentavam certificações do nível 2, de um total de 122 empresas certificadas.
O CPqD encontra-se hoje com certificado CMMI nível 3 (ISD BRASIL, 2016; SEA,

2011). A procura do centro de pesquisa por se “enquadrar” nesse modelo de qualidade, acaba
tendo reflexo nos trabalhadores que atuam principalmente no setor de TI, como explica o
relato desse outro trabalhador.

Então, logo depois que o CPqD privatizou, ele implantou uma área de qualidade
mesmo e que cuidou de conseguir que a gente fosse certificada, conseguisse os
certificados de qualidade que são típicos de atuação do mercado. Como eu disse,
para a área de P&D em si, isso não é uma especificação. Eventualmente, há coisas
específicas para as áreas de P&D, do ponto de vista de certificações de qualidade.
Mas para as outras áreas que o CPqD atua é necessário, porque, as empresas que
contratam esses trabalhos exigem essas certificações. Então o CPqD buscou por
conta disso. Na área de software que está mais na área de TI, com Desenvolvimento
de software, nós temos o CMM e o CMMI, uma certificação específica para a área
de desenvolvimento de software (ENTREVISTA 2, setor de P&D e TI).

78
Quando indagamos os trabalhos, durante aas entrevistas realizadas, quais os principais
meios que o Centro de pesquisa se utiliza para alcançar os índices de qualidade requeridos,
houve diversos trabalhadores que fizeram menção sobre a necessidade de realizar provas on-
line e minicursos frequentes dentro da Polis (CIATEC). Indagado sobre com que frequência
essas avaliações são realizadas, e sobre quais programas de qualificação ele participou, um
dos trabalhadores responde que é normal a cada dois meses ter um tipo de prova ou avaliação
nessa área em que é necessária a participação.

Sim, participei de todos, e fiz todas as provas. Você tem que ser bem certificado e
apresentar as provas que você fez, para ter o CMM. Então, você sempre tem que
fazer a prova (ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Ao analisar esse conjunto de normas de qualidade focadas na produção de software,


para Tenório e Valle (2012, p. 51), o CMMI e o CMM são modelos que decompõe os
processos de trabalho de forma similar ao modelo fordista. Sua diferença residiria que no
modelo de trabalho fordista a qualidade do produto está ancorada na responsabilidade do
supervisor ou gerente, enquanto no CMMI ou CMM, o princípio é o de que cada empregado é
um responsável direto do produto.
Outra norma, muito citada durante as entrevistas, foram as da International
Organization for Standardization (ISO) e da International Electrotechnical Commission (IEC)
que tem por objetivo, segundo as duas organizações, criar uma padronização dos termos e dos
vocábulos da área, de modo a criar parâmetros para a realização da produção de software, do
início ao fim, e sua consequente manutenção. Não iremos entrar nos pormenores sobre cada
critério utilizado, mas, entre as normas mais conhecidas no mercado, podemos destacar as
“ISO/IEC 9126”, “ISO/IEC 12207”, “ISO/IEC 15504”, “ISO/IEC 9000-3” (MARQUES; SILVA,
2008, p. 3-8).
É importante notar que dentre as normas de qualidade anteriormente citadas, a única
que não é referenciada por nenhum dos entrevistados é o programa “Melhoria de Processo de
Software” (MPS.BR) desenvolvida pela Softex, órgão que foi criado na década de 1990 na
Telebrás e hoje atua em parceria com o Núcleo de Inteligência do Software Brasileiro (NISB) e
com diversas universidades e instâncias governamentais. Devido ao alto custo da
implementação do CMMI, o programa MPS.BR, desenvolvido em 2003, tem como seu
público alvo pequenas e médias empresas, mas também é utilizado por empresas de grande

79
porte. O programa tem como finalidade a manutenção e progressão qualitativa na produção de
software e conta com uma consultoria profissional da área (SOFTEX, 2015).
Por fim, nesse item, verificamos que há diversos mecanismos de cobrança sobre o
trabalho de P&D e de TI, principalmente no setor de TI e dos trabalhadores da área de
desenvolvimento. Embora os trabalhadores da área de pesquisa não tenham que lidar com
todas as normas de qualidade de software, o número cada vez mais reduzido de trabalhadores
do setor de P&D induzem a uma cobrança e ritmo de trabalho cada vez mais intensivo, pois a
quantidade de trabalho é exercida por um número de trabalhadores que vem se reduzindo
progressivamente. Iremos, a partir do próximo capítulo, analisar outras nuances desse tipo de
trabalho, tentando compreender de melhor forma a jornada e o tempo de trabalho e os dados
socioeconômicos dessa força de trabalho.

80
III. UMA “NOVA” FORÇA DE TRABALHO? O PERFIL DOS TRABALHADORES
DE P&D E DE TI NOS POSTOS DE ALTA TECNOLOGIA

Nesse capítulo, temos como objetivo analisar a força de trabalho dos setores de P&D e
TI. Esta análise terá como referência dados estatísticos sobre ambos os setores em empresas
do Estado de São Paulo, e a comparação com os dados empíricos obtidos no decorrer da
pesquisa de campo. O capítulo está dividido em duas partes. No primeiro item, intitulado “A
‘flexibilização’ da jornada de trabalho: as diferentes formas de contratação”, temos por
objetivo analisar de que modo é realizada a contratação da força de trabalho nestes dois
setores, e com que frequência há terceirização, banco de horas, home office, aliado ao
discurso de “jornada flexível” nos mesmos.
A partir dos anos 2000, é possível identificar um discurso sob os setores de maior
qualificação que identifica os trabalhadores dos setores de TI e P&D sob o nome de
“colaboradores”68, classificando-os como uma nova força de trabalho. Segundo Siqueira
(2004), desde a década de 1990 até o início dos anos 2000, a categoria conceitual de
“comprometimento organizacional” ganha cada vez mais espaço, tratando-se da ideia de
“vestir a camisa” da empresa sob uma ótica mais invasiva, ao expandir o período da jornada
de trabalho. Em resumo, a cobrança sob o trabalhador está em fazê-lo cumprir com
determinados valores que compõe a “cultura organizacional” da empresa, internalizando-os
como se estes fossem efetivamente seus. A demissão do trabalhador aparece como um
elemento de chantagem sob o mesmo: ou ele se compromete com a empresa, ou está demitido
(SIQUEIRA, 2004, p.7; 100-101).
Compreendemos que embora esses dois setores apresentem características próprias de
exigência de qualificação, organização e ritmo de trabalho, essa força de trabalho apresenta,

68
É importante destacar que esse discurso não afeta somente o setor de TI e de P&D, ele apresenta-se também
em diferentes setores como um discurso empresarial que objetiva o “comprometimento” do trabalhador.
Compreendemos também que esse argumento e tipo de persuasão realizada sob o trabalhador se apresenta desde
a época do fordismo, e que embora contenha métodos distintos, seus objetivos são similares. Segundo Siqueira
(2004), ao referir-se sobre o efeito desse discurso nos trabalhadores, o mesmo indica que “As organizações,
fazendo uso de múltiplos mecanismos tais como a gestão do afetivo, enfatizam de maneira continuada a
necessidade em se ter empregados talentosos, leais e comprometidos com os objetivos e com o crescimento da
empresa. Igualmente, o discurso da comunidade se confunde com o do comprometimento, pois procuram-se
indivíduos que estejam comprometidos com a organização e que sejam capazes de fazer parte de um “clube”, de
uma comunidade, a qual fortalece os laços afetivos entre os indivíduos que a compõem. Para tanto, as grandes
empresas fazem uso de mecanismos como a fascinação, a sedução e a servidão voluntária: o indivíduo acredita
que, participando da comunidade formada pelos membros da empresa, especialmente dos detentores do poder,
do sucesso, ele poderá ser enfim reconhecido e atingir o seu ideal de ego” (2004, p. 101).

81
de forma concomitante, características de precarização do trabalho que transparecem como
consequência da “flexibilização” e da “jornada enxuta”. Desse modo, podemos indicar
também que mesmo nos setores de alta qualificação, é possível vislumbrar efeitos de
precariedade.
Complementando a análise sobre as formas de contratação do trabalho no setor de TI e
de P&D, no item 3.2., intitulado "A jornada de trabalho enxuta: rumo a liberação do tempo
de trabalho?", problematizaremos a jornada de trabalho para além do local de trabalho. Um
dos principais exemplos contemporâneos desse tipo de jornada é o trabalho Home office que,
em uma tradução direta, faz referência ao “trabalho em casa”. Adiantando algumas das
conclusões a que chegamos, compreendemos que a jornada de trabalho Home office
intensifica uma forma de subsunção contemporânea do trabalho que desvincula o momento de
descanso do trabalhador com a da própria jornada de trabalho. A dissociação entre esses dois
períodos apresenta uma linha cada vez mais tênue, na medida em que os trabalhadores
precisam cada vez mais controlar assuntos da empresa fora do horário formal de trabalho.
Outro fator relevante depreendido no decorrer da pesquisa empírica é a
heterogeneidade do perfil dos trabalhadores do CPqD. Destacando algumas das características
principais desses dois setores por pesquisas estatísticas sobre os profissionais assalariados
com emprego formal em atividades de software e serviços de TI em São Paulo, o
Observatório SOFTEX indicou que durante o período de 2003 a 2010 os trabalhadores dessas
ocupações cresceram, em média, 13,3% ao ano, totalizando 156.418 trabalhadores só no ano
de 2010. Desse contingente de trabalhadores, ainda se constatou que profissionais como
engenheiros em computação; administradores de redes, sistemas e banco de dados; e analistas
de sistemas computacionais, passaram a superar numericamente os trabalhadores com
formação de técnicos e operadores.
Uma informação relevante também é o crescimento de profissionais em nível
gerencial, como diretores e gerentes de TI. No ano de 2009, 51% dos profissionais desse
segmento possuíam de 18 a 29 anos de idade. Dentro desse mesmo período, de 2003 a 2009, a
participação dos trabalhadores com nível de escolaridade superior incompleta praticamente
dobrou, representando 22% percentuais (MENDES; BERTONI; DUARTE, 2012, p. 284-291).
Complementando esses dados, outra característica significativa aparece em relação a
divisão de gênero dentro desses setores em que, tendo por base o levantamento
socioeconômico desses profissionais pela Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD),
além de uma pesquisa empírica com mulheres que trabalharam nesses setores, Castro (2013,

82
p. 2) indica que a participação feminina equivale a aproximadamente 20% percentuais do total
de profissionais que compõe o setor, indicando que o restante dos trabalhadores é um
contingente com predominância masculina e jovem.
Quando analisamos a força de trabalho efetiva do CPqD, tendo por base os dados
empíricos obtidos no último relatório anual publicado em 2015 pelo Centro de Pesquisa,
constatamos que aproximadamente 24% dos trabalhadores apresentam idade acima dos 45
anos, enquanto 25% desses trabalhadores são mulheres (CPqD, 2014, p. 20). Embora a
pesquisa de campo apresente apenas uma pequena amostragem, ela está alinhada com os
dados presentes no relatório anual do CPqD, indicando que essa força de trabalho é formada
predominantemente por homens e jovens. Contudo, quando analisamos a composição do
CPqD mais detidamente encontramos um perfil heterogêneo, que acreditamos que se deve,
pelo menos em parte, ao contexto histórico do próprio Centro de pesquisa, que acolheu um
número significativo de pesquisadores com idade mais avançada, e mais trabalhadoras.
Outra questão relevante é o discurso de “flexibilização” e o caráter “lúdico”69 presente
no ambiente das empresas de TI consideradas mais “jovens”. Essa distinção entre o público
jovem de outras empresas de TI do polo tecnológico e o perfil heterogêneo do próprio CPqD
também é notada por alguns trabalhadores, em que um entrevistado relata que

Então, assim, aqui o ambiente é legal. Mas já foi melhor? Já foi melhor. Claro, crises
e essa questão de sobrevivência acaba de alguma maneira degradando o ambiente.
Mas ainda assim, comparado com outros ambientes, eu acho que é um ambiente
bom. Talvez comparando com empresas mais novas, que tenha uma outra dinâmica,
filosofia, não sei se vocês tem conversado com outras empresas como Dextra,
CI&T... Hoje é... Foi Sexta-Feira, eu estava saindo, estava encostando um caminhão
da Dextra, pois ia ter um evento, alguma coisa lá deles, uns esquemas de happy
hour, não sei o que, bem legal. E assim, a gente, por ser uma empresa mais velha,
e acho que é até mais heterogêneo, o perfil. Assim, tem bastante gente mais
velha. Tem um pessoal mais novo, mas assim, o perfil, não é tão jovem como
uma empresa destas aí. Acho que aí tem uma dificuldade de conciliar os
interesses. Aqui é um pouco diferente70 (ENTREVISTA 7, setor de P&D e TI).

69
Segundo Americano, umas das empresas precursoras dos ambientes de trabalho “lúdico” do setor de TI no
Brasil é a própria Google, em que " Nos escritórios do Google no Brasil (em São Paulo e em Belo Horizonte),
mesas de pingue-pongue, videogames, pufes e redes de descanso dividem espaço com mesas, cadeiras e
computadores. Além disso, as baias de trabalho de cada um dos funcionários, inclusive a do presidente da
empresa, são decoradas individualmente, graças a uma verba de 100 dólares que os empregados recebem
quando entram na companhia” (Americano, 2010, p. 1).
70
O dado apresentado por esse trabalhador é muito importante. Enquanto a maioria das empresas da Polis,
apresentam trabalhadores jovens, em algumas entrevistas com funcionários antigos do CPqD é possível
vislumbrar um certo “saudosismo”, tanto em relação a termos materiais (salários diretos e indiretos), quanto em
termos de perfil da empresa, em que muitos não travam contato direto com o pessoal mais novo da empresa e do
setor de TI.
83
Um aspecto também relevante que identificamos é a de determinadas condutas
seguidas por empresas do pólo tecnológico e que não são seguidas ou encontram determinada
resistência pelo CPqD. Compreendemos que há, em certa medida, um conflito geracional no
polo tecnológico, como indica esse outro relato:

No nosso caso, pode até vir de bermuda.71 Foi depois, porque antes aqui era só
CPqD. Agora tem várias empresas aqui dentro, aqui é um campus, com várias
empresas. E aí, essas outras empresas, são empresas de software novas, um monte
de gente nova, como só tem gente nova, eles abriram isso, de todo o pessoal usar
bermuda. Ai não tinha como o CPqD não aderir, né? (risadas) Foi uma mudança
(ENTREVISTA 1, setor de P&D).

Não somente o conflito geracional torna-se uma característica relevante, mas também
o contexto de instabilidade dos atrasos dos repasses da FUNTTEL, que se repercute em uma
dinâmica própria de atraso tecnológico dentro do próprio Centro de Pesquisa. Isso nos faz
retomar a tese de Menardi sobre a “crise de identidade” que o próprio CPqD apresentaria,
como uma empresa de telecomunicações que investia em pesquisa e em projetos a longo
prazo, e no momento está direcionada para o setor de tecnologia da informação, endossando
características de ambos os momentos e indicando um contexto muito peculiar.
Por fim, temos por hipótese nesse capítulo que as mudanças na jornada de trabalho
realizadas a partir do final da década de 1990 e que teriam por objetivo “flexibilizar” as
condições desses trabalhadores, como a terceirização, o banco de horas e a jornada home
office, trazem importantes implicações quanto às condições de trabalho dentro do Centro de
Pesquisa. Com uma incursão sob quais são as formas predominantes de contratação desse tipo
de trabalho, problematizaremos essas características a partir do próximo item.

3.1 A “flexibilização” da jornada de trabalho: as diferentes formas de contratação

Nesse item, temos por objetivo analisar de que modo a força de trabalho dos setores de
P&D e de TI é contratada dentro do Centro de pesquisa. Vimos no início desse capítulo
algumas indicações importantes de como está configurado os setores de TI e de P&D.
Ancorada em uma análise conjuntural das formas de contratação de trabalho contemporâneas

71
O polo tecnológico da Ciatec apresenta determinadas condutas que são seguidas pelas empresas. Nesse caso,
no relato desse trabalhador, o mesmo informa uma norma que foi alterada recentemente no pólo, que é a
permissão para usar bermuda, um traje de roupa considerado mais “informal” para o ambiente de trabalho. O
CPqD aderiu a norma com certa resistência, incluindo-a para as suas instalações, mas, o trabalhador também
comentou que durante a realização das entrevistas se os funcionários viessem de bermuda, o gerente pedia para
não vir. O mesmo se aplica no caso de trabalhadores que recebem “clientes” de outras empresas.
84
e que se apresentam como “alternativas” ao do contrato CLT, temos por objetivo nesse item
averiguar de que modo estas influenciariam ou não a composição das condições de trabalho
nestes setores.
Para a realização dessa análise, o primeiro empecilho que encontramos no decorrer
desta pesquisa foi a ausência de pesquisas quantitativas realizadas por órgãos oficiais quanto
às formas de contratação do trabalho, com a exceção da CLT. Acreditamos que essa ausência
se deve a dois fatores principais. O primeiro, devido à recente configuração destas
contratações e, o segundo, devido ao caráter irregular destas contratações. Como veremos no
decorrer desse item, as contratações nas modalidades PJ, CLT Flex e terceirizadas, que
compreendemos como formas contemporâneas de precarização da força de trabalho,
encontram fraca sustentação jurídica, contudo, não tão fraca de modo a evitar sua expansão.
Em resumo, há um processo de expansão desses postos de trabalhos com contratações
“alternativas” a da CLT, e estas possuem irregularidades no pagamento de impostos e dos
direitos trabalhistas, mas, devido ao forte discurso de “flexibilização”, estas vem ganhando
cada vez mais presença em diversos postos de trabalhos. Analisaremos essas duas linhas de
argumentação no decorrer deste item.
Uma primeira informação relevante para compreendermos como se constitui a
distribuição e as formas de contratação do trabalho nos setores de P&D e TI, é averiguarmos
como se encontra distribuída a contratação do trabalho considerando os demais setores. Como
podemos averiguar na tabela abaixo, o crescimento do trabalho formal e sua relação com o
trabalho informal no contexto brasileiro apresenta dados atípicos quando confrontados com a
realidade empírica apresentada pelos países da Europa ocidental e EUA. Desde o final da
década de 1990 é possível indicar grandes percentuais de trabalhadores informais, e que
embora esses indicadores pareçam estar em decréscimo, esse contingente de trabalhadores
ainda é expressivo.

85
Tabela 8 – População ocupada de dez anos ou mais, por posição na ocupação – 2002-
2012

Posição 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Com carteira 43,7 42,3 43,9 46,4 48,4 52,0


Militares ou funcionários 11,2 10,4 10,7 10,3 10,5 10,6
públicos
Sem carteira 19,3 20,8 18,8 19,3 18,9 18,1
Por conta própria 4,9 5,0 5,1 4,6 4,3 4,2
Empregador 4,9 5,0 5,1 4,6 4,3 4,2
Sem remuneração 1,3 0,9 0,8 0,7 0,6 0,4

Fonte: Azevedo; Tonelli, 2014, p. 202.

Embora nos anos 2002-2012 a expansão do número de trabalhadores com carteira


assinada seja expressiva, como podemos constatar pela tabela acima, o percentual de
trabalhadores sem vínculo no mercado formal chega a alcançar aproximadamente 40%
percentuais do número total dos trabalhadores no mesmo período. Ressaltamos que este grupo
de trabalhadores não tem acesso a direitos básicos garantidos por lei e nem pela seguridade
social (AZEVEDO; TONELLI, 2014, p. 202).
No segundo mandato do presidente FHC, ao final da década de 1990, a legislação
trabalhista foi alterada com a justificativa de "flexibilizar" a jornada de trabalho. Os
defensores dessas medidas indicaram que a jornada de trabalho brasileira era arcaica e não
encontrava parâmetros de adequação em comparativo aos países da Europa ocidental e EUA.
Essas novas alterações, segundo esses teóricos, possibilitariam criar novas vagas no mercado
de trabalho e frear os níveis de desemprego. Já os críticos dessas novas implementações
indicaram que esse discurso de "flexibilização" acarretaria na precarização das condições de
trabalho e no aumento do lucro das empresas, sem obter efeitos diretos ou significativos sob a
criação e a expansão dos novos postos de trabalho. Entre as principais implementações desse
período, destaca-se o contrato por tempo determinado (Lei nº 9.601/98 e Decreto nº
2.400/98), o banco de horas (Decreto nº 2400/98) e a participação nos lucros e resultados (Lei
nº 10.101/2000) (IDEM, 2014, p. 203-204).
Uma hipótese que desenvolvemos é que enquanto os postos de trabalho no setor de
P&D estiveram ancorados, sobretudo, na dependência dos investimentos estatais, seja na
forma de bolsas ou convênios com universidades públicas, o setor de TI, mesmo que tenha

86
influência de investimentos estatais, os postos de trabalho dependem mais diretamente de
empresas privadas, o que poderia ser uma indicação de porque o fenômeno da “pejotização” 72
(aumento dos contratos na modalidade “Pessoa Jurídica”) e de formas não tradicionais de
contratação e organização do trabalho entre profissionais da Tecnologia da Informação
estejam em expansão.
Em pesquisa recente sobre as formas de contratações empregadas no setor de TI
realizada com uma amostra de 8.214 trabalhadores em 2004 e 11.102 trabalhadores em 2006,
nota-se que houve grande expansão da modalidade de contratação PJ (25%-23% percentuais)
e CLT Flex (7%), em comparação com contrato CLT (51%). Uma hipótese levantada pelos
autores da pesquisa é a de que o aceite desses tipos de contratações se deve, em grande parte,
a uma "prática que inclusive é ilegal, mas aceita por muitos profissionais por uma questão de
imposição do mercado" (FERNANDO; BATISTA; FIALA, 2008, p. 8).
Entre as principais características que distinguem os trabalhadores celetistas e os
trabalhadores contratados na modalidade PJ, é a de que nessa última modalidade os
trabalhadores não possuem a totalidade dos seus direitos trabalhistas assegurados, excluindo-
se a projeção do plano de carreira e apresentando ao trabalhador um contrato com prazos
iniciais e finais pré-determinados. Quando o contrato expira, o trabalhador tende a procurar
uma nova empresa. O principal motivo das empresas aderirem a este tipo de contratação é o
pagamento de impostos mais baixos quando comparados ao da contratação CLT (ORBEM,
2015, p. 70-73).
Na tabela a seguir, Azevedo e Tonelli (2014) resumem as formas de contratação
encontradas entre trabalhadores brasileiros com alta qualificação.

72
Em pesquisa divulgada no mês de setembro de 2016 pela organização Endeavor, constatou-se que
aproximadamente 23% das principais companhias nacionais do mercado de tecnologia da informação "preferem"
contratar trabalhadores na modalidade PJ (Business Consultoria Empresarial e T.I, 2016, p. 2).
87
Tabela 9 – Tipos de contrato de trabalho

Tipo de contrato Características do contrato

CLT Full73 O indivíduo é contratado por tempo indeterminado, com carteira assinada e todas
as garantias legais e benefícios assegurados pela CLT.
CLT Flex O indivíduo é contratado por tempo indeterminado, com carteira assinada e todas
as garantias legais e benefícios assegurados pela CLT, com parte do salário
registrada em carteira e parte recebida mediante emissão de nota fiscal de sua
pessoa jurídica.
Autônomo O indivíduo é contratado como autônomo, free-lancer, consultor, mantendo uma
relação individualizada com a empresa. Pode variar desde apoio administrativo até
especialista utilizado para aumentar o desempenho organizacional, não sendo
substituto para expertises regulares, pois atua mais pontualmente.
Pessoa jurídica O indivíduo constitui uma empresa individual (pessoa jurídica) e estabelece
contrato de prestação de serviço entre sua empresa e uma outra empresa.
Cooperado O indivíduo faz parte de uma associação autônoma de pessoas que se unem,
voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e
culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e
democraticamente gerida.
Terceirizado O indivíduo é funcionário de uma empresa e trabalha em outra empresa.
Quarteirizado O indivíduo é funcionário de uma empresa e trabalha para outra empresa que atua
como terceirizada em uma outra empresa.
Subcontratado O indivíduo é terceirizado e atua na empresa central em regime integral, parcial ou
flexível, sob a supervisão direta do gestor dessa empresa central, que define todos
os termos do contrato individual.
Trabalhador por tempo O indivíduo é contratado por um período determinado, com um contrato de
determinado trabalho com data de início e de fim, podendo abranger profissionais contratados
direta ou indiretamente pela empresa.

Fonte: Azevedo; Tonelli, 2014, p. 198-199.

Tendo em conta a ampliação do acesso aos computadores pessoais e a internet, o


crescimento de contratos de trabalho distintos ao do CLT, ou de ocupação autônoma, é um
fenômeno que vem sendo observado no setor de TI e em prestadores de serviços de
informática. Nesse sentido, pode-se constatar que o trabalho informal não se restringe apenas
às atividades de baixa qualificação ou de pouco prestígio social (BRIDI, 2014, p. 285).

73
Criada em 1943 durante a presidência de Getúlio Vargas, a CLT é a principal regulamentadora da legislação
trabalhista no Brasil. Sua contratação é assegurada pela carteira de trabalho, estabelecendo direitos e deveres dos
empregados e empregadores. O diferencial principal desse tipo de contratação reside nos benefícios assegurados,
como férias de 30 dias, décimo terceiro e adicional de um terço do salário no período de férias. Em resumo, ela é
conhecida como o “contrato formal” ou ainda como “contrato tradicional” de trabalho, em relação aos demais
tipos de contratação (Azevedo; Tonelli, 2014, p. 194).
88
Com a finalidade de compreender se esse conjunto de dados empíricos se adequam aos
apresentados pelo CPqD, analisamos os relatos obtidos no decorrer desta pesquisa sobre as
formas de contratação realizadas pelo Centro de pesquisa. Como indicamos anteriormente,
desde a criação do CPqD, a trajetória do mesmo foi influenciada por sua constante
dependência de recursos estatais, em que apesar da instabilidade dos repasses da FUNTTEL,
os trabalhadores do Centro de pesquisa gozavam de relativa estabilidade empregatícia,
vigorando predominantemente a contratação CLT.
Comparando-se a força de trabalho do CPqD com a de outras empresas privadas de TI,
a primeira constatação que obtivemos é a de que entre os trabalhadores entrevistados não
encontramos contratados na modalidade CLT Flex e PJ. Contudo, quando indagamos se há
trabalhadores terceirizados dentro do Centro de pesquisa para nossos entrevistados, as
respostas oscilaram, ora indicando respostas positivas, ora indicando respostas negativas,
demonstrando que se há ainda uma prática de terceirização dentro do Centro de pesquisa, não
é uma ocorrência padrão, e sim, em setores distintos.
Os serviços terceirizados “oficialmente” encontrados dentro do Centro de pesquisa é o
dos trabalhadores de limpeza, da segurança e da portaria. Essa distinção é notável, porque
esses trabalhadores utilizam uniformes, ao contrário dos trabalhadores de outros setores do
CPqD, que trajam roupa social.

Não. Não temos terceiros não. Os únicos terceiros que tem aqui, que ficam no meio
da gente, é o pessoal que limpa o prédio. [...] É, o pessoal que atende portaria,
pessoal da limpeza... (ENTREVISTA 1, setor de P&D).

Contudo, além desse contingente, há trabalhadores que estão na parte operacional dos
prédios e das instalações do Centro de Pesquisa e há também aqueles que trabalham nos
setores de tecnologia da informação ou de pesquisa com contrato terceirizado, como indica
essa entrevista:

[Entrevistado] No CPqD, a maior parte dos colaboradores, é CLT. Existe, também,


pessoas que às vezes são terceirizadas, tá? Mas isso é uma pequena parte.
[Pergunta] E elas realizam diferentes tipos de funções?
[E] Isso. Mas é uma pequena parte, são casos mais pontuais, mas principalmente na
nossa área aqui é, praticamente, todos são CLT (ENTREVISTA 2, setor de P&D e TI).

Segundo Druck e Franco, a própria expansão do trabalho terceirizado no Brasil tem


amparo legal, veja o enunciado [15] 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de 1993 que
define, dentre seus itens, a possibilidade de terceirização na contratação de serviços de
89
vigilância (Lei nº 7012/83) e de limpeza, além do amparo no decreto da lei nº 200/1967, que
possibilita a contratação de serviços com o argumento de reter a expansão de contratos
trabalhistas de natureza pública. Nesse sentido, a constatação principal das autoras é a de que
não existe uma lei específica que proíba a terceirização, cabendo aos tribunais realizar uma
interpretação própria, em cada julgamento, deixando, concomitantemente, os trabalhadores à
mercê dos tribunais.
Como já indicamos anteriormente no capítulo 1 desta dissertação, em 2010, o
sindicato SinTPq fez uma denúncia no Ministério do trabalho sobre as contratações
terceirizadas realizadas dentro do Centro de pesquisa. Dos trabalhadores com contratos
terceirizados desse período, foram primarizados 113 trabalhadores, com a exceção da área de
suporte no setor de TI. Desses trabalhadores que não foram primarizados, segundo dados
obtidos no sindicato, acredita-se que eles continuam a trabalhar dentro do CPqD como
trabalhadores terceirizados até hoje.

Aqui eu acho que todo mundo é do CPqD. Aqui nesse bloco. Mas eu sei de gente
aqui que é terceiro no CPqD, por exemplo, na área de tecnologia da informação, que
é o pessoal que cuida, por exemplo, da infraestrutura aqui, pra podermos trabalhar...
(ENTREVISTA 8, setor de P&D).

Após a derrota judicial do CPqD em relação aos contratos terceirizados, a explicação


“oficial” dada pela gerência é a de que não há contratação de trabalhadores terceirizados pois
a experiência com esses trabalhadores apresentaram “problemas” quanto a “entrega” dos
resultados finais estipulados. Somado a esse argumento, há também o risco eminente de se
perder trabalhadores em posições estratégicas do processo de produção, de modo que o
Centro de pesquisa teria dificuldade em repor essa força de trabalho rapidamente. Esse
argumento também foi encontrado no decorrer da pesquisa empírica. Segundo um dos
entrevistados:

Nós já tivemos trabalhadores terceirizados, nós não tivemos experiências muito


boas, eu não sei como isso relacionado para outras áreas, mas, por exemplo, o
trabalho contratado não foi o trabalho entregue (ENTREVISTA 5, setor de P&D).

Um outro trabalhador, apresentando posicionamento similar ao entrevistado anterior,


indica que houve uma política de “testes” com contratações terceirizadas dentro do setor de
P&D, relatando que:

90
Lá pelos anos 2000... Nós tivemos vários funcionários, terceirizados. Só o que a
gente descobriu é que é uma mão-de-obra que pode ser um pouco mais barata
durante o tempo, pode sair muito caro depois. Tudo que a gente perde de
conhecimento, perde muita coisa. Uma empresa, como o CPqD, ela não pode perder
pessoas tão... E às vezes perde. É uma rotatividade muito grande quando se fala em
terceirizado. Hoje, a CLT fala em dois anos no máximo, que você pode ter um
funcionário terceirizado. E aí tem que ser contratado. Então, acabou sendo, ou
incorporado, ou a gente perde essa... Esse conhecimento adquirido por esse
funcionário. Então, nos últimos anos, temos pouco (ENTREVISTA 6, setor de P&D,
grifos nossos).

Outra informação importante obtida durante a pesquisa de campo é a de que a


contratação terceirizada pode ocorrer quando o Centro de Pesquisa informa que pretende
contratar o trabalhador, mas também informa que “está sem vaga” na área de atuação
pretendida por esse trabalhador. Segundo a política interna do Centro de pesquisa, quando há
ausência de vagas, o trabalhador pode ser contratado como terceirizado por um pequeno
período de aproximadamente 3 meses, ocorrendo a efetivação desse trabalhador com contrato
regular em período posterior.

Tem assim, chegou a ter terceirizados. Por exemplo, uma colega minha, ela tava
estagiando. Ai não tinha vaga no momento pra ela entrar. Contrataram ela como
terceira, ficou uns tempos, ficou uns três meses, quando surgiu a vaga, colocaram
ela como regular (ENTREVISTA 4, setor de P&D).

Um aspecto que encontramos durante a pesquisa foi a dificuldade de “mapear” em


quais setores esses trabalhadores desempenhariam atividades com contratos terceirizados.
Essa dificuldade de localizar esses trabalhadores que se encontram nessa situação é
apresentada também pelo sindicato, indicando que o próprio CPqD poderia estar
desempenhando atividades como outsourcing:

Ainda tem PJ no CPqD, mas o número é bem menor do que tinha lá em 2009 e
2010, entendeu...? Mas ainda tem, alguns PJs espalhados, com contratos
temporários. CPqD tem feito um trabalho de outsourcing, sendo o CPqD o
outsourcing. Por exemplo, uma Vivo da vida, que quer um determinado trabalho lá
na sua base, na sua sede, e que contrata o CPqD... E o que o CPqD faz? Contrata os
funcionários, muitos dos funcionários já estavam trabalhando na Vivo lá e viram
funcionário do CPqD. Ou seja, CPqD, fornecendo mão-de-obra pra Vivo. Para mim,
isso é terceirização. O CPqD funcionando como uma empresa de outsourcing, de
terceirização, então tem muita coisa aí que é ruim, do ponto de vista trabalhista.
Pessoas que o sindicato não conhece, não sabem onde estão, entendeu? Não tem
contato. Mesmo as pessoas Home office, a gente não sabe quem são, já algumas, que
nos falou “prestamos Home office” (ENTREVISTA 14, setor de P&D e TI, grifos
nossos).

Ainda assim, compreendemos que o CPqD apresenta um perfil distinto de contratação


quando comparado ao de outras empresas usuais de TI presentes no mercado, em que apesar
91
de apresentar experiências com trabalhadores terceirizados, o processo de terceirização não
impactou a totalidade das contratações formais do Centro de Pesquisa, constituído por uma
trajetória de perfil estatal desde de décadas anteriores.
Outro elemento importante sobre o discurso de “flexibilização da jornada de trabalho”
se apresenta na prática do banco de horas, realizada também nos setores de P&D e TI. A
prática do banco de horas estabelece que a cada hora extra trabalhada, o trabalhador “ganha”
de forma equivalente uma hora de folga. Ratificada pelo decreto nº 2.490/98, essa prática
permite que a jornada de trabalho seja redimensionada, podendo ser aumentada ou reduzida, a
depender da quantidade de horas trabalhadas para além da jornada de trabalho usual.
Atualmente, a jornada de trabalho diária do Centro de Pesquisa estabelece 8 horas de
trabalho de segunda a sexta, com 1 hora de almoço, totalizando 9 horas dentro do Polo
Tecnológico em praticamente todos os setores. Contudo, descobrimos durante a pesquisa que,
procurando analisar como é o ritmo e a produtividade do trabalho, foi realizada uma pesquisa
sobre a jornada de trabalho encomendada pela própria diretoria do CPqD, em que se
descobriu que:

Então, uma época atrás, no CPqD, isso há muito tempo, tá? Eu não tive acesso ao
conteúdo da pesquisa mas, e era época de Telebrás ainda, quando o CPqD achava
que o pessoal folgava na hora do almoço. O horário do almoço é uma hora. Mas as
vezes o pessoal fica uma hora e meia, duas horas, dá uma escapadinha e talz... E o
CPqD, inconformado com isso, foi fazer um estudo sobre quanto era a jornada de
trabalho da média. E passava de oito horas. Porque tinha gente que entrava nove
horas da manhã, mas ia embora sete da noite (ENTREVISTA 14, setor de P&D e TI).

Dessa forma, compreendemos que poderia haver casos de banco de horas “informais”,
em que as horas cumpridas no cartão de ponto não são exatamente descontadas
posteriormente. Destacamos ainda que excetuando o setor de suporte e de radiofrequência, os
demais setores não trabalham com turnos. No decorrer da pesquisa empírica, em relação à
prática do banco de horas, há indicações de que o Centro de pesquisa chegou também a
trabalhar com essa modalidade por um curto período de tempo.

Tem banco de horas, teve banco de horas, mas eles estão abolindo, tá? Mas tem
um... Assim... “Vocês têm que queimar aquelas horas rapidamente”. É... Eles
pediram para gente até... Não deixar quase nada lá. Quase nada. Teve época que
tinha gente que deixava um monte de coisa lá. Então, não. A tendência é não ter.
(ENTREVISTA 1, setor de P&D).

Do mesmo modo que as respostas sobre o trabalho terceirizado dentro do Centro de


pesquisa não apresentaram um padrão de respostas em ambos os setores, quando indagados
92
sobre a existência de banco de horas no Centro de pesquisa, os relatos ora indicaram a
abdicação do banco de horas, ora indicaram a existência de um banco de horas “extra-oficial”,
que é mantido conforme a dinâmica de cada setor ou exigência particular de cada projeto
desenvolvido.

Tem banco de horas. Tem banco de horas. Oficial e extra-oficial, mas temos sim
(ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Por exemplo, banco de horas. Oficialmente, não temos. Oficialmente. Mas sabemos
que existem alguns arranjos internos em várias diretorias (ENTREVISTA 14, setor de
P&D e TI).

Embora haja uma política de “ajuda de custos” para os trabalhadores que têm que se
deslocar frequentemente por conta do trabalho, e essa política apresente formato similar a
prática constituída pelo banco de horas, em fevereiro de 2015 o CPqD iniciou o ano com
novas demissões dentro do seu quadro de funcionários, em que, segundo o SinTPq, “Nas
demissões ocorridas nos últimos dias fomos alertados de que as pessoas desligadas são
justamente as que realizavam deslocamentos constantes a trabalho. Essa situação mostra
uma face da empresa que desconhecíamos, já que estamos em processo de negociação para o
pagamento de deslocamentos fora do horário habitual de trabalho” (SINTPQ, 2015, p. 2).
Essa informação também é confirmada por outros relatos obtidos durante a pesquisa de
campo.

Banco de horas, a gente tem um banco de horas, hoje voltado para quem faz
trabalhos externos. Aí você tem questões de deslocamentos que pode ocorrer fora do
expediente, nós temos uma política de banco de horas para isso (ENTREVISTA 2, setor
de P&D e TI).

Tem banco de horas, tem. Conforme você viaja, tem os voos, você sai cedo de casa,
chega tarde. E aí essas horas, são de alguma maneira contabilizadas depois e tem
uma política de pagamentos. Seja em horas, seja em dinheiro (ENTREVISTA 7, setor
de P&D e TI).

Outra forma de banco de horas, e que adquire maior visibilidade no setor de P&D, é o
banco de horas para os trabalhadores que estudam pós-graduação fora do CPqD. Como
indicamos ao longo do capítulo 2, o Centro de Pesquisa apresenta uma política de liberar o
trabalhador 1 dia da semana para a realização de disciplinas ou cumprimento de créditos da
especialização ou pós-graduação em que o trabalhador estiver cursando. Compreendemos que
essa “liberação” é uma forma de investimento do próprio Centro de pesquisa, de modo que o
trabalhador estende a sua jornada de trabalho investindo em um curso de pós-graduação que
tem relação direta com o seu trabalho dentro do CPqD, ou seja, o investimento do trabalhador
93
acaba retornando a empresa, a partir da dedicação do mesmo em uma jornada fora da
empresa.

Por exemplo, eu não tenho muito banco de horas. Eu fico mais tranquila. Quando eu
vou fazer algo em casa, é mais por conta do meu mestrado e doutorado, daí eu
nem.... Eu sei que estou fazendo algo do meu trabalho, mas é algo para mim
também, então, eu faço. Quando precisa, às vezes a gente precisa sair, para resolver
alguma coisa, é bem tranquilo. Às vezes tem que ficar resolvendo alguma coisa mais
tarde, eu acabo ficando (ENTREVISTA 4, setor de P&D, grifos nossos).

Atualmente, o posicionamento oficial do CPqD em relação ao banco de horas é o de


abdicar a prática dentro do Centro. Em seu lugar, em 2014, o Centro de pesquisa passou a
investir no programa Home office, que analisaremos mais adiante. Concluímos que o CPqD
ora apresenta características de uma empresa de TI, ora apresenta características da época que
remonta ao seu período como estatal. Essa questão nos faz retomar o argumento apresentado
por Menardi (2000, p. 116-24), e que problematizamos ao final do capítulo 1 desta
dissertação, sobre a “crise de identidade” do Centro de pesquisa, que se encontra tanto na
origem do CPqD, dentro do setor de telecomunicações, quanto a sua adesão em anos recentes
ao setor de TI.

3.2 A jornada de trabalho enxuta: rumo a liberação do tempo de trabalho?

Como indicamos anteriormente, a jornada de trabalho nos setores de TI e de P&D,


para além dos postos de trabalho em áreas tecnológicas, vem alterando sua jornada de
trabalho em diferentes modos. Nesse item, pretendemos analisar a relação da contratação do
trabalho na modalidade Home office, assim como problematizar a relação do tempo liberado
versus tempo livre74, como um elemento da lógica da valorização do conhecimento.
Embora a denominação mais comum encontrada entre os trabalhadores dos setores de
TI e de P&D é o de se referir ao trabalho fora da empresa como “Home office”75, é possível
encontrar diferentes modos de nomear essa forma de contrato de trabalho. Entre os exemplos

74
Compreendemos, nesse capítulo, que o tempo “liberado” é o tempo necessário ao descanso do trabalhador, de
modo que o mesmo possa retornar ao trabalho, enquanto o tempo “livre” é o tempo em que o trabalhador
consegue usufruir em âmbito privado. Contudo, também compreendemos que o tempo “livre”, defendido por um
leque vasto de teóricos da sociologia contemporânea, não se apresenta na atual configuração da divisão do
trabalho capitalista atual.
75
Constatamos durante a pesquisa empírica que essa apropriação sob a língua inglesa ocorre constantemente
entre esses trabalhadores. Embora haja a tradução do termo Home office, durante as entrevistas, nenhum deles
preferiu ou se utilizou do termo “Teletrabalho”.
94
mais usuais, destaca-se o “trabalho remoto” (telecommuting), “trabalho a distância” e o
“teletrabalho”, proveniente do prefixo grego têle (longe) (MENNA, p. 27). Uma segunda
característica importante sobre essa modalidade é a de que nem todo trabalho Home office,
embora apresente essa terminologia, é necessariamente um trabalho executado em casa.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) o Home office é qualquer trabalho
realizado em um espaço alternativo ao escritório da empresa, ou seja, por exemplo, uma
pessoa pode trabalhar em “Home office” em hotéis, aeroportos, táxis, ou ainda no escritório de
casa. Nesse sentido, apesar de não estar fisicamente com a equipe do trabalho, esse mesmo
trabalhador pode se comunicar ou realizar videoconferência por meio das novas tecnologias,
com a sua equipe, coordenador ou clientes (LAVINAS; SORJ; LINHARES; JORGE; 2001, p. 8-10).
Segundo Rêses (2014, p. 1), embora a existência do Home office seja proveniente
desde o século XIX, é na década de 1960 que este conceito reaparece no contexto europeu,
popularizando-se por meio de um estudo de Jack Milles, ex-cientista da NASA, em 1973.
Inicialmente, sua prática teve grande presença na produção de vestuários, têxteis e calçados,
expandindo-se posteriormente para setores de montagem de artigos elétricos e eletrônicos.
É nesse mesmo período, entre as décadas de 1960 e 1970, que a discussão sobre o
trabalho intelectual e o futuro das fábricas foram debatidos na sociologia contemporânea.
Uma das teses que ganhou relativo destaque na década de 1970 sobre a reestruturação
produtiva e a expansão do setor de serviços é a tese apresentada por Daniel Bell (1974
[1973]), que indicou o potencial do trabalho nas áreas tecnológicas. Segundo Bell, já na
década de 1970, ao analisar a estrutura-ocupacional dos principais postos de trabalho nos
EUA, as fábricas deixariam de ocupar o centro das relações sociais dos trabalhadores para
serem substituídas gradualmente pelos laboratórios e centros de pesquisa. Embora o número
de empregos em áreas tecnológicas tenha crescido exponencialmente desde daquele período,
o aumento desses postos de trabalhos não significou uma ruptura com o processo de produção
capitalista, como indicado por Bell. Compreender de que modo se configura os tipos de
trabalhos nos laboratórios e nos centros de pesquisa com a expansão do trabalho imaterial
tornou-se elemento recorrente dentro da agenda sociológica.76
A partir desse contexto, a modalidade de contrato Home office foi uma das formas de
contratações mais utilizadas como indicação argumentativa que a jornada de trabalho típica

76
Para uma leitura crítica sobre os conceitos de Bell e dos teóricos do pós-industrialismo, ver: Amorim (2010, p.
191-192).
95
teria se tornado obsoleta77, com a sua substituição pelas novas tecnologias da informação.
Entre alguns desses exemplos, podemos citar o exemplo da sociedade colaborativa
vislumbrada por Gorz, que encontra como inspiração o protagonismo dos movimentos
hackers, as atividades dos desenvolvedores de programas de softwares livres e o trabalho
colaborativo projetado em plataformas on-line.78 Essas habilidades, que se tornaram
predominantes e ganharam destaque nas grandes mídias nas últimas décadas, são classificadas
por Gorz como atividades executadas externamente à economia do trabalho assalariado,
garantindo-se como uma das muitas maneiras dos indivíduos produzirem sua própria
subsistência, com a constituição de formas criativas e da aplicação prática do conhecimento
comum ao trabalhador (GORZ, 2005 [2003], p. 10-23).
O Home office ainda é caracterizado por alguns teóricos como uma forma de
“flexibilização” da jornada de trabalho contemporânea pois, segundo Luna (2014), abrangeria
3 dimensões:

a primeira seria o local, pois não existe mais um único local e sim vários locais onde
o funcionário poderia exercer a sua função; a segunda dimensão está exatamente na
flexibilização do horário de trabalho ou do tempo que o funcionário pode se dedicar
a tarefa, e a terceira dimensão relaciona-se com o meio de comunicação, uma vez
que os dados e informações podem circular através de e-mails, internet, redes
sociais, telefones, entre outros (LUNA, 2014, p. 4)

Ao analisar comparativamente quais as vantagens ou desvantagens dessa modalidade


de contratação, Luna (2014, p. 4) ainda destaca que embora haja a redução do custo
operacional, como transporte e logística, não há clareza na legislação trabalhista brasileira
quanto aos termos do que é válido ou não e quais os direitos e deveres do empregador com os
seus subordinados que aderem ao contrato Home office. No caso, o Home office ou o

77
Não iremos detalhar nesse momento como esse diagnóstico "positivo" sobre as tecnologias da informação foi
reproduzido. Contudo, para exemplificarmos esse argumento, ressaltamos o excerto da Carta Européia para o
“Teletrabalho” em que descreve as expectativas sobre essa modalidade de trabalho à distância "Segundo a Carta
Européia para o TeleTrabalho, é um novo modo de organização e gestão do trabalho, que tem o potencial de
contribuir significativamente à melhora da qualidade de vida, a práticas de trabalho sustentáveis e à igualdade
de participação por parte dos cidadãos de todos os níveis, sendo tal atividade um componente chave da
Sociedade da Informação, que pode afetar e beneficiar a um amplo conjunto de atividades econômicas, grandes
organizações, pequenas e médias empresas, microempresas e autônomos, como também à operação e prestação
de serviços públicos e a efetividade do processo político” (Estrada, 2010, p. 105).
78
Sintetizando o argumento colocado por esses autores, Estrada resume-o da seguinte forma: "O processo de
reestruturação global da economia dado pelo desenvolvimento científico – tecnológico está nos levando para as
relações no mundo virtual, mudando as formas de vida e de trabalho, impondo um novo ritmo nas atividades
humanas. Surge a necessidade de uma redefinição do tempo e do espaço, tendo como resultado novos processos
na organização e no desenvolvimento do trabalho em si" (2010, p. 104).
96
Teletrabalho, foi incluído recentemente no 6º artigo79 da CLT em 2011, de modo a equiparar
os efeitos jurídicos daqueles que realizam esse tipo de trabalho por meios telemáticos ou
informatizados (BRASIL, 2011, p. 1).
No decorrer da pesquisa de campo, constatamos que para a realização do trabalho
Home Office no CPqD é necessária a assinatura de um contrato específico, além de uma
autorização do gerente de área, e do treinamento especial para essa modalidade. Entre as pré-
condições estipuladas, as principais residem nas condutas de ergonometria e nos prazos de
entrega que o trabalhador tem obrigação de seguir durante o programa. Complementando o
quadro de pré-condições específicas dessa forma de trabalho, destaca-se ainda as questões de
segurança, na medida em que muitos trabalhadores acabam fazendo acesso remoto ao
computador da empresa durante o período em que trabalha em casa.

Ergonometria! É fundamental. E acesso a dados, questões de segurança... Quando


você... Não estou nem falando de pessoas, de quem leva o código para fora, mas,
você está acessando o código de fora, aqui dentro. Então você pode ser facilmente
hackeado. Então, tem toda uma série de questões que são tratadas... (ENTREVISTA 6,
setor de P&D).

Oficialmente, você tem que ter autorização para trabalhar como Home office.
Porque senão você pode sair da empresa, e pode lá cobrar que você foi lá na sua
casa, usou o seu micro, e você pode cobrar por aquilo que você gastou, então, ao ser
autorizado, você está abrindo mão de ter trabalhado em casa em condições de...
de... É, de uma mesa inadequada, numa cadeira inadequada, e aí você cobrar a
empresa. Então, ao assinar isso, você está falando “olha, eu estou ciente, eu tive
treinamento de Home office, tive treinamento pra ir, pra fazer Home office, eu tive
um termo de autorização para fazer isso aí.” (ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Um dado importante sobre como a produtividade é medida nesse tipo de contrato de


trabalho é de que o controle sobre o que é produzido não é pautado sobre o tempo de trabalho
e sim pela quantidade de trabalho entregue ao final do prazo estipulado, como indica esse
outro relato:

Eu não assino ponto. Primeira coisa. Eu não assino ponto. Aqui não temos um ponto
de horas. Então, eu tenho horário para trabalhar normal, a gente pede, mas é
evidente, com quem eu converso que faz Home Office, que não trabalha aquele

79
Ainda segundo o artigo 6º da CLT, decreto-lei 5.452, implementação em dezembro de 2011: “Não se
distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do
empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de
emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se
equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e
supervisão do trabalho alheio” (Brasil, 2011, p. 1).

97
horário. Só que em compensação você tem um compromisso com a entrega muito
maior (ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Em pesquisa realizada pela empresa SAP Consultoria com aproximadamente 200


empresas nacionais e multinacionais no país e a partir de dados da BRASSCOM sobre o
trabalho Home office no Brasil, foi possível constatar que o setor de tecnologia da informação
adota a prática de contratação em cerca de 70% de suas companhias. A pesquisa indica
também que ao analisar o contexto nacional, o Brasil apresentou grande crescimento dos
contratos Home office nos últimos anos (IT WEB, 2014).
Como indicamos anteriormente, o tipo mais comum de Home office dentro do Centro
de pesquisa é o modelo em que o trabalhador fica um dia em casa da semana fora da empresa
para prestar compromissos da sua dissertação ou de sua tese de pós-graduação. É comum
ainda que o conteúdo da sua dissertação ou tese contenha temas próximos aos projetos
trabalhados dentro do seu setor no CPqD. Devido ao pequeno tamanho das equipes, que
variam de 8 a 10 trabalhadores, não são todos os trabalhadores que acabam prestando esse
tipo de modalidade de trabalho mesmo quando se abre a “oportunidade” dentro do seu setor,
como indica esse trabalhador:

Porque hoje a gente não pode ter duas pessoas da minha área, fazendo Home Office.
Porque a gente fica muito sem recurso... Porque somos em... De oito a dez pessoas,
da minha área, e nem sempre dá pra contar com 100% dessas pessoas. Então se a
gente tirar duas pessoas por semana da empresa é muito prejudicial (ENTREVISTA 5,
setor de P&D).

Essa característica, anteriormente ressaltada, evoca, mais uma vez, a radicalização das
práticas tayloristas de organização do trabalho, em que os trabalhadores do grupo são tão
especializados em determinadas funções que, mesmo com o programa Home office ativo na
empresa, não são substituídas facilmente, como seria o caso de uma célula no modelo
toyotista, em que se prevê a qualificação pra múltiplas funções, isto é, a polivalência.

No CPqD não tem uma política assim, algo como na IBM, que tem uma pessoa que
trabalhou lá, e que ela só fica em casa. [...] Isso é Home Office, assim, puro. E vai na
empresa de vez em quando, para fazer uma reunião específica. Aqui nós temos uns
esquemas que duas pessoas fazem duas vezes por semana, acho que é o máximo que
temos de Home Office (ENTREVISTA 7, setor de P&D e TI).

Outro aspecto importante do Home office é o de que os trabalhadores nas áreas de


software têm mais facilidade em fazer essa modalidade de trabalho do que os de hardware,
pois o primeiro grupo não apresenta a necessidade de estar presente fisicamente no laboratório
98
para a realização de testes, como ocorre com a equipe que trabalha com hardware. Nesse
sentido, o setor de software apresenta a possibilidade de fazer acesso remoto no computador
da empresa pelo computador de casa.

Como funciona o Home Office aqui? O Home Office não pode ser dado para todas as
pessoas, no período que elas querem. Eu acho assim, você tem que estar muito bem
orientado, muito coerente com o seu gerente, onde a tua carga de trabalho não fique
100% no laboratório. Existem períodos, principalmente na parte de desenvolvimento
que você precisa estar 100% no laboratório. Porque? Como você é uma pessoa de
Hardware, você tem que dar suporte para a parte de transmissão, aí aconteceu um
probleminha na parte de redes, aconteceu um probleminha na parte de receptor,
então você tem que ficar meio... Existem períodos que você não consegue fazer
Home office. Mas, existe períodos no projeto que é melhor você fazer o Home
office, para você conseguir ter uma concentração, e um distúrbio muito menor com
o seu trabalho, que o teu gerente vê que isso vale a pena (ENTREVISTA 5, setor de
P&D).

Haveria, portanto, duas modalidades de Home office: uma intitulada “full-time” que
seria o Home office integral, e que segundo as entrevistas que realizamos, nestas condições se
encontraria um número muito reduzido de trabalhadores, e o outro programa, em que se
realiza Home office parcial, é um programa mais conhecido e com maior adesão dentro do
Centro de Pesquisa, como indica esse entrevistado:

Particularmente, eu uso pouco. Aqui dentro do CPqD tem dois programas de Home
Office, que é um full time, têm algumas pessoas, são poucas, do CPqD inteiro, não
tem nem umas 10 pessoas, nesse... E tem um outro programa que visava uma vez
por semana, uma ou duas vezes por semana, ai já conheço mais gente (ENTREVISTA
8, setor de P&D).

Compreendemos que há um aspecto contraditório no incentivo ao trabalho Home


Office dentro do Centro de Pesquisa, principalmente em relação aos trabalhadores mais jovens
da área de hardware. Durante a pesquisa empírica, foi-nos informado que os equipamentos e
programas necessários para a realização do trabalho são considerados de alto custo e de
investimentos contínuos para quem é da área. Desse modo, quem não possui um computador
próprio equipado para essa finalidade, encontra esse obstáculo. Pago pelo próprio trabalhador,
a empresa não auxilia a compra de equipamentos.

Algumas pessoas preferem fazer Home Office. Eu não costumo fazer Home Office,
porque meu computador é ruim. [...] E tem a seguinte questão também: por exemplo,
na área de software, é mais fácil fazer Home Office. Porque é um computador
comum, você faz um acesso remoto, e você consegue trabalhar. Agora na minha
área, por exemplo, muitas vezes, preciso de equipamentos, são equipamentos caros...
E tem o laboratório. Então a gente precisa do laboratório para poder trabalhar. Mas

99
nos momentos que não tem isso... Dá pra algumas pessoas fazer Home Office.
(ENTREVISTA 3, setor de P&D).

É contraditório, portanto, que os trabalhadores tenham que realizar investimentos


tecnológicos em equipamentos para aderir ao programa, sem ajuda de custo. Enquanto isso,
no Centro de Pesquisa há também indicações sobre a ausência de equipamentos para
comunicação, como programas webvídeo, câmeras e microfones, que são frequentemente
utilizados nessa modalidade de contrato de trabalho. Encontramos entre trabalhadores
ocorrências que indicam essa incoerência no setor de P&D.

Não, nós somos iguais quando éramos nos anos 2000. Nós somos tão atrasados
quanto80. Ninguém aqui usa o Skype, por exemplo. [...] Oficialmente, ninguém usa
isso. Nós não somos incentivados a usar. Por 100 reais você compra uma
camerazinha com fone [...] É, você compra ali uma USB e deixa pra todo usuário ter
uma conta, usar e não temos isso. Eu acho que somos extremamente atrasados nisso.
E, poderíamos usar muito mais isso. Avançaria mais. Acho que isso é uma coisa
aqui que nós não usamos (ENTREVISTA 6, setor de P&D).

Complementando os aspectos anteriormente abordados, embora o 6º artigo da CLT


tenha sido alterado para contemplar a modalidade de trabalho Home office no ano de 2011,
igualando-o juridicamente ao trabalho prestado na empresa, cabe ainda destacar que essa
alteração é significativamente recente e esses trabalhadores acabam ficando “desprotegidos”,
indicando um fenômeno de “dispersão” organizativa desses trabalhadores. Em outras
palavras: o sindicato não consegue travar contato com esses trabalhadores, e ao mesmo
tempo, esses trabalhadores não se alinham com as mudanças que ocorrem em seu setor, assim
como reivindicações da categoria. Esse desconhecimento parte tanto dos trabalhadores que
trabalham no Centro de pesquisa quanto daqueles que já se encontram no programa Home
office.

Hoje eu não saberia dizer o número de pessoas que fazem Home Office, mas é
bem pouco.[...] o CPqD ainda está numa fase de fazer um projeto piloto disso, tá?
Pelo menos aqui na nossa gerência, não sei como é em outras áreas. Porque faz
pouco tempo que começou a ter no CPqD. Acho que não faz muito mais do que um
ano. Não sei se chega a dois anos. É bem recente aqui no CPqD, porque o CPqD,
por tradição, talvez, como ele não é uma empresa criada mais recentemente, então
talvez por essa questão, o Home office não é uma coisa meio que já nasceu durante a

80
Ao falarmos de como a “tecnologia” deixou de fazer parte de algumas das atividades do próprio Centro de
pesquisa, um dos nossos entrevistados relata que o CPqD queria os números dos telefones celulares dos
trabalhadores para avisar sobre possíveis emergências em horários fora da jornada de trabalho. Nesse sentido,
ocorreu dois problemas para garantir a viabilidade técnica do projeto: 1) O CPqD não detinha todos os números
celulares dos trabalhadores; 2) O CPqD não apresentou também uma tecnologia que cadastrasse os celulares e
enviasse simultaneamente as mensagens. Em resumo: O CPqD viu-se obrigado a desistir do “empreendimento”.
100
criação da empresa, entendeu? Mas o CPqD tem o interesse, quer dizer... A direção
da empresa enxerga que Home office é uma coisa hoje que... Como se diz... Natural,
né? Os profissionais, a princípio... Com exceção desse caso lá que foi citado81, que a
pessoa fez, não gostou e não quis mais, as pessoas querem ter a possibilidade de
fazer (ENTREVISTA 2, setor de P&D e TI).

Em outra entrevista, com o sindicato, também há indícios sobre a dificuldade de


“localizar” esses trabalhadores:

Se Home Office está aumentando ou não, eu não consigo te falar. Não consigo. Sei
que tinha em torno de 70 funcionários no sistema de Home Office, mas é um sistema
assim, que é uma vez por semana, é uma coisa piloto... (ENTREVISTA 14, setor de
P&D e TI).

Entre as principais motivações que os trabalhadores indicam como pontos positivos


para a realização de Home office está na possibilidade de não se precisar deslocar para o local
da empresa, o que exclui, portanto, os gastos e o tempo utilizado com o transporte. Contudo,
outro aspecto contraditório, é que o CPqD não fornece vale-transporte, mas sim, um fretado
com rotas pré-estabelecidas para as cidades vizinhas. Isso faz com que os trabalhadores ou
optem pelo fretado ou pelo carro, sendo a segunda opção a mais presente nas entrevistas de
nossa pesquisa, haja vista que as opções de fretado nem sempre contemplam todas as
localidades.
Outro elemento relevante também está na falta de planejamento de mobilidade urbana
das grandes cidades que, no caso de Campinas, região em que está localizada o polo,
apresenta sérios problemas de escoamento e fluidez do tráfego de carros nas vias dos
arredores, o que pode ser um fator de “stress” para o trabalhador, enfrentando o trânsito todos
os dias para chegar ao trabalho, como indica alguns relatos:

Trabalhei 10 anos em São Paulo e optei por viajar de fretado para não sofrer o stress
de dirigir diariamente. Acabei convivendo com pessoas que sofreram acidentes no
percurso e acabaram se mudando para perto daqui, do CPqD. Foi uma escolha em
virtude do stress que é lidar com carro mas também com os horários, né?
(ENTREVISTA 11, setor de TI).

Compreendemos ainda que há uma questão mais profunda sobre o por quê dos
trabalhadores quererem “economizar” o tempo gasto no transporte, e “enxugar” os pequenos
intervalos que eles possuem em atividades corriqueiras dentro do Centro de pesquisa,

81
A referência citada por esse trabalhador é que antes da entrevista alguns trabalhadores estavam conversando
nos corredores sobre uma pessoa que pediu para fazer Home office e “não curtiu” a experiência, pedindo para o
gerente retirá-lo do programa.
101
transferindo a jornada de trabalho para dentro de casa. Além das indicações de que o horário
noturno é mais produtivo para a realização de atividades que demandam maior concentração
(ENTREVISTAS 5; 6; 8, 2015), constatamos que para os trabalhadores entrevistados há um tipo
de dissociação entre o tempo liberado para o descanso e o tempo de trabalho. Podemos
constatar esse processo pela conduta do “estar sempre conectado”, equivalendo a dizer que
esses trabalhadores não sentem mais uma separação rígida entre esses dois tempos.

Você coloca no Google lá, que você quer receber determinada notícia. Ele te manda.
E você só vê aquela notícia no seu horário de trabalho? Coisas só referentes ao seu
trabalho? Não, você acaba vendo a qualquer hora, você responde mensagem do seu
chefe a qualquer hora, você hoje tem seus relatórios em nuvens, você pode adiantar
algum serviço fora do seu horário de expediente, então, não temos... Tem que ter
uma disciplina muito grande, por parte dos trabalhadores, de desenvolver suas
atividades somente no horário, na jornada de trabalho (ENTREVISTA 14, setor de
P&D e TI).

Retomando uma análise sobre a relação entre o tempo liberado e o tempo de trabalho,
segundo Cardoso (2007) a premissa dessa relação pode ser visualizada desde o período do
trabalho industrial, em que a indústria impõe uma nova disciplina temporal por meio de uma
separação rígida entre o tempo e o espaço de trabalho, e o tempo e o espaço de não trabalho.
No espaço das fábricas, a divisão de tarefas exigia cálculo e coordenação exatos, em que “a
utilização da mão de obra assalariada, a mecanização do trabalho manual, a adoção de
minuciosos estudos dos tempos e ritmos de trabalho, conduziram pouco a pouco a
uniformização da medida do valor trabalho” (CARDOSO, 2007 p. 28). Nesse sentido, o valor
passou a ser medido pela quantidade de trabalho necessário à sua produção, e a duração do
trabalho pelo tempo tornou-se a sua medida por excelência.

É um processo em que, desde o início da revolução industrial, o tempo aparece


como um dos principais objetos de disputa entre capitalista e trabalhadores, entre
aqueles que buscam implantar uma nova concepção de tempo, de trabalho e aqueles
que tentam resistir. Para os trabalhadores não foi apenas a duração do trabalho que
lhes foi imposta, mas também o ritmo e os processos em si, as atividades
metodicamente planificadas, transformando o tempo de trabalho em um conjunto de
tarefas repetitivas (CARDOSO, 2007, p.28).

A relação entre estes dois tipos de tempo teve sua primeira manifestação no início das
primeiras lutas trabalhistas, em que os próprios trabalhadores começaram a perceber como o
trabalho é medido. Desse modo, esses trabalhadores organizaram-se e formaram comitês
posteriormente em torno de pautas como “menos tempo de trabalho”, “a jornada de trabalho
de 10 horas”, e “o pagamento adicional de horas extras” (THOMPSON, 1967, p. 294). Se,

102
inicialmente, a construção do valor trabalho foi imposta pelos detentores do capital, pela
religião ou pelo Estado, posteriormente, essa medida transformou em algo compartilhado pela
quase totalidade da sociedade (CARDOSO, 2007, p. 27-29).
Contudo, com a jornada Home office, a medida de produção do trabalho pelo tempo
estaria obsoleta? De que modo se configuraria a medida da produção nessa modalidade de
contrato que se encontra em expansão?
Contemporaneamente, quando analisamos o avanço das novas tecnologias, em que o
trabalhador permanece conectado as suas funções mesmo em momentos que seriam
considerados de descanso, compreendemos que a barreira entre tempo de trabalho e tempo
liberado está cada vez mais tênue. O que pudemos depreender é que embora a medida da
produtividade se paute pelo tempo de trabalho, a produção está pautada no aumento das horas
trabalhadas, o que configura uma da jornada de trabalho mais extensa. Nesse sentido, as horas
“economizadas” no transporte ou em períodos de descanso dentro da empresa são revertidas
para “momentos de trabalho”.
Durante o decorrer da pesquisa, pudemos também perceber que os próprios
trabalhadores não vislumbram o tempo de trabalho como o tempo para a produção de
trabalho. Para eles, é nítido em algumas entrevistas que a força de trabalho dentro do CPqD é
“distinta” de uma indústria, como esse relato pontua:

É, a gente tem a pausa. Pode parar para tomar um café, internamente não existe um
controle rígido de horário, porque aqui não é uma indústria, né? Não é uma... Linha
de produção, seja qualquer que seja. Nem indústria que faz bens, nem empresas que
faz softwares, porque uma empresa que desenvolve software e também uma espécie
de indústria. Ela produz o software. Talvez ali você tenha que ter forma de
gerenciamento mais próximo de uma indústria (ENTREVISTA 2, setor de P&D e TI).

Contudo, a medida de produtividade por um software dentro dos computadores está


presente, a medida do trabalho produzido por meio de métricas também se encontra nesses
dois setores. A diferença principal é a de que o programa faz o papel do supervisor.
Como indicamos anteriormente, se nos contratos SLA dos projetos do Centro de
pesquisa a prática de “prever” prazos de entrega era um aspecto que apresentava problemas
frequentes por não condizer com as possibilidades empíricas do setor, esse problema se repete
com mais frequência dentro do trabalho Home Office. Essa ocorrência se repete porque à
medida em que se pressupõe que o trabalhador não precisa se deslocar ao local da empresa,
pressupõe-se também (e essa pressuposição é da gerência) que ele teria mais tempo disponível
para a jornada de trabalho, somados à exigência sobre a qualidade do trabalho que deve ser
103
produzido. Soma-se a esse fator a dificuldade de medir a produção no setor de P&D, pois, no
caso de uma pesquisa de uma determinada solução tecnológica, a solução apresentada pelo
trabalhador não depende da quantidade de código produzido, e sim, de um dispêndio
qualitativo.

Quantas peças o cara consegue fazer num dia? Quer dizer, na pesquisa, você não
tem como medir produtividade. O que as empresas tem feito, e você está
perguntando sobre ritmo de trabalho, e isso é complicado, é a coisa que eu estava
falando do... É... Do mercado. Você vende mais barato, paga mais barato, não paga
hora extra, faz um monte de coisa, para você ser superior no trabalho que você
vendeu. Naquele projeto que você vendeu. E outra: hoje, sabe o que eles estão
fazendo? Quem compra o projeto, se ele precisa o trabalho para seis meses, e
você sabe que não vai dar para fazer em seis meses, mas você topa, porque você
não quer perder, e aí, o que é que você faz? O ritmo de trabalho aumenta, né?
Porque em seis meses, você tem que entregar aquele produto. Então, isso
acontece. Mas tem coisas específicas, coisas mal negociadas. De entrega, de preço.
Isso acontece. Então, o ritmo acaba sendo mais intenso, nesses casos de prazos
curtos, pra entrega de projetos (ENTREVISTA 14, setor de P&D e TI, grifos nossos).

Ah, sim, “trabalho em casa, sem chefe enchendo o saco” e as pessoas não precisam
gastar com deslocamento. Mas o controle é por produtividade. Porque você não tem
como controlar por tempo. Não sei o tipo de controle que a empresa exerce sobre os
funcionários, mas eu acredito que é mais a entrega. A entrega do combinado82
(ENTREVISTA 14, setor de P&D e TI).

Analisando o fenômeno de medição de produtividade e o tempo de jornada de


trabalho, segundo Prado, com o desenvolvimento das forças produtivas, a quantidade de
tempo necessário para produzir mercadorias seria reduzido, dependendo, portanto, mais de
um dispêndio qualitativo da força de trabalho do que de um dispêndio quantitativo. Um
exemplo contemporâneo que Prado apresenta, é o do cálculo da produtividade de uma equipe
de engenheiros de informática: a sua produtividade não é medida contando-se apenas o
número de programas que foram postos em operação em um determinado período, e sim, a
partir da capacidade qualitativa da equipe, de produzir bons programas. Um desdobramento
desse exemplo é de que o produto e o resultado obtido dependeriam também da qualificação
científica e tecnológica requerida neste processo pelos engenheiros e não apenas do tempo
necessário para criar uma determinada quantidade de programas (PRADO, 2004, p. 58-59).
Contrariando a tese anterior de que o tempo de trabalho não seria mais central para a
medida de produtividade dentro do setor, compreendemos que a extensão da jornada de

82
Ainda complementando esse aspecto sobre a produtividade dentro do Centro de Pesquisa, o entrevistado relata
que “As pessoas lá dentro falam que gostam do ambiente de trabalho. Quem reclama do ritmo, é a empresa. A
empresa reclamou para o sindicato que a produtividade está muito baixa. E que eles vão para cima, a empresa
vai para cima. Agora, como é que você mede a produtividade no Centro de Pesquisa? É complicado.
Complicado” (ENTREVISTA 14, setor de P&D e TI).
104
trabalho ainda é central para a produção de valor dentro desses setores. Como indica Amorim,
embora o tempo de trabalho apresente-se como um dos principais eixos analíticos para a
compreensão da exploração da força de trabalho nas sociedades contemporâneas, e embora
haja uma redução da participação do trabalho no processo de produção de mercadorias nas
sociedades contemporâneas, é possível indicar ao mesmo tempo que a força de trabalho
aumenta exponencialmente como forma de garantir a manutenção de taxas de lucros elevadas
(AMORIM, 2013, p. 503-504).
É importante destacar que, como já foi indicado anteriormente no capítulo 2, o ritmo
de trabalho nos setores está intrinsecamente relacionado ao prazo dos projetos, sejam eles
dentro do Centro de pesquisa ou na modalidade Home office. Entre as principais
manifestações do aumento do ritmo de trabalho, encontra-se as doenças pela permanência
constante trabalhando na frente do computador. Entre algumas das doenças citadas,
encontramos problemas nas articulações dos joelhos, problemas de lesão por esforço
repetitivo (LER) nas mãos e punhos, tendinites, e outras doenças com causas mentais, como
depressão e stress.83

O ritmo é intenso, a equipe é pequena, e a quantidade de serviços que temos, as


vezes não dá para equipe dar conta 100% (ENTREVISTA 11, setor de TI).

As reclamações relacionadas a LER parecem ser o problema mais recorrente dentro do


setor de TI, como também indica esses dois outros trabalhadores:

Sim, já tive sintomas de stress e de LER por conta do trabalho. Não cheguei a me
afastar, nem nada, mas tive que me cuidar mais depois disso e tomar cuidado com a
postura, pois a gente trabalha muito no computador, né? (ENTREVISTA 11, setor de
TI).

Olha, eu não cheguei a adoecer... Mas sim, alguns colegas já tiveram LER, a gente
mexe muito com computador, é algo que é necessário na nossa área (ENTREVISTA 9,
setor de TI).

Embora os relatos mais frequentes sejam do setor de TI, foi possível identificar pontos
em comum com entrevistas da área de P&D, sobre a necessidade de estar conectado
integralmente com as necessidades do projeto.

[Entrevistador] E o ritmo de trabalho, é muito intenso?


[Entrevistado] Depende da época

83
As referências citadas pautam-se nas entrevistas da pesquisa aqui empreendida, contudo, para compreender
quantos trabalhadores apresentariam sintomas das doenças listadas, seria necessário uma pesquisa quantitativa
com uma amostra maior de trabalhadores.
105
[E] Do projeto?
[E] Depende do projeto. Na época do (projeto x)84 eu estava muito, muito tensa. Mas
aí agora, deu uma acalmada. E agora até por isso consegui me dedicar ao doutorado
(ENTREVISTA 4, setor de P&D, grifos nossos).

Ao mesmo tempo que essas ocorrências crescem, em 2010, o CPqD informou aos seus
trabalhadores que haveria mudanças na operadora do plano de saúde, nesse caso, a UNIMED.
Em assembleia realizada no SinTPq, os trabalhadores ficaram insatisfeitos com as alterações
propostas. Dentre 270 trabalhadores presentes, somente dois disseram “sim” à alteração do
plano de saúde. Com a repercussão do caso, o Centro de pesquisa viu-se obrigado a recuar na
decisão. Embora o plano de saúde UNIMED fosse mantido, hoje, a cobertura dos planos de
saúde dos trabalhadores mais novos do CPqD são distintos dos trabalhadores mais antigos.

Eu sou da velha guarda e uma pergunta talvez que você não tenha feito, que as
outras pessoas não têm, e eu antigamente tinha, por ser antigo, mas os novos não
têm, é o plano UNIMED85. O meu plano é diferente dos planos novos. Então isso é
uma coisa que mudou. Os planos, por ser CLT, eles não podiam cortar aquele plano
meu, mas os planos novos são muito mais simples, do que o meu plano atual. Mas
mudou. Só quem tem mais de 6-8 anos de CPqD, é que tem essa possibilidade. Os
novos tem um plano lá que eles... É 80, 90 reais por mês, é um plano mais assim...
Quarto coletivo, um plano simples. Tudo simples e com uma cobertura menor, e tal.
A minha cobertura é maior, é uma cobertura nacional. Deles, por exemplo, é só
Campinas. E se eu for viajar eu posso usar remédios de outros lugares (ENTREVISTA
6, setor de P&D).

Por fim, somando-se aos elementos anteriormente elencados, analisaremos o processo


de registro de propriedade intelectual. Compreendemos que o registro de propriedade
intelectual, ou a patente, é o processo máximo de transferência de conhecimento do
trabalhador para a empresa.
Quais são as etapas para registrar uma patente? Segundo o Observatório SOFTEX, há
dois tipos de propriedade intelectual: a 1ª intitulada “Propriedade industrial” e que se refere a
patentes, marcas e desenhos, além de indicações geográficas de procedência e de origem, e a

84
O nome do projeto foi trocado com o objetivo de garantir o anonimato da entrevistada.
85
Segundo matéria disponibilizada pelo SinTPq intitulada "CPqD recua na sua intenção de trocar de operadora
de plano de saúde" publicada em 12 de dezembro de 2010: "No último dia 09/12/2010, o Sindicato foi informado
pelo gerente de RH que o CPqD não iria mais mudar seu plano de saúde. Segundo ele, a UNIMED teria
resolvido um impasse em relação aos agregados. O fato é que a mobilização do Sindicato e a grande
insatisfação dos funcionários pressionaram a direção do CPqD a rever a postura de ser contra uma vontade dos
funcionários. Apenas alguns diretores eram favoráveis a mudança. Na assembléia realizada no dia 30/11, dos
270 trabalhadores presentes, somente dois disseram sim à mudança do plano de saúde, mostrando um total
descompasso entre o que quer a diretoria e que quer os funcionários do CPqD. Outro fator que indignou muitos
trabalhadores é que em duas diretorias DSB e DLIR (Diretoria de Soluções em Billing e Diretoria de
laboratórios de infraestrutura e redes) muitos trabalhadores foram intimidados em não comparecer a
assembléia, sendo ameaçados, inclusive, com o desconto das horas" (SinTPq, 2010).
106
2ª intitulada “Direitos de autor e domínios conexos” que apresenta teor similar ao de obras
literárias e artísticas. Segundo a Lei nº 9.610/1998, a proteção da propriedade intelectual se
opera conforme a obra intelectual, e não no tocante a ideia que lhe originou. O trabalhador
que pretende fazer o registro do programa de computador86 deve se dirigir ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que é o orgão estipulado pelo decreto do executivo
(Decreto nº 2556/1998) para realizar tal finalidade (BOTELHO, DUARTE, 2009, p. 266).

Tabela 10 - Empresas titulares de registro de software por porte no Brasil (1989-


2006)
Porte da empresa Nº empresas %

Micro (até 9 ocupados) 564 43,6%


Pequena empresa (10 a 19 ocupados) 249 19,2%
Média empresa (20 a 249 ocupados) 171 13,3%
Grande empresa (250 ou + ocupados) 309 23,9%

Total 1.293 100%

Fonte: Observatório SOFTEX, 2009, p. 268.

Os direitos autorais têm por finalidade garantir a exclusividade do uso, produção e


comercialização do programa de computador, devendo o interessado comprovar a autoria do
mesmo, por meio do registro no INPI. O prazo de validade do direito é de cinquenta anos após
1º de janeiro do ano seguinte ao ano de criação do programa. Só no período entre 1989 e
2007, foram realizados 8320 pedidos de registros junto ao INPI, entre pessoas físicas ou
pessoas jurídicas. Dentre as solicitações desse período, podemos constatar ainda que há uma
concentração de pedidos relacionados a microempresas (BOTELHO, DUARTE, 2009, p. 267).
Em relação ao depósito de patentes, o CPqD obteve o 3º lugar no relatório da edição
anual de 2015 do Ranking dos Depositantes Residentes, divulgado pelo INPI. A lista, que traz
os 50 maiores depositantes residentes do país em diferentes setores, indica ainda o CPqD em
7º lugar no ranking de pedidos de patentes de invenção, e pela terceira vez em 1º lugar no
pedido de registro de programas de computador.

86
Segundo a Lei nº 9.609/1998, entende-se por “programa de computador”: “é a expressão de um conjunto
organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza,
de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos e
equipamentos periféricos, baseados em técnica digital, para fazê-los funcionar de modo e para fins
determinados”.
107
Ainda segundo o último relatório de área de 2015, o CPqD anunciou que liderava a
lista entre as 10 empresas que mais depositavam registros de software no Brasil entre os anos
de 2000 e 2011.

Tabela 11 - Propriedade Intelectual (PI) no CPqD


Acervo de PI do CPqD Até 2010 2011 2012 2013 2014 Acervo Total

Pedidos de patente depositados 315 31 36 40 52 474


Registros de software 601 132 158 152 162 1205
Processos de marca 128 18 16 4 5 171

Fonte: CPqD (2015, p. 19).

Além de incentivarem os trabalhadores a realizarem o registro de propriedade


intelectual87, a revista Cadernos CPqD Tecnologia, um periódico do próprio Centro de
pesquisa, tem por finalidade publicar resumos das patentes depositadas periodicamente. Com
essas políticas, também é cobrado desses trabalhadores, principalmente os de P&D, a
publicação e divulgação de trabalhos acadêmicos.

Tabela 12 – Publicações técnico-científicas no CPqD


Publicações e divulgações 2007 a 2012 2013 2014 Total

Publicações técnico-científicas 552 179 125 856


publicadas em revistas ou
apresentadas em congressos, 304
com comitês editoriais e
capítulos escritos em livros
Divulgações tecnológicas 467 124 200 791
apresentadas em mídias e 324
eventos

Fonte: CPqD (2015, p. 19).

87
Cabe acrescentar ainda que para realizar a solicitação de patenteamento, além das taxas adicionais de serviços,
a totalidade do processo é burocrática e cara, podendo oscilar entre taxas de 70 R$ a 590,00 R$, a depender do
tipo de submissão realizada junto ao orgão (INPI, 2014).
108
Por fim, como indicado no capítulo 1 e no início do capítulo 2 dessa dissertação, estes
números, ao mesmo tempo que indicam o aumento da produtividade em ambos os setores,
indicam também um aumento do ritmo de trabalho, na medida em que a força de trabalho do
setor de P&D foi reduzida nos últimos anos devido a problemas de repasses da FUNTTELL e
o fechamento de duas diretorias deste setor.
É importante ainda notar que o aumento expressivo de produtividade está concentrado
justamente no setor que vem reduzindo o número de contratações, ou seja, no trabalho do
setor de P&D. Outra questão relevante se refere aos prêmios corporativos e às bonificações
sobre as patentes que, utilizando-se do discurso que o Centro de pesquisa estaria sofrendo
uma “forte crise”. Os benefícios indiretos, desde o final de 2015, vem sendo cortados, como
relatou um de nossos entrevistados:

Tem, tem prêmios! De valor. Por exemplo, se você participou de um projeto que tem
entrega para a PADTEC, a gente tem um prêmio, por isso cada um ganha um
valor em dinheiro. Quando ganhamos uma patente, ganhamos prêmio. Então
tem esses tipos de incentivo. Agora, parece, que não vai ter mais. Mas o pessoal
tava me falando que não vai ter esse ano, mas é por causa da crise, então esse ano é
algo pontual, atípico. Mas geralmente sempre tem. Então tem comemorações
(ENTREVISTA 4, setor de P&D, grifos nossos).

Sobre como os trabalhadores são cobrados dentro do Centro de Pesquisa para que
registrem trabalhos intelectuais na modalidade de patentes, outro trabalhador desse setor com
argumento similar, pontua que:

Eu acho que tem uma cobrança maior, conforme a área. A cobrança se dá de uma
forma de... Quando a empresa disponibiliza um dia da semana para você estudar pra
cobrar depois... Tem isso, você está usando esse tempo. Essa é uma forma. Mas
outra forma que a empresa busca, é a dos indicadores, né? Então, quando você gera
registro de software, indicadores de P&D, uma patente, quando você tem um título
lá... Aí você tem um indicador específico. Quando publica em uma revista
especializada, então, eu acho assim, todas as empresas, de alguma maneira, tem uma
forma de te cobrar mais (ENTREVISTA 7, setor de P&D e TI).

Vimos, nesse capítulo, às diferentes formas de contrato de trabalho nos setores de


P&D e TI para além da jornada de trabalho CLT e de que modo se estrutura os contratos de
trabalho Home office, além de quais são as suas particularidades e seu modus operandis.
Compreendemos que embora o estes tipos de contratos estejam pautados sob o discurso das
“novas jornadas flexíveis”, indicamos no decorrer deste capítulo que o principal pilar desse
tipo de contrato está na dissolução entre o tempo liberado e o tempo da jornada de trabalho,

109
ao substituir o tempo utilizado no transporte e nas pausas dentro da empresa, pelo tempo de
trabalho em casa.
Quando nos debruçamos sobre a utilização tecnológica frequente que estes setores
estão submetidos, compreendemos que as fronteiras entre o tempo de descanso e o tempo de
trabalho apresentam fronteiras cada vez mais tênues. Nesse sentido, a medida de
produtividade se pauta ainda pela extensão das horas trabalhadas, configurando-se como uma
jornada de trabalho mais extensa.
Cabe destacar ainda que os gerentes de ambos os setores exigem “proatividade” dos
trabalhadores. Estar “sempre conectado” é uma questão presente em ambos os setores,
independente do contrato ser Home office, ou não. Essa conclusão é distinta de diversos
teóricos do trabalho imaterial que apontaram, por exemplo, que a expansão das novas
tecnologias e do trabalho em casa propiciariam a liberação do tempo de trabalho e do próprio
trabalhador para outras atividades. Ao contrário, estes tipos de trabalho acabam favorecendo o
aumento da intensidade do trabalho e ausência de direitos trabalhistas, com contratos mal-
elaborados (SLA) e definições imprecisas do que se espera do trabalhador para a entrega final
do projeto. Sintetizaremos essas conclusões e as dos demais capítulos na parte IV desta
dissertação.

110
IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Elencaremos nesta conclusão os principais elementos trabalhados ao longo desta


dissertação, tendo por base a precarização do trabalho intelectual e as condições de trabalho
nos setores de P&D e TI.
Desde o final século XX, as reestruturações tecnológicas, produtivas e a expansão das
novas tecnologias da informação (NTICS) deram fundamento ao debate do trabalho imaterial.
O principal pressuposto dessas teses esteve ancorado em que o trabalho intelectual e as
NTICS possibilitariam a superação de processos de trabalho tipicamente fabris. A ampliação
do setor de serviços e dos setores em que predominam a produção de conhecimento com altos
níveis de qualificação foram indicados por vários teóricos como características de um novo
tipo de produção e do fim do trabalho manual. Nesse sentido, a produção de softwares, de
hardwares e de tecnologias foi fundamental para compreendermos a produção de mercadorias
nas sociedades contemporâneas.
Apresentamos na introdução e no decorrer desta dissertação uma hipótese que
contraria o pressuposto anteriormente apresentado pelos teóricos do trabalho imaterial.
Embora o trabalho intelectual e a produção de mercadorias imateriais ganhem relevância nas
últimas décadas, alterando profundamente as dinâmicas do mercado de trabalho, de
qualificação e do controle do trabalho, sua finalidade principal, a de explorar força de trabalho
e gerar mais-valor, continua presente. Em outras palavras, na produção de mercadorias
imateriais, mesmo que esta apresente algumas características distintas de organização e de
controle do trabalho, ainda está constituída de modo semelhante a produção de mercadorias
materiais (físicas).
Tivemos por pressuposto no capítulo 1 desta dissertação que a conjuntura brasileira
apresentou particularidades na implantação das fábricas de softwares ao longo da década de
1990, se comparada ao contexto dos países da Europa ocidental, dos Estados Unidos, ou dos
países da América Latina. Com isso, nos questionamos durante esta pesquisa, de que modo o
trabalho intelectual se desenvolveu e está configurado no contexto brasileiro? E, como
consequência deste primeiro questionamento, como se constituiriam as formas de subsunção
contemporâneas do trabalho ao capital na produção de mercadorias imateriais?
A partir destas interrogações, compreendemos que a tese do fim do trabalho não
encontra fundamento empírico quando analisamos o contexto brasileiro. Como indicamos
anteriormente, só entre o período de 2006 a 2010, o crescimento de empregos na área de

111
serviços computacionais e produção de software apresentou uma média de 610.282 empregos,
além da expansão na contratação em outras modalidades de contrato de trabalho para além da
CLT, como o terceirizado, o Home office, a Pessoa jurídica (PJ), o CLT Flex, dentre outras
(ABDI, 2012, p. 16-17). Este dado nos leva a compreensão de que os setores relacionados a
produção da informação e a produção de componentes tecnológicos continuam em
crescimento.
Outro elemento também muito importante foi que a indústria brasileira de software
apresentou uma trajetória específica, que resultou na reconfiguração das condições de
trabalho e das transformações produtivas entre as décadas de 1990 e 2000, com o avanço do
neoliberalismo, da “flexibilização” das leis trabalhistas e da jornada de trabalho, além de
alterações profundas nas formas de fomento à pesquisa no país.
Tendo por objeto as condições de trabalho nos setores de P&D e TI analisamos no
decorrer desta dissertação como se consolidou o setor de telecomunicações nacional, tendo
como referência uma pesquisa empírica com os trabalhadores do CPqD. A criação do CPqD
foi considerada elemento central para a consolidação das telecomunicações em contexto
nacional. Criado em 1976 como um centro de pesquisa estatal da holding Telebrás e
privatizada ao final da década de 1990, o CPqD produzia equipamentos e serviços diversos na
área de tecnologia, indicando, de maneira particular, as especificidades das transformações
tecnológicas, gerenciais e produtivas desse período, e como os setores de P&D e TI se
dinamizaram.
Pudemos constatar também que dentro deste contexto, com a privatização e desmonte
do setor de telecomunicações nacional ao final da década de 1990, e em virtude das restrições
orçamentárias e cortes de investimentos, o próprio CPqD passou por reestruturações internas,
objeto do qual também nos debruçamos ao longo desta pesquisa. Afetado por fortes restrições
orçamentárias e em virtude dos efeitos das políticas macroeconômicas de combate à inflação,
o Centro de pesquisa sofreu limitações quanto aos investimentos e a contratação de força de
trabalho especializada.
Quando o CPqD se tornou uma fundação público-privada, ele direcionou sua produção
para o setor de TI, um setor que conforme constatamos no decorrer da pesquisa, não necessita
tantos investimentos, e pode trazer retorno mais imediato de capital. Como consequência, o
que ainda observamos, é a manutenção do Centro de Pesquisa com finalidades desviadas dos
seus objetivos iniciais: o mesmo apresenta características de uma empresa de
telecomunicações, mas, também, de serviços de tecnologia da informação.

112
Outra conclusão importante obtida pela pesquisa empírica foi a de que enquanto no
período em que o CPqD era estatal, entre as décadas de 1970-1990, os trabalhadores de P&D
gozavam de altas remunerações e salários indiretos, a nova configuração do Centro de
Pesquisa demitiu uma quantidade expressiva de trabalhadores, restando apenas 25% dos
trabalhadores de P&D da formação originária presente até a década de 1990. A ampliação de
contratação do trabalho no setor de TI indica também que os novos trabalhadores do Centro
de Pesquisa estão subordinados a salários mais defasados e a redução dos benefícios indiretos.
No capítulo 2 desta dissertação analisamos a relação entre os setores de P&D e TI e a
organização do trabalho na fábrica de software, ancorado nos seguintes elementos: a
constituição de projetos, as fases de elaboração e de tomada de decisões, as normas e padrões
de qualidade a serem seguidos e a supervisão e a gerência do trabalho nesses setores.
Pudemos constatar que uma característica importante que distingue a produção de
software a de outros setores está na sua natureza não-física, pois ela permite a
descentralização de tarefas, com a execução de atividades em ambientes virtuais. Nesse
sentido, o ciclo de desenvolvimento do software encontra-se armazenado em servidores de
desenvolvimento e podem ser separados conforme a sua etapa: um ambiente de testes, onde o
software é submetido a avaliações, um ambiente de desenvolvimento, onde o software é
desenvolvido, e um ambiente de homologação, onde os produtos já prontos podem ser
submetidos à aprovação do cliente (TENÓRIO; VALLE, 2014, p. 59).
Esse tipo de organização do trabalho inicialmente nos indicou características do
toyotismo, em que o produto é desenvolvido por células de trabalho ou ainda grupos de
trabalho, formado por um número muito reduzido de trabalhadores. É importante ainda
destacar que a forma que se organiza o trabalho em décadas recentes nesses setores é muito
distinta daquela encontrada nas décadas de 1960-1970, em que o detalhamento de tarefas
requisitadas se resumia a um fluxograma simples, dependendo da interpretação, codificação e
solução apresentada por cada programador. Em anos recentes, os novos tipos de programação
tiveram grandes avanços, com códigos top-down e métodos em cascata e, por sua vez, os
programas começaram a apresentar mais maleabilidade no momento de serem redigidos e
alterados (WARNIER, 1986 [1981] p. 85-92).
Constatamos também no decorrer desta pesquisa que a principal “mercadoria”
produzida por ambos os setores é a constituição do “projeto”. O projeto, designado em
conjunto com uma empresa cliente e uma empresa prestadora de serviços, é um documento

113
que especifica uma solicitação de serviço. O projeto também designa todos os detalhes
necessários para a constituição de um documento específico, o SLA.
Embora o SLA tenha a função de especificar a proposta entre a fábrica de software e o
cliente, pesquisas quantitativas recentes indicaram que devido à dificuldade de se prever, em
alguns casos, o tempo necessário para a produção de determinada solução tecnológica, uma
prática corrente no setor é a fraude proposital na etapa de estipular os prazos de entrega para
os trabalhadores de cada projeto. Essas “fraudes propositais”, em que se estipula a execução
de um serviço com prazos menores necessários de forma propositada, é uma prática comum
em ambos os setores, e que demonstra que o trabalhador está submetido a um ritmo e a uma
quantidade de trabalho cada vez mais crescente.
Outro elemento importante observado sobre esse processo de produção é o de que este
exige retorno constante do “cliente”, tornando-o um componente ativo durante todo o
processo de produção. Como consequência dessa forma de organização do trabalho podemos
destacar o controle rígido do trabalho produzido, por meio de softwares que monitoram o
período e a quantidade de códigos produzidos, além dos trabalhadores terem que lidar com
prazos curtos e ritmo constante. Dessa forma, para cumprir os prazos acordados, são
estipuladas metas diárias ou semanais, que variam conforme a qualidade e a quantidade de
trabalho requisitado pelo projeto, como indica os trabalhadores de ambos os setores.
Uma comparação importante que fizemos durante o capítulo 2 desta dissertação é o
quanto a gerência taylorista seria distinta da gerência encontrada nas fábricas de software.
Compreendemos que enquanto no taylorismo a forma de organizar o trabalho sofreu uma
transformação sensível, objetivando não somente o controle do modo de fazer o trabalho,
mas, do acompanhamento da execução de todas as tarefas, seja esta uma tarefa simples ou
uma atividade mais complexa, o avanço tecnológico dos setores de P&D e TI possibilitou a
monitoria do trabalho sob uma forma mais intensiva, por meio de programas de softwares que
são instalados no computador do trabalhador. Em outras palavras: enquanto no taylorismo o
cronômetro das atividades era imposto explicitamente ao trabalhador, nesse exemplo
anteriormente citado o cronômetro que mede a quantidade de horas que o trabalhador precisou
para realizar determinada atividade no sistema encontra-se “escondido” no próprio
computador. Desse modo, a principal forma de monitorar o trabalho está inserida nas
ferramentas informacionais de trabalho.
Cabe ainda destacar que uma das principais premissas do taylorismo foi a
centralização do conhecimento técnico e o correto manejo das ferramentas de trabalho. Como

114
consequência direta desse princípio, se têm a separação entre a execução e concepção do
trabalho, de forma que “a ciência do trabalho” nunca deve ser desenvolvida pelo próprio
trabalhador, e sim, centralizada pela gerência. Concluímos que estes elementos continuam
atuantes dentro dos setores de P&D e de TI, por meio do cargo da gerência de projetos, que
designa “métricas” para a avaliação dos mesmos e das equipes. Desse modo, embora pareça, à
primeira vista, que as formas de controle do trabalho inexistam, a prática demonstra uma
realidade mais cruel para os trabalhadores destes setores, que são monitorados 24 horas por
meio de suas ferramentas de trabalho.
Com as formas de controle do trabalho, analisamos também o conjunto de normas de
qualidade da produção de software. Entre as principais encontradas em ambos os setores,
destacamos a CMMI e a CMM, utilizadas principalmente pelas áreas de software e TI. Uma
das principais conclusões obtidas sobre essas normas é a de que são modelos que decompõe
os processos de trabalho de forma parcelar e similar ao modelo fordista. Sua finalidade é de
orientar atividades em posições chave, de modo a constituir uma esteira virtual de produção,
com indicações bem específicas quanto a realização do trabalho em cada setor.
Embora os trabalhadores da área de pesquisa e desenvolvimento não tenham à priori
que utilizar todas as normas de qualidade de software, pois estas se concentram com maior
frequência no setor de TI, a redução do contingente de trabalhadores do setor de P&D nos
indica que há um ritmo de trabalho cada vez mais intenso, na medida em que a redução do
número de trabalhadores do setor de P&D está ocorrendo desde a privatização. Em outras
palavras, embora os trabalhadores do setor de P&D apresentem maior qualificação e
remuneração, durante as décadas de 1990 e 2010 é possível indicar que há um processo de
precarização dos postos de trabalho nesse setor.
Por fim, no terceiro capítulo dessa dissertação, analisamos as diferentes formas de
contrato de trabalho, como o Home office, a Pessoa jurídica, o CLT Flex e o contrato
terceirizado, além de identificar as diferentes formas de propriedade intelectual. Como
indicado anteriormente, o trabalho intelectual foi considerado pela sociologia contemporânea
como um tipo de trabalho dotado de características especiais, como a autonomia, a
“flexibilidade” da jornada de trabalho e a inovação. Contudo, retirando-se a pecha desse
discurso de “flexibilidade” encontramos durante a pesquisa empírica um leque de elementos
que refutam essas teses. Neste capítulo, iniciamos com uma análise crítica contra a tese de que
a terceirização no contexto brasileiro estaria concentrada apenas nos setores de serviços
gerais, manutenção, segurança e limpeza. Como pudemos constatar, o processo de

115
outsourcing, uma espécie de terceirização específica da produção de serviços e equipamentos
informáticos, tem se expandido rapidamente desde a década de 1990, ganhando espaço entre
as principais empresas do setor. Compreendemos, portanto, que a terceirização se tornou uma
prática recorrente nos setores de TI e de P&D, indicando formas mais intensivas da
exploração da força de trabalho.
Além da terceirização em ambos os setores, pudemos constatar que a modalidade de
contrato Home office, considerada uma das principais modalidades de trabalho que indicariam
a autonomia do trabalhador perante a sua jornada de trabalho, embora apresente semelhanças
com uma jornada típica de trabalho, apresenta uma extensão mais longa em termos de horas
trabalhadas e com exigência maior sobre os resultados esperados. Em um segundo momento,
foi possível também constatar, pelos resultados da pesquisa empírica, que o trabalho Home
office tende a sobrecarregar o trabalhador, pois, o tempo não utilizado no transporte ou em
“pausas para o café” dentro do Centro de Pesquisa são transformados em horas de trabalho.
Como indicamos anteriormente, se nos contratos SLA dos projetos do Centro de
Pesquisa a prática de “prever” prazos de entrega era um aspecto que apresentava problemas
frequentes por não condizer com as possibilidades empíricas do setor, esse problema se repete
com mais frequência no contrato de trabalho Home Office. Isso se deve porque na medida em
que se pressupõe que o trabalhador não precisa se deslocar ao local da empresa, também é
pressuposto, pela gerência, que o trabalhador teria mais tempo disponível para a jornada de
trabalho, somado à exigência por maior qualidade do trabalho que deve ser entregue.
Em contrapartida, embora essa modalidade de contrato de trabalho pareça, em um
primeiro momento, conter características muito distintas de uma jornada “tipicamente fabril”,
as horas trabalhadas, as métricas e os softwares que medem a quantidade de linhas de códigos,
auxiliam a operacionalização de uma linha de produção imaterial. Ou seja, as novas
tecnologias possibilitam quantificar a produtividade do trabalho intelectual,
operacionalizando-as em horas trabalhadas e servem como ferramentas para o controle do
trabalho, intensificando, por sua vez, a jornada de trabalho.
Corroborando o argumento anterior, pudemos durante esta pesquisa ainda analisar o
registro de propriedade intelectual, uma prática que é incentivada principalmente na área de
Pesquisa e Desenvolvimento. Concluímos a partir dos dados empíricos obtidos na pesquisa de
campo que o registro de patente é uma das formas mais eficazes de transferência do
conhecimento do trabalhador para a empresa, consistindo no registro formal de invenção

116
tecnológica e que é registrada sob o nome da empresa, o que o torna parte fundamental na
concorrência capitalista entre os setores que predominam as novas tecnologias da informação.
Por fim, por meio das características levantadas sobre as condições de trabalho ao
longo desta pesquisa nos setores de P&D e TI, foi possível constatar que o trabalho intelectual
e a expansão das novas tecnologias da informação não se trata de uma forma autônoma de
trabalho, em que a jornada típica de trabalho, consequentemente, estaria obsoleta.
Compreendemos, assim, no decorrer desta pesquisa, que há características significativas
presentes nas formas de organização do trabalho intelectual que remontam as práticas
tayloristas, fordistas e toyotistas, e que combinadas, tendem a reproduzir uma típica linha de
produção de fábrica.

117
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127
VI. ANEXOS
6.1. Carta de apresentação

Carta-convite
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
Av. Monteiro Lobato, 679. Bairro Macedo Guarulhos CEP: 07112-000
Telefone: (11)3381-2000 Homepage: http://www.unifesp.br/campus/gua/

Venho por meio desta convidá-los (as) a participar de uma pesquisa com fins
acadêmicos sobre o trabalho imaterial e as novas tecnologias da informação e comunicação,
desenvolvida na Universidade Federal de São Paulo e pelo Grupo de Pesquisa Classes Sociais
e Trabalho coordenado pelo Prof. Dr. Henrique Amorim. O estudo apresenta como objetivo
central compreender em que medida as chamadas novas competências cognitivas e
informacionais influenciam a composição das novas formas de trabalho.
A pesquisa permitirá conhecer, de maneira mais aprofundada, as principais
características da implementação das NTICs e seu processo de consolidação e
desenvolvimento nos polos de alta tecnologia do Estado de São Paulo.
De acordo com pesquisas recentes publicadas pela Fundação SEADE e divulgada pela
Revista Pesquisa FAPESP, no ano de 2012 o setor brasileiro de telecomunicações, juntamente
com o de software e serviços de tecnologia da informação, passaram a ocupar o quarto lugar
entre os maiores mercados mundiais. Movimentando mais de US$ 230 bilhões em 2012, tais
setores cresceram em um ritmo superior ao PIB do país. Tendo tal crescimento em vista, faz-
se essencial a realização de estudos que tenham como objetivo a análise e a compreensão de
tais setores de produção e desenvolvimento científico e tecnológico.
Caso haja disponibilidade para a participação e interesse em contribuir com esse
estudo, o(a) pesquisador(a) poderá ser contatado(a). As informações prestadas serão
utilizadas apenas com fins científicos e versam sobre as formas de trabalho, inovações
tecnológicas e modos de organização da empresa.

128
O coordenador e os pesquisadores envolvidos nesse estudo e a Universidade Federal
de São Paulo Unifesp-EFLCH agradecem desde já a atenção dispensada nesse processo de
coleta de informações.

Coordenador:
Henrique José Domiciano Amorim
E-mail: henriqueamorim@hotmail.com

Pesquisadores:
Ana Clara Guedes
Angelina Moreno
Bruna Fávaro
Guilherme Henrique Guilherme
Maurício Reis
Vinicius Lena

129
6.2. Roteiro de Entrevistas

Os dois roteiros apresentados em anexo foram elaborados conjuntamente entre seis


pesquisadores do grupo de pesquisa classes sociais e trabalho (GPCT - UNIFESP) durante o
final do 2º semestre de 2014 e o 1º e o 2º semestre de 2015. Os roteiros de pesquisa foram
direcionados aos trabalhadores da fundação CPqD e aos trabalhadores do sindicato SinTPq.
Entre os temas tratados durante as entrevistas, destacamos os seguintes pontos: informações
sobre o trabalho realizado na empresa e histórico de experiências anteriores, jornada de
trabalho, percepção do trabalhador sobre ritmo, fluxo, e qualidade do trabalho produzido,
configuração do setor, tempo de descanso fora da empresa, reivindicações de melhorias no
trabalho, luta sindical e dados socioeconômicos do entrevistado.
Sobre o local de realização das entrevistas, uma parte delas foram realizadas dentro do
CPqD e as demais, em locais a escolha do entrevistado. Devido ao tamanho e a quantidade de
perguntas presentes em ambos os roteiros, optamos por um roteiro “dinâmico”: conforme se
avançava as respostas dos entrevistados, algumas perguntas eram eliminadas em detrimento
de outras, ao identificarmos elementos temáticos que poderiam ser explorados. Por exemplo:
Se o trabalhador já foi demitido da empresa, esse tópico era explorado mais detidamente, se
ele já teve alguma experiência sindical, idem. Desse modo, algumas entrevistas, embora
seguisse o mesmo roteiro, adquiriram um teor heterogêneo de apresentação de resultados.
Como o escopo dos roteiros abrange muitos tópicos, priorizamos também as perguntas sobre
condições de trabalho. Cada entrevista teve duração aproximada de 20 minutos, podendo
chegar a uma hora, ou uma hora e meia, em casos mais extremos, dependendo da
disponibilidade do entrevistado.
Dividimos ainda os roteiros em blocos, com finalidades bem específicas, que
indicamos a seguir:

 Sobre o trabalho (BLOCO 1)


Atuação e informações do trabalho: Ao início da entrevista pedimos para o
trabalhador descrever suas atividades, assim como o cargo que ocupa e as funções que são
realizadas no dia-a-dia da empresa. Objetivamos também com esse tópico identificar os
principais benefícios oferecidos pela empresa e as dinâmicas sobre o cargo do entrevistado.
Percepção e satisfação do trabalhador na empresa: Nesse item aprofundamos
algumas das informações obtidas ao início da entrevista, objetivando compreender a

130
percepção do trabalhador sobre sua identificação com o trabalho e o cargo ocupado na
empresa. Aliado a isso, procuramos compreender de que forma os salários diretos e indiretos
e a qualificação requerida progrediu ao longo do tempo em que o trabalhador esteve no cargo.
 Fora do trabalho (BLOCO 2)
Percepção e satisfação do trabalhador fora da empresa: Com a finalidade de
problematizar em que medida a jornada de trabalho começou a compor parte do tempo
destinado ao descanso do trabalhador, esse ítem identifica de que modo o trabalhador está
conectado (ou não) a empresa mesmo em períodos de descanso, por meio de conferências,
mensagens no celular, e-mails, entre outros dispositivos móveis, assim como conhecer as
características da jornada home office, quando utilizada.
 Organização política e sindical (BLOCO 3)
Formas de organização e reivindicação coletiva: Nesse bloco de perguntas temos
como objetivo identificar de que modo o trabalhador se posiciona politicamente frente as
reivindicações do seu setor, e se ele está alinhado com as propostas do sindicato.
 Dados socioeconômicos (BLOCO 4)
Identificação do entrevistado: Embora esta pesquisa apresente um número
quantitativo reduzido de entrevistas, requisitamos ao final de cada entrevista os dados
socioeconômicos do entrevistado, para fins de análise comparativa com outras entrevistas
obtidas pelos pesquisadores do grupo de pesquisa GPCT, com a finalidade de comparar os
resultados obtidos em outras empresas.

Por fim, as transcrições das 14 entrevistas realizadas totalizaram um documento de


125 laudas, em que nos utilizamos sistematicamente com a finalidade de justificar os
argumentos apresentados no decorrer dessa dissertação. Abaixo, segue na íntegra os dois
roteiros utilizados no decorrer desta pesquisa.

131
6.2.1. Roteiro dos Trabalhadores de P&D e de TI
Roteiro de perguntas direcionado aos trabalhadores de TI e de P&D do CPqD.

SOBRE O TRABALHO
Atuação e informações do trabalho
1. Você poderia elaborar um breve resumo sobre a sua atuação na
empresa, as tarefas que realiza e o que produz?
2. Desde quando você trabalha na empresa?
3. Como se organiza a produção em seu setor (grupos de trabalho, células,
metas, bônus)?
4. Qual a “relação” entre seu setor e outros setores da empresa? (tanto em
relação ao produto quanto no diálogo com trabalhadores de outros setores).
5. Você é contratado diretamente pela empresa ou é terceirizado? Qual é a
sua modalidade de contratação (CLT ou contrato de trabalho)?
6. Com relação às atividades exercidas, você executa diferentes tipos de
tarefas ou apenas uma função?
7. As mudanças tecnológicas e gerenciais do seu setor afetaram seu
trabalho?
8. Tem ocorrido muitas demissões na empresa? Esse processo tem afetado
o seu trabalho na empresa?
9. Há círculos de controle de qualidade?
10. Há programas de qualificação na empresa? Você já participou? Quais os
cursos e treinamentos que já realizou? Como isso lhe ajudou na realização
do seu trabalho?
11. Há cobrança por parte da empresa para que os trabalhadores se
qualifiquem? O que a empresa exige em termos de qualificação para seu
trabalho?
12. Em sua visão, os trabalhadores com maior qualificação possuem mais
benefícios e autonomia dentro da empresa?
13. Há programas motivacionais na empresa? Você já participou? Quais as
palestras ou eventos que já participou? Como isso lhe ajudou na realização
do seu trabalho?
14. Como a hierarquia do trabalho em seu setor influencia o seu trabalho?
15. Você tem autonomia para tomar decisões relativas à organização da
empresa e à organização do seu processo de trabalho?
16. Em que se baseia essa autonomia?
17. Como se dá o controle ou monitoramento do processo de trabalho?
Como ele se realiza?
18. Há rotatividade de trabalhadores no setor em que você trabalha? Como
ela interfere nas condições de trabalho?
19. Há trabalhadores terceirizados em seu setor? Se sim, quais as diferenças
apresentadas entre os trabalhadores terceirizados e não terceirizados? E qual
a sua relação com eles? Eles estão submetidos ao seu controle ou de outro
trabalhador da empresa?
20. E a sua jornada de trabalho? Existem pausas durante a mesma?
21. Qual o sistema de folgas adotado pela empresa?
22. Há sistema de turno? Como funciona?
23. Há subdivisão de jornadas? Se sim, ela é realizada em dia e semana
132
convenientes para os trabalhadores?
24. Como funciona o banco de horas em seu setor? Qual sua opinião sobre
isso?
25. Como funcionam as férias na empresa? É fácil a comunicação com o
RH?
26. Há PRL (participação de lucros e resultados)?
27. Há trabalhadores de tipo Home-office em seu setor?

Percepção e satisfação do trabalhador na empresa


1. A sua jornada de trabalho é flexível em seu setor?
2. Você considera o seu ambiente de trabalho agradável?
3. O seu ambiente de trabalho (ritmo, condições de trabalho, etc.) afeta a
sua saúde de alguma forma?
4. Houve alguma melhora no ambiente de trabalho desde que você entrou
na empresa?
5. Como é o ritmo e o fluxo de trabalho?
6. Você está satisfeito com seu salário?
7. Houve algum aumento salarial nos últimos anos?
8. Na sua opinião, você considera estável o seu vínculo empregatício?
9. A empresa fornece serviços de alimentação? Como você os avalia
(escala entre bom e ruim)?
10. Você percebeu alguma mudança nos serviços de alimentação da
empresa?
11. A empresa fornece serviços de transporte? Como você os avalia?
12. Como você avalia sua autonomia com relação às condições de trabalho,
à intensidade, às suas tarefas diárias e aos métodos e procedimentos?
13. Desde que você entrou na empresa, qual a sua opinião sobre as
mudanças vivenciadas em seu setor quanto à introdução de novas
formas de gestão do trabalho?
14. Quais os principais motivos que te fizeram escolher essa empresa para
trabalhar?
15. Você se sente parte da empresa em que trabalha?
16. Você sente que o seu trabalho é reconhecido pela empresa?
17. Como você se sente em relação a seu trabalho?
18. Quais são suas perspectivas de carreira na empresa?

FORA DO TRABALHO
Percepção e satisfação do trabalhador fora da empresa
1. Há cobrança por parte da gerência fora do ambiente de trabalho (e-mail,
ligações, mensagens)?
2. Você realiza todas as suas atividades no local de trabalho? Em caso
negativo, com qual frequência leva trabalho para casa? Você é remunerado
por isso?
3. Você realiza ligações, vídeo conferência e/ou outros tipos de contatos
com gerentes da empresa em seu “tempo livre”?
4. Qual sua rotina semanal (faz algum curso, algum esporte antes ou
depois do trabalho)?
5. Tem algo que gostaria de fazer em seu “tempo livre” e que não
133
consegue fazer? Por quê?
6. Seu trabalho interfere no seu “tempo livre”? (se sim, como?)
7. O que você faria se tivesse “mais tempo livre”?
8. Participa com freqüência de algum grupo social, político ou religioso?
9. A empresa oferece cursos, palestras, confraternizações e entre outros
tipos de atividades? Quais? (se sim, quando e qual sua opinião sobre isso?)

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E SINDICAL


Formas de organização e reivindicação coletiva
1. De que maneira você reage aos aspectos negativos das condições de trabalho
no seu setor?
2. Já participou de alguma greve ou paralisação? Se sim, qual foi a principal
reivindicação?
3. Você considera que o sindicato pode trazer benefícios aos trabalhadores?
4. Você é sindicalizado?
5. Quais as suas principais demandas quanto às melhorias no ambiente de
trabalho?
6. Há mais negros ou brancos no setor em que você trabalha?
7. Há mais mulheres ou homens no setor em que você trabalha?
8. Você considera que as pessoas que trabalham no seu setor são qualificadas?
9. Na sua opinião, há distinções no tratamento da empresa e nas perspectivas
de carreira dos trabalhadores relacionados à orientação sexual/ raça/ gênero/
origem social?
10. Você já sofreu algum tipo de discriminação relacionado à sua orientação
sexual/cor/ gênero/ origem social? Já vivenciou alguma experiência própria
ou de outros em seu local de trabalho?

DADOS SOCIOECONÔMICOS
Identificação do entrevistado
 Nome
 Sexo
 Idade
 Cor
 Estado civil
 Filhos (Se sim, número de filhos e com quem moram)
 Nível de escolaridade
 Nível de escolaridade dos pais
 Função
 Remuneração

Acima de R$9.745,00
De R$7.475,00 a R$9.745,00
De R$1.734,00 a R$ 2.564,00
De R$ 2.564,00 a R$ 4.076,00
De R$ 4.076,00 a R$7.475,00
De R$ 7.475,00 a R$ 9.920,00
De RS 9.920,00 a R$ 10.085,00
De R$10.085,00 a R$10.734,00
134
Até R$10.085,00

 Experiência profissional na empresa


 Tempo no cargo atual

135
6.2.2. Roteiro do sindicato
Roteiro de perguntas direcionado aos trabalhadores do SinTPq.

SOBRE A EMPRESA
Informações básicas sobre a empresa
1. Tem ocorrido muitas demissões na empresa?
2. É possível constatar elementos de flexibilização da jornada de trabalho na
empresa?
3. Quais são os tipos de contratos que a empresa oferece e quais são os tipos de
jornada de trabalho?
4. Quais as principais queixas dos trabalhadores em relação às condições de
trabalho?
5. Quais os principais benefícios oferecidos pelo sindicato aos trabalhadores
atualmente?

SOBRE O TRABALHO
Informações básicas sobre os trabalhadores sindicalizados
1. Qual o perfil dos trabalhadores sindicalizados desta empresa (sexo, qualificação,
tempo de trabalho, setor, idade)? O sindicato teria um balanço disso?
2. Pedir ao entrevistado uma breve relação sobre o número total de trabalhadores e
principais setores sindicalizados da empresa. (Idem em relação ao número de
trabalhadores da área de TI e de P&D)
3. Existem setores que tradicionalmente são mais sindicalizados? Quais e por quê?
4. O perfil dos trabalhadores se modificou quando comparado a períodos anteriores
(gênero, idade, qualificação, etc.)?
5. Como o entrevistado avalia o nível de satisfação dos trabalhadores da empresa?
Satisfação do trabalhador na empresa
1. Há casos de comprometimento de saúde relacionado ao trabalho?
2. Há casos de acidente no local de trabalho?
3. Como os trabalhadores avaliam o ritmo e o fluxo de trabalho (estressante e
controlado, monótono e cansativo, criativo e independente, participativo e com
liberdade ou cooperativo com satisfação pessoal)?
4. A remuneração salarial é compatível com o mercado?
5. Há demandas por parte dos trabalhadores de aumento salarial?
6. Houve algum aumento salarial nos últimos anos?
7. Como os trabalhadores avaliam o ambiente de trabalho?
8. Houve alguma melhoria no ambiente de trabalho nos últimos anos na
empresa?
9. A empresa fornece serviços de transporte? Como os trabalhadores os
avaliam?
10. Há demandas dos trabalhadores com relação à estabilidade dentro da
empresa?
11. Houve algum tentativa de terceirizar setores da empresa?
12. A empresa oferece aos trabalhadores um plano de carreira? Se sim, os
trabalhadores o consideram satisfatório?
13. Os trabalhadores têm realizado muitas reclamações sobre as condições de
trabalho?

136
AÇÃO SINDICAL
Informações básicas sobre a luta sindical
1. Qual é a relação entre o sindicato e a empresa? Qual é a relação entre o
sindicato e os trabalhadores? Existe organização por local de trabalho? Existe a
figura do delegado sindical? Qual a relação dele com a diretoria do sindicato?
2. Quais as principais demandas dos trabalhadores no momento (na mais recente
campanha salarial)? Você percebeu mudanças nessas demandas nos últimos anos?
3. Quais as principais formas de luta empregada pelo sindicato?
4. Houve o atendimento de alguma pauta em benefício aos trabalhadores nas
últimas ações sindicais?
5. Quais as dificuldades encontradas pelo sindicato na luta pelos trabalhadores?
6. Como você avalia a organização dos trabalhadores sindicalizados?
7. Você percebe alguma diferença de perfil entre trabalhadores sindicalizados
e não-sindicalizados?
8. Qual é o nível de participação dos trabalhadores nas reuniões do sindicato?
9. A organização sindical se enfraqueceu ou se fortaleceu nos últimos anos?
10. Há percepção de que outros sindicatos são mais fortalecidos ou
enfraquecidos?
11. O sindicato está filiado a alguma central? Qual? Por quê?

SOLICITAR AO FINAL DA ENTREVISTA


Identificação do respondente
 Nome
 Cor
 Idade
 Gênero
 Estado civil
 Filhos (se sim, quantidade)
 Faixa salarial
 E-mail
 Função
 Formação (grau de escolarização)
 Tipo de contratação
 Filiação e preferência política
 Experiência profissional

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