Anda di halaman 1dari 22

ALGUNS PROBLEMAS DE PROJETO OU DE ENSINO DE ARQUITETURA.

Maria Lucia Malard

O título que escolhi para este texto pode, de saída, receber algumas objeções. A primeira
delas, eu imagino que seja a de que eu estaria sugerindo que o ensino de arquitetura se
resume ao ensino de projeto. Alegariam que eu estou subordinando o ensino de
arquitetura, que é uma atividade a cargo de profissionais de diversas áreas de
conhecimento e detentores de variados saberes, aos problemas do projeto de arquitetura,
que é uma atividade restrita aos arquitetos e urbanistas. A segunda objeção poderia ser,
sem sombra de dúvida, a de que eu estou me propondo a falar tão somente do edifício,
uma vez que omito a palavra urbanismo. Diriam, nesse caso, que estou ignorando o
urbano ou, na melhor das hipóteses, que eu tenho uma visão limitada do nosso campo de
conhecimento e ação. A terceira objeção certamente seria a de que eu estou
negligenciando a tecnologia, uma vez que o título não contempla um único vocábulo que
lhe lembre a existência. E isso é uma falta grave, diriam alguns. Por último — mas não
por ser menos importante — seria trazida a objeção de que não se pode falar de
arquitetura a partir dos problemas de projeto, sem tecer considerações sobre os problemas
da história e da teoria do objeto arquitetônico.

Aceito todas essas objeções, por antecipação. Agindo assim, livro-me de justificativas
mal fundamentadas ou querelas corporativistas. Nem pretendo, tão pouco, ocupar o
tempo dos leitores com discussões semânticas. Das figuras de linguagem ficarei apenas
com as metáforas e as alegorias. Ambas para falar de arquitetura, em que pesem as
objeções supostamente apresentadas e antecipadamente aceitas. Entretanto, reservo-me o
direito de expor o meu ponto de vista sobre aquilo que chamo de problemas de projeto e
de ensino de arquitetura, aí incluídas as respostas às possíveis objeções mencionadas. Eu
as aceito para poder, em seguida, confrontá-las com alguns argumentos. Vamos a eles.

Arquitetura e Urbanismo.
A literatura técnica é pródiga em dizeres do tipo "arquitetura e urbanismo são
indissociáveis" e "um edifício não pode ser compreendido fora do contexto urbano",
quase todos de caráter doutrinário, mas de pouca valia para o fazer. Andando em paralelo
com a doutrinação há uma prática — tanto urbanística quanto arquitetônica, seja na
produção ou no ensino — que é intensamente criticada por conter uma dissociação entre
a cidade e o edifício, entre o urbano e o arquitetônico. Critica-se o profissional que
projeta edificações por fazê-lo ignorando o urbano. Critica-se o profissional que atua no
planejamento e gestão urbanos, por fazê-lo desconsiderando o edifício. Para avaliarmos a
pertinência dessas críticas, temos que examinar o contexto em que elas ocorrem e tentar
entender os seus objetos.

Quando falamos em projeto arquitetônico sabe-se muito bem que estamos falando em
plantas, cortes, elevações, detalhes construtivos e volumetria, isto é, em elementos
gráficos representativos de um objeto que se quer edificar. Sabe-se, também, que os
projetos complementares ao projeto de arquitetura — necessários para viabilizar a
edificação — constituem-se do cálculo estrutural, dos projetos das instalações hidráulico-
sanitárias, dos projetos das instalações elétricas e de telecomunicações, dos projetos de
proteção contra sinistros e dos projetos especiais (climatização de ambientes, exaustão de
gases, condicionamento acústico e outros). Uma vez concluído, o projeto arquitetônico
pode ser construído, transformando-se numa edificação, que é um objeto a ser ocupado
para fins diversos. O mesmo raciocínio se aplica quando falamos em projeto de
urbanização de uma área. Vê-se logo uma planta dos arruamentos e do parcelamento da
área em lotes, os perfis altimétricos das ruas e seus respectivos detalhes construtivos.
Pensa-se, também, na infra-estrutura de suprimento (água, energia elétrica, gás,
telecomunicações) e esgotamento (efluentes líquidos e resíduos sólidos), com os
elementos e detalhes construtivos pertinentes. Uma vez concluído, esse projeto de
urbanização também pode ser construído, transformando-se em loteamento com ruas,
praças, passeios, sarjetas, posteamento, arborização, etc. Torna-se uma área urbanizada, a
ser ocupadas por diversas edificações. O projeto arquitetônico, que virou edifício
obedece, no seu fazer, a procedimentos metodológicos similares ao projeto de
urbanização que virou loteamento. Ambos geram produtos físicos: os espaços construídos
que vão mediar relações sociais; espaços onde o urbano vai acontecer. Os projetos desses
espaços — urbanos e arquitetônicos — são antecipações de suas existências reais. Essas
antecipações são formuladas através de desenhos projetivos e outros meios de
representação. Uma vez edificados, tanto o edifício como o loteamento passam a ter
existência própria, independentemente de estarem ou não ocupados ou habitados.
Independentemente de terem se transformado em cidade. Os edifícios e os espaços
urbanizados podem, portanto, ser pensados como objetos autônomos, com relação aos
eventos que neles ocorrem. Tanto isso é fato, que há a pré-fabricação e o projeto-padrão,
que pode ser reproduzido em diferentes contextos espaciais, para diferentes usuários. O
urbano, ao contrário, não existe apartado das pessoas e dos eventos. É um sistema
complexo de relações e que não pode ser fielmente reproduzido a partir de um projeto. As
relações complexas, que envolvem pessoas, não são passíveis de serem replicadas.

Assim, não me parece apropriado falarmos em projeto do urbano, pois estaríamos falando
da antecipação de um sistema complexo de relações. Essa antecipação haveria de ser —
necessariamente — uma simulação, um modelo (no sentido matemático do termo), uma
teoria. Jamais um projeto nos moldes em que são feitos os projetos arquitetônicos ou
urbanísticos. Os procedimentos metodológicos para a abordagem do fenômeno urbano
são, portanto, de natureza completamente diversa daqueles adotados em projeto de
arquitetura e urbanismo. O fenômeno urbano, que é um fenômeno complexo, não pode
ser compreendido parcelarmente, sob uma ótica disciplinar ou multidisciplinar, mesmo
que admita recortes disciplinares em diversas das suas manifestações.

Voltando à questão levantada no início desta seção — se arquitetura e urbanismo são


indissociáveis — poderíamos dizer que sim e que não. É possível pensarmos o edifício
como um objeto autônomo, isto é, um objeto que tem uma independência lógica com
relação ao seu uso e ao sítio no qual se assenta; também é possível pensarmos o
assentamento da mesma maneira, como demonstramos. O projeto de Belo Horizonte, de
Aarão Reis e Francisco Bicalho, é um exemplo disso. Não só ele, mas qualquer outro
projeto urbanístico de cidades e bairros.

O leitor há de entender, entretanto, que não estou fazendo a defesa desse argumento, isto
é, de que os objetos arquitetônicos e urbanísticos devam ser pensados apartados de suas
interações com os demais fatores intervenientes na cidade e na dinâmica da vida urbana.
Estou apenas argumentando que isso é possível e apontando que, tanto é possível, que
tem sido feito. Por outro lado, esse tipo de fazer tem sido severamente criticado por
arquitetos, urbanistas e planejadores urbanos, como mencionei anteriormente. Em que
pese a dura crítica, a abordagem parcelar persiste, reforçando a fragmentação do
ambiente construído contemporâneo. Creio que a melhor maneira de fazermos avançar a
abordagem metodológica no âmbito da criação dos objetos arquitetônicos e urbanísticos,
livrando-a do vício disciplinar, é nos livrarmos, também, dos enunciados falsos, do tipo
"arquitetura e urbanismo são indissociáveis" e "um edifício não pode ser compreendido
fora do contexto urbano", ou ainda "um edifício só pode ser compreendido na sua
interação com os usuários". Tomando tais enunciados como falsos, proponho que a
questão seja tratada de outra forma. Se conseguirmos clarear as conseqüências — ou
inconveniências — de se projetar um edifício como um objeto autônomo, confinado às
suas relações com os requisitos programáticos, estéticos e tecnológicos, estaremos
problematizando a questão. Caracterizado o problema, ele pode ser debulhado e
resolvido. A qualidade da solução dependerá do grau de problematização que
conseguirmos alcançar, da nossa habilidade em formular hipóteses de solução e da nossa
capacidade de avaliação crítica, no sentido de corrigir eventuais erros. Aí residem os
talentos dos arquitetos.

A arquitetura, o seu fazer e o conhecimento sobre ambos.

Apenas para efeito de análise, poderíamos considerar 3 recortes básicos no campo da


arquitetura e urbanismo:

Recorte 1 — Seria constituído dos objetos arquitetônicos e urbanísticos, que são as


edificações e os assentamentos que habitamos e que se oferecem ao nosso uso e fruição.
Esses objetos mediam as relações sociais, juntamente com os demais objetos visuais,
1
feitos pelo homem Nem sempre são feitos por arquitetos e, na maioria dos casos, não
são mediados pelo saber arquitetônico. Tais objetos podem ter interesse para inúmeros
campos de saber, inclusive para o nosso.
Recorte 2 — Seria constituído da produção dos objetos do recorte 1, a qual se compõe de
todas atividades relacionadas ao planejamento, projeto e construção dos espaços
edificados. Essa produção é um trabalho profissional que envolve diversos saberes e
habilidades. É, portanto, um vasto campo de aplicação de conhecimentos que, pela sua
própria dinâmica, também gera os conhecimentos de que precisa para evoluir ou
tranformar-se. A produção dos objetos de arquitetura e urbanismo é uma atividade
produtiva material ou intelectual, como outras quaisquer.

Recorte 3 — Seria constituído da produção de conhecimentos sobre (1) e sobre (2). Este é
o recorte que possui mais interesse para a pesquisa acadêmica, como veremos adiante.

A pesquisa em arquitetura

A recente proliferação de programas de mestrado e doutorado em arquitetura e urbanismo


trouxe à tona a questão da pesquisa em nossa área. Essa proliferação tem se dado em
resposta à demanda, cada vez maior, de arquitetos e outros profissionais que desejam se
qualificar para lecionarem nos cursos de arquitetura e urbanismo que também têm
proliferado por todo o país. Como as dissertações e teses implicam no desenvolvimento
de um projeto de pesquisa, a discussão sobre o que seja uma pesquisa em arquitetura e
urbanismo tem surgido com força. O fato de nosso campo não ter uma tradição científica
torna essa discussão difícil e, por vezes, estéril. É como se estivéssemos conversando
numa língua que nenhum de nós domina. Assim, confundimos o vocabulário e
tropeçamos no significado das palavras, não conseguindo dar sentido aos nossos
enunciados. Isso, no entanto, não nos desmerece nem desqualifica, pois somos formados
para o exercício profissional, isto é, para fazermos projetos e planos. Até há bem pouco
tempo, a docência em arquitetura — principalmente na área de projeto — era diletante:
exercíamos a nossa prática profissional nos nossos escritórios ou no setor público (o caso
do urbanismo) e íamos às faculdades transmitir a experiência adquirida nessa prática. E
assim a reproduzimos durante anos. Como a arquitetura erudita brasileira (a arquitetura
dos grandes projetos e dos arquitetos de renome) goza de prestígio aqui e alhures, esse
modelo referenciado no exercício prático profissional tem sobrevivido.
Os professores da área de teoria e história, ao contrário dos professores de projeto,
adotaram a atividade de ensino como profissão e alguns deles se tornaram grandes
pesquisadores. Não é de se estranhar, portanto, que sejam nessa área os nossos melhores
trabalhos acadêmicos, tanto no Brasil como no exterior. A explicação da discrepância
entre as atitudes de professores de projeto e professores de teoria e história pode estar no
fato de que o ensino da história e da teoria não pode prescindir de uma atividade
intelectual intensa, que lhe dê suporte. Já a aula de projeto é, por natureza, uma análise
crítica do trabalho do estudante ou, para usar a terminologia que criamos, uma aula de
orientação. Para orientar o estudante na solução dos problemas do projeto, os professores
de projeto geralmente argumentam que a prática profissional lhes basta. Não penso assim,
embora reconheça que a prática profissional ajuda. Entretanto, a habilidade de analisar e
articular críticas é essencial num professor de projeto e precisa ser desenvolvida para
além das análises e das críticas que têm lugar na relação cliente/arquiteto. No caso do
urbanismo, este sempre teve muita afinidade metodológica com as ciências sociais,
devido ao planejamento urbano, onde o diagnóstico é peça importante na produção de
conhecimentos. Em urbanismo, conhecer quase sempre significa diagnosticar. Os
professores de urbanismo assentaram, assim, uma tradição de pesquisa onde o
conhecimento e a análise do dado se constituem num dos principais objetos da atividade
de pesquisa em urbanismo. O problema maior de falta de tradição científica é na área de
projeto. Para nós, projetistas, é muito difícil conceituar o que seja uma pesquisa que
possa ser conduzida tendo em vista a elaboração de uma dissertação de mestrado ou de
uma tese de doutorado na área de projeto. Não podemos adotar a tradição do
planejamento urbano porque, na elaboração de um projeto — não importa de que
tamanho ou complexidade — o conhecimento e a análise dos dados não são, por si só, um
produto, ou melhor dizendo, não são um produto que possa frutificar; são apenas uma
etapa indispensável ao processo de criação, à atividade projetual e só tem significado se o
projeto lhe dá seqüência.

Essa fase de conhecimento e análise dos dados para a elaboração de um projeto técnico
que é, sem dúvida, uma atividade de pesquisa, pode ser considerada, também, como a
produção de conhecimentos sobre o objeto que se projeta. Daí a confusão entre o que seja
elaboração de um projeto e desenvolvimento de uma pesquisa em projeto. Tal confusão
se estabelece porque a elaboração de um projeto técnico (para a construção de um objeto)
implica também na produção de conhecimentos relevantes e que podem ser generalizados
para além do objeto projetado. Como vemos, a linha que diferencia um projeto técnico de
uma pesquisa em projeto é extremamente tênue, podendo até passar despercebida. Mas
estabelecer tal demarcação nos parece fundamental, se o nosso propósito é o de
desenvolver conhecimentos no âmbito do projeto. Devemos assumir que existe uma
dificuldade real em se diferenciar entre o que seja uma pesquisa para se fazer um projeto
e o que seja uma pesquisa para se desenvolver conhecimento na área de projeto, pois em
ambos os casos pode ocorrer a produção de conhecimento.
A nossa visão é de que qualquer projeto de arquitetura implica necessariamente num
processo de pesquisa, independentemente de sua complexidade conceitual, funcional,
tecnológica ou plástica. O projeto começa com a existência de um problema de
arquitetura. Partimos de um problema (ou situação problema) que precisa de uma solução
arquitetônica; elaboramos hipóteses de projeto (tentativas de solução); eliminamos
aquelas que não resolvem o problema (considerados todos os seus aspectos estéticos,
tecnológicos e funcionais) e escolhemos aquela que nos parece ser a melhor. Para a
eliminação das soluções ruins (ou dos erros) nós usamos a crítica. Fazemos arquitetura
por tentativa e eliminação de erros, tal qual um cientista faz ciência 2.
Antes de elaborarmos as hipóteses de solução precisamos conhecer mais e melhor o
problema, analisando as informações sobre ele disponíveis. Ora, para analisar qualquer
informação temos, antes de mais nada, de obtê-la. E para obtê-la temos que procurá-la,
realizando uma pesquisa. Podemos então considerar que o processo de projeto é também
um processo de aquisição (ou produção) de conhecimento sobre o objeto que se projeta.
É aquisição de conhecimentos quando os dados sobre o objeto a ser projetado já são
conhecidos e disponíveis; nesse caso vamos apenas utilizá-los. É um processo de
produção de conhecimento quando o objeto ainda não foi projetado e precisa ser criado
em todos os seus contornos técnico-construtivos e funcionais; aí temos que descobrir,
antes, quais são esses contornos para podermos elaborar o projeto. Em qualquer uma das
duas situações partimos de um problema e conduzimos algum tipo de pesquisa: fazemos
levantamentos, observações, medições, ensaios e assim por diante. Entretanto, apenas
produzimos conhecimento no segundo caso, quando descobrimos, revelamos ou criamos
dados e informações até então desconhecidos e que podem ser replicados ao aplicados a
outras situações sem que se incorra em plágio. Por exemplo, se desenvolvo um sistema
construtivo para um determinado conjunto habitacional e que pode ser empregado por
outros arquitetos em outros projetos, estarei fazendo um trabalho que se enquadraria
como pesquisa e desenvolvimento tecnológico; o conjunto habitacional seria apenas um
estudo de caso a partir do qual o sistema foi concebido e no qual foi testado. Sua
replicabilidade é que o caracteriza como um produto de pesquisa e desenvolvimento. Do
contrário, seria meramente um projeto para um conjunto habitacional, um produto da
prática profissional.
O critério da replicabilidade me parece bastante adequado para diferenciar um projeto
que poderia ser aceito como objeto de pesquisa acadêmica de um projeto que seria objeto
da prática profissional e, portanto, sem interesse para a pesquisa acadêmica. Se o
conhecimento gerado pela pesquisa pode ser aplicado (ou estendido) a outros objetos
arquitetônicos (em proveito de sua qualidade técnica, estética ou utilitária), trata-se de
uma pesquisa para desenvolver conhecimento em arquitetura, ainda que ela tenha se
baseado em um estudo de caso. Se o conhecimento gerado por uma pesquisa é para
aplicação ou solução de um problema específico e único, estaremos diante de um projeto
técnico de arquitetura, uma vez que a aplicação (ou extensão) dos resultados a outros
objetos arquitetônicos estaria incorrendo em plágio.
Há de se ressaltar, no entanto, que ambos, pesquisa e prática profissional, são do interesse
do ensino de projeto: um, como produção de conhecimento; o outro, como aplicação
prática de conhecimentos produzidos.
A produção de conhecimento no âmbito do projeto de arquitetura implica
necessariamente num processo de pesquisa, pois não se produz conhecimento sem se
pesquisar. Também, a exemplo do projeto, haverá de partir de um problema, seja ele
metodológico, tecnológico, teórico, estético ou o que for.
O critério de demarcação que proponho não nos salva porém (nós, os cursos de pós-
graduação stricto sensu) de pesquisas estéreis e até inúteis para o progresso do
conhecimento no nosso âmbito. Salva-nos ainda menos de monografias temáticas,
discursos vazios, estudos de caso sem importância, análises comparativas irrelevantes,
metodologias que só se aplicam ao caso específico estudado, e inúmeros outros
equívocos que por vezes encontramos sob o nome de Dissertação ou Tese. E digo mais:
esse não é um privilégio da área de projeto. O mesmo ocorre com o urbanismo, a teoria
da arquitetura e a tecnologia que se aplica ao nosso campo. Menos com a história, talvez.
Isso porque a história, mesmo quando é mero registro de eventos, permite que um dia
esse registro aponte para algum problema relevante, sobre o qual um pesquisador criativo
se debruce.
Dissemos que qualquer projeto implica em algum nível de pesquisa e que nem toda
pesquisa leva à produção de conhecimento ou à evolução do campo. Só levará nos casos
em que se propuser a resolver um problema. Entretanto não depende somente que ela vise
à solução de um problema, mas que esse problema seja relevante para o progresso do
campo. A sua relevância pode ser social, econômica, estética, tecnológica ou
epistemológica.
Resta-nos, então, discutir quais são as possíveis maneiras de se fazer evoluir a pesquisa
em arquitetura para que ela não se debruce sobre questões triviais e que realmente se
torne capaz de respaldar a evolução do nosso campo profissional.
Para isso será preciso identificar quais são os problemas que o nosso campo de
conhecimento coloca e quais as questões que suscitam.
Sendo a arquitetura um campo de aplicação, o nosso objetivo como pesquisadores deverá
ser o de gerar conhecimentos que os arquitetos possam aplicar para fazerem melhores
projetos. Esses conhecimentos certamente estarão em muitos campos disciplinares:
metodologias e tecnologias de projeto, estética, tecnologia de construções, física aplicada,
etc. Não vejo nenhum sentido em se desenvolver, nos mestrados e doutorados, a nossa
habilidade em projetar. Isso é papel da graduação e da prática profissional. Se
acreditarmos que uma dissertação ou tese pode ser um projeto, estaremos acreditando que
o projeto de arquitetura é tão somente uma técnica e, como tal, pode ser masterizada. Por
outro lado, se acreditarmos que o projeto de arquitetura é um produto intelectual,
estaremos falando em ciência. Estaremos falando no método científico. E este começa
com problemas. Um problema é sempre anterior a qualquer observação ou percepção dos
sentidos. A observação e a percepção auxiliam na formulação das hipóteses de solução,
nas conjecturas. A eliminação dos erros se faz pelo método crítico. A ciência nasce
quando o espírito crítico se desenvolve, através da discussão. O progresso científico
consiste no fato de que as teorias são suplantadas e substituídas por outras, mais
abrangentes. Karl Popper nos mostra com clareza que as novas teorias resolvem os
problemas que as antigas resolviam e ainda resolvem novos problemas que não eram
contemplados pelas antigas. Quando conseguimos provar que uma teoria é falsa, nós
aprendemos muito. Aprendemos não somente que ela é falsa, mas a razão pela qual é
falsa. Aí nós temos um novo problema, que será um ponto de partida para um novo
desenvolvimento científico.
É assim em arquitetura, urbanismo, construção civil, química, física, biologia…
Mas, em projeto de arquitetura e urbanismo, qual é a área estruturada de problemas? Em
que tradição nos inscrevemos?

As idéias e as formas.

Um dos grandes problemas da arquitetura reside na transposição de conceitos formulados


numa linguagem verbal para situações técnico-construtivas, ou conceitos arquiteturais.
Expressar arquitetonicamente um lugar aconchegante é, antes de mais nada, um exercício
de interpretação. Se a tradução arquitetônica de aconchegante fosse, por exemplo,
madeira + pedra + almofadas + lareira, qualquer recinto construído e equipado com esses
elementos seria aconchegante, independentemente de sua forma, dimensões e proporções.
Se acrescentarmos à receita esses dados quantitativos, mesmo assim não teríamos a
garantia de estar projetando um lugar aconchegante, pois dependeríamos de sua
configuração formal, de sua relação com outros lugares, dos fluxos nele existentes, de sua
relação com o exterior e da interação entre todos os seus elementos constitutivos. Mesmo
após interpretar corretamente todos esses requisitos, não estaria assegurado que o lugar
fosse aconchegante se eu não cuidasse de dosar a iluminação e as temperaturas. Após
realizar com sucesso todas as etapas, eu ainda dependeria de uma variável sobre a qual eu
jamais teria controle: o comportamento das pessoas que utilizarão aquele lugar. De resto,
duas ou três crianças cheias de energia conseguem liquidar com o aconchego de qualquer
lugar, caso resolvam correr de um lado para outro, perseguindo umas às outras.
O arquiteto, por mais que ele queira, não tem controle sobre o uso dos espaços que
projeta. E é bom que assim seja pois, do contrário, acabaríamos por querer controlar a
própria vida das pessoas, dirigindo suas práticas no espaço. As abordagens cuja pretensão
seja a de impregnar os projetos com as intenções do arquiteto são, pois, inócuas pela
própria natureza e, portanto, ingênuas, se examinadas objetivamente. Mas, se somos
ingênuos ao buscar o inatingível, podemos nos tornar nocivos, ao preconizá-lo. Intenções
não têm formas visuais. O modo com que percebemos o espaço nos é ensinado pela
cultura, pela prática social. No seio de uma cultura — ou de um estrato social de uma
cultura — as atividades da vida cotidiana são desenvolvidas de modo semelhante e quase
ritualístico, constituindo-se em padrões: cozinhar, dormir, ver TV, ler, datilografar,
costurar, e assim por diante. A cada padrão corresponde uma forma arquitetônica: sala de
jantar, cozinha, quarto de dormir, sala de TV, espaço de leitura, escritório, quarto de
costura, etc. Isso quer dizer que os ambientes são especificidades culturais e são
coerentes com a organização social da cultura que os edifica. Assim, espacializações e
lugares são fortemente conexos: os eventos que ocorrem num certo lugar são aqueles que
o lugar consegue acolher. Os lugares, por sua vez, afetam a relação social, na medida em
que eles acolhem, facilitam, ou impedem, pela ausência ou inadequação, os
acontecimentos. Entretanto, os lugares não são capazes de promover acontecimentos. A
simples existência de espaços adequados à manifestação política não assegura que ela se
dê, mas a inexistência — ou interdição — deles pode impedi-la. Os eventos humanos e os
espaços arquitetônicos caminham juntos: para espacializar suas atividades, o homem cria
lugares (lugares arquitetônicos) ordenando as coisas e moldando formas. A ordenação de
objetos (coisas) é o processo que imprime significado aos espaços, uma vez que ele é
orientado por algum propósito. Os espaços influenciam, de volta, as formas sociais. Há,
aí, um movimento interativo, uma dialética que só pode ser compreendida através do
estudo da história. E é por isso que devemos dar importância ao estudo da História da
Arquitetura.

O estudo da História da Arquitetura só faz sentido se acreditamos que, com ele, iremos
aprender um pouco mais da nossa própria história, do percurso da humanidade no mundo,
das interações entre os diversos grupos sociais, de suas práticas e de seus conflitos. Sob o
pretexto de estar estudando a história — ou a teoria— discutem-se as intenções deste ou
daquele arquiteto ao conceber esta ou aquela forma, o que é irrelevante e não nos ajudará
a compreendê-la. Não nos ajudará, sequer, a entender a razão de ser daquela obra e, por
via de conseqüência, a razão de ser das obras que fazemos. A história da arquitetura só
tem importância se compreendida como a história das espacializações das formas sociais.
Assim, ela nos ensinará que, se quisermos transformar a organização espacial, teremos
que atuar na organização social e transformar as idéias e as práticas que a sustentam.

Idéias e formas são indissociáveis e constitutivas das espacializações. Entretanto, não é


raro encontrarmos textos que abordam a História da Arquitetura como um
desencadeamento temporal e autônomo de configurações espaciais e estilos artísticos. A
própria maneira de se ensinar história nos cursos de arquitetura incorpora essa
compreensão e reforça o equívoco: estudamos a seqüência temporal das ocorrências
arquitetônicas e as peculiaridades de suas características visuais. Talvez, por isso,
achamos legítimos os revivalismos e as citações ou referências estilísticas, às quais
chamamos, erroneamente, de históricas. O tempo se inscreve no espaço de outra maneira:
no cotidiano vivido. Para que um evento ocorra, além de espaço é preciso haver
disponibilidade de tempo: tempo para trabalhar, tempo para almoçar, tempo para o café,
tempo para o lazer e assim por diante. Quando alguém diz que precisa de tempo para ler
ou tempo para visitar amigos, não está falando do tempo linear, quantificável e dividido
em sucessão de dias, horas e minutos. Está falando do tempo vivido no dia a dia, da
experiência do tempo onde se combinam as seqüências dos eventos naturais com as
seqüências dos eventos culturais. Essa noção de tempo vivido é fundamental para que se
compreenda o papel do tempo nas espacializações humanas. Sem ele os eventos não
podem ser concebidos. Para clarear esse argumento, imaginemos a seguinte situação: o
planejamento físico de uma escola secundária contempla a construção de um campo de
futebol. Entretanto, o currículo escolar não abrange as atividades esportivas e o horário
das aulas não prevê a recreação dos estudantes. Nessa situação é fácil imaginar que as
chances de ocorrer um jogo de futebol são nulas, embora os estudantes gostem de jogar
bola e haja espaço disponível para o futebol. Poderíamos enumerar muitas outras
situações onde esse mesmo tipo de fenômeno ocorre: a falta de tempo impedindo a
ocorrência de eventos. A organização do tempo do cotidiano não apenas afeta, mas
efetivamente controla as espacializações, permitindo ou impedindo que elas ocorram. Em
suma, tempo/espaço/eventos são fortemente conexos e não podem ser considerados
separadamente quando se projeta o ambiente construído, isto é, quando se faz arquitetura.
Sempre que o tempo do cotidiano não for levado em consideração, os espaços não serão
adequadamente apropriados.

Os aspectos visuais.

É falacioso o argumento de que, em arquitetura, a dimensão estética não é relevante ou


que uma boa arquitetura não é aquilatada pela excelência de seus aspectos visuais.
Admito que há uma grande dificuldade em se valorar, esteticamente, uma obra de
arquitetura. Não creio, no entanto, que um juízo de valor positivo sobre uma edificação
possa ser emitido sem se levar em consideração os seus atributos visuais. Por não ser
apenas um objeto de fruição, a arquitetura difere, na sua prática projetual, das artes
plásticas. Por não ser primordialmente um objeto tecnológico, diferencia-se da mera
construção. Por não ser um simples abrigo de atividades, também não se confina às
determinações utilitárias. A tríade vitruviana (firmitas, utilitas e venustas) que interpreto
como sendo as dimensões tecnológica, funcional e simbólica da arquitetura, sempre se
apresenta como uma totalidade complexa, cuja compreensão transcende qualquer uma
das suas partes constitutivas. Eu diria que a construção que se revela ao nosso
conhecimento, acolhe o nosso uso e torna-se arquitetura pelos nosso olhos. Talvez, por
isso, entende-se que, para ser arquitetura, a edificação tem que ser bela. A nossa grande
dificuldade, de arquitetos, professores e estudantes de arquitetura é compreender a
demarcação entre arquitetura e construção. Uma edificação qualquer — uma construção
— é capaz de acolher usos (funções) e implica no emprego de alguma tecnologia para
acontecer. O fato de seu desempenho na acolhida dos usos (na parte funcional) ser
perfeito e o fato de ser edificada dentro do maior rigor técnico não lhe asseguram o
atributo de boa arquitetura. Este vem dos aspectos visuais, mesmo que não saibamos
como apartá-los da técnica e do contexto de uso. Por outro lado, às vezes reconhecemos
como boa arquitetura edificações que nos seduzem pelos aspectos visuais, mas que não
apresentam bom desempenho técnico e funcional. Por que isso? Só pode haver uma
explicação: os aspectos visuais encerram os atributos de beleza de uma obra arquitetônica
e a definem como tal. Por isso eles são tão importantes para nós, arquitetos e eu proponho
que eles não sejam negligenciados ou negados.

Negando-se a importância da beleza do edifício, da forma acabada, nega-se também a


beleza da paisagem urbana, o interior da cidade, que é formado pelo conjunto de edifícios
e que é um outro nível de forma acabada. Outro equívoco é a busca da beleza no objeto
3
sentido, vivido, apropriado e não no objeto visto. Existiria essa possibilidade? Seria
possível perceber o espaço arquitetônico, vivê-lo, senti-lo e apropriá-lo, sem dar atenção
ao que é visto? Um espaço que não é criado para ser visto, pode ser neutro em relação aos
eventos que ali ocorrem? A beleza seria desnecessária à arquitetura? Para quem acha que
sim, a construção bastaria. E se a construção bastasse, bastaria a técnica para que a
arquitetura se realizasse. Ora, essa conclusão, embora lógica, é desprovida de sentido,
absurda até. O argumento de que a boa arquitetura independe de seus aspectos visuais ou
a eles não se subordina é perigoso e falso. Perigoso, porque induz à crença de que é
possível haver boa arquitetura dentro dos limites de seus atributos tecnológicos e de uso.
Falso, porque aponta para a possibilidade de se reconhecer a boa arquitetura sem que seja
preciso vê-la, o que é inconcebível. Seria como apreciar um vinho sem ao menos prová-
lo.
Os aspectos visuais da arquitetura são essenciais, mas não são — e nunca foram —
autônomos relativamente à tecnologia e às possibilidades de uso. Também não são meros
resultados de articulações de materiais, técnicas construtivas e demandas funcionais,
como alguns autores nos fazem crer, embora já tenha sido assim. Na antiguidade, por
exemplo, os aspectos visuais dos edifícios eram resultado das articulações técnicas e
construtivas possíveis de serem realizadas com a pedra, a madeira e o barro. As
decorações — pinturas e relevos — eram introduzidas como revestimentos, externos ou
internos, para enfeitar a edificação. As pirâmides são, sem sombra de dúvida, resultados
tecnológicos. O estágio tecnológico de então não permitiria a construção de grandes
edificações que não fossem piramidais. Era a forma possível e não a forma desejada,
inventada. A evidência disso é que as edificações piramidais floresceram na África, no
Oriente e na América pré-Colombiana, como processos de criação coletiva. As catedrais
góticas são testemunho de um outro estágio: a invenção da forma. Nesse momento a
tecnologia construtiva é desenvolvida para possibilitar a forma imaginada. É uma
mudança crucial no destino da arquitetura. A partir dela, a invenção da construção passou
a ser incorporada ao processo de criação do edifício. No Renascimento, ressalvado o caso
das cúpulas, os aspectos visuais da arquitetura voltam a se subordinar às técnicas
disponíveis. As formas triviais são decoradas com os elementos inspirados nas
edificações da antiguidade clássica. No modernismo a forma volta a ser imaginada,
colocando a técnica ao seu serviço. E esse processo continua até os dias de hoje, embora
uma onda revivalista — o pós-modernismo — tenha contra ele conspirado. Os aspectos
visuais da arquitetura pertencem ao âmbito da arte e de seus poderes de sedução. São
gerados pela sensibilidade do arquiteto e capturados pela sensibilidade do usuário/fruidor.
Mesmo residindo no âmbito da sensibilidade, são objetos do conhecimento tanto como a
técnica e o uso. Podem, portanto, ser objetos de pesquisa científica.

O ensino de projeto e suas dificuldades.

O ensino de projeto geralmente é centrado na solução de problemas: formula-se um


problema arquitetônico e urbanístico e incumbe-se o estudante de encontrar uma solução.
Em alguns casos avança-se um pouco mais: apresentam-se os contornos de uma situação-
problema e solicita-se ao estudante que a problematize e proponha soluções. É
exatamente nisso — no desenvolvimento da habilidade de problematizar situações e
solucionar problemas — que reside a maior qualidade do ensino de projeto arquitetura e
urbanismo, pois estimula o potencial criador do estudante, desenvolvendo suas
habilidades na formulação de conceitos e na aplicação dos conhecimentos técnicos.
Durante o processo em que lida com o problema na tentativa de solucioná-lo, o estudante
recebe orientações dos professores quanto aos rumos metodológicos a serem explorados,
quanto às questões teóricas e conceituais que o problema suscita e os aspectos funcionais
ali implicados e sobre a tecnologia que poderia dar suporte às tentativas de solução. As
questões estéticas — ou de aparências visuais — são abordadas por meio de
exemplificações, que na maioria das vezes constam da apresentação e discussão de
projetos bem sucedidos, consagrados pela crítica e pelas revistas especializadas.
Exemplos de boas soluções ocorridas em outros períodos históricos também costumam
ser trazidos à sala de aula, como fonte de dados funcionais e técnicos ou como referencial
de qualidade. Dado o problema, o estudante elabora as suas hipóteses (estudos) de projeto
e as traz ao exame e apreciação do orientador. O orientador, por sua vez, critica as
hipóteses que lhe são apresentadas, aponta as questões mal resolvidas, oferece
informações e sugestões, elucida dúvidas técnicas e funcionais e às vezes tece
considerações sobre a volumetria e as aparências que se vislumbram nesses estudos
preliminares.

Em linhas gerais é assim que se desenrola o ensino de projeto, não só na Escola de


Arquitetura da UFMG — onde sou professora de projeto — como na grande maioria dos
bons cursos de arquitetura e urbanismo do país e no exterior. Nas escolas em que a etapa
de formulação do problema (problematização de uma dada situação arquitetônica e
urbanística) é também levada a cabo pelo estudante, o processo ensino/aprendizagem se
enriquece ainda mais, pois irá contribuir para o desenvolvimento da habilidade de
problematizar situações o que é, sem dúvida, necessário no exercício profissional da
arquitetura e urbanismo.

O ensino de projeto é, pois, por sua própria natureza, personalizado, na medida em que o
professor se dedica à orientação de cada projeto específico, seja ele elaborado
individualmente ou em grupo. Para compreender a idéia arquitetônica e urbanística que
lhe é apresentada — e então poder analisá-la e criticá-la — o professor precisa
estabelecer intenso diálogo com o estudante, o que acaba por aproximá-los numa relação
mais pessoal, que pode ser de afeto ou desafeto, dependendo do sucesso do diálogo
conseguido. Pode parecer paradoxal, mas os principais problemas do ensino de projeto
decorrem, precisamente, de sua maior qualidade, que é a interação direta professor/aluno,
pois é nesse contexto que ocorre a avaliação. Avaliar é conhecer, interpretar e julgar.
Interpretar é também julgar. A interpretação pressupõe a compreensão e esta só se dá a
partir de certas referências, que se constituem nos nossos pressupostos. Só
compreendemos, portanto, aquilo que conhecemos. Tendemos, pois, a recusar as soluções
que realmente são diferentes ou originais. Só julgamos a partir dos nossos pressupostos, o
que certamente nos leva a avaliar negativamente o que não estabelece correspondência
com eles. E é por aí que começam as dificuldades de quem avalia o fruto de um processo
criador, seja ele intelectual, técnico, científico ou artístico. Durante o processo de projeto,
o professor orientador avalia todo o tempo: ao sugerir um determinado caminho
metodológico terá avaliado e rejeitado o caminho proposto pelo aluno; ao apontar um
problema construtivo, terá verificado aquela carência de conhecimento ou aquele erro; ao
incentivar a exploração de uma hipótese projetual, terá julgado positivamente a idéia
proposta e assim por diante. Entretanto, a avaliação — que é inerente ao processo de
orientação/criação — só é consubstanciada em conceito (ou nota) no produto final ou nas
suas etapas de execução. Daí o estranhamento do aluno quando não lhe é atribuído um
bom conceito.

O certo e o errado em projeto.

Um problema do tipo (a) "João tinha três laranjas e ganhou mais duas; com quantas
laranjas João ficou?" supostamente admite apenas uma solução: 5 laranjas. Haveria a
possibilidade de se argüir que, se nada acontecesse de entremeio, João realmente ficaria
com 5 laranjas mas, se uma das laranjas apodrecesse, João ficaria com apenas quatro.
Poderíamos então contra argumentar que esse não era um dado do problema. Que seja.
Aceitemos que a única resposta certa para o problema (a) é 5 laranjas. As outras estariam
erradas e, numa avaliação, não teríamos nenhuma dificuldade em atribuir os pontos totais
a quem tivesse respondido 5 e nenhum ponto a quem tivesse respondido um número
diferente de 5. Esse caso é o que geralmente chamamos de avaliação objetiva: os pontos
totais a quem acertou e zero pontos a quem errou. A avaliação objetiva só é possível,
entretanto, no contexto de problemas do tipo (a), onde há apenas uma solução e uma
única resposta certa.

Por outro lado, um problema do tipo (b) "projetar uma casa para uma família de 5 pessoas
(o casal, uma menina de 7 anos, outra de 9 e um menino de 12), cuja renda é de 20 SM; o
terreno é plano, de 360 m2, fica na rua "A", número 15, com frente para o sul", pode ter
inúmeras soluções e certamente não terá, dentre elas, uma da qual possamos dizer que é a
certa ou que é errada. Como avaliamos então? Não existe outra saída: avaliamos de
acordo com os nossos pressupostos, nossa visão de mundo, nossa visão de arquitetura,
nosso conhecimento técnico específico, nossos conceitos de adequação, beleza,
funcionalidade, habitabilidade, etc. Para resumir, avaliamos dentro de uma tradição.
Quando se trata de um problema do tipo "b", que admite mais de uma solução correta (ou
adequada, ou aceitável) não há a possibilidade de uma avaliação objetiva, imparcial ou
isenta. Não há, também, possibilidade de se estabelecerem critérios objetivos para se
avaliar o resultado desse tipo de problema onde não há a dicotomia certo/errado. Nesses
casos os critérios serão sempre subjetivos, pois são ditados pelos pressupostos dos
avaliadores; e esses pressupostos são modelados pela vivência de cada um. As diversas
vivências determinam gostos, crenças, emoções, prioridades e sentimentos diversos — e
por vezes divergentes — determinam entendimentos diferentes e, portanto, distintos
juízos.

Como o ensino/aprendizado de projeto de arquitetura e urbanismo será medido pela


avaliação; como a avaliação será feita a partir do que consideramos um bom resultado; se
esse bom resultado é medido em função do que consideramos uma boa arquitetura, é
pertinente, então, esclarecermos esta questão preliminar: quais são os nossos pressupostos
com relação à uma boa arquitetura? Há alguma homogeneidade entre nós? Será possível
haver? Será possível ao menos pactuarmos em torno de uma idéia do que seja uma boa
arquitetura, para efeito de avaliação, abrindo mão de uma série de convicções pessoais
em benefício de um entendimento coletivo? Se o debate sobre essa questão desaguar
numa resposta positiva, poderemos então falar de critérios equânimes. Do contrário, será
melhor falarmos em critérios pessoais, que variam de indivíduo para indivíduo e que
serão sempre polêmicos. Se conseguirmos elaborar critérios com referência aos
pressupostos estabelecidos coletivamente, e se conseguirmos aplicá-los respectivamente a
esses pressupostos, estaremos lidando com uma probabilidade grande de não cometermos
desvios excessivos na avaliação. Teremos certamente avançado muito na direção de uma
avaliação adequada. Mas seria isso factível?

O momento do ensino/aprendizado.
Muito se fala na necessidade de se realizar um ensino conexo à prática profissional, com
estágios obrigatórios, aprendizado em ambiente profissional e coisas do tipo. Quero
levantar algumas objeções a isso e tentar fundamentá-las em argumentos consistentes.
Não vejo nenhuma vantagem em trazer para a academia um momento que não lhe é
peculiar: o exercício profissional. Dirigir o ensino para o exercício profissional está mais
próximo do adestramento (ou treinamento) do que da formação. Esse me parece ser um
duplo equívoco: o primeiro, é que arquitetura não é uma técnica na qual se possa treinar
alguém; é uma produção da imaginação criadora. O segundo é que um treinamento se dá
pela repetição do conhecido, o que certamente não leva a uma prática arquitetural
inovadora.

O ensino de arquitetura não deve se preocupar em propiciar aos estudantes treinamento


em serviço pois, sob o ponto de vista da formação isso é irrelevante. O desenvolvimento
da capacidade crítica para sintetizar conhecimentos na prática projetual me parece bem
mais relevante — e urgente — do que o treinamento de práticas profissionais que, muitas
vezes, são subordinadas aos ditames do mercado ou às necessidades prementes de
determinadas conjunturas profissionais. Um estudante treinado nesse contexto correrá o
risco de não desenvolver sua capacidade crítica e, como conseqüência, atrofiar sua
imaginação criadora. O momento da academia não deve se assemelhar ao que ficou para
trás — no ensino médio — ou antecipar o que vem adiante, no mercado. Deve ser um
momento único, no qual o passado escolar é potencializado e o futuro profissional
sonhado.
Na minha visão, os exercícios de aplicação que são feitos na escola — os trabalhos
práticos das disciplinas de projeto de arquitetura e urbanismo — devem ser referenciados
nos problemas de arquitetura e urbanismo que se evidenciam no nosso ambiente
construído. Não vejo sentido em se buscar, para esses problemas, o mesmo tipo de
solução que o mercado (o ambiente profissional) tem encontrado. Às escolas cabe fazer
prospeções audaciosas, ao invés de reproduzir soluções já conhecidas. Estas devem
retornar à escola como conhecimento assente e não como possibilidades de prospeções.
O "treinamento em serviço", a "inserção na prática profissional", o "estágio
profissionalizante" ou outro nome qualquer que se dê à interação escola/mercado, é uma
idéia que tem suas raízes na pedagogia do adestramento e no ensino de projeto diletante,
ao qual me referi anteriormente. Em suma, é uma idéia atrasada, sob a roupagem de
grande novidade. Por que isso? Atrevo-me a oferecer uma explicação.
Quando não tínhamos a institucionalização da pesquisa em arquitetura e urbanismo, o
objetivo das escolas e cursos era reproduzir o conhecimento e as habilidades
desenvolvidos nos escritórios, nas empresas e no setor público. Os professores eram
recrutados nesse mercado, dentre aqueles que gostavam de ensinar. Salvo uma ou outra
exceção, a docência não era a ocupação principal desses mestres. Aos engenheiros cabia
o ensino da topografia, da matemática, da física aplicada, da geometria descritiva, das
disciplinas de estrutura, das técnicas construtivas, das instalações prediais e do
saneamento básico. Aos arquitetos eram destinadas as disciplinas de história, teoria,
desenho, projeto de edificações e urbanismo. Ambos os segmentos reproduziam, em sala
de aula, os conhecimentos desenvolvidos no mercado profissional. Assim foi o meu
curso, na década de 60, na UFMG. Assim eram quase todos os outros cursos de
arquitetura e urbanismo do país. Nós, os estudantes, reclamávamos desse ensino
reprodutivista e alienado dos problemas cruciais da maioria da população, que eram
moradia, infra-estrutura urbana, escolas, creches, etc. Reclamávamos, também, da falta
da pesquisa acadêmica que se debruçasse sobre esses problemas e da qual pudéssemos
participar. Havia, é justo que se diga, uns poucos abnegados grupos de pesquisa aqui e
ali, mas nada que se assemelhasse ao sistema que temos hoje.
A institucionalização da pesquisa nas universidades se deu, de fato, a partir da criação do
regime de dedicação integral (para os docentes) e da pós-graduação. A arquitetura e
urbanismo custou a ingressar nessa nova era. A grande maioria das escolas permaneceu
no modelo reprodutivista até meados dos anos 80. Hoje em dia, o cenário se modificou,
principalmente nas instituições que desenvolvem pesquisa e pós-graduação. Nestas, os
professores são, em sua maioria, de dedicação integral e, portanto, distanciados da prática
profissional. Assim sendo, não se vêem em condições de trazer para a sala de aula as
questões que emergem do exercício profissional. Os estudantes, por outro lado, sentem-se
distanciados do mundo profissional, que tanta curiosidade lhes provoca. As propostas
sobre experiência prática em ambiente profissional surgem nesse contexto e as partes
envolvidas — estudantes e professores — não se dão conta de que estão promovendo um
retrocesso e abrindo mão da formação, em prol do treinamento.
Mas, o que seria um ensino de arquitetura voltado para a formação? Esta é uma pergunta
que eu não saberia responder, embora esteja disposta a enfrentá-la. Comecemos por um
argumento no sentido inverso. Em arquitetura e urbanismo, a "experiência prática em
4
ambiente profissional" significa o estágio em escritórios ou empresas de arquitetura e
urbanismo, ou em órgãos da administração pública que trabalham na área. Isso quer dizer
que deve ser uma experiência prática nas áreas que são de atribuição profissional do
arquiteto e urbanista, primordialmente. Podemos inferir, então, que tal experiência diz
respeito, principalmente, ao projeto de arquitetura e urbanismo, pois não faria sentido
falarmos em "experiência prática em ambiente profissional" na área de teoria e história,
de estudos sociais ou de instalações mecânicas. No caso de considerarmos que a
experiência prática no ambiente profissional é realmente necessária, teremos que admitir
que ela tem o objetivo complementar à prática projetual que se dá na escola. Esse
raciocínio levaria ao entendimento de que a escola deve dirigir seus conteúdos e suas
preocupações pedagógicas para o mercado, e este determinar o que a escola ensina.
Assim ficaria estabelecida uma circularidade reprodutiva entre escola/ambiente
profissional/escola que poderia ser extremamente nociva, pois, como já mencionei,
impediria a crítica e a renovação de procedimentos e soluções. A arquitetura, aí sim,
entraria numa crise sem saída. Qualquer círculo, nós sabemos, é fechado.

Se recusarmos a prática arquitetural reprodutivista, haveremos de recusar, também, o


ensino que lhe é correlato. O ensino de arquitetura deve visar a formação para a prática e,
portanto, deve ter um caráter crítico e prospectivo. Esses dois papéis — o da crítica e o da
prospeção — são muito bem desempenhados pela academia. Esta, sim, deve aprimorá-
los, para propiciar uma prática inovadora.

NOTAS
1
. A paisagem natural não é um meio para as relações sociais. Ao contrário, para exercer
suas atividades o homem constrói, transformando o sitio natural em ambiente construído.
2
. Referindo-se à criação em ciências naturais e em ciências sociais, Karl Popper diz que
elas partem sempre de problemas e, para resolvê-los, elas usam o método de tentativa e
erro, que é o mesmo utilizado pelo bom senso: temos um problema, construímos soluções
e descartamos, uma após outra, aquelas que não o resolvem bem; ficamos com a que
resolve. Nesse processo desenvolvemos o nosso aprendizado sobre o problema, seus
elementos constitutivos, suas principais dificuldades. Temos então três níveis:
— o problema (ou situação-problema);
— as tentativas de solução (hipóteses, conjecturas, teorias);
— a eliminação das soluções erradas (avaliação crítica).
Essas idéias de Popper podem ser encontradas em vários de seus livros, dos quais o mais
conhecido é A lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Editora Cultrix, 1974 e
3
. Obviamente os cegos percebem e se apropriam do espaço através de outros sentidos,
que não a visão. Refiro-me, aqui, às pessoa que possuem visão. Para estas, a arquitetura é
um objeto visual.
4
. Esta é a expressão que consta no Manual de Avaliação do curso de Arquitetura e
Urbanismo do DAES/INEP/MEC.

Anda mungkin juga menyukai