CONSELHO CURADOR
Efetivos: Suplentes:
Alberto Aggio Juarez Amorim Antonio Augusto M. de Faria
Ciro Gondim Leichsenring Luiz Carlos Azedo Arlindo F. de Oliveira
Davi Emerich Luiz Werneck Viana Cleia Schiavo Weyrauch
Dina Lida Kinoshita Mércio Pereira Gomes Maria do Socorro Ferraz
George Gurgel de Oliveira Raimundo Jorge N. de Jesus Dorival Mendes
Giovani Menegoz Regis Cavalcante Aldo Pinheiro
Helena Werneck Renata Bueno
João Batista de Andrade Sérgio Camps Moraes
João Carlos Vitor Garcia Stepan Nercessian
José Ribamar Ferreira Tobias Santana
(Ferreira Gullar) Vladimir Carvalho
CONSELHO EDITORIAL
LULISMO
Da Era dos Movimentos Sociais à Ascensão
da Nova Classe Média Brasileira
2a Edição
Ampliada
Brasília, 2013
© by Fundação Astrojildo Pereira e Contraponto, 2013
FICHA CATALOGRÁFICA
ISBN: 978-85-89216-45-6
CDU 305.5
324
331.88
Moreira César freia o cavalo e passa um olhar pelas
habitações de barro, cujo interior avista através de portas
abertas ou arrancadas. De uma delas emerge uma mulher
desdentada, com uma túnica esburacada que deixa ver a pele
escura. Duas crianças raquíticas, olhos vidrados, uma delas
nua, a barriga inchada, agarram-se ao seu corpo.
Olham espantadas os soldados. Moreira César,
do alto do cavalo, continua observando-as: parecem a
encarnação do desamparo. Seu rosto se contrai em uma
expressão em que se misturam a tristeza, a cólera, o rancor.
Sem tirar os olhos delas, ordena a uma das escoltas:
– Deem-lhes de comer.
Vira-se para seus lugares-tenentes:
– Estão vendo em que estado mantêm o povo de seu país?
Há vibração em sua voz e seus olhos fuzilam.
PARTE I: O LULISMO
Capítulo 1. O lulismo em seu esboço . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Capítulo 2. O lulismo em sua forma acabada. . . . . . . . . . . . . 93
Capítulo 3. A gestão Lula: inventário da literatura
especializada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
Capítulo 4. Uma hipótese interpretativa: o fordismo tardio. . . 189
9
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10 Apresentação
Rudá Ricci | LULISMO
Apresentação 11
LULISMO | Rudá Ricci
Fonte: Secex/MDIO
Análises: Instituto Ilos
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Apresentação 21
LULISMO | Rudá Ricci
Notas:
1 Pesquisa DataFolha revelou o perfil dos manifestantes daquele dia: jovens (até 25
anos de idade), de classe média, sem qualquer experiência política anterior. 84%
revelaram que não tinham preferência partidária e 71% nunca haviam participado
de nenhuma manifestação de rua.
2 �������������������������������������������������������������������������
Cf. <http://desenvolvimento.gov.br/agendachina/arquivos/agenda_China_Par-
te_II.pdf>, p. 16.
3 Cf. NOBRE, Marcos. O fim da polarização, Piauí, n. 51, dez./2010. Disponível
em: 22/05/2013 no endereço eletrônico <http://revistapiaui.estadao.com.br/
edicao-51/ensaio/o-fim-da-polarizacao>.
4 Cf. POCHMANN, Marcio. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide
social brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012.
5 Ibidem, p. 7.
6 Ibidem, p. 10.
7 Singer (2012); Braga (2012).
8 Singer, op. cit., p. 9, 13 e 51.
9 O conceito de bonapartismo se refere ao clássico ensaio de Marx sobre a ascensão
e queda de Luís Bonaparte, tendo como palco a conturbada França dos anos 1848 e
1851. Marx sugere que a crise de representação e projeto da classe dominante num
cenário de crise nacional, propiciou a emergência de uma liderança oportunista e
carismática (Napoleão III) que se apoia nas condições precárias e desorganização
social do lumpensinato para conquistar o poder. O lumpensinato, contudo, atraído
por políticas de baixa sustentabilidade formatadas pelo governo central, se revela
instável e incapaz de consolidar uma real base de apoio político ao governo de
Luís Bonaparte. O conceito de bonapartismo foi objeto de algumas sugestões de
análise sobre a ascensão de Fernando Collor, refutadas por Florestan Fernandes que
destacaria o bonapartismo como fenômeno datado. No caso do lulismo o conceito
é ainda menos evidente e adequado. Com exceção do papel desempenhado pelo
eleitorado pobre como base eleitoral do lulismo, não existiu qualquer sinal de crise
de representação ou projeto de classe no período, nem mesmo oportunismo político
de Lula e seus aliados, muito menos qualquer traço populista que desconsideras-
se as organizações de representação social tradicionais do país. Ao contrário, o
lulismo rearticulou as expressões políticas tradicionais, reformatando a estrutura
institucional pública do país. Daí seu caráter conservador, não meramente como
reflexo da sua base popular de apoio, mas como pacto estatal-desenvolvimentista.
10 Braga, op. cit., p. 17.
11 Ibidem, p. 28.
12 No intervalo da publicação da primeira edição deste livro, em 2010, e 2013,
muitos outros títulos foram publicados tendo o lulismo como tema de fundo.
22 Apresentação
Rudá Ricci | LULISMO
É possível citar, dentre eles, Ab´Sáber, 2011; Dirceu, 2011; Pereira, 2010; Sader,
2013; Secco, 2011. Estes livros, contudo, não procuraram conceituar o lulismo,
com exceção do livro de Ab´Sáber, se constituindo em narrativas ou opiniões
não sistemáticas sobre as gestões inauguradas pela primeira eleição de Lula, em
2002. Ab´Sáber sugere uma análise distinta da proposta aqui e os livros com os
quais se dialoga sobre o fenômeno. A tese central deste autor é que Lula emergiu
como político da cultura pop, fincada no consumo fácil e imediato. Um carisma
midiático, portanto. Lula, enquanto líder carismático, teria perseguido (ou se
subordinado) o interesse geral, se distanciando do papel de formador político.
A análise evolui para a compreensão da personalidade carismática de Lula, como
uma contradição em si, com um pé na mudança e outro no patrimonialismo.
Lula teria fundido traços messiânicos com a tradição revolucionária de esquerda,
“um bom selvagem civilizado e civilizador, antiburguês, que brotava do conheci-
mento prático, (...) mas que Lula sempre se colocou no espaço público de modo
relativamente soft, agregador, mediador, cordial, (...) herói das classes médias
críticas que tinham resistência ao processo de negociação franco e cínico de uma
outra fração de sua própria classe”. Como o leitor percebe, embora instigante, esta
obra – assim como grande parte da literatura publicada no período e não citada
neste livro – na figura de Lula e não necessariamente no fenômeno político que
tem no personagem um de seus componentes.
Referências
AB´SÁBER, Tales. Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica. São Paulo:
Hedra, 2011.
BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista.
São Paulo: Boitempo, 2012.
DIRCEU, José. Tempos de planície. São Paulo: Alameda, 2011.
PEREIRA, Merval. O lulismo no poder. Rio de Janeiro: Record, 2010.
POCHMANN, Marcio. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide
social brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012.
SADER, Emir. Lula e Dilma: 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil.
São Paulo: Boitempo, 2013.
SECCO, Lincoln. História do PT. São Paulo: Ateliê, 2011.
SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto
conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Apresentação 23
APRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO
Este livro nasceu aos poucos, a partir de artigos que foram publi-
cados em revistas de ciências sociais e web sites dedicados às práticas
políticas ou à ciência política. Os artigos foram revisados e desenvol-
vidos com maior profundidade neste livro, procurando trabalhar dois
temas que se entrecruzam: a configuração do que denomino de lulismo
e sua emergência no mesmo instante em que os movimentos sociais
surgidos nos anos 1980 (que grande parte da literatura especializada
denominou de novos movimentos sociais) caminhava para sua insti-
tucionalização, alterando, na prática, o ideário anti-institucionalista
que os caracterizava. Um capítulo inédito dedica-se à análise do que
se publicou até então sobre o governo Lula.
Ambas as situações – o surgimento do lulismo e a mutação
dos movimentos sociais brasileiros – nascem sob o mesmo signo e
motivação. O esforço aqui contido é o da tentativa de mergulhar no
mérito desta transformação política do Brasil, que cruzou ousadia
e inovações, configurando uma página da história política de nosso
país sem paralelo.
Entretanto, embora os dois fenômenos se cruzem, os percursos
não foram exatamente os mesmos. Os movimentos sociais tiveram na
década de 1990 um imenso desafio de construir uma nova institucio-
nalidade pública que haviam conseguido lograr no processo consti-
25
LULISMO | Rudá Ricci
tuinte de 1987. O que não era um esforço dos mais simples, já que os
movimentos sociais dos anos 80 eram declaradamente refratários em
relação a toda institucionalidade pública que consideravam viciada e
excludente. Contudo, muitos artigos da última Constituição Federal,
a começar pelo art. 1º, seguido pelos 14 e 204, entre tantos, criaram
o arcabouço jurídico que alguns cunharam de participacionismo ou
cidadania ativa. Nasceram de articulações e iniciativas de lideranças
sociais no interior do Congresso Nacional. A gestão participativa, em
que o cidadão governa com o eleito, se insinuando nos escaninhos da
burocracia pública, criando estruturas híbridas (governamentais e de
sociedade civil), nasceu como novidade, desde o início. Superou uma
leitura vigente em uma parte da esquerda brasileira (notadamente os
trotskistas, muitos deles, fundadores do Partido dos Trabalhadores),
que alimentava a expectativa da criação de um poder dual, originário
da sociedade civil organizada, que conflitaria com o Estado burguês.
Mas o caminho consolidado na Constituição Federal de 1988 foi
outro. Assim como a sucessão de outros institutos legais: o Estatuto da
Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica da Saúde, a Lei Orgânica da
Assistência Social, o Estatuto da Cidade, para citar os mais conhecidos.
No percurso, as lideranças de muitos movimentos sociais (prin-
cipalmente urbanos), alteraram sua prática e agenda política. Passa-
ram a assumir parte das tarefas de formulação dos gestores. Come-
çaram a compreender os caminhos e descaminhos da administração
pública, tiveram que se formar tecnicamente. Nenhuma mudança
se faz sem pesar sobre a história inicial de qualquer mobilização
social. E o peso se fez sentir. A rua, principal cenário dos novos
movimentos sociais dos anos 80, foi trocada pelas conferências e
reuniões em gabinetes governamentais. Sinal de democracia. Porém,
esta intimidade com a lógica pública não foi suficiente para alterar
o verticalismo e fragmentação da burocracia estatal. Ao contrário,
em alguns casos, a lógica dos movimentos sociais (assembleística,
por natureza) digladiava com a lógica da burocracia pública (espe-
26 Apresentação
Rudá Ricci | LULISMO
Apresentação 27
LULISMO | Rudá Ricci
28 Apresentação
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Apresentação 33
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34 Apresentação
Rudá Ricci | LULISMO
Notas:
1 Não é objetivo deste livro discorrer sobre o conceito de modernização. Sonia
Fleury realizou, recentemente, um breve balanço sobre o conceito, da noção
vinculada à urbanização e industrialização dos anos 1950 e 1960, passando pelas
críticas dos anos 1979 (que relacionaram modernização à democracia), chegando
ao conceito de sustentabilidade e ampliação das liberdades individuais (tendo
como referência os ensaios de Amartya Sen), a partir da noção de modernização
social. Ver Fleury, 2006, p. 23 a 38.
2 Cf. entrevista disponível em: <http://www.ihuonline.unisinos.br/index.
php?option=com_destaques_semana&Itemid=24&task=detalhes&idnot=175
7&idedit=7>. Acessado em: 19/11/2009.
3 Publicado pelo IHU On-line, 20/02/2009 [Instituto Humanitas Unisinos (IHU),
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, RS].
4 O conceito de bloco no poder, construído por Poulantzas, sugere a unidade his-
tórica de classes e frações politicamente dominantes, sob a batuta de uma fração
hegemônica. A fração hegemônica lidera e “puxa as restantes frações para debaixo
da sua égide”, constituindo uma unidade política a partir do poder estatal. Um
conceito muito aproximado do conceito gramsciano de hegemonia, inclusive
citado pelo autor no início do capítulo 4 (POULANTZAS, 1977, p. 224).
5 A edição do Le Monde Diplomatique Brasil, n. 28, de novembro de 2009, foi
dedicada ao projeto de Consolidação das Leis Sociais. Logo no editorial, Silvio
Caccia Bava, uma ex-liderança e dirigente petista de destaque, escreve que “os
7 anos de governo Lula não operaram reformas estruturais redistributivas. As
alianças para a governabilidade e a composição do Congresso não permitiram.
Mas conseguiram construir programas que, no seu conjunto, transferem cerca de
0,5% do PIB para os mais pobres. É nada se comparado com a transferência de
renda que as taxas de juros operam em favor dos mais ricos, algo em torno de
6%, 8% do PIB ao ano.” Em artigo interno, o presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann destaca que existem 110 progra-
mas dispersos em diversos ministérios na esfera federal, somente no âmbito das
ações para crianças e adolescentes. O CDES iniciou, desde 2009, a produção da
matriz técnica da proposta de Consolidação das Leis Sociais, assumindo, ini-
cialmente, duas vertentes: a) a elaboração de sistema de proteção e promoção
social (incorporando várias iniciativas governamentais); b) a produção de lei de
responsabilidade social. Paralelamente, o Ministério do Desenvolvimento Social,
Ipea e a Secretaria de Assuntos Estratégicos debruçaram-se na mesma tarefa.
6 Há motivações e possibilidades abertas neste momento histórico, que conformam
o cenário da modernização conservadora. Conceição Tavares e José Luís Fiori que
a partir dos anos 1990, o Brasil ingressou no período de “ajuste global liberal”
com forte resistência. Uma resistência desorganizada. Luiz Gonzaga Beluzzo,
Apresentação 35
LULISMO | Rudá Ricci
no prefácio do livro desses dois autores, sugere que “as oligarquias nacionais
preferem repousar a inteligência em esquemas simplificadores e em analogias
insustentáveis com a experiência de outros países. Têm a preocupação de transitar
para o Primeiro Mundo, mas ignoram a realidade que pretendem alcançar”. Assim,
nossa trajetória recente, sob o manto do Consenso de Washington, foi peculiar,
ambivalente, um caldo de cultura que criou a passagem, sem solavancos, para o
lulismo (Cf. TAVARES; FIORI, 1996).
7 O caso específico do Bolsa Família, nascido do programa Fome Zero, é o mais
emblemático das intenções não participacionistas do lulismo. Houve, contudo,
outras sinalizações, como o abandono das audiências públicas para controle do
Plano Plurianual do governo federal. Ver, sobre a desmontagem do sistema de
participação e controle social do Fome Zero, Polleto (2005) e Betto (2006).
8 Não é tarefa fácil definir programaticamente o lulismo, justamente porque possui
contornos mais nítidos como modelo gerencial, como engenharia política. Mas, num
esforço de aproximação, o programa que foi se esboçando, em especial no segundo
mandato, enquadra-se no modelo social-liberal. O social-liberalismo articula a heran-
ça liberal clássica e a proposta programática socialista (mais declaradamente social-
-democrata). Invoca a regulação estatal (ao contrário dos neoliberais) e até sugere a
superação do liberalismo de tipo individualista e competitivo, chegando a confrontar
com interesses das grandes corporações empresariais (daí a regulação do mercado,
procurando coibir qualquer ação predatória). Alguns autores, como John Atkinson
Hobson e Leonard Hobhouse, sugerem simbiose entre liberdade e igualdade, supe-
rando a dicotomia sustentada por Bobbio entre as características contemporâneas
que diferenciam esquerda e direita (Bobbio foi um dos autores a reeditar o programa
social-liberal). John Maynard Keynes é outro autor citado com frequência pelos
ideólogos do social-liberalismo. Tal aproximação, contudo, não é absolutamente fiel
ao lulismo, dada a peculiaridade de matrizes políticas que o forjou. De Atkinson,
ver The Evolution of Modern Capitalism (1894), The Economics of Distribution
(1900) e The Economics of Unemployment (1922). De Hobhouse, ver Democracy and
Reaction (1904), The Elements of Social Justice (1922) e Social Development (1924).
Referências
BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania – estudos de nossa
ordem social em mudança. São Paulo: Edusp, 1996.
BETTO, Frei. A mosca azul. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
DECCA, Edgard De. O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1997.
DOMINGUES, José Maurício. Ensaios de Sociologia. Belo Horizonte:
UFMG, 2004.
36 Apresentação
Rudá Ricci | LULISMO
Apresentação 37
parte i
O LULISMO
Capítulo 1
LULISMO EM SEU ESBOÇO1
O
lulismo, em sua origem, não é um movimento político. Esboçou-se
a partir de um governo. Nasceu como tentativa de gerenciamento
do Estado e da governabilidade política. Referia-se, portanto, ao
campo estrito da engenharia política, não se constituindo num projeto
de desenvolvimento.
Enquanto modelo gerencial, o lulismo possuía natureza sistêmi-
ca, voltada para sua própria existência, ressentindo-se de impasses
exógenos, não previstos, revelando alguma fragilidade. Em outras
palavras, possuía uma ação marcada pelo pragmatismo que objeti-
vava sua manutenção e reprodução enquanto força política. Tentava
fixar-se no cenário político brasileiro.
Teve início na campanha de 1994, mas atingiu sua configuração
como engenharia política em 2002, quando se arquitetou a campa-
nha presidencial, cristalizando-se com a divulgação da Carta ao Povo
Brasileiro, em junho daquele ano.
Alterou profundamente o projeto inicial petista, que se orientava
por um discurso estratégico afiliado à lógica dos movimentos sociais
que emergiram nos anos 1980 que, por sua vez, sustentavam-se na
declarada autonomia política e na organização horizontalizada (com
prevalência dos mecanismos de democracia direta), cujo discurso
41
LULISMO | Rudá Ricci
42 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
44 PARTE I: O LULISMO
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46 PARTE I: O LULISMO
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48 PARTE I: O LULISMO
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52 PARTE I: O LULISMO
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54 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
56 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
58 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
4. S
etor privado e provisão de serviços: o documento questiona
se a produção de serviços públicos deve ser realizada exclu-
sivamente pelo setor público ou em conjunto com o setor
privado, “trazendo maior eficiência à produção” (p. 49);
5. D
escentralização: estímulo à participação local como forma de
aumentar tanto a eficiência quanto a flexibilidade no desenho
das políticas sociais;
6. U
nificação do orçamento social da União e coordenação
de políticas.
60 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
62 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
64 PARTE I: O LULISMO
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66 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
68 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
político dos cadastros sociais com sua assessora direta, Ana Fonseca
(ex-coordenadora dos programas sociais do governo paulistano de
Marta Suplicy e que acabaria demissionária do governo federal). Com
o volume crescente de denúncias de desvios de verbas e corrupção
envolvendo correligionários de prefeitos de cidades interioranas, além
de disputas políticas com o segmento do programa Fome Zero que
tinha por objetivo constituir uma rede de controle social desta iniciati-
va, a manobra do presidente da República se deparou com obstáculos
iniciais não previstos. Este último conflito desaguou no afastamento
de Frei Betto e Ivo Poletto (formulador histórico da Comissão Pastoral
da Terra e da Cáritas Brasileira).
O montante dos gastos sociais do governo federal, em 2003, equi-
valeu a menos da metade das quantias efetivamente pagas no serviço
da dívida pública. Em 2004, reflexo desta performance, havia forte
incômodo entre entidades populares e agentes pastorais. Mas ainda
havia tolerância, de certa maneira atrelada a um raciocínio etapista
disseminado por Frei Betto, que escrevia artigos afirmando que eram
governo, mas não poder.
Além das críticas em relação à ausência de projeto estratégico e
contradição entre a política monetária e fiscal e investimentos sociais
necessários, generalizava-se a acusação de excessiva morosidade com
que o orçamento da área era executado. Levantamento do Instituto
de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em que avaliava a execução dos
programas de defesa dos direitos da criança e adolescente, revelava
que, até setembro de 2004, apenas 52,6% do orçamento de 187 mi-
lhões de reais do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil haviam
sido executados. Em relação ao Programa de Combate a Exploração
Sexual Infantil e ao Programa Brasil Escolarizado, foram executados,
respectivamente, 50% e 36% do orçamento. Finalmente, no mesmo
período, o Programa Primeiro Emprego teve seu orçamento executado
em 0,5%.
70 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
72 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
Instabilidade: 2005
Foi um ano marcado pela instabilidade. A proximidade das elei-
ções para governos estaduais e governo federal aumentou o grau de
disputa institucional, em razão de interesses políticos. Um ingrediente
a mais criava uma situação de baixa previsibilidade para o governo
federal: a eleição de Severino Cavalcanti para a Presidência da Câ-
mara Federal, já que exigiria deslocamento do Executivo federal em
suas negociações com o parlamento, buscando atender a demanda
pulverizada das lideranças parlamentares de pouca expressão pública
que gravitavam ao redor da figura de Cavalcanti, considerado líder do
chamado “baixo clero” do Congresso Nacional. O termo foi cunha-
do por Uliysses Guimarães para nomear deputados de pouca ex-
pressão e poder movidos principalmente por interesses pessoais.
O baixo clero do Congresso Nacional se movimenta em pêndu-
los. Ora, numa reação em cadeia, como ocorreu nesta eleição de
Severino Cavalcanti. Ora, como ameaça surda, que se esquiva
aqui e acolá, mas se remete a acordos personalizados, troca de
pequenos favores e conquista espaços relevantes na República.
O baixo clero, desde então, se aglutinou em partidos governistas
(PMDB, PR e PTB) e passou a somar 230 votos na Câmara Federal,
quase metade da Câmara Baixa.20
Previa-se que o cenário instável alimentaria a agressividade da
oposição, em especial, aquela liderada pelo PSDB paulista, tendo à
frente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Também era visível
a inflexão do MST e alguns movimentos sociais e de agentes pastorais
na direção de uma tímida oposição ao governo federal.
Desde o início do governo Lula, o caráter e natureza das políticas
sociais geraram embates internos no partido do presidente da Repú-
74 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
b) P
rograma Fome Zero: composto pelo cartão-alimentação, dis-
tribuição de cestas básicas, criação de restaurantes populares
e bancos de alimentos, compra direta de alimentos, constru-
ção de poços artesianos, distribuição de leite, alfabetização,
habitação popular, além de ações denominadas estruturais
(como a reforma agrária, política progressivamente descon-
siderada pelo lulismo), o programa revelou, desde o início,
dificuldades agudas de coordenação e articulação interna.
O projeto inicial contemplava três conjuntos de iniciativas:
políticas estruturais (geração de emprego e renda, previdên-
cia social, agricultura familiar, reforma agrária, bolsa-escola
e renda mínima); políticas específicas (cupom-alimentação,
doações de cestas básicas e combate à desnutrição, entre
outros) e políticas para áreas rurais, pequenas e médias cida-
des e metrópoles. Entretanto, não houve articulação dessas
frentes. O Ministério de Segurança Alimentar, criado como
coordenador do programa, acabou sendo fundido, no final
de 2003, ao Ministério da Assistência Social. Outra medida
foi a fusão do Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação e Auxílio-Gás
num único cartão e programa, o Bolsa Família;
c) P
rograma Primeiro Emprego: divulgado como uma ambiciosa
iniciativa governamental, inspirada nas políticas coordenadas
por Márcio Pochmann na Prefeitura de São Paulo, o progra-
ma procurava atender o segmento social mais vulnerável ao
desemprego, aquele que atinge até os 25 anos de idade (50%
de taxa de desemprego nas capitais brasileiras). Contudo, a
grande imprensa revelou que até meados de 2004, apenas
um candidato havia conseguido seu emprego através deste
programa, em todo o território nacional;
d) R
eforma Agrária: programa-símbolo do PT, as metas de assen-
tamento também não foram cumpridas. Em 2003, dos sessenta
mil assentados previstos, o governo federal conseguiu efetivar
76 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
78 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
uma das marcas do lulismo em sua fase madura. Essa proposta in-
dicava redução da participação do PT no governo, principalmente
em ministérios estratégicos, como Saúde e Cidades. A já tradicional
divisão interna do PMDB instava o governo a aumentar os postos
governamentais a ser dirigidos por peemedebistas. Para garantir
a reeleição do presidente Lula, era necessário, ainda, aumentar
os espaços de PTB, PSB e PL, envolvendo comando de estatais e
agências reguladoras. E, paralelamente, tinha início a queda de
aliados históricos, atingindo duramente a liderança do então mi-
nistro Aldo Rebelo.
Mas ainda havia Roberto Jefferson no meio do caminho. Numa
entrevista típica da Era do Espetáculo, o deputado petebista discorreu
por várias linhas do jornal Folha de S. Paulo, de 07 de junho, o maior
dos pesadelos petistas. Principalmente para os petistas de base, aquela
base militante que defendia pela paixão, que carregava bandeiras e
distribuía panfletos aos desconhecidos transeuntes sem nada levar,
nem poder, nem cargo. Com a publicação da entrevista, começava a
morrer a militância afetiva do petismo. Por vários meses, lideranças
de base (sindicais, de movimentos sociais e entidades populares, além
de pastorais sociais e entidades confessionais de organização social)
se reuniram para tentar curar as feridas. O MST convocou reuniões
abertas, em várias capitais do país, para definir a postura correta a
seguir. Jefferson desfiava o que seria um imenso esquema de desvio
de recursos para pagamento mensal de deputados da base aliada.
O pragmatismo havia chegado ao que parecia o limite para a nova
esquerda que se forjou nos anos 1980. Um esquema conhecido e que
viria à tona em várias outras denúncias envolvendo os partidos mais
conservadores e tradicionais do sistema partidário brasileiro.
O que importa analisar sociologicamente deste episódio são as mu-
danças políticas que decorreram na relação do governo Lula com a sua
base social preferencial, os movimentos sociais e entidades populares:
1. A
profunda frustração que atingiu as lideranças intermediá-
rias não foi até então analisada com apuro. Mas as inúmeras
reuniões entre militantes sociais que procuravam entender o
que teria ocorrido terminaram, sem exceções, em um pacto
surdo, de não alimentação da reação das forças partidárias
mais à direita e, também, de afastamento em relação ao apoio
incondicional ao governo federal;
2. N
este processo de afastamento político, vários interlocutores
importantes do governo Lula passaram a ser desdenhados
pelas lideranças sociais intermediárias;22
3. A
s cúpulas das organizações populares e eclesiais foram mais
pragmáticas que as lideranças intermediárias e continuaram
mantendo relações protocolares com o governo federal;
4. A
mudança mais significativa ocorreu na gestão política do
próprio governo. De um lado, após tentar, sem sucesso, a rea-
proximação com lideranças sociais, os discursos do presidente
reforçaram a relação direta com a base social do país, abusan-
do de termos populares e analogias de forte cunho didático,
adotando um tom professoral mesclado com ironia. De outro
lado, passou a negociar ministérios e direção de empresas
estatais diretamente com a cúpula partidária da base aliada;
5. F
inalmente, o pragmatismo absolutamente racional passou
a atingir os auxiliares diretos do presidente que pudessem
criar qualquer embaraço ou contaminar a imagem pública
do lulismo, num típico movimento inspirado em Maquiavel.23
O afastamento em relação às lideranças sociais que constituíam
a base social do petismo foi gradativo, atingindo seu ápice em 2005.
Ivo Poletto, referência nos anos 1980 para muitos movimentos sociais
e Pastoral da Terra, assessor de Frei Betto no início do Fome Zero,
traduziu, a partir de sua experiência pessoal, o percurso que levaria
tantas outras lideranças intermediárias dos movimentos sociais que
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82 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
Notas:
1 Versão do texto produzido originalmente para o evento “Movimentos Sociais
e Governo Lula”, organizado pela Cáritas Nordeste II, realizado em Recife, em
04/11/2004 e publicado na revista Lutas Sociais 15-16, PUC-SP, com o título
Lulismo: três discursos e um estilo.
84 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
2 Este apelo esteve, desde a origem, nos documentos oficiais do Partido dos Tra-
balhadores, no momento em que o petismo vivia uma quase simbiose com os
novos movimentos sociais. Na Declaração Política de 13 de outubro de 1979,
destacava-se como uma das três grandes necessidades para a construção do
novo partido: “conquistar a política como uma atividade própria das massas
populares, que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as esferas
de poder na sociedade, não apenas nos momentos de disputas eleitorais, mas
também e principalmente nos momentos que permitem, a partir de sua prática
no dia a dia a construção de uma nova concepção de democracia com raízes nas
bases das sociedade e sustentada pelas decisões das maiorias.” (cf. Resoluções
de Encontros e Congressos (1979-1998), 1998).
3 Logo após a crise aberta pelo fracasso eleitoral de 1982, surgiram várias ten-
tativas de reorganização da agremiação, sendo a mais famosa a que gerou o
Manifesto dos 113, origem da corrente interna denominada Articulação, hoje
denominada Construindo um Novo Brasil (CNB). Ocorre que a Articulação sur-
giu como mecanismo de defesa partidária, como um núcleo de recomposição,
que desde a origem procurou diminuir os espaços e a influência de várias cor-
rentes originárias de organizações de esquerda, até pouco tempo clandestinas
e grande parte trotskistas. Em outras palavras, tratava-se de uma federação de
subcorrentes, autodenominadas internamente como “famílias”, quase sempre
vinculadas a lideranças pessoais por segmentos sociais ou grupos de interesse,
numa estrutura próxima da representação delegada. Justamente neste período
de 1982 a 1986, os embates internos na seção paulista foram se avolumando,
surgindo as primeiras tentativas de expulsão de correntes mais resistentes aos
novos rumos. E é justamente neste momento que se consolida uma burocracia
interna de controle político. A Secretaria de Organização foi, neste período, um
importante instrumento neste sentido, articulando antigas lideranças estudantis
residentes em regiões com baixa tradição de luta social, para criar diretórios
municipais. Foi a partir desta recomposição que alguns dirigentes não oriundos
de movimentos sociais (regiões de forte organização sindical ou influência da
Teologia da Libertação) conseguiram destaque na organização partidária. O ápice
deste processo foi a tentativa de expulsão de correntes internas não vinculadas
à Articulação, durante o processo de preparação do encontro petista da seção
paulista de 1986, envolvendo a Convergência Socialista (hoje, PSTU) e o PRC
(Partido Revolucionário Comunista, liderado por José Genoíno Neto, num processo
de ruptura com o PCdoB da Guerrilha do Araguaia).
4 Neste período, a direção executiva da seção paulista era composta por uma
paradoxal comunhão entre forças políticas da área de influência de ex-mili-
tantes da ALN (Ação Libertadora Nacional, defecção do Partido Comunista
Brasileiro, mas que no caso do PT configuravam uma segunda dissidência que
mantinham relações informais entre si, tendo em José Dirceu sua principal
liderança), ex-dirigentes da Libelu (Liberdade e Luta, trotskista, vinculada à
Organização Socialista Internacionalista, da qual fizeram parte Antonio Palocci,
Clara Ant e Glauco Arbix) e representantes de Lula (na época, com destaque
para Paulo Okamoto). O período era de tal inflexão interna que Emir Sader
publica, em 1987, um livro organizado por ele cujo título era E Agora PT?
O livro adotava como mote uma série de questões, estampadas na sua contracapa,
onde figuravam: “o Partido dos Trabalhadores é um partido de vanguarda? Ou um
partido de massas? É grevista? Pacifista? Revolucionário ou social-democrata?”
(SADER, 1987). O ano de 1987 é, ainda, definido por muitas organizações de
esquerda que mais tarde saíram do PT como o momento mais à esquerda do
partido. Neste ano foi aprovado o Programa Democrático Popular, no 5º Encontro
do PT, que definiu as bases da linha de campanha de 1989. A Resolução Política
deste encontro identifica o crescimento da influência do partido junto aos setores
médios da sociedade, mais pelo insucesso do governo federal. Mas define o PT
como “força política socialista, independente e de massas”. O programa demo-
crático popular ficou, assim, concebido como acúmulo de forças.
5 Além dos núcleos profissionais e temáticos, o Partido dos Trabalhadores ex-
perimentou outras formas de vincular organicamente os intelectuais filiados
ao partido. Em 1990, foi formado o Governo Paralelo, logo após a vitória de
Fernando Collor de Mello, um arremedo do shadow cabinet inglês. Em seguida,
adotando uma estrutura mais estável e profissional, organizando alguns intelec-
tuais petistas em áreas específicas, foi criado o Instituto da Cidadania, com foco
na formulação de programa de governo para as campanhas eleitorais de Lula à
Presidência da República. Com a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, o Instituto
da Cidadania perde visibilidade pública. Emir Sader sugere: “É certo que desde
1989 Lula foi se distanciando das estruturas partidárias, construindo o que acabou
se tornando o Instituto de Cidadania que, de governo paralelo, se transformou
em um uma estrutura dirigida por Lula e assessores diretos, tendo como função
elaborar políticas alternativas. Até que passou a ocupar formalmente o lugar de
espaço de elaboração da plataforma da candidatura de Lula para as eleições de
2002. Quando o documento foi divulgado na sua primeira versão, dirigentes do
PT se apressaram a dizer que aquele projeto ainda teria que passar pelas estru-
turas oficiais do partido, mas se consolidava ali uma separação que foi se dando
ao longo do tempo entre Lula e as estruturas oficiais do PT. Não que estas não
aprovassem o programa de Lula e seus pronunciamentos, mas Lula tinha auto-
nomia para colocar em prática definições programáticas que só posteriormente
chegariam ao partido” (Cf. SADER, 2004).
6 Cf. Sader, Ibidem.
7 Destacavam-se, no período, as escolas 7 de Outubro (Belo Horizonte), Cajamar
(São Paulo), Equip (Recife) e Sul (Florianópolis). A CUT possui, hoje, sete escolas
sindicais: Escola Sul (Florianópolis), Escola São Paulo, Escola 7 de Outubro (Belo
Horizonte), Escola Amazônia (Belém), Escola Chico Mendes (Porto Velho), Escola
Centro-Oeste (Goiânia) e Escola Marise Paiva de Moraes (Recife). A Escola São
Paulo foi fundada em 1993, ano decisivo para a mudança da história das escolas
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Rudá Ricci | LULISMO
88 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
90 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
Referências
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sindical da CUT e a reestruturação capitalista. Campinas: Unicamp, 2002.
92 PARTE I: O LULISMO
Capítulo 2
LULISMO EM SUA FORMA ACABADA
93
LULISMO | Rudá Ricci
94 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
Figura 01
96 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
Gráfico 1
98 PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
Religiosa 24 31 44 52
Esportiva 9 15 13 11
Profissional 26 10 5 5
Voluntária 11 10 7 7
Estudantil 5 8 10 8
Internet 7 9 4 2
Bairro 2 5 7 8
Cultural 2 5 4 4
Ecológica 7 4 4 0
Política 7 3 4 3
Fonte: Amaury; Lamounier, op. cit., p. 113
40.000
44.815 48.015
0
02 de 01 de 02 de abril 03 de 02 de julho 02 de 28 de
janeiro fevereiro maio agosto setembro
1a semana (01 a 04) 1 403 403,0 273 273,0 676 676 130 130,0
a
2 semana (05 a 11) 5 2.555 511,0 2.697 539,4 5.252 1.050 -142 -28,4
Acumulado no ano 6 2.958 493,0 2.970 495,0 5.928 988 -12 -2,0
Fonte: Secex/MDIC.
PARTE I: O LULISMO
Rudá Ricci | LULISMO
que o governo federal arca com R$ 5,5 mil e o estado com R$ 1,5
mil. O restante é arcado pelas prefeituras. Trata-se de aprofundar a
centralização crescente da execução orçamentária brasileira, em que
o governo federal assume uma postura imperial que diminui pro-
fundamente a autonomia financeira dos municípios. Sem recursos,
os prefeitos sem grandes paixões pela participação dos cidadãos na
sua gestão ganharam forte argumento para reduzir o processo de
implementação e fortalecimento de conselhos de gestão pública e
mecanismos de descentralização administrativa, o que fortaleceu o
ideário lulista. Até então, vínhamos numa toada lenta, mas progres-
siva. Segundo o IBGE, 75% dos municípios brasileiros já haviam
adotado algum mecanismo de participação cidadã em suas gestões.
O governo federal, atento ao aumento de mobilização de prefeitos
(que chegou a provocar a paralisação dos serviços de prefeituras no
Paraná, Tocantins, São Paulo, entre outros estados), decidiu anun-
ciar um pacote de ajuda da ordem de 1 bilhão de reais para todas as
prefeituras, indiscriminadamente, que se revelou insuficiente, mas
conteve o ímpeto de muitos prefeitos.
Assim como na crise orçamentária das prefeituras, o governo fe-
deral assumiu postura ágil em respostas conjunturais aos sintomas da
crise. Diminuiu a taxa Selic, alterou a direção do Banco do Brasil com
o claro e público objetivo de reduzir o spread bancário (a diferença
entre os juros que os bancos pagam na captação de recursos e o que
cobram dos seus clientes), e anunciou um pacote habitacional (setor
muito afetado pelo desemprego no início de 2009). O pacote habita-
cional, inclusive, se refletiu rapidamente nas vendas das construtoras
que atuam na baixa renda. O primeiro fim de semana pós-pacote foi
o melhor da história para construtoras como MRV, Goldfarb, Tenda e
Rodobens. Em alguns casos, as vendas triplicaram.
A crise foi sentida mais duramente nas classes A, B e C. De acordo
com levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre setembro
e dezembro de 2008 a chance de decadência de integrantes dessas
classes para as D e E era de 2%, risco que saltou para 12% entre
janeiro e fevereiro de 2009. A probabilidade de migração para baixo
foi ainda maior para os indivíduos das classes A, B e C ocupados no
setor financeiro. De acordo com a pesquisa – que usou como base
os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE – entre
setembro e dezembro de 2008 a chance era de 9% de queda. Já no
primeiro bimestre de 2009, o risco atingia 13,5%. Movimento similar
foi observado para os empregados da indústria, que viram suas chan-
ces de decadência aumentar de 2,7% para 4,1% em iguais períodos.
A crise, como reafirmada na última pesquisa sobre desemprego em
regiões metropolitanas realizada pelo IBGE, atingiu os indivíduos mais
qualificados. O que sugere que o público cativo do lulismo, sua base
social desde as eleições de 2006, foi pouco atingido.
Em março de 2009, a economia brasileira começou a dar sinais
de recuperação. Muitos indicadores revelavam que o impacto maior
ocorreu entre dezembro e fevereiro, com forte retração da indústria
e um ajuste que foi excessivo. Em maio, o crescimento do PIB na-
cional foi de 2,3% em relação ao mês anterior. Em abril, ainda havia
registro de queda (0,7%). No primeiro trimestre, o PIB cresceu 1,7%.
Grande parte dos economistas e analistas econômicos avaliava que-
da de 0,5% do PIB em 2009. A agência de crédito Moody’s previa
crescimento inferior a 1% (e superior a 4% em 2010). As projeções
indicavam que o país precisaria crescer 3% para evitar aumento da
taxa de desemprego.
A indústria foi o setor mais atingido, principalmente os setores
exportadores. Minas Gerais e Espírito Santo sentiram um forte abalo
e ainda não conseguiram recuperar seu equilíbrio orçamentário. Mas
a crise não se espraiou genericamente, o que gerou um sentimento
de ela ter alcançado menos fortemente o Brasil.
Com a queda da taxa Selic, a expansão de crédito no Brasil se
ampliou. Em dezembro de 2005, o total de créditos no sistema finan-
ceiro correspondeu a 28,5% do PIB. Em maio último, chegou a 32% do
Notas:
1 Corre, em paralelo a esta análise comportamental, a emergência da Geração Y,
identificada como composta por jovens que não conseguem se adaptar às hie-
rarquias funcionais das empresas e que são profundamente hedonistas.
2 Sennett, 1988.
3 Para uma análise do pragmatismo como teoria política, ver Pogrebinschi, 2005.
4 A exceção paradigmática foi a elaboração do 3º Programa Nacional de Direitos
Humanos, que assumiu as deliberações da conferência nacional ocorrida no
mesmo ano e que acabou por gerar grande repercussão e resistência de forças
oposicionistas e grande imprensa nacional.
5 Tal comparação é rejeitada por Ricardo Antunes em obra já citada. O autor
compreende, ao contrário, que a gestão Lula desmontou o legado varguista,
caminhando para a desregulamentação e precarização das relações de trabalho.
6 Pesquisa CNT-Sensus, divulgada na segunda semana de abril, revelava que apesar
de 25% dos entrevistados considerarem o governo federal como responsável pelo
caos aéreo e 90% acreditarem que a violência tenha aumentado no país, a popu-
laridade de Lula aumentou em 5,9% na avaliação positiva em relação à pesquisa
de agosto de 2006. A avaliação regular e negativa do governo caiu 5% e 1%,
respectivamente. É a sua terceira melhor marca, desde o seu primeiro mandato,
perdendo apenas para as avaliações de janeiro e março de 2003. A projeção
é o carro-chefe da avaliação positiva: 54,8% dos entrevistados acreditam que
o segundo mandato será melhor que o primeiro. Apenas 11,3% afirmaram
acompanhar e compreender o que é o PAC. Os entrevistados indicaram que
sentem piora nos serviços públicos sociais (emprego, renda, saúde, educação
e segurança), sendo que 59% declararam que o aumento do valor do salário
mínimo foi baixo e inadequado. O carisma pessoal de Lula continua sendo o
principal fiel de sua popularidade.
7 No último dia de julho, a American Home Mortgage Investment, especializada
em concessão de crédito imobiliário, informou que está enfrentando problemas
de liquidez. Suas dificuldades foram creditadas à instabilidade do mercado de
hipotecas. O Índice Dow Jones caiu em consequência do anúncio, 1,1% e a Bolsa
de Valores de São Paulo recuou 0,7%. Pouco antes, o anúncio da crise imobi-
liária já havia afetado as bolsas de valores de todo o mundo, reflexo do pavor
dos investidores financeiros, que migraram seus recursos dos países emergentes
para papéis mais seguros. No Brasil, na última semana de julho, a o Índice da
Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) havia despencado 3,86%; em Nova
York, o Índice Dow Jones recuou 1,62% e a bolsa eletrônica Nasdaq caiu 1,89%.
Na Europa, a Bolsa de Londres teve baixa de 1,90% e a de Frankfurt, de 1,73%.
O mercado de câmbio também foi afetado: o dólar subiu mais de 1% ante o real,
para R$ 1,861, e o euro renovou o recorde alta em relação à moeda americana, a
US$ 1,3854 na máxima do dia. O risco Brasil avançou 5,33%, para 178 pontos.
Dez dias depois, o risco Brasil atingia 190 pontos (em 10 de agosto). No final da
segunda semana de agosto, EUA, União Europeia e Japão injetaram mais de US$
250 bilhões nos mercados, procurando evitar nova queda nas bolsas de valores
do planeta. Mesmo assim, no dia 10 (uma sexta-feira) a Bolsa de Londres acusou
queda de 3,7%, Paris recuou 3,1% e Frankfurt 1,4%. O Dow Jones caiu 0,2% e a
Bovespa sofreu queda de 1,4%. A safra de grãos 2006/2007, por seu turno, bateu
novo recorde, atingindo 131,15 milhões de toneladas, volume 7% maior que a
produção registrada no ano agrícola anterior. A agroindústria, em consequência,
acelerou seu ritmo produtivo: cresceu 4,6% no primeiro semestre, tendo nos
segmentos defensivos agrícolas (9,9 de alta) e pecuária (4,9%) seus carros-chefe.
8 O Banco Mundial (Bird) divulgou os dados do Programa de Comparação Inter-
nacional (PCI), com 146 países. Pela paridade do poder de compra, Brasil passa
de 7º a 6º lugar no ranking mundial e é responsável por metade da economia da
América do Sul e por quase 2/3 dos gastos governamentais da região. O Brasil
aparece em sexto lugar, com o equivalente a 3% do PIB mundial, junto à Grã-
-Bretanha, França, Rússia e Itália. Na medida convencional, o Brasil é a sétima
economia, com 2% do PIB, junto a Índia, Rússia e México.
9 Em novembro a taxa de desocupação foi de 8,2%. Trata-se da menor taxa de
toda a nova série da PME, iniciada em março de 2002. A população ocupada
nas seis regiões metropolitanas investigadas não teve variação significativa
frente a outubro, mas cresceu 3,5% em relação a novembro de 2006. A popu-
lação desocupada reduziu-se em 5% frente a outubro e em 12,0% em relação
a novembro de 2006.
Referências
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Nova Classe Média na década da igualdade. Rio de Janeiro: CPS/FGV,
2008.
161
LULISMO | Rudá Ricci
decrescente
em ordem
em ordem
crescente
Ordem
Var. %
Var. %
Presidente Var. % Presidente Presidente
Por seu turno, Emir Sader sugere numa das seções desta co-
letânea, que havia uma crise no consenso lulista em virtude da
mudança na composição da base política e dos ministérios. Sader
diagnosticava que, no plano interno, o governo teria somado alia-
dos de peso (destacando PMDB e grande mídia), assim como no
plano externo (destaca FMI e Banco Mundial), estranhos ao ideário
Notas:
1 Excluí deste rol toda produção de natureza oficial – por sua baixa capacidade
crítica –, assim como aquela dedicada ao embate político, ideológico ou parti-
dário – por ser um campo demarcado por interesses nem sempre explícitos do
jogo de poder, que dificultaria a localização do leitor. Há publicações que se
situam na franja entre um libelo político-partidário e uma tentativa de análise
da gestão Lula. Este é o caso, entre outros, do livro de José Prata Araújo (2006).
Em virtude do autor deste livro procurar estabelecer uma constante comparação
do governo Lula com o governo FHC, declaradamente negativa para o segundo,
decidi excluí-lo deste capítulo por sua baixa capacidade crítica, aproximando-se
de uma defesa incondicional.
2 A doutrina jurídica distingue pacto de concertação social, sendo o primeiro um
acordo formal e o segundo o resultado de uma negociação política. Para José
Augusto Rodrigues, o pacto teria uma relevância jurídica maior, pois representa
“a instrumentação formal de um processo de negociação coletiva deliberadamen-
te instalada para alcançá-la”, enquanto a concertação social é “apenas a troca
informal de pontos de vista que possam dar lastro à normatização estatal ou
profissional” (PINTO, 1998, p. 199). Para Cassio Mesquita de Barros “a doutrina
considera, hoje, a concertação social um processo enquanto que os Pactos Sociais,
acordos básicos resultado de discussões e contratos que podem ou não resultar de
um sistema de concertação social. O foro onde o sistema de concertação social se
desenvolve é muito informal e até pode não existir” (Pacto social e a construção
de uma sociedade democrática. Rev. LTr., v. 52, n. 03, p. 283).
3 Os autores recuam à 1947 como origem desta elaboração conceitual, durante a
reunião de Mont Pèlerin, onde o social passa a ser renegado como tema a ser
regulado pela ação estatal (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p. 154).
4 O conceito de seletividade foi construído por Claus Offe (OFFE, 1994). As estru-
turas formais das agências estatais organizariam agendas que nem sempre teriam
correspondência direta com demandas de classe, demarcando autonomia relativa
do aparato estatal na formatação de políticas públicas. Organizaria e se oporia
aos interesses particulares de cada capitalista individual e de suas organizações
políticas, sob a forma de um poder controlador e tutelar. Forma-se, assim, um
sistema de regulamentação seletivo, uma configuração de regras de exclusão (de
demandas) institucionalizadas. Ver também, Erni Seibel, disponível em: <http://
www.revistaoes.ufba.br/include/getdoc.php?id=132&article=52&mode=pdf>.
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folha/brasil/ult96u56441.shtml>.
189
LULISMO | Rudá Ricci
Sociedade fragmentada
O fordismo brasileiro formulado pelo lulismo é tardio. Não
ocorre, como já afirmado no início deste capítulo, nas condições de
consolidação da sociedade de massas dos EUA (no período 1930-1950)
e muito menos da Europa do pós-guerra. Esta diferenciação merece
atenção porque redefine as bases da legitimação do lulismo.
Vejamos, portanto, as diferenças entre as estruturas societais
sobre as quais o fordismo europeu norte-americano e europeu se
constituíram e os paralelos com a organização social brasileira.
Notas:
1 Ver Canclini, 1997.
2 Em sua fase inicial, o fordismo tardio brasileiro se valeu da liderança carismática
de Lula como elemento de construção de sua legitimação.
3 Ver Pochmann (2012). O autor critica o conceito de classe C a partir do argu-
mento que se confunde o conceito de classe social com o de estrato de renda.
No caso, teria havido melhoria de renda da classe trabalhadora e não emergên-
cia de uma nova classe média. Pochmann sustenta que as ocupações formais
cresceram fortemente durante a primeira década de 2000, especialmente nos
setores que têm uma remuneração muito próxima ao salário mínimo: 94% das
vagas criadas entre 2004 e 2010 foram de até 1,5 salário mínimo. Juntamente
com as políticas de apoio às rendas na base da pirâmide social brasileira, como
elevação do valor real do salário mínimo e massificação da transferência de
renda, houve o fortalecimento das classes populares assentadas no trabalho.
“O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente
da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe
média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da
disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas
atuais”. O mercado consumidor de massas, apoiado nas classes trabalhadoras,
estimula a aquisição de planos privados de saúde, educação, assistência e pre-
vidência, entre outros, como consequência de uma reorientação das políticas
públicas para a perspectiva fundamentalmente mercantil.
4 Há outros estudos que indicam o que Richard Sennett denominou de “ideologia
da intimidade”, ou seja, a crença nos círculos íntimos de relacionamento e total
desconfiança em todas ações públicas e órgãos de representação de interesses
coletivos. Lamounier e Souza publicaram uma interessante análise que revela
que 85% dos brasileiros confiam em sua família como principal organismo social
e apenas 43% confiam em amigos, descartando instituições de representação
social ampla (Ver LAMOUNIER; SOUZA, 2010, p. 106 a 108).
5 Lamounier; Souza, op. cit.
6 Ana Paula (2005) sugere que em meados dos anos 1990, forja-se uma dicotomia
entre modelos de administração pública no Brasil. De um lado, o modelo de
Estado Gerencial, ou vertente gerencial, que se alimentou da articulação da
agenda neoliberal, da teoria da escolha racional, fundadas no domínio da ad-
ministração de empresas, buscando aumentar a eficiência estatal. Esta vertente
definiu o que seriam atividades exclusivas de Estado (legislação, regulamenta-
ção, fiscalização, fomento e formulação de políticas públicas) e atividades não
exclusivas (atividades auxiliares e de apoio, serviços de natureza competitiva),
muitas vezes identificando o cidadão como cliente dos serviços estatais. De
outro, a vertente societal, cujas experiências no âmbito do poder local não
13 Este é o título do terceiro capítulo de seu último livro. Ver Singer, op. cit.
14 Singer, op. cit., p. 126 a 128.
15 Alguns analistas sugerem se tratar de agenda do novo-desenvolvimentismo.
Tal agenda criticaria o laissez-faire da pauta liberal e o autoritarismo da
pauta socialista. O neodesenvolvimentismo (ou neoestruturalismo) sugere o
desenvolvimento endógeno, sem romper com o livre comércio para alcançar
a competitividade internacional. Bresser-Pereira lista cinco elementos desta
agenda: a) abertura comercial; b) planejamento estratégico estatal; c) estabi-
lidade econômica incluindo preços, pleno emprego e equilíbrio da balança de
pagamentos; d) inversão da equação juros elevados e câmbio apreciado; e)
financiamento do desenvolvimento com recursos próprios (evitando atração
da poupança externa para financiar o crescimento). Em suma: mercado livre
pressupõe, nesta perspectiva, Estado forte. Ver Sicsú, Paula e Michel (2005).
16 Em 2012, as centrais sindicais receberam repasses federais da ordem de 160
milhões de reais referentes ao imposto sindical, o dobro das transferências ocor-
ridas em 2008, quando iniciaram os repasses. A maior parte dos recursos fica
com as duas maiores centrais do País, a Central Única dos Trabalhadores (CUT)
e a Força Sindical. Neste ano, a CUT recebeu R$ 44,5 milhões até outubro, e a
Força ficou com R$ 40 milhões. Os recursos representam entre 60% e 80% do
orçamento total das centrais. Destaca-se, ainda, a regulamentação recente da
participação de dirigentes sindicais nos conselhos de empresas estatais federais.
O jeton pago a cada conselheiro chega a 8 mil reais, caso da Petrobras. Há regis-
tros de jetons que variam de 3 mil reais (suplente do conselho da Breasilprev)
a 15 mil reais (conselho da Funpresp).
17 Estudo elaborado por Ana Claudia Chaves Teixeira, Clóvis Henrique Leite de
Souza e Paula Pompeu Fiuza de Lima, em 2012, sobre conferências nacionais
e papel dos conselhos de gestão revela que entre 2003 e 2010 foram realizadas
74 conferências nacionais. Deste total, 21 ocorreram uma única vez, nove
contaram com duas edições, cinco com três edições e outras cinco com qua-
tro edições. Não tivemos 74 conferências com 74 temas diferentes. No total,
foram 40 tipos (temas) de conferências, sendo 28 inéditos, ou seja, tiveram
sua primeira edição realizada nesse período. Foram identificados 59 conselhos
vinculados a diferentes órgãos do Governo Federal, a maioria deles na área
social e ambiental (38 conselhos) e número muito menor (15 conselhos) ligado
a temas de infraestrutura e economia; 39 conselhos de políticas setoriais como
foco a definição de políticas públicas e outros 11 conselhos são de direitos,
ou seja, tratam dos direitos de uma população específica, em geral, grupos
marginalizados. A maior parte dos conselhos é deliberativa, mas quase metade
deles (43%) é apenas consultiva. O levantamento sustenta que como poucas
conferências estão instituídas em lei, a vinculação delas com conselhos ou com
processos de planejamento como o Plano Plurianual (PPA) é quase inexistente.
O que se observa é a realização dos processos desconectada dos calendários
Referências
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BAUMAN, Zygmunt. A sociedade da decepção. São Paulo: Manole, 2007.
Preâmbulo: a transgressão
que não rompeu com a ordem
O conceito de movimento social surgiu a partir de uma leitura
conservadora e perplexa da emergência do mundo urbano-industrial,
pela pena de Lorenz Von Stein, em 1840. Este autor defendia a ne-
cessidade de uma ciência da sociedade que se dedicasse ao estudo
dos movimentos sociais, em especial, ao estudo do movimento ope-
rário francês e do socialismo. O tema surge no bojo de um processo
de estranhamento das instituições públicas e de alguns segmentos
urbanos frente ao acelerado processo de industrialização da Europa,
principalmente na França e Rússia. Perplexidade que acabou por
definir um olhar sobre os movimentos sociais: movimentos que re-
agiam ao sentimento de marginalização (Barrington Moore Júnior
chegou a elaborar o livro Injustiça que procurou definir motivações
populares para várias revoluções a partir deste sentimento de mar-
ginalização e injustiça) ou mesmo práticas corporativas, muitas
vezes fundadas no clientelismo. Desta última vertente, alguns au-
tores denominaram vários movimentos sociais contemporâneos de
metacorporativistas. Philippe Schmitter distinguiu corporativismo de
Estado (cujas associações de interesse são dependentes do Estado e
por ele penetradas) de corporativismo societário (cujas associações
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Para concluir esta ilustração, finalizo com o arti. 204, que trata
das ações governamentais de natureza assistencial:
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social
serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social,
previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com
base nas seguintes diretrizes: (...) II – participação da população,
por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e no controle das ações em todos os níveis.
A filosofia participacionista vai se desdobrando ao longo da CF e
o art. 204 parece ser o ápice desta elaboração, inspirando um conjun-
to de leis federais, incluindo as leis orgânicas da saúde e assistência
social e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Aqui começa o calvário do comunitarismo que fundava experiências
de resistência e luta social dos anos 80. Justamente porque o comu-
nitarismo carrega a lógica do particularismo, valoriza a peculiaridade
e se reveste de forte traço antropológico. O participacionismo é, por
natureza, seu inverso, porque universal, público. O conceito de cida-
dania ativa é parte integrante de um projeto que altera a lógica das
instâncias públicas. Ao promover mudanças na institucionalidade
pública, sugere a organização de canais institucionais de participação
social e, portanto, a disputa e a negociação de interesses. Contudo, o
comunitarismo cristão dos anos 80 revestia-se da lógica do confronto
com a institucionalidade vigente. O que significa que a cidadania ativa
inscrita em alguns artigos da CF exigiria a conversão do comunitarismo
à disputa do poder institucionalizado. Para tanto, seria necessário entrar
no jogo político, na disputa da cultura e da direção da institucionalidade
pública. Exigiria a capacidade de superar o particularismo local pelo
direito universal. Esta operação teórico-política sugere a abstração das
diversas lógicas comunitárias em meso-espaços (territórios e controle
de regiões) e no macroespaço da política nacional.
E é justamente neste ponto que o comunitarismo cristão dos anos
1980 claudicou. Porque não conseguiu dar o salto para a construção
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Notas:
1 Versão de capítulo de minha tese de doutorado intitulada “Fuga para o futuro:
novos movimentos sociais rurais e a concepção de gestão pública”, defendida
no Departamento de Ciências Políticas da Unicamp, em 2002.
2 A tese que orienta essa observação é o caráter militante dos autores aqui citados.
Em muitos casos, pesquisadores sociais brasileiros desenvolveram teorias que se
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ações judiciais para reaver direitos negados pelas empresas. Por sua vez, as
comunidades expropriadas sentiam que, ao se inscreverem como assalariados
(mote das ações judiciais), perderiam a trama das relações rurais regionais, mar-
cadas pela troca de favor, pela interdependência dos atores sociais, cristalizadas
no compadrio e no coronelismo. A autora sustenta tratar-se de uma estratégia
de sobrevivência e não de ausência de consciência do sistema de dominação a
que estariam submetidos. Em outro estudo, D’Incao e Roy (1995), ao estudarem
as relações políticas que se estabelecem num assentamento rural paulista, fruto
da luta do movimento de trabalhadores sem-terra, reconstroem a trama social
marcada por fortes traços tradicionais: o poder velado do padre local, o discurso
militante que intimida os desejos familiares, a discriminação de famílias com-
postas por mães solteiras, as lideranças comunitárias que distribuem pequenas
benesses para se sustentarem nos postos de direção.
13 Estamos nos referindo aos conselhos de gestão pública, órgãos paritários de
gestão das políticas sociais, organizados em todas as instâncias do sistema fe-
derativo. Ao lado dessa conquista constitucional, vários municípios adotaram,
nos anos 80 e 90, métodos participativos de elaboração do orçamento municipal
que, rapidamente, tornou-se bandeira de lideranças populares e de agremiações
de esquerda.
14 Inscrevem-se, neste bloco, os estudos de Dahrendorf, Heins e Arato.
15 No prefácio da edição inglesa de Os alemães, Eric Mennell ressalta que Norbert
Elias teria lançado mão do conceito de habitus num esforço de superação da
noção de caráter nacional. Habitus implicaria um equilíbrio entre continuidade
e mudança. Assim, o autor buscaria no domínio das classes guerreiras e valores
bélicos das sociedades agrárias a ligação entre industrialização e ascensão do na-
cionalismo alemão. O processo de formação do Estado Alemão estaria influenciado
pela situação intermédia do país (pressionado pelos povos latinos e eslavos) e
pela formação nacional sustentada pelo caráter beligerante, militar e burocrático
da unidade territorial, no que se aproxima das análises de Bendix. Norbert Elias
sustenta que o equilíbrio de forças inclinou-se, historicamente, a favor dos prínci-
pes regionais. O processo de guerra teria, assim, deixado marcas permanentes no
habitus alemão, originando a crescente brutalidade entre as pessoas. Para ilustrar,
o autor reconstrói o papel do duelo como cimento da consciência e identidade
coletivas na Alemanha. Para nossos propósitos, vale registrar a compreensão do
legado histórico-cultural como constitutivo das instituições públicas de um povo,
constantemente reconstruído e atualizado.
16 Um outro autor clássico, que interpretará a sociedade brasileira como marcada
pelo personalismo, tipicamente ibérico, foi Sérgio Buarque de Holanda. Em Raízes
do Brasil, denuncia a falta de organização e o paroxismo entre o personalismo
e a renúncia à personalidade por meio da cega obediência, traços da cultura
portuguesa. A vontade de mandar e a disposição para cumprir ordens são-lhes
igualmente peculiares, vaticina ao comentar a alma ibérica. O patriarcalismo e
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Capítulo 2
DA GESTÃO PARTICIPATIVA
À ESTATALIZAÇÃO
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6% 12%
34% Norte
2%
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
46% Sul
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61,30 %
70,00 %
60,00 %
38,70 %
50,00 %
Sim
40,00 %
Não
30,00 %
20,00 %
10,00 %
0,00 %
Continuidade
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d) 6
0% participavam de reuniões partidárias (BH está acima do
índice do Sudeste, com 52%, sendo o segundo maior índice
entre as capitais).
Um conjunto de ensaios e investigações preliminares e localiza-
das desvelou ainda mais as práticas contraditórias das experiências
participacionistas do Brasil. Apresentadas originalmente no III Con-
gresso da Associação Latino-Americana de Ciência Política, realizado
no final de 2006, estes estudos deram origem ao livro Democracia,
Sociedade Civil e Participação (DAGNINO; TATAGIBA, 2007, p. 9).
Na introdução, os organizadores do livro dão o tom das observações
que vêm a seguir:
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Notas:
1 Cf. SANTOS JR., Orlando Alves et al. Governança Democrática e Poder Local. Rio
de Janeiro: REVAN/Observatório das Metrópoles, 2004.
2 Em termos teóricos, Dallabrida, Siedenberg & Fernandez propõem um inventário
a respeito do desenvolvimento territorial e das estruturas em rede. Os autores
sugerem duas vertentes teóricas do que denominam novo regionalismo: a) a ver-
tente globalista; e b) a vertente regionalista. A vertente globalista se subdividiria
em outras quatro abordagens: Escola da Nova Política Urbana (NUP, em que os
governos locais não têm outra possibilidade que a de oferecer concessões às empre-
sas); City Marketing (competição entre cidades e regiões no âmbito do processo de
unificação do mercado europeu); Fluxo de Informações (redes de cidades e regiões
conectadas a partir do fluxo de informações); e literatura gerencial e administrativa
(perspectiva de uma ordem internacional sem fronteiras). A vertente regionalista
ressalta a perspectiva da territorialização do desenvolvimento. As cidades e regiões
passam a atuar como estruturantes e organizadores da inserção de suas economias
na organização globalizada, garantindo as peculiaridades locais. Ao contrário da
vertente globalista, a inserção se dá a partir da afirmação das localidades e não
através de sua submissão. Cf. Dallabrida, Siedenberg, Fernandez, 2004.
3 O conceito de cidadania ativa é desenvolvido por Maria Victória Benevides.
Em entrevista publicada na revista Teoria e Debate, 39, 1998, a autora sustenta:
“defendo, desde antes da Constituinte de 1987/88, o desenvolvimento de uma
democracia que agrega formas de democracia direta à representação (o que os
europeus chamam de democracia semidireta) e fui me aprofundando no tema.
Nossa Constituição acolheu, já no preâmbulo, a ideia da democracia direta, quan-
do o artigo primeiro diz que todo poder emana do povo, que o exerce diretamente
ou através de representantes. O promissor advérbio ‘diretamente’ abriu a porta
para o referendo, o plebiscito, a iniciativa popular legislativa, além de outros
mecanismos ligados à área do Judiciário. Eles estão esperando regulamentação,
como muitas coisas na Carta de 1988. Mas a porta foi aberta”.
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Referências
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homem simples), mas que continha uma tensão original entre ser uma
alternativa ao modelo educacional vigente e permanecer focalizado
nas práticas comunitárias, locais. Uma vocação, enfim, que nunca se
define, entre ser universal ou permanecer a serviço da comunidade.
O final dos anos 1980 gerou uma profunda inflexão na trajetória
dos movimentos sociais e, consequentemente, na proposição das
práticas de educação popular. Na medida em que aumentaram seu
poder político e, em alguns casos, chegaram a se profissionalizar
(gestando um corpo administrativo permanente, fluxo estável de
recursos financeiros, planejamento de ações unificado e orientações
e regras de conduta formalizados no seu interior, assessoria técnica
específica), os valores universais e mesmo o ideário humanista-cristão
que cimentava a quase totalidade dos movimentos sociais que se
espraiavam pelo território nacional passaram a ser apropriados ou
reformulados por cada uma das organizações que se consolidavam.
A unidade do ideário original foi, lentamente, se cindindo num
mosaico de movimentos e organizações. Esta tendência parece se
fortalecer no final dos anos 80, quando muitas lideranças de movi-
mentos sociais são lançadas ao parlamento e executivos municipais.
O caráter anti-institucionalista e a radical autonomia política dos
movimentos sociais sofrem contradições evidentes a partir desta nova
realidade. Pode-se afirmar que se forja, a partir de então, uma espécie
de “blocos de representações e interesses” no interior dos parlamentos
e até mesmo na captação de recursos financeiros para manutenção
das organizações populares.
Ora, se adotamos como premissa que as práticas políticas consti-
tuem a natureza dos agentes sociais,3 o processo de transformação dos
movimentos sociais em organizações teria provocado uma alteração na
natureza, inclusive, das práticas educativas (ou formativas) dos mes-
mos. Com efeito, as demandas difusas de tantos movimentos sociais
(saúde, educação, terra, moradia, e assim por diante) se unificavam,
até então, exclusivamente em função de um discurso humanista-
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Apaziguamento
Consulta Nível 02: Participação
Informação
Terapia
Nível 01: Não participativo
Manipulação
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Notas:
1 O tema da cultura do homem simples é recorrente na literatura sociológica brasi-
leira. O estudo recente mais instigante é o de José de Souza Martins. Para o autor
o novo herói da vida é o homem comum imerso no cotidiano. É que no pequeno
mundo de todos os dias está também o tempo e o lugar da eficácia das vontades
individuais (...). A partir deste ponto, Martins sugere que o senso comum não
seria banal, mas comum porque compartilhado nas relações sociais. E, por sua
vez, as relações sociais cotidianas estariam marcadas pela teatralização, de forma
que o sujeito, antes de emitir sua opinião, procura entender o que seu interlocutor
pensa e deseja. Daí o discurso alegórico de Ciço, que lança ilustrações e figuras
de linguagem que possuem a função de “pontes” entre discursos diferentes: o
cotidiano e o acadêmico ou, a partir da argumentação de Martins, entre o saber
negociado cotidianamente e o saber construído nos escritórios. Este saber coti-
diano é, portanto, refeito diariamente, a partir da prosa. Assim, a cultura oral e a
lenta temporalidade que marca o cotidiano do “homem simples” são constitutivas
da construção das crenças e verdades deste mundo concreto (MARTINS, 2000).
2 Este encontro foi registrado em livro (FREIRE; HORTON, 2003).
3 Esta observação foi elaborada por Ernesto Laclau. Para o autor “um grupo seria
apenas o resultado de uma articulação de práticas sociais”. As práticas definem
seus conteúdos e ideologias, e não o inverso. Cf. Laclau (2003).
4 Lorenzo Zanetti faz uma breve incursão sobre esta mudança de paradigma dos
projetos formativos elaborados pelas ONGs a partir dos anos 80. Sustenta que na
década de 80 surgem ONGs que não se colocavam na perspectiva de intervenção
direta no meio popular, procurando produzir novos tipos de conhecimentos e
socialização de informações (cita o Ibase como exemplo deste novo paradigma).
Destaca, ainda, um novo papel assumido por diversas ONGs, posicionando-se
como atores sociais, com papel próprio a desempenhar que supera a antiga função
de “suporte aos movimentos”. A primeira consequência teria sido a necessidade
de especialização, sem se verificar uma atualização das práticas educativas. Cf.
Zanetti, 2000, p. 54 e 55.
5 A participação é a chave para o empoderamento, disponível em: <http://www.
scn.org/mpfc/modules/par-benp.htm>. Acessado em: 15/01/10.
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