Gravou seu disco de estreia, em parceria com Geraldo Azevedo, o que lhe
valeu os primeiros problemas com a censura. Uma das canções dizia: “Joana,
me dê um talismã / Você já pensou em mais eu viajar?”. O censor convocou o
poeta e passou-lhe um sabão: “Joana quer dizer marijuana e a marijuana é
proibida no Brasil. Além disso, sua letra fala em viajar e isto é uma alusão a
erva maldita”. Totalmente refratário ao uso de drogas leves ou pesadas, Alceu
contestou o irascível guardião da soberania nacional e tirou da manga uma
alternativa menos esfumaçada: “e se eu mudar para Diana, a caçadora,
pode?”. Conseguiu a autorização e o tempo se encarregaria de fazer da
canção um clássico.
O LP chamou a atenção do compositor Sergio Ricardo, que convidou Alceu
para sua primeira empreitada cinematográfica: seria o protagonista do
contracultural “A Noite do Espantalho”, o que lhe renderia também um LP com
a trilha sonora do filme, lançado pela Som Livre. Logo lançaria, pela mesma
gravadora, seu primeiro disco solo, “Molhado de Suor” (1974). Mas foi o
Festival Abertura, promovido pela TV Globo, em 1975, que o catapultaria
diretamente para os lares brasileiros, recém-abastecidos pela tevê em
technicolor, com a perturbadora “Vou Danado Pra Catende”, que unia os ritmos
do sertão brasileiro ao peso das guitarras do rock, com alguns versos
emprestados pelo poeta pernambucano Ascenso Ferreira. Ao lado de um grupo
formado por headliners da contracultura pernambucana, como Zé Ramalho,
Lula Côrtes, Zé da Flauta, Ivinho e Paulo Rafael, um Valença quase messiânico
demolia os falsos profetas e entornava seu veneno sertanejo no bom mocismo
da MPB.
Nova guinada estava reservada para 1996. Alceu junta-se aos colegas de
geração Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho para a celebração do
“O Grande Encontro” (com disco ao vivo lançado pela BMG). Um dos
campeões de bilheteria da década, o show impulsiona, amplia e rejuvenesce
seu público. Dois discos solo do período afirmam esta disposição. Em “Sol e
Chuva” (Som Livre, 1997), Alceu recria seus grandes sucessos para o público
jovem, acrescido da inédita “Girassol”. Em “Forró de Todos os Tempos” (Sony,
1998), fala direto para a geração do Forró Universitário num álbum que reúne
temas de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, mas também novas canções
autorais, entre elas “Forró de Olinda” e “Vou Pra Campinas” – ambas com
Aracílio Araújo. “Todos os Cantos” (Sony, 1999) flagra o cantor em ação nos
palcos de Montreux, Recife e Olinda.
O século XXI traz de cara uma inesperada novidade poética que viria a se
tornar o embrião do filme “A Luneta do Tempo”. De volta à Fazenda Riachão,
depois dos funerais de seu pai, Décio Valença, Alceu novamente mergulha nas
origens e começa a escrever um poema de cordel sobre os temas mais caros
de sua infância: o circo, a poesia, o cangaço. Este poema se tornaria o roteiro
que o futuro cineasta desenvolveria por dez anos, até começar a rodar o filme,
em 2009.
A carreira fonográfica segue com “Forró Lunar” (Sony Music, 2001), “De
Janeiro a Janeiro” (2002) e o pós-moderno “Na Embolada do Tempo” (Indie
Records, 1995). Também pela Indie, saem os DVDs “A Vivo em Todos os
Sentidos” (2003), gravado na Fundição Progresso, no Rio”; e o carnavalesco
“Marco Zero” (2007), rodado ao ar livre em Recife para mais de cem mil foliões
em pleno agosto! Em 2009, “Ciranda Mourisca” (Biscoito Fino), traz versões
acústicas e sabor oriental para músicas menos conhecidas – como
“Mensageira dos Anjos” e “Dente de Ocidente”, além do sucesso “Ciranda da
Rosa Vermelha”. “Amigo da Arte” (Deck, 2014) revisita os frevos, maracatus e
cirandas dos carnavais de Pernambuco, com participação da cantora
portuguesa Carminho, em “Frevo N°1”, de Antonio Maria.
Alceu Valença acaba de lançar o filme “A Luneta do Tempo” (com dois kikitos
no Festival de Gramado), um livro (“O Poeta da Madrugada”, editora Chiado) e
um CD/DVD com a recriação de sua obra para a música de concerto
(“Valencianas”, ao lado da Orquestra Ouro Preto), pelo qual recebeu o troféu de
Melhor Álbum de MPB de 2015 no Prêmio da Música Brasileira. Em seu
caldeirão conceitual, música, Direito, política, poesia, e agora cinema,
configuram um panorama sólido e sem concessões aos jogos fáceis do
mercado para um dos personagens mais icônicos da cultura brasileira
contemporânea.
Julio Moura