PUC–SP
Susete Gomes
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO – SP
2016
1
Susete Gomes
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO – SP
2016
2
Banca examinadora
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AGRADECIMENTOS
agradeço a todos os amigos que a vida me deu, pois em algum momento das
minhas andanças pela vida cada um deles foi meu par.
Agradeço a todos que amam o Direito e que se tornaram imortais ao escrever
um artigo, um livro, uma resenha. Eu me conectei a muitos autores: em
determinados momentos, pareciam ser amigos de longa data (eu os chamava pelo
primeiro nome), um Professor a me ensinar. Fui transformada ao longo da escrita
desta tese. Experimentei muitas lentes que me fizeram ver o mundo e o Direito de
uma forma diferente. Não sou a mesma, pois escrever uma tese é uma superação
que não se faz só. Todos esses companheiros de jornada me fizeram chegar até
aqui. Hoje saem da minha bagunçada escrivaninha e voltam para a ordem das
prateleiras, para os arquivos digitais. Mas permanecerão vivos nas linhas, nas notas
de rodapé e em todos os pensamentos e todas as divagações os quais, mesmo que
não tenham sidos apresentados na linguagem escrita, compõem o pano de fundo da
tese.
A todos, minha eterna gratidão!
7
RESUMO
GOMES, Susete. A interpretação dos contratos complexos: uma visão dos contratos
coligados. 2016. 263 fls. Tese (Doutorado em Direito) — Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo.
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
2 CONTRATOS COMPLEXOS 54
2.1 Complexidade subjetiva e complexidade volitiva 59
2.2 Complexidade normativa 64
2.3 Complexidade objetiva 74
2.3.1 Tipicidade e atipicidade 75
2.3.2 Contratos complexos e mistos 88
2.3.3 Complexidade econômica 92
2.3.4 Complexidade tecnológica 95
2.4 Contratos coligados 100
2.4.1 Efeitos da coligação contratual 104
2.4.1.1 Efeitos sociais dos contratos coligados 113
2.5 Exemplos de contratos complexos e contratos coligados que integram
o sistema de complexidade contratual na realidade empresarial 115
2.5.1 Garantias e financiamentos de projeto (project finance) 115
2.5.2 Franquias 118
2.5.3 Contratos de engenharia e infraestrutura 122
2.5.4 Contratos relativos à revenda de combustíveis automotivo 124
CONCLUSÃO 211
REFERÊNCIAS 219
INTRODUÇÃO
programa contratual. São os contratos coligados. Eis por que o capítulo 2 aborda,
numa breve visão, os contratos coligados. A interpretação dos contratos complexos
requer analisar se existem contratos a ele coligados e quais os possíveis efeitos de
tal coligação. Cabe frisar que este trabalho tem por objetivo principal a interpretação
dos contratos complexos; a visão dos contratos coligados se faz necessária como
integrante da proposta de interpretação, pois, na prática, existem situações diversas
em que contratos complexos se coligam a outros contratos (complexos ou não).
Igualmente, existem situações em que a distinção entre contratos complexos e
coligados não se faz de forma automática. Tendo em vista que se busca demonstrar
a relevância da situação concreta para a interpretação dos contratos complexos, a
caracterização destes (incluindo a visão acerca dos coligados) vem acompanhada
de exemplos para contextualizar tais contratos.
O capítulo 3 tem como objetivo estabelecer premissas para a interpretação
dos contratos complexos e dos contratos a eles coligados. Tais premissas são: (i)
indicar quem são os intérpretes do contrato complexo; (ii) a interpretação dos
contratos complexos não deve seguir um padrão hierárquico estático; (iii) as
cláusulas gerais de boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do equilíbrio
contratual devem ser vistas à luz da complexidade aplicadas a tais contratos; (iv) a
causa concreta é determinante para a interpretação dos contratos complexos; (v) as
lacunas nos contratos complexos decorrem de sua essência; (vi) a distinção dos
contratos complexos e dos coligados deve ser efetuada de forma dinâmica; (vii)
apenas o caso concreto revelará o efetivo conteúdo do programa contratual, com
grande relevância à linguagem contratual (que abarca todas as formas de
comunicação).
Com tais premissas estabelecidas, o capítulo 4 tem com objetivo tratar da
interpretação dos contratos complexos. Demonstra-se que estes, como expressão
da liberdade contratual e da sociedade contemporânea, são sistemas que trazem
em si, ainda que de forma indireta, a sua própria regra de interpretação; ou seja, é
do próprio sistema que se extrai como ele será interpretado em caso de conflitos.
Extrai-se uma metalinguagem: a contratualidade de caráter normativo, que aqui se
denomina metacontratualidade. Embora seja uma norma individual e concreta,
considera-se que o contrato sempre poderá sofrer novas incidências e concreções
até alcançar todo o seu teor de juridicidade, até cumprir todas as obrigações e
prestações dele advindas. Nos contratos complexos, a capacidade de se
15
1
Cf. Giovanni Ettore Nanni (2014, p. 123).
2
Fukuyama (1996, p. 238) esclarece que “[...] o desenvolvimento de instituições como direitos de
propriedade, contrato e um sistema estável de direito comercial foi decisivo para a evolução do
Ocidente. Essas instituições legais serviram de substituto da confiança que existia naturalmente entre
famílias e grupos de parentes e constitui uma estrutura na qual estranhos puderam interagir em joint
ventures de negócios ou no mercado”.
18
contraposição, a aplicação do direito ser outra coisa senão que singular e específica
ao caso em questão. No âmbito do saber jurídico, a aplicação do direito é sempre
uma atualização da histórica relação antagônica entre o universal e o singular que,
embora não seja arbitrária — porque parametrizada pela isonomia e segurança
jurídica —, há que ser levada a termo pela interpretação, pela hermenêutica.
A compreensão do processo de complexificação da sociedade humana até o
estágio contemporâneo pode ser empreendida segundo olhares e metodologias
variados. Tal variação — de posturas em sentido amplo — é fruto de oscilações
entre posturas pró-universais e posturas pró-singulares. Enquanto as primeiras
caracterizam as análises de cunho metafísico — portanto, postulam uma
compreensão que parte do ser mesmo, do ser em si —, as segundas determinam
que toda compreensão tem de partir do existente, do observável, do particular.
Numa simplificação dessas posturas, isso significa que a pergunta basilar para
posturas pró-singulares é “O que é o homem?” e, para posturas pró-universais,
“Quem é este homem?”. Ainda que aparentemente sutis, essas distinções
determinam conceituações e compreensões necessariamente diversas.
Apesar da não ser possível demarcar, de forma precisa, os momentos de
trânsito do pensamento e do conhecimento humano, pode-se afirmar que o ingresso
na modernidade denota a ruptura com a ideia da verdade revelada mediante a fé.
Atribui-se a Guilherme de Occam (1285–1349) o codinome de “a Navalha”, por ser
considerado a última figura da escolástica e simultaneamente a primeira figura da
Idade Moderna (ABBAGNANO, 1979, p. 143), por ter colocado fim ao pensamento
medieval para estabelecer o marco que definiria o pensamento moderno: a
racionalidade, cuja supremacia se desenvolve aos poucos e de forma não uniforme.
Com tal feito, instala-se, definitivamente, a supremacia da razão (e não da fé) para o
conhecimento acerca do mundo e do homem, tornando a experiência, a investigação
experimental e demonstração, proposta por Duns Escoto (1266–1300), como
fundamento e recurso da racionalidade.3
3
Tais ideias têm suas reminiscências nas tentativas de rompimento com a Escolástica promovidos
por Abelardo (1079–1142) com sua afirmação do valor do humano na investigação, passando por
Duns Escoto (1266–1308) em seu posicionamento em favor de uma ciência fundamentada
exclusivamente na demonstração, no procedimento crítico e analítico, determinando uma releitura do
aristotelismo empregado por Tomás de Aquino.
20
Como marco histórico do pensamento ocidental, essa ruptura tem como ponto
decisivo o cogito ergo sum, de Descartes4 (1596–1650), para quem o conceito de
indivíduo — um eu numa relação consigo mesmo — cristaliza-se de vez,
determinando a supremacia do sujeito no conhecimento e na relação de domínio
sobre o mundo natural (ABBAGNANO, 2000a). Descartes lançou as bases do
desenvolvimento, ainda que não linear, de uma racionalidade científica e tecnológica
de reflexos perceptíveis no presente.
O pensamento cartesiano é emblemático quanto a priorizar a autonomia da
razão e estabelecer técnicas do exercício da racionalidade em um método, baseado
na ordem sucessiva entre ideias claras e distintas, que garanta o conhecimento da
verdade e conserve uma resistência nas posições metafísicas por considerar a
razão como um a priori do sujeito — ou seja, ainda ligada a um conceito universal do
sujeito. Na figura de Descartes, de Hobbes (1588–1679), de Espinosa (1632–1677)
e de Leibniz (1646–1716), o século XVII é marcado pelo triunfo da razão, cuja
delimitação será dada pelo iluminismo, no século XVIII; isto é, pela “[...] rigorosa
autolimitação da razão nos limites da experiência e [...] é caracterizado pela
possibilidade, que se atribui à razão, de investigar todo o aspecto ou domínio que se
contenha dentro de tais limites” (ABBAGNANO, 2000a, p. 8). No iluminismo inglês —
do pensamento de Locke (1632–1704)—, fundamentou-se o iluminismo francês, que
atingiu seu expoente no enciclopedismo e nas mudanças que esse movimento
provocou na dimensão política.
Por exemplo, o pensamento de Montesquieu (1689–1757) e sua proposição
do modelo tripartite do poder, presente em O espírito das leis, fazem-se presentes
até os dias de hoje. Com suas implicações políticas, sociais, econômicas e jurídicas,
a Revolução Francesa encontra seu alicerce filosófico no pensamento de
Montesquieu (1689–1755), Voltaire (1694–1778), Diderot (1713–84) e D’Alembert
(1717–83). Também se fazem presente no desdobramento desse momento
revolucionário com Napoleão Bonaparte e as implicações do iluminismo na seara do
Direito, trazendo os princípios da racionalidade, do modelo de uma ciência
demonstrativa (NANNI, 2014) e da universalidade da verdade no Código
Napoleônico.
4
Conceito desenvolvido como solução da dúvida metodológica (DESCARTES).
21
5
Incerteza que fora imposta ao mundo contemporâneo quando se apercebeu da exaustão dos
recursos naturais, das reais possibilidades catastróficas que a visão cartesiana de uma natureza à
disposição do homem pode determinar e que levou a sociedade contemporânea a se preocupar com
o meio ambiente e sua proteção, conservação e preservação.
26
Essa relação paradoxal — a condição de que o simples, o uno, não pode ser
compreendido e conhecido pelo complexo, pelo múltiplo — é, a toda evidência, o
motor propulsor da fundamental atividade humana — a cultura — em sua função
basilar: a denominação; ou seja, a representação, a abstração, a significação, a
substituição do que não pode estar presente pela mediação do símbolo. Mas não
sem se defrontar com novo paradoxo: por ser polissêmico, o símbolo é complexo.
Se for correto supor que a complexidade se liga à multiplicidade e à
diversidade e que é uma constante em tudo que é manifesto e existente, então o
seria vê-la como fator constante no mundo natural e no universo cultural. Noutros
termos, ainda que de formas e metodologias variadas se possa tentar compreender
e analisar o fenômeno social, não é possível imaginar uma sociedade que não seja
complexa. O que se pode indagar ou inquirir é sobre o quantum de complexidade
que dada sociedade apresenta. Portanto, a questão que aqui se impõe é refletir
sobre o grau de complexidade que a sociedade contemporânea apresenta e como
nível de complexidade se desdobra sobre o sistema jurídico, em particular no âmbito
negocial dos contratos complexos.
Fazer tal reflexão requer, preliminarmente, estabelecer um critério de
abordagem da complexidade. Tal abordagem será efetuada com base em conceitos
preconizados por Niklas Luhmann ao tratar da teoria dos sistemas. Luhmann (2016,
p. 32) — cabe ressaltar — adverte que sua teoria não tem o condão de guiar a
prática; sua pretensão é fazer uma descrição do “[...] sistema jurídico como um
sistema que se auto-observa e se descreve, e, portanto, desenvolve suas próprias
teorias, procedendo de modo ‘construtivista’, ou seja, sem qualquer tentativa de
representar o mundo exterior no sistema”.
À luz das ideias desse teórico, este trabalho busca abordar a forma de tratar a
complexidade, as escolhas (seletividade) dentre tantas possibilidades, o contingente
que não foi objeto de escolha (contingência) e a forma como o sistema jurídico atua
no (grande) sistema social (sociedade) e como se relaciona com os sistemas
econômico e político. Ainda que realizada de forma sucinta, tal abordagem visa
oferecer suportes tanto à caracterização do contrato complexo como um sistema (ou
subsistema) inserido no sistema jurídico quanto ao estabelecimento de premissas de
sua interpretação.
A complexidade significa o excesso de possibilidades de comunicação na
sociedade contemporânea, o que leva a necessidade de uma escolha: selecionar
28
6
Luhmann abordou a complexidade ao se desdobrar sobre a temática das distinções entre ciências
naturais e ciências humanas.
7
No original em español se lê: “toda operación del sistema que establece una relación tiene que
elegir una entre muchas — la complejidad impone la selección”,
8
No original em español se lê: “ambas nociones de complejidad [...] apuntan a una selectividad
forzosa. La complejidad significa que toda operación es una selección”.
29
elementos (sob quais filtros) observar ao interpretá-los (para que a seleção dos
elementos não descaracterize o contrato em sua complexidade).
A concepção do que seja sistema e do que seja autopoiesis são cruciais para
a compreensão do pensamento de Luhmann (1998) e suas influências sobre a
sociologia e sobre o direito, em especial no âmbito dos contratos complexos. Com
base nas indagações acerca das diferenças entre sistema e entorno (ambiente),
Luhmann parte do que, de fato, determina essa diferenciação: a formação do limite.9
Dessa forma, a questão fundamental é saber como é determinado esse limite. Como
fator determinante do limite, ele elege o conceito de produção como poiesis, como
um fazer,10 e justifica tal escolha porque o fazer pressupõe a distinção, a
especialização, segundo a qual há que ser realizada uma obra. Ainda que “[...] o
produtor não possa produzir por si mesmo todas as causas necessárias para isso”11
(p. 55), a obra produzida é o sistema mesmo, é a diferenciação entre sistema e
entorno (ambiente). Portanto, o que determina a especificidade de um sistema é o
que ele produz, e não como ele se constitui. Mais que isso, cada sistema produz de
forma específica e não poderia ser efetivada tal obra por nenhum outro sistema.
Cada “fazer” é exclusivo de determinado sistema, que lhe atribui identidade por
especificidade.
Na sociedade contemporânea, existe um sistema de comunicação
especializada no desempenho de funções — políticas, jurídicas e econômicas —
que, também, são autopoiéticas. Estabilizam-se vários sistemas, dos quais se
destacam o sistema jurídico,12 o econômico e o político. O sistema se relaciona com
o entorno organizando e ordenando causas internas e externas na elaboração de
sua obra e “[...] pode usar as internas de maneira que resultem possibilidades
suficientes para a combinação de causas externas e internas”13 (p. 55). Isso significa
9
O limite “[…] marca la unidad de la forma, y por ello no puede ser localizado en ninguna de sus
caras. El límite existe sólo como orden de cruzar — tanto de adentro hacia afuera como de afuera
hacia adentro” (LUHMANN, 1998, p. 54)
10
Aqui, a ideia de fazer é distinta do conceito de práxis (ação).
11
No original em español se lê: “el productor no pueda producir por sí mismo todas las causas
necesarias para ello”.
12
Para Luhmann (2016, p. 31), “[...] o ambiente do sistema jurídico interno à sociedade aparece como
altamente complexo, e a consequência disso é o sistema jurídico fazer referência a si mesmo: a uma
autonomia que lhe é própria, a limites autodeterminados, a um código próprio e a um filtro altamente
seletivo, cuja ampliação, poderia pôr em risco o sistema ou mesmo dissolver o caráter determinável
de suas estruturas”.
13
No original em espanhol se lê: “puede utilizar las internas de manera que resulten suficientes
possibilidades para la combinación de causas externas e internas”.
30
14
No original em espanhol se lê “ningún sistema puede operar fuera de sus limites”.
31
15
No original em español (p. 57) se lê: “es el sistema que engloba todas las comunicaciones, aquel
que se reproduce autopoiéticamente mediante el entrelazamiento recursivo de las comunicaciones y
produce comunicaciones siempre nuevas y distintas.”.
32
16
“A linguagem aumenta a irritabilidade da consciência através da comunicação e da sociedade por
meio da consciência, que transforma os estados internos na linguagem e compreensão (ou falta de
compreensão). Ao mesmo tempo, isso significa que outras fontes de irritação são excluídas do
sistema da sociedade. Assim, a linguagem isola a sociedade de quase todos os eventos ambientais
do tipo físico, químico ou que tomam a forma de vida, com exceção da irritação através dos impulsos
da consciência” (LUHMANN, 1998, p. 61). No original em espanhol se lê: “El lenguaje aumenta la
irritabilidad de la conciencia por medio de la comunicación y la de la sociedad por medio de la
conciencia, la cual transforma los estados internos en lenguaje y en comprensión (o en falta de
comprensión). Esto significa, al mismo tiempo, que otras fuentes de irritación son excluidas del
sistema de la sociedad. Así, pues, el lenguaje aísla a la sociedad de casi todos los acontecimientos
ambientales de tipo físico, químico o que adoptan la forma de vida, con la única excepción de la
irritación a través de los impulsos de conciencia”.
33
especificidades, ou ainda, como lidar com todas elas no caso concreto, para que a
necessária atividade de redução de complexidades (para que seja possível uma
solução de um conflito no caso concreto) não seja realizada de forma a ocultar
questões relevantes.
Com efeito, integram o mote desta pesquisa o repensar e a busca de
maneiras novas para que o acoplamento do sistema jurídico ao sistema econômico-
negocial ocorra respeitando-se o fechamento operativo daquele e buscando-se uma
expansão em sua abertura cognitiva para que, em sua seletividade, os ocultamentos
possam ser aclarados e as reduções de complexidade não sejam por demais
restritivas, de modo a dilatar as alternativas e possibilidades próprias de um
ambiente em transformação e complexificação constantes.
Nessa lógica de Luhmann, o contrato representa o acoplamento entre o
sistema econômico e o sistema jurídico; representa a concretude da liberdade
concedida ao particular de estabelecer negócios com seus pares, incrementando a
economia e repercutindo na sociedade. O contrato complexo representa um âmbito
maior: o particular não enquadra seu negócio nas categorias tipificadas no sistema
jurídico, utiliza a liberdade que o próprio sistema legitima para, em constante diálogo
com as diferentes áreas do conhecimento, ampliar as possibilidades de negócios, da
forma de negociar, do incremento da economia.
A complexidade do contrato é gerada tanto pelos elementos que formam o
objeto do contrato quanto na forma de observar tais elementos e negociar. Para
interpretar tal contrato, o sistema, também, torna-se mais complexo, pois terá de
empregar recursos a ser criados pelo próprio sistema, ainda que nem sempre
estejam nele descritos ou expressamente previstos. O contrato complexo implica
uma autopoiesis constante: seja por ter uma capacidade intensa de concretude em
razão de sua diversidade de elementos e sua aptidão (em razão, inclusive, de sua
atipicidade) de gerar normas particulares cada vez mais concretas, seja para sua
interpretação, que implicará uma análise prévia de todo o caso concreto para
verificar as normas incidentes — cogentes e particulares — estabelecidas no texto
do contrato ou advindas da relação estabelecida.
Tais temas serão tratados ao longo deste trabalho. Por ora cumpre destacar
que, em vista da atipicidade, do não pleno regramento legal e social dos contratos
complexos, a linguagem ganha ainda mais relevo no âmbito dos contratos
complexos e de sua interpretação. Na ausência de regra típica aplicável, a situação
36
17
Convém anotar que Tácio Lacerda Gama (2011, p. 348) não acolhe a distinção proposta por
Robles, caso se considere o que expõe: “Neste trabalho, tomaremos as expressões ‘ordenamento
jurídico’ e ‘sistema jurídico’ como sinônimos perfeitos. Uma e outra servem para designar um conjunto
de normas jurídicas válidas em certas condições de espaço e tempo. Sendo essa nossa premissa,
não podemos aceitar distinções como aquela proposta por Gregorio Robles, que reserva
significações distintas para as duas locuções. [...] Contra esse entendimento, sustentamos existir
racionalidade e sistematicidade tanto no chamado sistema, que é domínio da Ciência do Direito,
quando no direito positivo, que é o campo do ordenamento jurídico. Nessas duas hipóteses, o produto
da interpretação varia, pois na ciência se produzem proposições descritivas e no direito positivo se
37
produzem normas. Em ambos, porém, há esquemas racionais que determinam como se dá a relação
entre as proposições. Justificamos, assim, o porquê de não acatarmos a distinção entre ordenamento
e sistema, exposta acima de forma clara e didática”.
38
18
John Forbes Nash Júnior, em artigo de 1951, “Non-cooperative games”, definiu a existência de um
equilíbrio estratégico para jogos não cooperativos: “equilíbrio de Nash”. Em 1994, ao lado de John C.
Harsanyi e Reinhard Selten — que contribuíram para o reconhecimento da teoria dos jogos —, ele ganhou
o prêmio Nobel de economia.
19
Por mais que isto signifique fugir ao que recomenda a norma NBR 14724/2011, da Associação
Brasileira de Normas Técnicas, certos autores são referidos ao longo do texto com seu nome e
sobrenome, em vez do sobrenome, como postula a norma. Por um lado, essa licença se justifica para
distinguir bem os autores citados e evitar confusões com sobrenomes mais comuns e abundantes no
texto como Azevedo, Carvalho e Silva: sempre que possível, aparecem com o respectivo nome; o
mesmo ocorre com o sobrenome Coelho. Por outro lado, aparecem nome e sobrenome de outros
autores por uma questão de afetividade: são pessoas do meu conhecimento, com quem pude
conviver como aluna ou colega ao longo do mestrado e doutorado; o uso do sobrenome apenas
pareceu criar certa distância incompatível com a proximidade que a academia proporcionou.
40
como texto, como linguagem, o direito contratual deve ser concebido fora de um
exercício formalista.20
Tendo em vista a interpretação dos contratos complexos, importa ainda
destacar que há de encontrar o texto relevante (dentre os textos e discursos que
integram e/ou permeiam a relação contratual) para que se tome uma decisão. Essa
tarefa exige competência especializada. Afinal, só se pode interpretar e argumentar
quando se encontram os textos convenientes:21 nem sempre são textos escritos nos
instrumentos contratuais, também são aqueles que decorrem da linguagem advinda
da conduta das partes na execução da relação contratual, que, por diversas vezes,
altera o conteúdo do texto do instrumento contratual.
Encontrar o texto conveniente é um desafio ao intérprete. Não raro, para se
encontrar o texto conveniente, é necessário buscar em outros textos, nas
circunstâncias do caso, no comportamento das partes. O texto primário por si não
supre a demanda da interpretação ou é insuficiente para a interpretação. Daí a
necessidade da tradução, da intertextualidade (dialogismo), fundamentais na
interpretação integradora nos contratos complexos.
Seja quem for o intérprete — operador, participante (órgão decisório),
observador (doutrinador)22 —, o processo de interpretação pode ensejar uma
decodificação, um “decifrar” do texto escrito, ou seja, a interpretação, ainda que no
seu primeiro estágio (o literal, da apreensão do suporte físico da mensagem), que
precisa ser vertido para uma linguagem que o receptor possa entender. Portanto,
20
Sobre a ideia de exercício formalista, cabe citar Luhmann (2016, p. 99): “[...] o tempo em que
vivemos não é o de um exercício jurídico formalista e quase mágico, mas é preciso ao menos
comunicar e compreender implicitamente que se trata de uma comunicação que exige validade
contrafactual e juridicamente amparada; com essa comunicação se pressupõe que o lícito e o ilícito
mutuamente se excluem. [...] A decisão vinculativa nas questões jurídicas realiza-se somente por
meio de associação com a função política que dá conta das decisões coletivamente vinculantes, que
por sua vez garantem o recurso ao poder de imposição. Mas isso, de modo algum, significa que não
se realize uma enorme quantidade de comunicações jurídicas fora desse estreito domínio de
parlamentos e tribunais, e que não se crie uma enorme quantidade de direito positivo sem que haja
conexão com essas instâncias, portanto, sem nenhum controle político da sociedade, como o que se
teria precisamente por meio de contratos”.
21
Conforme diz Luhmann (2016, p. 452), “Justamente porque realizam a medição da argumentação
com a validade do direito, os textos são dotados de um significado excepcional para a argumentação
jurídica, em especial os textos jurídicos em seu sentido normal (ou em sua especificidade técnica). Os
textos possibilitam a auto-observação simplificada. No curso normal das decisões, o sistema se
observa a si mesmo não como sistema (em um ambiente), mas como uma aglomeração de textos
jurídicos que se remetem uns aos outros. Como se sabe, também a isso os juristas denominam
‘sistema’”.
22
O item 3.1 do capítulo 3 trata dos intérpretes do contrato complexo.
43
Para Flusser (1969, p. 16), “[...] traduções entre línguas têm a ver com a
coincidência e divergência de repertórios, de estruturas, e de relações significativas”.
Mais que isso, um texto: (i) pode ser traduzido fielmente (quando os símbolos
denotativos e conotativos têm correspondentes da segunda língua); (ii) pode ser
traduzido livremente (quando contém símbolos conotativos correspondentes na
outra língua); (iii) pode ser intraduzível (por não conter símbolos denotativos e/ou
conotativos correspondentes). Neste último caso (línguas que divergem em suas
regras básicas), pode haver uma terceira língua que faça a transferência indireta,
uma metalíngua das duas primeiras. A transferência indireta é a decodificação da
mensagem. Para aquele autor, toda comunicação contém elementos de
transferência indireta. Toda comunicação é questão de enfoque. Não é objetiva nem
subjetiva. É intersubjetiva (p. 17–22).
Mesmo que como transferência indireta, como questão de enfoque, a
tradução não pode ser arbitrária. A tradução tem de se situar nos limites da
linguagem, do seu uso e seu contexto.23 Não se pode olvidar que a prática e a teoria
da tradução abundam em problemas complexos. Conforme Jakobson (2010), a
faculdade de falar determinada língua implica a faculdade de falar dessa língua, e tal
gênero de operação metalinguística permite revisar e redefinir o vocabulário
empregado. Trata-se de dois níveis complementares: linguagem-objeto e
23
Renata Silva (2009, p. 293–5), em artigo que se reporta à teoria da tradução de Flusser, ressalta
que “[...] é permitido dizer que a terceira língua não pode ser arbitrária com relação às línguas objeto;
deve respeitar o uso das palavras traduzidas dentro do contexto da terceira língua, aproximando
assim as realidades distantes da metalíngua e da língua objeto [...] O que também ocorre com o
direito, que no ato de aplicação deve fazer uso do significado previamente estabelecido pelas
próprias palavras, levando em consideração os significados que melhor se ajustem ao contexto do
caso analisado, passando a ser um poder ‘discricionário’ que encontra ‘vinculação’ dentro dos limites
da linguagem: uso e contexto”.
44
24
Para Guastini (2005 p. 26), “[...] o discurso do intérprete é evidentemente assimilável ao discurso
do tradutor. [...] Destarte, como a tradução consiste no produzir um enunciado numa certa língua, que
o tradutor assume ser sinônimo de um enunciado diverso em outra língua, assim na interpretação
jurídica, o intérprete produz um enunciado pertencente à sua linguagem que ele assume ser sinônimo
de um enunciado distinto pertencente à linguagem das fontes”.
45
25
“[...] a incidência, caracterizando a passagem do fato social para o fato jurídico, consubstancia uma
tradução interlíngua, assim entendida a interpretação de signos verbais por meio de outra língua. A
interpretação, sendo operação do pensamento, já é uma tradução, uma vez que todo pensamento é
tradução de outro pensamento. [...] Com a incidência procura-se construir no universo jurídico uma
representação equivalente àquela que está no mundo social. Para construção dessas
correspondências é preciso observar a forma mediante a qual se prova juridicamente a ocorrência de
um fato social. [...] O critério de julgamento do sucesso de uma tradução para a linguagem jurídica é a
sua validade” (ARAUJO, 2009, p. 163–4).
46
26
Com o entendimento de que não existe uma única interpretação possível — ao contrário, o texto
jurídico é um texto aberto, disponível para novas interpretações —, abre-se mão, como ocorre desde
o entendimento de que o direito se faz pela linguagem, do conceito de verdade absoluta. A verdade é
metafísica: não pode ser alcançada mediante a experiência; ultrapassa o campo empírico (TOMÉ,
2005).
27
Apesar da tormentosa discussão acerca do que é a verdade e como seria possível alcançá-la,
passando pelas teorias para a referida solução, tais como a verdade por correspondência (adequação
de dada sentença à realidade), verdade por coerência (a verdade não se estabelece entre o
enunciado e o mundo da experiência, mas decorre da coerência de determinado juízo com um
sistema de crenças ou verdades anteriormente estabelecidas), verdade por consenso (consenso
entre os indivíduos de dada comunidade ou cultura), verdade pragmática (verdadeiro se tiver efeitos
práticos para quem o sustenta, sendo-lhe útil), o entendimento adotado é que a verdade se dá na
relação entre linguagens.
48
28
Ferraz Júnior (2012, p. 230) assevera que “[...] essa tensão entre dogma e liberdade constitui o que
chamamos de desafio kelseniano. Não obstante isso, para a tradição da ciência jurídica, essa tensão
significa que não apenas estamos obrigados a interpretar, como também que deve haver uma
interpretação (e, pois, um sentido) que prepondere e ponha um fim (prático) às múltiplas
possibilidades interpretativas. Eis aí o problema hermenêutico da decidibilidade, isto é, da criação das
condições para uma decisão com o mínimo de perturbação social possível”.
29
Segundo De Plácido e Silva (2008, p. 102), “[...] na tecnologia jurídica, o termo ambiguidade,
derivado do vocábulo latino ambíguo (equívoco, duvidoso, incerto, variável, com dois sentidos), vem
precisamente indicar a disposição legal ou texto de lei, ou a cláusula contratual que possa mostrar um
duplo sentido”.
30
Vaguidade, no dizer de Tácio Lacerda Gama (2009a, p. LII), é “[...] atributo de uma palavra, termo
ou expressão cujo sentido é impreciso”. Para Struchiner (2011, p. 137–8), conceitos ou predicados
vagos são aqueles que têm como marca registrada a característica de apresentar casos fronteiriços
ou nebulosos de aplicação. “A vagueza pode ser uma vagueza de grau ou combinatória (o que
acontece com conceitos multidimensionais)”.
31
Nesse sentido, Tácio Lacerda Gama (2009b, p. 236) esclarece que, “[...] noutras circunstâncias,
porém, os chamados ‘ruídos de comunicação’ ensejam problemas das mais diversas naturezas no
entendimento dos sujeitos de uma conversação qualquer. No plano das linguagens descritivas,
próprias da Ciência do Direito, os ‘ruídos de comunicação’ levam a desentendimentos, disputas
verbais e incompreensões. Nas linguagens prescritivas os danos não são menores, pois problemas
na transmissão de mensagens jurídicas precisas ensejam conflitos de interesse”.
49
32
Termo utilizado por Rodotà (2008).
50
33
Larenz (1983, p. 277) faz a seguinte reflexão: “Luhmann coloca a questão ‘de se e como é em geral
ainda possível, em condições socioestruturais dadas, uma dogmática jurídica e uma diferenciação,
por ela garantida, do sistema jurídico’. Na medida em que isto dependa das condições
socioestruturais, não arriscamos, do mesmo modo que Luhmann não arrisca um prognóstico. Na
medida em que isto dependa dela própria, a nossa resposta seria: a dogmática jurídica afirmar-se-á a
si própria e cumprirá a sua função quando e só quando conseguir, em medida crescente, desenvolver
e aplicar formas de um pensamento orientado a valores — como o tipo jurídico, o conceito jurídico
51
34
Sobre a ruptura do direito civil com o direito tradicional, Fachin (2012, p. 245) diz que “[...] a clara
evidência da crise é o reconhecimento de que se operam relações no plano da dobra do direito, ou
seja, no não-direito. Fatos acabam se impondo perante o Direito. Não é o Estado que regula todas as
condutas, nem tampouco produz todas as normas nas quais aquelas vão subsumir”.
53
35
Ainda que sejam referentes a transações na internet, as palavras de Rodotà (2008, p. 190) se
fazem pertinentes aqui “[...] não estamos mais diante de uma tarefa técnica, mas de uma mudança
política, que se resolve na criação de um novo circuito de produção do direito. No âmbito das
transações internacionais, ele se realiza sobretudo através dos modelos contratuais uniformes que
dominam o cenário jurídico do nosso tempo, tomando o lugar das convenções internacionais de
direito uniforme e das diretivas comunitárias de harmonização: seus criadores não são os
legisladores nacionais, mas os departamentos jurídicos das grandes multinacionais, são os
consultores das associações internacionais das diversas categorias empresariais, são os grandes
escritórios de advogados associados, estes também projetados em uma dimensão internacional. Este
é o processo de deregulation, que nunca consistiu na diminuição de regras jurídicas, e sim na
redução da área das regras de origem pública a favor daquelas de produção privada”.
36
Fala-se em concordância aparente com o sistema jurídico porque, como se trata de inovação,
diversos casos ainda não passaram pelo “crivo” do sistema jurídico, pela função/operação de
julgamento: judiciário ou arbitral. Em casos de conflitos, seria necessário avaliar, de início, a validade
de tais negócios, depois seu programa e seus efeitos.
54
2 CONTRATOS COMPLEXOS
uma série de atos prévios como a troca de informações, reuniões técnicas, projetos,
dentre outros), conhecimento técnico especializado (dialogismo) para usar termos
próprios (inclusive com elaboração de glossário contratual em razão de tais termos
específicos), análise da associação de objetos distintos com obrigações específicas
de cada um, verificação de eventual celebração de contratos a ele coligados, análise
dos efeitos sociais que dele decorrem e dos efeitos de eventuais descumprimentos
contratuais, diversidade de ocorrências que podem suceder após sua celebração —
pois são, em grande número, de execução continuada ou diferida, podendo ainda se
encaixar (em determinadas situações) como contratos relacionais.
Entretanto, a caracterização e a sistematização do contrato complexo passam
pela classificação dos contratos. O estudo da teoria geral dos contratos sempre
destina um capítulo, um item ou uma seção para essa classificação segundo pontos
de vista diversos. Sem adentrar a questão de sua utilidade, cabe registrar que
identificar determinado contrato como complexo requer incluí-lo em dada categoria
ou excluí-lo de uma categoria existente. O tratamento de determinado contrato como
complexo — cabe frisar — ocorre, em primeiro plano, por oposição ao simples, além
disso o contrato complexo “[...] seria aquele não subsumível a nenhum modelo
simples dos vários tipos contratuais” (AZEVEDO, 2005b, p. 247). Assim, mediante tal
classificação, os contratos denominados simples representam um tipo de contrato
determinado; nessa lógica (que se entende não ser suficiente), os contratos
complexos resultam de combinações de dois tipos contratuais ou mais,37 ou de
inserções de cláusulas que, além de incluir novos elementos, desfigurem um dos
tipos simples ou resultem da combinação de objetos não tipificados. Tal
classificação privilegia apenas a caracterização de um contrato como complexo com
base em seu objeto. Embora seja uma característica de extrema relevância, outras
características atraem a complexidade contratual.
A tipicidade dos contratos não esgota as possibilidades da sociedade
complexa nem da complexidade que envolve o estágio atual da humanidade. A
atipicidade, que amplia a possibilidade de autorregulamentação dos particulares e já
37
Para Bessone (1997, p. 86), “[...] o interesse da distinção está na escolha das normas aplicáveis.
Quando não seja possível harmonizar as regras reguladoras dos tipos combinados, deve-se atender
à finalidade essencial da operação, ou, quando a infração for de determinada cláusula que se possa
isolar das demais, merecerá observância a disposição disciplinadora do contrato simples de que
tenha sido extraída”.
56
38
Neste sentido, Forgioni (2015a, p. 62) explica que “[...] a complexidade dos contratos pode variar
conforme os seguintes fatores, todos interligados: (i) duração da relação; (ii) iteração da contratação;
(iii) valores das prestações e contraprestações; (iv) magnitude dos prejuízos decorrentes do eventual
insucesso da operação; e (v) quantidade de pessoas envolvidas na execução do contrato”.
39
Gil (2007, p. 31), ao tratar da caracterização de contrato como complexo, sintetiza: “[...] poder-se-ia
caracterizar o contrato como complexo quando: 1) houver elevado grau de incertezas, ou elevado
número de contingências, quanto ao seu cumprimento ou fruição das utilidades nele, contrato,
previstas; 2) houver dispersão ou variabilidade entre a magnitude das prestações e contraprestações
na dinâmica ou fluxo de seu cumprimento (caso típico dos contratos cuja consecução do objeto
contratual se desenvolva em ambiente de risco, ou aleatoriedade); e 3) quando o entendimento do
conteúdo contratual demande conhecimento amplo ou profundo”. Para Francisco M. de B. P. Coelho
(2014, p. 11–2), em sua obra sobre o tema, “Pode, com efeito, falar-se de ‘complexidade’ em
diversíssimos sentidos — complexidade ‘subjetictiva’ ou ‘objectiva’, complexidade consubstanciada
numa pluralidade de declarações (ou de prestações) ou numa pluralidade de negócios; complexidade
traduzida na inclusão, num único contrato, de estipulações, que se reportam a diversos tipos
contratuais ou na distribuição de tais estipulações, por vários negócios autónomos; complexidade
traduzida naquela referência a regimes legais de vários tipos contratuais ou, inversamente, na
impossibilidade de as estipulações ou prestações se reportarem claramente a determinando tipo
contratual, devendo então recorrer-se a uma nova e unitária matriz causal; etc. Um conceito, pois
ambíguo e sem unidade interna de circunstâncias, havendo, portanto muitas (outras tantas) formas
possíveis de complexidade — e nessa medida não podendo fornecer um critério delimitativo seguro
(entre o que é complexo e o que não é)”.
40
Para Gomes (1997, p. 80), “Há contrato de duração quando as duas partes, ou uma delas, estão
adstritas ao cumprimento de prestações contínuas ou repetidas em intervalos estipulados, por tempo
determinado ou indeterminado”
57
41
Sobre os contratos de longa duração, Nitschke (2011, p. 86–7) que “Esses vínculos se
problematizam quando a temporalidade contratual passa do ‘evento’ à ‘duração’, i. e., quando a
realidade paulatinamente impõe a necessidade de celebrarem-se contratos duradouros, esticados no
tempo, que não se erupcionam explosivamente, mas que derramam seu magma continuamente,
formando camadas e sedimentos de obrigações e contraobrigações em constante fluxo. À alteração
da base fática corresponde inegavelmente um alargamento do próprio significado de ‘contrato’ — no
que revela a primeira faceta de sua historicidade —, mas também dos instrumentos práticos que
possam garantir a prosperidade desse novo espécime de liame — aqui fazendo emergir a segunda
faceta de sua historicidade. A realidade questiona e exige, o direito responde e propõe: os contratos
de longa duração são representantes exemplares de relações que se tornaram complexas.”
58
42
Segundo Gil (2007, p. 78), “Contratos também podem se tornar menos complexos ao longo do
tempo, à medida que as contingências que os circundam se tornem mais conhecidas e que a
experiência sobre eles se acumule”.
43
Conforme Martins-Costa (2011a, p. 260–1), a expressão “contratos evolutivos” não diz respeito a
nenhum tipo contratual.
44
Para Leonardo (2003, p. 136), “[...] longe de pretenderem projetar, com minúcias, o futuro da
relação entre as partes (que se pretende longo), os contratos relacionais seriam propositadamente
incompletos (incomplete agreements), concentrando esforços no regramento do processo
obrigacional por eles instaurado. A indefinição do objeto (ou incompletude do objeto), por sua vez,
seria colmatada ao longo do processo obrigacional, a partir de diversos critérios (condições
econômicas, avanços tecnológicos, etc.)”. Martins-Costa (2015, p. 367), ao se referir aos contratos de
colaboração empresária, relata que com frequência se apresentam em forma de contratos atípicos,
relacionais, lacunosos e duradouros. As quatro noções estão comumente imbricadas e até
superpostas, mas não são absolutamente coincidentes. Por outro lado, não é necessário que um
59
contrato atípico seja de colaboração empresária ou lacunoso. Assim, as conexões entre essas
espécies e o seu alcance obedecem a critérios diversos.
45
Konder (2006, p. 161), ao tratar dos contratos relacionais e dos contratos conexos, observa que os
dois conceitos, embora tratem de fenômenos interligados, buscam elucidar problemas distintos,
portanto são chaves conceituais complementares, e não concorrentes. Enquanto no conceito de
contrato relacional a renovação ocorre por meio da superação da tradicional concepção descontínua
em nome de uma leitura estrutural sociologicamente mais profunda, na conexão contratual a
superação é da leitura singularizada do contrato em nome de uma perspectiva mais abrangente.
46
Neste sentido, ver Marino (2009, p. 110).
47
Para Fachin (2012, p. 165), “[...] é a noção formal que reduz a de pessoa a um complexo de
normas, ou centro de interesses”.
48
Conforme as lições de Fran Martins (1988, p. 106) e Comparato (1978, p. 514).
49
Bessone (1997) cita Carnelutti ao descrever parte como centro de interesses.
60
50
Segundo Marques (1998, p. 23), “Passamos de um contrato bilateral e comutativo, para o modelo
de um contrato múltiplo, triangular ou plúrimo, onde nos polos encontram-se uma variada gama de
sujeitos, como o fornecedor direto e a cadeia de fornecedores indiretos e sujeitos protegidos, como o
consumidor-contratante, o consumidor stricto sensu e os consumidores equiparados; um contrato
muitas vezes aleatório e se não, um contrato de fictamente-comutativo, pois o importante passa a ser
o nexo das prestações e seu equilíbrio (synalagma), não a prestação em si, mas seus anexos, sua
qualidade, a informação que a acompanha, o status que assegura, a rapidez e a segurança quanto
ao seu prestar”.
61
51
Segundo Timm e Rodrigues (2009, p. 345), “No atual estágio de globalização pode-se observar
uma maior fluidez entre as trocas no mercado, acirrando a competição entre as empresas no âmbito
mundial. É grande o número de empresas que necessitam buscar forças para enfrentar concorrentes
cada vez mais fortes. Seja para entrar em novos mercados fora de seus países, seja para se
fortalecerem internamente, as empresas se viram obrigadas a recorrer a parcerias empresariais para
se manterem neste competitivo mercado e aproveitar as oportunidades. Uma das formas encontradas
para tanto são as joint ventures, que permitem a associação entre parceiros de nacionalidades e
qualidades distintas”.
62
A joint venture52 une duas (ou mais) empresas independentes que, para
atingir seus objetivos, ajustam uma união de esforços (parceria) por um período de
tempo determinado ou indeterminado, em geral um escopo pré-definido. O
empreendimento é comum aos contratantes, mas os objetivos em si não são,
necessariamente, iguais entre eles (TIMM et al., 2009). Assim, se houve uma joint
venture num dos polos da relação contratual, então se estará diante da
complexidade subjetiva. Cabe notar que tal complexidade subjetiva (consórcio e joint
venture, por exemplo) pode ensejar conflitos, sobretudo em razão de seu tempo de
duração53 — são contratos tidos como relacionais;54 embora, quando as partes se
unem para um empreendimento comum — conforme citado acima —, nem sempre
os objetivos são os mesmos. Portanto, integrar tais contratos no rol dos contratos
complexos enseja que, também a eles seja aplicada a sistemática interpretativa
apresentada neste estudo.
Pode ocorrer na relação contratual que uma parte ou todas as partes incorram
em manifestações de vontade,55 o que ensejaria a denominada complexidade
volitiva. Tal pluralidade de manifestações de vontade poderá estar relacionada com
a pluralidade contratual (contratos coligados). Todavia, ao se relacionar com um
único contrato, este será complexo. Nesse sentido, Miranda (2012, p. 245) cita como
exemplo a oferta irrevogável, em que “[...] há negócio jurídico unilateral, sucedido
por outro, bilateral, em que a oferta e a aceitação passam a ser elementos”.
52
Conforme Carmona (2008, p. 165), “[...] os dicionaristas anglo-saxões costumam definir a
expressão joint venture como um empreendimento levado a efeito por duas ou mais partes no qual os
lucros, perdas e o controle são divididos. Diferenciam a joint venture da sociedade por conta do
escopo e duração mais limitados da primeira em relação à segunda. A definição — simples, mas
significativa — evidencia o caráter específico da associação, que é pensada para uma determinada
atividade, de execução imediata, bem como a comunhão de interesses, eis que todos os participantes
deverão contribuir para um esforço comum (tirando os respectivos proveitos); em contrapartida,
deverão dividir os prejuízos. Todos os participantes exercerão, em alguma medida, o controle da
atividade comum e a direção do projeto, estando o acordo baseado na boa-fé”.
53
Nesse sentido, Timm e Rodrigues (2009, p. 69) afirmam que “Não só o tempo de duração, por si
só, pode gerar problemas quanto ao negócio. A longa duração dessa associação, que é da essência
deste tipo, pode gerar necessidades de adaptações econômico-financeiras ao acordo inicial”.
54
Conforme Antônio Junqueira de Azevedo (2005a, p. 123), “Há no contrato relacional, um contrato
de duração, e que exige fortemente colaboração. São relacionais todos os contratos que, sendo de
duração, têm por objeto colaboração (sociedade, parcerias, etc.) e, ainda, os que, mesmo não tendo
por objeto a colaboração, exigem-na intensa para poder atingir os seus fins, como os de distribuição e
da franquia, já referidos. O consórcio, sendo de colaboração e de duração, não resta dúvida, é um
contrato relacional”.
55
Segundo Bessone (1997, p. 117), “[...] a manifestação da vontade não depende de formalidades
extrínsecas, podendo verificar-se por qualquer meio apto a revelá-la”.
63
56
Para Miranda (2012, Tomo III p. 245), “[...] as manifestações de vontade ou se coagulam, de modo
que se fundem e nenhuma declaração ou manifestação de vontade está, aí, por si só ou não se
coagulam. [...] Na coagulação volitiva, há elemento ou elementos volitivos nucleares e elementos
não-nucleares, dando ensejo a espécies, em que a falta de algum ou de alguns desses se trate, a
despeito da coagulação, como anormalidade ou ineficácia parcial. Donde se tira, desde logo, que a
coagulação não implica inseparabilidade. [...] A bilateralidade pode ser em negócio jurídico único, se
apenas ocorre enantiomorfia (vender é enantiomórfico de comprar; trocar, de trocar; ser locador, de
ser locatário)”.
64
57
Faria (1996, p. 167) aponta como consequência do processo de globalização “[...] uma intrincada
articulação de sistemas e subsistemas internos e externos, nos planos micro e macro. Uma parte
significativa dos direitos nacionais, por exemplo, hoje vem sendo internacionalizada pela expansão da
Lex Mercatoria e do Direito da Produção e por suas relações intersticiais com as normas emanadas
dos organismos multilaterais. Uma outra parte, por sua vez, vem sendo esvaziada pelo crescimento
de normas privadas, no plano infra-nacional, na medida em que cada corporação empresarial,
valendo-se do vazio normativo deixado pelas estratégias de desregulamentação e deslegalização,
cria as regras de que precisa e jurisdiciza suas áreas e espaços de atuação segundo suas
conveniências. A desregulamentação ao nível do estado significa, desta maneira, a re-
regulamentação e a relegalização ao nível da sociedade — mais precisamente, ao nível das
organizações privadas capazes de oferecer empregos, impor comportamento etc.”
65
Tal regramento pode ser firmado no mesmo instrumento que contiver a relação
patrimonial ou em instrumento apartado. Pode ser firmado em momento
concomitante ou não da relação contratual patrimonial propriamente dita.
A complexidade normativa relaciona-se com a diversidade de situações que a
regulamentação poderá englobar, especialmente decorrentes das vicissitudes do
contrato (cuja maioria expressiva é contratos de duração) que poderão advir daquele
contrato. A complexidade requer recursos de linguagem como a intertextualidade, o
intercâmbio de informações com as áreas técnicas, financeiras e outras.
Entretanto, mesmo a norma contratual que já é individual e concreta, que está
em relação direta com a realidade, não tem o condão de abarcar todas as possíveis
situações e vicissitudes decorrentes da relação patrimonial (complexa) estabelecida.
Daí a importância de incluir regras de caráter “geral” (cláusulas abertas), nas
disposições de caráter normativo. Ao introduzir no contrato as hipóteses das
vicissitudes que poderão ocorrer na relação contratual complexa (considerando-a
como uma relação sinalgmática evolutiva58), normatizando as possíveis situações a
ser enfrentadas, o particular amplia o âmbito da sua autonomia, pois atrai para si a
possibilidade de solução dos conflitos, ou, ao menos, estabelece as regras que o
órgão julgador (juiz, árbitro) utilizará para a decisão de eventual conflito na hipótese
de não ocorrer a autocomposição. Se, por um lado, isso acarreta complexidade no
âmbito normativo, por outro permite que autonomia, a liberdade das partes, também,
se faça presente na forma e nas regras que vão permear a solução de conflitos.59
A complexidade advém da diversidade de situações que podem estar
abrangidas nesse regramento. Assim, são importantes para interpretar os contratos
complexos. Habitualmente, a complexidade normativa também decorre da
complexidade subjetiva ou objetiva. Conforme exposto no tópico que tratou da
complexidade subjetiva (não aparente), ou seja, da legislação consumerista, verifica-
se, nos casos concretos, relações que se encadeiam com base nos contratos.
58
Martins-Costa (2011, p. 261) diz que tecnicamente a “evolutividade” ampara-se em um complexo
de fórmulas, podendo resultar de critérios e procedimentos postos pontualmente no contrato ou,
diferentemente, em previsão genérica de renegociação, procedida diretamente entre as partes ou
viabilizada com a intervenção de um terceiro imparcial.
59
Nesse sentido, diz Martins-Costa (2011, p. 262), “É função dos mecanismos adaptativos criados
pela autonomia privada converter uma relação contratual estática em uma ‘relação evolutiva’,
viabilizando às partes impedir que circunstâncias modificativas, no mais das vezes externas e
subtraídas de sua esfera de controle, alterem de maneira substancial a composição de interesses
econômicos originariamente programada”.
67
60
São as cláusulas de indexação, também denominadas de escala móvel (GOMES, 1980).
61
Conforme Nery Júnior e Rodovalho (2011, p. 120), “[...] em não havendo mais a base objetiva
sobre a qual o negócio jurídico foi pactuado, inexiste, verdadeiramente, a base contratual que se
pretende executar, daí o surgimento do dever de renegociação (obrigação de colaboração e
cooperação na gestão do risco contratual nos contratos de longa duração), inclusive como expressão
da boa-fé que deve presidir a execução do contrato”.
62
Nesse sentido, vide Giovanni Ettore Nanni (2014, p. 254–5).
63
Martins-Costa (2011, p. 263), “[...] a cláusula de hardship exerce quatro funções: (a) assegurar a
preservação do equilíbrio econômico e a continuação do contrato; (b) atuar como meio de repartição,
69
entre os contratantes, dos custos resultantes do evento superveniente e incerto; (c) impedir a
extinção contratual devida à resolução por excessiva onerosidade de um contrato que ainda por ser
útil; (d) encontrar um novo regime adaptado aos mútuos interesses”.
64
Conforme Giovanni Ettore Nanni (2014, p. 259) e Martins-Costa (2011, p. 267). No mesmo sentido,
dizem Nery Júnior e Rodovalho (2011, p. 125), “Em verdade, o adimplemento das obrigações
decorrentes do dever de renegociar se verifica no comportamento sério, ativo e de boa-fé das partes-
contratantes no curso do procedimento de readequação do contrato. Sendo assim, da mesma forma
que o próprio dever de renegociação nasce do princípio da boa-fé na execução das obrigações, essa
mesma boa-fé se apresenta como o critério fundamental para indicar se o comportamento da parte
durante o procedimento de readequação do contrato consubstanciou-se em comportamento
cooperativo efetivo (sério e ativo) ou não. [...] O inadimplemento no dever de renegociar pode dar
margem (além, evidentemente, da possibilidade de revisão judicial do contrato ou de resolução do
contrato por onerosidade excessiva) a eventual indenização por perdas e danos, caso a parte
prejudicada com impossibilidade de conservar o contrato (em razão do incumprimento do dever de
renegociar) demonstre e comprove ter efetivamente experimentado danos decorrentes desse
inadimplemento (perda de uma chance, v. g.)”.
65
Nesse sentido, diz Martins-Costa (2011, p. 264), “Durante algum tempo entendeu-se que o
acontecimento causador do hardship (e, portanto, ensejador da renegociação) deveria ser um
acontecimento imprevisível. Presentemente, a doutrina majoritária afasta esse requisito, conquanto
concorde que deva ser o hardship ‘substancial’”.
70
66
Ver Giovanni Ettore Nanni (2014, p. 261), Nery Júnior e Rodovalho (2011, p. 125).
67
Martins-Costa (2015, p. 595) di que, “[...] quando é maior o espaço de atuação da autonomia
privada, podem desejar que a elas mesmas seja dado o poder de revisar ou acomodar o contrato às
novas circunstâncias, definindo, já no próprio texto contratual, um ‘projeto de adaptação’ ou dispondo
sobre essa possibilidade, para o que é prevista uma nova negociação (‘renegociação’) entre os
contraentes”.
71
68
Segundo Forgioni, conforme o sistema brasileiro — art. 462 do Código Civil —, tal contrato apenas
teria execução específica quando encerrasse o acordo sobre todos os elementos do negócio, o que,
na prática, não funciona, tendo em vista serem intrínsecas ao contrato-quadro certas indeterminações
dos elementos essenciais do contrato de execução.
69
Vide enunciado 135 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “A indisponibilidade do direito
material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual”.
70
Wambier (2016, p. 400–02) também entende que “O negócio jurídico processual, ao contrário dos
negócios jurídicos materiais, reserva para si uma característica que lhe dever nortear a existência e a
interpretação de suas disposições: tem por objeto uma relação de intenso color público (a própria
relação processual é de direito público), e esta característica lhe é inata, o que exige sua
compatibilização com normas processuais de caráter cogente, imperativo”.
72
71
Giovanni Ettore Nanni (2016, p. 265) faz tal menção ao tratar da cláusula compromissória.
72
Nesse sentido, Redondo (2015, p. 275) destaca que “O objetivo do processo é a tutela do direito
material, cujo titular são as partes. Por essa razão, deve-se reconhecer que os titulares de
determinadas situações processuais são as próprias partes, e não o juiz ou o Estado. E, sendo as
partes titulares, deve ser garantida, às mesmas, liberdade maior no sentido da disposição (lato sensu)
sobre determinadas situações processuais”.
73
73
Segundo Giovanni Ettore Nanni (2014, p. 13), não é mais mero pactum de compromittendo; não há
que falar em obrigação de firmar o compromisso.
74
Francisco José Cahali (2015, p. 157) explica que “Será considerada cheia a cláusula que contempla
o quanto necessário para se dar início à arbitragem (art. 19 da Lei 9.307/1996). Mas podem as partes
ir além, ou seja, aproveitar a liberdade de contratar para estabelecer diversas outras regras relativas
à organização e ao desenvolvimento da arbitragem”.
75
Cláusula vazia é também chamada de cláusula em branco, como o próprio nome sugere. A
previsão da arbitragem, dessa forma, traz uma lacuna quanto à forma de instauração do
procedimento arbitral quando do surgimento do conflito, celebrado pelas partes diretamente, ou por
intermédio do Judiciário (CAHALI, 2015, p. 160).
76
Importante anotar, conforme Giovanni Ettore Nanni (2016, p. 266), que a cláusula compromissória
é autônoma em relação ao contrato onde foi incluída, daí que é considerada como negócio jurídico
plurilateral.
74
ser graduáveis; na generalidade dos casos, um tipo terá várias características típicas
graduáveis, podendo umas ser mais graduáveis que outras.77
Ao tratar do tipo como forma de pensamento em geral, Larenz (1983, p. 561)
ensina que
77
Vasconcelos (2009, p. 38 et seq.) diz que “[...] a pluralidade de casos típicos relacionar-se-ão então
num plano em que uns serão mais típicos e outros menos, nuns se verificará mais intensamente esta
e noutros aquela característica típica e nalguns poderá mesmo estar ausente uma ou outra das
características típicas”.
77
78
Conforme Wilburg (1950 apud LARENZ, 1983) —
78
eficácia; o elemento do negócio jurídico é “[...] tudo aquilo que compõe sua
existência no campo do direito”. Esse autor adverte que, antes de classificar tais
elementos, é importante considerar que a expressão negócio jurídico exprime uma
obrigação; em concreto, o que há são negócios jurídicos particulares. Subindo
gradualmente numa escala de abstração, entre os negócios jurídicos particulares e
os abstratos, enquadram-se categorias intermediárias. Portanto, para se estabelecer
a classificação dos elementos dos negócios jurídicos, é importante ter uma noção
clara sobre a que negócio está se referindo — se à categoria abstrata final, se a
alguma categoria intermediária ou se ao negócio particular — para, assim, classificá-
los em elementos gerais, categoriais e particulares.79
Elementos gerais são indispensáveis à existência de todo e qualquer negócio.
Podem ser divididos em intrínsecos ou consecutivos (forma da declaração; o objeto
e as circunstâncias negociais) e extrínsecos ou antecedentes (o agente, o lugar e o
tempo). Elementos categoriais são próprios de cada tipo de negócio e não resultam
da vontade das partes, mas da ordem jurídica, entendida como lei e do que, em
torno desta, a doutrina e a jurisprudência constroem. Seus elementos categoriais
podem ser essenciais ou inderrogáveis80 (definem o tipo de negócio) e naturais ou
derrogáveis (mesmo que repelidos pelas partes, o regime jurídico do negócio se
manterá). Elementos particulares se encontram num negócio específico mas que
não têm o condão de tipificá-lo. Diferenciam-se dos categoriais por ser voluntários.
São em número indeterminado, o que impede o seu estudo completo; mas três
deles, mais comuns, foram sistematizados pela doutrina: são a condição, o termo e
o encargo.
79
Monteiro (1994, p. 235), Pereira (2004, p. 395) e Venosa (2008, p. 420) classificam os elementos
em: essenciais (essentialia negotii): são da estrutura do negócio jurídico, pois formam sua substância,
são obrigatórios para a constituição do negócio jurídico (estão no art. 104 do Código Civil) — cada
contrato (tipo contratual) pode requerer outros elementos essenciais, específicos da sua natureza;
naturais (naturalia negotii): são consequência da própria natureza do ato, razão pela qual é
desnecessários ser expressos; acidentais (accidentalia negotii): são cláusulas acrescentadas ao
negócio jurídico com o objetivo de modificar uma ou algumas de suas consequências naturais.
Venosa ensina que, “[...] embora facultativos, esses elementos, uma vez apostos ao negócio pela
vontade das partes, tornam-se, para os atos a que se agregam, inarredavelmente essenciais. São
facultativos no sentido de que, em tese, o negócio jurídico pode sobreviver sem eles. No caso
concreto, porém, uma vez presentes no negócio, ficam indissociavelmente ligados a ele”. Pererira
afirma que “[...] os elementos acidentais atuam decisivamente sobre a vontade declarada, desde que
com ela se exteriorizem”.
80
Em razão da importância da linguagem e dos termos com que se dá no presente trabalho, cumpre
definir derrogação, que deriva do latim derogatio, de derogare (anular uma lei); conforme De Plácido
e Silva (2008, p. 440), é o vocábulo especialmente empregado para indicar a revogação parcial de
uma lei ou de um regulamento.
79
81
Para Fachin (2012, p. 248), “[...] justifica-se a insistência em centrar e colocar no palco da relação
entre o Direito e a sociedade o problema da assimetria, a relação de interdependência, exatamente
para que fique claro o fato de que é o Direito que está na sociedade e não vice-versa. Já não é o
direito que dá conta das relações sociais. Embora isso pareça uma flagrante obviedade, em um
sistema dominado por uma orientação monolítica e concentrada, o reconhecimento dessa realidade
se mostra relevante”.
80
82
Conforme Larenz (1983, p. 567), “O legislador não inventou os tipos contratuais mas os descobriu:
o legislador regulamentou-os, porquanto os encontrou previamente na realidade da vida jurídica,
aprendeu-os na sua tipicidade e adicionou-lhes as regras que considerou adequadas para um tal tipo
de contrato”.
83
Conforme Larenz (1983, p. 359), “[...] a classificação do contrato concreto num tipo contratual legal
ou a sua qualificação como ‘contrato misto’ tem uma dupla importância. Por um lado, pode resultar
daí que para um contrato de tal espécie existam pressupostos de validade especiais, por exemplo o
requisito da forma do § 518 do BGB, se se tratar de uma promessa de doação e o requisito da forma
do § 313 do BGB, se se tratar da compra de um terreno. A classificação pode também ser importante
em relação à questão de se existe uma proibição legal ou se se requer uma autorização da entidade
pública. Por outro lado, da classificação depende a aplicabilidade de normas vez, daquilo que as
partes nele convencionaram”.
84
Comiran (2011, p. 598) esclarece que “[...] o tipo é considerado como (i) modelo de aplicação do
direito, (ii) normatividade supletiva dos contratos atípicos e (iii) fato de incremento da importância dos
usos e costumes (corroborada pela regra do art. 113 do CC/2002) no processo hermenêutico-
integrativo”.
81
85
A classificação entre contratos nominados e inominados (que se aproxima, mas não se identifica
com a classificação entre típicos e atípicos) é uma divisão romana, pois os que tinham denominação
própria eram providos de ações especiais (BESSONE, 1997, p. 68). Messineo (1952, p. 379), embora
cite a denominação de tal contrato como atípico (que seria combatido por alguns autores) ou sui
generis, utiliza o termo contrato inominado como aquele que (ainda mencionado pela lei) carece de
uma disciplina particular. Para Hironaka (2006, p. 120), a forma de referência deve ser contratos
típicos e atípicos: “[...] reconhece-se com frequência cada vez mais acentuada que contratos há que
têm nome e nem por isso são nominados-típicos já que, para que assim fossem considerados,
estariam a exigir a presença de um regramento legislativo específico. Fico com a melhor e dominante
doutrina para admitir que é preferível se referir, nestes casos, a contratos típicos e a contratos
atípicos, em lugar de nominados e inominados”.
86
Para Venosa (2008, p. 39), este é o sentido técnico da expressão contrato típico. Ele ressalta o fato
de que a reiteração social de uma forma contratual força o legislador a tipificá-lo.
82
87
Nesse mesmo sentido, vide Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 441) e Silva et al. (2011, p. 272).
88
Conforme Antunes (2012, p. 595), “[...] assim, os tipos, muitas vezes ultrapassados ou alheios a
realidade econômica, deixam de auxiliar e passam a ser um empecilho, e como o atuar criativo das
83
partes não cessa em razão da impotência típica, o Direito necessita de algum meio para reconhecer e
regular os pactos”.
89
Para Roppo (2009, p. 134), “Naturalmente, os tipos legais não são fixados uma vez por todas. Num
dado momento histórico, a lei prevê e disciplina um certo número deles, na base do reconhecimento
de que as operações a que correspondem são socialmente úteis e merecedoras de tutela jurídica;
mas com o evoluir das condições econômico-sociais, novas operações, novos gêneros de negócios,
diversos dos correspondentes aos tipos codificados, podem emergir, por difusão e importância, no
tráfico. Desenham-se assim, com eles, novos tipos contratuais, não contemplados expressamente
pelo legislador e portanto, não reconhecidos como tipos ‘legais’ , mas de fato reconhecidos e
correntemente utilizados no contexto sócio econômico, e que se definem por isso por ‘tipos sociais’.
[...] Geralmente acontece que o legislador — precedido pela realidade e pelas exigências da
economia — acaba por tomar conhecimento ex post da existência desses ‘tipos sociais’,
considerando-os dignos de reconhecimento e tutela e procede, mais cedo ou mais tarde, à sua
regulamentação específica: quando isto acontece, os ‘tipos sociais’ elevam-se a ‘tipos legais’”.
90
Ainda segundo Betti (2008, p. 281), “Então, para o lugar da rígida tipicidade legislativa, baseada
num número limitado de denominações, entra uma outra tipicidade, que desempenha também
sempre a função de limitar e orientar a autonomia privada, mas que em comparação com aquela, é
muito mais elástica na configuração dos tipos, e, na medida em que se realiza, remetendo para as
valorações econômicas ou éticas da consciência social, poderia chamar-se-lhe tipicidade social”.
84
91
Nesse sentido, Kataoka (2008, p. 59) diz que “Parece, portanto, lícito dizer que o esquema
doutrinário da tipicidade e atipicidade contratual não está apto a dar conta dos problemas relativos à
coligação contratual. Essa classificação foi pensada para resolver as questões relativas a um contrato
isoladamente, compreendido no seu atomismo obrigacional, e não inserindo na complexidade
econômica resultante da pluralidade contratual”.
85
Cabe salientar que o contrato pode ser atípico socialmente. Assim, conforme
Vasconcelos (2009, p. 1), os contratos, quando se ajuízam da sua tipicidade ou
atipicidade, podem dividir-se em três campos: o dos contratos legalmente típicos, o dos
legalmente atípicos mas socialmente atípicos e o dos legal e socialmente atípicos.92
Vasconcelos (2009, p. 230–4) faz referência aos contratos de tipo múltiplo e
tipo modificado, como os atípicos mistos (que são construídos pelas partes com
base em tipos contratuais que são adaptados, modificados ou misturados de modo a
satisfazerem o seu interesse contratual). Os de tipo modificado são aqueles cujas
partes elegem um tipo contratual que desempenha o papel de instrumento-base; as
partes se referem à sua disciplina na contratação, mas adicionam uma convenção
que modifica a disciplina jurídica do tipo. No de tipo múltiplo, o contrato atípico é
construído com base na conjunção de mais de um tipo; não existe um tipo contratual
de referência. Nem sempre essa distinção entre tipo modificado e múltiplo é nítida.
Sua importância, segundo o autor, está na sua concretização e na necessidade de
eventual integração de lacunas.
Para Roppo (2009, p. 132), o conceito de autonomia privada compreende, além
do poder de determinar o conteúdo do contrato, o poder de escolher contratar ou não
contratar, o de escolher com quem contratar e o de decidir em que tipo contratual
enquadrar a operação que se pretende, ou ainda de concluir contratos que não
pertençam aos tipos que têm uma disciplina particular.93 Ao estabelecerem livremente o
programa contratual, as partes poderão deixar de cumprir requisitos específicos de
dado tipo contratual (desde que não obrigatórios), desnaturando a regulação legal; ou
seja, passa a vigorar a regulação contratual (ao menos no que for permitido).
Conforme Varela (2000, p. 275),
92
O autor explica que, embora raros, existem os contratos legalmente típicos e socialmente atípicos.
Exemplo seria o contrato de subordinação tipificado no Código das Sociedades Comerciais (Portugal)
com um caso de contrato que está tipificado na lei, ainda que não exista tipificado na vida.
93
Cabe complementar que, “[...] de resto, se não se reconhece à autonomia privada uma tal liberdade
e possibilidade criativa, não seria sequer concebível aquele processo de lenta inserção de novas
praxes contratuais, e portanto, de formação dos respectivos tipos sociais” (ROPPO, 2009, p. 135).
86
94
Varela (2000, p 27) cita os contratos de leasing, franchising, factoring, joint venture, know-how
(assistência técnica), engineering, garantia autônoma como novos esquemas negociais que servem
para documentar o poder criador permanente do jurista através da liberdade contratual e para mostrar
as novas figuras contratuais, graças sobretudo à facilidade crescente de comunicação entre os
homens e as nações, que podem facilmente ser assimiladas por sistemas jurídicos diferentes
daqueles que as conceberam.
95
Messineo (1952) tratou da questão da atipicidade, assinalando que: (i) para tais contratos sempre
serão aplicadas as regras gerais dos contratos; (ii) os contratos atípicos representam uma
manifestação e um reconhecimento da liberdade (autonomia) contratual, com o requisito de,
necessariamente, estar em consonância com a legalidade; (iii) a lei (italiana) também requer a busca
pelos elementos particulares, própria dos contratos singulares, no conteúdo do contrato atípico.
96
Conforme assevera Jabur (2011, p. 206), “[...] os contratos não sistematizados e os típicos devem
direcionar atenção às disposições endereçadas aos negócios jurídicos, assim como às obrigações
em geral e aos preceitos edificados aos contratos propriamente”.
97
Vasconcelos (2009, p. 15) aduz ainda que “[...] a falta de enquadramento teórico da atipicidade
contratual tem-se feito sentir particularmente na Jurisprudência. [...] O dever de julgar tem conduzido
os tribunais a procurar nos tipos contratuais legais a disciplina dos contratos atípicos, usando para
isso do expediente de os qualificar como do tipo mais próximo”.
87
98
Nesse sentido, vide parecer de Martins-Costa (2014).
88
99
Cabe anotar que nas lições de Bessone (1997, p. 86) há equivalência entre contratos complexos e
mistos em oposição aos contratos simples: “[...] os complexos ou mistos resultam de combinações de
dois ou mais tipos de contratos, ou da inserção de cláusulas que desfigurem um dos tipos simples. O
interesse da distinção está na escolha das normas aplicáveis. Quando não seja possível harmonizar
as regras reguladoras dos tipos combinados, deve-se atender à finalidade essencial da operação, ou,
quando a infração for de determinada cláusula que se possa isolar das demais, merecerá
observância a disposição disciplinadora do contrato simples de que tenha sido extraída”.
100
Os contratos mistos podem ser classificados, conforme Gomes (1997, p. 105) em: (i) contratos
gêmeos — em que há pluralidade de prestações (de diversos tipos legais); (ii) contratos dúplices; (iii)
contrato misto “stricto sensu”. O referido autor descarta a classificação proposta por Ennecerus, que
inclui os contratos de duplo tipo (união de dois contratos completos, de modo que se apresenta como
contratos tanto de uma espécie como de outra) e contratos típicos com prestações subordinadas (o
contrato básico não se altera em sua natureza pela circunstância de se lhe agregar uma prestação de
outro tipo subordinada a seu fim principal).
101
Para Tullio Ascarelli (2011, p. 347), “[...] o problema dos contratos mistos e inominados surge na
realidade quando num mesmo negócio concorrem prestações típicas de vários negócios diferentes,
ou prestações que não correspondem às típicas de nenhum contrato nominativamente regulado na
lei, quer no caso de somente uma das partes se obrigar a cumprir mais do que uma prestação típica
de contratos diferentes (‘verbi gratia’, na locação de um quarto com prestação de serviços), quer no
caso de a prestação de uma das partes corresponder à que é típica de um determinado contrato, e a
contra-prestação da outra parte corresponder à de um outro contrato (‘verbi gratia’, o uso de um
quarto em troca da prestação de trabalho)”.
89
conteúdo deste (VARELA, 2000, p. 284). Podem ser: (i) combinados — quando
uma das partes compromete-se com duas ou mais prestações que correspondem
a dois ou mais tipos contratuais legais (ou a um tipo contratual e outro atípico) e
outra parte compromete-se com uma única obrigação; (ii) contratos duplos —
quando uma parte se obriga a uma prestação típica de um contrato e a outra
parte, a uma obrigação proveniente de outro tipo legal; (iii) contratos mistos em
sentido estrito — seriam caracterizados pela utilização de certo tipo de contrato
como meio para a consecução de finalidade diferente que lhe é própria; essa
noção se aproxima da noção de negócio jurídico indireto, conforme Leonardo
(2003, p. 101).102
Para Pontes de Miranda (2012, p. 243),
102
Ascarelli (2011, p. 443–4) explica o negócio jurídico indireto assim: “[...] as partes estabelecem
entre si um negócio jurídico, é certo, mas o objetivo prático final a que elas visam não é, de fato, o
que normalmente decorre do negócio por ela adotado, e sim um objetivo diferente, muitas vezes
análogo ao de outro negócio, mais freqüentemente sem forma típica própria num determinado
ordenamento. E a obtenção deste fim ulterior é assegurada por meio de cláusulas particulares, que
são no entanto compatíveis com a estrutura basilar do negócio adotado, ou por meio de simples
elementos de fato, com os quais as partes concordam. Existe, portanto, um negócio indireto porque
as partes recorrem a ele para atingirem, por seu intermédio, e de modo indireto, objetivos diferentes
dos que se poderiam induzir da estrutura do negócio adotado”. Mas a adoção de certo tipo de
negócio, mesmo que seja para fins indiretos, não é feita ao acaso; ela encontra a sua explicação no
propósito das partes de se sujeitarem não somente à forma das leis, como também à disciplina do
negócio adotado.
103
Rosas (1978, p. 74), Varela (2000, p. 287), Vasconcelos (2009, p. 243) e Francisco M. de B. P.
Coelho (2014, p. 285; 299) citam a doutrina tipológica, mas afastam sua aplicação, razão pela qual
ela não está incluída no rol acima.
104
Vasconcelos (2009, p. 243), citando Schluep Innominatvertäge, relata que Antunes Varela admite,
na falta de casos análogos, uma “[...] atividade criadora confiada ao intérprete, dentro do espírito do
sistema”.
90
105
Rosas (1978, p. 74) diz que o Supremo Tribunal examinou questão atinente ao assunto: contrato
misto de arrendamento de propriedade rural e de fornecimento de cana (RTJ 56/80) ou no caso do
contrato de locação de natureza mista.
106
Messineo (1952, p. 397) integra sua crítica à teoria da absorção, em que a finalidade econômica
prevista pelas partes, ao invés de ser protegida em sua integridade, passa a ser distorcida e
dificultada, além de se dever levar em conta que nem sempre os contratos mistos resultam de
elementos precedentes de contratos nominados.
107
Para Miranda (2012, p. 252), “[...] o fundo, a teoria da combinação tentou manter a tipicidade dos
negócios jurídicos, como se não pudesse romper-se”.
108
Messineo (1952, p. 399) critica também essa teoria. Entende que se fosse aplicável, o elemento
de cada contrato teria seu conteúdo constante em qualquer circunstância. Aduz que tal crítica diz
respeito a combinação entre contratos nominados e inominados, pois o contrato nasce como unidade
orgânica, e não como um destilado de uma análise ou como o efeito de um jogo combinatório.
109
Miranda (2012, p. 253) enfatiza que “[...] ora há absorção, ora há combinação, ora há acumulação,
ora há invocação da analogia, segundo a natureza do negócio jurídico em seu todo”.
91
110
Messineo (1952, p. 401) entende que, existindo a possibilidade de o contrato normativo
regulamentar os contratos inominados apenas nos casos em que falte a autodisciplina no contrato
inominado ou que não existam usos jurídicos a respeito, o intérprete deverá se preocupar em
reconstruir por sua conta essa disciplina.
92
111
Martins-Costa cita Eros Grau — a 1ª edição de A ordem econômica na Constituição de 1988, São
Paulo, 1990, p. 30–3 — e esclarece que ele apontou a tese de Reich da dupla instrumentalidade.
93
As regras do jogo econômico não são as regras do jogo político nem do jogo
jurídico.112 Entretanto, ao olhar a sociedade contemporânea, à primeira vista, parece
que estão todos invadindo os campos alheios, numa mistura de regras — em que
quase impera a regra da prevalência do mais forte. A aparência sugere modelos
caóticos de sistemas sensibilizados. A instabilidade econômica e política gera uma
busca incessante pela segurança no sistema jurídico, em que esta também é
perseguida.113 O grande tema a ser objeto de reflexão ao se tratar da complexidade
econômica é saber: se as questões suscitadas na economia — quando informadas,
pela linguagem, ao sistema de direito, na forma como atualmente é concebido —
não são reduzidas em demasia por causa das escolhas feitas (pelos que detêm o
poder de selecionar, acima de tudo de legislar e julgar); e se, em razão disso, não se
tem a semeadura de um outro sistema (ou subsistema) que tenta se inserir no
sistema de direito, mas que, com regras próprias, advindas daquilo que, na
seletividade (em especial legislativa e jurisprudencial), foi descartado.
As inovações não surgem do acaso, da coincidência ou da sorte. São fruto de
pesquisas, de investimentos. O “novo” não é simplesmente descoberto; é “criado”
pelo ato humano de “fazer algo”. Para que possa existir, houve investimento,
projetos, planos de negócios. Negócios foram firmados, sem que existisse um
modelo estabelecido; ou seja, com base em parâmetros, muitas vezes, distante dos
112
Segundo Teubner (2005, p. 135), “[...] mesmo que a maioria dos economistas e juristas tenha uma
visão diferente e compreenda as instituições jurídicas e econômicas como fenômenos unitários,
sendo ora complexos de normas, ora sistemas de incentivos, mesmo se se atribuírem as diferenças
entre componentes jurídicos e econômicos aos diferentes interesses de conhecimentos das
disciplinas científicas em questão, defende-se aqui, com ênfase, a seguinte tese: instituições
econômicas divergem fundamentalmente das jurídicas . As ‘regras do jogo’ econômicas, apesar de
todas as sobreposições, não são idênticas a normas jurídicas. E isso não tem nada a ver (pelo menos
não só) com a tão citada diferença entre ser e dever ser. Os property rights econômicos são chances
de ação práticas no mercado, com uma relativa distância da propriedade jurídica, que, por sua vez,
sendo um complexo de pretensões jurídicas válidas e normas destinadas à solução de conflitos
jurídicos, não pode ser identificada com chances fáticas de ação. Deve-se distinguir uma transação
econômica de um contrato concluído de maneira juridicamente válida, mesmo se ambos ocorrerem
muitas vezes, mas não necessariamente, ao mesmo tempo. A pessoa jurídica como ponto de
imputação de atos jurídicos vinculativos, direitos subjetivos e obrigações não é idêntica à empresa
econômica como um sistema social auto-reprodutivo. No fundo, a diferença consiste no fato de que
instituições econômicas são compostas, em sua estrutura de constraints e incentives, que influenciam
os cálculos de custos e benefícios dos agentes econômicos, enquanto instituições jurídicas são
complexos de normas válidas que estruturam a solução de conflitos. Apesar de ambas poderem ser
estruturalmente acopladas, as instituições econômicas e jurídicas podem não só ser analiticamente
diferenciadas, como também são fenômenos diferentes do ponto de vista empírico”.
113
Gail (2009, p. 665) diz que “[...] não é à toa que sistemas instáveis e em constantes mudanças
buscam segurança e certeza em outros sistemas. Vejamos, por exemplo, o sistema econômico que,
por ser extremamente volúvel, busca incessantemente segurança onde não existe, no sistema
jurídico”.
94
Desde que a ciência passou a integrar a vida das pessoas comuns, assistiu-
se a uma evolução tecnológica (a aplicação prática da técnica e do conhecimento
científico); os limites de espaço, tempo foram se alargando com a automação,
internet e acesso à informação. Mas isso reflete que cada facilidade tecnológica
pode envolver uma complexidade contratual relevante, derivada, inclusive do
esquema econômico subjacente.
As tecnologias são desenvolvidas em forma de projetos e parcerias. Uma vez
concebidas, têm forte aptidão a ser compartilhadas por meio de contratos próprios
de tal área, como são os de licença de exploração de patentes, a licença de uso de
marcas, de fornecimento de tecnologia, a licença de exploração de desenhos
industriais, o contrato de fornecimento de tecnologia, o de prestação de serviços
técnicos especializados, o de compartilhamento de pesquisa ou acordo de
cooperação tecnológica, o de franquia e os acordos de confidencialidade (SANTOS,
2011).114
114
Santos (2011, p. 100) explica que, de acordo com o ato normativo 135, expedido pelo Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em 15 de abril de 1997, apenas as licenças de direitos de
propriedade industrial, os contratos de aquisição de conhecimentos tecnológicos e os contratos de
franquia enquadram-se na categoria dos contratos de transferência de tecnologia.
96
115
Em Figueiredo (2016, p. 124) se lê que “Até mesmo as start-ups, que têm por base ideias
inovadoras e tecnológicas e que, em tese, seriam bem recebidas pelo mercado, precisam de capital
para a implementação da empresa. Nesse contexto, tem-se que, nos casos em que o titular da start-
up não possui recursos próprios para investir na empresa, precisa recorrer a outros meios para
financiar a atividade que pretende desenvolver, a exemplo de financiamentos públicos ou privados e
de sócio investidor (chamado no ramo das start-ups de investidor-anjo, o qual não apenas investe
capital como também indica fornecedores e clientes), além de outros meios menos ortodoxos como
crowdfundings e participação em concursos e competições que oferecem premiação”.
97
valor estimado, a ser pago por meio da forma pré-cadastrada (em geral, um cartão
de crédito).
Sem adentrar as questões jurídicas, sociais, econômicas e até políticas aí
envolvidas, é de se notar como uma inovação em uma realidade que envolve o
cotidiano das pessoas pode se mostrar tão relevante e de solução (em todos os
sistemas acima citados) difícil. A questão fica mais complexa caso se considere que
o serviço foi posto em prática — ou seja, ingressou na realidade fática, a despeito de
todas essas questões — e foi recepcionado de forma positiva por seus usuários,
inclusive porque representa uma solução (ainda que aparente) para o transporte a
um custo mais baixo que os taxis convencionais.
Esse exemplo demonstra os paradoxos contemporâneos: praticidade
versus modelos de intervenção estatal (algumas de cunho até protecionista);
soluções criativas privadas para o transporte urbano versus o engessamento das
políticas públicas; modelos econômicos que colocam em discussão modelos
sociais, especialmente quanto ao emprego; a relevância da manifestação de
vontade dos consumidores numa sociedade capitalista, numa economia de
mercado.116
Com base em certas características (não estanques) — ser atípicos, de
duração, lacunosos, incompletos, de colaboração, evolutivos, relacionais, sendo a
complexidade subjetiva, volitiva, objetiva, tecnológica e/ou econômica —, é possível
categorizar os contratos complexos. É certo que tais contratos ingressaram na vida
social de uma forma definitiva, e sua compreensão, de forma ampla, sem buscar
reducionismos fundados em regramentos conhecidos (tipificados), ocorre conforme
a situação concreta, pois sua atipicidade caminha com a liberdade exercida no
âmbito negocial.
116
A ministra Nancy Andrighi em palestra proferida no II Congresso Brasileiro de Internet, afirmou,
sobre o tema, que: “Por fim, de tudo que tenho acompanhado a respeito da proibição de aplicação de
intermediação de contrato de transporte, não vi, até o momento, qualquer notícia do que os maiores
interessados têm a dizer sobre a questão. De fato, a discussão sobre a proibição ou não de
aplicativos de intermediação de contratos de transporte não pode ser pautada exclusivamente por
pressão política de certas categorias profissionais como tem sido feito, mas deve ser feita
precipuamente no interesse dos consumidores do serviço de ‘transporte privado individual, afinal é do
interesse do consumidor — e deveria ser também do Estado, por força do art. 170 inciso IV da
Constituição — que a livre concorrência seja fomentada e jamais restringida. São os consumidores
que devem ser os primeiros a serem ouvidos quando o Estado pretende proibir qualquer atividade
econômica lícita’” (24 de setembro de 2015, p. 20).
100
117
O novo “[...] estilo de negociar, ajuntou-se a existência de novos modos de estabelecer contratos,
conseqüentes à expansão, à sofisticação técnica e às peculiaridades dos meios eletrônicos. E a tudo
se somou a criação de novos modelos contratuais. Basta pensar na existência de redes, cadeias e
grupos contratuais, formas expressivas de operações econômicas múltiplas, complexas e não
raramente conexas, porquanto marcadas por uma unidade finalista, por uma ‘supracontratualidade’,
também o direito dos contratos vivenciado, tal qual o direito societário, o momento de ‘passagem do
átomo para a molécula’ (MARTINS-COSTA, 2008, p. 484).
118
Leonardo (2003, p. 129) explica que, no direito italiano e no direito português, a interligação
funcional e econômica entre contratos “[...] estruturalmente diferenciados tem sido tratada sob a
expressão contratos coligados. No direito espanhol, privilegia-se a expressão contratos conexos. No
direito francês, grupos de contratos, no direito anglo-saxão, contratos ligados (linked contracts ou
linked transaction) ou networks contratuais, e, por fim, no direito argentino, a expressão redes
contratuais”. Ressalte ainda, que para o mesmo autor, “Rede de contratos ou rede contratuais,
pressupõem dois ou mais contratos interligados por um articulado e estável nexo econômico,
funcional e sistemático que se destina à oferta de produtos e serviços no mercado para o consumo”
(LEONARDO, 2012, p. 352).
101
ato de sua conclusão. Nesse caso, não há propriamente coligação de contratos, pois
não se completam nem se excluem.
Na união com dependência, os contratos coligados são queridos pelas partes
como um todo; um depende do outro, de tal modo que sirvam a individualidade
própria. Por isso se distinguem dos contratos mistos. A dependência pode ser
recíproca (bilateral) ou não (unilateral). Na dependência recíproca, dois contratos
completos, embora autônomos, condicionam-se com reciprocidade, em sua
existência e validade. Um é a causa do outro. Um não existe sem o outro. Formam
uma unidade econômica, pois os dois se extinguem ao mesmo tempo. Na
dependência unilateral, não há reciprocidade, mas subordinação de um contrato a
outro na sua existência e validade (p. 104).
Na união alternativa, dois contratos são previstos para que subsistam um ou
outro; uma vez realizada determinada condição, um exclui o outro, quando a
condição se verifica. Embora unidos, não se completam, como na união com
dependência; antes, excluem-se (p. 105).
Conforme Marino (2009, p. 99), contratos coligados podem ser conceituados
como “[...] contratos que, por força de disposição legal, de natureza acessória de um
deles ou do conteúdo contratual (expresso ou implícito) encontram-se em relação de
dependência unilateral ou recíproca”. Portanto, como elementos essenciais, têm-se:
(i) a pluralidade de contratos (ao menos dois contratos), não necessariamente
celebrados entre as mesmas partes; (ii) vínculo de dependência unilateral ou
recíproca (conexão entre eles).
A coligação necessária,119 que é objetiva, ocorre quando o vínculo entre os
contratos se dá por disposição legal como ocorre entre o contrato preliminar e o definitivo,
mandato e procuração, contrato e subcontrato.120 Engloba também, de forma mais
ampla, a (vasta) categoria dos contratos acessórios,121 dependentes, auxiliares ou de
119
Também denominada “coligação em sentido estrito” — vide Leonardo (2012, p. 352).
120
Conforme Martinez (1989, p. 197), o subcontrato e o contrato-base formam uma coligação
unilateral, funcional e necessária. Constituem uma união processual, na medida em que prosseguem
o mesmo fim, e uma união em cascata porque a relação entre eles é vertical. Quanto ao conteúdo, os
dois contratos formam uma união homogênea, pois os dois contratos são do mesmo tipo negocial.
Trata-se de uma união hierárquica, pois um dos contratos fica na dependência do outro.
121
Marino (2009, p. 105) entende que a expressão “coligação necessária” é equivocada, pois é
preciso separar os casos de coligação ex lege das hipóteses de coligação advinda da própria
natureza acessória típica de um dos contratos envolvidos na coligação. Essa coligação nem sempre
será “necessária”, na acepção estrita da palavra, pois o vínculo, ainda que natural, poderá
perfeitamente surgir por acidente, sem que fizesse parte do programa inicial das partes.
102
122
Fernandes (2014, p. 231) cita como exemplo o fornecedor de materiais para determinada
empreitada que não precisa ter plena consciência de que está adentrando em uma situação de
contratos coligados.
123
Para Gomes (1997, p. 127), os “contratos-tipo” contêm o esquema concreto dos futuros contratos
individuais e pode resultar de conteúdo cuja elaboração incluiu, em igualdade de condições, os
interessados.
124
Segundo Moreira (2003, p. 756), “[...] acentuam os autores que não é essencial a vinculação
externa dos negócios, bastando que as recíprocas prestações tenham sido pactuadas como
elementos que se coordenam, na intenção das partes, em vista do fim comum que se quer atingir.
Algumas vezes, haverá dependência bilateral, de sorte que cada um dos contratos só existe em
função do outro, mas pode haver também dependência unilateral, se um dos contratos pressupõe o
outro sem que a recíproca seja verdadeira. Na segunda hipótese, a conexão não fica excluída pelo
fato de serem diversos sujeitos dos contratos: assim, expressamente, Messineo, ob e tomo cits., pág.
725, que acrescenta ser suficiente a coincidência quanto a uma das partes”.
103
125
A causa concreta será analisada no item 3.4 do capítulo 3.
126
Leães (2016, p. 406)
104
Três deveres laterais de conduta que são verificados nas redes contratuais: (i)
dever lateral de contribuição para a manutenção do sistema (por exemplo: vedação
127
O autor também explica que a coligação não vinculante se enquadra na denominada união
meramente externa, sem relação de interdependência.
128
Nesse sentido, vide Fernandes (2014, p. 235).
129
Cabe esclarecer que são várias as nomenclaturas oferecidas pela doutrina: deveres anexos,
instrumentais, laterais, deveres de conduta, deveres fiduciários. Sobre a diversidade de
nomenclatura, Fernando Noronha (2007, p. 81) anota que a “[...] nomenclatura destes deveres está
muito longe de ser objeto de consenso; a primeira designação que lhes foi dada foi a de ‘deveres
laterais’, mas a que ganhou a preferência da doutrina e da jurisprudência foi a de ‘deveres anexos’;
todavia nós temos como mais adequada a de ‘deveres fiduciários’, porque é denominação que aponta
diretamente para o fato de eles serem exigidos pelo dever de agir de acordo com a boa-fé, tendo
como fundamento a confiança gerada na outra parte”.
105
130
Marino (2009, p. 141) prefere a expressão “consequências jurídicas”, em sentido amplo, a “efeitos
jurídicos”, pois nem toda consequência será, tecnicamente, um efeito jurídico entendido como a
criação, modificação ou extensão de uma relação ou posição jurídica.
131
Conforme Antônio Junqueira de Azevedo (2005a, p. 117), contratos existenciais são os de
consumo, de trabalho, de locação residencial, de compra da casa própria e, em geral, os que dizem
respeito à subsistência da pessoa humana em relação aos “contratos empresariais”. Explica o autor
que “[...] essa nova dicotomia, que defendemos, ‘contrato existencial/contrato empresarial’, é, a nosso
ver, a verdadeira dicotomia contratual do século XXI. Por força da renovação dos princípios
contratuais e da frequência de sua concretização, não se pode mais empregar a palavra ‘contrato’
sem consciência dessa nova dicotomia; ela é operacional e está para o século XXI, como a de
‘contrato paritário/contrato de adesão’ esteve para o século XX”.
106
132
Konder (2006, p. 200) cita os artigos (do Código Civil) 114 — “[...] os negócios jurídicos benéficos
e a renúncia interpretam-se estritamente [...]” — e 392 — “[...] nos contratos benéficos, responde por
simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo a quem não favoreça. Nos
contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei”, a
Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça; “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação
do dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. Assim, utiliza os seguintes exemplos:
ainda que o veículo esteja no estacionamento, a título gratuito, a empresa responde pelo furto do
veículo.
133
Konder (2006, p. 204–5) cita recorrentes expedientes fraudulentos já identificados no tráfico
jurídico e na jurisprudência visando burlar a vedação ao pacto comissório
134
Giovanni Ettore Nanni (2011, p. 272) ensina que “[...] a extensão da invalidade de um negócio
defeituoso em relação aos demais integrantes da cadeia contratual depende da afetação ou não de
toda a unidade funcional originada da operação econômica composta pela conexão”.
108
135
“[...] respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará
na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações
acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”.
136
Marino (2009, p. 193) cita o seguinte exemplo, para demonstrar que “o acessório segue o
principal” deva ser admitido como algo estanque: “[...] na coligação entre contrato de locação e
contrato de distribuição de combustíveis, haveria dependência unilateral ou recíproca?
Aparentemente, o contrato de locação poderia ser tido como acessório, na medida em que sua
‘finalidade última’ é a distribuição de produtos. Não faltam, contudo, manifestações jurisprudenciais,
no sentido de que, neste caso, é a locação o contrato principal, ao qual se subordinam as demais
‘cláusulas acessórias’”.
137
Para Konder (2006, p. 222–8), em nosso ordenamento, o artigo 421 do Código Civil permite
invocar a função social do contrato para tal situação: “[...] inválido um dos negócios que compõem o
regulamento de interesses estabelecido plurinegocialmente, a função comum a ser desempenhada
pela conexão é destruída e, portanto, a função social do outro contrato que também integrava aquele
grupo pode restar prejudicada, danificando assim o fundamento de sua proteção jurídica.
109
contrato e conduzida à luz dos parâmetros previstos na lei (artigo 113 do Código
Civil).
Contudo, apenas a situação concreta poderá indicar se houve contaminação
da invalidade de um negócio ao outro coligado. O modelo de interpretação dos
contratos complexos e coligados proposto neste trabalho parte, justamente, da
concreção, dos elementos que compõem faticamente a relação contratual em cotejo
com as disposições convencionadas entre as partes (no exercício da autonomia
negocial), com os usos e costumes, circunstâncias do caso e demais filtros que
indicam que apenas a situação concreta pode revelar a intensidade de os efeitos da
coligação.
Quanto ao plano da eficácia, a coligação acarreta uma remodelação tendo em
vista sua interação com os demais contratos integrantes do sistema (FERNANDES,
2014, p. 236). Assim, tem-se, com a coligação contratual, a expansão da eficácia de
um pacto em relação ao outro (ou outros) a ele coligado(s). Com isso, atingem-se
não só as partes, como também terceiros, que firmaram os negócios jurídicos
conexos. São os efeitos internos (ou eficácia direta) sobre terceiros que se cuida
quando se trata da expansão da eficácia.138 Para Fernandes (2014, p. 236), “Os
planos eficaciais dos contratos integrantes de uma coligação podem eventualmente
tocar-se e até fundir-se”.
A repercussão da coligação entre contratos no campo da eficácia traz efeitos
significativos. Destaca-se, na esteira de Penteado (2007a, p. 488), a aplicação do
regime jurídico construído (com base em causa concreta) de remédios
sinalagmáticos tradicionais ao regime da rede. Nesses casos, é imperiosa a
aplicação da boa-fé objetiva, como teoria da confiança (PENTEADO, 2007a, p. 489)
e da vedação do abuso de direito.
Quando se trata de contratos coligados, o inadimplemento deve ser visto em
conjunto. Mesmo que seja coligação unilateral — como nos contratos acessórios —,
não se deve perder de vista que o contrato tido como acessório pode conter
obrigações essenciais quando contextualizado na sistemática da coligação. É
138
Como esclarece Giovanni Ettore Nanni (2011, p. 263), “[...] sabe-se que a fisionomia revisitada do
contrato permitiu a expansão de sua eficácia perante terceiros, aqui entendida como ‘eficácia
externa’, de tal sorte que ‘o contrato passa a não lhe ser indiferente, de algum modo podendo influir
em sua esfera jurídica’. Contudo, quando se analisa a eficácia diante do terceiro na coligação
contratual, é da ‘eficácia direta’ que se cuida”.
110
139
Cabe ressaltar que os riscos que podem ser objeto de negociação são os riscos previsíveis no
momento da negociação.
111
140
Nesse sentido, vide Marino (2009, p. 199).
112
141
Marino (2009, p. 203) cita tal julgado.
113
Ainda que concisa, à análise dos contratos coligados importa refletir acerca
de seus efeitos sociais e efeitos perante terceiros.143 Daí ser imprescindível
relacioná-los com dois princípios fundamentais: função social e relatividade dos
contratos.144 O efeito externo do contrato denota que suas vicissitudes ultrapassam
os limites circunscritos às partes e podem atingir terceiros; estes devem cooperar
com o contrato quanto a respeitar e não importunar o desenvolvimento e
cumprimento da relação obrigacional (NANNI, 2011, p. 236). A função social dos
contratos, para Theodoro Júnior (2014, p. 37), consiste em abordar a liberdade
contratual em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros), e não apenas no campo
das relações entre as partes que os estipulam (contratantes).
142
Kataoka (2008, p. 174) ressalta que cumpre salientar a possibilidade da inclusão, no contrato, da
cláusula solve et repete, admitida em contratos paritários, sem que haja vulnerabilidade de uma das
partes, que afasta a possibilidade de alegação da defesa via “exceção do contrato não cumprido”. Por
se estar no âmbito da autonomia privada e em estado econômico paritário, tendo as partes negociado
as cláusulas negociais, a renúncia à possibilidade de alegar tal defesa pode ser resultado de outras
vantagens obtidas no campo negocial, sempre com atenção à boa-fé objetiva e ao equilíbrio de
prestações
143
Conforme Penteado (2007b, p. 208), no campo contratual terceiro é o sujeito de direitos que não é
parte de uma relação jurídica determinada, mas que tem situação jurídica afim a das partes de uma
relação jurídica ex contractu.
144
No mesmo sentido, ver Giovanni Ettore Nanni (2011, p. 232).
114
145
Conforme Antônio Junqueira de Azevedo (2005a).
115
146
Marques (1998, p. 25) faz uma crítica a essa nova forma de se relacionar que faz do consumidor
um “cativo” das redes contratuais: “Estes novos contratos complexos envolvendo fazeres na
sociedade representam o novo desafio da teoria dos contratos. São serviços prestados por um
fornecedor ou por uma cadeia de fornecedores solidários, organizados internamente, sem que o
consumidor, na maioria das vezes, fique consciente desta organização. Trata-se de serviços que no
contexto da vida moderna, de grande insegurança e de indução através da publicidade massiva à
necessidade de acumulação de bens materiais e imateriais (o chamado ‘poder da necessidade’ e a
‘sedução das novas necessidades’), vinculam o consumidor de tal forma que, ao longo dos anos de
duração da relação contratual complexa, torna-se este ‘cliente-cativo’ daquele fornecedor ou cadeia
de fornecedores, tornando-se dependente mesmo da manutenção daquela relação contratual ou verá
frustradas todas as suas expectativas. Em outras palavras, para manter o vínculo com o fornecedor
aceitará facilmente qualquer nova imposição por este desejada”.
116
147
Diz Giovanni Ettore Nanni (2011, p. 286): “[...] especialmente em contratos internacionais e
operações bancárias, nasceram modernas figuras, entre elas, a garantia autônoma, a qual é
implementada em estrutura contratual coligada”.
148
Para Lorenzetti (2008, p. 217), “[...] as controvérsias interempresariais resolvem-se cada vez
menos na justiça ordinária, e casa vez mais mediante soluções alternativas, tais como a arbitragem,
os contratos ‘imunizados’, ou as garantias à primeira demanda, ou ‘auto-liquidáveis’. [...] Estamos na
presença de um verdadeiro microssistema da empresa, que exibe seus princípios, normas, fontes de
criação, doutrina e jurisprudência particularizadas”.
117
149
Cf. Theophilo A. Santos (2007, p. 18).
118
2.5.2 Franquias
150
Ver Seixas (2007, p. 40).
151
“Franchising, do verbo to franch, constitui um instrumento destinado a fomentar processos de
venda e distribuição em série, com características específicas. [...] negócio jurídico pelo qual uma
pessoa concede, a outra, o direito de usar sua marca ou de comercializar seus produtos ou de
terceiros ou de prestar serviços, de maneira contínua, com o fornecimento de assistência técnica,
inclusive comercial e de publicidade dos produtos, que pode ser limitada a determinado espaço
geográfico de acordo com uma remuneração ajustada entre os contratantes” (MARTINS, 2010, p.
283–4).
119
De fato, pode-se afirmar que o contrato de franquia “[...] é, por sua natureza,
um contrato híbrido, que se constitui de um complexo de relações jurídicas
diferentes entre si;152 quais sejam, a disponibilização para uso da marca/método ou
patente associada ao direito de distribuição de produtos, bem como a cessão de
outros direitos (tecnologia, know-how etc.) de forma indissociável.
A questão da complexidade é tão relevante nos contratos de franquia, que a
discussão sobre os efeitos fiscais de tal complexidade, em particular quanto ao
Imposto Sobre Serviços, está pendente de julgamento, com o crivo de repercussão
geral, perante o Supremo Tribunal Federal.153 A despeito de se tratar questão de
ordem tributária, vale ressaltar que a análise desse tribunal vai aferir se a incidência
do ISS sobre franquia viola o preceito constitucional que pressupõe que o objeto da
152
Voto Conselheiro Antônio Carlos Guidoni Filho no acórdão 1201-00.011, de 11 de março de 2009,
do Primeiro Conselho de Contribuintes — Terceira Câmara.
153
Recurso Extraordinário 603136 (Tema 300), o qual está pendente de julgamento por referido
tribunal.
120
entendendo que tal contrato tem muito mais um caráter de padronização, mas é
celebrado por empresários e, assim, deverá ser tratado) terá reflexos na análise da
relação contratual entre franqueador e franqueado, em especial de determinadas
cláusulas contratuais. O sistema de franquia — cabe frisar — é empresarial por
excelência: a operação econômica é tipicamente empresarial, o que afugenta
eventuais protecionismos ao franqueado. Determinados regramentos mais ajustados
por parte da franqueadora decorrem da proteção à marca, ao método de trabalho,
ao know-how e protege toda a rede franqueada, todo o sistema de franquia
envolvido. Justamente por se tratar de um sistema complexo, que eventuais regras
de cunho protecionista (que podem se ajustar a contratos que efetivamente
envolvam vulnerabilidades) não cabem numa relação empresarial como a de
franquias. Assim, como sistema de negócios, a franquia expressa a relação
contratual complexa: a concomitância de diversos elementos e regramentos numa
relação duradoura, de colaboração, cujas vicissitudes somente poderão ser
dirimidas quando resultarem em conflito no caso concreto.
154
Nesse sentido, ver Giovanni Ettore Nanni (2011, p. 283).
155
Leonardo Toledo da Silva (2012, p. 14), nas notas introdutórias de Direito e infraestrutura, assinala
que “[...] a legislação envolvendo direito da construção, e mais especificamente contratos de
construção para grandes projetos de engenharia, é diminuta. A pouca legislação que existe trata de
um perfil de contratos de construção não muito próximo da realidade dos projetos em infraestrutura. E
é bom que seja assim. Acreditamos ser positivo o fato de certas áreas muito dinâmicas do direito, e
sobretudo dos negócios, estarem mais abertas para as soluções trazidas pelo mercado. Isto torna o
direito muito mais apto e eficiente a solucionar os conflitos existentes. Daí por que certos princípios
contratuais, como o da autonomia da vontade, devem ser especialmente observados neste universo
jurídico”.
123
156
Contrato de construçao. “Contratos-Aliança”. Interpretação contratual. Cláusulas de exclusao e de
limitação do dever de indenizar. Parecer, 2014, p. 321.
157
Diniz (2015, p. 19) assinala também “[...] tratar-se de um contrato em fase de transformação e
adaptação, mas já faz parte arraigada de alguns países, entre eles: Austrália, Nova Zelândia, Estados
Unidos e Holanda”.
158
Vide Resolução ANP 41, de 5/11/2013, conforme alterada.
125
Se não for uma pessoa vinculada à revenda, também é habitual que a revenda seja
uma garantidora do franqueado.
(vi) É comum também que, para reforma e demais adaptações do imóvel para
abrigar a revenda de combustíveis, a distribuidora faça um empréstimo de valores à
revenda para que o referido valor seja utilizado na reforma, ou seja, coligando o
empréstimo aos demais contratos.
Sem pretender esgotar as inúmeras possibilidades que poderão agregar em
tal relação contratual, as questões principais que surgem são em relação ao próprio
contrato de revenda, como quebra de exclusividade, baixa performance, não
atendimento às normas reguladas, e aos efeitos dessas quebras nos demais
contratos. Além disso, a relação locatícia traz discussões, em especial quanto à
renovação locatícia envolvendo a sublocação. Todas essas questões, em geral,
trazem à tona a incidência de penalidades, a possibilidade de rescisão contratual e o
quantum de afetação aos demais elementos da relação e/ou contratos.
O exemplo das franquias, dos contratos de engenharia e dos relacionados à
revenda de combustíveis demonstra que o âmbito da autonomia privada que
fundamenta os contratos complexos tem sido terreno fértil para que novos modelos
econômicos possam procurar guarida no sistema jurídico. Com exemplos que
integram o cotidiano das empresas, tais como contratos de colaboração, de
infraestrutura e de comercialização de bens de utilidade pública, demonstra-se que
os efeitos da união de elementos diversos numa relação contratual unitária ou em
pluralidade de contratos são uma corrente que avança cada dia mais e com mais
força. Que as vicissitudes de tais relações complexas tenham efeitos relevantes,
seja nos demais elementos — se for uma relação unitária — ou nos demais
contratos — se forem coligados — não há qualquer dúvida. Por essa razão sua
interpretação com o objetivo de dirimir conflitos e conservar o contrato (sempre que
possível) de forma equilibrada com base no sistema jurídico tem contornos tão
especiais.
127
159
Kelsen (2006) diz que “[...] existem duas espécies de interpretação que devem ser distinguidas
claramente uma da outra: a interpretação do Direito pelo órgão que o aplica, e a interpretação do
Direito que não é realizada por um órgão jurídico, mas por uma pessoa privada, e especialmente,
pela ciência jurídica”.
128
160
Tácio Lacerda Gama (2011, p. 354) adota tal distinção, proposta por Herbert Hart, na obra O
conceito do direito, p. 111 et seq.
161
No dizer de Forgioni (2015a, p. 93–4), “Em contratos complexos, há muitas pessoas envolvidas na
execução da avença. A imagem do negócio que tem seu cumprimento dirigido e fiscalizado, em seus
detalhes, pelo “dono” da empresa é romântica e cada vez menos encontrada na realidade”.
129
contratual (ou da parte dele que tiveram conhecimento) para que o programa possa
ser devidamente cumprido. Portanto, nem sempre o intérprete operador interpreta o
contrato como um todo. Pode ocorrer de ser efetuada uma interpretação apenas de
determinada obrigação ou de determinado conjunto de obrigações as quais teve
acesso.
Na execução de um contrato complexo, cuja maioria é de execução
continuada, diferida (contrato de duração) ou ainda se caracteriza muitas vezes
como relacional, há uma interpretação contínua das regras contratuais inaugurais
(aquelas dispostas no instrumento contratual), que geram novas normas contratuais
normativas e operacionais. Pode ocorrer, por exemplo, a necessidade de detalhar o
desenho de uma ferramenta que constou num anexo de caráter técnico. Nessa
hipótese, a parte que deve executar tal desenho para produzir tal ferramenta incluirá
os detalhes de tal ferramental e executá-lo; poderá, antes de executar a sua
produção, apresentar o detalhamento para a outra parte. Se a outra parte concordar
com o detalhamento, então tal procedimento configura um padrão de conduta das
partes em caso de incompletudes de qualquer natureza. Se assim o for, então as
partes interpretaram (ainda que parcialmente) o contrato e, de tal interpretação,
praticaram condutas que passaram integrar o programa contratual.
Ou ainda, num outro exemplo, na hipótese de um contrato atípico, surgir uma
dúvida de natureza fiscal relacionada em como proceder com um faturamento, pois
em razão da atipicidade existe a possibilidade de ausência de precedente no tráfico
comercial (como ocorreu no início do comércio eletrônico). Nesse caso, as partes, de
comum acordo, podem efetuar uma consulta a um especialista na área de direito
tributário de comum escolha, que pode formular uma consulta ao Fisco e, a partir de
então, estabelecer uma forma de faturamento, mas sem firmar um instrumento de
aditivo contratual, pois entendem que se trata de um ajuste normativo-operacional.
Nesse caso, as partes interpretaram o contrato com auxílio de um expert. Ao agirem
dessa forma criaram uma norma derivada do contrato, mas de cunho operacional,
com efeitos de norma autônoma, a ser observada pelas partes.
Essa “criação” de norma de cunho operacional decorre, inclusive, do princípio
da boa-fé objetiva, pois cria um paradigma interno de atuação das partes, de tal
efeito que faz com que uma parte confie que a outra vai agir na forma como
ajustado, pois quanto mais se avança na concretude, menos regras são escritas e
mais “fazeres” — ações propriamente ditas — são verificados.
130
3.2 Interpretação dos contratos complexos não deve seguir padrão hierárquico
estático
162
Giovanni Ettore Nanni (2014, p. 192) avalia que “[...] o seu mais perdurável contributo
metodológico foi o de ter chamado o pensamento jurídico à consciência de que o próprio direito
positivo legal não é um mero lado, algo com que simplesmente se depara e que se tenha que
apreender ‘de fora’, numa relação já hermenêutica, já analítica de pura transcendência objetiva, mas
que terá, pelo contrário de ser considerado como a solução-resultado de problemas prático-
normativos que lhe são pressupostos, relativamente aos quais apenas em sentido, e que, como tal,
só pode compreender-se ‘por dentro’, através do reconstruir e assimilar do próprio processo
problemático-normativo que o constitui — que o direito nunca será teoricamente e sempre prática
solução de problemas”.
133
163
Para construir, em sua teoria, esse sistema de validade, Kelsen propõe um sistema escalonado de
normas, em que a norma hierarquicamente inferior encontra sua validade na norma que lhe é
superior, e assim sucessivamente, até se deparar com a norma fundamental do ordenamento. Para
Kelsen, a teoria pura do direito opera com essa norma jurídica fundamental como se fora uma
situação hipotética, sob a suposição que ela vale, vale também todo o sistema jurídico sob o qual
repousa. Confere ao ato do primeiro legislador e, por isso, a todos os demais atos que repousam no
ordenamento jurídico, o sentido de “dever ser”, aquele sentido específico em que a condição jurídica
está ligada à consequência jurídica, na proposição jurídica; e a proposição jurídica é a forma típica
em que o material jurídico deve se apresentar. Dessa forma, ele vai construindo sua teoria, fechando
o sistema, no sentido que o estrutura logicamente.
134
164
Kelsen (2006, p. 247) diz que “[...] “uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de
aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura,
que preencha esta moldura em qualquer sentido possível”. Além disso, “[...] se por ‘interpretação’ se
entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma
interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e,
consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro dessa moldura existem.
Assim, interpretar uma lei não deve necessariamente levar a uma solução só como a correta, isto é,
tem de levar possivelmente a várias soluções, que, uma vez que só são aferidas pela lei a aplicar,
apresenta valor igual, embora uma delas apenas se torna direito positivo no ato do órgão aplicador do
direito, ou seja, no ato do tribunal em especial. Kelsen ainda expõe que “[...] não há absolutamente
qualquer método — capaz de ser classificado como de Direito positivo — segundo o qual, das várias
significações verbais de uma norma, apenas uma possa ser destacada como ‘correta’ — desde que,
naturalmente, se trate de várias significações possíveis: possíveis no confronto de todas as outras
normas da lei ou da ordem jurídica”.
135
165
“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que
ao sentido literal da linguagem. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia
interpretam-se estritamente. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes. Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Art. 423. Quando houver no
contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais
favorável ao aderente. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a
renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Art. 425. É lícito às
partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
166
Aurora Tomazini de Carvalho (2011, p. 209) reconhece que “Há uma dificuldade, própria das
mudanças de paradigmas, em conceber o direito (texto em sentido amplo) como uma construção do
intérprete (significação), justamente pela subjetividade que lhe é atribuída por esta visão. Mas, dentro
da concepção filosófica à qual nos filiamos, não conseguimos compreender de outro modo, mesmo
porque, a pragmática jurídica só vem corroborar com nosso posicionamento. Se o direito fosse algo
certo e determinado (significação unívoca) contido nos textos positivados (dado material), não haveria
divergências doutrinárias, nem jurisprudenciais. O juiz simplesmente extrairia o conteúdo do texto e o
aplicaria ao caso concreto, numa operação mecânica”.
167
Nas palavras de Aurora Tomazini Carvalho (2012, p. 235), “[...] não existe um limite objetivo para a
interpretação, como o pressupõe a teoria tradicional. A objetividade do direito está no seu suporte
físico, que é aberto. A comunicação jurídica (entre legislador e intérpretes) se estabelece por ambos
vivenciarem a mesma língua, a mesma cultura, por estarem por estarem inseridos no mesmo
contexto histórico”.
136
168
Reale (1992, p. 237) avança em seu raciocínio nestes termos: “[...] mais ainda, alheia ou
indiferente à problemática filosófica assim como julgo inadmissível o relativismo daqueles que fazem
depender a teoria da interpretação do flutuar ou suceder-se das ideologias; algo há, penso eu,
condicionando os processos hermenêuticos, não obstante as mutações inevitáveis dos ambientes
culturais, capaz de propiciar uma base de entendimento e de comunicabilidade, integrando-se, em
complementaridade dinâmica, os pontos de vista do filósofo, do teórico e do dogmático do direito”.
169
Paulo de Barros Carvalho (2008) assinala também que o acesso aos valores se dá pela intuição
emocional, e não pela intuição sensível ou intelectual. Os valores não são, mas valem. Os valores
seriam aquelas entidades cujo modo específico de ser é o valer. Eles são na medida em que valem.
137
170
São características dos valores: (i) bipolaridade: apenas possível entre os objetos metafísicos e
culturais, que é marca obrigatória dos valores — onde houver valor haverá como contraponto, o
desvalor, de tal modo que os valores positivos e negativos implicam-se mutuamente; (ii) implicação
recíproca: decorre do item anterior — nenhum valor se realiza sem influir, direta ou indiretamente, na
realização dos demais; (iii) referibilidade: o valor importa sempre uma tomada de posição do ser
humano perante alguma coisa a que está referido, ou seja, vale para algo ou vale como algo para
alguém; (iv) preferibilidade: os valores apontam uma direção determinada, para um fim, uma direção
entre várias possibilidades; (v) incomensurabilidade, tendo em vista que os valores não são passíveis
de medição; (vi) tendência à hierarquia: apresentam forte tendência à graduação hierárquica (ordem
escalonada) quando se encontram em relações mútuas, tomando como referência o mesmo sujeito
axiológico; (vii) objetividade: os valores requerem sempre objetos da experiência para neles assumir
objetividade — a objetividade é consequência da particular condição ontológica dos valores: se eles
se configuram como qualidades aderentes, que os seres humanos predicam dos objetos (reais e
ideais), hão de requerer, invariavelmente, a presença desses mesmos objetos; (viii) historicidade: os
valores são construídos na evolução do processo histórico e social; (ix) inexauribilidade: os valores
sempre excedem os bens em que se objetivam, não se esgotam, pois sempre admitem novos
conteúdos. Paulo de Barros Carvalho, identifica ainda as características da (x) atributividade — o
valor requer a presença humana e um ato de atribuição — e da (xi) indefinibilidade — como ente
metafísico, é impossível de definição
171
Que faz o acoplamento estrutural entre os sistemas político e jurídico (LUHMANN).
138
172
Paolo Grossi (2010, p. 78) alerta: “[...] se o direito moderno pode ser considerado um direito
inteiramente público, desde o momento em que o Estado se preocupa até mesmo com a
regulamentação das relações privadas na vida cotidiana dos privados (o exemplo mais clamoroso é o
Código Civil), com o direito da globalização se tem novamente (como se tinha no Antigo regime pré-
revolucionário) um direito privado produzido pelos privados”.
173
Freitas (2010, p. 224) assevera que “[...] a interpretação constitucional é processo tópico-
sistemático, de maneira que resulta impositivo, no exame dos casos, alcançar uma relação de
equilíbrio entre o formal e o substancial, evitadas as soluções unilaterais e respeitada a Constituição
em sua abertura dialógica e em seu caráter não-linear. Com efeito, a tarefa primeira do intérprete
consiste em refinar o catálogo de princípios, regras e valores, aprimorando-o constantemente para
fazê-lo, no quadro evolutivo, cumprir a função sistematizadora intrínseca ao processo. Embora
reconhecendo tratar-se — a reelaboração da mesma — de projeto permeável às mutações
axiológicas”.
139
O Código Civil de 2002 incluiu a boa-fé objetiva, a função social dos contratos
e o equilíbrio contratual como cláusulas gerais no sistema contratual. A boa-fé
objetiva174 inserida nos artigos 113, 187 e 422 desempenha, no campo obrigacional,
três funções distintas: (i) a função de cânone hermenêutico-integrativo do contrato,
(ii) a de fonte de criação de deveres jurídicos175 e (iii) a de limitação ao exercício de
direitos subjetivos.176
A boa-fé objetiva, que, no § 242 do Código Civil alemão (BGB), dispõe que o
devedor está obrigado a executar a prestação como exige a boa-fé, em atenção aos
usos e costumes (tráfico social), diferencia-se da boa-fé subjetiva, também
denominada de boa-fé “crença”, uma vez que é designativa de uma crença na
aparência de licitude ou da convicção de não estar lesando direito alheio.
174
Penteado (2002, p. 151) destaca que “Entre os instrumentos mais sofisticados, pela agudeza e
flexibilidade de que dispõe, está a boa-fé, que exerce um papel de tornar o direito um pouco melhor, o
que se apresenta como direito, justo. Seu manejo, no entanto, requer não apenas precisão, mas
sutileza, para evitar o rápido desgaste que palavras de cunho excessivamente geral podem sofrer.
Usando-a com cautela, será forte arma de obtenção de justiça, tanto no âmbito intra como no
extracontratual”.
175
Tendo a boa-fé objetiva como um dos princípios basilares do contrato, dela decorre um sem-
número de deveres que percorrem a vida (e a morte) da relação contratual. Assim, pode-se dizer que
o alicerce de tais deveres, especialmente nas relações negociais, é a boa-fé objetiva. Nesse sentido,
a exigência de as partes agirem de boa-fé na formação e execução da relação contratual implica,
necessariamente, o reconhecimento da existência de deveres não expressamente referidos no
contrato, que podem ser qualificados como deveres instrumentais ou secundários (PEREIRA, 2001,
p. 81). Varela (2000, p. 123) revela que “[...] diferentes dos deveres primários ou secundários de
prestação são os deveres de conduta que, não interessando directamente à prestação principal, nem
dando origem a qualquer acção autônoma de cumprimento, são todavia essenciais ao correcto
processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra”. Assim, são os deveres que
excedem o próprio e estrito dever de prestação e que resultam para ambas as partes cumprir o que
foi expressamente pactuado, com base na boa-fé, também denominados “deveres de conduta”.
176
A vedação ao abuso de direito é um exemplo.
142
177
“Donde se conclui que quando o Art. 104 dispõe sobre a validade do negócio jurídico, referindo-se
ao objeto lícito, neste está implícita a sua configuração conforme à boa-fé, devendo ser declarado
ilícito todo ou parte do objeto que com ela conflite” (A boa-fé no Código Civil, 16/8/2003).
178
“A origem negocial leva aos requisitos do negócio jurídico, expressos no art. 104, que remete à
vontade livre, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, mas também ao art. 113, do
Código, que a nosso ver é requisito de validade” (LOTUFO, 2011, p. 14).
179
Martins-Costa (2015, p. 580), ao analisar tal questão, assim entende: “Em síntese: fora da
hipótese do art. 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor, o princípio da boa-fé não age
diretamente no plano da validade, senão de forma residual, embora possa atuar no plano
hermenêutico (via análise de conduta) para potencializar determinadas eficácias legalmente previstas
a outras figuras, como no caso do dolo por omissão informativa (Código Civil, art. 147) que pode
conduzir à invalidade (quando configurado o dolo essencial) ou à satisfação de perdas e danos, sem
declaração de invalidade (quando caracterizado o dolo acidental), hipótese que se reconduz aos
esquemas ressarcitórios. Mas em ambos os casos, estará em causa, primariamente, o dolo, não a
boa-fé objetiva”.
143
relação com ele estabelecida, ou que tal contratante detém, perante seu mercado,
bem como na própria evolução do contrato, que por ser de duração e complexo
invariavelmente tem conteúdos (ao menos em parte) incompletos, e seu
preenchimento dependerá da forma de agir das partes, extremamente vinculada à
boa-fé.
A boa-fé no direito empresarial representa um standard específico e deve ser
mais específico ainda nos contratos complexos, pois a diversidade de elementos —
somada ao aspecto temporal, que gera por diversas vezes contratos relacionais —,
a relação de confiabilidade e a previsibilidade (também como lealdade) devem ser
mais aprimoradas e a sua verificação, no caso concreto, deve prestigiar a forma
como as partes se relacionaram entre si e com o mercado em que estão inseridas. O
comportamento habitual das partes (e de todos que agem em nome das partes)
deve revelar uma conformidade às práticas de mercado e às práticas reiteradas
entre as partes e uma perenidade da forma de se relacionar, ressaltando que a vida
negocial não é constituída por gentilezas e favores, e sim por ações (com o sentido
de “fazer”, de atividade) que visam a um negócio lucrativo (à circulação de riquezas).
Da boa-fé objetiva decorrem institutos tais como o denominado venire contra
factum proprium,180 tu quoque,181 supressio,182 a surrectio183 e o adimplemento
substancial,184 que não serão objeto de maiores detalhamentos neste trabalho,
consignando-se que são usualmente citados em decisões, tendo o Superior Tribunal
180
O contratante assume determinado comportamento qual é contrariado depois por outro
comportamento seu.
181
A locução significa tu também e representa as situações nas quais a parte vem a exigir algo que
também foi por ela descumprido ou negligenciado.
182
O teor, conforme Recurso Especial n.º 1.202.514 – RS (2010/0123990-7) “[...] indica a
possibilidade de se considerar suprimida uma obrigação contratual, na hipótese em que o não-
exercício do direito correspondente, pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse
não-exercício se prorrogará no tempo”.
183
“[...] trata-se de exercício continuado de uma situação jurídica em contradição ao que foi
convencionado ou ao ordenamento jurídico, de modo a implicar nova fonte de direito subjetivo,
estabilizando-se para o futuro” (ROSENVALD, 2005)
184
“Trata-se de execução do contrato que não se operou conforme os estritos termos de suas
cláusulas, desviando-se de forma insignificante do programa contratual. Se esse desempenho
anômalo representar algo de somenos importância, a outra parte não poderá resolver a avença e
será compelida a cumprir sua correspectiva prestação. Reserva-se, contudo, a esse contraente o
direito à parcela faltante ou a perdas e danos exclusivamente em face da performance menos que
perfeita do contrato” (RODRIGUEZ JÚNIOR , 2006, p. 72).
144
185
Nesse sentido, destacam-se o Recurso Especial n.º 953.389 – SP (2007/0115703-9), o Recurso
Especial n.º 1.202.514 – RS (2010/0123990-7), que abarcam, em sua decisão, o instituto da supressio,
o Recurso Especial n. 1.200.105 – AM (2010/0111335-0), que abrange a teoria do adimplemento
substancial.
186
Nesse sentido, cabe citar Martins-Costa (2015, p. 11), “[...] a explosão do emprego do instituto
jurídico designado como boa-fé objetiva tem um lado virtuoso e outro perverso. Virtuoso porque
assenta no Direito brasileiro inafastável padrão ético à conduta contratual. Perverso quando o uso
excessivo, desmesurado, imperito, deslocado dos critérios dogmáticos a que deve estar vinculado
serve para desqualificá-lo, esvaziá-lo de um conteúdo próprio, diluindo-o em outros institutos e
minorando sua densidade específica. Oferecer critérios é também oferecer limites. A ausência de
limites importa necessariamente em arbítrio, como diz antigo provérbio — ‘quando as margens são
ultrapassadas caem todos os limites’”.
187
Rocha (2008, p. 517–8) diz que “[...] a função social do contrato está inserida no ordenamento
jurídico como princípio e como cláusula geral. [...] Enquanto princípio, a função social do contrato
informa toda a compreensão do instituto, pouco importa o ramo do direito a que esteja ligado.
Enquanto cláusula geral constitui valioso instrumento de elaboração e construção judicial, prevista no
art. 421”.
188
Nesse sentido, Carlos Branco (2014, p. 257) diz que “[...] o art. 421 do Código Civil está entre as
disposições que provocam debates inconclusivos, assim como justificam correntes jurisprudenciais e
doutrinárias incertas sobre seu significado”.
189
Segundo Penteado (2007a, p. 270), o princípio da função social do contrato permite a tutela difusa
pelo judiciário das garantias institucionais. Liberta a tutela de interesses supraindividuais da tutela
administrativa ou a casuística prevista em lei. Toda vez que forem lesados interesses institucionais
haverá lesão à função social do contrato.
145
[...] o interesse social não é oposto ao interesse das partes, mas uma
atribuição do ordenamento sob a perspectiva macroscópica e
normativa. Sob o ponto de vista singular, a consequência direta da
função social dos contratos é a proteção do interesse particular de
um dos contratantes: a finalidade imediata a ser alcançada pela
função social dos contratos é de natureza econômica e particular, e a
finalidade mediata é de natureza social e geral.
190
Fabio Gil (2007, p. 17) emprega tal expressão citando M. Ferrarese, na obra Mercati e
globalizzazione: gli incerti cammini del diritto in le institutizioni dela globalizzazione, Bologna, Mulino,
2000, p. 70.
150
191
Conforme defendido por Antônio Junqueira Azevedo (2002), Giovanni Ettore Nanni (2011),
Bechara (2014) e Marino (2011), trata-se de elemento do conteúdo negocial global (integrante do
conteúdo expresso ou — o que é mais frequente — do conteúdo implícito) que desempenha papel
crucial, na medida em que unifica o conteúdo do negócio jurídico, esclarecendo o seu conteúdo
global. É missão do intérprete, portanto, revelar o fim do negócio jurídico, com o escopo de trazer à
tona o “suplemento de significação” que ele proporciona, iluminando o conteúdo global do negócio
jurídico.
192
Penteado (2006, p. 257) diz que, seja qual for a questão legal, a categoria da causa é fundamental
para analisar lides contratuais. Às vezes se tem consciência disso; às vezes, não. A falta de uma
doutrina clara sobre o assunto — e não para questões adjacentes — é o que dificulta a aplicação da
ideia.
153
193
Giovanni Ettore Nanni expõe que “[...] em regra, a coligação deflui de operações econômicas
estruturadas, contemplando diferentes empresas, cada qual com uma atribuição específica, em um
projeto unitário”.
154
não de coligação; (ii) realizado o cotejo entre as causas concretas de contratos que
tenham acentuado grau de proximidade entre si, a coligação se configura quando
ocorre alguma sorte de conexão entre elas. Assim, é a hipótese fática que aponta a
causa concreta e qualifica o contrato.
Nos contratos coligados, existe um propósito supracontratual que faz o nexo,
a coligação entre os contratos. Nos contratos complexos, a causa concreta reflete
essa complexidade. Se houver contratos coligados a contratos complexos, então
será preciso identificar a causa do contrato complexo e aquela que o coliga a outros
contratos.
194
Segundo Rodney Malveira da Silva (2011, p. 238–9), “[...] a dicotomia entre interpretação e
integração perdeu o sentido [...] e se compreende atualmente que na atividade interpretativa
encontra-se também a integrativa, na medida em que o contrato não é mais entendido como um ente
solitário e está em constante diálogo com o sistema no qual está inserido. Daí a utilização do termo
interpretação-integrativa, atualmente de uso corrente”.
195
O artigo 133 do Código Comercial de 1850 assentava que, “[...] omitindo-se na redação do
contrato cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao
que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução do contrato”.
196
Nesse sentido, ver Forgioni (2015b, p. 233).
156
197
Conforme Forgioni (2015b, p. 234), “Os pontos a serem completados geralmente desempenham
função econômica importante no negócio celebrado, revelando-se indispensáveis para o sucesso do
empreendimento comum. Exemplo clássico é a cláusula de estoque mínimo, mediante a qual se
atribui ao fornecedor a faculdade de, durante a vida do contrato, estabelecer ou alterar a quantidade
de bens que o distribuidor deverá manter em estoque. A função econômica dessa estipulação
relaciona-se ao bom atendimento ao consumidor; se não encontrar o produto no estabelecimento do
distribuidor, poderá dirigir-se àquele do concorrente” (grifos do autor).
157
198
Konder (2006, p. 194) conclui que “Não é consentido ao intérprete ignorar que o regulamento de
interesses estabelecido entre as partes teve em consideração outras regras instituídas em outro
negócio. Ou melhor, o intérprete deve identificar que a composição de interesses que foi firmada
transcende o contrato singular em exame; este é apenas parte de uma regulamentação mais ampla”.
199
Pontes de Miranda (2012, p. 239) esclarece que “[...] a unidade do contrato, ou de outro negócio
jurídico, não pode ser em relação ao ato da conclusão ou à instrumentação; nem ao conteúdo do
negócio jurídico (seria unitariedade); nem à dependência recíproca das manifestações de vontade (há
uniões de negócios jurídicos com dependência daquelas). E sim em relação ao trato do negócio
jurídico, dizendo-se também único o negócio jurídico ou contrato, quando há nele elementos de
diferentes tipos de negócios jurídicos, inclusive de negócios jurídicos atípicos, suscetíveis de serem
suporte fáctico de regras jurídicas especiais, mas subordinados à especificidade preponderante e ao
fim comum do negócio jurídico complexo (= misto)”.
200
Diz-se de que não é outorgado de forma definitiva tal poder, pois, em tese, se as partes
determinarem que se trata de uma unidade contratual ou de uma pluralidade e tal circunstância não
for contrária a normas cogentes nem a interesse de terceiros, pode-se entender que se estaria no
âmbito da autonomia privada.
201
Nesse sentido, Varela (2000, p. 285), diz que “Não são as partes que decidem, dentro ou fora das
cláusulas do contrato, sobre a qualificação singular ou plural do acordo que estabeleceram. Mas é
sobre a natureza do acordo por elas estabelecido, à luz do pensamento sistemático denunciado na
classificação e definição dos diferentes contratos típicos, que as dúvidas na matéria hão de ser
solucionadas”.
158
202
Pontes de Miranda (2012, p. 240), trata-se de contrato “único”, “quando há nele elementos de
diferentes tipos de negócios jurídicos, inclusive de negócios jurídicos atípicos, suscetíveis de serem
suporte fáctico de regras especiais, mas subordinados à especificidade preponderante e ao fim
comum do negócio jurídico complexo”.
203
Segundo Varela (2000, p. 285), “Para que as diversas prestações a cargo de uma parte façam
parte de um só e o mesmo contrato, e não de dois ou mais contratos, é necessário que eles integrem
um processo unitário e autônomo de composição de interesses”.
204
Hironaka (2006, p. 121) propõe que, “Se os contratos mistos são aqueles que resultam da
combinação de elementos de diferentes contratos, formando uma espécie contratual, não
esquematizada em lei e se desta combinação de elementos de diferentes contratos, resulta uma
unicidade que é o que, afinal, claramente os caracteriza, não há razão para confundir os contratos
mistos — assim definidos —, com os contratos coligados, uma vez que, nestes, não se combinam
elementos de vários contratos, simplesmente, mas o que se dá é a combinação de contratos
completos. Por isso, nos contratos coligados há uma pluralidade de contratos, e a combinação deles
não resulta, como nos contratos mistos, numa unicidade”.
205
Tais itens propostos por Varela (2000, p. 285).
206
Marino (2009, p. 119) propõe as seguintes coordenadas a fim de qualificar determinada fattispecie
contratual como contrato único ou coligação entre contratos: “(i) os limites dos tipos contratuais de
referência, sejam eles legislativos ou sócio-jurisprudenciais; (ii) a participação de diversos centros de
interesse na relação jurídica ou nas relações jurídicas envolvidas; e (iii) unidade ou diversidade
instrumental, temporal e de contraprestação. Importante ressaltar que tal distinção se faz entre
contrato único e contratos coligados, e a distinção que se faz no presente trabalho é entre contratos
complexos e coligados (pluricontratualidade)”.
159
parte. Nesse caso, será naturalmente de presumir, até prova em contrário, que as
partes quiseram realizar um só contrato (embora, talvez, de caráter complexo).207
Francisco M. de B. P. Coelho (2014, p. 139), nesse sentido, faz menção a
nexos “intranegociais” como “nexos que exprimem uma unidade negocial, na medida
em que se reportam a relações (entre prestações ou efeitos negociais) próprias de
um contrato “unitário”, tal é a estreita solidariedade que, por via delas, estabelece-se
entre essas prestações ou efeitos.
A coordenada unidade ou pluralidade da contraprestação está relacionada
com a coordenada unidade ou pluralidade do esquema econômico subjacente, pois
é exatamente no sistema econômico que a relação negocial se dá por excelência e
que o acoplamento com os demais sistemas, com o ambiente, se dá pela linguagem
contratual. Assim, se ocorrer uma pluralidade de contraprestações, a princípio,
haverá uma pluralidade de esquemas econômicos. Da mesma forma, se houver
mais de um esquema econômico, então pode haver contraprestações diversas.
Contudo, não se pode ter isso como regra estanque. Tais coordenadas não
são interpretáveis de forma única. A título de exemplo, pode ocorrer uma única
contraprestação. Mas o esquema econômico requerer garantia; e, a depender desta
(se pessoal, se real, se por terceiros etc.), o contrato se manterá em unidade ou não.
A coordenada limites dos tipos contratuais legais, sociais
(sociojurisprudenciais) contratuais envolvidos (se existirem tais tipos envolvidos) está
relacionada com a maior ou menor flexibilidade do tipo legal ou sociojurisprudencial
envolvido; noutros termos, envolve saber se os elementos categoriais são flexíveis
para suportar que outros elementos se somem ao programa contratual sem que,
com isso, seja necessário formar uma relação contratual distinta.208
Quanto à coordenada unidade ou diversidade instrumental, conforme exposto,
o fato de existirem dois ou mais instrumentos não tem o condão de definir a unidade
ou pluralidade contratual. Trata-se de mero indicativo. Além disso, não cabe às
partes definir a unidade ou pluralidade do negócio. Mas se não ferir imperativos
207
Betti (2008, p. 429) esclarece que “[...] a unidade do negócio não é comprometida pelo fato de
diversas declarações, reunidas na unidade do negócio, produzirem consequências jurídicas próprias
de cada uma delas, quando essas consequências sejam de caráter secundário, preliminar e
preparatório, desde que seus efeitos jurídicos propriamente correspondentes aos fins do negócio,
estejam, unicamente, ligados ao conjunto de declarações assim reunidas”.
208
Marino (2009, p. 120) explica que “[...] há determinados tipos de coligação contratual em que a
qualificação como contrato único é afastada, de plano, tão só em virtude dos limites do tipo ou dos
tipos contratuais de referência”.
160
209
Nesse sentido, ver Marino (2009, p. 122).
161
princípios, as cláusulas gerais e as regras legais (quando incidentes) para que possa
ser realizada a interpretação sistemática fundada na concreção.
Portanto, tais pautas de argumentação que serão instrumentais à
interpretação dos contratos complexos e dos coligados se aproximam da ideia da
tópica, dos topoi — conforme ensina Martins-Costa (2015, p. 182):
210
Segundo Vicenzi (2011, p. 107), “[...] mais do que uma simples operação exegética, a
interpretação do contrato diz com a pesquisa das razões de cada cláusula no contexto do
regulamento contratual, uma vez que imprescindíveis são as circunstâncias nas quais o contrato é
posto a operar, as situações pressupostas pelas partes e o comportamento dos sujeitos durante as
tratativas, conclusão e execução do contrato. Tal atividade, longe de ser limitada às hipóteses de
obscuridade da linguagem contratual, constitui, pelo contrário, a premissa de cada análise que tenda
a delimitar conteúdo de prestações deduzidas no contrato, para dirimir as controvérsias que dele
próprio provém”.
163
correspondência e, por tal razão, em situações que requeiram decisões, não será
possível encontrar a solução mediante uma atividade de índole sistemático-dedutiva;
outros raciocínios devem ser convocados (MARTINS-COSTA, 2015).
Concreção, conforme Martins-Costa (2008, p. 486),
211
Conforme Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 169) “Há que se destacar a importância e a
necessidade da concreção da norma geral e abstrata para que ela possa alcançar o inteiro teor da
sua juridicidade”.
168
212
O Código Civil, ao imprimir a regra geral da liberdade das formas, permitiu a declaração tácita e o
comportamento expressivo ou concludente como formas de exteriorização da autonomia privada.
213
No dizer de Marino (2011, p. 81), “Parece bastante claro que as declarações enunciativas,
enquanto formas representativas, isto é, meio pelos quais o declarante alcança a sensibilidade e a
inteligência alheias, também devem ser interpretadas. Por outro lado, não se pode olvidar que a
diferença de função entre tais normas representativas — função meramente semântica ou
comunicativa, nas declarações enunciativas, função também teleológica, nas declarações preceptivas
— acarreta a necessidade de considerar critérios hermenêuticos distintos”.
169
214
Nas palavras de Martins-Costa (2008, p. 486), “A concreção é um método hermenêutico pelo qual
as normas de dever-ser consideradas como ‘modelos de ordenamento materialmente determinados’
são compreendidas ‘em essencial coordenação com o caso concreto, que os complementa e lhes
garante força enunciativa’, assim se possibilitando a sua determinação ou especificação. [...] O termo
concreção designa a construção, no caso, do significado da norma jurídica (legal ou contratual)
levando-se em consideração as circunstâncias concretas do caso analisado (elementos fáticos) em
sua correlação com determinados elementos normativos, a saber, os princípios, os postulados
normativos e as regras jurídicas consideradas relevantes para aquele caso. Por essa razão,
concretizar implica sopesar os referidos elementos fáticos e normativos, de modo que ao ‘tornar
concreto’, o intérprete adota uma atitude de ordenação e de estabelecimento de relações compondo
e entretecendo elementos de ordem fática e normativa. A questão está em estabelecer como se
realiza a construção do significado por via da concreção”.
215
Freitas (2010, p. 85) entende a “[...] interpretação sistemática como operação tópica que consiste
em atribuir determinada e preferencial significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às regras
e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto”.
170
216
Konder (2006, p. 195) pondera que “A consideração dos demais contratos envolvidos pode servir a
esclarecer pontos obscuros do contrato isolado ou, ao contrário, pode deixar transparecer
contradições entre negócios que, isoladamente, pareciam claros — o dever de prover uma
interpretação condizente com a modalidade negocial, contudo, persiste”.
172
217
Nesse sentido, vide Martins-Costa (2015, p. 574).
218
Conforme a citação da autora, a obra de Scognamiglio é Interpretazione del contrato e interessi dei
contraenti, Pádua, CEDAM, 1992, p. 1.
174
diria Luhmann (2016, p. 124) —, “[...] fatos passados ou futuros podem receber
significados no tempo presente. Desse modo, o sistema ganha em capacidade de
sincrozinação”.
Nesse mesmo sentido, conforme Vicenzi (2011, p. 34),
219
Luhmann (2016, p. 469) diz que “[...] formulamos o conceito da argumentação de maneira
completamente independente da pergunta sobre as tão boas razões, com o auxílio de três distinções:
1) operação/observação; 2) auto-observação/hetero-observação; 3) controverso/incontroverso”.
177
220
Nesse sentido, vide, a título de exemplo, os artigos 24, 74 (parágrafo único), 94, 111, 113 133,
138, 142, 151 (parágrafo único), 152, 156 (§ único), 188 (II), 223 (§ único), 233, 311, 320 (§ único),
327, 427, 429, 500 (§ único), 569 (i), 690, 765, 766, 869 (§ 1º), 953 (§ único), 974 (§ 1º), 1297, (§ 1º),
dentre outros.
221
Ávila (2014, p. 163–5) explica ainda que os postulados normativos aplicativos são normas
imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano
do objeto da aplicação. Assim, qualificam-se como normas sobre a aplicação de outras normas, isto
é, como metanormas.
179
222
Para Vicenzi, (2011, p. 33) “A relação jurídica nascida de um contrato deve ser interpretada,
sempre de forma objetiva, segundo a autonomia privada, referida à coerência entre os interesses
visados e os princípios da política jurídica”.
180
223
Apelação n. 994.09.339794-0, julgada em 8 de abril de 2010, com relatoria do desembargador
Enio Zuliani.
224
Nesse mesmo sentido, vide a Apelação com Revisão TJSP nº 0610706-58.1998.8.26.0100, cujo
relator foi o desembargador Luis Fernando Nishi: “E, portanto, como bem anotado pelo julgador: ‘A
escolha dos requerentes pelo investimento no empreendimento das rés foi acompanhada de má
avaliação dos riscos do empreendimento que lhes estava sendo oferecido. A própria novidade
representada pelo direcionamento das vendas para atacadistas e revendedores em sistema de
shopping center já deveria produzir um alerta para os lojistas. Não há prova nos autos que se trata de
experiência testada e aprovada no mercado em que seria implantado o empreendimento, o que por si
só já recomenda cautela’” (fls. 1468). Ainda que, por hipótese, tenha havido certo exagero na oferta
por parte do empreendedor, isso obviamente não pode ser tido senão como o que a doutrina costuma
denominar de “dolus bonus”, que é tolerado, porque sua verificação não exige senão uma prudência
ordinária e prática comum de negócios para ser evitado.
181
225
Baseado nas colocações de Giddens (1991 p. 42), que não concorda de todo com a posição de
Luhmann, pois entende que a confiança é muito mais um estado contínuo do que a proposição de
Luhmann implica. Para ele, “[...] em condições de modernidade, a confiança existe no contexto de: (a)
a consciência geral de que a atividade humana — incluindo nesta expressão o impacto da tecnologia
sobre o mundo material — é criada socialmente, e não dada pela natureza das coisas ou por
influência divina; (b) o escopo transformativo amplamente aumentado da ação humana, levado a
cabo pelo caráter dinâmico das instituições sociais modernas. O conceito de risco substitui o de
fortuna, mas isto não porque os agentes nos tempos pré-modernos não pudessem distinguir entre
risco e perigo. Isto representa, pelo contrário, uma alteração na percepção da determinação e da
contingência, de forma que os imperativos morais humanos, as causas naturais e o acaso passam a
reinar no lugar das cosmologias religiosas. A ideia de acaso, em seus sentidos modernos, emerge ao
mesmo tempo que a de risco”.
226
Grau et al. (2005 p. 283) postulam que “[...] são os empresários que, no quadro do direito
mercantil, criam as fórmulas adequadas à solução de seus problemas concretos. Por isso Chiovenda
(in Instituizoni di diritto processuale civile, vol. I, Napoli, Jovene, 1933, p. 88) chamava a atenção para
o fato de que, por trás de cada negócio, há uma racionalidade própria incrustrada no bojo do sistema
jurídico: as partes não estipulam contratos pelo mero prazer de trocar declarações de vontade, mas
tendo em vista certas finalidades, por conta delas estabelecendo relações recíprocas”.
182
227
Em parecer fundamentado em Betti, Larenz e Menezes Cordeiro
228
É comum verificar a definição de termos como dia útil, ano calendário, dentre outros.
229
Nesse sentido, vide Martins-Costa (2015, p. 286 et seq.).
184
230
Comiran (2011, p. 621) assevera que “[...] somente assim, e com o auxílio dos usos, será possível
atender à intenção consubstanciada pelas partes (ar.112, CC/2002), sempre analisando as
circunstâncias do caso, mas, na sua insuficiência, buscando a solução no modelo consuetudinário
incidente naquela hipótese”.
185
Exemplo citado por Grau e Forgioni (2005, p. 273 et seq.) do uso comercial é
o das cláusulas de não concorrência ou de não restabelecimento. Muito utilizadas
pelo mercado, possuem uma função típica reconhecida por qualquer agente
econômico e que deve ser considerada e orientar a exegese contratual. Sendo a
empresa atualmente encarada também como uma teia de contratos (lato sensu), de
relações mantidas com fornecedores, clientes, empregados, distribuidores etc., a
referida cláusula tem por finalidade permitir que essa organização passe a ser
231
Marino (2011, p. 189) cita Larenz (Derecho civil) em sua crítica à posição de Flume (El negocio
jurídico), que entendia que, no caso de indivíduos pertencentes a ramos diversos (comerciantes e
não comerciantes, por exemplo) e de usos existentes em um dos ramos, ou de usos diversos de cada
um deles, é problemático aplicar tais usos como fator de interpretação. Em geral, só se poderá
afirmar que o comportamento habitual existente no âmbito profissional de uma parte é invocável em
prejuízo dessa parte, mas não no da parte cujo círculo não contenha tal comportamento. A crítica de
Larenz tem por fundamento entender o critério proposto por Flume muito geral, tendo em mente as
possibilidades de conhecimento do destinatário da declaração, pois se o destinatário sabe que o
declarante pertence a outro ramo negocial, ou se tem motivos para supor que ele possa ter atribuído
à declaração sentido distinto, deve averiguar o que o declarante pretendeu dizer, tendo por base as
circunstâncias que possa conhecer.
186
232
Forgioni (2015a, p. 142) assevera que “[...] a aplicação do direito brasileiro não pode abraçar
princípios diversos daqueles cristalizados em nosso ordenamento jurídico, sob pena de dar lugar a
açodado transplante, incompatível com nossa realidade”.
187
233
O autor explica que, “[...] como o pluralismo é irreversível, um consenso em escala mundial sobre
visões de mundo e valores improvável, e toda Weltanschauungen ainda existente, baseada com
188
O diálogo com a doutrina se faz necessário. O tão falado “diálogo” das fontes
tem que ter um intérprete intermediador, que não pode ser outro senão quem se
incumbe da doutrina. Mas a doutrina não pode exercer um papel simplista. Ávila
(2011, p. 15–6)234 bem retrata essa necessidade:
firmeza em suas respectivas tradições culturais (de maneira mais correta, nas suas respectivas
institucionalizações autônomas de poder), a comunicação entre tradições se torna o maior problema
do nosso tempo. Ele já não parece mais temporário, não se pode esperar que seja resolvido ‘de
passagem’ por uma espécie de conversão maciça, garantida pela marcha incontida da Razão. Em
vez disso, é provável que permaneça conosco por muito tempo (a menos que sua longevidade seja
abreviada de forma drástica pela ausência de um tônico apropriado). Portanto, o problema clama,
com urgência, por especialistas em tradução entre tradições culturais. E coloca-os em lugar dos mais
centrais entre os peritos que a vida contemporânea possa exigir. Trocando em miúdos, a
especialização proposta se resume à arte da conversação civilizada. Este é, naturalmente, um tipo de
reação, ao conflito permanente de valores para o qual os intelectuais, graças às suas habilidades
discursivas, estão mais bem preparados”.
234
“Notas sobre o papel da doutrina na interpretação. Conversa sobre a interpretação do direito”, set.
2011.
189
4.2 A Metacontratualidade
235
Nesse sentido, Reale (1992 p. 243) afirma que: [...] a liberdade do intérprete fica, em suma,
sempre contida nos limites de uma “estrutura objetivada”. A limitação do poder do intérprete não
resulta, pois, de eventual deficiência ou carência de meios de pesquisa, mas é uma condição inerente
à natureza mesma do ato interpretativo: a atividade interpretativa, em verdade, tem como um de seus
princípios essenciais o da fidelidade ao esquema ou estrutura objetivada, em função da qual pode se
mover o investigador com relativa liberdade, desde que não desnature ou deforme a estrutura
objetivada a que se acha vinculado.
193
236
Consta do anexo 1 deste trabalho o inteiro teor da decisão monocrática do recurso especial
1.206.723/MG (2010/0139018-0) e a ementa da decisão do agravo regimental no recurso especial
1.206.723. O inteiro teor do referido recurso encontra-se disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201001390180&dt_publicacao=11/1
0/2012>.Outros recursos e medidas judiciais foram apresentados em face da referida decisão, que foi
mantida.
196
Vale ressaltar que, se não fosse pelo STJ, não se teria tal decisão, pois o
TJMG não havia privilegiado o entendimento do caso segundo a relação contratual
complexa, que inclui a coligação contratual. A fim de reformar a decisão monocrática
proferida em recurso especial, o locatário apresentou recursos e medidas judiciais
diversos, dentre os quais: agravo regimental no recurso especial, embargos de
declaração, embargos de divergência, agravo nos embargos de divergência, recurso
extraordinário (ao STF) e ação rescisória. Mas não logrou êxito.
Convém dizer que, além de discussões de caráter formal, discutiu-se a
eventual incidência das súmulas 5 e 7 do STJ.237 No voto vencedor prolatado no
Agravo Regimental no Recurso Especial, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho
assim asseverou (fls 13):238
237
Súmula 5: “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. Súmula
07: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
238
Para consultar o referido voto, ir para:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201001390180&dt_publicacao=11/1
0/2012>.
198
239
A íntegra do voto e o inteiro teor do referido recurso estão disponíveis em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201001390180&dt_publicacao=11/1
0/2012>.
199
240
A íntegra do voto e o inteiro teor do referido recurso estão disponíveis em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201001390180&dt_publicacao=11/1
0/2012>.
200
241
Conforme informação disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4578945>. Acesso em:
7 dez. 2016).
242
Constam do anexo 2 deste trabalho a ementa e acórdão da decisão monocrática do recurso
especial n. 985.531/SP (2007/0221223-2), bem como a ementa da decisão do embargos de
divergência no recurso especial n. 985.531/SP (2007/0221223-2). O inteiro teor do voto do recurso
especial 985.531/SP (2007/0221223-2) encontra-se disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200702212232&dt_publicacao=28/1
0/2009>.
201
243
Disponível no site:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200702212232&dt_publicacao=28/1
0/2009>.
202
244
Consta do anexo 3 deste trabalho o inteiro teor da decisão monocrática do agravo em recurso
especial n. 218.620/RJ (2012/0170749-0), bem como a ementa da decisão do agravo interno no
agravo em recurso especial 218.620/RJ (2012/0170749-0). O inteiro teor do voto do agravo interno no
agravo em recurso especial 218.620/RJ (2012/0170749-0) está disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201201707490&dt_publicacao=28/1
0/2016>.
203
245
Encontra-se no anexo 4 a ementa e acórdão do recurso especial n. 1.602.076/SP (216/0134010-
1). Inteiro teor disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201601340101&dt_publicacao=30/0
9/2016>.
204
246
Conforme voto (inteiro teor da decisão) disponível:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201601340101&dt_publicacao=30/0
9/2016>. Acesso em: 7 dez. 2016.
247
Conforme voto (inteiro teor da decisão) disponível:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201601340101&dt_publicacao=30/0
9/2016> Acesso em: 7 dez. 2016.
206
Fazer isso requer retomar, ou melhor, reforçar, o diálogo com a doutrina, o que
demanda dedicação e disponibilidade de tempo.
Não se perde de vista a realidade de nosso país, com milhares de processos
à espera de julgamento, mas não se pode buscar uma solução para tal questão que
o Judiciário enfrenta, impondo regras, tais como as que emanam das Súmulas 5 e 7,
que impedem que processos que requeiram a análise da aplicação e da
interpretação do contrato em conformidade com a lei, pelo Superior Tribunal de
Justiça, não tenham tal acesso a tal órgão. Esse impedimento parece ferir a própria
razão de ser de tal órgão superior, prevista na Constituição Federal.
Além disso, ainda se verifica nos tribunais judiciais uma tendência ao
protecionismo exacerbado da parte que, aos olhos de tais órgãos, possa ser
considerada vulnerável. O julgado apresentado como caso 4 demonstra
preocupação para todos os que militam na área do direito contratual ao se verificar a
decisão que considerou nula a cláusula compromissória arbitral num contrato de
franquia. Considerar empresários como vulneráveis numa relação complexa como é
a do sistema de franquias parece contrariar todo esse sistema focado na
colaboração, no fortalecimento de uma rede de franquias, por todos que a integram.
Aliado à inaptidão do Judiciário em lidar com o tempo real que o mundo atual
e globalizado requer e às dificuldades de um sistema atolado e obstruído por um
número de processos superior à sua capacidade,248 tal protecionismo, por vezes
exacerbado, impacta na convivência entre os sistemas jurídico, econômico e político.
Dentre outros efeitos desse impacto, o particular, em especial o empresário que
celebra contratos complexos, passa a buscar outras formas de composição, seja de
autocomposição, seja pela via arbitral. Convém consignar que tais considerações
não são direcionadas ao juiz ou à sua capacidade técnica de decisão. São
direcionadas — isso sim — ao Judiciário, ao processo judicial. Mesmo com sua
248
Conforme as colocações de Faria (1996, p. 163) acima transcritas, o Judiciário não tem aptidão
para atender às lides no tempo que precisam ser atendidas, que é o tempo real; além disso, não
dispõe de meios técnicos (inclusive peritos, contadores, pesquisadores) para auxiliar na interpretação
de tais lides. Quem milita perante o Judiciário pátrio bem conhece o tempo e os percalços que, por
exemplo, uma perícia técnica pode envolver, entre nomeação de perito (que nem sempre tem a
aptidão técnica para aquele caso, mas é o perito de nomeação do juiz), apresentação de quesitos,
indicação de assistentes, a perícia propriamente dita, apresentação de laudo, impugnação de laudo,
laudo complementar, todos estes atos permeados por juntadas de petição, remessa do processo ao
juiz, que devolve para as partes se manifestarem. Noutros termos, o processo judicial tem o seu
tempo diferido. As decisões estão em discordância com o tempo que a sociedade contemporânea
complexa, em especial no campo negocial, exige.
209
249
Grossi (2010 p. 77) afirma que “A práxis econômica (em primeira linha, sobretudo, as grandes
transnational corporations, e, sobretudo, norte-americanas ou de irradiação norte-americana), com o
auxílio de aparelhados consultores jurídicos (em primeira linha, sobretudo, as grandes empresas
profissionais, as law firms, e sobretudo, norte-americanas ou de irradiação norte-americana),
produzem para os seus objetivos e no seu âmbito de um direito novo, o qual, na eventualidade de
uma controvérsia, não encontrará tutela e, portanto, possibilidade de aplicação graças aos juízes dos
Estados e às suas sentenças, mas sim graças a árbitros e a decisões arbitrais, ou seja, a juízes
privados aceitos pelas partes desde o momento de subscrição do contrato. Árbitros, ou seja, juízes
privados, quase sempre grandes juristas escolhidos devido a sua preparação, cultura, sensibilidade e
munidos de uma grande prestígio em nível internacional”.
250
Wald, no artigo “A arbitragem e os contratos empresariais complexos” (2005, p. 15) expõe que:
“Essa função altamente construtiva do árbitro se distingue, pois, da desempenhada pelo Poder
Judiciário, tanto pelas exigências dos clientes, como pela necessidade de compreender a visão dos
problemas de cada um deles e de conciliar as pretensões de ambos, considerando suas respectivas
perspectivas. Há, pois, uma diferença entre o juiz e o árbitro no modo de julgar os conflitos entre as
partes. A escolha da arbitragem pelos interessados revela que querem ser julgados por alguém que
tenha experiência nos negócios, tendo um modo próprio de fazer prevalecer a justiça, dando ao
direito maior flexibilidade”.
210
251
Timm e Rodrigues (2009 p. 74) dizem que o “Poder Judiciário é ineficaz para dirimir lides
complexas em tempo hábil e possui características próprias, tais como a publicização de seus atos,
que não se pode evitar a fim de priorizar o interesse das partes. Não se deve esquecer ainda que a
escolha dos árbitros especialistas permite uma maior acuidade da decisão.
252
Para Giovanni Ettore Nanni (2014, p. 231), “Da fuga para o juiz, cabe falar hoje em fuga do juiz.
Diante da admissão de um árbitro para dirimir conflitos, da possibilidade de prática de atos pelos
próprios privados, como notificação, resolução do contrato, a existência pluralista de organismos que
decidem com base em seus próprios códigos deontológicos ou entidades como a Justiça Desportiva
e a Bolsa de Valores, vê-se que a lei e o juiz ficarão para os casos extremos. O paradigma jurídico,
portanto, que passara da lei ao juiz, está mudando, agora, do juiz ao caso. A centralidade do caso —
é este o eixo em torno do qual gira o paradigma jurídico pós-moderno”.
211
CONCLUSÃO
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DECISÃO
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim
ementado:
AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL — PREÇO DE MERCADO —
CONTRATAÇÃODIVERSA — NÃO EXISTÊNCIA — PROVA PERICIAL —
CRITÉRIOS OBJETIVOS — PREVALÊNCIA. O amparo legal a viabilizar o manejo
da ação revisional de aluguel está no art. 19 da Lei 8.245/91, devendo a questão ser
dirimida consoante as cláusulas contidas no contrato de locação efetivamente
firmado pelas partes. 2. O laudo pericial, produzido mediante o indispensável estudo
técnico do imóvel e do mercado imobiliário, baseado em critérios objetivos, deve
prevalecer como instrumento hábil a sustentar a fixação do valor da locação,
mormente quando não apontado consistente vício capaz de inquinar referida prova
técnica (fls. 1.223).
3) Pugna seja provido o Recurso Especial para que se reconheça que a autora não
detém legítimo interesse para propor a Revisional de Aluguel, sendo carecedora do
direito de ação, ou para que seja julgada improcedente a pretensão revisional por
ofensa ao princípio da boa-fé objetiva.
11) Com efeito, o quadro negocial revela que o imóvel, objeto da Ação Revisonal
subjacente, foi transferido à empresa do sócio retirante, conforme pactuado no
protocolo de cisão , e locado à Companhia Brasileira de Distribuição, nos termos
previamente estabelecidos no acordo de acionistas , assegurando a possibilidade da
empresa cindida continuar a exercer suas atividades nos imóveis transferidos, onde
estão instaladas grandes lojas, bem como garantiu ao sócio dissidente um
rendimento certo, representado pelo valor do aluguel acertado na ocasião, com
esteio em percentual de rendimento, limitado por um preço mínimo.
12) Logo, embora seja possível visualizar de forma autônoma cada uma das figuras
contratuais entabuladas, exsurge cristalina a intervinculação dos acordos firmados,
revelando a inviabilidade da revisão estanque e individualizada de contratos que
estão coligados por uma função econômica comum.
238
13) Cumpre, outrossim, destacar que o patrimônio vertido para a empresa, que
atualmente ostenta a razão social Comardi Comercial Ltda, foi avaliado com esteio
em critérios contábeis, consoante expressamente fixado no protocolo de cisão,
concebido para perfectibilizar a retirada do sócio Arnaldo dos Santos Diniz do Grupo
Pão de Açúcar.
15) Nesta esteira, vale frisar que, consoante disposto nos arts. 17 e 18 da Lei
8.245/91, não há empeço à livre pactuação do valor do aluguel que, a depender das
particularidades e das convenções negociais, pode fugir do parâmetro usual de
mercado.
18) A aplicação do texto da lei não deve violar a razão de ser da norma jurídica, a
fim de se preservar a mens legis que justamente inspirou a sua criação.
21) Outrossim, importa frisar que, por extrapolar os seus limites, a Ação Revisional
não comporta discussões sobre eventual desproporcionalidade originária do
contrato: essa matéria é vencida e superada.
22) Partindo das premissas expostas, é de fácil conclusão que a Ação Revisional
subjacente não se adstringe ao restabelecimento do equilíbrio econômico inicial do
contrato, ao contrário, reflete pretensão de obter a alteração do critério de
determinação do valor do aluguel, distanciando-se do parâmetros originalmente
estabelecidos.
23) Logo, se o objeto da Ação proposta refoge aos limites do art. 19 da Lei 8.245/91,
não há legítimo interesse jurídico dos autores a ser preservado,mas mero interesse
econômico.
26) In casu, é patente que Ação prevista no art. 19 da Lei 8.245/91 não foi utilizada
para manter ou restabelecer o equilíbrio inicial da locação, não sendo, portanto,
adequada à obtenção da tutela jurisdicional almejada, o que revela a falta do
interesse jurídico de agir, ante a completa inadequação da via eleita, sendo de rigor
240
27) Noutro norte, ainda que fosse possível superar a constatação de que não está
presente o interesse de agir, por a ação aviada não ser o instrumento necessário e
adequado ao fim a que se propõe, melhor sorte não socorreria a pretensão inicial,
haja vista o proeminente fundamento da desatenção ao princípio da boa-fé objetiva.
30) Como é cediço, o princípio da boa-fé objetiva impõe aos contratantes um padrão
de conduta pautada na probidade, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução.
32) Verifica-se, nesta álea, que a conduta da autora, ao tentar desvincular o valor do
aluguel, e o próprio contrato de locação, do objetivo central do avençado entre as
partes, qual seja: a operacionalização da cisão de uma empresa de grande porte,
distancia-se do arquétipo social de probidade e lealdade, de tal forma que não há
como não inquinar o seu comportamento de violador da boa-fé objetiva.
33) Com efeito, os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a
vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem
241
34) Ante o exposto, com fundamento art. 557, § 1o.-A do CPC, dá-se provimento ao
Recurso Especial para julgar extinta a Ação Revisional, sem exame de mérito, nos
termos do art. 267, VI do CPC, considerando a ausência de utilidade/necessidade
concreta do exercício da jurisdição, carecendo a parte autora de legítimo interesse
de agir.
7) A ação prevista no art. 19 da Lei 8.245/91 não foi utilizada para manter ou
restabelecer o equilíbrio inicial da locação, afetado por fatos imprevistos, não sendo,
portanto, apta à obtenção da tutela jurisdicional almejada, o que revela a falta de
interesse jurídico de agir, ante a completa inadequação da via eleita, sendo de rigor
o reconhecimento da carência de ação por ausência de interesse processual, a teor
do art. 267, VI do CPC.
ACÓRDÃO
EMENTA
ACÓRDÃO
"PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-
OCORRÊNCIA. ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. MULTA.
AFASTAMENTO. SÚMULA N. 98/STJ. AÇÃO DE COBRANÇA. CLÁUSULA PENAL.
EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO-CUMPRIDO. NÃO APLICABILIDADE. PEDIDO
CONTRAPOSTO.
1) Não há por que falar em violação do art. 535, II, do CPC nas hipóteses em que o
acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração,
dirime, de forma expressa, as questões suscitadas nas razões recursais.
28/05/1990 p. 4735)
"RESOLUÇÃO DO CONTRATO. Contratos coligados. Inadimplemento de um deles.
Celebrados dois contratos coligados, um principal e outro secundário, o primeiro
tendo por objeto um lote com casa de moradia, e o segundo versando sobre dois
lotes contíguos, para área de lazer, a falta de pagamento integral do preço desse
segundo contrato pode levar à sua resolução, conservando-se o principal, cujo preço
foi integralmente pago. Recurso não conhecido." (REsp 337040/AM, Rel. Ministro
250
"Nesse sentido, está-se admitindo, por exemplo, que se alegue que não houve
pagamento de um contrato de financiamento, porque o credor deste contrato não
cumpriu obrigação relativa ao comodato de um bem, utilizado na mesma atividade
econômica, mas sem relação de causa e efeito. A identidade de interesses, que
correspondente ao fato de a atividade econômica subjacente aos contratos ser a
mesma, não equivale e nem pressupõe a existência de obrigações correlatas e
interdependentes. Daí a necessidade de que esse E. STJ uniformize o entendimento
sobre o tema, limitando à aplicação do art. 1.092 do CC às obrigações constantes de
um mesmo contrato bilateral, caracterizadas pela reciprocidade, simultaneidade e
interdependência." (fls. 1331)
251
Ante o exposto, indefiro liminarmente os embargos de divergência (art. 266, §3º c/c o
art. 34, XVIII do RISTJ).
Publicar.
DECISÃO
Decido.
O inconformismo merece prosperar.
1) De fato, parte da matéria devolvida a este Superior Tribunal de Justiça independe
da interpretação de cláusulas contratuais e do revolvimento de provas, bastando
uma simples leitura da decisão monocrática e dos subsequentes acórdãos
proferidos pelo Tribunal de origem para aferir a ocorrência, ou não, de violação à
legislação federal.
Dessa forma, por não incidirem os referidos óbices expendidos sobre todas as teses
defendidas no recurso especial, mostra-se de rigor o exame do mérito do recurso
especial.
1) De acordo com o art. 557, § 1º-A, do CPC, o Relator poderá dar provimento ao
recurso "se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior".
2) Na hipótese, o julgamento monocrático está fundamentado apenas em julgado do
próprio Tribunal Regional Federal, o que contraria a norma em comento.
Precedentes do STJ.
Utilizar precedentes desta Corte Superior proferidos sob a ótica de uma legislação
protetiva (CDC) ou sobre contratos que possuem legislação, peculiaridades e
exames casuísticos que lhes são inerentes é, com a devida vênia ao Colegiado
local, não utilizar precedente algum. Não é demais lembrar que, no Tribunal, a regra
é o julgamento Colegiado, de modo que, para a prolação de julgamento
monocrático, os requisitos previamente estabelecidos pela lei devem ser
preenchidos.
Apenas para corroborar, cumpre destacar que enquanto o caso dos autos versa
sobre contratos complexos entabulados entre pessoas jurídicas não vulneráveis
(compra e subscrição de ações, de acionistas e de penhor de ações), os
precedentes elencados na decisão monocrática de fls. 3067/3099 versam sobre
cláusulas abusivas em contratos de plano de saúde e cláusulas potestativas em
contratos de (i) cessão de passe de jogador de futebol, (ii) locação de imóveis, (iii)
arrendamento mercantil e (iv) contrato de financiamento para construção de obra de
fornecimento de energia.
Ora, ao se limitar a invocar precedentes que não possuem pertinência temática com
o caso dos autos, é notável que os recorrentes tiveram prejuízo com a
impossibilidade de proferir sustentação oral e explicar, sob o seu ponto de vista, a
particularidade atinente ao caso dos autos, de modo a influenciar o entendimento
dos demais desembargadores que integravam a 12ª Câmara Cível do TJ/RJ.
Confira-se o teor do art. 202 do Regimento Interno do TJ/RJ, vigente à época, que
reforça esse entendimento:
OAB - EOAB: "Art. 7°. São direitos do advogado: IX - sustentar oralmente as razões
ele qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto cio
relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo
se prazo maior for concedido". (Curso de Direito Processual Civil – Meios de
Impugnação às Decisões Judiciais e Processos nos Tribunais - Volume 3. Bahia:
Editora Juspodivm, 2014, p. 591).
Percebeu-se, muito por influência de estudos alemães sobre o tema, que o conceito
tradicional de contraditório fundado no binômio "informação + possibilidade de
reação " garantia tão somente no aspecto formal a observação desse princípio. Para
que seja substancialmente respeitado, não basta informar e permitir a reação, mas
exigir que essa reação no caso concreto tenha real poder de influenciar o juiz na
formação de seu convencimento. A reação deve ser apta a efetivamente influenciar
o juiz na prolação de sua decisão, porque em caso contrário o contraditório seria
mais um princípio "para inglês ver", sem grande significação prática. O "poder de
influência " passa a ser, portanto, o terceiro elemento do contraditório, tão essencial
quanto os elementos da informação e da reação. Essa nova visão do princípio do
contraditório reconhece a importância da efetiva participação das partes na
formação do convencimento do juiz, mas a sua real aplicação depende
essencialmente de se convencerem os juízes de que assim deve ser no caso
concreto. Posturas como a do juiz que recebe a defesa escrita em audiência nos
Juizados Especiais e sem sequer folhear a peça passa a sentenciar certamente não
vai ao encontro da nova visão do contraditório. O mesmo ocorre quando
desembargadores conversam, leem, ou excepcionalmente se ausentam enquanto o
advogado faz sustentação oral perante o Tribunal. Como observa a melhor doutrina,
somente por meio de um constante e intenso diálogo do juiz com as partes se
concretizará o contraditório participativo, mediante o qual o poder de influência se
tomará uma realidade. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito
Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método; 2015, p. 83/84).
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 04 de agosto de 2016.
ACÓRDÃO
2) O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas
previstas no CDC, pois não há relação de consumo, mas de fomento econômico.
ACÓRDÃO
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