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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017.

Reitor
Ricardo Luiz Louro Berbara

Vice-Reitor
Luiz Carlos de Oliveira Lima

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação


Alexandre Fortes

Pró-Reitora Adjunta de Pesquisa e Pós-Graduação


Lúcia Helena Cunha dos Anjos

Diretora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais


Maria do Rosário Roxo

Vice-Diretor do Instituto de Ciências Humanas e Sociais


Edison Peixoto Filho

Chefe do Departamento de Letras e Comunicação


Rívia Silveira Fonseca

Vice-Chefe do Departamento de Letras e Comunicação


Gerson Rodrigues da Silva

SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017.


SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ

Editora
Tania Mikaela Garcia Roberto, UFRRJ

Organizadores do Número
João Carlos Lopes, UFRRJ
Simone Batista, UFRRJ

Assistente Editorial
Ester Souza

Capa e Projeto Gráfico


Ester Souza

Conselho Editorial
Carmen Pimentel, UFRRJ
Cláudia Finger-Kratochvil, UFFS
Elisa Abrantes, UFRRJ
Gerson Rodrigues Silva, UFRRJ
Ida Alves, UFF
Leonardo Mendes, UERJ
Marcelo Amorim, UFRN
Maria do Rosário Roxo, UFRRJ
Maria Teresa Gonçalves Pereira, UERJ
Otavio Rios Portela, UEA
Otília Lizete Heinig, FURB
Ronald Taveira, UFPI
Roza Maria Palomanes Ribeiro, UFRRJ
Victoria Wilson, UERJ
Vinícius Carvalho Pereira, UFMT

Conselho Consultivo
Cristina Elgue-Martini, Universidad Nacional de Córdoba, Argentina
Désirée Motta-Roth, UFSM
Germana Maria Araújo Sales, UFPA
Hanna Jakubowicz Batoréo, Universidade Aberta, Portugal
José Cândido de Oliveira Martins, Universidade Católica de Braga, Portugal
José Sueli de Magalhães, UFU
Leonor Scliar-Cabral, UFSC
Leonor Werneck dos Santos, UFRJ, Brasil
Maria da Conceição Coelho Ferreira, Université Lumière Lyon 2, França
María Elena Jaime de Pablos, Universidad de Almería, Espanha
Maureen Murphy, Hofstra University, Estados Unidos da América do Norte
Pedro Schacht Pereira, The Ohio State University, Estados Unidos da América
do Norte
Vera Lúcia Menezes de Oliveira Paiva, UFMG

SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017.


DLC - Departamento de Letras e Comunicação
ICHS - Instituto de Ciências Humanas e Sociais - UFRRJ
BR-465, Km 7 Seropédica - Rio de Janeiro
CEP. 23.897-000

FICHA CATALOGRÁFICA
Seda - Revista de Letras da Rural/RJ – v. 2, n. 6, set./dez., 2017. Seropédica (RJ):
Departamento de Letras e Comunicação/ICHS, 2016: quadrimestral.

ISSN: 2525-5940

I. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017.


Sumário

Dossiê: Reflexões sobre texto, ensino e letramentos


6 João Carlos Lopes
Apresentação
Simone Batista
Reflexões sobre o ensino de línguas
estrangeiras na Educação Básica - A
8 José Ricardo Dordron de Pinho
proposta da BNCC de ensino exclusivo de
uma delas é o desejo dos estudantes?

As competências nas redações do Enem:


ensino e avaliação em turmas do 3º ano do 22 Talita Barroso da Silva
ensino médio na perspectiva da avaliação Myriam Crestian Cunha
formativa
A inserção do Bacharelado em Línguas Ricardo Benevides Silva de Oliveira
Estrangeiras Aplicadas no cenário do 43 Antônio Ferreira da Silva Júnior
CEFET-RJ: histórico e papel dos idiomas Alessandra Cristina Bittencourt

Jéssica Gomes da Silva


Estrutura retórica dos abstracts 56
Tania Mikaela Garcia Roberto
Habilidades metassintáticas no
estabelecimento de relações de
74 Roza Palomanes
adversidade, causa, conclusão e
Mario Mangabeira
finalidade: uma proposta de mediação
pedagógica
Vária

Critical reflection for empowering 93 Cristiane da Silva Lopes


teachers’ practices in ELT
Você pode achar que o que conto é uma
Douglas Santana Ariston
confissão’: uma análise sobre memória 107
Sacramento Fernanda Mota
em Compaixão de Toni Morrison

Diretrizes para autores 121


Prezados Leitores da SEDA,

Apresentamos o número 6 da SEDA, um periódico que tem a proposta de divulgar


pesquisas contemporâneas na área de línguas e literaturas. Neste número, procuramos
reunir um pequeno grupo de trabalhos ocupados com o ensino e o uso da língua e das
literaturas em contexto brasileiro.
Primeiro, trazemos à reflexão uma problematização para professores das áreas de
língua e ensino na atualidade quanto à controversa Base Nacional Comum Curricular –
BNCC, publicada recentemente. Por meio de um recorte histórico do ensino de línguas no
Brasil e de pesquisa realizada com alunos da rede federal de ensino médio, o autor convida
o leitor a refletir sobre a política de ensino de línguas que a BNCC orienta.
Ainda na temática políticas linguísticas, o artigo seguinte aborda a relação entre o
Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM e as aulas de produção escrita, buscando
discutir as práticas de treinamento para o melhor desempenho nas provas de redação em
relação aos objetivos formativos do ensino básico.
Em se tratando de questões de formação de profissionais das línguas, você irá
encontrar reflexões sobre o Bacharelado em Línguas Estrangeiras Aplicadas, sua
construção, elaboração e importância na formação de profissionais que atuem em negócios,
mediações de conflitos e demais relações internacionais.
Com o foco em práticas docentes, o leitor se depara com o texto que defende a
importância da agência do professor em sua própria prática docente e de sua atenta escuta
às necessidades contextuais de seus alunos para que a aprendizagem flua em sua aula e os
alunos sejam aprendizes ativos.
Este número traz, também, a questão de memória em Compaixão, de Toni
Morrison, renomada escritora norte-americana de obra pautada na abordagem pós-
colonialista dos eventos sócio-históricos. Assim, a obra apresenta personagens negros,
indígenas e brancos em uma relação conturbada e emblemática sobre a qual as
representações sociais podem ser estabelecidas.
Por fim, há o texto que propõe análise estrutural do gênero abstract de trabalhos
acadêmicos, em que as autoras investigam o possível comprometimento das funções
expositiva e sintetizadora desse gênero em função de sua conformidade com modelos
clássicos estabelecidos.

6
SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 6-7.
Esperamos que os artigos aqui reunidos tragam momentos de crescimento
acadêmico para estudantes e profissionais de Letras e do ensino de línguas.
Boa leitura.

João Carlos Lopes


Simone Batista
Os organizadores

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 6-7.
Reflexões sobre o ensino de línguas estrangeiras na Educação Básica -
A proposta da BNCC de ensino exclusivo de uma delas é o desejo dos
estudantes?

José Ricardo Dordron de Pinho 1

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo comprovar se os estudantes do Ensino Médio estão a favor da
proposta da BNCC (2017) de se oferecer apenas uma língua estrangeira na escola e que tal língua
seja, de maneira obrigatória, o inglês. Para tanto, foram entrevistados 220 estudantes do Colégio
Pedro II, ingressantes no nível analisado, para o qual o colégio oferece três opções de línguas
estrangeiras. No questionário, foi perguntado aos estudantes que língua escolheram, por que a
escolheram e o que acham da possibilidade de decidir que língua vão estudar. Também
consideramos a experiência prévia dos mesmos com relação às aulas de línguas estrangeiras. Como
resultados, observamos que os estudantes valorizam a possibilidade de escolher a língua objeto de
estudo e que há público para várias línguas; além disso, há estudantes que consideram pouco
estudar uma única língua estrangeira.

Palavras-chave: Ensino de Línguas. BNCC. Expectativas Discentes.

Reflexiones sobre la enseñanza de lenguas extranjeras en la Educación Básica - ¿La


propuesta de la BNCC de enseñanza exclusiva de una de ellas es el deseo de los
estudiantes?

RESUMEN
Este trabajo tiene por objetivo comprobar si los estudiantes de la Enseñanza Media están a favor de
la propuesta de la BNCC (“Base Nacional Comum Curricular” - 2017) de que se ofrezca tan solo
una lengua extranjera en la escuela y que tal lengua sea, de manera obligada, el inglés. Para tanto, se
entrevistaron 220 estudiantes del Colegio Pedro II, ingresantes en el nivel analizado, para el cual el
colegio ofrece tres opciones de lenguas extranjeras. En el cuestionario, se les preguntó a los
estudiantes qué lengua escogieron, por qué la escogieron y qué piensan de la posibilidad de decidir
qué lengua van a estudiar. También tuvimos en cuenta la experiencia previa de los estudiantes en
cuanto a las clases de lenguas extranjeras. Como resultados, se observa que los estudiantes valoran
la posibilidad de elegir la lengua objeto de estudio y que hay público para varias lenguas; además,
hay estudiantes que consideran poco estudiar una única lengua extranjera.

Palabras clave: Enseñanza de Lenguas. BNCC. Expectativas Discentes.

1 INTRODUÇÃO

O ensino de línguas estrangeiras, no Brasil, foi marcado por períodos em que a


importância dada a elas variou de um extremo a outro: no começo do século XX,
1 Doutor em Língua Espanhola (UFRJ); Professor do Colégio Pedro II. E-mail: ricardodordron@gmail.com.

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 8-21.
ensinavam-se várias línguas; já na segunda metade desse século, porém, os documentos
oficiais sequer mencionavam a referida disciplina. No entanto, sempre que se falou de
ensino de línguas, foi considerada a necessidade de se ensinarem diversas delas, ainda que
os estudantes só pudessem estudar uma. Tal visão era a recomendada pelos documentos
oficiais mais recentes. No entanto, de forma bastante repentina, a nova proposta da BNCC,
que passará a vigorar em breve, propõe o ensino exclusivo do Inglês.
Este trabalho tem por objetivo identificar se a proposta da BNCC coincide com as
opiniões do público discente, a partir da aplicação de um questionário a alunos ingressantes
no Ensino Médio do Colégio Pedro II. Buscam-se as razões pelas quais os estudantes
optam por determinada língua – e se consideram que apenas uma é suficiente. Antes de
apresentarmos a metodologia de aplicação do questionário e a análise de seus resultados,
traçamos um panorama histórico do ensino de línguas no Brasil, a fim de identificarmos os
valores atribuídos a elas ao longo do tempo.

2 BREVE PANORAMA HISTÓRICO SOBRE O ENSINO DE LÍNGUAS


ESTRANGEIRAS NO BRASIL

Para este breve panorama histórico sobre o ensino de línguas estrangeiras no Brasil,
tomamos como ponto de partida o início do século XX e a situação vivenciada na época
pelo Colégio Pedro II, considerado, no período em questão, o colégio padrão do Brasil.
Por essa razão, “seu programa servia como modelo de educação de qualidade para os
colégios da rede privada que solicitavam ao Ministério da Educação brasileiro o
reconhecimento de seus títulos justificando a semelhança de seus currículos com os do
Colégio Pedro II”. (MARTÍNEZ-CACHERA, 2008, p. 53). O colégio tinha autonomia
para selecionar suas disciplinas e seus conteúdos, ou seja, ele próprio determinava as
línguas a serem estudadas lá. Dessa forma, o Inglês e o Francês sempre estiveram
presentes, desde a sua fundação, em 1837; o Alemão foi ensinado na maior parte do tempo;
com uma presença mais limitada, ensinou-se o Italiano e, de forma ainda mais discreta, o
Espanhol. Além dessas, também eram ensinadas línguas clássicas: o Latim e o Grego. Vale
ressaltar que as línguas ocupavam boa parte da carga, uma vez que várias línguas eram
estudadas de maneira concomitante.
Em 1931, realizou-se a primeira reforma educacional de caráter nacional, como
atesta o site HELB (História do Ensino de Línguas no Brasil). A reforma se denominou
Reforma Francisco de Campos, por ter sido realizada pelo referido Ministro da Educação e

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 8-21.
Saúde. Segundo HELB, a reforma, quanto às línguas, excluiu as línguas clássicas e incluiu
três línguas vivas no seu currículo: Inglês, Francês e Alemão.
Já em 1942 foi levada a cabo a Reforma Capanema, pelo então Ministro da
Educação Gustavo Capanema. O objetivo da reforma era reestruturar a educação nacional
por um conjunto de medidas conhecidas como Lei Orgânica do Ensino Secundário,
promulgada em 09 de abril de 1942. Houve um total, inicialmente, de quatro decretos-lei,
sendo 3 de 1942 e 1 de 1943. De acordo com Lombardi, Saviani e Nascimento (2006),
houve mais cinco decretos-lei, todos de 1946. O que nos interessa é o Decreto-lei n. 4.244,
de 09 de abril de 1942, que reorganizou o ensino secundário.
No que se referia ao ensino de línguas estrangeiras modernas, o Decreto-lei n. 4.244
manteve a obrigatoriedade do Inglês e do Francês e substituiu o Alemão pelo Espanhol.
Vale mencionar que o Alemão e o Italiano foram mencionados no corpo da lei, mas apenas
para apresentar a impossibilidade de sua presença dado o estudo das outras três. Além das
três línguas estrangeiras modernas, seriam ensinadas, também, duas línguas clássicas: o
Latim e o Grego. Apesar de cinco línguas serem obrigatórias, a carga de cada uma delas era
diferenciada.
As determinações da Reforma Capanema perderam sua validade no ano de 1961,
quando se promulgou a 1ª Lei de Diretrizes e Bases. Desde a Constituição de 1934 já se
previa uma reforma no sistema educacional brasileiro, mas ela só veio a se efetivar em
1961, “quase trinta anos depois do previsto”. (Martínez-Cachero, 2008, p. 57). A efetivação
se deu por meio da Lei 4.024, conhecida como a 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(1ª LDB), que foi promulgada no dia 20 de dezembro de 1961.
Como visto também em Martínez-Cachero (2008, p. 57), “a LDB estabelece que as
matérias obrigatórias são determinadas pelo Conselho Federal de Educação; as matérias
complementares, pelos Conselhos de Educação dos Estados e as matérias optativas, pelos
centros escolares”. As línguas estrangeiras, que tinham grande prestígio durante a Reforma
Capanema, passaram por um período de quase exclusão, uma vez que a nova lei “retira a
obrigatoriedade do ensino de LE e deixa a cargo dos conselhos Estaduais de educação a
opção pela inclusão (de uma LE) nos currículos”. (ARAUJO; PÉREZ MONTAÑÉS, 2012,
p. 242).
A LDB de 1961 não apresenta, de acordo com Rodrigues (2010, p. 16-17),
nenhuma referência ao ensino de línguas estrangeiras: “nenhuma das línguas que
compunham o currículo da Reforma de Capanema – francês, inglês, espanhol, latim ou

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grego – aparece entre as disciplinas obrigatórias do currículo nessa LDB”. As línguas
estrangeiras só não estavam completamente excluídas porque o texto da LDB
descentralizou as determinações sobre a educação no país quando criou os Conselhos
Estaduais de Educação; esses órgãos se tornaram corresponsáveis pela elaboração da
estrutura curricular com o fim de completar o quadro de disciplinas. Ao ter o poder de
determinar que disciplinas seriam incluídas como optativas, as línguas estrangeiras
acabaram sendo mantidas em algumas situações. Como afirma Rodrigues (2010, p. 17), tal
situação se manteve na maioria dos Estados pelo fato de terem organizado uma estrutura
para sua prática, dada a situação anterior à promulgação da lei.
A segunda LDB, promulgada em 11 de agosto de 1971 (Lei 5.692), na prática, é
uma continuação da anterior: “a aprendizagem de línguas estrangeiras mantém seu papel
marginal, carecendo de caráter obrigatório e sendo unicamente recomendado quando a
escola pudesse oferecer condições adequadas e eficazes para seu ensino”. (MARTÍNEZ-
CACHERO, 2008, p. 58).
O que difere uma LDB da outra está no fato de a de 1971 mencionar as línguas
estrangeiras; no entanto, de acordo com Rodrigues (2010, p. 18), a menção se dá “apenas
como sugestão de disciplina a ser escolhida pelos CEE’s para compor os currículos dos
estabelecimentos de ensino”. A situação das línguas estrangeiras apresentou uma leve
melhora em 1976, quando uma Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE)
determinou que as línguas estrangeiras voltassem a ser obrigatórias no núcleo comum da
estrutura curricular do que, na época, se chamava 2º Grau (hoje, Ensino Médio); além
disso, as línguas eram recomendadas para o então 1º Grau (nos dias atuais, Ensino
Fundamental). Como afirma Rodrigues (2010, p. 18), no entanto, não havia qualquer
referência à língua estrangeira que deveria ser estudada; dessa forma, nenhuma língua
possuía caráter obrigatório. Uma novidade da época é que o adjetivo “Moderna” foi
incluído ao se fazer referência à disciplina Língua Estrangeira, o que excluiu as línguas
clássicas.
A terceira LDB, promulgada em dezembro de 1996, finalmente retomou a
obrigatoriedade das línguas estrangeiras, mas apenas uma; uma segunda língua só seria
oferecida se a escola tivesse condições de fazê-lo. A disciplina se chamava Língua
Estrangeira Moderna e deveria ser estabelecida segundo os desejos da comunidade escolar.
Sobre o atual Ensino Fundamental, a lei diz, no artigo 26, parágrafo 5º: “Na parte
diversificada do currículo se incluirá, obrigatoriamente, a partir da quinta série (atual 6º

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ano), o ensino de ao menos uma língua moderna, cuja escolha ficará a cargo da
comunidade escolar, dentro das possibilidades do centro”. Já sobre o Ensino Médio, o
artigo 36, parágrafo 3º, estabelece que “será incluída uma língua estrangeira moderna,
como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, optativa,
dentro das possibilidades do centro”.
Com o objetivo de nortear o ensino em geral no Brasil, apesar de a 3ª LDB manter sua
validade, foram publicados alguns documentos, denominados Parâmetros ou Orientações,
que comentamos a seguir.
Em 1998, a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino
Fundamental apresenta, em sua primeira parte, justificativas para a inclusão de línguas
estrangeiras. Faz-se importante destacar que o documento menciona a dificuldade de se
oferecer mais de uma língua: “Independentemente de se reconhecer a importância do
aprendizado de várias línguas, em vez de uma única, e de se pôr em prática uma política de
pluralismo linguístico, nem sempre há a possibilidade de se incluir mais do que uma língua
estrangeira no currículo”. (BRASIL, 1998, p. 22). As razões seriam falta de professores e
número elevado de disciplinas.
Ao se considerar a língua a ser estudada, o documento sugere que se considerem os
fatores históricos, relativos às comunidades locais e relativos à tradição. Assim, vai
mostrando situações em que uma ou outra língua seria mais aceita. Nos exemplos,
aparecem inglês, espanhol e francês, além de línguas usadas em comunidades locais por
imigrantes e também por indígenas. Ainda sobre o tema, na página 40, afirma-se que é
necessário “considerar o valor educacional e cultural das línguas, derivado de objetivos
tradicionais e intelectuais para a aprendizagem de Língua Estrangeira que conduzam a uma
justificativa para o ensino de qualquer língua” e, também, “há de se considerar as
necessidades lingüísticas da sociedade e suas prioridades econômicas, quanto a opções de
línguas de significado econômico e geopolítico em um determinado momento histórico.
Isso reflete a atual posição do inglês e do espanhol no Brasil”.
Os PCN do Ensino Médio, publicados em 1999, afirmam que a falta de professores
com formação adequada e a predominância do inglês levavam ao desinteresse de estudar
outras línguas - assim, mesmo se a escola quisesse oferecer outra língua, ficava difícil.
Encontramos uma crítica ao monopólio linguístico do inglês, principalmente nas escolas
públicas: “Sem dúvida, a aprendizagem da Língua Inglesa é fundamental no mundo
moderno, porém, essa não deve ser a única possibilidade a ser oferecida ao aluno”.

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 8-21.
(BRASIL, 1999, p. 149). Apresenta-se o recente interesse pelo espanhol, mas não seria o
caso de substituir um monopólio linguístico por outro, mas apresentar mais línguas como
possibilidades. Para definir a língua, seria necessário considerar características sociais,
culturais e históricas da região - pensar “no atendimento às diversidades, aos interesses
locais e às necessidades do mercado de trabalho no qual se insere ou virá a inserir-se o
aluno”. Já que a lei prevê a possibilidade de uma segunda língua estrangeira, optativa, seria
válido “vincular tal oferta aos interesses da comunidade”. O documento apresenta uma
situação em que seria mais válido estudar Italiano do que Francês e outra em que o Alemão
se tornaria mais necessário do que o Japonês.
Em 2006, são publicadas as Orientações Curriculares Nacionais (OCEM), com duas
seções interessantes para este trabalho: uma voltada para Línguas Estrangeiras em geral e
outra específica de Espanhol; esta última se deve à promulgação da Lei nº 11.161
(05/08/2005), que “torna obrigatória a oferta da Língua Espanhola, em horário regular nas
escolas públicas e privadas brasileiras” no Ensino Médio. (BRASIL, 2006, p. 127). Esse
gesto de política linguística reflete “certo desejo brasileiro de estabelecer uma nova relação
com os países de língua espanhola, em especial com aqueles que firmaram o Tratado do
Mercosul”. Vale ressaltar que “a LDB prevê a possibilidade de oferta de mais de uma
língua estrangeira, sem nenhuma outra especificação”. (BRASIL, 2006, p. 127).
Quanto à seção de Línguas Estrangeiras em geral, fala-se sempre no plural, ainda que o
documento enfatize que apresenta resultados de levantamentos realizados para inglês;
então, é necessário que se façam “adaptações e ajustes em função das especificidades de
cada idioma estrangeiro”. (BRASIL, 2006, p. 87). O que se observa é que os temas tratados
se voltam para aS línguaS, mas as análises a partir do Inglês destacam a importância
atribuída a essa língua.
Retomando a 3ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira (1996), lembramos
que ela preconizava que o aluno teria o direito de aprender uma língua estrangeira moderna
do segundo segmento do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. A responsabilidade
sobre a escolha da língua recaía sobre a comunidade escolar. Porém, a Lei n˚13.415, de 16
de fevereiro de 2017, altera o texto do parágrafo 5 do artigo 26 da LDB; assim, a liberdade
de escolha da Língua Estrangeira Moderna a ser estudada desaparece por completo, uma
vez que se torna obrigatório o ensino de Inglês.
A Base Nacional Comum Curricular (2017), no que diz respeito aos Ensinos Infantil e
Fundamental, foi aprovada com a inclusão da obrigatoriedade exclusiva do Inglês. SE a

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escola tiver condições, pode oferecer uma segunda língua estrangeira, sendo ela,
preferencialmente, o Espanhol. A BNCC do Ensino Médio ainda não foi publicada, mas
deve apresentar o mesmo tratamento ao Inglês. A justificativa para essa obrigatoriedade é
o inglês ser considerado a língua franca dos dias atuais. (BRASIL, 2017).
Em síntese, já se reconheceu, em nosso país, a necessidade de se estudar mais de uma
língua estrangeira e, nos períodos em que apenas uma delas seria oferecida, a importância
de a comunidade escolar ter a liberdade de escolha sobre a língua a ser estudada. No
entanto, de maneira abrupta, a BNCC, de forma contrária ao que vinha acontecendo
quando da consulta popular para a sua aprovação, apresenta o estudo exclusivo do Inglês.
Tal monopólio linguístico havia sido duramente criticado pelos documentos oficiais
nacionais mais recentes. A seguir, pretendemos considerar as ideias dos estudantes sobre
ensino de línguas estrangeiras a fim de identificar se essa situação é o que corresponde às
suas expectativas.

3 METODOLOGIA

Como visto no item anterior, de acordo com a BNCC (2017), o Inglês deve ser
ofertado como língua obrigatória do 6º ano do Ensino Fundamental à 3ª série do Ensino
Médio. Outras línguas podem ser ensinadas; nesse caso, é sugerida uma preferência pelo
Espanhol. No entanto, uma segunda língua estrangeira só se fará presente se a escola tiver
condições, o que não é a realidade da maioria. Nosso objetivo neste trabalho é verificar se
a proposta da BNCC corresponde ao interesse dos discentes, ou seja, se a vontade dos
estudantes é, realmente, estudar apenas Inglês. Para tanto, aplicamos um questionário a
estudantes do Colégio Pedro II que ingressavam no Ensino Médio questionando as razões
pela escolha que fizeram de língua estrangeira – o colégio em questão oferta três opções de
línguas nesse nível; cada aluno estuda apenas uma delas durante todo o Ensino Médio.
O questionário foi aplicado aos alunos ingressantes do campus Realengo II que
compareceram à primeira aula de sua língua estrangeira no ano letivo de 2017, fosse essa
língua Inglês, Francês ou Espanhol. Contamos com um total de 220 participantes,
oriundos de escolas particulares, municipais ou do próprio Colégio Pedro II.
Antes da aplicação do questionário, foi explicado aos estudantes o objetivo da
pesquisa e nenhum deles se recusou a participar. Nenhum outro comentário foi feito, para
que não houvesse influência sobre as respostas. Os estudantes, segundo a origem, se

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distribuem da seguinte forma: 187 são oriundos do próprio colégio (85%); dos 33 que
ingressaram por concurso, 12 vieram de escolas particulares do município do Rio de
Janeiro (5%) e 21 de escolas municipais, também do Rio de Janeiro (10%). Consideramos a
origem do estudante como um fator importante, pois suas opiniões, provavelmente, estarão
pautadas em suas experiências prévias (vale ressaltar que o pequeno número de alunos
provenientes de escolas públicas e particulares se deve à redução de vagas para concurso).
A vivência prévia com língua estrangeira no Ensino Fundamental varia de escola
para escola quando se trata de particulares ou municipais. Quanto aos alunos provenientes
do Colégio Pedro II, porém, a situação é comum a todos: tiveram aulas de Inglês e de
Francês nos 4 anos do Ensino Fundamental, mas nunca de Espanhol.
Dentre os 12 alunos oriundos de escolas particulares, 9 deles estudaram Inglês e
Espanhol (75%) e 3, apenas Inglês (25%). Dos 9 alunos que estudaram Inglês e Espanhol,
apenas um teve Espanhol por 3 anos; todos os demais estudaram essa língua durante os 4
anos do Ensino Fundamental. Ao tratar dos alunos provenientes de escolas municipais, a
situação apresenta maior variedade, porém, nenhum deles estudou Francês. 12 estudaram
apenas Inglês (57%), 7 estudaram Inglês e Espanhol (33%) e 2 estudaram apenas Espanhol
(10%). É válido ressaltar que, dentre os 7 alunos que estudaram as duas línguas, o tempo
para cada uma também variou: 3 tiveram 3 anos de Inglês e 1 de Espanhol (43%); 2 tiveram
2 anos de cada língua (29%); 1 teve 1 ano de Inglês e 3 de Espanhol (14%); o sétimo aluno
não especificou.
Inicialmente, os alunos deveriam informar qual língua haviam escolhido como 1ª
opção (vale ressaltar que nem sempre a solicitação é atendida, por conta do número das
vagas para cada língua). Em seguida, foram solicitadas respostas para três perguntas,
apresentadas a seguir:

1 – Por que você escolheu essa língua?


2 – As aulas de línguas estrangeiras que você teve no Ensino Fundamental
influenciaram, de alguma forma, a sua escolha? Como?
3 – O que você pensa sobre a possibilidade de poder escolher a língua estrangeira a
ser estudada?

Antes da aplicação do questionário, foi explicada aos estudantes a natureza da


pesquisa, com as possíveis contribuições que poderia trazer.

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 8-21.
Considerando o pequeno quantitativo de estudantes oriundos de outras instituições
que não o Colégio Pedro II (fato devido, como já mencionado, à diminuição do número de
vagas para alunos novos provenientes de concurso), optamos por nos deter na análise dos
entrevistados desse colégio. A título de comparação, seria complicado falar sobre as demais
instituições; além de os estudantes terem tido vivências diferentes, representam um
pequeno quantitativo do total de entrevistados – apenas 15%. Por essa razão, os dados
relativos a esta última situação serão apresentados apenas a título de ilustração.

4 ANÁLISE DOS DADOS

Para analisar os dados obtidos em cada uma das perguntas do questionário,


apresentamos, inicialmente, a língua pela qual os estudantes optaram. A tabela 1 mostra a
preferência de língua estrangeira a ser estudada segundo a origem dos estudantes:

Tabela 1 – Escolha de línguas estrangeiras pelos estudantes segundo sua origem (CPII, escola
particular, escola municipal)

Escolas Escolas
Colégio Pedro II TOTAL
Particulares Municipais
Inglês 64 (34%) 9 (75%) 16 (76%) 89 (40%)
Espanhol 68 (36%) 3 (25%) 4 (19%) 75 (34%)
Francês 55 (30%) - 1 (5%) 56 (25%)
TOTAL 187 (85%) 12 (5%) 21 (10%) 220

A pergunta de número 1, “Por que você escolheu essa língua?”, busca levantar as
razões pelas quais cada língua é escolhida e, consequentemente, provar que o público não
deseja estudar exclusivamente o Inglês. Para a análise, consideraremos a situação de cada
língua, a partir da origem de cada grupo.
O Espanhol foi a língua preferida por estudantes oriundos do Colégio Pedro II. Ao
recordarmos que todos esses estudantes estudaram Inglês e Francês por quatro anos sem
nunca terem tido aulas de Espanhol, fica fácil entender o principal motivo por essa escolha:
dos 68 estudantes, 25 (37%) buscavam algo novo. Três razões também bastante
importantes são o simples fato de gostarem da língua (15 – 22%), não quererem estudar as
demais (14 – 21%) e quererem dominar mais línguas (10 – 15%).
Dentre as demais razões, nenhuma alcança um percentual muito alto, mas são todas
dignas de menção: com 4 votos cada uma (6%), encontram-se duas situações: a importância
da língua no mundo e a possibilidade de continuar com colegas. Com 3 votos (4%),

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aprofundar-se por já fazer curso e usar para viagens. Com 2 votos (3%), por ser
considerada mais fácil, pelo mercado de trabalho ou para currículo; e, com apenas 1 voto
(1%), 7 situações: identificação com a língua, gosto pelos países que a falam, localização
geográfica, mãe professora, morar fora, tem facilidade ou foi obrigado.
Dentre os três alunos de escolas particulares que escolheram Espanhol, as razões
são identificação, gosto pelos países e desejo de aprofundamento. Dos 4 alunos de escolas
municipais, observa-se o desejo comum de aprofundamento.
Quanto ao Inglês, língua preferida pela maioria dos estudantes ao se considerarem
todas as origens, a razão principal encontrada nos estudantes do Colégio Pedro II, quase
metade do total (27 – 42%), não se deve a uma preferência pela língua, mas sim a uma
facilidade no seu estudo. As razões com um número razoável de votos são gostar da língua
(15 – 23%), sua importância mundial (10 – 16%), o mercado de trabalho (9 – 14%) e o fato
de não precisar estudar, por já saber a matéria (9 – 14%). Dentre as opções com menos de
10%, encontram-se para filmes e séries ou música (6 – 9%), por eliminação (6 -9%), para
aperfeiçoar o que já sabe (4 – 6%), por ser a preferência dentre as opções (3 – 5%), para
vestibular, concurso ou ENEM (3 – 5%), para praticar mais a língua (3 – 5%), por ser mais
fácil (2 – 3%), para superar dificuldades (2 – 3%) e, com um voto cada opção (2%), por
gostar dos professores, por viagens e por ter sido imposto pelos pais, além de uma resposta
sem sentido (“Gosto da letra I, ela é bonita”).
Dos 9 alunos provenientes de escolas particulares que optaram por Inglês, 4
consideraram a sua importância mundial e outros 4, a facilidade com a língua. 3 querem se
aperfeiçoar. 2 consideraram o mercado de trabalho, o desejo de estudar fora e o gosto pela
língua. 1 considerou a sua utilidade.
Sobre os 16 estudantes provenientes da rede municipal, a escolha pelo Inglês se
deve, principalmente (4 estudantes), ao desejo de aperfeiçoamento. 3 consideram terem
facilidade com a língua, gostarem dela e ser a preferência entre as opções. 2 consideram
sua importância mundial e suas contribuições para filmes e séries ou música. Por fim, um
estudante fez referência a cada um dos seguintes itens: concursos (incluindo vestibular e
ENEM), pela profissão e por considerar mais fácil. Um estudante não justificou.
Por fim, chegamos à 3ª opção de língua estrangeira, o Francês. Essa língua não foi
opção de nenhum estudante de escola particular; o único estudante de escola municipal que
a escolheu o fez pelo desejo de aprender algo novo. Quanto aos estudantes do Colégio
Pedro II, que estudaram a língua por 4 anos, a principal razão foi terem gostado dela (23

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estudantes – 42%). Dentre outras razões de destaque, para dar continuidade (10 – 18%),
por ser a preferência entre as opções (10 – 18%), por conta do DELF 2 (9 – 16%), por
eliminação (8 – 15%), por ser uma oferta “exclusiva” do colégio (8 – 15%) e por ser a
opção mais cara em cursos livres (6 – 11%). Com menos de 10% dos votos, apresentam-se
as seguintes razões: currículo (5 – 9%), maior facilidade (4 – 7%), bom trabalho
desenvolvido pela equipe (4 – 7%), mercado de trabalho (3 – 6%), para continuar com
colegas (2 – 4%) e para usar no futuro (sem maiores especificações – 2 – 4%). Com apenas
um voto (2%), encontra-se cada uma das seguintes razões: morar fora, estudar fora,
dominar mais uma língua e para viajar.
Em síntese, identificamos haver público para as três línguas oferecidas pelo colégio,
além de para outras, se houvesse mais opções (quando os estudantes dizem algo do tipo:
“Opto por tal língua considerando as opções existentes”). Além disso, as razões variam
bastante. Ou seja, a proposta da BNCC não considera os anseios estudantis.
A pergunta de número 2, “As aulas de línguas estrangeiras que você teve no Ensino
Fundamental influenciaram, de alguma forma, a sua escolha? Como?”, tinha como objetivo
verificar se os estudantes reconheciam que tomaram sua decisão sobre a língua a ser
estudada com base nas experiências anteriores ou não.
Independente das respostas apresentadas, parece-nos que a simples escolha
realizada já traz uma resposta à pergunta. Como pode ser identificado na tabela 1, no
cômputo geral, a língua preferida pelos estudantes é o Inglês, seguida de perto pelo
Espanhol; em 3º lugar vem o Francês. Ao considerarmos a origem dos estudantes, porém,
observa-se uma alteração nessa ordem quando se consideram os estudantes do Colégio
Pedro II: ainda que a diferença seja pequena, o Espanhol ocupa a 1ª opção, com o Inglês na
2ª; o Francês se mantém na 3ª posição, mas a diferença entre as línguas se vê
substancialmente diminuída, o que nos leva a crer que a origem discente é um fator
determinante na escolha da língua.
A pergunta número 2 obteve um grande número de respostas “sim”, que
totalizaram 80%, o que confirma nossa hipótese. A tabela 2 indica o percentual de
respostas “sim” e “não” considerando a origem dos estudantes e a língua que escolheram.
Dentre os alunos oriundos do Colégio Pedro II, apenas 18% deles disseram que
não foram influenciados pelas aulas de línguas do Ensino Fundamental.

2O DELF é a prova realizada para obtenção do Diploma de Francês como Língua Estrangeira. O colégio
oferece um curso preparatório para a mesma, do qual só podem participar estudantes de francês.

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Tabela 2 – Respostas à possível escolha de língua estrangeira considerando as experiências prévias

SIM NÃO
CPII – Inglês 48 (75%) 16 (25%)
CP II – Francês 51 (93%) 4 (7%)
CPII – Espanhol 55 (81%) * 14 (21%) *
Município – Inglês 11 (69%) 5 (31%)
Município – Francês 1 (100%) -
Município – Espanhol 3 (75%) 1 (25%)
Particular – Inglês 7 (69%) 2 (22%)
Particular – Espanhol 1 (33%) 2 (67%)
TOTAL 177 (80%) 44 (20%)

* Um aluno respondeu com SIM e NÃO, tendo apresentado argumentos para ambas as respostas.

As justificativas do “sim” valem tanto para escolherem uma língua porque gostam
dela quanto porque não gostam das outras. No primeiro caso, os estudantes se afeiçoaram
à língua, creem que têm facilidade nela, desejam aprender mais uma língua ou pretendem
aprofundar o conhecimento que adquiriram, além de a considerarem importante no cenário
mundial. Com relação à escolha de uma língua por exclusão das demais, as justificativas se
referem ao fato de não gostarem da referida língua, terem dificuldade nela ou não quererem
iniciar o estudo de uma nova língua “do zero”.
Quanto às respostas “não”, apenas 12 dos 44 estudantes deram justificativas. A
resposta mais frequente se relaciona ao gosto pela língua (sete estudantes). Dentre os
demais, contamos com respostas individuais: um aluno mencionou que simplesmente tem
preferência por línguas latinas e outro, que tem como objetivo “músicas, séries e afins”.
Um estudante quer ampliar o domínio de línguas, um fez a escolha pela importância da
língua no mundo e o último foi obrigado pela mãe.
O que se observa dessas respostas é que, em geral, a experiência prévia é muito
importante ao decidir a língua estrangeira a ser estudada. Torna-se relevante mencionar a
língua poder ser escolhida pelo desejo de ampliar o número de línguas dominadas ou para
“fugir” de uma língua pela qual não se tem prazer.
A pergunta de número 3, “O que você pensa sobre a possibilidade de poder
escolher a língua estrangeira a ser estudada?”, tem como objetivo identificar que os
estudantes desejam ter autonomia quanto à sua formação e, portanto, terem direito de
escolher o que é melhor para si de acordo com seus planos futuros, o que se encontra
registrado nos próprios documentos oficiais.

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Como resposta à terceira pergunta, obtivemos uma resposta quase unânime, que
corresponde ao que esperávamos encontrar. Dentre os 220 participantes da pesquisa,
apenas 5 deles, correspondentes a 2% do total, não estão satisfeitos com a liberdade de
escolha. Esses cinco estudantes optaram por Inglês; como justificativa para a resposta,
alegaram que são indecisos e não sabiam exatamente por qual língua se decidir.
Os estudantes como um todo demonstraram muita satisfação em poder escolher
uma entre as três línguas estrangeiras pela instituição. Destacaram que poderiam se dedicar
à língua que desejam, o que lhes traria mais motivação e, consequentemente, uma melhora
no rendimento. Também se sentiram responsáveis por sua formação, uma vez que tal
situação lhes ofereceu autonomia e responsabilidade.
Vale destacar dois tipos de comentários realizados por alguns estudantes. O
primeiro é que nem sempre o desejo do estudante é atendido; isso se deve ao fato de as
turmas serem pré-estabelecidas e, realmente, quando as turmas de determinada língua
estiverem completas, o aluno precisar cursar sua segunda – ou, até mesmo, terceira – opção.
O segundo comentário diz respeito ao estudo se limitar a uma língua – alguns estudantes
demonstraram o desejo de estudar, pelo menos, duas delas, embora alguns estivessem
interessados em cursar as três.
O que se percebe dos comentários discentes é que a imposição de uma determinada
língua estrangeira não é seu desejo, porque existem razões pessoais variadas para essa
decisão, além de alguns crerem que uma única língua não é suficiente para sua formação.

5 COMENTÁRIO FINAIS

O objetivo deste trabalho era constatar se os estudantes estão de acordo com a


proposta da BNCC quanto ao ensino de línguas estrangeiras: o Inglês seria a única língua
oferecida – portanto, obrigatória. Percebemos que, por razões diversas, os estudantes não
concordam com essa situação. Alguns deles creem que é necessário o estudo de mais de
uma língua estrangeira no mundo atual e, mesmo que se ensine apenas uma língua, cada
estudante tem suas razões para estudar esta ou aquela língua.
Enfim, o estudo impositivo e exclusivo de uma língua estrangeira impede que cada
estudante siga o caminho que lhe parece mais adequado para sua vida, além de impedir o
pluralismo linguístico, tão necessário nos dias atuais. Torna-se impositivo que se reveja,
imediatamente, a proposta incongruente da BNCC.

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curriculares nacionais: ensino médio./Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média
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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 8-21.
As competências nas redações do Enem: ensino e avaliação em turmas do
3º ano do ensino médio na perspectiva da avaliação formativa 1

Talita Barroso da Silva 2


Myriam Crestian Cunha3

RESUMO
Este artigo tem por tema o ensino da produção escrita na preparação dos alunos ao Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem). A avaliação da redação exigida nesse certame pauta-se em uma matriz de
competências que também está sendo usada para direcionar o processo de ensino e de aprendizagem.
O estudo – empreendido junto a uma turma de terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública
de Belém – tem por objetivo investigar as práticas de ensino da escrita visando à preparação dos
futuros examinandos. Pretende-se descrever e caracterizar essas práticas do ponto de vista formativo,
evidenciando seu potencial regulatório para a aprendizagem. Com base em uma pesquisa bibliográfica
e documental, são apresentados os fundamentos da produção escrita e de sua avaliação no Enem,
relacionando-os com os da avaliação formativa, enquanto processo que favorece a aprendizagem e a
autonomia do aprendente. Esse estudo permitiu evidenciar que a avaliação da produção escrita tem
tido o propósito predominante de classificar os alunos em função da qualidade de seu desempenho,
não havendo a busca por estratégias que desenvolvam as competências que os aprendentes ainda não
atingiram.

Palavras-chave: Redação. Matriz de competências do Enem. Avaliação formativa.

The skills in Enem’s essays: teaching and evaluation in classes of the 3rd year of high
school in the perspective of formative evaluation

ABSTRACT
This article has as its theme the teaching of written production in the preparation of students who
will be submitted to the National High School Examination (Enem). The evaluation of the required
essay in this exam is based on a skills matrix that is also being used to guide the teaching and learning
process. The study – carried out together with a third year high school class from a public school in
Belem – aims to investigate teaching practices of writing in order to prepare future students. It is
intended to describe and characterize these practices from the formative point of view, evidencing
their regulatory potential for learning. Based on a bibliographical and documentary research, the
fundamentals of written production and its evaluation in Enem are presented, linking them with the
formative assessment, while process that promotes learning and learner autonomy. This study
allowed evidence that the assessment of written work has the predominant function of classifying
students depending on the quality of their performance, not going on the search for strategies to
develop the competences learners have not yet reached.

1 Trabalho desenvolvido com o apoio do Programa PIBIC- UFPA.


2 Graduanda no curso de Letras_habilitação em Língua portuguesa, no Instituto de Letras e comunicação, da
Universidade Federal do Pará. E-mail: talitabarroso@outlook.com.
3 Doutorado em ciências da linguagem pela Université de Toulouse II. Professora da Universidade Federal do

Pará, Instituto de Letras e Comunicação, Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas e Programa de Pós-
Graduação em Letras. E-mail: mycunha@gmail.com.
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Keywords: Writing. Skills matrix of the Enem. Formative Assessment.

1 INTRODUÇÃO

O Exame Nacional do Ensino Médio (doravante Enem) tem sido um dos processos
seletivos mais importantes para quem quer ingressar em uma Instituição de Ensino Superior,
no Brasil. Nos últimos anos, o aumento da importância proporcional da pontuação atribuída
à redação, na nota final do exame, levou escolas e cursinhos do país a dedicarem crescente
atenção ao desenvolvimento das competências exigidas na redação.
A apropriação dessas competências, que constituem verdadeiros critérios de avaliação,
é considerada agora como a chave do sucesso na redação e está norteando o trabalho
realizado em sala de aula. Os professores passaram a trabalhar sistematicamente em sala de
aula com essa grade de competências/critérios.
Todavia, adotar uma grade de avaliação não garante que haja a apropriação
correspondente dos critérios pelos alunos. Além do mais, o desenvolvimento das
competências necessárias à produção textual é uma tarefa complexa que não resulta da
simples exposição, pelo professor, de roteiros procedimentais e, menos ainda, da
apresentação de conteúdos conceituais relativos aos tópicos avaliados (“o que é coesão”,
“como escrever uma boa conclusão” etc.).
Autores que trabalham na perspectiva da avaliação formativa têm ressaltado que os
procedimentos que a leitura e compreensão dos critérios não bastam para que o texto
produzido tenha a qualidade esperada. Como já comentava Nunziati (1990 apud BONNIOL;
VIAL, 1997, p. 285), “Como noção instrumental, o critério depende de uma construção ativa
do aprendiz, e o discurso do professor não pode permitir a economia desse procedimento”.
Em outras palavras, não se trata apenas de saberes a serem entendidos e sim de savoir faire
complexos a serem desenvolvidos. Dentre outros, saber (auto)avaliar se os critérios são
cumpridos.
Embora pareça óbvia a inter-relação entre ensino, aprendizagem e avaliação da escrita,
possivelmente, não seja é encarada de modo tão natural nas práticas cotidianas da sala de
aula de Português. Diante dos desafios postos pelo ensino da produção escrita, nas séries em
que a ênfase nas exigências do Enem se torna mais premente, surgem, então, as seguintes
perguntas: Como se ensinam as competências previstas como parâmetros de avaliação? Será
que a ênfase na avaliação por competências favorece a regulação dos textos, por parte do

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professor e do próprio aprendente (autorregulação)? É possível, no contexto de preparação
ao Enem assumido pelo Ensino Médio, praticar uma avaliação de natureza formativa,
permitindo um trabalho processual e instalando um diálogo entre professor e aprendentes?
Procurando responder a esses questionamentos, nosso estudo tem por objetivo
contribuir para o desenvolvimento de práticas de avaliação formativa no ensino e na
aprendizagem da produção textual em Português Língua Materna. Mais especificamente,
pretende-se: a) sistematizar as bases teóricas e documentais da produção escrita e de sua
avaliação no Enem; b) relacionar essas bases com as da avaliação formativa enquanto
processo que favorece a aprendizagem e a autonomia do aprendente; c) investigar as práticas
de ensino da escrita que visam à preparação dos futuros examinandos, em escola(s) do
Ensino Médio; d) descrever e caracterizar essas práticas do ponto de vista formativo,
evidenciando seu potencial regulatório para a aprendizagem.
Seguiremos descrevendo a prova de redação exigida nesse exame e como é realizada
sua avaliação, antes de apresentar as bases teóricas do ensino-aprendizagem da produção
textual e as da avaliação formativa para, em seguida, indicar como foi realizada a pesquisa
que realizamos em uma sala de aula de 3º anos do ensino médio.

2 A REDAÇÃO DO ENEM E SUA AVALIAÇÃO

O Enem, criado em 1998, pelo Ministério da Educação, é definido como “um exame
individual e de caráter voluntário, oferecido anualmente aos concluintes e egressos do ensino
médio”. (BRASIL, 2005).
Em 2009, além de um processo avaliativo que procurava avaliar o nível de
aprendizagem dos alunos concluintes do ensino médio, o Enem passou a ser adotado como
processo seletivo para quem quer ingressar no ensino superior. Sendo assim, assumiu a
função de modelo norteador da avaliação nas salas de aula: em muitas escolas, especialmente
nos programas do ensino médio, a matriz de referência do Enem transformou-se no guia do
ensino, em particular na disciplina de redação, em que os professores trabalham com as
competências avaliadas na prova de redação.
Nessa prova, o candidato deve escrever sobre um determinado tema de ordem social,
científica, cultural ou política, obedecendo a um tipo de texto chamado dissertativo-
argumentativo. Carvalho (2005) sublinha a importância dessas características no exame:

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A redação do ENEM, assim como a parte objetiva da prova, é uma avaliação de
competências. Para tanto, a matriz de competências é devidamente adaptada, a
fim de avaliar o desempenho do participante como produtor de um texto no qual
ele demonstre capacidade de reflexão sobre o tema proposto. [...] O modo como
é elaborada a proposta, envolvendo diferentes textos que tratam de temas atuais,
em diferentes linguagens e sob uma ótica também diversa, resulta em uma prova
que avalia conhecimentos de diferentes áreas.

A matriz usada para a avaliação do texto é constituída das cinco competências


apresentadas no Quadro 1, que definem assim critérios a serem traduzidos para a situação
específica de produção de texto:

Quadro 1 – Matriz de competências para a avaliação da redação do Enem

Competência I Demonstrar domínio da norma culta da língua escrita.

Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de


Competência II conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do
texto dissertativo-argumentativo.

Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e


Competência III
argumentos em defesa de um ponto de vista.

Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a


Competência IV
construção da argumentação.

Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, demonstrando


Competência V
respeito aos direitos humanos.

Fonte: BRASIL, 2005, p. 114.

A competência I exige que o participante escolha a variedade linguística adequada.


Serão avaliados os conhecimentos de língua escrita representados pela utilização da norma
culta (CARVALHO, 2005): adequação ao registro; obediência à norma gramatical e às
convenções da escrita.
Na competência II, o candidato deverá compreender a proposta apresentada,
analisando o tema principal e desenvolvendo uma tese que será ratificada a partir de
argumentos de apoio no desenvolvimento do texto.
Segundo Carvalho (2005), esta competência envolve dois grandes momentos: o da
leitura/interpretação da proposta e o da compreensão transposta para o projeto de texto. O
participante deve exercer simultaneamente o papel de leitor da proposta e produtor/leitor de
seu próprio texto. Devem ser considerados aspectos relativos: a) ao tema (compreensão da
proposta e desenvolvimento do tema a partir de um projeto de texto); b) à estrutura do texto
(encadeamento e progressão temática).
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O texto que não está de acordo com o tema proposto ou que não respeita a estrutura
do tipo dissertativo-argumentativo é desconsiderado.
Espera-se, na competência III, que o candidato apresente argumentos coerentes com
o tema, sabendo selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e
argumentos pertinentes para defender sua tese, ou seja, a perspectiva adotada pelo autor
sobre o tema proposto, com o propósito não só de informar, mas também de convencer o
leitor.
Na competência IV, são avaliados os ganchos semânticos utilizados para articular os
argumentos selecionados para a defesa da tese. É nesta competência que se avalia se o
candidato sabe encadear as ideias do texto por meio dos mecanismos coesivos, como coesão
lexical (uso de sinônimos, hiperônimos, repetição, reiteração etc.); coesão gramatical (uso de
conectivos, tempos verbais, pontuação, sequência temporal, relações anafóricas, conectores
intervocabulares, intersentenciais, interparágrafos etc.).
Na competência V, procura-se avaliar as possíveis soluções à situação-problema
apresentada. A proposta de intervenção deve ser exequível e ter vínculo direto com os
argumentos utilizados ao longo do texto, respeitando os direitos humanos. Se o candidato
elaborar uma proposta que fere os direitos humanos, o texto é desconsiderado.

3 ENSINO-APRENDIZAGEM DA PRODUÇÃO TEXTUAL E AVALIAÇÃO


FORMATIVA

Teceremos aqui rápidas considerações teóricas sobre a complexa atividade de


produção textual, antes de apresentar o embasamento teórico sobre avaliação formativa que
embasou nosso estudo.

3.1 Produção textual

Para se compreender melhor o fenômeno da produção de textos escritos, deve-se


entender o que caracteriza um texto, escrito ou oral. De acordo com Costa Val (1991), um
texto é uma unidade de linguagem em uso, cumprindo uma função identificável num dado
jogo de atuação sociocomunicativa, sendo também constituído de uma unidade semântica e
unidade formal, material.
A implantação da produção textual como disciplina é apresentada segundo Kleiman e
Moraes (1999, apud Bunzen, 2006) como uma pedagogia da fragmentação, pois recorta a
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disciplina de língua portuguesa em especializações que ficam a cargo de docentes diferentes:
professor de redação, de literatura e de gramática.
Com o objetivo de treinar e consertar os erros em vista dos exames e concursos, os
alunos são presos, durante todo o ensino médio, a uma única tipologia textual – texto
dissertativo – obrigados a memorizar a mesma estrutura como uma forma de mecanização da
produção escrita: um parágrafo de introdução, três a quatro de desenvolvimento, e um de
conclusão. Antunes (2009, p. 225) critica essas condições do exercício da produção textual e
aponta para algumas causas:

[...] as oportunidades de exercício da produção escrita têm acontecido em


condições bastante limitadas, sem a necessária interlocução com outros textos e
na rigidez quase mecânica de modelos tipológicos e de estratégias discursivas que
anulam a subjetividade necessária a toda autoria. Entre essas razões, vale destacar
a insuficiência da formação dos professores – que devem saber escrever bem para
poderem ensinar com eficiência – e as conveniências ditadas pelos interesses de
lucro, que fazem algumas escolas superlotarem as salas e, praticamente,
inviabilizarem um trabalho mais sério com a escrita de materiais funcionalmente
significativos. (ANTUNES, 2009, p. 225).

Não é demais ressaltar também a conhecida crítica de Geraldi (1999), segundo a qual,
na produção escolar de textos, o emprego da língua foge totalmente às condições de uso em
que a preocupação essencial é com o sentido: os alunos escrevem para o professor (único
leitor, quando lê os textos).
O ensino da produção escrita é imprescindível para a formação dos jovens,
considerando as práticas sociais em diferentes esferas de comunicação. Porém, o que se vê
em muitas escolas é apenas uma preocupação em preparar os alunos para a lógica dos
exames.
Bunzen (2006, p. 151) chama a atenção para a dimensão política do espaço dedicado a
aprendizagem da escrita:

É decisão política escolher se teremos como objetivo principal e final a formação


de alunos no EM que produzem na escola (e nos cursinhos) apenas as propostas
de redação do vestibular das principais universidades de cada estado ou
investiremos em um processo de ensino-aprendizagem que leve em consideração
a prática social de produção de textos em outras esferas de comunicação.
(BUNZEN, 2006, p. 151).
Levar o aluno a se apropriar da escrita, não como aquele que produz e reproduz um
texto sem reflexão e sem preocupação sociointerativa, deve ser a finalidade do ensino.

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3.2 Avaliação formativa

Outro problema encontrado no ensino-aprendizagem da produção textual é o modo


como é realizada sua avaliação: a nota atribuída à produção, na maioria das vezes, apenas
atesta se o aluno sabe ou não produzir um texto dissertativo, mas, muitas vezes, não há um
esclarecimento por parte do professor do porquê daquela nota. Esse tipo de avaliação,
caracterizada como somativa, demonstrada por notas ou conceitos, tem por função atestar a
qualidade do objeto avaliado, mas não tem como finalidade melhorar as aprendizagens dos
alunos através das informações recolhidas, ou seja, não contribui para regular as
aprendizagens e o ensino. (FERNANDES, 2008).
Problemas e dificuldades dos alunos, como inadequações, desvios e problemas de
coesão e coerência, são sinalizados pelo professor, como menciona Antunes (2003), ao
comentar que a avaliação atual das produções dos alunos não tem se afastado muito das
práticas tradicionais de destacar (quase sempre em vermelho) os erros cometidos, com o
acréscimo da alternativa correta ao lado. O aluno, sem ser levado a pensar a inadequação de
sua escolha ou o porquê da substituição apontada, recebe passivamente esta interferência em
seu texto, sem ter ampliado sua própria capacidade de avaliar o que lê, o que diz ou o que
escreve. Além do mais, muitas vezes, não há uma definição, por parte do professor, do que
ele quer observar nas produções dos alunos.
Desta feita, é pouco provável que ele saiba de que modo o aluno poderá intervir no
seu próprio texto para realizar uma regulação do mesmo, como aponta Perrenoud (1999,
apud Luna, 2009):

Se o professor não tem exatamente em mente os domínios específicos visados,


intervirá sobretudo para manter o aluno na tarefa ou para ajudá-lo a realizá-la,
intervenções que não garantem absolutamente uma regulação das aprendizagens.
(PERRENOUD, 1999 apud LUNA, 2009).

Avaliar uma redação, de acordo com Marcuschi (2009), é considerar as situações de


uso e os efeitos de sentido provocados pelo texto, sem atribuir à gramática o papel de juiz
que determina se o texto está escrito corretamente. “Isso significa que a avaliação de redações
exercerá uma função formativa se, efetivamente, contribuir para que os alunos construam,
consolidem e ampliem sua capacidade como escritores letrados, autônomos, críticos e
historicamente situados”. (MARCUSCHI, 2009).
Para esta pesquisa, adotou-se a tradição de investigação francófona para a concepção
de avaliação formativa. Segundo Fernandes (2006), esta tradição destaca os processos
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cognitivos e metacognitivos que, por natureza, são internos ao aluno, tais como o
autocontrole, a autoavaliação ou a autorregulação. O feedback não ocupa um lugar de
destaque no desenvolvimento das aprendizagens, “porque, na verdade, sustenta-se que a
presença do feedback não garante, por si só, uma adequada orientação para as aprendizagens
e que estas são influenciadas por outros fatores importantes (por exemplo, a natureza das
tarefas e os processos de regulação utilizados por professores e alunos)”. (FERNANDES,
2006). Nesta concepção, o aluno tem mais autonomia para regular suas aprendizagens a partir
do momento em que os professores promovem regulações interativas a fim de levá-los a se
autoavaliarem e a autorregularem sua aprendizagem para atingir determinada finalidade.
Estudiosos da autorregulação da aprendizagem, como Laveault (2000), Zimmerman;
Shunck (2011), Hadji (2012), Mottier-Lopez (2012), têm ressaltado que os procedimentos
que levam os aprendentes a desenvolverem suas capacidades reflexivas precisam ser
apropriados por eles. Em outras palavras, precisam se transformar em objetos de
aprendizagem indissociáveis dos objetos propriamente linguísticos e linguageiros: não há
como aprender a produzir textos com a qualidade esperada se não se aprender também a
avaliar seu próprio escrito.
Como lembra Cunha (2006), a avaliação formativa tem finalidades pedagógicas, isto é,
ela está essencialmente voltada para a regulação da aprendizagem. Abrecht (apud CUNHA,
2006, p. 62) define seu objetivo da seguinte forma:

Seu objetivo é assegurar uma regulação dos processos de formação, isto é, prover
informações detalhadas sobre os processos e/ou os resultados da aprendizagem
do aluno a fim de possibilitar uma adaptação das atividades de ensino/de
aprendizagem. (ABRECHT apud CUNHA, 2006, p. 62).
Assim, do ponto de vista da avaliação formativa, não há uma preocupação em
distinguir o bom e o mau aluno, há um cuidado em acompanhar o desenrolar da ação para,
através dos resultados obtidos ao longo da aprendizagem, agir de forma a desenvolver as
competências que os alunos ainda não atingiram. Trata-se, portanto, de lançar mão de
estratégias que desenvolvam os conteúdos curriculares e que contribuam para os processos
de autorregulação no estudante, enfatizando a autonomia e o controle que o aprendente pode
desempenhar na aprendizagem. (SIMÃO; FRISON, 2013).
Vale também ressaltar, de acordo com Allal (2016, apud Santos, 2017), a importância
da corregulação como um processo de transição na apropriação de estratégias de
autorregulação da aprendizagem através de outro mais capacitado (como o professor, o par
etc.).
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Sob a ótica da avaliação formativa, portanto, o ensino da produção textual deve
contribuir para a autonomia do aprendente, proporcionando-lhe estratégias facilitadoras para
o desenvolvimento das competências necessárias à escrita.
São esses processos formativos de autoavaliação e autorregulação, além dos de
corregulação com o professor e de regulação mútua entre alunos, que pretendemos observar,
ao investigarmos as práticas de um professor de redação, no tocante ao uso da matriz de
competências, como iremos apresentar na próxima seção.

4 METODOLOGIA

A investigação aqui relatada é um estudo de caso, realizado com base em princípios da


abordagem qualitativa. De acordo com Gil (2007), um estudo de caso “visa conhecer em
profundidade o como e o porquê de uma determinada situação que se supõe ser única em
muitos aspectos, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico”.
A observação se deu em uma escola pública federal junto a um professor de redação
que trabalha com a grade do Enem com seus alunos. O nível escolhido foi o terceiro ano do
ensino médio, por ser o ano de realização do Enem.
A escola, que será aqui designada como “Escola E”, possui turmas do 1º ano do ensino
fundamental ao 3º ano do ensino médio. Sua escolha se deve ao fato de ela encontrar-se
entre as escolas públicas com a maior média do estado no Enem, nas provas objetivas e na
redação.
O professor, que assinou um termo de consentimento autorizando a observação de
suas aulas, é mestre em Comunicação Linguagens e Cultura, atuante no ensino de Língua
Portuguesa e de Produção Textual nessa escola, bem como em uma escola particular
conceituada de Belém. Trabalha como professor de língua portuguesa e produção textual há
12 anos e tem experiência em correções de redações de vestibulares, como Cesupa (Centro
universitário particular) e Enem.
A turma do terceiro ano na qual o professor ministra suas aulas é composta por 40
jovens entre 16 e 18 anos. Muitos desses alunos já têm experiência com a produção escrita
por meio de outros gêneros textuais desde o ensino fundamental.
Para a realização de nosso estudo, inicialmente, foram feitas pesquisas e leituras em
material documental e bibliográfica acerca da redação do ENEM, sua concepção e sua
avaliação. Também foram procuradas obras ligadas à produção escrita e às práticas regulatórias,

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no âmbito da avaliação formativa em língua materna. Essas diversas leituras permitiram elaborar
uma grade de análise da realidade (ver Anexo I) que foi usada na observação das aulas, da qual
foram analisadas cinco categorias inter-relacionadas que nos parecem mais adequadas por
traduzirem a essência da avaliação formativa: a) a organização da sequência didática; b) os
objetos de ensino; c) a natureza desses objetos; d) o momento em que a avaliação se encaixa
na sequência didática; e) os feedbacks e regulações observados na sala de aula, o momento
em que acontecem e como se relacionam com os objetivos das aulas.

Anexo I – Grade de observação

Observando o professor Observando o aluno


Tópicos a serem
(seu planejamento; seu (sua produção; suas
observados
discurso; as atividades...) intervenções; suas atitudes...)
Organização da sequência
didática
Objetos de ensino

Natureza dos objetos de ensino

Apresentação dos objetivos da


aula aos alunos
(Quando ocorre, como...)

Estratégias e instrumentos
pedagógicos visando à
apropriação desses objetivos
Momento em que se encaixa a
avaliação na SD
Feedbacks/regulações
observados na sala de aula (Em
que momento acontecem; de
que natureza são; são
relacionados com os objetivos
das aulas...)

Com base nesta grade, foram registradas as atividades desenvolvidas pelo professor
para levar seus alunos a se apropriar dos critérios de avaliação das redações. Ao longo das 18
horas-aulas de observação foram feitos registros documentais e anotações no diário de
campo.
Os dados gerados com base nas observações das atividades de aula e na análise do
material produzido pelo professor e pelos alunos foram interpretados à luz da concepção
formativa da avaliação, já exposta aqui.

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5 ANÁLISE DE DADOS

Nesta seção, analisamos cinco categorias selecionadas, agrupando algumas delas de


modo a melhor observar sua articulação.

5.1 Organização da sequência didática, objetos de ensino e sua natureza

A estruturação e organização da sequência didática deve ser planejada a fim de que os


objetivos de ensino sejam atingidos. De acordo com Nery (2007), as sequências didáticas
pressupõem um trabalho pedagógico organizado que promove uma modalidade de
aprendizagem mais orgânica.
A sequência didática do professor observado está basicamente estruturada em duas
modalidades:

1º) MODO EXPOSITIVO: exposição, seguida de exemplos e de uma aplicação;


2º) ANÁLISE EXPOSITIVA com base em exemplos de redações do ENEM.

A modalidade expositiva é utilizada pelo professor quando este apresenta conteúdos


de natureza conceitual sobre a língua portuguesa; por exemplo, conectivos, pronomes
relativos etc. Os objetos de ensino são introduzidos de maneira conceitual; são utilizados
exemplos para ilustrar os conceitos trabalhados; e por fim aplica-se um exercício a fim de
consolidar a retenção do conteúdo. Essa metodologia, de acordo com os PCN (BRASIL,
1997), é, de fato, a mais usual:

A tendência predominante na abordagem de conteúdos na educação escolar se


assenta no binômio transmissão-incorporação, considerando a incorporação de
conteúdos pelo aluno como a finalidade essencial do ensino. (BRASIL, 1997).

Embora o foco da aula seja o ensino da produção textual e o texto como objeto de
análise, as aulas observadas, em sua maioria, partiam de conceitos gramaticais, baseados na
construção de frases isoladas, como se observa na aula A1 sobre conectivos em que o
professor entregou uma lista descrevendo as funções de diversos conectivos (ver material nº.
1, Anexo II) e depois passou um exercício (ver atividade nº. 1, Anexo III), no qual o aluno
tinha que complementar um texto já iniciado, construindo uma argumentação a partir dos
conectivos dados pelo professor.

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Anexo II – material 1

Anexo III – atividade 1

Para Geraldi (1997), a produção textual é um exercício em que os alunos podem


mostrar o domínio que têm dos recursos expressivos. Esta prática de indicar um conectivo
e pedir, a partir disso, uma argumentação, afasta o aluno de uma prática habitual de
comunicação, na qual, ao interagir com os outros, seja em textos escritos ou conversas, o
falante sabe qual conectivo usar para construir o sentindo e a intenção em sua comunicação.

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A segunda modalidade de organização da aula observada foi a análise expositiva de
redações do ENEM. Nas aulas em que lançou mão desta modalidade, o professor utilizou
um datashow para projetar exemplos de redações do ENEM com bom e mau desempenho.
Nestas aulas, o objetivo era analisar cada parte do texto relacionando às competências
do ENEM, porém observou-se que apenas o professor apontava os pontos positivos e
negativos na redação e os alunos eram apenas espectadores da avaliação daquele texto. Não
houve, portanto, preocupação em levar os alunos a construírem eles mesmos o significado
de cada competência. Segundo Antunes (2006), não faz sentido dispensar o aluno desse papel
de avaliador do outro, em primeiro lugar, quando um certo distanciamento permite enxergar
melhor as qualidades e falhas do texto do outro, e do seu próprio em seguida, tornando-o
capaz de julgar a adequação de seus desempenhos. Só assim ele vai conquistando a autonomia
de que precisa, como cidadão crítico e participativo. Logo, a prática de transferir totalmente
para o outro (professor) a incumbência de avaliar o texto, não leva o aluno a refletir sozinho
o que determina a qualidade de uma redação e a observar quais recursos linguísticos foram
utilizados no texto.

5.2 Momento em que se encaixa a avaliação na sequência

Nas aulas, a avaliação ocorria sempre ao fim da resolução de exercícios e ao final da


produção textual. Na resolução de exercícios, não eram atribuídas notas, mas a avaliação
consistia na verificação dos acertos. Cada produção textual dos alunos era avaliada com base
nas cinco competências do ENEM, em que cada uma recebia determinada pontuação,
somadas em seguida para atribuir uma nota geral.
Observou-se que o trabalho segue a seguinte lógica: para atender às exigências
expressas nas competências, o aluno tem que se apropriar conceitualmente de cada uma,
demonstrando seu entendimento em exercícios de aplicação. Depois desse trabalho, a
produção escrita aparece como concretização dessa apropriação, passível de receber uma
avaliação somativa, e não como uma etapa da apropriação, em que uma avaliação formativa
permitiria perceber eventuais dificuldades e acompanhar o processo de apropriação textual
efetivo. Por isso, a nosso ver, a avaliação não ocorre durante o processo de escrita: o que se
pretende mesmo é avaliar o produto final.

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5.3 Feedbacks e regulações observados na sala de aula

Durante as atividades, observaram-se, com foco na ação do professor, dois tipos


principais de feedback: o primeiro, escrito e individual (correção da redação); e o segundo,
oral e coletivo. Juntamente com o feedback, foram observados três tipos de regulação: a
retroação, a corregulação e a autorregulação. Houve também momentos, como na entrega
das redações corrigidas, em que o professor pedia aos alunos que se autoavaliassem a partir
das marcações feitas pelo professor, porém não houve reescrita do texto.
Na correção das produções textuais, o feedback escrito e individual ocorria quando o
professor atribuía uma nota, somando a pontuação de cada competência, no fim da folha de
redação, e acrescentava observações e marcações no texto, assinalando essencialmente erros
gramaticais, como se observa (ver redação nº. 2, Anexo IV).

Anexo IV – redação 2

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Esse tipo de feedback pareceu insuficiente, pois, na entrega das redações, muitos
alunos manifestaram dúvidas a respeito do significado das notas atribuídas, como ocorreu
principalmente na entrega das redações da primeira proposta, em que a maioria da turma
tirou notas baixas que variavam de 500 a 680 pontos (num máximo de 1000).
Para o professor, o aluno não deveria apenas se preocupar com a nota final, mas
deveria observar em quais competências ele foi mais penalizado, por que tirou 160 e não 200
em uma competência, por exemplo.
Entretanto, ao observarmos a grade de competências, no final da folha de redação, vê-
se que uma indicação numérica não informa o aluno sobre as dificuldades efetivas que
enfrenta. Luna (2009), ao apresentar as críticas dos avaliadores do Enem, comenta que o
único feedback do candidato em relação a sua produção é a nota recebida. Dessa forma, ele
não pode fazer uma reflexão sobre seu desempenho, por não saber detalhadamente quais os
problemas que efetivamente seu texto apresenta.
O outro tipo de feedback, oral e coletivo, ocorria quando o professor constatava erros
comuns nos alunos para os quais seria difícil dar um simples feedback escrito. Assim, o
professor decidiu fazer anotações no quadro, logo após entregar as redações corrigidas, sobre
as competências e o que nela se exige, comentando os principais erros encontrados e abrindo
assim discussões a respeito do que se pode ou não fazer no momento da produção textual
(ver Aula nº. 4, Anexo V). No entanto, essa prática de um feedback oral e coletivo evidencia
o que já disseram Santos e Dias (2006, apud SANTOS; DIAS, 2008), que um mesmo
feedback não serve da mesma forma a todos os alunos, principalmente quando se está
tratando conceitualmente de algo complexo como uma competência que, mais do que de uma
exposição teórica, requer uma abordagem procedimental.

Anexo V – aula 4

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As regulações observadas, quando se procurava solucionar problemas de
aprendizagem, ocorriam em vários momentos durante as aulas. A primeira e mais frequente
– a retroação – ocorria no momento em que o professor, ao corrigir uma redação ou um
exercício, identificava uma dificuldade comum nos alunos, e voltava em determinado ponto
da explicação do conteúdo, utilizando novos exemplos para esclarecer o assunto. Essa prática
ocorreu, por exemplo, no exercício sobre pronome relativo (ver atividade nº 7, anexo VI),
em que muitos alunos apresentaram dúvidas no uso do pronome cujo.

Anexo VI – atividade 7

Percebe-se que essa retroação está plenamente condizente com o tipo de objetos de
ensino manuseados em sala de aula: ao expor objetos de natureza metalinguística, o professor
demonstra acreditar que as capacidades de produção escrita se constroem pela assimilação
de conteúdos conceituais. Do mesmo modo, os problemas encontrados acabam sendo
solucionados pela reexposição dos mesmos conteúdos conceituais (ver anotações no quadro
nº 7, anexo VII).

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Anexo VII – anotações no quadro 7

Este tipo de regulação retroativa também está mais voltado para o produto da unidade de
ensino do que para os processos de aprendizagem.
Outro tipo de regulação identificada nas aulas foi a corregulação, que era realizada de três
formas: nas interações professor e aluno; material e aluno; aluno e aluno.
Na primeira, observou-se que o professor, no momento das atividades de produção
textual e de resolução de exercícios, monitorava os alunos redirecionando-os. Ele lia o que o
aluno escrevia e apontava o que deveria ser melhorado e, de vez em quando, citava algumas
estratégias que poderiam ser utilizadas, na argumentação, por exemplo, em que o aluno
poderia usar conceitos da literatura que fossem coerentes com o tema.

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Na segunda forma, observou-se a interação do aluno com o material, principalmente
com os conteúdos conceituais que acompanhavam os exercícios em que havia explicações e
exemplificações. Na terceira – aluno e aluno – havia a interação dos alunos entre si, no
momento em que o professor solicitava que eles trocassem suas produções. Observou-se
nesta forma de regulação que a postura dos alunos era apenas de sinalizar os erros gramaticais
encontrados no texto de seu par. Eles não avaliavam outros aspectos, apesar de as
competências estudadas em aula chamarem a atenção para a qualidade da tese, a coerência
da argumentação, a pertinência da proposta de intervenção em relação ao tema etc. Ao
pontuarem só os problemas de concordância, regência, pontuação e outros, estavam
claramente refletindo uma postura observada nos professores ao longo de toda a educação
básica. Esse fato possivelmente sinaliza que não houve uma real apropriação das
competências relacionadas a dimensões outras do que apenas linguísticas.
O último tipo de regulação observada nas aulas foi a autorregulação, que ocorria
principalmente nos momentos de produção textual. Nas primeiras aulas, observou-se
bastante a intervenção do professor, fazendo regulações nos textos dos alunos. Com o
tempo, o professor diminuiu as intervenções, permitindo que os alunos regulassem seus
próprios textos. Tais regulações, no entanto, não foram discutidas como algo a ser aprendido
e desenvolvido. Os alunos foram deixados à própria sorte na escrita.

6 CONCLUSÃO

Nesta pesquisa, buscamos investigar, descrever e caracterizar as práticas de ensino da


escrita, na preparação ao ENEM, do ponto de vista formativo. A avaliação da produção
escrita, nas práticas escolares habituais, tem tido a função predominante de classificar os
alunos em função da qualidade de seu desempenho, não havendo a busca por estratégias que
desenvolvam as competências que os aprendentes ainda não atingiram.
Nesse estudo, pode-se dizer que o trabalho do professor, ao ensinar as competências,
tem certo caráter formativo, na medida em que seu objetivo é favorecer a aprendizagem e
ajudar o aluno a desenvolver as competências de produção escrita. Seu objetivo não é apenas
atribuir uma nota, apesar de ser institucionalmente exigido, mas há uma preocupação por
parte do professor em ajudar os alunos a desenvolver essas competências.
Porém, essa proposta formativa não é atual nem efetiva, pois a responsabilidade
principal em avaliar se um texto é bom ou não é do professor. Parece haver, no trabalho com

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os critérios, o mesmo tipo de concepção que se tem a respeito das competências, a saber,
que se desenvolvem como consequência de sua apreensão conceitual.
Acredita-se que a compreensão teórica dos critérios de avaliação seja o caminho pelo
qual o aluno pode se tornar capaz de desenvolver capacidades textuais e capacidades
argumentativas. Embora o objetivo do professor seja facilitar a aprendizagem, o que
caracteriza as práticas formadoras é que uma regulação eficiente não pode ser realizada sem
a participação do próprio aprendente, sem o desenvolvimento da prática sistemática de
autoavaliação e de autorregulação. (CUNHA, 1998).
Outro ponto observado foi que não houve um trabalho formativo na apropriação dos
critérios e na construção de sentido pelos aprendentes. Os dispositivos escolhidos pelo
professor, sendo de natureza mais expositiva, como vimos, não favorecem um trabalho
formativo. Não há uma construção das competências com base nos obstáculos encontrados
nos textos dos próprios alunos, enquanto são elaborados. Desta forma, o aluno não aprende
a avaliar o próprio texto e a analisar suas características com base nas competências.
Aprender a avaliar também deve ser objetivo prioritário, como mostrou o trabalho de
Nunziati (1990, apud CUNHA 1998), relacionando a essa aprendizagem a apropriação –
pelos aprendentes – dos critérios dos professores. Observou-se que, em relação à
apropriação desses critérios pelos alunos, há um discurso, uma explicação a respeito deles,
porém sem aplicabilidade direta nos textos dos próprios alunos.
Uma estratégia formativa de ensino e avaliação da produção textual, visando à
apropriação das competências da redação do Enem como critérios de avaliação pelos alunos,
seria trabalhar mais o conteúdo procedimental do que o conceitual. Os conteúdos
procedimentais proporcionam autonomia aos alunos para analisar e criticar o próprio texto
e os processos colocados em ação para atingir as metas a que se propõe alcançar.
Em vez de trabalhar textos externos a fim de apontar erros que os alunos não podem
cometer ou mesmo os acertos que eles podem tomar como exemplos, o professor poderia
fazer o aluno voltar ao próprio texto e criar a autonomia de analisar e criticar as características
daquela produção escrita, observando onde cada competência se encaixa. Assim, o ensino e
a apropriação das competências da redação do Enem deixariam de ser um conteúdo
conceitual para se tornar um conteúdo procedimental, ou seja, sairia do abstrato para a
aplicação.
Esse estudo mostrou, portanto, que o processo de ensino da produção textual não está
baseado no desenvolvimento de competências como parte da aprendizagem da escrita. Essa

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tarefa tem se mostrado desafiadora aos professores, de modo a saírem das estratégias
didático-pedagógicas expositivas e conceituais de que lançam mão. Faz-se necessário, pois,
que os professores busquem implementar dispositivos formativos, colocando como
prioridade, na aprendizagem da produção textual, o desenvolvimento das competências de
avaliação e de regulação da escrita.

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 22-42.


A inserção do Bacharelado em Línguas Estrangeiras Aplicadas no
cenário do CEFET-RJ: histórico e papel dos idiomas

Ricardo Benevides Silva de Oliveira 1


Antônio Ferreira da Silva Júnior2
Alessandra Cristina Bittencourt3

RESUMO
O objetivo desse artigo é apresentar e discutir as reflexões iniciais e continuas na área de línguas
estrangeiras – foco em inglês e espanhol – no Bacharelado em Línguas Aplicadas às Negociações
Internacionais além das concepções de linguagem, desenho de cursos, avaliação e elaboração de
material didático. Ainda buscamos oferecer um panorama histórico do ensino das línguas espanhola
e inglesa na instituição ampliando debates previamente iniciados por Ramos (2017).

Palavras-chave: Linguística Aplicada. Línguas Estrangeiras. LinFE.

The insertion of the Bachelor's Degree in Foreign Languages Applied in the


CEFET-RJ Scenario: history and role of languages

ABSTRACT
The aim of this paper is to present and discuss the beginning and continuous reflections in the area
of foreign languages by the implementation of a bachelor degree in Applied Languages to
International Negociations as well as language conceptions, course design, material assessment and
design. Not only, a historic view of English and Spanish languages in the institution will be brought
but also contemporary aspects related to languages and cultures dealt with this field will be focused.
Also it is intended to broaden perspectives previously developed by Ramos (2017).

Keywords: Applied Languages. Foreign Languages. LinFe.

1 AS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA HISTÓRIA DO CEFET/RJ

O ano de 1978, no âmbito do ensino profissionalizante brasileiro, representa um


importante marco histórico na consolidação da educação tecnológica no Brasil, porque, por
meio da Lei no 6.545 de 30 de junho de 1978, as escolas técnicas de Minas Gerais (Belo
Horizonte), Celso Suckow da Fonseca (Rio de Janeiro) e Paraná (Curitiba) são nomeados
de centros tecnológicos. Esses Centros assumem o status de instituição de ensino superior
e passam a estar habilitadas a ofertar cursos de graduação e de pós-graduação.

1 Professor EBTT - CEFET - RJ Campus Maria da Graça. Mestrando PPLIN UERJ-FFP. E-mail:
professorricardobenevides@gmail.com.
2 Mestre e Doutor em Letras Neolatinas – UFRJ. Departamento de Línguas Estrangeiras Aplicadas. E-mail:

afjuniorespanhol@gmail.com
3 Professora EBTT CEFET- RJ Campus Maracanã. Mestra e Doutoranda em Linguística – UERJ. E-mail:

alessandrabittencourt@gmail.com.
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A presença do ensino de línguas estrangeiras na educação profissional não tem uma
data precisa. No cenário do Cefet/RJ, nossa instituição de trabalho, a primeira menção ao
ensino de idiomas é decorrente de uma parceria entre o Governo Brasileiro e os Estados
Unidos para a capacitação de professores de todo o Brasil para o ensino industrial. Essa
formação continuada de preparação para o intercâmbio nos Estados Unidos aconteceu na
antiga Escola Técnica Nacional – ainda hoje, Cefet/RJ, durou três meses e incluiu aulas de
língua inglesa. Essa primeira aparição do inglês, no referido contexto, evidencia-se através do
resgate histórico proposto por Ciavatta e Silveira (2010) em relação a atuação do educador
Celso Suckow no cenário da educação profissional brasileira. De acordo com as
pesquisadoras:

[...] em 1947, quando as atividades da Comissão Brasileiro Americana de


Educação Industrial (CBAI) iniciam-se oficialmente, na vigência do Acordo
assinado entre Brasil e Estados Unidos, Celso Suckow da Fonseca participou
das referidas atividades tanto como diretor, quanto como cursista. Participou da
reunião de diretores de estabelecimentos industriais e do curso oferecido a
professores das escolas industriais federais, sediado pela Escola Técnica
Nacional. Esse curso dividia-se em duas etapas, sendo a primeira uma revisão
dos conhecimentos gerais e técnicos e estudo da língua inglesa, e a segunda um
curso de aperfeiçoamento nos Estados Unidos. (CIAVATTA; SILVEIRA, 2010,
p. 30).

Em relação ao ensino de espanhol, a disciplina insere-se na instituição devido à


implementação do curso técnico de Turismo no ano de 2002, sendo esta área a primeira a se
distanciar do campo quase predominante de cursos oriundos das áreas industriais e de exatas.
Segundo Silva Júnior (2010),

[...] Na história do CEFET/RJ, o curso Técnico de Turismo representa um


importante marco na estrutura interna da instituição, porque constitui o
primeiro curso da área de humanas a ser oferecido pelo centro [...] a escola não
contava com nenhum professor da área de Turismo e de Língua Espanhola. O
curso começa suas atividades com professores substitutos das duas áreas. [...]
Naquela época, as línguas estrangeiras eram ofertadas como disciplinas
obrigatórias desde o primeiro período do curso. Algumas discrepâncias entre as
duas línguas estrangeiras são notórias desde o momento da confecção da
estrutura do curso, pois a disciplina de Espanhol constava de dois períodos com
carga horária de 36h/a cada, totalizando 72h/a da grade do curso, em
contraposição ao Inglês com quatro períodos somando uma carga horária de
144h/a. (SILVA JÚNIOR, 2010, p. 17).

Ainda sobre a implementação do espanhol no CEFET/RJ, sendo essa memória mais


recente e registrada através de publicações, Silva Júnior nos recupera a efetivação dos
primeiros docentes e sua inserção na matriz curricular:

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 43-55.
[...] O primeiro Concurso Público para professor efetivo de Espanhol do
CEFET/RJ ocorre no ano de 2005, onde sessenta e seis candidatos disputavam
uma única vaga de Língua Portuguesa e Espanhola. No final do processo
seletivo (provas teórica, didática e de títulos) somente dois professores foram
aprovados e classificados na seleção. O professor aprovado tomou posse no
mês de agosto daquele ano com a função lecionar a língua estrangeira nas
turmas do Ensino Médio e Técnico da instituição. Até aquele momento, o
Espanhol somente constava na grade curricular do 3.º ano do Ensino Médio e
do Curso Técnico de Turismo. Nos anos anteriores ao do concurso, duas
professoras substitutas (2001 a 2003) e o segundo professor concursado para a
área de Turismo, no ano de 2004, ministraram as aulas de ELE na instituição.
(SILVA JÚNIOR, 2008, p. 80-81).

Devido à junção de currículos entre a educação profissional e o segundo grau de


formação geral – atualmente Ensino Médio – proposto pela LDB, no 5.692/1971, a
educação secundarista passou a ser técnica. Com isso, pela primeira vez na história, as
línguas estrangeiras, ou melhor, o inglês, fez parte da formação do currículo do ensino
profissional. Logo, é possível afirmar que o inglês esteve presente como língua estrangeira
recomendada no Cefet/RJ, pelo menos, desde a aprovação de tal LDB.
O exposto até aqui demonstra que, desde a existência da antiga Escola Técnica
Nacional, existe uma política para oferta de idiomas no que hoje conhecemos como
Cefet/RJ. Com a chegada do espanhol, percebemos uma falta de igualdade entre as duas
línguas, tendo em vista que a língua inglesa continuou tendo uma maior carga horária e
presença nos cursos técnicos. Neste artigo, pretendemos refletir sobre a inserção do
Bacharelado em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais (LEANI) e
uma nova política para a oferta dos idiomas no cenário do Cefet/RJ.
Além dos pressupostos teóricos da abordagem de línguas para fins específicos
(CELANI; FREIRE; RAMOS, 2009; ONODERA, 2010), esta reflexão recupera nossas
memórias e vivências como professores para uma construção coletiva e equânime para as
línguas estrangeiras. Corroboramos com o pensamento de Gimenez, quando a
pesquisadora afirma que cabe à comunidade acadêmica, com seus escritos, discutir e criar
políticas de ensino de línguas. Além disso, os mesmos precisam ser divulgados no intuito
de ajudar na construção de políticas públicas, pois

[...] os textos produzidos pela comunidade acadêmica circulam de modo restrito,


não alcançando nem o grande público e nem o poder público. A desarticulação
entre esses diversos atores pode estar contribuindo para o pouco progresso na
área, seja porque os textos acadêmicos são cautelosos quanto a resultados, seja
porque as vozes ouvidas ainda são muito tímidas. (GIMENEZ, 2013, p. 212).

De fato, quem melhor que o próprio docente atuante na educação profissional a ser
autor e responsável pela implementação e revisão de políticas para a oferta democrática de
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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 43-55.
línguas estrangeiras para tal realidade? Dessa forma, além desta primeira seção introdutória,
nosso artigo divide-se em mais duas seções: projeto do Bacharelado LEANI no Cefet/RJ e
o papel das línguas na formação do profissional internacionalista. O artigo finaliza com
alguns encaminhamentos e as referências teóricas adotadas.

2 O PROJETO DO BACHARELADO LEANI NO CEFET/RJ

Desde o ano de 2005, o Cefet/RJ possui um projeto de transformação em


Universidade Tecnológica na área das Ciências Aplicadas, articulando a experiência e
pesquisa acadêmica dos diferentes cursos, níveis e modalidades de ensino, incluindo alunos,
professores e servidores. Esse projeto possibilitou a expansão de interesses da instituição
para cursos de outras áreas do conhecimento e a construção de um modelo universitário
diferenciado permitiu a aprovação e criação do Bacharelado LEANI, no ano de 2014. A
seguir, contextualizamos a intenção, a justificativa e um pouco da identidade do próprio
projeto pedagógico do curso.
Antes de iniciar a apresentação do projeto do curso em questão, consideramos
importante apresentar a definição de projeto pedagógico que assumimos, tendo em vista
sua relevância para o entendimento da identidade de um curso superior. O projeto
pedagógico de um curso é o plano global de ações que define claramente o tipo de
proposta educativa que se pretende realizar por determinada instituição. Pode ser
entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de planejamento
colaborativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, ou seja, é um instrumento
teórico-metodológico para intervenção e mudança na realidade.
Segundo Paiva (2005):

[...] o projeto do curso deveria ser o carro chefe para garantir a qualidade do
ensino. No entanto, a análise dos projetos revela o predomínio de currículos
organizados de forma tradicional, em torno de disciplinas, além de a maioria não
apresentar coerência entre os objetivos e o perfil do egresso. As ementas e
programas se escoram em bibliografia desatualizada, a teoria não dialoga com a
prática, e a metodologia é ainda centrada no professor, dentro do modelo de
transmissão de conhecimento. (PAIVA, 2005).

Paiva (2005) nos alerta da importância do documento para o andamento das


atividades acadêmicas de um curso superior, além da necessidade constante de revisão dos
programas e conteúdos indicados. Em nosso caso, o bacharelado LEANI define-se como
um curso multidisciplinar em que a atualização e a complementação entre as áreas de

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formação tornam-se imprescindíveis. O projeto pedagógico acaba sendo entendido como
um gênero responsável pela definição de uma concepção única de formação por parte dos
docentes de um curso, que atribuem sentido ao teor de tais prescrições. Não deixa de ser,
também, um elemento norteador da discussão do perfil de profissional desejado para tal
área de atuação.
Cada instituição de ensino superior precisa refletir sobre a necessidade constante de
estudar o perfil do profissional que deseja formar para o mercado e aquele mais adequado à
realidade histórica do país em dado momento. No tocante ao curso LEANI, essa clareza de
inserção profissional ainda não está definida, nem muito menos é de fácil compreensão por
conta da proposição da junção entre a área de linguagens e a área internacionalista. Isso
implica em reconhecer o projeto de curso como algo em constante movimento e estudo,
conforme assinala Gadotti (2000).
O interesse para a apresentação do Projeto Pedagógico do Curso de bacharelado
em LEANI, no Cefet/RJ, nasce por parte da Coordenação de Línguas Estrangeiras do
Ensino Médio no ano de 2007; primeiro, por anseios profissionais pelo crescimento da área
na estrutura interna da instituição. Segundo, por verificar a oferta de cursos de Licenciatura
em Letras/Espanhol na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(RFEPT), desde o ano de 2006.
A partir daqui, expomos como acreditamos que o projeto do Bacharelado LEANI
pode contribuir para o crescimento institucional e o reconhecimento externo do Cefet/RJ
em seu projeto de transformação em Universidade. Além disso, o curso também reforça o
papel social da instituição em formar profissionais capazes de aplicar conhecimentos
técnicos, científicos e de natureza humana às atividades de produção e serviços de acordo
com a dinâmica social de desenvolvimento do país. Desde a implantação do LEANI,
notamos que o mesmo contribui para a democratização do acesso à educação pública, o
desenvolvimento científico-tecnológico e o atendimento de um campo profissional em fase
de expansão na cidade do Rio de Janeiro e país.
O fato de não existir esse curso no Rio de Janeiro foi um fator decisivo para a
aprovação do projeto pelos Conselhos dirigentes do Cefet/RJ, já que a instituição pôde
inovar e se diferenciar das demais existentes no Estado. A aprovação do projeto gerou
algumas dúvidas porque, num primeiro momento, entendeu-se que a proposta era de um
curso de Letras, mas, no decorrer do primeiro ano de oferta, a concepção de uma formação

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internacionalista através do viés da linguagem foi se tornando mais compreensível à
comunidade interna.
O histórico dos cursos de Bacharelado em LEA (Línguas Estrangeiras Aplicadas)
começa na Universidade de Rochelle, na França, no ano de 1990. No Brasil, a Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, é a pioneira em sua oferta a partir do ano de
2002. O segundo curso do país tem início em 2009 na Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), no campus de João Pessoa. Em 2011, a Universidade de Brasília (UnB) inicia as
atividades do Bacharelado em Línguas Estrangeiras Aplicadas ao Multilinguismo e à
Sociedade da Informação, projeto diferenciado em relação aos cursos da UESC e UFPB.
Atualmente, na Europa, principalmente em Portugal e na Espanha, já existe oferta de
Cursos de Mestrado Profissional em Línguas Estrangeiras Aplicadas, com linhas de
pesquisa sobre Comércio e Relações Internacionais, Tradução e Estudos Linguísticos
Aplicados.
A implantação do curso de bacharelado LEANI no Cefet/RJ representa o resgate
do papel formador e da presença da língua estrangeira no histórico das escolas da RFEPT.
Desde o início da década de setenta, as escolas técnicas federais e os CEFET(s)
participaram do Projeto Nacional de Ensino de Inglês Instrumental (ESP), coordenado
pela Professora Doutora Maria Antonieta Alba Celani (PUC-SP), cujo objetivo era
desenvolver a habilidade da leitura em língua estrangeira dos estudantes universitários e do
ensino técnico a partir do desenvolvimento das estratégias de leitura, da noção de gênero
discursivo e do conceito de análise de necessidades. O projeto visava ensinar, basicamente,
naquele momento, a língua inglesa por meio das necessidades mapeadas dos alunos, que
contribuíssem para sua atuação consciente no mercado de trabalho com vistas à sua
inserção, de maneira crítica, nas interações sociais e culturais determinadas na vida em
sociedade. (CELANI, 2002).
A participação do Cefet/RJ como instituição multiplicadora do Projeto da PUC-SP,
desde a origem do programa, em torno de 1978, reforça o compromisso e a competência
da instituição para oferecer um curso superior em área próxima, objetivando a formação de
profissionais multidisciplinares e atuantes em diferentes contextos do mundo empresarial
mediante o uso de línguas estrangeiras e do conhecimento técnico de negociações
internacionais.
No projeto de curso, espera-se que o acadêmico LEANI desenvolva o
conhecimento de três línguas estrangeiras (inglês, espanhol e francês), de suas respectivas

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culturas, de políticas linguísticas e de saberes do mundo coorporativo (mediante contato
com conhecimentos advindos da Administração, Economia, Direito, Turismo e
Negociações Internacionais). O objetivo do curso acaba sendo a formação de um
profissional conhecedor de diferentes culturas e questões organizacionais. O projeto
pedagógico possibilita uma maior integração dos Departamentos de Ensino Superior da
própria instituição, já que a matriz curricular propõe disciplinas existentes em outros cursos
de Graduação, como, por exemplo, no curso de bacharelado em Administração,
otimizando recursos humanos e espaço físico, além de promover a interação entre alunos
com diferentes olhares acadêmicos.
O egresso do curso atende a um perfil profissional buscado por muitas empresas
em nossa sociedade global e intercultural: um profissional mais flexível, dinâmico, apto a
promover o diálogo e trocas internacionais. Isso implica em promover uma formação de
nível superior mais articulada entre os processos socioculturais, políticos, tecnológicos e
econômicos do Brasil e a política exterior.
A ausência de profissionais no mundo dos negócios com amplo domínio de
diferentes línguas estrangeiras, o conhecimento técnico advindo da área de Políticas
Linguísticas, Administração, Economia, Direito e cultura geral, a possibilidade de expansão
de convênios com universidades estrangeiras, Institutos e Embaixadas, a experiência do
Cefet/RJ na área internacional mediante sua Assessoria Internacional e a experiência do
corpo docente no tocante ao ensino de idiomas foram argumentos positivos para a
aprovação do projeto e criação do Curso de Bacharelado LEANI no ano de 2014.
Entre os objetivos do curso presentes no projeto estão: (a) dotar o discente de
conhecimento linguístico em três línguas estrangeiras com vistas a sua comunicação em
diferentes situações e contextos (empresas de diferentes setores de atividade, recepção de
eventos, acompanhamentos de grupos, tradução, exposições orais, redação de textos); (b)
possibilitar uma reflexão junto ao discente das diferentes linguagens e saberes do mundo
contemporâneo; (c) apresentar o conhecimento como um saber dialógico e interdisciplinar;
(d) dotar o discente de competências do mundo do trabalho: capacidade de negociação e
gerenciamento, assessoramento empresarial, intermediação de conflitos, coordenação de
processos, elaboração e desenvolvimento de projetos, conhecimento sócio-político de
diferentes culturas, promoção do intercâmbio comercial e cultural; (e) levar o discente a
uma reflexão entre o mundo das negociações internacionais e o universo linguístico.

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O Curso de bacharelado LEANI pretende formar bacharéis aptos a entrar no
mercado de trabalho com as seguintes qualificações básicas: conhecimento, vivência
cultural e competência comunicativa nas três línguas estrangeiras e em técnicas de
negociações internacionais, além da capacidade para assessorar, mediar e coordenar ações
que implicam os diversos tipos de diálogo, troca e intercâmbio internacional, de natureza
comercial e não-comercial, no contexto das organizações contemporâneas.
Tal bacharelado também propõe desafios para seu corpo docente no exercício
diário de relacionar, principalmente, as novas dinâmicas do mundo das organizações e das
negociações internacionais à formação em linguagens.
Por conta da natureza do curso e seu caráter de conhecimento aplicado, pautamo-
nos na abordagem de línguas para fins específicos (LinFE) para desenhar e organizar a
oferta das línguas estrangeiras na matriz curricular. É importante ressaltar a relevância da
abordagem de línguas para fins específicos no planejamento didático das línguas no
LEANI, já que a pluralidade de contextos possíveis para a atuação do profissional é
múltipla. O programa das disciplinas parte de necessidades prévias do contexto dos
negócios, já que, conforme afirma Onodera (2010), não há como pensar em LinFE sem a
realização de análise de necessidades. O conceito de necessidades também é o elemento
basilar no desenho de nossos cursos. Na próxima seção, abordamos tal conceito e
expomos nossas impressões iniciais após a adoção de coleções didáticas para as aulas de
inglês e espanhol do curso LEANI.

3 O MATERIAL DIDÁTICO E O PAPEL DAS LÍNGUAS NA FORMAÇÃO DO


PROFISSIONAL INTERNACIONALISTA

Tendo em vista que a proposta do curso LEANI objetiva a construção de um


profissional dialógico que se diferencia da formação tradicional em línguas, deste modo, é
fundamental um novo olhar para a posta em prática de novas abordagens. Para Cope e
Kalantzis (2016, p. 9), há o entendimento que o mundo está em constante mudança assim
como a elaboração de sentidos e representações do mundo do trabalho demanda
reconsiderar novas abordagens do ensino-aprendizagem.
Corroboramos com a proposta de Cope e Kalantzis (2016) e entendemos que as
línguas estrangeiras estão para além de seu caráter instrumental, prática comum e presente
em muitas propostas de cursos de língua preocupados somente com o aumento da
proficiência do aluno. Devido a nossa filiação dos pressupostos de LinFE, buscamos
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contemplar a multiplicidade de contextos ocupacionais e acadêmicos nas aulas de línguas
estrangeiras. Em concordância com Ramos (2004, p. 109), acreditamos que as bases para
um curso calcadas em um levantamento inicial de necessidades dos alunos
(HUTCHINSON; WATERS, 1987, DUDLEYEVANS; ST. JOHN, 1998), objetivando
estruturar cursos que promovam o desempenho de tarefas linguísticas específicas em
contextos de atuação específicos. Também descrito por Vilaça (2010, p. 8), as necessidades
podem ser entendidas como o que o aluno objetivamente precisa aprender na língua-alvo,
para que possa emprega-la em situações futuras. As necessidades podem ser identificadas e
delimitadas por meio de habilidades linguísticas, competências, funções comunicativas,
tópicos lexicais, entre outros fatores. Além disso, também podem ser subdivididas em
necessidades, carências ou fraquezas e desejos.
Ao atentarmos também para a noção de locus formativo (STREET, 2014) destes
futuros profissionais e as múltiplas interações de seu caráter internacionalista ou de
consultoria linguística, nos deparamos com a urgente necessidade de romper com as
práticas tradicionais em ensino-aprendizagem de línguas e mapear situações e gêneros da
atividade profissional. No entanto, a elaboração deste novo panorama demanda um
enorme desafio e também propõe a pesquisa e constante ressignificação de nossas
percepções e reformulação de propostas.
Não há como propor uma abordagem de línguas aplicadas sem investigação e
reflexão acerca dos materiais didáticos neste curso. Para Tomlinson (2012) material didático
pode ser definido como qualquer coisa que possa ser utilizada para facilitar o aprendizado
de uma língua, incluindo livros didáticos, vídeos, livros paradidáticos, pôster, jogos, sites da
internet, interações via celular.... E ainda ressalta que pouca ou nenhuma atenção tem sido
dada ao estudo destes na literatura da área de linguística aplicada. Ainda, para Celani (2002),
é preciso conscientização sobre a inadequação de materiais padronizados, principalmente
na produção de materiais preparados para fins específicos a fim de que possam atender as
necessidades dos aprendizes. Logo, pensar material didático com uma visão ampliada faz-se
essencial não somente analisando o material adotado, mas também propondo sua
complementação e a elaboração de material específico para atender ao contexto singular
que esta comunidade linguística demanda.
Inicialmente, no caso da língua inglesa, a equipe – cabe ressaltar que o curso conta
apenas com uma docente de língua inglesa em seu departamento e colaboração de três
docentes externos – sugeriu a adoção de um livro didático com foco em contextos

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profissionais, porém, se verificou a necessidade de mudança que logo em seguida
aconteceu com a adoção de um material focado em negócios e utilizado nas seis disciplinas
de língua inglesa. Ao desenvolver pesquisas junto aos discentes e docentes ao longo dos
primeiros anos, foi verificado que o material didático, embora fosse razoavelmente
adequado, não atende muitas das necessidades linguísticas neste contexto. (ALCÂNTARA,
2016).
Após os anos iniciais e utilizando parâmetros de avaliação de material didático
(RAMOS, 2009) e pesquisas em análise de necessidades (BASTURKMEN, 2006),
verificamos, no material de língua inglesa, que: (a) a proposta inicial contempla mais o viés
de aquisição de línguas,; (b) o material didático, embora bem avaliado pelos professores,
possui diversas críticas feitas pelos alunos e atende mais a profissionais já atuantes que
alunos em formação e ainda direciona a maioria dos tópicos para negócios, não atendendo
as demandas dos diversos eixos como turismo, marketing ou negociações,; (c) há uma
urgente necessidade de complementação e desenvolvimento de material didático
personalizado que esteja mais alinhado com o viés que o curso requer.
Em relação à língua espanhola, no momento de sua implementação, o curso
contava com dois professores que optaram pela adoção da coleção didática Socios (Editora
Difusión) para as quatro primeiras disciplinas, estágio em que o aluno será considerado
como um usuário intermediário da língua. Já para as duas disciplinas finais adotou-se a
coleção didática Expertos, material da mesma editora e destinado para alunos em nível
avançado de estudos. Ambas as coleções são complementares e direcionam o ensino da
língua para o mundo do trabalho no âmbito dos negócios. Após a testagem do material
didático nas primeiras turmas, percebemos sua não adequação ao perfil desejado para o
egresso do curso pelos mesmos motivos expostos para a coleção de língua inglesa. Além
disso, as coleções priorizam a variedade escrita e oral do espanhol peninsular, distanciando-
se das situações empresariais do contexto latino-americano.
O desejo é que os discentes deste curso possam se apropriar das línguas com
autonomia e criticidade, agindo socialmente em diversos contextos como negócios, ONG,
tradução, organização de eventos, revisão de textos, mediação de conflitos... No momento,
buscamos o design de novos materiais, além de disciplinas, com foco em turismo e redação
de documentos específicos de áreas afins a esse profissional, além da investigação do
gênero “simulação de assembleia da ONU” para geração de um modelo didático deste

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gênero (STUTZ, 2014) e posterior aplicação em atividades didáticas. (LEFFA, 2008;
RAMOS, 2004).
Ao longo dos últimos semestres, alguns levantamentos foram realizados.
Entrevistamos docentes de áreas atuantes no curso, tais como identidades culturais,
sociologia, relações internacionais, planejamento internacional, teoria geral de
administração e profissionais de diversos setores como consulado, secretaria de
administração pública e tradução. Após a análise dos dados, verificamos o que pode ser
observado nos seguintes gráficos abaixo:

Artigos Negociações
Científicos
Contratos Acordos
diversos corporativos
Mediação de
Relatórios
conflitos
Turismo e
Entrevistas diplomacia
Contato
Cartas intercultural

Gêneros discursivos como artigos acadêmicos, leitura e elaboração de contratos


diversos, relatórios, entrevistas e desenvolvimento de cartas foram objetivamente
mencionados como relevantes para a atuação deste profissional em contextos diversos.
Além disto, temas apontados como importantes na formação do profissional de Línguas
Estrangeiras Aplicadas foram: negociações e acordos corporativos, mediação de conflitos,
turismo e diplomacia além de contato intercultural. Convém destacar que estes dados
surgem como fonte de reorientação curricular para as disciplinas de línguas estrangeiras,
visto que alguns são pouco ou nunca abordados no material didático utilizado pelas línguas
e que a partir disto podem servir de base para a construção de material didático
complementar.
Tendo em vista todas essas questões previamente mencionadas, destacamos a
importância da percepção do trabalho com Línguas para Fins Específicos na perspectiva da
complexidade, como advoga Souza (2016, p. 47), ao dizer que LinFE abarca questões
sócio-histórico-culturais, principalmente, a partir do momento que considera os alunos
como indivíduos com características únicas, mas, ao mesmo tempo, partes de um todo –
assim chamamos a atenção também para o entendimento deste aluno de línguas aplicadas.

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Lidar com uma nova forma de ensino-aprendizagem, neste caso, implicaria em
romper com paradigmas, o que exigiria flexibilidade e abertura grande para que
ultrapassar as barreiras do paradigma tradicional. Por este motivo, o paradigma
complexo também enfrenta as mesmas dificuldades, pois para apresentar novas
ideias, os novos conceitos precisam encontrar espaço e abertura por de
indivíduos, que nem sempre estão dispostos a vislumbrar novos horizontes –
princípio dialógico. (MORIN, 2005, apud SOUZA, 2016, p. 48).

Desse modo, é fundamental engajar professores e estudantes deste cenário na


preparação e seleção de materiais que potencializem a aprendizagem e o desenvolvimento
das diversas competências de forma socialmente situada e crítica, superando concepções de
linguagem mais socio-funcionais. O aluno deve aprender a usar as línguas estrangeiras de
modo mais autônomo e aplicado aos múltiplos contextos de atuação. Fortuitamente,
temos contemplado o envolvimento dos alunos nos projetos de extensão e pesquisa em
busca por reflexões, pesquisas e construção de um curso cada vez mais comprometido com
esse redesenho do papel singular das línguas. Além disso, cabe destacar o envolvimento
deles em atividades empreendedoras como empresas juniores, desenvolvimento de sites e
conteúdo multilíngues, organização de eventos, participação em simulações internacionais e
oferta de cursos para comunidade institucional.

4 CONSIDERAÇÕES EM CONSTRUÇÃO

O cenário do ensino de línguas no Bacharelado em Línguas Aplicadas, então,


constitui-se como um desafio cotidiano, que nos instiga e motiva a descortinar um novo
paradigma na educação linguística brasileira, ao possibilitar reconstruções das áreas de
atuação dos profissionais de línguas estrangeiras e a nos estimular a reconfigurar nossos
olhares, pesquisas, propostas didáticas e investigações sobre a complexidade deste
profissional.
Essa proposta demonstra nossas reflexões e um retrato do que tem sido construído
nos anos iniciais de implementação deste novo curso além das possiblidades que
vislumbramos para o ensino superior de línguas na contemporaneidade.

REFERÊNCIAS
ALCANTARA, Alessandra. Análise e elaboração de material didático de língua inglesa para
o curso LEANI. In: Anais da Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão. CEFET-RJ, 2016.
BASTURKMEN, Helen. Ideas and options in English for specific purposes. Mahwah: Lawrence
Erlbaum Associates, Inc., Publishers, 2006.

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reflexão e transformação da prática docente. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2002.
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Brasil: um projeto, seus percursos e seus desdobramentos. Campinas:
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Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
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de escolarização no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K.; TILIO, R.; ROCHA, C.H.
Política e políticas linguísticas. Campinas, SP: Pontes Editores, 2013, p. 199-218.
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de aula de línguas. Coleção: Novas perspectivas em Linguística Aplicada Vol. 47 Campinas,
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Produção de materiais de ensino. 2. ed. Pelotas: EDUCAT, 2008, p. 15-41. Disponível
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MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Editora Sulina. 2005.
ONODERA, Jorge. Análise de necessidades do uso da Língua Inglesa na execução de tarefas em uma
empresa multinacional. Dissertação de Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem.
São Paulo: PUC-SP, 2010.
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In: TOMICH, et al. (Orgs.). A interculturalidade no ensino de inglês. Florianópolis: UFSC, 2005, p.
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In: Actas del Simposio Internacional de Didáctica del Español como lengua extranjera. Rio de Janeiro:
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conceitual. In: The ESPecialist. São Paulo, 37(1): 31-53, dezembro, 2016.
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STUTZ, Lidia. (Org.) Modelos didáticos de Gêneros Textuais: As construções dos alunos
professores do PIBID Letras inglês. Campinas, SP: Pontes Editores, 2014. Coleção
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VILAÇA. Márcio L.C. English for Specific Purposes: Fundamentos do ensino de inglês para
Fins Específicos. Revista Eletrônica do instituto de Humanidades. Número XXXIV. Issn
1678-3182 Unigranrio, 2010.

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Estrutura retórica dos abstracts
Jéssica Gomes da Silva1
Tania Mikaela Garcia Roberto2

RESUMO
Esta pesquisa propõe uma análise referente à estrutura e organização dos abstracts (resumos
científicos) nas diferentes áreas do conhecimento, com base no modelo adaptado por Motta-Roth e
Hendges (2010), do modelo CARS, de Swales (1981). Objetivou-se verificar se o modelo proposto
pelas autoras apresenta-se consistente à análise de resumos de diferentes áreas do conhecimento.
Foram analisados 70 resumos publicados em periódicos qualificados como A1, na plataforma Scielo,
em quatro diferentes áreas do conhecimento: ciências exatas, biológicas, humanas e sociais, sendo a
maioria do ano de 2013. Os resultados sugerem que nem todos os movimentos propostos pelas
autoras mostram-se presentes da mesma forma em todas as áreas e que a ausência de um ou outro,
ainda assim, não compromete a função expositiva e sintetizadora do resumo científico. Recomenda-
se mais pesquisas que apontem de forma mais precisa particularidades de cada área.

Palavras-chave: Abstract. Resumo científico. Gêneros acadêmicos. Estrutura retórica. CARS.

Rhetoric Structure of abstracts

ABSTRACT
This research aims on the analysis of the structure and organization of abstracts (scientific summaries)
in different areas of knowledge, having as a reference the adapted model by Motta-Roth and Hendges
(2010) of the model CARS, of Swales (1981). The goal was to verify if the model presented by the
authors demonstrates consistence in the analysis of abstracts in different areas of knowledge. 70
abstracts published in journals were analyzed and qualified as A1, in the Scielo plataform, in four
different areas of knowledge: exact science, biology, human and social sciences, being the majority of
them from the year 2013. The results suggest that not all of the proposed movements by the authors
are present in the same way in all of the areas and that there is lack of some of them, even though,
this does not compromise the expository and syntheses function of the abstract. Further studies are
recommended in order to point out more precise features of each area.

Keywords: Abstract. Academic Genders. Rhetoric Structures. CARS.

1 Jéssica Gomes da Silva é licenciada em Letras pela UFRRJ e este artigo é resultado de seu Trabalho de
Conclusão de Curso, orientado pela coautora. E-mail: jessica.angra06@hotmail.com.
2 Mikaela Roberto é professora adjunta de Língua Portuguesa dos cursos de Letras da UFRRJ. É doutora em

Psicolinguística pela UFSC, com estágio sanduíche na Université Libre de Bruxelles (ULB, 2006), tem mestrado
em Línguística Aplicada pela UFSC (2002) e é licenciada em Letras (Português/Inglês) pela Universidade do
Vale do Itajaí (UNIVALI, 1998).

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1 INTRODUÇÃO

Segundo Motta-Roth e Hendges (2010), a produção de textos acadêmicos cumpre


objetivos muito específicos. Um artigo acadêmico, um abstract, uma monografia, uma
dissertação, uma resenha ou um livro desempenham funções diferentes. Além disso, cada
um desses gêneros pode ser reconhecido pela maneira peculiar como é construído, pelo
menos em relação ao tema e objetivo; ao seu público-alvo e à natureza e organização das
informações que se inclui no texto. (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 22-23). Daí a
relevância de se conhecer a estrutura retórica, bem como outras características relativas aos
gêneros acadêmicos.

Embora seja um desenvolvimento relativamente recente no campo dos estudos


aplicados do discurso, a análise de gêneros tem se tornado extremamente popular
nos últimos anos. O interesse pela teoria dos gêneros e suas aplicações não se
restringe mais a um grupo específico de pesquisadores de uma área em particular
ou de um setor qualquer do globo terrestre, mas cresceu a ponto de assumir uma
relevância muito mais ampla do que jamais foi imaginado. (BATHIA, 2001, p.
102).

Essa pesquisa se deteve na análise dos resumos de tipo informativo que, segundo a
NBR 6028 (2003), têm por objetivo informar ao leitor finalidades, metodologia, resultados e
conclusões do documento, de tal forma que o texto possa, inclusive, dispensar a consulta à
produção completa. (ABNT, 2003, p. 1). O objetivo geral da pesquisa proposta foi identificar
a estrutura retórica do gênero resumo científico com base no modelo proposto por Motta-
Roth e Hendges (2010) em resumos científicos de diferentes áreas. Os objetivos específicos
consistiram em verificar se há variação significativa quanto à estrutura do resumo científico
nas diferentes áreas analisadas com base no modelo proposto, além de identificar pistas
textuais que evidenciem possíveis causas de variações quanto à estrutura do gênero nas
diferentes áreas. Os resultados apresentados neste artigo foram defendidos em trabalho de
conclusão3 de curso de graduação em Letras.
Todos os artigos foram coletados de periódicos classificados como A1 no sistema
Qualis de avaliação definido pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Ensino
Superior (CAPES), no Brasil. Esta lista se pauta ao âmbito da circulação (local, nacional ou
internacional) e à qualidade (A, B, C) de cada periódico, por área de avaliação. Em termos de

3“Resumo científico: uma análise com base na teoria de gêneros”. (Trabalho de Conclusão de Curso).
Defendido por Jéssica Gomes da Silva e orientado pela Prof. Dra. Mikaela Roberto. (SILVA, 2015).

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qualidade, os artigos são classificados em ordem decrescente, como: A1, A2, B1, B2, B3, B4,
B5 e C, sendo A1 considerado qualificação máxima e C qualificação mínima. Os artigos
foram consultados através da plataforma Scielo.
É sabido que os gêneros apresentam uma estrutura que costuma ser conhecida e
respeitada pelos membros de uma comunidade linguística que faz uso desses gêneros. Diante
desse quadro, a pesquisa se justifica por permitir que se constate a estrutura presente em
resumos publicados em periódicos de excelência, a fim de que se verifiquem possíveis
diferenças quanto a essa estrutura típica do gênero em diferentes áreas do conhecimento.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com Silva (2008),

Após a invenção da escrita alfabética, por volta do século VII a.C., multiplicaram-
se os gêneros, surgindo os típicos da escrita. A partir do século XV, os gêneros
expandiram-se com o florescimento da cultura impressa para dar início a uma
grande ampliação. (SILVA, 2008, p. 137).

Essa ampliação que se deu nos gêneros – passando dos gêneros orais para os gêneros típicos
da escrita – mostra que “a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e
escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade
humana”. (SILVA, 2008, p. 137-138). Esses enunciados, que imprimem sentido à experiência
humana ao sistematizá-la, são denominados gêneros textuais e é através deles que
interpretamos o mundo ao nosso redor. Porém, cabe ressaltar que eles apresentam
características e propósitos distintos, sejam essas características estruturais ou temáticas e seu
domínio, nesse sentido, torna-se imprescindível para os membros de uma comunidade
linguística. Embora as pesquisa sobre os gêneros tenha crescido significativamente nas
últimas décadas, os desafios por compreender suas estruturas e características linguísticas e
textuais, porém, ainda são bastante expressivos. Os resumos científicos, objeto do presente
artigo, por exemplo, mostram-se ainda como um desafio a ser superado por universitários e
pesquisadores em fase de iniciação científica, justificando a pesquisa realizada.
De acordo com Araújo (1999):

um tipo de gênero textual acadêmico bastante praticado pela comunidade


científica é o resumo, dado seu valor e função em reunir e apresentar informações
básicas, de maneira concisa, coerente e seletiva em artigos de pesquisa publicados
em periódicos científicos, dissertações, teses ou um outro tipo de documento. No
entanto, os manuais de redação quase não apresentam indicações de ordem

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prática, que possam auxiliar os pesquisadores a escreverem resumos claros e
concisos. (ARAÚJO, 1999, p. 26).

Embora bastante popular, muitos ainda são os resumos científicos produzidos fora da
estrutura retórica esperada para o gênero, levando, não poucas vezes, a prejuízos dos autores
em processos de seleção, como os de eventos, por exemplo. Sobre isto, Bathia (2001) dirá
que esta é uma das desvantagens de tal popularidade, pois, quanto mais popular um conceito
se torna, mais variações de interpretação, orientação e estruturação são encontradas na
literatura existente”. (BATHIA, 2001, p. 103).
Um dos problemas que contribuem para essa situação é a confusão terminológica
existente com relação aos termos referentes aos gêneros textuais. Tome-se como exemplo o
gênero resumo – foco do presente trabalho. Machado (2005) dirá que este pode ser
empregado tanto para indicar o processo de sumarização quanto o texto produzido – que é
resultado, produto desse processo. (MACHADO, 2005, p. 143). Desse modo, a primeira
coisa que alunos e membros da comunidade acadêmica devem ter em mente é: “qual resumo
lhes interessa?” O resumo ao qual essa pesquisa se refere é aquele que oferece uma
“apresentação concisa, do conteúdo de um artigo, livro etc., a qual, precedida de sua
referência bibliográfica, visa esclarecer o leitor sobre a conveniência de consultar o texto
integral”. (MACHADO, 2005, p. 142).
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), fundada em 1940, órgão
responsável pela normatização técnica no Brasil, fornecendo a base necessária ao
desenvolvimento tecnológico brasileiro, apresenta, nesse sentido, a norma técnica NBR 6028
(ABNT, 2003), referente a resumos. A NBR 6028 (2003) visa estabelecer critérios para a
produção e apresentação de resumos, a fim de que haja uma maior padronização estrutural
e visando facilitar o entendimento das informações contidas no gênero, uma vez que o
objetivo do resumo é apresentar, de modo conciso, a pesquisa em si. Vale ressaltar que a
instituição não tem qualquer objetivo de apresentar uma normatização com base em
preceitos da teoria de gêneros, conforme Motta-Roth e Hendges (2010) propõem, embora
haja visíveis aproximações – justificadas pela rígida estrutura do gênero em questão – entre
as duas propostas.
Um resumo de tipo informativo ou indicativo, de acordo com a NBR 6028 (2003),
deve apresentar, em um parágrafo único, uma introdução geralmente feita por meio de uma
primeira frase significativa (tópico frasal), objetivos, base teórica da pesquisa realizada,
métodos, resultados e conclusões, preferencialmente em uma sequência de frases concisas e

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afirmativas, com verbo na voz ativa e uso de terceira pessoa do singular, evitando-se
símbolos, fórmulas e equações, bem como citações, salvo quando inevitável para a
compreensão do conteúdo proposto. Os resumos científicos, de acordo com o mesmo
documento, variam de 100 a 250 palavras, quando se referem a artigos, podendo ter até 500
palavras, quando se tratar de teses ou relatórios de pesquisa.
Se por um lado documentos tentam normatizar a estrutura de gêneros acadêmicos,
por outro, diferentes estudiosos procuram explicar sua estrutura em termos teóricos
variados. Swales (1981) propõe uma análise dos resumos científicos com base no que ele
denomina “CARS”, modelo difundido por muitos linguistas que estudam os gêneros
linguísticos4. Nwogu (1990) apud Motta-Roth e Hendges (1998) dirá que “o modelo CARS
compreende uma estrutura retórica em dois níveis hierárquicos de unidades de informação:
os ‘movimentos’ (moves) e os ‘passos’ (steps), com maior (movimentos) ou menor (passos)
abrangência”. (MOTTA-ROTH; HENDGES, 1998, p. 2-3). Desse modo, ainda de acordo
com as autoras,

um movimento pode ser definido como um bloco de texto que pode se estender
por mais de uma sentença, realizando uma função comunicativa específica [...] e
que, juntamente com outros movimentos, constitui a totalidade da estrutura
informacional que deve estar presente no texto para que esse possa ser
reconhecido como um exemplar de um dado gênero do discurso. (MOTTA-
ROTH; HENDGES, 1998, p. 2-3).

Swales é considerado o precursor e um dos pesquisadores mais importantes para os


estudos linguísticos sobre o gênero abstract – resumo científico – e traz inúmeras
contribuições para a área, servindo de base a inúmeras pesquisas sobre o assunto. O modelo
de Swales, de acordo com Hemais e Biasi-Rodrigues (2005, p. 120), apresenta duas versões.
A primeira se restringe a quatro movimentos, a saber: estabelecer o campo de pesquisa;
sumarizar pesquisas prévias; preparar a pesquisa; introduzir a pesquisa. No entanto, devido
às dificuldades encontradas por outros pesquisadores em separar o primeiro movimento do
segundo, Swales reduziu sua proposta a três movimentos: estabelecer território; estabelecer
nicho e ocupar o nicho. O quadro abaixo mostra a estrutura do seu modelo, referente à
introdução de artigos de pesquisa, que permanece até os dias atuais.

4Opta-se, no presente artigo, por adotar o termo gênero linguístico com o propósito de não adentrar nas discussões
referentes à diferença entre gêneros textuais e gêneros discursivos, haja vista o escopo da presente pesquisa não
abranger a complexidade da questão.

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Quadro 1 – Modelo CARS para introduções de artigos de pesquisa

MOVIMENTO 1 – ESTABELECER TERRITÓRIO e/ou


Passo 1 – Estabelecer a importância da pesquisa e/ou
Passo 2 – Fazer generalização/ões quanto ao tópico
Passo 3 – Revisar a literatura (pesquisas prévias)
Diminuindo o esforço retórico

MOVIMENTO 2 – ESTABELECER O NICHO

Passo 1A – Contra-argumentar ou
Passo 1B – Indicar lacuna/s no conhecimento ou
Passo 1C – Provocar questionamentos ou
Passo 1D – Continuar a tradição
Enfraquecendo os possíveis
questionamentos

MOVIMENTO 3 – OCUPAR O NICHO

Passo 1A – Delinear os objetivos


Passo 1B – Apresentar a pesquisa ou Explicitando o trabalho
Passo 2 – Apresentar os principais resultados
Passo 3 – Indicar a estrutura do artigo

Fonte: Hemais e Biasi-Rodrigues (2005).

Cabe ressaltar que nem todos os movimentos devem obrigatoriamente cumprir ou apresentar
todos os passos.
A proposta que Motta-Roth e Hendges (2010) apresentam com relação à organização
retórica do resumo científico é baseada nesse modelo. As autoras afirmam que,
semelhantemente à introdução do artigo, “[...] o abstract reflete o conteúdo e a estrutura do
trabalho que resume”. (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 153).
Segundo as autoras, em obra de cunho didático, voltada especialmente a acadêmicos
em nível de graduação, todos os abstracts deveriam apresentar cinco movimentos básicos.
Primeiro, o resumo deveria situar a pesquisa; em seguida apresentar a pesquisa com suas
hipóteses e objetivos; descrever a metodologia usada, apontar os resultados encontrados de
modo sumário e, por último, concluir a pesquisa, apontando futuras pesquisas e suas
conclusões. Os cinco movimentos encontram-se expostos no quadro a seguir de modo mais
detalhado, sendo apresentados na ordem citada, com a presença de uma ou mais subfunção
como possíveis desdobramentos.

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Quadro 2 – Descrição esquemática de abstracts

MOVIMENTO 1 – SITUAR A PESQUISA ou


Subfunção 1A –Estabelecer interesse profissional no tópico e/ou
Subfunção 1B – Fazer generalizações do tópico ou
Subfunção 2A – Citar pesquisas prévias ou
Subfunção 2B – Estender pesquisas prévias
Subfunção 2C – Contra - argumentar pesquisas prévias
ou
MOVIMENTO 2 – APRESENTAR A PESQUISA e/ou
Subfunção 1A – Indicar as principais características
Subfunção 1B – Apresentar os principais objetivos
Subfunção 2 – Levantar hipóteses

MOVIMENTO 3 – DESCREVER A METODOLOGIA e/ou

MOVIMENTO 4 – SUMARIZAR OS RESULTADOS

MOVIMENTO 5 – DISCUTIR A PESQUISA


Subfunção 1 – Elaborar as conclusões
Subfunção 2 – Recomendar futuras aplicações

Fonte: (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010).

O esquema proposto por Motta-Roth e Hendges (2010) reflete as normas


estabelecidas pela NBR 6028 (2003) em seus itens básicos: objetivos, método, resultados e
conclusão. Além disso, cada movimento proposto possui características específicas,
marcadores metadiscursivos que facilitam ao leitor, seja ele pesquisador ou não, encontrar as
informações sobre a pesquisa de que necessita.
A título de exemplificação, observe o seguinte exemplo, retirado do corpus da
pesquisa, em que alguns dos possíveis marcadores aparecem destacados:

Quadro 3 – Marcadores metadiscursivos em resumo da área de Ciências Agrárias

Atualmente, a árvore mais plantada no Brasil é o Eucalyptus spp., ocupando 81,6%


das florestas plantadas. Sua produtividade em 2009 foi de 44,2 m3 de eucalipto com
SITUAR A
casca/ha, gerando aproximadamente 46.850 empregos diretos. Estudos de bactérias
PESQUISA
benéficas, como as Rizobactérias Promotoras de Crescimento de Plantas (RPCPs),
vêm sendo desenvolvidos há mais de um século.
Este trabalho objetivou avaliar estirpes de bactérias extremófilas facultativas que APRESENTAR A
possuam potencial na promoção de crescimento do eucalipto. PESQUISA
As sementes do híbrido “urograndis” forammicrobiolizadas com uma suspensão de
109 UFC/mL das 10 estirpes bacterianas, através da agitação a 150 rpm, em incubador
DESCREVER A
rotativo a 28 ºC, por 24 h. Em seguida, foram plantadas em sementeiras e mantidas
METODOLOGIA
em casa de vegetação. Após 60 dias, avaliou-se o peso de matéria seca da parte aérea
e das raízes.

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O peso de matéria seca da parte aérea revelou que todas as estirpes bacterianas
resultaram em ganhos quando comparado com o da testemunha, variando entre 11,3
e 78,0%. Entretanto, as estirpes UnB 1366, UnB 1371, UnB 1375, UnB 1370 e UnB SUMARIZAR OS
1373 foram as que se diferiram significativamente. Em contrapartida, a estirpe UnB RESULTADOS
1368 (Bacillus sp.) destacou-se individualmente no incremento (130,0%) da biomassa
radicular.
Tais estirpes devem ser mais bem estudadas, quanto a formas de veiculação,
DISCUTIR A
combinações, formulações etc., para que possam ser utilizadas na otimização da
PESQUISA
produção de mudas.

Fonte: Corpus da pesquisa.

O resumo apresentado no Quadro 3 foi publicado em 2013 em uma revista de


Ciências Agrárias. As partes sublinhadas referem-se aos marcadores metadiscursivos, que
nada mais são do que expressões recorrentes nos diversos resumos produzidos e que
auxiliam o leitor a identificar os diferentes movimentos retóricos presentes no gênero. “Para
cada informação, há marcadores metadiscursivos específicos, comumente encontrados em
abstracts.” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 159).
Desse modo, quando o autor situa a pesquisa, ele dispõe dos seguintes termos:
“atualmente”, “é a mais plantada”, “sua produtividade no ano [...] foi [...]”, “estudos vêm
sendo realizados há anos”. Termos como estes, entre outros, informam ao leitor que a
pesquisa trata de um assunto atual, compreendida entre determinado ano até os dias atuais,
mas que leva em consideração outros estudos já realizados anteriormente a esse período.
Ultramari (2012), linguista que também se vale da teoria de Swales (1990) para
apresentar algumas descrições comuns a vários gêneros, como trabalhos de conclusão de
curso, monografias e dissertações, por exemplo, cita Corte e Fisher, que afirmam: “ao
analisarmos os abstracts das diferentes áreas, constatamos que, em geral, apresentam a
seguinte estrutura: 1º) estabelecimento do objetivo da pesquisa, 2º) descrição da metodologia,
3º) apresentação e discussão dos resultados, e 4º) apresentação da(s) conclusão(ões) mais
importante(s) (avaliação dos resultados)”. (CORTE; FISHER apud ULTRAMARI, 2012, p.
13).
Como é possível constatar, embora haja uma pequena variação quanto ao número de
movimentos presentes em cada proposta, permanece a consistência na presença de algum
tipo de introdução, apresentação de objetivos, aspectos metodológicos da pesquisa,
resultados e conclusões, como apontam os documentos da ABNT referentes ao gênero em
estudo. Destaca-se a ausência de obrigatoriedade, por parte das obras pesquisadas, na
apresentação de um aporte teórico que fundamente a pesquisa, embora muitas diretrizes
institucionais exijam tais informações em seus templates e manuais de submissão de resumos.

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3 METODOLOGIA

“Na pesquisa qualitativa as questões e problemas para a pesquisa advêm de


observações no mundo real, dilemas e questões. Elas são formuladas como hipóteses se-
então [se variável independente, então variável dependente] derivadas da teoria.”
(MARSHALL; ROSSMAN, 1989). Assim, a pesquisa teve um caráter qualitativo
interpretativista, uma vez que se propôs a analisar questões a partir da observação de textos
publicados no gênero objeto de estudo. Foram investigados 70 resumos científicos
selecionados na plataforma Scielo, em periódicos qualificados como A1, na avaliação da
Capes, publicados em Língua Portuguesa.
Os exemplares foram selecionados a partir de periódicos de quatro grandes áreas do
conhecimento: Ciências Exatas, Ciências Biológicas, Ciências Humanas e Ciências Sociais,
sendo assim distribuídos: a) da área de Ciências Exatas: 15 resumos de Engenharia, 7 de
Química e 2 de Meteorologia; b) da área de Ciências Biológicas: 8 resumos de Biologia, 11
de Ciências Agrárias e 6 da área de Saúde; c) da área de Ciências Humanas: 9 resumos de
Linguagem e d) da área de Ciências Sociais: 10 resumos. Do corpus, os artigos foram
publicados no ano de 2013, sendo que apenas 1 resumo de Biologia, 3 de Linguagens e 7 de
Ciências Sociais foram publicados em 2012 e 3 de Exatas foram publicados em 2011,
inseridos no corpus a fim de equiparar os exemplares nas diferentes áreas, devido à
dificuldade de encontrar artigos em Língua Portuguesa nos periódicos A1, já que a maioria
dos periódicos inserida nesse nível encontra-se publicada em língua estrangeira.
Os dados foram coletados em dinâmica desenvolvida com alunos de graduação na
disciplina de Prática e Produção de Textos Científicos (PPTC), ministrada pela segunda
autora e cursada pela primeira, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

4 RESULTADOS

Com base na organização retórica proposta pelas autoras Motta-Roth e Hendges


(2010), com cinco movimentos e diferentes passos retóricos, o presente trabalho objetivou
investigar a ocorrência de cada etapa nos resumos das quatro áreas do conhecimento
analisadas, a fim de verificar se elas se manifestam em todas as áreas e se há alguma
particularidade específica a alguma área, em relação à estrutura retórica. Pelo fato de a norma
técnica da ABNT apresentar proposta semelhante de estruturação do resumo, um dos

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objetivos foi constatar o atendimento à norma estabelecida pela ABNT (2003). O exemplo
a seguir ilustra um exemplar que contempla todos os movimentos:

Quadro 4 – Resumo de Ciências Agrárias

Atualmente, a árvore mais plantada no Brasil é o Eucalyptus spp., ocupando 81,6%


das florestas plantadas. Sua produtividade em 2009 foi de 44,2 m3 de eucalipto com
SITUAR A
casca/ha, gerando aproximadamente 46.850 empregos diretos. Estudos de bactérias
PESQUISA
benéficas, como as Rizobactérias Promotoras de Crescimento de Plantas (RPCPs),
vêm sendo desenvolvidos há mais de um século.

Este trabalho objetivou avaliar estirpes de bactérias extremófilas facultativas que APRESENTAR A
possuam potencial na promoção de crescimento do eucalipto. PESQUISA
As sementes do híbrido “urograndis” foram microbiolizadas com uma suspensão de
109 UFC/mL das 10 estirpes bacterianas, através da agitação a 150 rpm, em incubador
DESCREVER A
rotativo a 28 ºC, por 24 h. Em seguida, foram plantadas em sementeiras e mantidas
METODOLOGIA
em casa de vegetação. Após 60 dias, avaliou-se o peso de matéria seca da parte aérea
e das raízes.
O peso de matéria seca da parte aérea revelou que todas as estirpes bacterianas
resultaram em ganhos quando comparado com o da testemunha, variando entre 11,3
e 78,0%. Entretanto, as estirpes UnB 1366, UnB 1371, UnB 1375, UnB 1370 e UnB SUMARIZAR OS
1373 foram as que se diferiram significativamente. Em contrapartida, a estirpe UnB RESULTADOS
1368 (Bacillus sp.) destacou-se individualmente no incremento (130,0%) da biomassa
radicular.
Tais estirpes devem ser mais bem estudadas, quanto a formas de veiculação,
DISCUTIR A
combinações, formulações etc., para que possam ser utilizadas na otimização da
PESQUISA
produção de mudas.

Fonte: Corpus da pesquisa.

No exemplo do Quadro 4, os cinco movimentos propostos por Motta-Roth e


Hendges (2010) são contemplados, ou seja, o autor situa o leitor acerca da pesquisa,
estabelecendo interesse profissional no tópico e fazendo generalizações; apresenta a
pesquisa, indicando seus objetivos e suas características; descreve a metodologia adotada para
que tais objetivos pudessem ser cumpridos; aponta os resultados obtidos ao final da pesquisa
e explicita uma conclusão, indicando possíveis caminhos a serem tomados posteriormente.
Nem todos os exemplares analisados, contudo, apresentam os cinco movimentos,
como pode ser evidenciado no exemplo a seguir:

65

SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 56-73.


Quadro 5 – Resumo de Ciências Biológicas

A morfologia macro e microscópica da traqueia e pulmões de Amphisbaena


vermicularis Wagler, 1824 e Amphisbaena microcephala (Wagler, 1824), assim como SITUAR A
a ultraestrutura das câmaras respiratórias, foram descritas pela primeira vez neste PESQUISA
estudo.

APRESENTAR A
PESQUISA

DESCREVER A
METODOLOGIA

A traqueia não se ramifica e seu segmento caudal, situado entre os pulmões, foi
denominado brônquio. O pulmão esquerdo é alongado, saculiforme e unicameral,
com parênquima faveolar na porção cranial e trabecular, na porção caudal. Câmaras
respiratórias estão presentes em ambas as regiões do pulmão, mas é possível que a
região caudal funcione também como reservatório de ar. O pulmão direito está
reduzido nas duas espécies, no entanto em A. vermicularis a redução é bastante SUMARIZAR OS
acentuada e apenas um vestígio deste órgão pode ser observado, mas em A. RESULTADOS
microcephala o pulmão direito é um órgão com limites definidos que se comunica
com a porção caudal do tubo traqueal, através de dois orifícios. Pneumócitos tipo I e
tipo II estão presentes nas câmaras respiratórias. As lâminas basais dos pneumócitos
I e das células endoteliais encontram-se fundidas, de forma a diminuir a barreira ar-
sangue, que é de aproximadamente 0,5 µm em A. microcephala.

As características morfológicas descritas neste estudo podem representar adaptações


que permitem a sobrevivência dos espécimes de Amphisbaenia nas galerias DISCUTIR A
subterrâneas, onde passam a maior parte de suas vidas sob condições de baixa PESQUISA
renovação de ar, níveis de umidade relativamente variáveis e partículas em suspensão.

Fonte: Corpus da pesquisa.

No exemplo dado, constatam-se apenas três movimentos. O autor somente situa a


pesquisa, expõe os resultados e tece uma conclusão acerca de sua pesquisa, sem apresentar
os objetivos e aspectos metodológicos da investigação. Só há a presença, portanto, do
primeiro, do quarto e do quinto movimentos descritos por Motta-Roth e Hendges (2010). O
leitor interessado em saber sobre os objetivos da pesquisa e sobre o método adotado para
que esses objetivos sejam alcançados, por exemplo, será obrigado a recorrer à leitura do
artigo para obter suas respostas, levando o resumo a apresentar-se de modo a não atender
um de seus objetivos: sintetizar o artigo com o propósito de dispensar a leitura do texto
integral para obtenção dos dados principais da pesquisa. Na análise dos 70 resumos
pertencentes ao corpus da pesquisa, verificou-se que nenhum resumo apresentou menos que
3 movimentos dos 5 propostos pelas autoras.
O primeiro movimento proposto por Motta-Roth e Hendges (2010) – SITUAR A

66

SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 56-73.


PESQUISA – situa o leitor sobre a pesquisa realizada e apresenta, no mínimo, uma das
subfunções descritas para esse movimento, a saber, conforme exposto no Quadro 2: (1)
estabelecer interesse profissional no tópico; (2) fazer generalizações do tópico; (3) citar
pesquisas prévias; (4) estender pesquisas prévias e (5) contra-argumentar pesquisas prévias.
Na teoria de Swales (1990), esse movimento serviria para estabelecer o território pelo qual a
pesquisa perpassa. Desse modo, deveria apresentar ao menos os seguintes subitens: (1)
estabelecer a importância da pesquisa; (2) fazer generalizações quanto ao tópico e (3) revisar
a literatura (citar pesquisas prévias).
O resumo a seguir pertence à área de Ciências Biológicas e não apresenta o primeiro
movimento. Ainda assim, é possível recuperar informações referentes às subfunções do
primeiro movimento na apresentação do objetivo da pesquisa – relativo ao segundo
movimento –, de modo a não prejudicar o propósito do resumo.

Quadro 6 – Resumo de Ciências Biológicas

SITUAR A
PESQUISA

Verificou-se a efetividade de caracteres fenotípicos na caracterização e dissimilaridade, APRESENTAR A


bem como a distância genética entre populações melhoradas e cultivares de cenoura. PESQUISA

Os experimentos foram conduzidos na Embrapa Hortaliças, Distrito Federal. Seis


genótipos de cenoura, sendo três populações melhoradas (712467, 712473 e 712464),
e três cultivares (Brasília, BRS Esplanada e BRS Planalto) pertencentes ao grupo
Brasília, foram avaliadas nas safras de verão de 2007/2008, 2008/2009, 2009/2010.
Os experimentos foram instalados em delineamento de blocos ao acaso com duas
repetições e parcelas de 1 m2 de área útil. Aos 100 dias após semeio, foram colhidas DESCREVER A
25 raízes por parcela e avaliadas individualmente para diâmetro do xilema da raiz, e METODOLOGIA
para caracteres que fazem parte dos descritores mínimos para registro e proteção de
cultivares de cenoura. Foram realizadas estimativas de repetibilidade e número de
avaliações necessárias para caracterizar as populações, a dissimilaridade fenotípica e
genotípica entre as populações, e os coeficientes de determinação (R2) de acordo com
diferente número de avaliações.

Verificou-se que, com exceção do caractere formato de ponta da raiz, os demais


caracteres estudados, que fazem parte dos descritores mínimos de cenoura, não são
eficientes para ambos os processos de caracterização e discriminação de populações
de cenoura pertencentes ao grupo Brasília. Não são esperados grandes efeitos SUMARIZAR OS
heteróticos ao serem cruzados os genótipos de processamento BRS Esplanada e RESULTADOS
712464. Para as populações de mesa avaliadas, é possível obter efeitos heteróticos
apenas quando utilizada a cultivar Brasília nos cruzamentos.

DISCUTIR A
PESQUISA

Fonte: Corpus da pesquisa.

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, set./dez., 2017, p. 56-73.


Ainda que em termos de conteúdo a ausência do movimento não compromete o
propósito informativo do resumo, o que se constata é que o tópico frasal mostra-se
comprometido em sua estrutura retórica introdutória, uma vez que a maneira como o autor
opta por iniciar o texto não se apresenta com marcador metadiscursivo próprio de introdução
temática, mas de continuidade discursiva, salientando a ausência do primeiro movimento.
Dos 70 resumos analisados, 26 (a saber: 10 pertencentes às Ciências Biológicas, 11
de Ciências Exatas, 4 de Ciências Humanas e 1 resumo da área de Ciências Sociais) não
apresentavam nenhuma das subfunções apresentadas pelas autoras, ou seja, o primeiro
movimento nesses resumos era inexistente, totalizando 37% do corpus, sendo evidente a
tendência em subtraí-lo nas áreas exatas e biológicas, o que sugere, nas referidas áreas,
predileção à informação do conteúdo em relação à forma textual típica do gênero, já que a
ausência do movimento não comprometia o caráter informativo do texto.
Observou-se que resumos dessas áreas, geralmente, tendem a focar mais no processo
realizado e nos resultados obtidos do que na contextualização do tema em si; ao contrário
do que se observa nas áreas de Ciências Humanas e Sociais, em que há uma maior
preocupação em situar o leitor historicamente sobre o assunto, haja vista, possivelmente, o
fato de as pesquisas terem um peso mais bibliográfico/reflexivo do que experimental.
Além disso, a similaridade entre as nomenclaturas das subfunções desse movimento
representa uma dificuldade também quanto à análise dos resumos. A subfunção 1B, referente
ao movimento 1, por exemplo, definido como “fazer generalizações sobre o tópico” e a
subfunção 2A, “citar pesquisas prévias”, também referente ao primeiro movimento, por
vezes podem se confundir, como é possível constatar nos seguintes fragmentos:

Frag. 1: “Os aços inoxidáveis Duplex (AID) aliam uma excelente resistência à
corrosão com elevada resistência mecânica devido à fina microestrutura bifásica
composta por quantidades similares de ferrita (d) e austenita (g). Portanto, estas
ligas são utilizadas em tubulações e equipamentos industriais onde se requer
elevada relação resistência/peso, especialmente em empreendimentos de
construção e montagem off-shore.”

Frag. 2: “Nos últimos 20 anos, pesquisas voltadas ao desenvolvimento de


modelos rigorosos para a orientação de sensores orbitais puhbroom lineares vêm
sendo desenvolvidas e apresentadas. Na maioria destas pesquisas, a trajetória e a
orientação do satélite durante a formação das cenas são obtidas a partir de
polinômios de 1º, 2º e até 3º grau.”

Embora no fragmento 1 não ocorra a presença de termos como “pesquisas apontam”


etc., o autor trabalha com dados concretos, que só podem ser inferidos com o respaldo de

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alguma pesquisa sobre o tópico. Provavelmente o autor não expôs de forma explícita devido
ao fato de querer manter certo mistério no resumo para que o leitor continue interessado em
ler o artigo completo, e, ao longo do seu trabalho, deverá desenvolver esse tópico
embasando-o teoricamente. Tal fragmento tanto pode ser interpretado, desse modo, como
referente à subfunção 1A como à subfunção 2A. Em relação ao fragmento 2, o marcador
metadiscursivo “Nos últimos 20 anos, pesquisas voltadas [...]” sugere sua associação à
subfunção 2A, mas não impede que se tome tal fragmento como uma forma de
contextualização temática. Ainda que se espere que periódicos bem qualificados comportem
produções de pesquisadores mais experientes, isso não significa que esses mesmos
pesquisadores apresentem amplo domínio linguístico quanto aos gêneros acadêmicos que
produzem. Há de se considerar, assim, tais dificuldades de análise das referidas subfunções
presentes nos resumos como consequência do desconhecimento sobre a estrutura desse
gênero e pouca familiaridade com o uso das marcações linguísticas típicas de cada
movimento por parte dos autores.
O segundo movimento proposto por Motta-Roth e Hendges (2010) –
APRESENTAR A PESQUISA – consiste em apresentar informações pertinentes acerca da
pesquisa, como suas principais características, objetivos e o levantamento de hipóteses a
serem confirmadas ou não na pesquisa. Evidencia-se a importância desse movimento nos
abstracts, uma vez que, dos 70 textos analisados, apenas 4 – a saber: 2 da área de Ciências
Biológicas, 1 de Ciências Exatas e 1 da área de Ciências Humanas – não o apresentaram, nem
esboçaram a recorrência de nenhuma de suas subfunções, ou seja, apenas 5,7% dos
exemplares. Estes resumos apresentavam de imediato a metodologia adotada, os resultados
da pesquisa e algumas generalizações sobre ela. Nesse sentido, um leitor que esteja
interessado em saber se o artigo levanta hipóteses que lhe interessariam, se traça objetivos
ou se possui características semelhantes às do seu trabalho, por exemplo, não teria seus
interesses de pesquisa atendidos ao ler o resumo.
Já em relação ao movimento 3 – DESCREVER A METODOLOGIA –, dos 70
abstracts, 13 (2 de Ciências Biológicas, 1 de Ciências Exatas, 6 de Ciências Humanas e 4 de
Ciências Sociais) não descreviam a metodologia adotada para a realização de suas pesquisas,
ou seja, 18,57%, sendo que esse percentual mostra-se mais evidenciado nas áreas humanas e
sociais, em que o detalhamento metodológico nem sempre se mostra relevante como ocorre
em pesquisas das áreas biológicas ou exatas, mais processuais por natureza - nas quais o

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método utilizado na pesquisa interfere diretamente, muitas das vezes, no produto
gerado/analisado.
Nessas áreas, mais processuais, o leitor está mais interessado, principalmente, em
saber “[...] se o pesquisador terá uma participação passiva, ou seja, de observador, ou uma
participação ativa, fazendo alguma intervenção ou experimento”. (REIS; CICONELLI;
FALOPPA, 2002, p. 53). Os dados evidenciam a maior recorrência desse movimento em
certos campos do conhecimento, em detrimento de outros.
Quanto ao movimento 4 – SUMARIZAR OS RESULTADOS –, dos 70 resumos
analisados, 17,1% não apontaram os resultados de suas pesquisas. Dos 12 resumos que não
explicitaram os resultados, 1 era de Ciências Biológicas, 2 de Ciências Exatas, 5 eram
referentes às Ciências Humanas e 4 às Ciências Sociais. Embora Motta-Roth e Hendges
(2010) não teçam considerações acerca de situações em que os resultados não sejam
expostos, atribuímos tais características a duas possibilidades: a primeira delas pode se referir
a resumos decorrentes de pesquisas ainda em fase de desenvolvimento, nas quais não se
tenha acesso a resultados conclusivos. Espera-se, nesses casos, que se apresentem resultados
esperados, ainda que, na prática, nem sempre eles se mostrem apresentados. A segunda diz
respeito a uma possível característica das áreas nas quais as ocorrências se manifestaram. As
áreas humanas e sociais podem apresentar trabalhos de cunho mais reflexivo e/ou teórico,
de modo que o autor não sinta necessidade de apresentar resultados explícitos de sua
proposta de pesquisa, uma vez que eles perpassam todo o texto.
Por fim, 39 dos 70 resumos analisados não apresentam o movimento 5 – DISCUTIR
A PESQUISA –, totalizando 55,71% dos exemplares sem tecer qualquer conclusão e/ou
recomendação de futuras aplicações. Desses resumos, 11 são de Ciências Biológicas, 12 de
Ciências Exatas, 11 de Ciências Humanas e 8 de Ciências Sociais, o que mostra um equilíbrio
entre as diferentes áreas de conhecimento. Alguns marcadores metadiscursivos – tais como
“os resultados indicam” – presentes na exposição dos resultados, em alguns desses resumos,
sugerem que uma das possíveis explicações para a ausência desse movimento conclusivo seja
a incipiência nas investigações.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aspecto retórico estrutural mostra-se importante para a produção de qualquer


gênero textual, pois torna possível a caracterização de um gênero tanto para quem precisa

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produzi-lo como para quem usufruirá de sua leitura/consulta. A forma, porém, não é tudo.
Rodrigues (2005, p. 164) afirma que, embora um gênero textual apresente características
parecidas, eles cumprem propósitos comunicativos que acabam produzindo variações que
não podem deixar de ser consideradas, afinal, um texto só tem existência dentro da situação
comunicativa na qual e para a qual foi criado. Só após a verificação dessa etapa seria possível
dizer se ele atende à estrutura esperada.

O fato de um texto se desviar das convenções, ou transgredir as formas, significa


que existem “regulamentos” que estão sofrendo a transgressão [...] o que mantém
as normas visíveis e com vitalidade é a própria ação da transgressão. (HEMAIS;
BIASI-RODRIGUES, 2005, p. 111-112).

Destarte, as reflexões levantadas aqui acerca da evolução nos estudos sobre o gênero
resumo científico; os processos pelos quais a teoria do precursor desses estudos, John Swales
(1990), passaram; e a própria proposta de reformulação da descrição esquemática descrita
por Motta-Roth e Hendges (2010), ilustram o que van Driel e Verloop apud Hemais e Biasi-
Rodrigues (2005) afirmam sobre o fato de que um modelo deveria ser o mais simples possível
e que, ao longo de sua produção na realidade, alguns aspectos ou regras desse modelo matriz
poderiam ser omitidos ou alterados.
Por tudo isso, é possível afirmar que as variações encontradas nas produções
referentes ao gênero resumo científico no corpus analisado, quanto à presença ou não de
todos os movimentos previstos por Motta-Roth e Hendges (2010) não representam prejuízo
ao gênero em análise. O que se evidencia nos resultados da pesquisa é que alguns
movimentos – especificamente os movimentos 1 e 5 –, quando ausentes, não comprometem
o conteúdo veiculado, sendo, ainda, verificado que a ausência de movimentos como o que
aponta os métodos ou os resultados diz respeito a características próprias de determinadas
áreas do conhecimento, em trabalhos nos quais o caráter mais teórico-reflexivo levanta a
possibilidade de apresentar a proposta de pesquisa sem a imposição desses passos rígidos.
O que se evidencia, ainda, é que os problemas surgem quando manifestam uma
inadequação no uso da linguagem em relação ao gênero em análise e ao meio no qual ele se
insere, com uso inadequado – ou não uso – dos devidos marcadores metadiscursivos
associados a cada movimento, de modo a que essas pistas textuais que auxiliam o leitor a
identificar as partes componentes dos resumos não se mostrem eficazes.
As autoras concluem que pesquisas relativas ao estudo dos gêneros acadêmicos
mostram-se relevantes à análise e produção prática desses mesmos gêneros por estudantes
em iniciação científica, em disciplinas como a que deu início à pesquisa relatada no presente

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artigo e que a elaboração de manuais que apresentem especificações nas diferente áreas do
conhecimento precisam ser desenvolvidos, haja vista que a estrutura dos gêneros acadêmicos
parece sofrer consideráveis adaptações nas diferentes áreas.

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Habilidades metassintáticas no estabelecimento de relações de
adversidade, causa, conclusão e finalidade: uma proposta de mediação
pedagógica

Roza Palomanes1
Mario Mangabeira2

RESUMO
Considerando a importância da utilização de construções subordinativas e coordenativas para a
produção textos coerentes e coesos, o presente artigo visa apresentar a proposta de mediação
pedagógica realizada com um grupo de alunos de 6º ano de escola pública do município do Rio de
Janeiro, sob a perspectiva teórica da metacognição, metalinguagem e, mais especificamente, da
consciência metassintática. (FLAVELL, 1979; GOMBERT, 1992, 2003 e CORRÊA, 2004). A
ideia de propor uma aplicação da teoria metacognitiva à prática pedagógica partiu da observação
de que a maioria dos alunos que chega ao 6º ano do Ensino Fundamental produz períodos
simples justapostos ou períodos compostos em que se utiliza, prioritariamente, o conectivo “e”.
Foram aplicados pré-teste e pós-teste, no início e no fim da pesquisa, e, entre eles, atividades
voltadas para o aprimoramento da produção de estruturas infra-sentenciais e sentenciais, no que
tange a articulações de orações. Os resultados da pesquisa apontam para a melhoria do
desempenho da produção escrita dos alunos no que se refere às construções que estabelecem
relações lógico-discursivas de adversidade, causa, conclusão e finalidade. Conclui-se, ao final, a
eficácia da proposta e a necessidade de ampliação das investigações propostas pela pesquisa para
a verificação de mais evidências que comprovem a relação entre a consciência metassintática e um
melhor desempenho na produção de textos, no que se refere a sua microestrutura.

Palavras-chave: Ensino. Metalinguagem. Consciência Metassintática. Período Composto.

Metasyntactic abilities in the establishment of relations of adversity, cause,


conclusion and purpose: a proposal of pedagogical mediation

ABSTRACT
Considering the importance of the use of subordinate and coordinate clauses for the production
of coherent and cohesive texts, this article aims to present the pedagogical mediation proposal
carried out with a group of students from the 6th grade of a public school in the city of Rio de
Janeiro by means of the metacognition theory, metalanguage and, more specifically, the
metasyntactic awareness. (FLAVELL, 1979; GOMBERT, 1992, 2003 and CORRÊA, 2004). The
proposal of pedagogical mediation was based on the observation that the majority of students

1
Com graduação em Letras (1988), especialização em Língua Portuguesa (UERJ - 1998), Mestrado (UFRJ -2002) e
Doutorado em Linguística (UFRJ-2007). Atualmente é Professor de Linguística na Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ). Participa do grupo de pesquisa ELMEP certificado pela Instituição. É vinculada ao Programa de Pós-
graduação em Letras – PROFLETRAS - desenvolvendo pesquisas dentro da linha TEORIAS DA LINGUAGEM E
ENSINO, é coautora do livro MANUAL DE LINGUÍSTICA e coautora e organizadora dos livros PRÁTICAS DE
ENSINO DO PORTUGUÊS e ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL, todos publicados pela Editora Contexto,
além de ter publicados capítulos em livros e artigos em revistas acadêmicas brasileiras na área de linguística.
2 Licenciado em Letras - Português e Inglês (UCB), Especialista em Língua Portuguesa (UERJ) e Mestre em

Letras pelo programa PROFLETRAS (UFRRJ), sendo bolsista CAPES, na área de concentração "Teorias
da Linguagem e Ensino."

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who reach the 6th grade of Elementary Education produce simple juxtaposed clauses or
compound clauses in which the "e" connective is used as a priority. Pre-test and post-test were
applied at the beginning and at the end of the research, and among them, activities aimed at
improving the production of intrasentential and sentential structures, with respect to articulations
of sentences. The results of the research demonstrated that there is an improvement in the
performance of students' written production in terms of structures that establish logical-discursive
relationships of adversity, cause, conclusion and purpose. In conclusion, the effectiveness of the
proposal has been observed as well as the need to broaden the research proposed by the research
in order to gather more evidence to prove the relationship between the metasyntactic awareness
and a better performance in the production of texts, regarding its microstructure.

Keywords: Teaching. Metalanguage. Metasyntactic Awareness. Compound Sentence.

1 INTRODUÇÃO

Nos textos escritos de maior extensão, conectivos ou expressões conectoras que


criam e sinalizam relações semânticas de diferentes naturezas são muito usadas.
Entretanto, percebemos que a metodologia, por vezes, passiva e transmissiva do
conhecimento linguístico acerca do “Período Composto” no ensino fundamental –
identificação e classificação de orações - não contribui, efetivamente, para um melhor
desempenho nas produções escritas dos alunos. Ao se ter acesso a produções de textos de
alunos do 6° ano do ensino fundamental de uma escola pública do município do Rio de
Janeiro, fica evidente um conhecimento e uso de estruturas linguísticas limitado ao
período simples.
Tradicionalmente, o ensino da Língua Portuguesa (doravante LP), no Brasil,
esteve associado à exploração de conteúdos de gramática, mais precisamente à análise
estrutural de conhecimentos fonológicos, morfológicos e sintáticos e à memorização de
nomenclaturas e regras. Os livros didáticos, durante muito tempo e, por que não dizer
ainda hoje, reproduziram essa realidade e os alunos vivenciam um processo de
ensino/aprendizagem de LP desvinculado de seus contextos de uso e limitado pela
análise de palavras e das frases isoladas. Nessas práticas de ensino, há pouca preocupação
com a construção ou a apropriação dos conhecimentos linguísticos, pois passam ao longe
das reflexões mais fundamentais. Esse tipo de abordagem, calcada em uma visão de
língua como estrutura, reforçou a imagem de que a LP é complexa, de difícil
aprendizagem, sobretudo por tratar a gramática de forma estanque e classificatória.
Do ponto de vista teórico, embora haja uma vasta literatura que embasa a
propostas de autores de livros didáticos que seguem um viés sociointeracionistas e de

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letramento, carecemos de um exame mais cuidadoso das práticas de ensino que envolvem
as relações lógico-discursivas, visando um melhor desempenho linguístico no que tange à
produção textual dos alunos. Tal reflexão evidencia a busca de um olhar diferenciado
sobre o desenvolvimento da competência escrita, envolvendo o processo de ensino-
aprendizagem dos conectivos, destacando a relação teoria e prática, no tocante aos
estudos acerca da metacognição (FLAVELL, 1979) e da metalinguagem (GOMBERT,
1992, 2003; CORRÊA, 2004).
Sendo assim, com base em autores com Flavell (1987) e Gombert (2003),
entende-se que um ensino de LP baseado na consciência metalinguística como
perspectiva fundamental para o relacionamento com a língua e o desenvolvimento da
leitura e da escrita é um caminho metodológico eficaz. O conhecimento, por parte do
professor de LP, acerca do desenvolvimento metacognitivo e metalinguístico dos alunos,
pode instrumentalizá-lo a conduzir o discente na realização de tarefas que envolvam
ações de tais naturezas.
A hipótese que norteou a pesquisa desenvolvida é a de que o treinamento da
habilidade metassintática, ou seja, o uso consciente e a reflexão intencional sobre a função
e relação de elementos linguísticos, favorece melhor desempenho na produção de
enunciados mais complexos, permitindo ao aluno utilizar ferramentas linguísticas próprias
(conectivos). No contexto da pesquisa, o foco do trabalho está no uso de conectivos que
possuam valores lógico-discursivos de adversidade, causa, finalidade e conclusão.
O presente artigo, portanto, visa contribuir com propostas de situações didáticas
mais apropriadas para o trabalho com a conectividade, objetivando desenvolver a
habilidade dos alunos em expressar, de forma clara, as ideias que quer comunicar.
A discussão aqui proposta, baseada em Mangabeira Jr. (2015), se estrutura pela
apresentação dos pressupostos teóricos que fundamentam a pesquisa. São apresentados
estudos sobre metacognição, metalinguagem e consciência metassintática. Em seguida,
são descritas todas as etapas da pesquisa desenvolvida e a proposta didática utilizada na
aplicação da pesquisa. Após a descrição dos procedimentos metodológicos, serão
apresentados os resultados obtidos com a mediação pedagógica e, por fim, as
considerações finais acerca da aplicação da proposta que ora apresentamos.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Perspectivas teóricas de diferentes vertentes da pedagogia, psicologia e linguística,


relacionadas ao ensino, vêm sendo amplamente divulgadas e discutidas, sobretudo nas
últimas duas décadas. Nesse contexto, estudos de cunho cognitivo emergem com o
intuito de demonstrar que a aprendizagem não ocorre somente pela estimulação externa;
se dá, também, por estratégias utilizadas pelo aluno ao responder a essas estimulações.
O termo “metacognição” surge, então, para definir o conhecimento que o
indivíduo tem sobre experiências cognitivas. No entanto, sua definição dependerá de qual
viés de estudo essa perspectiva será depreendida. Apesar de já fazer parte do vocabulário
da psicologia e da pedagogia, há um vasto debate sobre sua conceituação. Ao ler trabalhos
sobre o tema, produzidos por diferentes autores e concepções teóricas, percebe-se que
uma gama de termos é usada para descrevê-lo, dentre eles, autorregulação e controle
executivo.
Após trabalho seminal de Flavell, na década de 70, o termo metacognição passou
a ser entendido como o conhecimento que se têm sobre os próprios processos cognitivos
e a habilidade de controlar esses processos, monitorando, organizando e modificando-os
para realizar objetivos concretos. Flavell (1987) aponta para a importância do controle e
da tomada de consciência dos processos cognitivos por parte do aluno e da busca de
situações que as potencializam. Seu postulado baseou-se em dados empíricos que
mostravam que alguns estudantes podiam apresentar estratégias adequadas de memória.
Contudo, nem sempre as utilizam de forma eficaz, evidenciando o que chama de
“deficiência de produção”. Esse fato levou-o a propor que não é suficiente somente
distinguir o nível de funcionamento cognitivo; é necessário, também, saber como
controlar seus próprios processos cognitivos para ser eficiente em determinadas tarefas
(nível de funcionamento metacognitivo).
Para o referido autor, o processo de aprendizagem passa por quatro níveis da
atividade mental. No primeiro nível, elementar, a aprendizagem se dá a partir dos
condicionamentos e automatismos, mediante processos básicos inatos. No segundo nível,
encontra-se a aprendizagem de conhecimentos declarativos, semânticos, cuja organização
se dá em esquemas a partir de processos básicos da estrutura cognitiva. Já no terceiro
nível, desenvolvem-se as estratégias e métodos utilizados de forma dedutiva ou indutiva
para categorizar ou relacionar conhecimentos. O quarto nível, por sua vez, envolve o

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conhecimento, a consciência e o controle dos outros níveis – nível metacognitivo.
Acerca dessa discussão, Jou e Sperb (2006) evocam que esses níveis de
aprendizagem

podem ser utilizados tanto para analisar as etapas de desenvolvimento do


indivíduo [...] quanto para analisar as etapas de aprendizagem de um
conhecimento novo. Dessa maneira, pode-se diferenciar um aluno que
desenvolve habilidades mais eficientes de aprendizagem, isto é, que reconstrói
e opera com conceitos daquele que está apenas repetindo ou reproduzindo
conceitos. (JOU; SPERB, 2006, p. 181).

Datam-se, da primeira metade do século XX, as primeiras discussões sobre a


noção de metalinguagem. (VYGOTSKY, 1977). Segundo o autor, a escola, através das
atividades desenvolvidas, de cunho reflexivo e continuadas, contribui para a construção
da consciência linguística. Somente na década de 80, o termo começou a ser utilizado no
sentido de “reflexão sobre a língua”. Há que se fazer distinção, no entanto, entre
metacognição e metalinguagem, de modo que fique claro que o primeiro termo se refere
à consciência sobre a própria cognição, ou seja, constitui um conjunto de competências
que só é possível explicitar ao se levar em consideração o mecanismo intrapsicológico de
qualquer ordem que possibilita a tomada de consciência de conhecimentos articulados e
de processos mentais utilizados para produzir esses conhecimentos. E o segundo termo –
metalinguagem - refere-se à cognição da linguagem, ou seja, a atividade cognitiva exercida
pelo sujeito sobre a linguagem e com seu controle intencional. (GOMBERT, 1992).
É no bojo dessas reflexões sobre metalinguagem que se encontram estudos
relacionados ao papel das habilidades metalinguísticas aplicadas ao ensino da língua. As
orientações dadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), ao propor o princípio
didático exemplificado pela tríade USO>REFLEXÃO>USO, apontam a necessidade de
motivar o desenvolvimento de saberes metacognitivo e metalinguístico através da reflexão
gramatical – a gramática vista como mecanismo materializador dos significados sobre os
textos com os quais os alunos têm contato - e também sobre seu próprio fazer linguístico,
para que os alunos possam compreender e apropriar-se, estruturalmente, dos seus
processos de leitura e escrita.
Dessa forma, apoiam-se o esforço de pesquisadores e interessados na área do
ensino de LP e suas perspectivas metodológicas em verificar caminhos possíveis para
desenvolver estratégias didáticas que explorem o desenvolvimento da competência
metalinguística nos alunos, uma vez que essa competência que precisa ser ensinada. Isto

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porque há estudos que apontam para o fato de que o desenvolvimento das habilidades
metalinguísticas permite uma melhora no desempenho dos alunos no tocante à
aprendizagem da leitura e da escrita. (MOTA, 2009). Sob essa égide, Morais (2012) afirma
que

[...] é preciso lembrar que as habilidades humanas de reflexão metalinguística


cobrem um amplo leque. Além de pensarmos sobre as unidades sonoras das
palavras (consciência metafonológica), podemos refletir sobre os morfemas
das palavras (consciência metamorfológica), sobre a adequação sintática de
enunciados (consciência metassintática), sobre a adequação dos textos
(consciência metapragmática). Em todos esses âmbitos, os aprendizes podem
fazer reflexões metalinguísticas, sem usar os termos da gramática pedagógica
tradicional que a escola os obriga a memorizar. (MORAIS, 2012, p. 84)

Desde muito cedo, a criança, imersa em contextos sociodiscursivos de uso da


língua, aprende e utiliza a linguagem oral com destreza, de forma espontânea. Somente
com a escolarização, ela será capaz de manipular as estruturas linguísticas
conscientemente, isto é, passa a ter consciência metalinguística. Antes dessa fase, a criança
apresenta controle sobre sua linguagem, porém, constituindo momentos distintos: os
epiprocessos - designados como conhecimentos implícitos - e os metaprocessos -
conhecidos como conhecimentos explícitos. (MALUF, 2006). A autora citada reflete
sobre o fato de que o simples contato com a escrita não é suficiente para desenvolver os
níveis de consciência metalinguística. O contato com material escrito, desde a tenra idade,
promove o desenvolvimento de aprendizagens implícitas sobre a linguagem escrita,
mesmo antes do início da participação na escolarização formal. É necessário, então,
depreender esforços para que se coloquem em prática as habilidades de controle
intencional dos elementos linguísticos.
Em relação à aprendizagem da escrita, Gombert (1992) afirma que a
aprendizagem explícita da organização sintática da frase e dos períodos - em relação aos
processos sintáticos fundamentais de coordenação e subordinação, por exemplo, leva à
construção, por parte do sujeito, de conhecimentos suscetíveis de serem utilizados para
controlar o produto desses processos automáticos.
A articulação e o refinamento da percepção do aluno sobre a língua são duas das
tarefas preponderantes do ensino de língua portuguesa, estando positivamente
respaldadas e referendadas pelas pesquisas e investigações didático-pedagógicas da língua.
Corroborando tal análise, Gombert (1992) afirma que a consciência metalinguística

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contribui enormemente para a autonomia da pessoa que usa a língua
socialmente, e se desenvolve através de atividades de reflexão sobre as ações e
construtos linguísticos relacionados à produção e à recepção dos textos e do
monitoramento e planejamento consciente da concretização das ações
linguísticas nos diferentes níveis em que elas se organizam. (GOMBERT,
1992, p. 13).

Sendo assim, atividades didáticas que levem em consideração a promoção da


consciência explícita das estruturas linguísticas que deverão ser manipuladas
intencionalmente fazem parte das premissas da consciência metassintática. Essas
atividades levariam os alunos a reconhecer que a linguagem possui um sistema de regras e
combinações de categorias gramaticais ou palavras entre si, de modo a produzir sentenças
que tenham sentido num dado contexto. Essa capacidade está diretamente ligada ao
caráter articulatório da linguagem; fazem-se necessárias regras convencionais de
combinação que possibilitem uma organização para a produção de enunciados com
sentido, dada a relação entre consciência metassintática e metassemântica.
Tendo em vista a não homogeneidade no contexto da consciência metalinguística,
um dos focos da proposta de mediação pedagógica em análise foi debruçar-se sobre o
papel da consciência metassintática no processo de ensino-aprendizagem de conectivos
coordenativos e subordinativos que estabelecem relação de causa, adversidade, finalidade
e conclusão no sexto ano do Ensino Fundamental II.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UTILIZADOS

No contexto da proposta de mediação pedagógica em questão, através de análise


de textos de variados gêneros, sobretudo narrativos, de alunos de diferentes grupamentos
de turmas de 6º ano do ensino fundamental, bem como do pré-teste aplicado, percebeu-
se um desempenho insatisfatório no que se refere à produção de textos estruturalmente
adequados, ao observar sua microestrutura. Destacam-se, para fins de exemplificação, a
produção de enunciados “truncados”, do ponto de vista sintático e semântico, e o uso
reduzido de conectivos que estabelecem a coesão do texto. A análise revelou, também, a
dificuldade dos alunos, de modo geral, em compreenderem as diferenças estruturais entre
oralidade e escrita.
Os procedimentos de mediação pedagógica adotados, com controles de pré-testes
e pós-testes, foram realizados com alunos de uma turma de 6° ano de uma escola de
Ensino Fundamental da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, a partir da perspectiva da

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pesquisa-ação. (TRIPP, 2005). O referido autor define pesquisa-ação como uma dentre as
possibilidades de investigação-ação, ao referir-se à tentativa contínua, sistemática e
empiricamente fundamentada de aprimoramento da prática. No meio educacional, a
pesquisa-ação serve-se como estratégia para o desenvolvimento de professores e
pesquisadores em virtude da utilização de suas pesquisas para aprimorar o ensino e, por
conseguinte, o aprendizado dos alunos. Pelo exposto, consideramos essa proposta
metodológica a mais adequada a nossa pesquisa.
Do grupo de 22 alunos da turma3 escolhida para aplicar a proposta de mediação
pedagógica, 2 estudantes cursavam o ano escolar pela segunda vez, por serem repetentes.
É importante destacar que, apesar de se encontrarem em níveis de letramento
diferenciados, todos os alunos envolvidos eram alfabetizados, conforme detectado em
um teste-diagnose feito. A Escola oferece atendimento nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, sendo assim, grande parte da turma era oriunda do 5º ano da própria
unidade escolar.
As ações de mediação tiveram como base um projeto didático de trabalho com a
adaptação da narrativa “As Aventuras de Tom Sawyer” (MACHADO, 2005), um dos
maiores clássicos da literatura juvenil, escrito por Mark Twain. Essa etapa inicial da
pesquisa-ação desenvolvida teve como objetivo principal identificar o problema apontado
no pré-teste4 em relação ao encadeamento lógico-discursivo das orações nos textos dos
alunos do sexto ano da turma do contexto da pesquisa.
A partir das produções feitas pelos alunos no pré-teste, analisou-se sua escrita,
baseando-se no universo de períodos compostos por coordenação e subordinação, com
os seguintes critérios:
A) Incidência de uso – quantificação do uso geral dos conectivos, tanto
coordenativos quanto subordinativos;
B) Pertinência do uso – análise da aplicação adequada dos conectivos ao
estabelecer as relações lógico-discursivas entre períodos;

3 Acreditamos não ser relevante para a pesquisa explicitar informações relativas a sexo, idade e situação
socioeconômica devido ao encaminhamento teórico-metodológico utilizado. A pesquisa foi desenvolvida
em uma escola pública do município do Rio de Janeiro e os alunos tinham de 9 a 12 anos de idade.
4 O pré-teste mencionado tinha o objetivo de verificar, principalmente, a qualidade das produções escritas

dos alunos, sobretudo com relação ao uso dos conectivos. Foi proposta uma produção de uma reescritura
do capítulo “Uma aventura no cemitério” do livro “As aventuras de Tom Sawyer”. e analisou-se a escrita
dos alunos, baseando-se no universo de períodos compostos por coordenação e subordinação, conforme
critérios que serão apresentados nesta seção.

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C) Níveis de conectividade – observação do uso dos tipos de conectivos
coordenativos e subordinativos encontrados nas produções.
Em relação ao critério A, verificou-se que, em um universo de 186 períodos
compostos, em 22 textos produzidos, a produção de orações coordenadas (130) se deu de
forma expressiva em relação à produção de orações subordinadas (56).
Ao analisar os dados apresentados em relação ao critério B de análise, percebe-se
o uso expressivo do conectivo aditivo e, usado amplamente em todas as amostras,
conforme apresentado na tabela que se segue:

Tabela 1 – Uso de conectivos em orações coordenadas nos textos produzidos

COORDENAÇÃO
VALOR SEMÂNTICO CONECTIVO OCORRÊNCIA

ADIÇÃO E 96

CONCLUSÃO ENTÃO 3
E 5
ADVERSIDADE MAS 20
PORÉM 1
PORQUE 4
CAUSA
POIS 1
TOTAL 130

Os textos dos alunos evidenciaram que os conectivos mais representativos das


categorias, os mais prototípicos, são os que apresentam uma frequência de uso mais
elevada (e, mas), indicando limitação de uso, por parte dos alunos, de conectivos que
estabelecem diferentes relações lógico-discursivas (critério C).
É importante ressaltar que a pesquisa aqui descrita apresenta, através de uma
abordagem metacognitiva e metalinguística (metassintática), o trabalho com conectivos
específicos e suas respectivas relações semânticas, selecionados criteriosamente, a partir
da observação da produção dos alunos envolvidos, tendo como foco o trabalho de
produção escrita do tipo textual narrativo. Para a aplicação da proposta de mediação
pedagógica, foram planejados sete encontros em que os alunos estariam expostos a
atividades de reflexão sobre as estruturas linguísticas coordenativas e subordinativas,
conforme quadro 1.

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Quadro 1 – Síntese da proposta de mediação pedagógica

ENCONTROS –
MEDIAÇÃO PROPOSTA ATIVIDADES
PEDAGÓGICA
Manipulação oral (drill) e escrita de períodos
Introduzir a proposta de análise de
a partir da escolha e uso de conectivos que
1º ENCONTRO períodos e a reflexão sobre a produção dos
estabelecem relações lógico-discursivas de
períodos.
adversidade, causa, conclusão e finalidade.
Substituir conectivos de mesmo valor
semântico, atentando para o arranjo Exercícios de completar os períodos
sintático em cada caso e os possíveis empregando conectivos apropriados, a partir
2º ENCONTRO
efeitos de sentidos produzidos em das relações lógico-discursivas estabelecidas
decorrência da escolha intencional dos por um dado contexto.
conectivos.
Observar períodos produzidos na
atividade de intervenção anterior, em que
Exercícios de substituição de conectivos de
3º ENCONTRO os alunos foram levados a perceber o uso
semelhante valor semântico.
dos conectivos de acordo com as situações
discursivas apresentadas.
Atividades em quatro blocos de análise: 1º -
Perceber possibilidades de uso de Exercícios com estruturas coordenativas e
diferentes conectivos os quais conferem subordinativas de causa. 2º - Exercícios com
semelhantes valores semânticos. Manipular estrutura subordinada de finalidade. 3º
4º ENCONTRO
e construir períodos de diferentes formas, Exercícios com estruturas coordenadas de
garantindo a manutenção das relações conclusão. 4º - Exercícios de manipulação e
lógico-discursivas estabelecidas. reflexão sobre as possibilidades de produção
de períodos com orações adversativas.
Refletir metalinguisticamente acerca dos
aspectos estruturais dos períodos. Pensar Exercícios de emprego de conjunções para
5º ENCONTRO
sobre as diferentes configurações de interligar as orações justapostas.
organização dos períodos.
Desenvolver a consciência de julgamento –
saber estrutural com atividades de Exercícios de análise de uso inadequado de
localização de elementos linguísticos – conectivos, do ponto de vista sintático-
6º ENCONTRO conjunções e valores semânticos e de semântico e reescrita de períodos. Reflexão
análise – reflexão sobre a utilização dos sobre as dificuldades e facilidades
elementos linguísticos e dos efeitos dessa encontradas em realizar o exercício.
utilização em termos de estruturação.

Após o último encontro de uma série de sete5, incluindo o encontro reservado para a
diagnose, foi aplicado o pós-teste que consistiu em solicitar a produção de uma reescritura do
capítulo “Uma aventura no cemitério” do livro “As aventuras de Tom Sawyer”. Optamos por
solicitar a mesma produção, justamente para comparar a evolução dos alunos, após as atividades
de consciência metassintática desenvolvidas. Na ocasião do pós-teste, os alunos, munidos do
texto do pré-teste, foram orientados sobre a possibilidade de modificá-lo estruturalmente,
levando em conta o percurso realizado nas etapas da mediação pedagógica, isto é, fazendo uma
reflexão metassintática acerca do uso consciente das estruturas coordenativas e/ou subordinativas

5 Cada encontro representa dois tempos de aula de 50 minutos.

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que expressem adversidade, causa, conclusão e finalidade.
Na próxima seção, será apresentada uma síntese dos resultados observados durante a
aplicação das atividades de mediação, bem como as produções do pós-teste.

4 RESULTADO FINAL DA PESQUISA

Encaminhamos os resultados das atividades de mediação a partir da análise das respostas


dos alunos face às atividades aplicadas, no intuito de identificar as possíveis contribuições da
proposta, aqui apresentada, ao processo de ensino-aprendizagem dos conectivos.
A aplicação da atividade de mediação do 1º encontro6 com a turma participante da
pesquisa mostrou que, de forma geral, os alunos foram capazes de completar os períodos com
um conectivo que indicasse a ligação lógico-discursiva requerida entre parênteses. Acredita-se que
tal se deva ao fato de que a atividade foi realizada, coletivamente, em duas etapas: de forma oral
(drill) e escrita. A atividade aplicada apresentou seis períodos que deveriam ser completados por
orações sindéticas ou subordinadas e duas em que o aluno deveria produzir uma oração
assindética, introduzindo o conectivo que fizesse a ligação lógico-discursiva adequada.
Um grupo de alunos apresentou diferentes padrões de resposta em relação ao esperado.
Também foi possível verificar a ausência de critério em estabelecer o uso de um conectivo em
prol do estabelecimento de uma relação sintático-semântica. Ademais, foi possível perceber
alguns casos em que o emprego do conectivo foi feito de maneira imprópria, desconsiderando o
contexto e a indicação da atividade.
A análise da atividade do 1º encontro da mediação demonstrou a importância de uma
ação pedagógica em que as habilidades metassintáticas possam ser desenvolvidas, com o intuito
de contribuir para a formação de alunos que sejam capazes de refletir sobre os aspectos sintáticos
da língua a fim de controlar deliberadamente sua aplicação. (GOMBERT, 1992).

6 Exemplo de atividade planejada para o 1º encontro:


Baseando-se nos capítulos I a III do livro “As Aventuras de Tom Sawyer” complete os períodos, sempre de
acordo com as ideias que estejam sendo pedidas nos parênteses:

a) (causa ) Tom matou aula ______________________________________________


_____________________________________________________________________
b) (conclusão) Tia Polly descobriu que Tom havia matado aula __________________
_____________________________________________________________________

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Em relação ao 2º encontro7 da mediação, como o grupo já havia participado de
semelhante atividade no encontro anterior, não houve grande dificuldade na execução da tarefa.
Vale ressaltar, no entanto, que algumas respostas dadas pelos alunos evidenciam a necessidade de
se desenvolver uma consciência explícita das estruturas linguísticas que deverão manipular de
forma intencional. (GOMBERT, 1992).
Ao analisar as respostas das atividades do 3º encontro8 da mediação, constatamos que um
grupo de alunos ainda não havia compreendido a proposta da atividade. Ampliando o olhar, foi
possível dizer que alguns alunos precisavam avançar em relação à reflexão da consciência
sintática, percebendo o período como a união de orações semanticamente justapostas ou
interligadas por conectivos apropriados, de acordo com a relação que se pretende estabelecer. Em
outros termos, é preciso investir em atividade que, como afirma Correa (2004, p. 73), “se ocupe
do acesso à manipulação intencional do conhecimento sintático pela criança, em um dado
contexto, ou seja, distinguindo o processo linguístico ordinário da sintaxe da atividade
metassintática”.
Por outro lado, nessa etapa já foi possível perceber, nas mesmas atividades, a produção de
períodos de forma mais complexa, por outro grupo de alunos da turma, no que tange ao uso
intencional de estruturas coordenadas e subordinadas.
As atividades do 4º encontro9 da mediação trataram da articulação de orações na forma de
períodos compostos como possibilidade de expressão de ideias. O aluno, muitas vezes, não
considera a existência de várias possibilidades de estruturação. Fato este comprovado com o uso
limitado de conectivos adversativos (uso do mas/mais indistintamente) como os resultados do
pré-teste aplicado revelaram. Por conseguinte, ele acaba por organizar seu texto da única forma
que conhece, isto é, articulando-o em períodos simples. Em sentido contrário a esse, defendemos
uma prática de ensino que privilegie atividades como as descritas na sessão, partindo de contextos
reais de uso da língua em que os alunos tenham vivenciado através de leituras coletivas ou
individuais ou a partir da análise e reflexão de seus próprios textos produzidos.

7 As atividades planejadas para o segundo encontro seguiam o mesmo modelo da anterior, solicitando que os alunos
selecionassem de um quadro dado, conectivos que completassem as frases, de acordo com as informações entre
parênteses.
8 Para a atividade realizada no 3º encontro, foi selecionada uma tirinha da turma da Mônica sem texto escrito e

solicitado aos alunos que construissem períodos inteiros, desde que a segunda oração de cada um deles estabelecesse
a ideia apresentado no exercício.
9 Um exemplo de atividade proposta no 4º encontro é completar os períodos de modo que as relações de

causa/motivo se deem de diferentes formas, estimulando o emprego de conectivos variados.

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No 5º encontro10 da mediação, as atividades foram baseadas no entendimento, por parte
do aluno, das relações de significado entre as orações e a explicitação do emprego de conectivos
Consideramos o desempenho dos alunos na atividade como aquém do esperado, uma vez que a
maioria da turma não apresentou respostas plenamente adequadas, do ponto de vista linguístico,
ao estabelecer relações entre os períodos e tecer comentários sobre essa operação metassintática.
É possível justificar o resultado apresentado pelo fato de não haver familiaridade dos alunos
acerca de exercícios em que reflexões sobre a língua e sua estrutura são requisitadas. Assim,
percebemos a dificuldade dos alunos em pensar conscientemente sobre o estabelecimento de
relações lógico-discursivas e em explicitar de suas escolhas, pois são atitudes que se distanciam
das práticas diárias nas aulas de LP.
A partir da análise do desempenho dos alunos nos encontros planejados, foi possível
constatar que, de alguma maneira, as atividades levaram os alunos a refletir metalinguisticamente
acerca das estruturas sintáticas, num movimento de reflexão metassintática, como era nossa
hipótese inicial. (GOMBERT, 1992; CORRÊA, 2004).
No último encontro da mediação11, os alunos deveriam, a partir do texto lido e trabalhado
em sala, analisar os períodos apresentados pela atividade 1 e identificar os equívocos quanto ao
uso dos conectivos empregados nos itens (a) a (d), como pode ser visto no quadro 2:

Quadro 2 – Detalhamento da atividade 1

Atividade 1: Identifique o equívoco quanto ao uso dos conectivos nos trechos retirados do texto “Você
sabe tudo sobre os animais? Faça o teste e descubra!” e reescreva-os utilizando os conectivos adequados.
a) Os olhos dos jacarés absorvem o máximo de luz do ambiente, mas esses animais enxergam muito bem
também no escuro.
b) O sapo-andarilho mora na Mata Atlântica e se movimenta caminhando a fim de que suas pernas sejam
muito curtas para saltar.
c) A espécie mais conhecida de hipopótamo mede 4 metros de comprimento, por isso o hipopótamo
pigmeu tem o tamanho de um porco e vive na África.
d) O Voo das corujas é bem silencioso, porém, elas contam com penas muito macias, que quase não
causam atrito durante o voo.

A porcentagem de adequações por item foi tabulada e apresentada na tabela 2. Dessa


forma, é possível analisar qual relação foi estabelecida pelos alunos na tentativa de reescrever o
período de modo que as relações lógico-discursivas fossem dadas de maneira adequada, de
acordo com os sentidos veiculados pelo texto lido previamente.

10 Para o 5º encontro, foram pensadas atividades que levassem o aluno a transformar as frases em um único período
utilizando um conectivo apropriado em cada caso, explicando o que justificou o uso do conectivo escolhido.
11 Um exemplo de atividades propostas para o 6º encontro é solicitar que os alunos identifiquem o equívoco quanto

ao uso dos conectivos nos trechos retirados do texto “Você sabe tudo sobre os animais?

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Tabela 2 – Utilizações adequadas dos conectivos nas produções discentes após 6º encontro

RELAÇÃO RELAÇÃO A SER


ITEM ESTABELECIDA ESTABEECIDA % ACERTOS
PELA ATIVIDADE PELO ALUNO
A adversidade conclusão 68%
B finalidade causa 51%
C conclusão adversidade 66%
D adversidade causa 55%

Sobre a porcentagem de utilizações adequadas, verificamos que, no item A, cuja relação


lógico-discursiva esperada seria a de adversidade, dos 32% de alunos que apresentaram respostas
fora do parâmetro esperado, 29% reescreveram o período utilizando um conectivo de conclusão
e os demais - 3% - estabeleceram relações aleatórias. Importante sinalizar que parece haver uma
proximidade semântica entre conclusão e causa, assim como há entre o contraste de ideias e
concessão.
No que se refere ao item B, dos 49% de respostas fora do parâmetro, 33% estabeleceram
relação de causa e as restantes - 16% - foram também relações aleatórias. Já o item C apresentou
34% de respostas fora do parâmetro, sendo que não identificamos uma relação específica com
alto índice de ocorrências, como ocorreu nos itens A e B. Ou seja, as respostas inadequadas de
acordo com a proposta foram constituídas por duas cópias do período, representando 11% do
total e as demais - 23% - foram de respostas que apresentaram relações de finalidade, consequência e
adversidade de forma aleatória. Por fim, no item D, percebemos o emprego majoritário de relações
de conclusão dentre as respostas fora do parâmetro (37%). Ainda no tocante às respostas
inadequadas deste item, 13% das respostas apresentaram o emprego de conectivos aleatórios.
Na segunda atividade desta sessão, baseada em uma perspectiva metacognitiva, os
alunos deveriam refletir sobre a atividade 1, comentando sobre as dificuldades e facilidades
encontradas em realizar a tarefa.

Quadro 3 – Atividade 2 do 6º encontro de mediação

Atividade 2: Reflita sobre a atividade de correção e rescrita realizada na atividade de correção


e reescrita realizada na atividade 1 e comente sobre as dificuldades e facilidades encontradas
em realizar as tarefas.

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Ao analisarmos a atividade 2, adotamos um critério qualitativo das respostas apresentadas,
a saber:
a) Grupo I – Alunos que produziram tentativas de explicitação metacognitiva acerca
da atividade 1, correspondente a 63% dos alunos participantes. A seguir, apresentamos alguns
exemplos de respostas de alunos pertencentes a esse grupo:
Aluno 1: A dificuldade foi pensar na palavra certa. A facilidade foi lembrar do texto.
Aluno 2: A facilidade foi ver os conectivos no mural para pensar nas frases
b) Grupo II – Alunos que produziram respostas que não atenderam às nossas
expectativas - 37% dos alunos participantes - com respostas do tipo sim e não.
Constatamos que apesar de serem capazes de julgar e perceber que há
dificuldade/facilidade na realização da atividade, um grupo significativo desses alunos (37%)
ainda não demonstrou ter a habilidade de refletir sobre o que os levou a ter dificuldade/facilidade
em realizar a tarefa e explicitar esse processo.
Após a aplicação do pós-teste, subsequente à última sessão de mediação, consideramos,
para a análise das produções, os textos dos alunos que participantes do pré-teste e de todas as
etapas de intervenção. Os alunos releram os recontos produzidos e foram solicitados a revisar a
escrita, no sentido de reescrever, de forma autônoma, os períodos que percebessem necessitar de
reestruturação, após as atividades e reflexões propostas até então.
A análise da melhoria na produção textual dos alunos no que tange o uso de conectivos
consiste na comparação entre os textos produzidos no pré-teste e sua revisão e reescrita no pós-
teste, os conectivos utilizados, o número de ocorrências em ambos os testes e a qualidade das
relações estabelecidas. Por motivos de ordem prática, destacamos, a seguir, uma amostra de como
a análise dos textos dos alunos foi sistematizada na pesquisa original:

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Quadro 4 – Exemplos de Pré-teste e pós-teste do aluno 1

Ao compararmos as duas versões do reconto, o aluno 1, no pós-teste, ao estabelecer


relações de adversidade, apresentou uma maior diversidade de uso de conectivos em relação ao
pré-teste. O uso dos conectivos porém, no entanto e entretanto, incomuns aos textos analisados no
início da pesquisa, aparecem na reescrita como elementos coesivos que evitam a repetição e o
encadeamento “truncado” entre as orações e períodos. Percebemos, também, certa redução do
conectivo e, prototípico em produções de texto de alunos desse nível de ensino, substituídos, em
alguns casos, por construções sintáticas mais diversificadas.
Destacamos, também, a eliminação do aí, marca de oralidade comum em textos de
alunos, substituindo-a por uma construção coordenada conclusiva que reorganizou o período.
Ademais, o aluno 1 estabeleceu o início de um novo período marcado pela pontuação (ponto
final) ao introduzir uma estrutura subordinada temporal, o que não foi feito na versão inicial do
texto.
A tabela 3 resume a comparação entre a estrutura dos textos dos pré e pós- testes do

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aluno 1. É importante informar que a mesma análise foi feita com todas as produções textuais
dos alunos envolvidos na pesquisa que, por uma questão de adequação aos critérios de
elaboração de um artigo, não serão expostos em sua totalidade:

Tabela 3 – Comparação entre a estrutura dos textos do pré-teste e do pós-teste do aluno 1

Pré-teste Pós-teste
Rel. lógico-discursivas Conectivos Ocorrências Rel. lógico-discursivas Conetivos Ocorrências
e 10
adição adição e 2
mas 2
mas 1
porém 1
adversidade mais* 1 adversidade no entanto 1
entretanto 1
tempo quando 1 tempo quando 1
conclusão por isso 1
causa pois 1

A tabela 3 revela uma maior diversidade de usos de conectivos e o estabelecimento mais


ampliado de relações lógico-discursivas em relação ao pré-teste do aluno 1, usado para
demonstrar os resultados alcançados. No entanto, para fins de visualização dos resultados
alcançados com a pesquisa, apresentam-se, na tabela 4, os resultados da análise de todas as
produções textuais feitas pelos alunos envolvidos na pesquisa-ação.

Tabela 4 – Análise do desempenho dos alunos com relação ao uso dos conectivos e estabelecimento de relações
lógico-discursivas, após a mediação pedagógica

RELAÇÕES LÓGICO-DISCURSIVAS ESTABELECIDAS APÓS MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA-


COMPARATIVO ANTES E DEPOIS
Valor semântico Conectivos Pré-teste Pós-teste
adição e 98 65
conclusão logo 5
pois 3
por isso 8
portanto 6
então 3 4
adversidade e 5 1
mas 20 19
entretanto 2
no entanto 11
contudo 1
porém 1 17
porque 2 14
pois 1 11
causa a fim de 16
finalidade para que 10
130 183

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Refletimos que, apesar de apresentarem dificuldades em atividades que exigem reflexões e
autoavaliação, devido à falta de hábito ao lidar com atividades metalinguísticas, pode-se perceber,
pelo apresentado na tabela 4, que os alunos apresentaram um melhor desempenho na produção
escrita no pós-teste em relação ao pré-teste, no que se refere ao uso diversificado e apropriado
dos conectivos, face às relações lógico-discursivas presentes na narrativa recontada, o que nos
permite afirmar que a hipótese inicial da pesquisa foi corroborada.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos objetivos da investigação proposta encontra-se na observação, objetiva e


sistemática, do desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e avaliação do uso dos
conectivos ao estabelecer significados mais complexos, a partir da aplicação das atividades – as
estratégias metalinguísticas e metacognitivas.
As bases de nossas discussões foram os postulados teóricos da metacognição (FLAVELL,
1979), metalinguagem e consciência metassintática (GOMBERT, 1992; 2003; CORRÊA, 2004), a
fim de subsidiar todas as etapas previstas pela metodologia utilizada: o alcance de níveis de
consciência cada vez mais elevados ao longo de todo o processo de produção. Nas atividades
propostas pelas sessões de mediação pedagógica, estabelecemos critérios de análise das respostas
dos alunos e tecemos comentários analíticos sobre os dados apresentados. Essas atividades
tiveram como principal objetivo fomentar o entendimento e a percepção consciente do aluno
sobre o uso de conectivos. Apresentamos atividades que envolveram o julgamento e análise, por
parte dos alunos, acerca do uso apropriado de conectivos, bem como a percepção da dificuldade
ou da facilidade para a identificação das relações lógico-discursivas.
A proposta de mediação pedagógica, aqui apresentada, mostrou-se relevante no que diz
respeito ao fomento de discussões sobre uma perspectiva didático-pedagógica do ensino de LP
inovadora e produtiva, ao passo que se volta para habilidades conscientes relacionadas ao
controle cognitivo sobre a forma de produção linguística. Ao percebermos, a partir da análise dos
resultados finais, uma sensível melhora no desempenho da produção escrita dos alunos,
defendemos que os princípios norteadores das atividades desenvolvidas mostraram-se profícuos
no que tange ao desenvolvimento da reflexão consciente do aluno – a consciência metalinguística.

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REFERÊNCIAS
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Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20 (1), 69-75, 2004
FLAVELL, J. Metacognition and congnitive monitoring. A new area of cognitive developmental
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______. Speculations about the nature and development of metacognition. Em F. E. Weinert &
R. Kluwe (Orgs.), Metacognition, motivation, and understanding
(pp. 1-16). Hillsdale, N. J.: Erlbaum, 1987
GOMBERT, J. Atividades Metalinguísticas e Aprendizagem da leitura. In: Maluf, M.R. (Org.)
Metalinguagem e aquisição da escrita: contribuições da pesquisa para a prática da alfabetização.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
______. Metalinguistic development. New York: Wheatsheaf, 1992.
JOU, G.; SPERB, T. M. A metacognição como estratégia reguladora da aprendizagem.
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MACHADO, A. M. As aventuras de Tom Sawyer. São Paulo: Scipione, págs. 15-17, adaptado,
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MALUF, M. R. (Org.). Metalinguagem e aquisição da escrita: Contribuições da pesquisa para a
prática da alfabetização. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
MANGABEIRA JR., Mário Sérgio. Consciência metassintática e relações lógico-discursivas de
causa, conclusão, explicação e finalidade: proposta para o 6º ano do Ensino Fundamental. 2015.
Dissertação (Mestrado Profissional em Letras). Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2015.
MOTA, M. da. (Org.) Desenvolvimento metalinguístico: questões contemporâneas. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2009.
TRIPP, D. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.31, nº 3, p. 443-446, set-dez.2005.
VYGOTSKY, L. S. Mind in society. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1977

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Vária
Critical reflection for empowering teachers’ practices in ELT

Cristiane da Silva Lopes1

ABSTRACT
Reflective teaching is a powerful tool for professional development in the sense that the teacher
engages in self-monitoring of his/her own beliefs about English Language Teaching (ELT) with
reflections on classroom practices and procedures. What follows is an account on important concepts
related to critical reflections on the role of the teacher in ELT beyond the boundaries of current
methodologies and an example of an actual experience with the work of acting upon one’s own
pedagogy within an English learning classroom.

Keywords: ELT. Reflection. Self-monitoring.

Reflexão crítica para capacitar as práticas dos professores no Ensino de Língua


Inglesa

RESUMO
A reflexão sobre o ensino é uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento professional no
sentido de que o professor engaja no auto monitoramento de suas crenças sobre o ensino de língua
inglesa com reflexos em práticas e procedimentos pedagógicos. Segue uma abordagem sobre
conceitos importantes relacionados com a reflexão crítica sobre o papel do professor no ensino de
língua inglesa para além das fronteiras de metodologias vigentes e um exemplo de uma experiência
real com o trabalho de agir sobre a própria pedagogia do professor dentro de uma sala de aula de
aprendizado da língua inglesa.

Palavras-chave: ensino de língua inglesa. Reflexão. Auto monitoramento.

1 INTRODUCTION

The aim of the current assignment is to discuss several aspects related, either directly
or indirectly, to the effectiveness and usefulness of a teacher’s classroom behavior. In
addition, we discuss the extent to which teachers may be enlightened by theory and practice.
The teacher’s crucial role as a mediator and facilitator throughout the learning process is
highlighted and measured according to classroom procedures adopted.

1 Professora de Língua Inglesa com Especialização em Linguística Aplicada e mestrado em Letras pela
Universidade Federal Fluminense. Atua há mais de 20 anos como professora de língua inglesa em escolas
públicas e cursos livres de idiomas. Coordenadora pedagógica geral do ensino de idiomas do Centro Interescola
Ulysses Guimarães (CIUG), projeto de ensino de idiomas da Secretaria de Educação do município de São
Gonçalo, Rio de Janeiro. E-mail: chrislps2006@gmail.com.

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, mai./set., 2017, p. 93-107.
In the initial section, the role of English as a global language and its influence on the
approaches to teaching EFL adopted by Brazilian educational authorities are presented. Such
views are confronted with the actual needs, aims and interests of Brazilian learners.
An overview of the teaching principles that seem to underlie teaching practices in a
broader sense are also focused. The variety of pre-established principles that should take into
account target learners, contexts and aims, among other relevant key-elements influencing
the teacher’s decisions in the language classroom are praised and discussed.
Finally, for the purpose of this piece of work, I would also appreciate to take the
opportunity and draw upon my own experience and impressions as a teacher of English as a
foreign language. Thus, in the final section of the assignment, the fundamental role played
by self-monitoring in the language classroom is highlighted. I discuss its importance as a self-
awareness raising tool in the light of the analysis of three aspects observable in the recording
of one of my own lessons.

2 EFL TEACHING AND LEARNING IN THE BRAZILIAN CONTEXT

According to the Parâmetros Curriculares Nacionais, the inclusion of foreign languages


teaching in the school curriculum should be determined by three major factors: (a) historical
factors, (b) social factors such as the degree of social relevance of those same languages within a specific context
and (c) factors related to tradition (p. 11). These three factors are expected to embody the
specificities of individuals from a given milieu. In the case of Brazil, more specifically, it
would be pertinent to point out that the teaching of English in our schools, chiefly those
belonging to the public sector, appears to be far from the ideal envisaged by our educational
policies.
Just like elsewhere, the learning of English in Brazil is often regarded as a passport
to better life conditions. This is certainly a misconception. Considering the chaotic reality
faced by the Brazilian population as far as education is concerned, it seems quite naive and
simplistic to assume that each and every Brazilian learner is likely to make use of the English
language as a passport to well-paid jobs. In addition, the current approach to EFL learning
at most Brazilian public schools appears demotivating and ineffective, which seems to
contribute enormously to the increasing lack of interest for the language. “A lot of is taught,
but little is learned”.

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, mai./set., 2017, p. 93-107.
To teach or not to teach the four skills (writing, reading, speaking and listening) at
the Brazilian public schools still emerges as a recurrent question, which seems far from being
answered satisfactorily. Teaching the four skills has become a nearly unattainable goal, mainly
in schools of the public sector, where teachers have to “squeeze” the content so that it fits
the pre-determined timetable which most of the time does not correspond to the learners
long-term needs and aims.
As Vereza highlights, “the English language teaching profession in Brazil seems to
be facing what would be characterized as a paradox”. (VEREZA, 1998, p. 1). On one side,
the Brazilian scenario acknowledges the global tendency embedded in the teaching of
English. A wide number of language schools have been mushrooming all over the country
and hundreds or maybe thousands of course books have been imported in order to
materialize the learners’ goal of acquiring a foreign language and, as a consequence, achieving
a higher social status as well as access to a wider range of benefits. There is also a trend
among major language schools to produce their own learning materials, though, following
pedagogic trends already consolidated overseas.
On the other side, the way foreign language teaching has been treated in Brazil in
nothing reflects what is established in the Parâmetros Curriculares Nacionais. Although it seems
to acknowledge the fact that learning languages may contribute positively to one’s
professional as well as personal well-being, an attentive look at the Brazilian foreign language
teaching scenario is likely to reveal that foreign languages do not seem to be regarded as
valuable tools towards promoting individuals’ educational development in a broader sense.
Unfortunately, it seems that nothing or very little has been done in order to change this
situation.
In fact, a reformulation of our means and aims in order to justify language teaching
in our country seems urgent and fundamental. We ought to question and re-consider the
assumption of the mastery of the English language as the key to professional success.
Moreover, it appears of a great deal of importance to adapt and adjust our teaching practice
to our own needs, which certainly differ from the needs of several if not to say many other
third-world nations. Regarding English as the “magic potion” with solutions to the hardships
faced by a great percentage of Brazilian citizens sounds rather ambitious. However, English
may certainly function as a useful and helpful tool within our competitive job market if its
teaching is adapted to our learner’s needs, aims and contexts. As pointed out in the Parâmetros
Currículares Nacionais, to consider the development of the four skills a central aim in foreign

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, mai./set., 2017, p. 93-107.
language teaching in Brazil appears to disregard the fundamental aspect of social relevance
that foreign language teaching and learning should comprise.

3 TEACHING PRINCIPLES

Research in the field of language acquisition has revealed that a harmonious


combination between theory and practice is far from being reached. Much on the contrary,
an attentive look at the principles from which reflective teaching should derive seems to
corroborate the belief that there is a number of variables that must not be disregarded if
teachers wish to promote effective teaching and learning in the language classroom. Brown
(1994) addresses such variables by discussing the twelve principles that teachers need to bear
in mind in order to engage learners in the process of meaningful language acquisition.
Brown’s principled approach to language pedagogy appears in three main sets of principles
known as the Cognitive Principles, the Affective Principle and the Linguistic Principles. Each
of these categories are believed to present specific roles towards promoting effective
language learning. The first set of principles is entitled “cognitive” because of its relation to
mental and intellectual functions. (BROWN, 1994, p. 16). The cognitive principles, as Brown
puts it, would comprise five sub-principles:

(1) The Principle of automaticity suggests: “efficient second language


learning involves a timely movement of the control of a few language forms into
the automatic processing of a relatively unlimited number of language forms.
Overanalyzing language, thinking too much about its forms, and consciously
lingering on rules of language all tend to impede this graduation to
automaticity” (p. 17).
(2) The Principle of Meaningful Learning that, according to Brown,
promotes long-term retention through associative links between
one’s existing cognitive structures and recently-acquired
information (p. 18).
(3) The Anticipation of Reward Principle that may be beneficial or
harmful to learners depending on how it is administered by
teachers. Brown argues that the development of the learners’
intrinsic system of rewards seems far more beneficial then
conditioning learners to short-term rewards (p. 19).
(4) The Intrinsic Motivation Principle advocates “The most powerful
rewards are those that are intrinsically motivated within the learner” (p. 20).

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, mai./set., 2017, p. 93-107.
In other words, motivation should stem from “needs, wants, or
desires within oneself, the behavior itself is self-rewarding” (p. 20).
(5) The Strategic Investment Principle focuses on the learner’s own
personal “investment”. In other words, his/her individualized
battery of strategies and techniques towards achieving the mastery
of the target language.

The second set of principles is entitled Affective Principles and, as the title suggests,
this principle is closely related to the emotional processing of human beings. It demands that
feelings be carefully considered. Thus, “feelings about self, about relationships in a
community of learners, and about the emotional ties between language and culture must not
be discharged, but carefully considered” throughout the language acquisition process (p. 22).
The Affective Principles comprise:

(1) The Language Ego Principle that advocates that the learners’
sense of fragility and defensiveness throughout the target language
learning process needs to be respected and treated with “tender
loving care” (p. 22).
(2) The Self-Confidence Principle preaches the belief that “the
eventual success that learners attain in a task is at least partially a factor
of their belief that they are fully capable of accomplishing the task” (p. 23).
That is to say, learners need to believe in their capacity to succeed.
(3) According to the Risk-taking Principle, learners need to be
encouraged to “try out” language, that is, to take calculated risks
in attempting to use the target language. They need to recognize
that they will be able to produce the language both productively
and receptively despite the difficulties they may encounter as the
learning process progresses.
(4) The Language-Culture Connection Principle. The teaching of a
language would also imply the teaching of a highly complex
system of “cultural norms, values, and ways of thinking, feeling and acting”
(p. 25) that belong to the speakers of that language.

Finally, stand the Linguistic Principles that focus on the language itself as well as on
how learners cope with the recently-acquired linguistic systems. The Linguistic Principles are
subdivided into three major subcategories, which are:

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(1) The Native language Effect: this principle stresses the importance of
the learners’ native language and how interfering or facilitating it may
be on the process of second/foreign language acquisition.
(2) The Interlanguage Principle that deals with the developmental
processes undergone by learners in order to become linguistically
competent in the target language.
(3) The Communicative Competence Principle: it consists of a
harmonious combination of Organizational and Pragmatic
Competences, Strategic Competence and Psychomotor skills. As
Brown puts it, communicative competence may be best achieved when
equal attention is provided to all the preceding components. Thus,
there should be a balance among use and usage, fluency and accuracy,
authentic language and contexts and the learners’ eventual need to
confront “unrehearsed contexts in the real world” (p. 29).

Brown highlights in his article that the moment language teachers, mainly foreign
language teachers, are undergoing today may be considered as “the best of times and the
worst of times” (p. 15) in the language teaching scenario. According to him, such a paradox
could be justified by the recent breakthroughs in the field of language learning.
It seems undeniable that language teachers have benefited a great deal from research.
The principled approach to language pedagogy developed by Brown seems to corroborate
the belief that there seems to be a number of variables to be considered apart from methods.
Methods are certainly important, however, they cannot be regarded as the unique elements
responsible for the development of an individual’s mastery of the target language. It is at this
point where teachers emerge as valuable tools in favor of the learner. Teachers need to make
use of their common sense whenever appropriate and attempt to develop the crucial “ability
to comprehend when to use a technique, with whom it will work, how to adapt if for their
audience, or how to judge its effectiveness”. (BROWN, 1994, p. 16). Thus, the teacher’s
education appears to constitute a fundamental element in order to promote effective learning
in the classroom.
Studies of classroom events have demonstrated that teaching is not a static element.
Much on the contrary, it unquestionably constitutes a dynamic and interactional process in
which the teacher needs to be attentive not only to his/her teaching style but also to the
learner’s profile to adjust such factors to the method used. Teachers need to be aware of
their roles as mediators/facilitators of the learning process as a whole. They need to be
consciously aware of the existing diversity within the classroom boundaries and switch

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SEDA - Revista de Letras da Rural/RJ. Seropédica/RJ, v. 2, n. 6, mai./set., 2017, p. 93-107.
strategies whenever they feel appropriate to promote a positive interaction among learners,
instructional tasks and activities.

4 BELIEFS ABOUT TEACHING AND LEARNING

“Every teacher aims to be an effective teacher”. (RICHARDS, 1990, p. 38). Such a


quotation corroborates the belief that teachers are often attributed the primary role
throughout the teaching/learning process. However, the source from where effective
teaching stems may be difficult to identify. According to researchers, effective teaching may
be measured on the grounds of the learners’ positive outcomes when attempting to master
the target language.
Thus, effective teaching would be often associated with a set of effective classroom
procedures such as careful guidance to lessons, monitoring of the learning progress, patterns
of interaction among others. It may be inferred, therefore, that teachers are often regarded
as the individuals responsible for employing a set of classroom procedures that, when
perfectly combined, are likely to promote effective learning. However what the teacher does
in the classroom is just half of the picture. The other half concerns the strategies employed
by learners in order to achieve successful learning. It is certainly true that whenever teachers
step into the classroom, they seem to be dragging a number of pre-established beliefs and
aims behind them (Richards & Lockhart, 1996). Such beliefs may stem from theory or simply
from his/her experience both as a teacher and as a language learner. As Richards (1990, p.
42) points out:

good teaching is not viewed as something that results from using Method Y or
Method X, or something that results from the teacher modifying teaching
behaviors to match some external set of rules and principles. Rather, it results
from the teacher’s active control and management of the processes of teaching,
learning, and communication within the classroom and from an understanding of
such processes. (RICHARDS, 1990, p. 42).

The learners’ crucial role throughout the learning process must not be overlooked or
ignored. Very often we, teachers, are confronted with situations in which learners manage to
achieve high levels of linguistic competence despite the methods or techniques used.
Therefore, methods and techniques cannot be regarded as the sole elements responsible for
promoting effective learning within the classroom. Different from ineffective learners,
successful learners seem to employ a battery of learning strategies which facilitate their own

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learning and which, to a certain extent, enables them to achieve positive outcomes in their
attempts to acquire the target language.
It is important that teachers be aware of the existing strategies within the learners’
reach as well as encourage them to make use of such strategies. It seems fundamental that
learners achieve a broader understanding as well as control over their own learning processes
so that their “selves” may absorb new content. On the other hand, in order to raise learners’
awareness in relation to the tools at their disposal, it is of crucial importance that teachers
evaluate their teaching strategies on a regular basis. They should play the role of the
investigators who engage in detecting which types of learning strategies they are promoting
in the classroom so that the learners’ already existing strategies may be improved or
enhanced. That is when self-assessment emerges as a powerful tool in order to collect data
regarding the teacher’s open, secret, blind and undiscovered self. Such information is likely
to equip the teacher with the necessary knowledge to improve their classroom behavior and,
therefore, achieve better results.
Thus, prior to replicating the ideas imposed by methods and theories, it is of crucial
importance to think of ourselves as language learners in the first place. In addition, we need
to consider what types of feelings we would like to experience when being introduced to the
target language. I believe that by “putting ourselves in the learners’ shoes” EFL teachers are
not only more likely to achieve a broader understanding of the processes undergone by
learners but also to identify how learners tend to react to such processes.

5 SELF-MONITORING: a powerful self-awareness raising tool

“Self-monitoring provides an opportunity for teachers to reflect


critically on their teaching. Reflection is acknowledged to be a key
component of many models of teacher development.” (RICHARDS,
1990, p. 119).

Richards highlights that “the classroom practices of language teachers are of interest
to many different people” (1990, p. 118) such as researchers, learners, supervisors and course
administrators. In fact, all individuals involved, either directly or indirectly, in the learning
process are always curious about discovering whether the teacher’s practices in the classroom
will promote the fulfillment of their goals and needs, either intellectually or financially.
However, teachers seem to be the professionals with the greatest interest in knowing whether

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what they are doing in the classroom is being fruitful or not. That is the moment when self-
monitoring may emerge as a powerful self-awareness raising tool at the teacher’s disposal.
Self-monitoring might be viewed as a precious component that must not me ignored if
teachers are willing to engage in their professional growth and development. “It refers to a
systematic approach to the observation, and management of one’s own behavior, for the
purposes of achieving a better understanding and control over one’s behavior”.
(RICHARDS, 1990, p. 118).
For a number of reasons, among which we might highlight time constraints, teachers
do not seem to employ self-monitoring on a regular basis. Research has revealed that few
teachers make use of this powerful tool, preventing themselves from attesting how beneficial
and useful self-monitoring may be in the language classroom environment. Rather than a
mere form of assessment, self-monitoring appears as a continuous practice that seems to
enrich our performance and promote our continuous development as professionals through
critical reflection. It enables us to move from a level where we seem to be largely guided by
intuition to a level where our actions are guided by reflection and critical thinking. That
process would enable us, teachers, to arrive at our own judgements as to what works and
what does not work with our learners, regardless of the considerations or comments made
by outsiders such as supervisors, directors or coordinators.
There seems to exist a number of variables that should not be ignored in order to
promote effective and meaningful learning in the classroom. Teachers are certainly the most
valuable tools in order to promote learning. It seems fundamental that they develop the
ability to analyze their performance critically and be always willing to improve their
performance through critical thinking. We, as teachers, need to bear in mind that not all
groups of learners are the same. Consequently, relying solely on methods does not provide
us with any guarantee that what is being done in the classroom will promote the desired
outcome. Valuable insights are often generated through self-monitoring and it may be argued
that it is certainly one of the reasons why this powerful self-awareness raising tool should
always have a place in a teacher’s timetable.

6 RECORDED LESSON

This section constitutes an attempt to analyze and discuss my classroom behavior in


the light of one of my own lessons recorded at a renowned school of English in Brazil. In

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order to illustrate our belief in the importance of self-monitoring, we proceed to an analysis
of part of a class given to learners of English as a foreign language. Within this analysis, we
provide comments on a number of points raised by Richards (1990: 126). Richards describes
a set of 12 behaviors on which teachers should focus when monitoring their own teaching.
For our purposes in this paper, we decided to narrow down the focus to feedback, classroom
management and classroom interactions.

6.1 Feedback

Feedback on the teacher’s part within the lesson under analysis is analyzed in terms
of the presence or the absence of the teacher´s comments in view of the adequacy of forms
and structures employed by the learners. A sample of such concern would be the following
passage:

T: What’s your favorite restaurant in São Gonçalo?


Whole class: Rodo Grill!!!
T: Rodo Grill? Yeah! It’s very good, isn’t it? It’s my favorite, too. What about
Niterói? What’s your favorite restaurant in Niterói?
St1: Everybody! I Think everybody!
St3: La mole!
St1: No. It’s the Sagrado Coração! In São Francisco, too! In Santa Rosa,
it1s a very restaurants, very goods!
T: Very Good! (...)

In this passage, learners seem highly motivated to participate and contribute with
samples of restaurants. Since this was an introduction (a kind of warm up activity) to the
main theme of the lesson, the teacher did not provide feedback on form. She was only
interested in keeping students involved in this sharing of preferences concerning restaurants.
Therefore, she opted for not insisting on accuracy at this stage. However, she could have
used a number of techniques that would have helped learners perceive the most appropriate
ways to convey their ideas without being time-consuming. For instance, St1 says:

“Everybody! I think everybody!”

In this part, she could have written on the board everybody = all people Vs everything =
all things Vs every restaurant, etc. Then, she could have elicited from the same learner the

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appropriate form: “Every restaurant! I think every restaurant!” or “All the restaurants! I think
all the restaurants!”
Another sample would be (again St1):

“...In Santa Rosa, it’s a very restaurants, very goods!”

Here, the teacher could simply have isolated the problematic parts and asked the
same student first, and later the class as a whole to repeat. Thus:

“Ok, St1. Say: “There are lots of restaurants” (St1 repeats)


Now everybody! (whole class repeats)

The same procedure goes for very goods.

6.2 Classroom management

The teacher could have been more attentive when planning instructions for the tasks
proposed. They did not seem clear and straightforward to the learners, which resulted in an
unnecessary high TTT (Teacher Talking Time). This is noticed in certain instances of the
lesson that the teacher spent some precious time over explaining instructions. The passage
below attempts to serve as a sample of such drawback:

T: Very good! There are many good restaurants in Niterói! All right! Now, today we’re
going to talk about something that you like very much (T writes on the board): foods
and drinks, yeah? So, what I would like you to do now is... you’re going to work with
your partner, yes? And you’re going to make a list of foods and drinks that you know
in English. I’ll give you about three minutes. When I say stop, you have to stop, ok?

St5: favorites?

T: Not your favorite. Foods and drinks that you know.

St2: In Portuguese too, Teacher?


T: No, only in English. Yes? Foods and drinks that you know in English. Ok?
Let’s go? In three minutes.

(While the learners are performing the activity. Teacher monitors and provides learners
with words they do not know).

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The teacher could have minimized the problem by providing learners with clear
instructions. She could have even provided examples or asked learners for examples and, by
writing them on the board, explained what she expected from them. The instructions needed
sequencing and exemplification so that the learners did not get lost when performing the
task. Thus, she could have adopted the following procedure:

(After writing foods and drinks on the board) Now let’s make a list of foods
and drinks that we know in English, only in English. Can you give me some
suggestions? (as she writes the suggestions on the board). Ok, now you’re going
to work in pairs and add more items to the list for three minutes, ok?

6.3 Classroom interactions

The teacher talk was quite superior to the learner talk throughout the development
of the part of the lesson under analysis. The major pattern of interaction observed is Teacher-
individual student or Teacher-whole class, which leads us to conclude that this segment of
the lesson was mainly teacher-centered. The teacher could have provided learners with more
opportunities to interact among themselves and report their conclusions instead of “spoon
feeding” them. The passage below attempts to exemplify an instance of the lesson in which
the teacher could have asked for more collaborative work from the learners’ part.

T: Because he is an accountant, he is very logical... he’s a very logical person, a very


logical man, right? And the text you have on page 108 in your books is about the
things that the mysterious Mr. Zact likes and dislikes. So, have a look at page 108,
please (Sts open their books and look carefully at the pictures). What can you
see in the picture about Mr. Zact? What can you see in the picture?

(Silence)

T: What can you see? What examples of foods and drinks can you see in the
picture?

Rather than ‘spoon feeding” the learners, the teacher could have referred to their
course book and asked them to discuss what the text is about via group or pair work.

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7 ENLIGHTENED BY THEORY AND PRACTICE

Considering that the aim of this piece of work consists of providing my profile as an
EFL teacher and to what extent my practice has been enlightened by theory and practice, it
appears of a great deal of importance to draw upon my professional experience prior to
starting my academic career. When I started working as an EFL teacher, I was not much sure
whether I really wanted to become a teacher. Therefore, much of what I did in the classroom
reflected either my own experience as a language learner or the procedures dictated by the
audiolingual method, which was the methodology adopted by the language school where I
worked at that time.
My performance as a teacher stemmed not from my critical thinking, but from a
number of pre-established procedures and rules, which in nothing seemed to reflect my
learners’ long-term objectives. I had no knowledge whatsoever as to the approaches or
strategies that could be employed in order to promote meaningful learning in the classroom.
I just accepted everything that was imposed upon me and was “brainwashed” into believing
that my group of learners would only learn if I did exactly what was prescribed in the teacher’s
manual. I cannot recall having treated my learners differently from what was established in
that manual, which assumed that all learners and teaching contexts were the same. Much on
the contrary, I followed it “step by step” and whenever I went back home, I had the feeling
that my job had been done perfectly well. Actually, I never regarded my groups of learners
as human beings who certainly had the need to express themselves more freely and I failed
to experience one of the most rewarding things about teaching: the exchanges among
teachers and learners. The use of the mother tongue was forbidden in class and I do not
remember having used the mother tongue very often in order to clear out my learners’
doubts.
Nowadays, however, as I look back in time, I see that those days are gone and much
has changed since then. I view myself as a much better professional whose teaching has been
enlightened by a harmonious combination between practice and theory. I have come to
realize that we, as teachers, have a lot to contribute to our learners’ learning process and that,
as Richards (ibid.) points out, teachers can certainly go further beyond methods. Through
self-monitoring, I have managed to pinpoint my strengths and weaknesses as a professional
and have come to realize that despite being much more professionally mature, I still seem to
follow a variety of principles and beliefs that I already had when I started my career. The

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difference lies in the fact that nowadays my classroom behavior emerges not only from
intuition but also from critical thinking. I am no longer strict regarding methods. I have
learned to be more flexible and am fully aware of the fact that there is no perfect or best
method whatsoever. Thus, the techniques and strategies I use nowadays seem to constitute
a mixture of beliefs and concerns that, most of the times, have managed to produce positive
outcomes. As I progressed in my career, I not only gained more professional experience but
I also became more sensitive to my learners’ needs and I have come to realize that effective
teaching certainly stems from a number of variables apart from methods.

REFERENCES
BROWN, H. D. Teaching by Principles: an interactive approach to language Pedagogy. New York.
Prentice Hall Regents, NJ, 1994.
MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino
Fundamental – Língua Estrangeira (versão preliminar), Brasília: Secretaria de Educação
Fundamental, 1998.
RICHARDS, J.C. The Language Teaching Matrix, Cambridge University Press, 1990.
RICHARDS, J.C. LOCKHART, C. Reflective Teaching in Second Language Classrooms,
Cambridge University Press, 1996.
VEREZA, S. The role of ideology and identity in the teaching and learning of English as a foreign
language in Brazil. Anais do XII Enpuli UFMG, 1998.

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‘Você pode achar que o que conto é uma confissão’ 1: uma análise sobre
memória em Compaixão de Toni Morrison
Douglas Santana Ariston Sacramento2
Fernanda Mota Pereira3

RESUMO
O presente artigo retrata a condição da memória em personagens vinculados à narrativa Compaixão
(2009), da escritora afro-americana Toni Morrison, vencedora do Nobel de Literatura (1993). O livro
retrata uma narrativa ambientada no século XVI, ao retratar os primórdios do sistema escravocrata e
sua relação em uma pequena comunidade: a fazenda Jublio, pós morte de Jacob Vaark – dono da
fazenda. O tom memorialístico e passível de análise discorre sobre as personagens subalternas Florens
e Sorrow, escravas; Lina que é remanescente indígena; Rebekka esposa do dono da fazenda Jublio; e
Jacob, dono da fazenda. Assim sendo, a narrativa apresenta o uso constate da memória para narrar
as personagens que evocam suas memórias individuais e remetam a uma memória coletiva para o
leitor e um grupo social. O uso de memórias involuntárias e ícones que trazem à consciência
memórias passadas contribuem para a formação dessas personagens.

Palavras-chave: Grupo social. Memória. Narrativa.

'You can find that what I tell is a confession': an analysis of memory in A Mercy by
Toni Morrison

ABSTRACT
This article describes the condition of memory in characters linked to the narrative A Mercy (2009)
by the African-American writer Toni Morrison, winner of the Nobel Prize for Literature (1993). The
book portrays a narrative set in the sixteenth century, portraying the beginnings of the slave system
and its relationship in a small community: the Jublio, after death of Jacob Vaark - owner of the farm.
The memorialist and analyzable tone discusses the subaltern characters Florens and Sorrow, slaves;
Lina, a remnant indigenous; Rebekka, the wife of the owner of Jublio farm; and Jacob, owner of the
farm. Thus, the narrative presents the constant use of memory to narrate the characters that evoke
their individual memories and refer to a collective memory for the reader and a social group. The use
of involuntary memories and icons that bring back past memories contribute to the formation of
these characters.

Keywords: Social group. Memory. Narrative.

1 MORRISON, Toni. Compaixão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 7


2 Graduando em Língua Estrangeira Moderna pela UFBA. Email: douglas.ariston.18@gmail.com
3 Professora Assistente do Instituto de Letras da. Email: pmotafernanda@gmail.com

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1 INTRODUÇÃO

Toni Morrison é uma escritora afro norte-americana, que tem em sua lista prêmios
como o Pulitzer Prize (1988), pelo romance Amada, e o prêmio Nobel de Literatura (1993)
pelo conjunto de sua obra. Toni Morrison tem doutorado na Universidade de Cornell, onde
estudou sobre alienação e suicídio em algumas obras dos escritores William Faulkner e
Virginia Woolf. Além de escritora, Toni Morrison foi criadora de uma editora Random House,
onde esteve à frente, por anos de sua vida, e lançou livros de outros escritores afro-
americanos, ajudando na proliferação de uma literatura negra. (CUTI, 2010).
A literatura negra remete a um coletivo, o coletivo negro, que vive sob o estigma da
cor e do racismo e que teve uma perda identitária provocada pelos processos de diáspora e
que, por meio da literatura, tenta construir uma identidade para resultar numa reinvindicação
contra esse sistema racista que é ainda presente à sociedade contemporânea. (CUTI, 2010).
Ao narrar esse passado e afetar uma coletividade, Toni Morrison desrecalca um passado
histórico (MOTA, 2015) que é vinculado por um cânone literário e hegemônico
(MORRISON, 1993), ou seja, traz os holofotes para uma produção negra com suas
demandas particulares.
A sua produção literária consiste em 11 livros, uma peça e dois livros infantis, mas
Toni Morrison é reconhecida pela sua técnica narrativa presente em seus romances. Existe o
uso descontínuo do presente, narrado com a inserção do passado das personagens,
caracterizando, assim, uma dialética narrativa (DAIBERT, 2009), com o uso contínuo da
rememoração para caracterizar as personagens no seu passado e a influência para o presente
narrado. Além do uso descontínuo do tempo, há um fator histórico que ambienta seus
romances, um evento da história que está latente na memória do leitor. Portanto, notam-se
os mecanismos da narrativa em Toni Morrison, o passado e o presente narrado na
individualidade das personagens em suas múltiplas vozes (COSME, 2005), mas que se
expandem para fora das páginas dos livros e invadem o coletivo social (UMBARCH, 2008),
trazendo à tona uma potência coletiva e questionamentos para a sociedade contemporânea.

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[…] She (Toni Morrison) uses writing techniques (multiple voices for example)
to create a confused and fragmented tone and the cerebral stream of
consciousness technique is used to allow the reader hear the characters inner most
thoughts¹. (COME, 2005, p. 92)4.

A escrita de Toni Morrison torna evidente o poder da literatura menor (DELEUZE;


GUATARRI, 2014) que perpassa pelo poder do ato político que é intrínseco a obras de
autoria minoritária e pela utilização de mecanismo do colonizador para haver a rasura e uma
produção dessas literaturas. (DELEUZE; GUATARRI, 2014).
Um texto que configura essas características, e de análise nesse artigo, é o romance
Compaixão. O romance retrata a história ambientada numa fazenda no ano de 1690, no sul
dos Estados Unidos, narrada por quatro vozes-personagens-mulheres: Florens, Rebekka,
Sorrow e Lina, que, no decorrer da história, são atravessadas por outras vozes, como a mãe
de Florens ou Jacob Vaark, que é dono da fazenda, cujos fatos antecessores e sucessores de
sua morte são narrados no romance.
Jacob Vaark é casado com Rebekka, que se encontra com a mesma doença do marido
e em processo de luto, pelo falecimento dele e de todos os filhos. Rebekka manda Florens
procurar o Ferreiro que ajudou na construção da casa e é um curandeiro. Florens é a peça
principal desse mecanismo narrativo, sendo a representação de uma heroína épica e também
é apaixonada pelo Ferreiro; as outras vozes têm sua importância, como Lina, que é uma
remanescente indígena e tenta resgatar seus costumes que foram apagados pela violência da
dominação por território nos EUA; e Sorrow, que é a escrava rebelde e mãe, o que a difere
da sua dona, pois Rebekka não consegue dar longevidade à vida dos seus filhos. Essas peças
formam um quebra-cabeça sobre os primórdios do racismo na época mais tenra da
colonização e o início de um sistema escravocrata que deixa suas marcas na
contemporaneidade.
A partir dessas vozes-personagens o artigo discorrerá sobre a memória como parte
fundamental da narrativa e como essas memórias perpassam as páginas do livro e abarcam o
coletivo social do povo negro e de outras minorias. Memórias voluntárias e involuntárias,
cultural e subjetiva e os respectivos ícones (CAMARGO, 2009) serão analisados e
explanados.

4 Ela (Toni Morrison) usa técnicas de escrita (múltiplas vozes, por exemplo) para criar um tom confuso e
fragmentado e a técnica cerebral de conscientização é usada para permitir que o leitor ouça os pensamentos
internos dos personagens. (Tradução livre).

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2 PERSONAGENS E MEMÓRIAS: o subjetivo e o cultural

2.1 Florens

Florens é uma heroína épica e sua missão começa na primeira infância, afinal, todos
os heróis têm sua infância como primeiro ato missionário. (CAMPBELL, 1949). A sua
epopeia começa quando sua mãe a entrega para Jacob Vaark, esse ato é rememorado pela
personagem em um momento antes de começar a missão dada por Rebekka – sua dona –,
assim ficando explícita a rememoração de uma primeira missão com o intuito de firmar o ato
heroico que está prestes a realizar novamente.

[...] Assim que a folha de tabaco está pendurando para secar, o reverendo padre
me leva numa balsa, depois num brigue, depois num barco [...] No segundo dia o
frio é de doer e eu fico contente de ter um manto mesmo que fino. (MORRISON,
2009, p. 11).

Essas memórias e o intuito de trazer a subjetividade da personagem, cujo teor é


sempre heroico, bem como o passado como constituição dessa heroína épica, a falta da mãe
e a retirada dos laços maternos, ainda cedo, representam um luto que tem consequências
para posteriori, já que é um trauma. (FREUD, 1917). Esse trauma está presente na
construção da personagem e no seu decorrer como heroína épica, trazendo uma
problemática do tempo da escravidão, em que a mulher negra e seus filhos eram produtores
que moviam a economia na fazenda dos senhores. (DAVIS, 2013). Portanto essas mulheres
estavam implicadas no discurso da fertilidade ou reprodução (DAVIS, 2013), assim, a relação
de retirada da sua mãe é um reflexo da violência escravocrata.
A trajetória do herói começa com a iniciação ao mundo físico – uma aventura – e em
paralelo uma mudança no inconsciente da personagem, que ao ser entregue para Jacob Vaark,
ela vai sair do limiar da fazenda onde vivia com a mãe e começar a aventura épica
(CAMPBELL, 1949), mas ao mesmo tempo, temos uma personagem na primeira infância
que tem seus laços de desejo e completude com sua mãe cortados. Assim, diante de traumas
e modos peculiares de saber lidar com o que está ao seu redor, ela vai tentar encontrar
substitutos para essa ausência, em primeiro, uma mãe substituta, que é Lina, e num segundo
momento, o Ferreiro, homem por quem é apaixonada.

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A subjetividade é marcada pela troca e por ser um objeto, uma propriedade, que
movimenta a economia dentro de um sistema escravocrata. (DAVIS, 2016). Esse mesmo
sistema colocava a mulher negra no local da anomalia e da mulher sem órgãos para replicar
o trabalho compulsório. (DAVIS, 2016). Florens tem uma representação da sua psique e um
ícone de rememoração desse tempo infantil: os pés. Essa personagem é oriunda de Angola,
mas é denominada como uma escrava com “pés de dama portuguesa”. (MORRISON, 2009,
p. 8). Os pés, no início da jornada heroica, são relacionados a uma dama, mas no fim da
jornada está completamente diferente.

[...] Só mulher ruim usa salto alto. Eu sou perigosa, ela diz, e rebelde, mas ela cede
e me deixa usar os sapatos velhos da casa da Senhora, de bico fino, um salto alto
quebrado, o outro gasto e uma fivela em cima. O resultado disso, Lina diz, é que
meus pés são inúteis, vão ser sempre macios demais para a vida e nunca vão ter
solas fortes, mais grossas que couro, que a vida exige. (MORRISON, 2009, p. 8).

A metáfora dos pés remete à ideia do bloco mágico, em que os traços presentes no
inconsciente não são apagados totalmente. (FREUD, 1925). A imagem dos pés, rememorada
na narrativa, sinaliza para a presença desses traços, no passado, que ainda decalcam a
personagem, que remetem à infância e ao convívio da mãe e modificam, ao tentar, anos mais
tarde, achar um substituto para essa grande falta, já que a falta e o desejo relacionado a um
objeto libidinal movem o ser humano. (FREUD, 1915). A falta de um objeto libidinal é um
trauma e, portanto, na narrativa, o passado de Florens emerge constantemente, ou seja,
rompe as barreiras e chega ao consciente (FREUD, 1923) havendo uma rememoração do
passado, que a leva à mãe. O Ferreiro, que tem a salvação para Rebekka, é o grande amor da
vida de Florens, mas ao encontrá-lo não quer dividir o amor do Ferreiro com o filho dele,
assim, há uma reviravolta na trama, Florens machuca o filho do Ferreiro e é expulsa da casa,
quando retorna, os pés mudaram e sua subjetividade também.

Vou guardar uma tristeza. Que esse tempo inteiro eu não posso saber o que minha
mãe está me dizendo. Nem ela pode saber o que estou querendo dizer para ela,
Mãe, você pode ter prazer agora porque as solas dos meus pés estão duras feito
madeira cipreste. (MORRISON, 2009, p. 151).

Os pés, que retratam a condição psicológica da personagem, trazem consigo o uso


de uma memória involuntária, ou seja, um ícone que remete a um determinado momento do
passado, ou um questionamento que não foi pensado previamente, uma memória
espontânea, que surge no consciente sem aviso prévio. (CAMARGO, 2009). A utilização
desse tipo de memória em narrativas é comum em um dos livros estudados por Toni
Morrison no doutorado. No livro Um teto todo seu (2014), Virginia Woolf, ao retratar a
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condição feminina em um panorama literário inglês no início de século XX, se auto inscreve
como sujeito, ao narrar os questionamentos sociais e filosóficos de Mary e utilizar o recurso
da memória involuntária, como, por exemplo, quando Mary avista um gato sem calda da raça
manx e pensa “nas pessoas cantarolando coisas, mesmo de boca fechada, nos almoços antes
da guerra...” (WOOLF, 2014, p. 25). Uma metáfora ao silêncio e a castração das mulheres
em uma sociedade patriarcal e na vida inglesa modificada pós-guerra.

[...] enquanto eu via o gato manx parar no meio do gramado, como se também
ele questionasse o universo, algo parecia faltar, algo parecia diferente. Mas o que
faltava, o que estava diferente? [...] Para responder a essa pergunta era preciso me
imaginar fora daquela sala, de volta ao passado, antes mesmo da guerra, e colocar
diante dos meus olhos o modelo de outro almoço, oferecido em cômodos não
muito distantes dali, mas diferentes. (WOOLF, 2014, p. 22-23).

Portanto, há uma relação entre as duas escritoras, ambas rasuram toda uma sociedade
patriarcal ao questionar o poder de escrita e o lugar da mulher. Além disso, ambas fundaram
editoras e apoiaram o crescimento de novas produções artísticas em tempos diferentes do
século XX, mostrando para a sociedade que além de ser um manx com o rabo cortado,
símbolo de uma castração social, elas produziram nas salas de jantar dos homens ricos.

2.2 Jacob Vaark

A paternidade inalcançável caracteriza essa personagem. Jacob é o branco, dono de


terras e de escravos, e que faz negócios com outros donos de terras. Ele não tem herdeiros,
pois todos os seus filhos morrem pouco tempo depois do parto. Ele não consegue ser pai.
E a história dele ganha traços, a partir da rememoração de Florens, ao lembrar da sua primeira
infância, em que ela é entregue a Jacob, e Jacob a enxerga como uma função para estar
levando Florens para sua terra, como uma futura filha para ele e Rebekka.
A masculinidade e a vontade de constituir herdeiros são socialmente construídas. Ao
reportar essas questões ao século XVII, nota-se uma demanda maior para se ter herdeiras e
para repassar os bens materiais, pois após a morte de Jacob, há um medo de que consigam
tomar a fazenda, pois não há um homem nas terras, apenas as mulheres. Outra característica
é o mal-estar que provoca o fato de não conseguir reproduzir e gerar filhos, pois a reprodução
da raça humana bloqueia certo mal-estar em relação à solidão e ao sofrimento. (FREUD,
1930).

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[...] Agora que sua filha Patrician tinha ido fazer companhia aos irmãos mortos,
não havia ninguém ainda para colher a modesta herança que ele esperava
acumular. Assim, reprimindo a inveja como haviam ensinado no orfanato, Jacob
se divertiu identificando defeitos no casamento do par. (MORRISON, 2009, p.
22).

Quando ele chega à casa do dono, Jublio, de Florens, há um jantar e ele, ao notar os
filhos do homem, relembra os seus filhos mortos, o ícone – as crianças – traz ao consciente
um fato que Jacob queria reprimir: a morte dos seus filhos, que o deixa triste. Há um
mecanismo de repressão que é acionado pelo ícone e aparece como memória. (FREUD,
1915/1975). A subjetividade, o luto e a morte aparecem como constituidores dessa
personagem. Esse luto é a perda de um objeto em que havia uma transferência libidinal, na
relação de pai para filho e que se perde com a morte. Jacob é um personagem enlutado.

[...] Meninos calados como pedras, treze e catorze anos, usando perucas como as
do pai como se estivessem num baile ou num tribunal de Justiça. Seu azedume,
Jacob entendeu, era indigno, resultado de não ter ele próprio nenhum
descendente – homem ou não. (MORRISON, 2009, p. 22).

Jacob Vaark retrata esse homem, que é retirado várias vezes do exercício da
paternidade. Por meio de um mecanismo involuntário da memória, esse trauma ganha a
consciência, pois há um ícone que faz transpassar as barreiras do ego e o trauma, então, vem
à tona. (FREUD, 1923). Jacob é um órfão do seu meio, pois vivera a esmo até encontrar o
lugar, o Jublio, e acaba fazendo do seu trauma, recorrente em outros tempos de sua vida, um
modo de reprimir a orfandade dos outros personagens, assim ele leva para morar na sua
fazenda outros personagens órfãos (MOTA, 2015): Florens, Lina, Rebekka e Sorrow.
Outro ícone aparece e faz Jacob lembrar da esposa, o cheiro de cravo, presente no
jantar que o dono do Jublio produz para ele. O cheiro o transporta para a primeira vez que
viu Rebbekka, descendo do navio, pois Rebekka é fruto de um negócio entre Jacob e o sogro,
e ele ama a esposa que tem e reconhece o valor que ela possui ao seu lado e na organização
da fazenda. Essa cena exemplifica mais uma vez a utilização da memória involuntária na
narrativa, pois o odor está atrelado ao aparecimento de memórias. (BENJAMIN, 1989).

Sua Rebbekka lhe parecia sempre mais valiosa nas raras vezes em que estava na
companhia das esposas desses homens ricos, [...] Desde o momento em que viu
sua futura noiva lutando para descer a prancha pesada de desembarque com roupa
de cama, duas caixas e uma bolsa pesada, ele entendeu a sorte que teve.
(MORRISON, 2009, p. 23).

O odor como ícone é muito utilizado para ressuscitar uma memória involuntária, mas
também o sentimento envolvendo tal memória, em Marcel Proust, no livro No caminho de

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Swann, o incomodo do odor de verniz das escadarias que o herói proustiano sobe remete a
uma memória involuntária pautada na infelicidade de um passado, em uma grande mágoa,
que é o episódio do beijo: por causa do jantar da família dele com Swann, a mãe não pôde
subir para dar o beijo no herói, criança, antes de dormir.

[...] Essa escadaria detestada, que eu sempre subo tão tristemente, exalava um
cheiro de verniz que havia de certo modo absorvido e fixado aquela espécie
particular de mágoa que eu sentia cada noite e ornava-a talvez ainda mais cruel
para minha sensibilidade, porque, sob essa forma olfativa, minha inteligência não
mais podia tomar parte dela. (PROUST, 2016, p. 50-51).

2.3 Lina

A maternidade e a sororidade retratam a personagem, remanescente indígena Lina.


Ao ser apresentada na narrativa, como um objeto libidinal substituto (LACAN, 1995) para
Florens, rasura discursos hegemônicos, ou seja, o novo vínculo retratado por Florens e Lina
e os abandonos que Flores sofre no decorrer da primeira infância constituem o auge da
personagem de Lina, figurando-a como um personagem caracteristicamente materno.
Florens, ao ser entregue a Jacob Vaark, e indo morar na fazenda, é rejeitada por
Rebekka, que acabara de perder outro filho. Florens tinha, em sua primeira missão, substituir
uma das crianças mortas de Jacob e Rebekka, ambos em estado de luto, pois houve um
rompimento na ligação objetal. (FREUD,1915). Portanto, o intuito é a superação do luto de
Rebekka com a chegada de Florens, assim, reinstaurando o prazer materno perdido em
Rebekka, mas isso não acontece. Lina toma conta de Florens, suprimindo as necessidades e
cumprindo o papel de mãe, estabelecendo uma nova ligação libidinal entre as duas, Lina se
torna um substituto materno, uma mãe.

Florens suspirava então, a cabeça no ombro de Lina, e quando o sono vinha o


sorriso da menininha permanecia. Fome de mãe – ser uma ou ter uma -, ambas
tremiam com esse desejo que, Lina sabia, permanecia vivo, viajava nos ossos.
(MORRISON, 2009, p. 62).

Lina está em constante processo de recalcamento, um trauma oriundo do processo


colonial, Lina recalca todo um passado antes da colonização. E recalca todas as violências
psicológicas sofridas com a chegada dos colonizadores e a destruição de sua aldeia e de sua
cultura, um processo de violência e a aculturação. Assim, foi proibida de expressar todo um
saber, que foi dado como demoníaco ou pagão, e foram ensinados outros dogmas religiosos
e dado como corretos, pelos poderes da hegemonia que dita o que é certo ou errado;
mudaram o nome e tiraram todos os seus costumes.
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Ao trazer em sua construção de escrita o uso da memória involuntária, ao relatar as
narrativas de Lina, Florens e Sorrow, Toni Morrison desrecalca uma tradição épica, em que
está pautado no ideal do crescimento individual da personagem. Ao colocar memórias, que
são junções de memória coletiva e individual (BENJAMIN, 1989), ela constrói uma narrativa
através do trauma de um grupo social e, a partir disso, traz à superfície um novo tipo de épica
sem mostrar a construção do trauma, mas narrando a partir desse trauma social, cultural e
subjetivo existentes nos grupos minoritários.

[...] Lina admitiu o status de pagã e deixou-se purificar por esses justos. Aprendeu
a tomar banho nua no rio era pecado; que apanhar cerejas de uma árvore
carregada era roubo; que comer papa de milho com os dedos era perverso. [...]
deram-lhe um bom vestido de pano grosso. Cortaram as contas de seus braços e
apararam centímetros de seu cabelo. (MORRISON, 2009, p. 48).

Os processos de escravização pela hegemonia promoveram um apagamento de


cultura e subjetividade para aqueles grupos, denominados de outros e, portanto, passíveis de
dominação. Ao retratar as violências causadas por esses processos Toni Morrison faz uma
denúncia cultural, que é uma das características da escritora como, por exemplo, o livro
Amada (1989). Ao retratar os traumas e vivências pós torturas na convivência com o senhor,
Toni Morrison narra a vida de Sethe e de Paul D., utilizando do recurso memorialístico para
costurar uma coletividade e uma subjetividade apagada desde o navio negreiro pelos brancos
(HOOKS, 2014), por meio de torturas físicas e psicológicas.

Ele queria me contar, ela pensou. Ele quer que eu pergunte para ele como foi para
ele – pergunte como a língua fica machucada apertada pelo ferro, como a vontade
de cuspir é tamanha que dá vontade de gritas. [...] A loucura que congestionava o
olho no momento em que os lábios eram arregaçados para trás. (MORRISON,
2007, p. 105).

A importância da memória cultural de um povo é exemplificada pela personagem


Lina. Ela demonstra que há meios de subverter a cultura imposta e retrata isso mediante um
retorno às suas origens e como isso é passado para Florens no decorrer da infância. A
oralidade como literatura é exemplificada nas histórias contadas antes de dormir para
Florens, ou seja, é a força da memória como tradição nos escombros da colonização.
A oralidade é um exemplo de expurgação dos instintos reprimidos, que é perceptível
por causa dos traumas da colonização, em que é necessário ab-reagir (FREUD, 1915) –
expurgar – e isso ocorre com a oralidade, ao contar e inventar histórias para Florens, há um
processo de sublimação, em que esses instintos são expurgados pelo viés artístico. (FREUD,
1915).
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[...] Tiveram noites memoráveis, deitadas juntas, em que Florens ouviu com rígido
deleite as histórias de Lina. Histórias de homens maus que cortavam cabeça de
esposas devotadas; de cardeais que levavam as almas de crianças boas para um
lugar onde o próprio tempo era um bebê. Especialmente solicitadas, eram as
histórias de mães lutando para salvar seus filhos de lobos e desastres naturais.
(MORRISON, 2009, p. 61).

Lina exemplifica o poder da sororidade, pois cuidará da fazendo quando Jacob morre
e Rebekka está de cama com varíola, isto é, ficar ao lado de sua dona e no decorrer da estadia
na fazenda, se transformar em confidente e amiga de Rebekka. Portanto, ilustra a igualdade
entre as mulheres e qualquer outra minoria nos momentos de dor.

[...] Ficaram amigas. Não só porque alguém tinha de puxar o ferrão da picada de
vespa do braço da outra. Não só porque era preciso duas para empurrar a vaca
para longe da cerca. [...] Mas também, pensava Lina, ela possuía o Patrão que lhe
gradava mais e mais e logo uma filha, Patrician, duas coisas que abafavam a tristeza
pelos bebês de vida tão curta. Lina fez o parto e enterrou a cada ano seguido.
(MORRISON, 2009, p. 53-54)

2.4 Rebekka

Sigmund Freud, no texto Luto e Melancolia, ao retratar processos psíquicos do luto,


desliza sobre a manutenção do princípio do prazer para haver o término do processo de luto,
ou seja, se perde contato de desejo com um objeto e logo, para obtenção de prazer, as
instâncias psíquicas são redirecionadas para um novo objeto. (FREUD, 1915). Isso não
ocorre com Rebekka, ao perder todos os filhos que teve, o luto se prolonga e se transforma
em melancolia, onde as cartexias libidinais são voltadas para o próprio ego, assim sem haver
a rotatividade de prazer e desprazer (FREUD, 1915), que só se agrava com a morte do marido
Jacob Vaark.
Os traços memorialísticos surgem no consciente da personagem no momento de
alucinação por causa da doença, a mesma que matou Jacob, a varíola. A partir desse estágio
crítico da doença, Rabbeka reporta ao passado. A princípio, similar à náusea que está
sentindo, relembra a viagem do norte para ao sul feita pelo mar e como a viagem lhe trouxe
náuseas.

Não havia nada no mundo que a preparasse para uma vida de água, na água, sobre
a água; nauseada por ela e desesperada por ela. Mesmerizada e aborrecida de olhar
para ela, principalmente ao meio dia, quando as mulheres podiam ficar mais uma
hora no convés. (MORRISON, 2009, p. 71).

A partir dessa memória involuntária, há um retorno de todo um passado e uma


problemática social atemporal: no século XVI, havendo uma luta entre colonos e nativos no

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território norte-americano; a compra de mulheres para o casamento e a submissão dessas
mulheres para a família patriarcal e ao marido. Rebekka retrata pela concepção de “cenas de
desordem passada” (MORRISON, 2009, p. 73) toda uma coletividade, por meio da
associação de traços em comum existentes entre as memórias evocadas.

A sós com o bebê que mais que qualquer de seus filhos puxara ao pai, Rebekka
saboreou de novo naquele dia o milagre de sua boa sorte. Espancamento de
esposa era comum, ela sabia, mas as restrições – não depois das noves da noite,
com razão e não raiva – eram para esposas e apenas esposas. (MORRSION, 2009,
p. 91).

A morte dos filhos de Rebekka aparecem como uma repetição no discurso memorial
da personagem, ou seja, há uma quantidade de impressão – sentimento – sobre esse traço
(DERRIDA, 2005), que é um trauma presente na construção da personagem. Portanto,
exemplifica a importância da dor envolvendo essas lembranças e como medidor de
quantitativo de impressão, pois quanto maior a força do trauma maior será a exploração
deixada pelo traço, portanto, havendo uma organização psíquica. (DERRIDA, 2005). A vida
de Rebekka é organizada a partir das perdas, do processo de lutos e os traumas envolvendo
a precocidade das mortes.

[...] Mas ela pariu quatro bebês saudáveis, viu três sucumbirem em idades
diferentes a uma ou outra doença, e depois viu Patrician, sua primogênita, que
chegou a idade de cinco anos e forneceu uma felicidade em que Rebekka não
conseguia nem acreditar, jazer em seus braços durante dois dias antes de morrer
de cabeça quebrada. [..] Mas quando finalmente a terra ficou macia, quando Jacob
conseguiu tração com a pá e baixaram o caixão [...] Ficou ali o dia inteiro e a noite.
(MORRISON, 2009, p. 76-77).

Rebekka, que tem um nome que retoma a uma memória coletiva, pois tem relação
com a Bíblia e toda uma coletividade que segue os dogmas bíblicos, em que há uma
semelhança em relação às duas personagens com os mesmos nomes, ambas têm problemas
relacionados à maternidade. Rebekka, perde todos os filhos e Rebeca, figura bíblica associada
à boa esposa, não consegue ter filhos e para dar herdeiros para a família aceita que a escrava
tenha relações com seu marido. Em momento de doença, Rebekka retoma muitos discursos
e imagens bíblicas para retratar a sua fé e por estar sofrendo da moléstia e das perdas, como
se fosse castigo divino, similar ao que ocorre com a Rebeca bíblica.

[..] Além disso, havia papistas e as tribos de Judá a quem a redenção era negada,
como também a uma variedade de outros que viviam voluntariamente em erro.
Rebekka descartava essas exclusões como as restrições de qualquer religião, mas
tinha uma mágoa mais pessoal contra eles. Seus filhos. Cada vez que um dos delas
morria, ela dizia a si mesma que era antibatismo que a enraivecia. (MORRISON,
2009, p. 89).
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2.5 Sorrow

Ao narrar Sorrow, há o inverso, o presente é posto em segundo plano, e a narrativa


começa com o passado desta personagem. Um passado de viagem em um navio negreiro,
rumo à América, convivendo na amargura do confinamento dos porões e com pessoas que
falam outras línguas. Sorrow representa um passado coletivo, um desrecalque de toda uma
trajetória épica para haver uma construção de uma subjetividade que é negada ao negro no
período da escravidão e pós-escravidão. (SANTOS, 1983).
O navio negreiro é o principal veículo de docilização de corpos, por isso no trajeto
para o destino imposto pelos brancos, são utilizadas inúmeras torturas para haver uma
desmoralização desse corpo e da psique. (HOOKS, 2014). O mesmo ocorre com Sorrow –
que é uma palavra oriunda da língua inglesa para tristeza – e isso fica evidente na psique da
personagem, que cria uma segunda persona – Twin – que será sua companhia, desde o
naufrágio do navio em que estava até o fim da narrativa.

[...] Depois de procurar sobrevivente e comida, levando com os dedos o melaço


derramado no convés direto para a boca, noites ouvindo o vento frio e o lamber
do mar, Twin veio juntar-se a ela debaixo da rede e ficaram juntas desde então.
(MORRISON, 2009, p. 111).

A criação de uma persona pode ser lida como metáfora, como os processos de
violência são destruidores de subjetividades e de identidades, pois ao ser resgatada do
náufrago, Sorrow convive com os brancos que a salvaram, e eles colocam o nome, e apagam
essa identidade de África, a memória subjetiva é constituída por meio desses processos
escravocratas. Twin pode ser lido como esse novo reflexo, essa outra persona que é mais
docilizada que a própria Sorrow, que aceita, aconselha e é grande amiga para Sorrow.
Sorrow, ao ser recebida na casa das pessoas que a salvaram, sofre violência corporal,
não apenas pelo dono da fazendo, mas pelos filhos do dono também, logo ela fica grávida e
a sua senhora, por achar que estava havendo uma competição pelo senhor, muito propagada
durante os séculos de escravidão, por causa da imagem relacionada a essas duas mulheres no
imaginário social; a mulher negra como o corpo potencialmente sexual e necessitado de uma
violação sexual, física e psíquica e a mulher branca como imagem de candura (HOOKS,
2014), logo a senhora dá Sorrow a Jacob.

[...] De vez em quando tinha companhia secreta que não era Twin, mas não
melhor que Twin, que era sua segurança, seu divertimento, seu guia. A dona da
casa lhe disse que era o sangue menstrual; que todas as mulheres passavam por
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isso, e Sorrow acreditou nela até o mês seguinte, e o seguinte, quando o sangue
não voltou. (MORRISON, 2009, p. 113).

A relação conturbada existente entre senhora e escravizada, perpassa a segunda fase da vida
de Sorrow. Quando ela chega na fazenda de Jacob, Rebekka não gosta da nova moradora
das terras dela e a trata com indiferença e ela “mal escondeu o aborrecimento”.
(MORRISON, 2009, p. 52). Para Lina há uma maldição envolvendo aquele corpo negro, e
por isso a primogênita de Rebekka morre. Mas, a relação fica mais conturbada quando
Sorrow tem seu filho, pois há uma mudança na psique dela, e o ódio adicionado à tristeza do
luto em Rebekka, e toda essa competitividade existente entre mulheres brancas e negras
persiste até os dias atuais.

3 CONCLUSÃO

Memórias são construtoras de narrativa e extrapolam ao livro, envolvendo o leitor.


Memórias retratam um coletivo e uma subjetividade marcada nos discursos de uma
coletividade pelos mecanismos de poder. Toni Morrison narra de forma circular e mescla o
presente e o passado, em que os narradores revivem e vivem com base nas suas histórias
passadas. Através das memórias passadas é possível ler essa constituição dos sujeitos. O
romance enfocado não encerra apenas memórias subjetivas, ele as expende num tecido
cultural, e, portanto, na memória de um povo.
Nesse romance é possível ler uma história da escravidão em que é possível flagrar o
poder do hegemônico contra o subalternizado e as categorias de subjugação que são
fortemente marcadas. Esse processo de desrecalque de uma memória subjetiva e cultural é
feita num livro do século XXI.
Os mecanismos de lembrar, repetir e esquecer são revisitados e demarcados com
uma outra potência de discursividade por uma escritora afro-americana. Toni Morrison
revive e reescreve as memórias involuntárias, tão características nas obras proustianas e as
transforma em uma outra narrativa, uma narrativa de Compaixão.

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