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onomtco
Xenofonte
Tradução do grego e introdução
Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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I SBN 8S-33 b -~094- ·


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LIV

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9 012973
Martins Fontes
ECONÔMICO
Xenojonte

Tradução
ANNA LIA AMARAL DE ALMEIDA PRADO

Martins Fontes
São Paulo /999
Prefácio

Título do orit;ina! greR,o: OJKONOMIKOL


Copyright ©Livraria Martins Fontes t:ditora Ltda.,
Siio Paulo, 1999, pura a presente edi~·âo.

1ª edição
agosto de 1999
O autor
Tradução
ANNA LIA AMARAL DE ALMEIDA PRADO
Xenofonte de Atenas nasceu no demo de Érquia,
Revisão gráfica provavelmente entre os anos de 430 e 425 a. C., filho
!vete Batista dos Santos
Lígia Silva de uma família de abastados proprietários de terras.
Produção gráfica
Geraldo Alves A narração viva e pormenorizada da batalha que
Paginação/Fotolitos
Studio 3 Desenvolrimento Editorial (6957-7653)
houve na guerra civil, após a derrubada dos Trinta
(Helênicas, li, 24-43), sugere a sua participação pes-
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livm, SP, Brasil) soal na cavalaria ao lado dos oligarcas. Participou da
Xenofonte campanha de Ciro, o Jovem, em sua luta pelo poder
Econômico I Xenofonte; [tradução Anna Lia Amaral de Almeida
Prado].- São Paulo: Martins Fontes. 1999. (Clássicos) contra seu irmão Artaxerxes, o Grande Rei. Na reti-
ISBN 85~336~1094~7 rada das tropas através da Ásia Menor, comandou a
I. Sócrates - Influência 2. Xenofonte. Econômico I. Título. II.
Série.
retaguarda do contingente grego e, em 399 a.C., entre-
9_9_~3_2_95_ _--:-_ _ _ _ _ _ _ _ _ __:C:::D::::_D~.888.0!
gou o comando do que restava dos 100.000 homens
Índices para catálogo sistemático: a Tíbron, general espartano. Em seguida ligou-se a
1. Econômico : Xenofonte : Período antigo :
Literatura grega clássica 888.01 Agesilau, rei de Esparta, e participou de sua campanha
2. Xcnofontc : Econômico : Período antigo :
Literatura grega clássica 888.01 contra os persas na Ásia Menor. Quando o rei foi
Todos os direitos para a lfngua portuguesa reservados à forçado a regressar à sua pátria, Xenofonte o acom-
Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
Rua Conselheiro Ramalho, 330!340
panhou e, na batalha de Coronéia, em 394 a.C., es-
01325~000 São Paulo SP Brasil teve ao seu lado.
Te/. (011) 239~3677 Fax (011) 3105~6867
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v
_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenojonte _ _ _ _ _ _ _ __
- - - - - - - - - Econômico _ _ _ _ _ _ _ __

Exilado de Atenas por sua adesão aos inimigos - escritos pedagógico-éticos e técnicos: Ciropedia
de sua cidade, fixou-se em Esparta. Os espartanos o (8 livros); Hieron; Constituição dos lacedemô-
agraciaram com a proxenia e com uma propriedade nios; Recursos; Sobre a equitação; Hipárquico.
em Escilunte, na Trifília, onde viveu algum tempo -escritos socráticos: Memoráveis, Econômico,
como proprietário de terras e escritor. Quando, depois Banquete, Apologia.
de Leuctra, Esparta perdeu a hegemonia sobre a Gré-
cia, Xenofonte deixou sua propriedade em Escilunte A tradição guardou o nome de Xenofonte junta-
e transferiu-se para Corinto. A aproximação entre Es- mente com o de Heródoto e de Tucídides, lembran-
parta e Atenas contra Tebas, o inimigo comum, per- do-o como um dos grandes historiadores gregos do
mitiu a revogação de seu exílio. período clássico. De fato, entretanto, dentro de sua
Não é certo que tenha voltado a residir em Atenas, vasta produção literária, só uma obra, Helênicas, me-
mas sabe-se que seus filhos, Grilo e Diodoro, servi- receria ser mencionada como trabalho de um histo-
ram na cavalaria ateniense, e que o primeiro morreu riador.
na batalha de Mantinéia. Pode-se presumir que Xe- Embora a História da Guerra do Peloponeso de
nofonte tenha morrido depois de 359 ou 355 a.C., Tucídides tivesse como objeto um tema mais restrito,
com aproximadamente setenta anos. isto é, a história de Atenas em busca da conquista
da hegemonia na Grécia, o autor dá continuidade à
narrativa de Heródoto, retomando-a justamente no
A obra ponto em que seu antecessor a abandonou.
Do mesmo modo, Xenofonte continua o relato
É difícil estabelecer a cronologia das obras de de Tucídides no momento em que sua obra se inter-
Xenofonte, assim como classificá-las com rigor quan- rompe abruptamente, nos acontecimentos relativos
to ao seu gênero. Excluídas as obras erroneamente ao ano de 411 a.C.
atribuídas ao autor CCinegético, Cartas, Fragmento Pode-se, entretanto, dar razão a Felix Jacoby, que
sobre Teógnis, citado por Estobeu, e a Constituição dos considera o conjunto formado por Heródoto, Tucí-
atenienses), podemos apresentá-las em três grupos: dides e Xenofonte como a "tríade mais artificial de
nossa literatura".
-escritos históricos: Anábase (8 livros); Helêni- É evidente que Xenofonte, ao escrever as Helêni-
cas (7 livros); Elogio de Agesilau. cas, desejou ser o continuador de Tucídides, já que

VI VII
.~---

_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ __

manteve, embora só nos dois primeiros livros das o cerne de sua doutrina. Em seus livros, como acon-
Helênicas, os princípios que nortearam a exposição tece em toda literatura socrática contemporânea, Xe-
histórica de Tucídides. Se, porém, exteriormente ten- nofonte mistura as lembranças que guardava dos en-
tou preservar os critérios de exposição histórica sinamentos de Sócrates com suas próprias concepções
tucidideana, não o fez quanto ao essencial da His- éticas e idéias em voga em seu tempo. Os diálogos
tória da Guerra do Peloponeso: a busca da causa que sua obra registra são fictícios, como os platônicos,
verdadeira, a pesquisa apaixonada da verdade mais e procuram reproduzir literariamente o processo do
profunda e dos fatores que influem no curso da his- método dialético que, para Sócrates, era a única via
tória, a reflexão sobre as forças que condicionam os que poderia levar à descoberta da verdade.
atos dos condutores da política e os limites a que a O Econômico é um lógos oikonomikós, um trata-
iniciativa deles está sujeita. do eminentemente prático sobre a economia, a arte
de bem administrar o oíkos, em que, usando o re-
curso literário da apresentação do tema sob a forma
O Econômico de diálogo, Xenofonte faz que Sócrates, durante um
encontro com amigos, fale por ele em defesa de suas
Na vasta obra de Xenofonte, o Econômico faz idéias.
parte, como vimos, do grupo de escritos socráticos, Oíkos, como se depreende claramente do texto
aqueles que têm Sócrates como protagonista. Em- do diálogo, é uma palavra cujo campo semântico é
bora não tenha pertencido ao círculo de discípulos mais amplo que o de oikía, um termo cognato, e cujo
de Sócrates, nem o tenha acompanhado durante o significado pode ser bem apreendido através da opo-
julgamento que o condenou à morte, Xenofonte co- sição a um outro termo, pólís, cidade. Na pólis os in-
nheceu-o bastante para desejar preservar para os pós- divíduos agem como cidadãos, isto é, participam do
teros as lembranças que lhe ficaram do mestre. Tra- governo exercendo os vários cargos civis ou militares
çou, como Platão, o retrato do filósofo, registrou seus ou então se submetem às decisões daqueles a quem
pensamentos e momentos de sua carreira de educador incumbiram de representá-los diante da comunida-
dos jovens atenienses de seu tempo. Não podemos, de. Enquanto a pólis é o âmbito do político e do pú-
porém, iludir-nos e procurar ver, na obra de Platão blico, oíkos é o âmbito do privado, o espaço em que
ou de Xenofonte, a verdadeira figura de Sócrates ou o indivíduo age como membro de uma família e, co-

VIII IX
______________ Xenojon~----------------- _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ __

mo tal, defende seus interesses particulares, tendo de interesse é a casa, que é governada pela esposa,
deveres a cumprir em relação aos membros de sua a dona de casa, e é a propriedade de que se ocupa o
família, às suas tradições e também em relação aos esposo, o chefe da família.
seus bens. Nesse sentido, como membro de uma fa- O diálogo está estruturado em duas partes dis-
mília, o indivíduo insere-se em seu oíkos como o ci- tintas. Na primeira (I-VI), sem um prólogo que indi-
dadão em sua pólis e assim pode-se dizer que o indi- que o local, a ocasião ou as pessoas presentes, Xe-
víduo está para o seu oíkos assim como o cidadão nofonte - é ele o narrador, embora não diga expres-
está para sua pólis. samente - rememora uma conversa entre Sócrates e
O oíkos, portanto, é muito mais que a oikía, a Critobulo, jovem e rico proprietário de terras, na qual
casa onde reside uma família. É tudo o que a famí- o mestre tenta convencer seu interlocutor de que a
lia possui, a oikía em si com seu mobiliário e adornos, economia é um saber como a medicina, a metalur-
os bens quer em dinheiro, quer em terras e, mais gia ou carpintaria e de que, tanto quanto qualquer
que tudo, os seus valores éticos e tradições. artesão, sendo um proprietário de terras, ele deverá
Como a pólis precisa de bons governantes, o adquirir conhecimentos que o ajudem a ter sucesso
oíkos precisa de bons administradores e a tarefa de na gestão de seus bens, porque a propriedade não é
Xenofonte, no Econômico, é procurar identificar as um bem, se não traz proveito a seu dono, e, se não
qualidades do bom chefe do oíkos e traçar a estraté- souber administrá-la adequadamente, não será capaz
gia para a formação de bons administradores do patri- de tirar proveito dela.
mônio familiar. Surpreendente é ouvir Sócrates, numa longa tira-
Ao tratar do homem em sua vida particular como da, pronunciar um verdadeiro discurso em que estão
membro do oíkos, como indivíduo que administra presentes os instrumentos da retórica para fazer o
seus bens e tem obrigações para com a família, Xeno- elogio da vida no campo e da agricultura (cap. V),
fonte focaliza a atividade cotidiana na qual o ho- fechando a primeira parte do Econômico. Critobulo,
mem e a mulher têm suas funções específicas. Não convencido pelas palavras de Sócrates de que é pre-
faz referências ao momento político, aos deveres do ciso conhecer, ponto por ponto, o que deve fazer
cidadão em relação aos problemas da pólis, que, no para tornar produtivas suas terras, quer saber mais
diálogo, aparece como simples pano de fundo para sobre o assunto. A segunda parte (VIII-XXI) insere-se
a ação das personagens que estão em cena. O centro no contexto como o encaixe do relato de um diálo-

X XI
_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenojonte _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ __

go entre Sócrates e Iscômaco, rico proprietário, com ao qual ele fornece o conteúdo e a justificativa. Isso
quem Sócrates foi ter depois de muito procurar na acontece porque, na ficção do Econômico, o Sócrates
cidade alguém que pudesse ser tomado como mode- que é o interlocutor de Critobulo, embora disso o lei-
lo por suas qualidades de caráter e habilidade na tor não seja informado no momento do relato, já esti-
gestão de sua propriedade. Já que na cidade a maio- vera com Iscômaco, que acedera ao seu pedido e lhe
ria de seus concidadãos dizia que Iscômaco era, in- mostrara o que devia fazer para tornar-se um homem
discutivelmente, um homem de bem, um daqueles que, como ele, merecesse o epíteto de kalàs kaiaga-
a quem cabe ser qualificado como belo e bom (kalàs thós: viver uma vida simples e próxima da natureza,
kai agathàs anér), Sócrates o procurou para infor- ser disciplinado e dedicado ao trabalho, saber reali-
mar-se sobre o que seria preciso saber e fazer para zar pessoalmente as tarefas para ser capaz de orien-
tornar-se um homem que, como ele, pudesse mere- tar os auxiliares e exercer autoridade sobre eles.
cer o apreço de seus concidadãos. Assim, ao término da leitura do Econômico, mes-
Os encaixes sucessivos de relatos, sob a forma mo para quem se lembra das palavras atribuídas a Só-
de narrativas que incluem pequenos diálogos, e so- crates por Platão: "As árvores e os campos nada têm
bretudo a inserção do longo diálogo entre Sócrates para ensinar-me" (Fédon, 230 d), ganha verossimi-
e Iscômaco, que ocupa dois terços da obra, e no qual lhança o discurso apaixonado que ele pronuncia em
também estão incluídos outros diálogos menores, louvor da vida do homem do campo, do trabalho da
dão ao Econômico uma estrutura complexa, com mu- terra e do cultivo de jardins e pomares, porque verá
danças de narrador, de tempo e lugar. que, ao fazer-se discípulo, ele também procurou des-
A presença de Sócrates, na primeira parte carac- cobrir, com ajuda de outrem, um novo caminho que
terizado como mestre de Critobulo e na segunda lhe ensinasse a justiça. Encontrando-o no exercício da
como discípulo de Iscômaco, o uso da dialética como agricultura, cujas tarefas exigem disciplina, renúncia
recurso didático para chegar à verdade e também as ao luxo e à ociosidade, empenhou-se em transmitir
referências ao valor do trabalho agrícola são ele- essa nova via de aperfeiçoamento físico e ético aos jo-
mentos comuns às duas partes. Mas os dois diálogos vens que procuravam seus ensinamentos.
só se integram porque o diálogo de Sócrates/Iscô- O Econômico é um exemplo muito expressivo de
maco, embora seja apresentado em segundo lugar, como Xenofonte usou a figura de Sócrates e da me-
no tempo real precede o diálogo Sócrates/Critobulo mória de suas lições para garantir boa recepção do

XII XIII
_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenqfonte _ _ _ _ _ _ _ __

público para suas obras, nas quais procurava divul-


gar ensinamentos práticos sobre assuntos de seu in-
teresse. É assim que vemos Sócrates interessar-se
pelas lições de Iscômaco, que lhe diz como a mulher ECONÔMICO
deve governar a casa e quais são as atribuições da
esposa, cujo papel no interior da oikía corresponde,
ponto a ponto, ao do esposo que, como varão, de-
sempenha suas funções fora da casa. Ambas as fun-
ções exigem as mesmas qualidades psicológicas e
éticas: prudência, moderação, modéstia, amor ao tra-
balho, desejo de adquirir novos conhecimentos e
transmiti-los aos outros, capacidade de delegar fun-
ções e de exercer sua autoridade.
O Econômico, segundo notícias que temos, foi
traduzido por Cícero, o que mostra o interesse que
despertou desde a Antiguidade. A antológica passa-
gem relativa aos deveres da mulher no interior do
lar (VII, 10- X) é muito valiosa como fonte de infor-
mações sobre a vida doméstica na época, principal-
mente sobre o estatuto da mulher na sociedade de
seu tempo.

Anna Lia Amaral de Almeida Prado

XIV
Uma conversa sobre a administração
do patrimônio familiar

1. Eu o ouvi, um dia, conversando sobre a eco-


nomia, a administração do patrimônio familiar, nes-
tes termos:
- Dize-me, Critobulo, a economia é um saber co-
mo o é a medicina, a metalurgia e a carpintaria?
- É o que penso, disse Critobulo.
2. - E, da mesma forma que poderíamos dizer
qual é a tarefa de cada uma dessas artes, poderíamos
também dizer qual é a sua tarefa?
- Penso, disse Critobulo, que do bom adminis-
trador é próprio administrar bem o seu patrimônio
familiar 1 •

1. OtKOVOflÚX, palavra composta de dois elementos: OtKO, tema


derivado de ÔtKOÇ, que, na acepção primitiva, significa casa, mora-
dia, pátria (cf. o{ ria), mas assumiu um sentido mais amplo designan-
do o conjunto de hens relativos a uma família; VOflÍCX, da raiz de VÉflCO,
que significa gerir de maneira correta, administrar. Daí a tradução de
OtKOVOflÍCX como administração de patrimônio familiar.

3
__________________ Xenojonw __________________ ------------~Econômico ___________

3. -E o patrimônio de outrem, disse Sócrates, se 7.- É que pensávamos que patrimônio de um


alguém dele o incumbisse, não poderia, se quisesse, homem fosse o mesmo que propriedade.
administrar bem como o seu? Quem conhece a car- - E é! Por Zeus! disse Critobulo. Mas o que de
pintaria poderia fazer para outrem justamente o que bom ele possui. .. Não, por Zeus! eu não chamo pro-
faz para si e o mesmo faria, talvez, o administrador priedade, se é algo mau.
do patrimônio. -Acho que chamas propriedade o que é provei-
- Penso que sim, Sócrates. toso para cada um.
4. - Então, disse Sócrates, quem conhece essa - É bem assim, disse. O que prejudica mais eu
arte, mesmo no caso de não ter dinheiro, pode, como considero perda que riqueza.
quem constrói uma casa, receber salário administran- 8. - Ah! e, se alguém compra um cavalo, não sabe
do o patrimônio de um outro? usá-lo e, caindo, dá-se mal? Para ele o cavalo não é
-Por Zeus! pode e ganharia bom salário, disse
uma riqueza?
Critobulo. Se recebesse um patrimônio e, conseguin-
- Não, se é que a riqueza é um bem.
do um superávit, fizesse crescer o patrimônio.
- Ah! nem a terra é riqueza para um homem que
5. - E para nós o que é um patrimônio? Será a
a trabalha de tal forma que, mesmo trabalhando, so-
casa ou também é patrimônio tudo quanto alguém
fre perda?
possui fora de casa? Tudo isso também faz parte do
- Mesmo a terra não é riqueza, se, ao invés de
patrimônio?
- Eu penso que sim, disse Critobulo. Mesmo que nutrir, faz com que se passe fome.
o proprietário não o tenha na mesma cidade, tudo o 9. - Então com as ovelhas acontece o mesmo.
que alguém tenha, faz parte de seu patrimônio. Se alguém, por não saber usar as ovelhas, sofresse
6. - E algumas pessoas também não possuem perda, nem as ovelhas seriam riqueza para ele?
inimigos? - Penso que não.
- Por Zeus! e alguns, muitos! - Então, acho eu, consideras o que traz proveito
- E afirmaremos que os inimigos são posse deles? riqueza, o que prejudica, não-riqueza.
- Mas seria ridículo, disse Critobulo, alguém fa- -É isso.
zer crescer o número de seus inimigos e, ainda por 10.- Ah! as mesmas coisas são riqueza para quem
cima, receber uma paga por isso! sabe usá-las e não são riqueza para quem não sabe.

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenojonte _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ __

Flautas, por exemplo, para quem sabe tocar bem são - De forma alguma, a não ser que atlrmemos que
riqueza e, para quem não sabe, nada mais que pe- é riqueza a erva chamada hióscimo 2 , cuja ação faz
dras inúteis. quem as come ficar louco.
- A não ser que as venda ... 14.- Então o dinheiro, se alguém não sabe usá-lo,
11.- O que nos parece, então, é que para os que que ele o afaste tão longe de si, Critobulo, que não
as vendem são riqueza, mas, para os que não as ven- lhe seja riqueza! Mas e os amigos? Se alguém sabe
dem e ficam na posse delas, não são, se não sabem usá-los de forma que tire proveito deles, o que dire-
usá-las. mos que são?
- Riqueza, por Zeus! disse Critobulo. E muito mais
- E não há discordância, Sócrates, no andamen-
que os bois, se forem mais proveitosos que os bois.
to de nossa discussão, já que está dito que o proveito-
15. - Ah! e os inimigos? De acordo com o que
so é riqueza. Se não são vendidas, as flautas não são
dizes, são riqueza para quem sabe tirar proveito dos
riqueza, pois não são úteis, mas, se vendidas, são ri-
inimigos.
queza. - É o que penso.
12. A isso Sócrates respondeu: - Ah! é próprio do bom administrador do patri-
- Se é que ele sabe vender... Se, por sua vez, ven- mônio saber usar até os inimigos de tal forma que
desse a quem não soubesse usá-las, mesmo quando tire proveito dos inimigos.
vendidas, de acordo com o que estás dizendo, não -É bem isso.
seriam riqueza. -E vês, de fato, Critobulo, disse ele, quantos pa-
- Acho, Sócrates, que estás dizendo que nem o trimônios de particulares, e de tiranos também, cres-
dinheiro é riqueza para quem não sabe usá-lo. ceram com a guerra.
13. -Penso que concordas até este ponto: aqui- 16.- Quanto a isso, penso eu, está bem o que
lo de que alguém pode tirar proveito é riqueza. Em já foi dito, Sócrates, disse Critobulo. Mas o que nos
todo caso, se alguém usasse o dinheiro para com- parece quando, de um lado, vemos que alguém tem
prar, por exemplo, uma amante, por causa dela, pior saber e meios com que, trabalhando, pode fazer cres-
ficaria seu corpo, pior sua alma e pior seu patri- cer seu patrimônio, e, de outro, percebemos que não
mônio. Mesmo assim tiraria proveito do dinheiro?
2. Planta da família das Solanáceas com propriedades narcóticas.
Como? Em grego DO't:KD<X!J.OÇ, isto é, fava de porco.

6 7
-
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ _ __

o quer fazer e, por isso, vemos que seu saber em ao contrário, são muito apegados ao trabalho e à bus-
nada lhe é proveitoso? Para essa pessoa nem o saber ca de ganho para si mesmos. Até seu patrimônio,
nem as propriedades são riqueza? contudo, exaurem e ficam emperrados pela ausên-
17. -É a respeito dos escravos, Critobulo, que cia de recursos.
procuras discutir? disse Sócrates. 22.- Escravos são também esses, disse Sócrates,
- Não, por Zeus! disse. Não é a respeito deles, e de senhoras muito duras, uns da gulodice, outros
mas de algumas pessoas consideradas bem nascidas da libertinagem, outros da embriaguez, outros de am-
que eu vejo tendo, umas, as ciências da guerra, e bições tolas e dispendiosas que tão duramente go-
outras, as da paz, mas não querendo exercê-las por- vernam os homens sobre os quais têm o domínio
que, penso eu, justamente não têm um senhor. que os obrigam, enquanto os vêem jovens e aptos a
18. -E como não teriam senhores? Não se gabam trabalhar, a trazer-lhes o produto do trabalho e a pa-
de serem felizes, não querem fazer aquilo donde gar por suas próprias paixões, mas, quando os per-
teriam coisas boas e disso não são impedidos pelos cebem incapazes de trabalhar por causa da velhice,
que os governam? deixam-nos envelhecer miseravelmente e, de novo,
tentam usar outros como escravos. 23. Ora, Crito-
- Mas quem são esses, disse Critobulo, que os
bulo, contra isso é preciso lutar em defesa de nossa
governam mesmo sendo invisíveis?
liberdade não menos do que contra os que, em ar-
19. - Por Zeus! disse Sócrates. Não são invisí-
mas, tentam escravizar-nos. Veja! até inimigos, quan-
veis! Ao contrário, são bem visíveis. Que são muito
do são homens belos e bons3 , se na guerra escravi-
maus nem tu podes deixar de ver, se julgas que a
zam adversários, chamando-os à razão, eles os obri-
ociosidade, a fraqueza de alma e a negligência são
gam a se tornarem melhores e os fazem viver vida
maldade. 20. E há umas outras senhoras enganado-
menos penosa daí em diante. Tais senhoras, porém,
ras que se fazem de prazeres, a jogatina e a má com-
não deixam de desfigurar os homens em seus corpos
panhia, que, com o correr do tempo, aos que foram
e almas, enquanto os têm sob seu poder.
enganados, revelam-se como sofrimentos disfarçados
em prazeres e, dominando-os, os afastam das ações
3. A expressão KUÀ.Ot KcX')'UÕOt CXVÕpEO' geralmente é traduzida co-
proveitosas.
mo homens de bem. Preferimos traduzi-la literalmente, tendo em vista
21. - Mas também outros há Sócrates disse compreensão melhor de passagens posteriores em que ela ocorre. Cf.
' ' '
que por elas não são impedidos de trabalhar mas, VI, 8; VI, 12-17; VII, 2-3 e outras.

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenojonte _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ _ __

li 4.- E, apesar dessa apreciação, julgas que não


precisas de dinheiro a mais e tens pena de minha
1. Critobulo a isso respondeu mais ou menos pobreza?
assim: - O que tenho, disse, é bastante para oferecer-
-A respeito de tais paixões, penso que as palavras me o que me é suficiente, para manter o modo de
que ouvi de ti me bastam. Examinando a mim mesmo, vida em que estás envolvido e tua reputação, nem
penso que me descubro capaz de manter tais paixões que tivesses três vezes o que tens agora, nem assim,
sob controle. Assim, se me aconselhasses o que pode- penso eu, isso te seria bastante.
ria fazer para aumentar meu patrimônio, não seria im- 5. - Por que isso? perguntou Critobulo.
pedido, penso eu, por essas senhoras, como tu as cha- Sócrates explicou:
mas. Vamos! sem hesitação dá-me o bom conselho, - Porque te vejo, em primeiro lugar, na necessi-
qualquer que seja! Ou tens contra nós a idéia, Sócra- dade de oferecer muitas vezes grandes sacrifícios,
tes, de que somos suficientemente ricos e, na tua opi- sem o que, julgo, não resistirias nem a homens nem
nião, para nada precisamos de dinheiro a mais? a deuses; depois, receber muitos estrangeiros e
2. - Se falas de mim também, disse Sócrates, eu fazê-lo com magnificência; depois, oferecer banque-
não preciso. Na minha opinião, não preciso de mais tes aos concidadãos e prestar-lhes favores ou ficar
riquezas, mas sou rico o bastante. Tu, porém, Crito- sem aliados. 6. Percebo ainda que a cidade exige que
bulo, na minha opinião, és muito pobre e, por vezes, pagues grandes tributos: manutenção de cavalos,
até eu me lastimo por ti. subvenção aos coros e às competições ginásticas, e
3. E Critobulo falou com um sorriso: o exercício da presidência; e, se ocorrer uma guerra,
- Pelos deuses, Sócrates! Quanto julgas que te- sei bem que te imporão a trierarquia4 e tantas contri-
rias por tua propriedade, se vendida, e quanto eu pela buições que não te será fácil suportá-las. Se acharem
minha? que cumpres alguns desses encargos não a conten-
-Julgo, disse Sócrates, que, se encontrasse um
bom vendedor, por tudo o que tenho, juntamente 4. Em Atenas, os cidadãos mais ricos deviam responsabilizar-se
com a casa, teria muito facilmente cinco minas; mas pelo financiamento ele determinadas obras e instituições ela cidade. A
mais pesada elas liturgias, como eram chamados esses encargos, era a
o que tens, sei muito bem, teria mais que cem vezes trierarquia, o ônus elo pagamento das despesas com as armas e equi-
esse valor. pamento de uma trirreme.

10 11
___ ,. -·-

__________________ Xenojonw __________________ ----------------~Econômico ________________

to, sei que os atenienses te punirão como se te apa- tivo, conseguir superávit. Quem consegue economi-
nhassem roubando seus bens. 7. Além disso, vejo zar a partir do pouco que tem, a partir de muito, es-
que te julgas rico e descuidas dos meios de ganhar pero, conseguirá facilmente um superávit.
riquezas, mas estás atento a casos com jovenzinhos, 11.- Não te lembras de que, há pouco, em nos-
como algo permitido a ti. Por isso me lastimo por ti, sa conversa, nem resmungar me deixaste, dizendo
temendo que sofras algo irremediável e chegues a que, para quem não sabe usar os cavalos, não são
uma grande indigência. 8. E, quanto a mim, se pre- riqueza os cavalos, e nem a terra, nem as ovelhas, nem
cisasse de algo a mais, eu sei, e tu reconheces, basta- dinheiro, nem nada mais, quando não se sabe usá-
riam alguns para, com pequenas contribuições, inun- los? Bem! os lucros vêm de coisas como essas. Eu,
dar com sua liberalidade a minha morada; os teus porém, jamais, de modo algum, as tive. Pensas que
amigos, mais que tu para o teu, têm o suficiente para eu poderia saber usá-las? Como?
o trem de vida deles, mas, mesmo assim, olham-te 12. -Mas pensávamos que, caso alguém não
como que na expectativa de ajuda vinda de ti. possua riqueza, mesmo assim, há um saber, o da
9. E Critobulo disse: administração do patrimônio familiar. Que impede,
- Eu a esses argumentos não posso contradizer. portanto, que mesmo tu o tenhas?
Vamos! é hora de seres meu tutor para que, de fato, - Por Zeus! justamente o que impediria um ho-
não me torne digno de lástima. mem de saber tocar flauta, se jamais tivesse possuído
Então Sócrates, depois de ouvi-lo, disse: flautas, nem um outro lhe tivesse permitido apren-
-Não te parece estranho que faças isso? Há pou- dê-lo nas dele. Essa é também a minha situação rela-
co, quando eu afirmava que sou rico, riste de mim, tiva à administração do patrimônio. 13. Jamais pos-
como se eu nem soubesse o que é riqueza, não pa- suí riquezas, o instrumento adequado para aprendê-la,
raste de rir antes de deixar claro o meu erro e fizes- nem jamais um outro me entregou suas riquezas para
te-me concordar que não possuo nem a centésima que eu as administrasse, exceto tu, que agora pre-
parte de teus bens. Agora ordenas que eu seja teu tendes fazer isso. Mas os que começam a aprender
tutor e cuide que não te tornes, absoluta e verdadei- a tocar cítara podem muito bem estragar até as liras.
ramente, um pobre! Se eu tentasse a prender a administrar, fazendo-o
10.- Vejo, Sócrates, disse, que, no que diz res- com teu patrimônio, iria arruiná-lo.
peito à riqueza, conheces um único trabalho produ- 14. A isso Critobulo respondeu:

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- Com que boa vontade, Sócrates, tentas esca- pidez, facilidade e com maior lucro. É aprendendo
par-me sem contribuir em nada para tornar mais le- com esses que, segundo penso, se quisesses e a di-
ves as tarefas que me cabem! vindade não se opusesse a ti, também virias a ser um
- Não! Por Zeus, disse Sócrates, eu não! Eu te di- homem de negócios muito hábil.
rei, ao contrário, tudo quanto posso e isso de muito
boa vontade! 15. Imagino que, mesmo que viesses
em busca de fogo e eu não o tivesse em minha casa, III
se achasse que em outro lugar qualquer o consegui-
1. Critobulo ouviu e disse:
ria para ti, não terias queixas de mim. Pedindo-me tu
- Agora, Sócrates, é que não te deixarei ir antes
água e não a tendo eu em minha casa, se para aten-
que me proves o que me prometeste aqui, perante
der-te a trouxesse de outro lugar, sei também que
nossos amigos.
sobre isso não terias queixas de mim. Se quisesses
- O que pensarás, Critobulo, disse Sócrates, se te
aprender música comigo, indicaria pessoas que fos-
mostrar, primeiro, que uns constroem casas inúteis,
sem mais hábeis que eu na música e que te seriam outros, com muito menos dinheiro, casas que têm
gratas, se quisesses aprender com elas. Fazendo as- tudo quanto é necessário? Será que, na tua opinião,
sim, terias queixas de mim? estarei demonstrando uma das tarefas da adminis-
-Se eu for justo, Sócrates, não terei nenhuma. tração de patrimônio?
16.- Pois bem! Eu te indicarei outros muito mais - É bem assim, disse Critobulo.
hábeis a respeito de tudo quanto estás ansioso por 2. - E o que pensarás se te indicar, depois, uma
aprender de mim. Confesso ter-me preocupado em conseqüência disso? Uns, possuindo bens móveis,
saber quem eram os mais peritos dentre nossos con- numerosos e variados, não podendo usá-los quando
cidadãos. 17. Um dia notei que, realizando os mes- precisam, nem sabendo se os têm em bom estado, fi-
mos trabalhos, alguns eram homens absolutamente cam por isso muito aflitos e afligem muito seus servos;
sem recursos e outros muito ricos. Espantei-me e pen- outros, nada possuindo a mais, até muito menos que
sei que valia a pena pesquisar o que isso significava. esses, têm logo à mão o que precisam usar.
Pesquisando, descobri que nada de estranho ocorria. 3. -Mas qual é, Sócrates, a razão disso? Não é
18. Via os que agiam ao léu sofrerem perdas, e os que porque, para uns, cada coisa está onde caiu por aca-
eram zelosos e sérios, descobri, agiam com mais ra- so e, para outros, tudo está disposto em seu lugar?

14 15
_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ __

- Sim, por Zeus! disse Sócrates. Não num lugar 7.- Por Zeus! disse, ficarei, se for capaz ...
ao acaso, mas onde convém, aí estão dispostas. - Então deves olhar e tentar entender por ti mes-
- Penso que estás dizendo, disse Critobulo, que mo. Realmente eu sei que, para assistir a um espetá-
também isso faz parte da administração do patrimô- culo de comédia, levantas bem cedo, percorres um
nio. caminho bem longo e, de muito boa vontade, con-
4. - E se te mostrar que lá todos os servos, por vidas-me para contigo assistir a ela. Mas para algo
assim dizer, mesmo agrilhoados, freqüentemente es- desse tipo jamais me convidaste ...
tão fugindo, e acolá, soltos, trabalham de boa von- - Será que te pareço ridículo, Sócrates?
tade e permanecem em seus postos? Pensas que 8.- Para ti mesmo, por Zeus! disse, deves pare-
também aqui estou indicando um aspecto da admi- cer muito mais ridículo ... Se eu te mostrar também
nistração do patrimônio ao qual vale a pena prestar que, com a criação de cavalos, uns estão à míngua
atenção? do necessário e outros, criando cavalos, estão muito
- Penso sim, por Zeus! disse Critobulo, e fazes bem de vida, e, ao mesmo tempo, vaidosos do lucro
isso muito bem. que têm?
5. - E no caso dos que trabalham terras da mes- - A esses também estou vendo e conheço uns e
ma espécie? Uns afirmam que, cultivando suas terras, outros, e nem por isso torno-me um dos que têm lu-
tudo perderam e estão na indigência; outros que, cro ...
com o cultivo das suas, têm, e com muita abundân- 9.- É que os vês como vês os atores da tragédia
cia, o necessário. e comédia, não para vir a ser um poeta, mas para
- Sim, por Zeus! isso acontece, disse Critobulo. sentir prazer vendo-os e ouvindo-os. Talvez isso es-
Gastam talvez não só com o necessário, mas tam- teja certo, já que não queres vir a ser poeta; mas,
bém com o que traz prejuízo a eles e ao patrimônio. forçado a lidar com a criação de cavalos, não te jul-
6. - Alguns, disse Sócrates, talvez sejam assim. gas tolo não cuidando de tornar-te perito nessa tarefa,
Eu, porém, não falo deles, mas dos que não podem sobretudo porque cavalos, que são bons para o uso,
gastar nem com as despesas necessárias e, mesmo também dão lucro na venda?
assim, vivem dizendo que são agricultores. 10.- Estás mandando que eu dome potros, Só-
-E qual seria a razão disso, Sócrates? crates?
- Eu te levarei também até eles, disse Sócrates. - Não, por Zeus! só que compres escravos pre-
Vendo-os, acho, ficarás sabendo. parando-os, desde meninos, para serem agricultores;

16 17

I
_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte· _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ __

mas é que eu penso que tanto cavalos quanto ho- - Então não seria mais de admirar que soubesse
mens, em certas fases da vida, sendo já úteis, tor- falar e fazer o que deve do que se cometesse enganos?
nam-se ainda melhores. Posso mostrar também que 14. - Esses de quem dizes que têm boas espo-
as suas mulheres uns tratam de forma que as tenham sas, será que foram eles próprios que as educaram?
como colaboradoras no crescimento do patrimônio, - Nada como fazer uma investigação ... Eu te
outros, de maneira que, no mais das vezes, elas os apresentarei também AspásiaS, que, com maior com-
arruínam. petência que eu, tudo isso te explicará ... 15. Mas
11.- E por isso qual dos dois devemos respon- julgo que, sendo boa companheira, para o bem uma
sabilizar, Sócrates? O marido ou a mulher? mulher pesa tanto quanto o marido; os bens entram
- Quando uma ovelha passa mal, na maioria das na casa através dos atos do marido, mas são gastos,
vezes, responsabilizamos o pastor, e, quando um em sua maioria, através das despesas feitas pela mu-
cavalo se comporta mal, falamos mal do cavaleiro. lher; sendo os ganhos e gastos bem administrados,
Quanto à mulher, se, instruída pelo marido no que crescem os patrimônios; mal administrados, diminuem
é bom, mesmo assim age mal, seria ela talvez a res- os patrimônios. 16. Posso mostrar-te, penso, pessoas
ponsável; mas, sem a instruir no que é belo e bom, se que exercem de maneira digna de menção cada um
a tratasse como uma ignorante nessas questões, com dos ramos do saber, se julgares necessário ter mais
justiça não seria o marido o responsável? 12. Em to- informações.
do caso, Critobulo, já que nós aqui somos amigos,
dize-nos a verdade! Há outra pessoa a quem confies
maior número de incumbências importantes que à IV
tua mulher?
-Não há ninguém, disse. 1. - Sócrates, que necessidade há de falar sobre
- Existe alguém com quem converses menos que todos eles? disse Critobulo. Não é fácil conseguir tra-
com tua esposa? balhadores de todas as artes com a habilidade neces-
-Se existe, não serão muitos, disse. sária, nem é possível vir a ser perito nelas. Vamos!
13. - Com ela casaste ainda bem menina, quan-
do só podia ter visto e ouvido muito pouco?
5. Aspásia de Mileto, segunda mulher de Péricles, famosa por
-Certamente. sua beleza e inteligência.

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte _ _ _ _ _ _ _ _ __ __________________ Econômico _________________

mostra-me os ramos do saber considerados mais be- seguinte. Às coisas da guerra, sobre isso estamos de
los, aqueles de que convém ocupar-me e também os acordo, ele dá muita atenção. Aos chefes de cada
que a eles se dedicam! E, quanto a ti, ensinando-me, nação de que recebe tributos estabelece a quantos
ajuda-me quanto possas! cavaleiros, flecheiros, fundeiros e gerróforos 6 devem
2.- Tens razão, Critobulo, disse Sócrates. As cha- fornecer alimentação para que sejam capazes de
madas artes manuais não gozam de bom nome e, controlar seus subordinados e, se os inimigos ataca-
naturalmente, são depreciadas nas cidades. Arruínam rem, de proteger o território. 6. Fora isso, mantém
os corpos dos trabalhadores e dos feitores obrigan- guardas nas cidadelas. A alimentação para as guar-
do-os a ficar sentados no interior das casas, e algumas nições quem fornece é o chefe disso encarregado, e
delas até a passar o dia junto ao fogo. E, quando os o rei, a cada ano, passa em revista os mercenários e
corpos se debilitam, também as almas tornam-se bem os outros aos quais é determinado que se mante-
menos resistentes. 3. As chamadas artes manuais não nham em armas, ao mesmo tempo conduzindo-os
deixam tempo livre para cuidar dos amigos e da ci- todos ao local chamado assembléia. Aos que estão
dade e, assim, tais artesãos são considerados maus nas proximidades de sua residência inspeciona pes-
para ter-se como amigos e como defensores da pátria. soalmente e, aos que estão mais distantes, manda que
Em muitas cidades, sobretudo nas que têm fama de os fiéis 7 o façam. 7. Aos frurarcos 8 , aos quiliarcos 9 ou
guerreiras, não se permite que um cidadão exerça aos sátrapas que se apresentam com o número com-
artes manuais. pleto de homens, estando esses ainda equipados
4. - E nós, Sócrates? Que tipo de arte nos acon- com cavalos e armas em boas condições, engrande-
selhas exercer? ce com honrarias e enriquece com grandes dons em
- Será, disse Sócrates, que nos envergonharía- dinheiro; mas aqueles que descobre serem negligen-
mos de imitar o rei dos persas? Dizem que ele, por tes com as guarnições ou corruptos castiga dura-
julgar que a agricultura e a arte bélica estão entre as mente e, demitindo-os, coloca outros como encarre-
mais belas e necessárias, dá muita atenção a ambas.
5. Critobulo ouviu e disse: 6. Soldados da infantaria ligeira, equipados com escudos de
- E dás crédito a isso, Sócrates? O rei dos persas vime, recobertos com couro de boi.
dar alguma atenção à agricultura ... 7. Conselheiros do Grande Rei da Pérsia. Cf. Xenof., An., I, 55,5;
Ésq., Persas, 2.
-Ficaríamos sabendo, talvez, disse Sócrates, se 8. Comandantes de uma guarnição sediada em postos avançados.
ele lhe dá alguma atenção, se observássemos o 9. Comandante de uma guarnição composta por mil homens.

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico

gados. Fazendo isso, na nossa opinião, é indubitá- fato, quase se pode dizer que os que lavram mal a
vel que ele dá atenção aos trabalhos bélicos. terra não podem nutrir as guarnições nem pagar os
8. Ainda a parte do território que, durante o per- impostos. Onde um sátrapa está no comando, é ele
curso, tem diante de seus olhos ele examina pes- quem cuida de ambas as tarefas.
soalmente e a que pessoalmente não tem diante dos 12. Depois disso, Critobulo disse:
olhos manda que os fiéis a inspecionem. Quando vê - Se é isso que o rei faz, Sócrates, em nada,
que os governantes lhe apresentam um território bem penso eu, seu cuidado com os trabalhos agrícolas é
habitado, a terra produzindo e cheia de árvores, cada menor que com os bélicos.
uma com seus frutos, a eles atribui um território a 13. -Além disso ainda, disse Sócrates, em todas
mais, dá presentes e recompensa-os com postos de as regiões em que reside ou que visita, sempre cuida
honra. Aqueles cujo território vê improdutivo e pou- que haja jardins, os chamados paraísos, cheios de
co habitado ou pela rudeza, violência ou negligên- tudo o que de belo e bom a terra costuma produzir
cia deles, punindo e demitindo dos cargos, substi- e neles passa a maior parte de seu tempo, quando a
tui-os por outros governantes. 9. Se age assim, ele estação do ano não o impede.
parece menos preocupado com que a terra se torne 14. - Por Zeus! disse Critobulo, por certo é ne-
produtiva com o trabalho de seus habitantes que com cessário, Sócrates, cuidar que, nos paraísos, onde o
a vigilância exercida pelas guarnições? E os chefes rei passa o seu tempo, estejam plantadas da maneira
investidos por ele numa e noutra função não são os mais bela possível muitas árvores e tudo quanto a
mesmos, mas uns governam a população e os lavra- terra faz crescer.
dores e deles recebem os impostos, outros chefiam 15. - Contam alguns, Critobulo, disse Sócrates,
os homens em armas e as guarnições. 10. Se, de um que, quando o rei concede dons, em primeiro lugar,
lado, o frurarco não defende a contento o território, chama os que na guerra foram bravos porque, diz
o governante da população, que zela também pela ele, de nada valeria arar grandes extensões, se não
lavoura, denuncia o frurarco dizendo que não po- houvesse quem as defendesse; em segundo lugar,
dem trabalhar por causa da falta de vigilância, mas, os que trataram melhor as terras e as fizeram produ-
se o frurarco propicia paz para a lavoura e o gover- tivas, dizendo que nem os fortes poderiam viver, se
nante apresenta o território pouco habitado e impro-. não houvesse lavradores. 16. Conta-se também que
dutivo, o frurarco, por sua vez, o denuncia. 11. De Ciro, que veio a ser o rei mais ilustre, disse um dia

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aos chamados para receber os dons: "Por justiça· eu dro admirou-se de como eram belas as árvores. Es-
deveria receber os dois gêneros de prêmios. Sou o tavam plantadas em distâncias iguais, as fileiras eram
melhor para tratar a terra e para defender o que ela retas, tudo formando ângulos regulares e muitos aro-
produz." mas suaves os envolviam enquanto caminhavam.
17.- Bem, Sócrates! disse Critobulo. Se Ciro disse Maravilhado, disse: "Realmente me espanto com a
isso, também não se orgulhava menos de fazer pro- beleza disso tudo, porém invejo quem o planejou
dutiva a terra e tratá-la bem que de ser um guerreiro. para ti e dispôs cada coisa em seu lugar." 22. Ou-
18.- Sim, por Zeus! disse Sócrates. Se Ciro vives- vindo-o, Ciro alegrou-se e disse: "Bem, Lisandro! tudo
se, penso que seria excelente governante e disso isso fui eu que planejei e dispus. Algumas árvores,
deu muitas outras provas. Quando foi lutar contra disse, eu mesmo plantei." 23. E Lisandro, olhando
seu irmão pelo reino, segundo dizem, ninguém de- para ele e vendo a beleza das vestes, dos colares e
sertou e passou para o lado do rei, enquanto muitos braceletes e das outras jóias que trazia, disse: "Que
milhares desertaram passando para o lado de Ciro. dizes, Ciro? Com tuas mãos plantaste uma dessas ár-
19. Eis o que considero grande prova da excelência vores?" 24. Ciro respondeu-lhe: "Estranhas isso, Lisan-
de um governante: seus homens de bom grado lhe dro? Juro-te, por Mitra! Quando estou bem de saúde
prestam obediência, preferindo, nos perigos, perma- jamais vou jantar antes de suar fazendo um exercí-
necer a seu lado. Enquanto vivia, os companheiros cio de guerra ou um trabalho agrícola ou então es-
lutavam a seu lado, e, quando morreu, todos morre- forçando-me sempre para conseguir algo." 25. O
ram lutando em torno de seu corpo, com exceção próprio Lisandro declarou que, ouvindo isso, esten-
de Arieu que, justamente, estava postado na ala es- deu-lhe a mão e disse: "Penso que és feliz e isso é
querda. 20. Pois bem! conta-se ainda que Ciro, quan- justo. Porque és um homem bom, és feliz."
do Lisandro 10 veio trazer-lhe os presentes da parte
dos aliados, recebeu-o muito gentilmente, de acordo
com o que o próprio Lisandro contou um dia a um v
hóspede em Mégara, e, o que foi o melhor, mos-
trou-lhe o paraíso que possuía em Sardes. 21. Lisan- 1. - Esses fatos, Critobulo, eu narro, disse Só-
crates, porque nem os mais prósperos podem man-
10. General lacedemônio responsável pL'Ia vil<.!ria na batalha
naval de Egos Potamos (405 a.C.) e captura de i\tvnas ( IJOIJ a.C.). ter-se afastados da agricultura. Cuidar dela, acho, é ao

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mesmo tempo uma atividade prazerosa, um meio mesmo tempo, para os animais que serão as presas.
de fazer crescer o patrimônio e exercitar o corpo 6. Beneficiados com a agricultura, os cavalos e cães
para que esteja apto para tudo quanto convém a um dão sua retribuição ao campo, o cavalo, levando bem
homem livre. 2. Em primeiro lugar, aquilo de que cedo o feitor para sua lida e fazendo que possa vol-
vivem os homens a terra produz para os lavradores, tar tarde, os cães, impedindo que animais selvagens
trazendo-lhes ainda a mais o que lhes dá prazer. 3. Em ataquem os frutos e os rebanhos, e ajudando a pro-
segundo lugar, proporciona-lhes tudo com que ador- piciar segurança aos que estão sozinhos. 7. A terra
nam os altares e estátuas e com que eles próprios se também incita os lavradores a defender seu terreno,
adornam, e isso no meio de aromas e paisagens sua- já que nutre seus frutos em espaço aberto, à dispo-
víssimas. Em terceiro lugar, das iguarias que prepa- sição de quem tenha força para apanhá-los. 8. Que
ramos, umas ela faz crescer, outras alimenta, pois a arte torna os homens mais aptos para correr, atirar
criação de ovelhas está muito ligada à agricultura, dardos e saltar do que a agricultura? Que arte recom-
de forma que os homens podem propiciar os deu- pensa os que a exercem mais que a agricultura? Que
ses sacrificando-as e também usá-las para si mesmos. arte acolhe com mais doçura quem dela cuida, ofe-
4. Ainda que ofereça bens muito abundantes, não per- recendo aos que a buscam o que querem? Que arte
mite que os tomem para si, se indolentes; ao contrá- acolhe os estrangeiros mais generosamente? 9. Onde,
rio, habitua os homens a suportar o frio do inverno senão numa casa de campo, passar o inverno junto
e o calor do verão. Exercitando os que a lavram de um fogo sempre aceso e com banhos tépidos?
com as próprias mãos, aumenta-lhes o vigor, e aos Que lugar é mais doce que o campo para passar o
que exercem a vigilância da lavoura torna viris, des- verão com água, brisas e sombra? 10. Que outra arte
pertando-os bem cedo e forçando-os a caminhar apresenta aos deuses primícias mais à altura deles
com passo firme. De fato, tanto no campo quanto na ou festas mais freqüentadas? Que arte é mais cara
cidade, os negócios mais vantajosos têm sua hora aos servidores ou mais doce para a mulher ou mais
certa. 5. Ainda, se alguém quer, na cavalaria, defender desejada pelas crianças ou mais agradável aos ami-
a cidade, a agricultura é muito eficiente na criação de gos? 11. Seria de admirar, penso eu, se um homem
seu cavalo, e, se for na infantaria, ela lhe torna vigo- possuísse algo mais agradável que isso ou se encon-
roso o corpo. A terra aumenta o gosto pela caça, for- trasse uma ocupação mais agradável ou mais útil para
necendo fartura de alimentação para os cães e, ao a vida.

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12. Ainda, sendo uma deusa, a terra ensina tam- também as outras artes, as de terra e as de mar, qua-
bém a justiça aos que podem aprendê-la, pois aos que se desaparecem.
lhe prestam melhores serviços dá em troca muitos 18. Ao ouvir isso, Critobulo disse:
bens. 13. Se uma multidão de soldados os priva de - Penso que tens razão no que dizes, mas sabes
suas lavouras, os que se dedicam à agricultura de for- que, na agricultura, na maior parte das vezes para um
ma rigorosa e viril são os que, bem preparados de homem é impossível prever... Granizos e geadas, às
corpo e alma, não os impedindo uma divindade, são vezes, secas e chuvas excessivas, a ferrugem do trigo
capazes de invadir as terras dos que não os deixam e outras pragas anulam planos bem concebidos e
colher os frutos para se alimentarem. Muitas vezes, bem postos em prática, e às vezes rebanhos tratados
na guerra, é até mais seguro buscar alimento com as excelentemente perecem tristemente quando sobre-
armas que com os instrumentos agrícolas. vém uma doença.
14. A agricultura ensina também a se ajudarem 19. Ouvindo isso, Sócrates disse:
mutuamente, pois contra inimigos deve-se ir junto -Mas eu julgava, Critobulo, que sabias que os
com outros homens e o trabalho da terra exige mais deuses não têm menos em suas mãos os trabalhos
de um homem. 15. Bom agricultor será quem fizer de agrícolas que os bélicos. Os que estão em guerra, tu
seus lavradores homens decididos e prontos a obe- os vês, julgo eu, antes de ir para as operações béli-
decer, e o que conduz seus homens contra o inimigo cas, propiciando os deuses e procurando saber o que
deve achar os meios para conseguir o mesmo, pre- devem fazer ou não. 20. Sobre os trabalhos do cam-
miando os que cumprem o dever dos corajosos e po, julgas que devem propiciar menos os deuses?
punindo os indisciplinados. 16. E o agricultor deve Fica sabendo bem, disse, que para defender as frutas
encorajar seus lavradores não menos vezes que o e os grãos, os cavalos e rebanhos e tudo o que pos-
general os seus soldados. Os escravos não carecem suem, os homens de bom senso cultuam os deuses.
menos de boas esperanças que os soldados, mas, ao
contrário, carecem de muito mais, para que prefiram
ficar em seus postos. 17. Com razão alguém disse que VI
a agricultura é mãe e nutriz das outras artes. Estando
bem a agricultura, têm vigor também as outras artes, 1.- Bem, Sócrates! disse. Na minha opinião, tens
mas, onde a terra for forçada a permanecer estéril, razão em mandar-me iniciar todo trabalho com a

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ajuda dos deuses, já que, como dizes, os deuses não usar. 5. Pensamos que não é possível aprender to-
têm menos em suas mãos os trabalhos da paz que das as ciências e que, em todas as cidades, as cha-
os da guerra. Tentaremos, portanto, agir desse modo. madas artes manuais não têm bom nome, porque, ao
Mas tu, a partir do ponto em que paraste de falar-nos que parece, arruínam os corpos e alquebram as al-
sobre a administração do patrimônio, tentas discor- mas. 6. O melhor testemunho disso seria, afirma-
rer sobre os assuntos ligados a ela, porque, na mi- mos, quando ocorresse uma invasão de inimigos
nha opinião, depois de ouvir o que disseste, sinto- em nossa terra, fazer que os lavradores e artesãos se
me mais capaz de discernir o que devo fazer para sentassem em lugares separados e a ambos os gru-
levar minha vida. pos se perguntasse que decisão para eles seria a
2.- E então, disse Sócrates, se, em primeiro lu- melhor, defenderem sua terra ou, deixando-a, posta-
gar, retomássemos todo o caminho que, de comum rem-se de vigia diante dos muros. 7. Nossa impressão
acordo, já percorremos, para que, se pudermos, ten- era a de que os homens que lidam com a terra vota-
riam a favor de defendê-la e os artesãos por não lu-
temos também assim, de pleno acordo, ir percorrendo
tar, mas fazer aquilo para o que tinham sido educa-
o resto do caminho?
dos, isto é, ficar em seu canto, sem labutar, sem cor-
3. - Coisa agradável é, sem dúvida, disse Crito-
rer riscos. 8. Concluímos que, para o homem belo e
bulo, que, como os que, sendo parceiros nos negó-
bom, o melhor trabalho e o melhor saber é a agri-
cios, repassam suas contas sem deixar dúvidas, nós,
cultura, da qual os homens obtêm aquilo de que pre-
parceiros numa discussão, também repassemos os cisam. 9. Esse trabalho, penso eu, é o mais fácil de
pontos sobre os quais discutimos e estamos de aprender, o mais agradável de ser realizado, torna
acordo. mais belos e robustos os corpos e ocupa as almas
4. - Bem, então! disse Sócrates. Pensamos que durante tempo mínimo, deixando-as com lazer para
economia, administração do patrimônio familiar, é o cuidarem dos amigos e da cidade. 10. Pensávamos
nome de um saber, e esse saber parece ser aquele que a agricultura incita os lavradores a serem cora-
pelo qual os homens são capazes de fazer crescer josos, já que aquilo de que precisam ela faz crescer
seus patrimônios, e patrimônio parece-nos ser o mes- e nutre fora dos muros. Por isso é também a vida
mo que o total de uma propriedade, e, para nós, mais nobre em relação à cidade, porque, ao que nos
propriedade é o que para cada um é proveitoso para parece, torna os cidadãos melhores e mais bem dis-
a vida e dá-se como proveitoso, tudo quanto se saiba postos para com a comunidade.

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11. E Critobulo disse: que o belo era acrescentado ao bom, toda vez que
- Sócrates, que a agricultura torna a vida muito via um homem belo, procurava saber se tinha algo a
bela, muito boa e muito agradável, disso, penso, es- mais, isto é, se ao belo era unido o bom. 16. Ah! mas
tou suficientemente convencido. Disseste, porém, não era assim ... Ao contrário, parecia-me descobrir
que ficaste sabendo por que razões uns, exercendo-a que alguns homens belos eram bem maus em suas
de um certo modo, dela obtêm com abundância tudo almas! Decidi, então, deixar de lado a bela aparên-
de que necessitam, e a outros, exercendo-a de outro cia e procurar encontrar um dos belos e bons. 17.
modo, de nada lhes serve a agricultura. Penso que Então, como já tinha ouvido dizer que por todos,
são essas as razões, nos dois casos, que eu gostaria homens e mulheres, estrangeiros e cidadãos, lscôma-
de ouvir de ti para que façamos o que é bom e não co era chamado belo e bom, decidi-me a tentar um
façamos o que é nocivo. encontro com ele.
12. - O que acharás, Critobulo, disse Sócrates,
se eu te contar desde o começo o encontro que, um
dia, tive com um homem que, na minha opinião, está VII
entre esses que realmente merecem o nome de ho-
mem belo e bom? 1. Um dia, então, no pórtico do templo de Zeus
- Gostaria muito de ouvir-te! disse Critobulo. Eleutério, vi-o sentado e, como não parecia estar
Tanto quanto eu diria querer tornar-me eu próprio ocupado, aproximei-me e, sentando-me a seu lado,
digno desse nome. disse-lhe:
13. - Pois bem! Eu te contarei, disse Sócrates, "Por que, Iscômaco, estás sentado aqui, coisa a
como vim a poder observá-lo. Para visitar bons cons- que não estás acostumado? Na maioria das vezes
trutores, bons fundidores, bons pintores, bons es- vejo-te ocupado em alguma coisa na praça, mas nun-
cultores ou pessoas como eles e para admirar-lhes ca sem fazer nada ... "
as obras consideradas belas, bastava-me pouco tem- 2. "Nem agora me estarias vendo, Sócrates, dis-
po. 14. Para observar, porém, os que têm este nome se lscômaco, se não tivesse combinado com alguns
solene, belo e bom, para saber o que fazem para se- estrangeiros esperá-los aqui."
rem dignos dele, minha alma desejava muito encon- "Mas, quando não estás fazendo nada assim, pe-
trar-se com um deles. 15. E, em primeiro lugar, por- los deuses! disse-lhe eu, como passas o tempo? O

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que fazes? Eu gostaria muito de saber de ti o que fa- falasse o mm1mo. 6. Não pensas que era bastante
zes para seres chamado belo e bom. Que não passas chegar sabendo apenas pegar os fios de lã e tecer
o tempo dentro de casa tua postura física torna evi- uma túnica e já ter visto como os trabalhos de tear
dente ... " são distribuídos às servas? Quanto ao controle da
3. Iscômaco, sorrindo e aparentemente satisfei- alimentação, disse, veio muito bem ensinada, o que,
to por ter-lhe perguntado o que fazia para ser cha- tanto para o homem quanto para a mulher, penso eu,
mado belo e bom, disse: é uma questão do maior interesse."
"Bem, Sócrates! Se algumas pessoas, ao conver- 7. "Quanto ao resto, Iscômaco, disse eu, tu mesmo
sar contigo sobre mim, me dão esse nome, eu não educaste tua mulher para que fosse capaz de cuidar
sei. De fato, quando me convocam para uma troca das tarefas que lhe cabem?"
de bens num momento em que pretendem impor "Não, por Zeus! disse Iscômaco, não o fiz antes
uma trierarquia ou coregia, ninguém, disse ele, bus- de oferecer sacrifícios e, com uma prece, pedir que
ca o belo e bom cidadão ... Ao contrário, convocam- eu, ensinando, e ela, aprendendo, conseguíssemos o
me chamando-me muito explicitamente de Iscôma- melhor para nós ambos."
co mais o nome de meu pai. Bem, Sócrates! disse, 8. "E tua mulher, disse eu, não participou conti-
quanto ao que perguntas, de maneira alguma passo go dos mesmos sacrifícios e preces?"
meu tempo dentro de casa, pois minha mulher é "Participou, sim, disse Iscômaco, e aos deuses fez
capaz de cuidar pessoalmente das coisas de minha muitas promessas de que seria como é preciso. Via-
casa." se que não descuidaria do que lhe fosse ensinado."
4. "Mas é isso, Iscômaco, disse, que eu gostaria 9. "Pelos deuses, Iscômaco! Conta-me o que lhe
de saber. Tu mesmo educaste tua mulher de modo ensinaste em primeiro lugar. É isso que eu gostaria de
que ela fosse tal qual deve ou a recebeste das mãos ouvir-te contar e muito mais que de ouvir-te falar so-
do pai e da mãe já sabendo cuidar das tarefas que bre a mais bela competição de ginástica ou hipismo."
lhe cabem?" 10. E Iscômaco respondeu:
5. "E o que saberia ela, disse, quando a tomei "É isso que queres, Sócrates? Quando a senti dó-
como esposa? Ao chegar à minha casa, não tinha ain- cil e à vontade para conversar comigo, interroguei-a
da quinze anos, e, antes disso, vivia sob muitos cuida- mais ou menos assim: 11. 'Dize-me, minha mulher,
dos para que visse o mínimo, ouvisse o mínimo e será que já pensaste por que te tomei como esposa

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e por que teus pais te entregaram a mim? Sei, e é o que têm esteja da melhor forma possível e que as
evidente para ti, que não haveria dificuldade de achar outras coisas, em sua maior parte, venham a ser acres-
outro com quem dormirmos. Eu refletia a meu res- centadas por meio do que é belo e justo.'
peito e teus pais sobre ti para ver quem escolhería- 16. 'E vês, disse minha mulher, o que poderia
mos como o melhor para a casa e para os filhos. Eu fazer para colaborar no crescimento de nosso patri-
te escolhi e os teus pais, acho eu, dentre os maridos mônio?'
possíveis me escolheram para ti. 12. Quanto aos fi- 'Vejo, sim, por Zeus! disse eu. Tenta fazer, da me-
lhos, quando a divindade conceder que os tenha- lhor forma possível, aquilo que os deuses te fizeram
mos, nesse momento deliberaremos sobre eles para capaz de fazer e a lei aprova.'
que os eduquemos da melhor maneira possível, pois 17. 'E isso o que é?' disse ela.
também comum a nós dois será esse bem, conseguir Julgo que não são tarefas de pequeno valor, disse
os melhores aliados e os melhores protetores na eu, se é que, numa colméia, não são de pequeno
velhice. Agora, porém, o que temos em comum é valor as tarefas a que a abelha-rainha preside. 18. Eu
esta casa. 13. Eu declaro que é de nós dois tudo o penso, minha mulher, ele contou-me ter dito, que
que tenho e tudo o que trouxeste puseste em comum. os deuses formaram esse casal de fêmea e macho,
E não devemos ficar calculando qual de nós contri- como é chamado, com muito critério para que te-
buiu mais em quantidade. Ao contrário, é preciso nha o máximo de vantagens na convivência. 19. Em
que saibamos bem que, dentre nós, o que for me- primeiro lugar, para que não pereça a raça dos seres
lhor parceiro, esse é quem contribuirá com o que é vivos, esse casal permanece unido gerando filhos;
de maior valor.' em segundo, a partir dessa união, eles, os homens
14. A isso, Sócrates, minha mulher respondeu: pelo menos, podem ter amparo em sua velhice; em
'Em que, disse ela, eu poderia colaborar conti- terceiro, os homens não vivem ao ar livre como os
go? Que capacidade teria eu? É de ti, ao contrário, rebanhos, mas precisam de teto, é claro ... 20. Mas,
que tudo depende. A minha parte, afirmou minha para terem o que levar para o interior dos abrigos,
mãe, é ter juízo.' os homens precisam de quem faça as tarefas ao ar
15. 'Por Zeus! é sim, minha mulher, disse eu, e livre. Ora, lavra, semeadura, plantação e pastoreio,
meu pai disse-me o mesmo. Próprio dos que têm juí- tudo isso é feito ao ar livre e é daí que vêm os víve-
zo, porém, seja homem ou mulher, é fazer com que res. 21. Depois que são levados para o interior do

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abrigo, ainda é necessário que haja quem os conser- porque ambos devem dar e receber, aos dois deu
ve e realize os trabalhos que exigem lugar coberto. em partes iguais a memória e o zelo. Sendo assim, não
Precisam de lugar coberto os cuidados com os filhos poderias discernir qual sexo, o feminino ou o mas-
recém-nascidos, o preparo do pão a partir dos grãos culino, tem mais desses dons. 27. Fez também que
e o feitio das vestes com fios de lã. 22. Já que am- fossem igualmente capazes de controle sobre si mes-
bas as tarefas, as do interior e as do exterior da casa, mos e deu-lhes licença para que quem fosse o me-
exigem trabalhos e zelo, desde o início, na minha lhor, homem ou mulher, assumisse para si parte maior
opinião, o deus preparou-lhes a natureza, a da mulher desse bem. 28. E, pelo fato de que, por natureza,
para os trabalhos e cuidados do interior, a do homem ambos não são igualmente bem dotados para tudo,
para os trabalhos e cuidados do exterior da casa. precisam muito um do outro e a união é mais útil ao
23. Preparou o corpo e a alma do homem para que casal quando um é capaz daquilo em que o outro é
possa suportar melhor o frio, o calor, caminhadas e deficiente. 29. Sabendo, minha mulher, disse-lhe eu,
campanhas bélicas. Impôs-lhe, por isso, os traba- os deveres que a cada um de nós foram determinados
lhos fora de casa; à mulher, penso eu, por ter-lhe pelo deus, é preciso que tentemos, cada um de nós,
criado o corpo mais fraco para essas tarefas, disse-me levá-los a termo da melhor forma possível. 30. Apro-
ter dito, impôs as tarefas do interior da casa. 24. E, va-o, disse-me ter dito, também ao fazer cônjuges o
sabendo que dentro da mulher colocara o alimento homem e a mulher. E, como o deus os fez parceiros
dos recém-nascidos e lhe impusera o encargo de quanto aos filhos, assim também a lei os instituiu
nutri-los, deu-lhe também uma porção maior do amor como parceiros na casa. E a lei declara nobre aquilo
pelas crianças que ao homem. 25. E, visto que im- para o que os fez mais capazes por natureza. Para a
pusera à mulher a vigilância sobre o que está guar- mulher é mais belo ficar dentro de casa que perma-
dado dentro de casa, sabendo que em relação à vi- necer fora dela e para o homem é mais feio ficar
gilância não é inferioridade ser tímida de alma, deu dentro de casa que cuidar do que está fora. 31. Se
à mulher uma porção maior de temor que ao homem. alguém faz coisas estranhas à natureza que a divin-
Sabendo, porém, que, em compensação, caso alguém dade lhe deu, talvez os deuses não deixem de per-
cometa uma ação injusta, é àquele que tem em suas ceber que ele está fora de seu lugar e ele é punido
mãos os trabalhos de fora de casa que caberá a defe- por descuidar-se de tarefas que são suas ou fazer ta-
sa, a esse deu uma porção maior de coragem. 26. Mas, refas da mulher. 32. Na minha opinião, disse-lhe eu,

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também a abelha-rainha labuta realizando tarefas co- da. 37. Dos teus deveres só um, talvez, disse-lhe eu,
mo essas, impostas pelo deus.' julgues não gratificante: fazer com que o servo que
'E quais são, disse ela, os trabalhos da abelha- adoeça seja bem cuidado.'
rainha que se assemelham aos que devo realizar?' 'Não, por Zeus! disse a minha mulher, será mui-
33. 'Ela, disse-lhe eu, permanecendo na colméia, to gratificante se os servos, por serem bem tratados,
não deixa que as abelhas fiquem ociosas. Ao con- forem gratos e mais leais que antes!'
trário, as que devem trabalhar fora envia para o tra- 38. E eu, contente com a resposta dela, disse:
balho e fica sabendo o que cada uma trouxe para 'Não serão, minha mulher, tais cuidados que tor-
I'' dentro de casa, recebe-o e conserva-o até o momen- nam as abelhas tão ligadas à rainha da colméia que,
to em que deverá usá-lo. E, quando chega o mo- quando ela parte, nenhuma acha que deve deixá-la,
mento de usá-lo, distribui a cada uma o devido. 34. E mas, ao contrário, todas a seguem?'
fica à frente da feitura dos favos para que sejam fei- 39. E minha mulher respondeu:
tos bela e rapidamente e cuida da prole para que 'Ficaria surpresa se as tarefas da abelha-rainha não
cresça bem. Quando os filhotes estão crescidos e ca- tivessem mais afinidade com as tuas do que com as
pazes de trabalhar, manda-os fundar uma colônia sob minhas ... Seria um pouco ridículo eu vigiar e distri-
o comando de uma rainha.' buir o que está dentro de casa, se tu não tivesses o
35. 'Será, disse minha mulher, que também de- cuidado de fazer entrar o que foi colhido fora ... '
verei fazer isso?' 40. 'Ridículo, em compensação, pareceria trazer
'Deverás, sim, disse-lhe eu, ficar em casa, mandar algo para dentro, se não houvesse quem conservas-
que saiam de casa os servos cujo trabalho seja fo- se o que foi trazido. Não vês, disse eu, que são dig-
ra e tomar conta dos que devem trabalhar em casa; nos de lástima aqueles que, como se diz, <<tentam en-
36. deverás receber o que foi trazido de fora, separar cher de água o jarro furado porque parecem labutar
o que for preciso gastar e, quanto às sobras, deve- em vão?••'
rás pensar o que fazer com elas, cuidando que o gas- 'Por Zeus! disse minha mulher. São, de fato, uns
to previsto para um ano não seja feito em um mês. coitados, se fazem isso.'
E, quando a lã chegar às tuas mãos, deves cuidar 41. 'Mas há, minha mulher, outras ocupações
que tenham túnicas os que delas precisam. Deves cui- especificamente tuas, que se tornam agradáveis a ti.
dar também que dos grãos de trigo resulte boa comi- Por exemplo, quando uma serva que recebeste igno-

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rante tornas perita em fiar a lã, fazendo que passe a zer-me algo que lhe pedi. Eu, porém, vendo-a pesa-
valer o dobro para ti; quando uma outra que aco- rosa, disse-lhe: 2. 'Minha mulher, não fiques acanha-
lheste ignorante do governo da casa e do serviço, da por não me trazeres o que pedi. É evidente que
fazendo-a capaz, digna de confiança e serviçal, pas- faz falta não ter à mão algo que se está pedindo,
sas a tê-la merecedora de todo apreço; quando po- mas essa carência, não poder pegar o que se busca,
des beneficiar os servos sensatos e úteis à tua casa, é menos dolorosa do que desde o início não buscá-lo
se um deles parece mau, podes castigá-lo. 42. O mais por saber que não existe. Vamos! disse-lhe eu, não
agradável de tudo será se vires que és melhor que és tu responsável, mas eu que te entreguei essas
eu e me fizeres teu servidor sem que precises ter coisas sem as ter colocado onde deviam ficar, para
medo de que, avançando em idade, venhas a ser me- que soubesses onde deves colocá-las e onde buscá-
nos honrada em tua casa, mas, ao contrário, confies las. 3. Nada, minha mulher, é tão conveniente e belo
em que, ao ficares mais velha, na medida em que te para o homem quanto a ordem. Um coro é formado
tornares melhor companheira para mim e melhor por homens, mas, quando cada um faz o que lhe vem
guardiã da casa para os filhos, mais honrada serás em à cabeça, parece-nos que está havendo um tumulto
nossa casa. 43. As coisas belas e boas, de fato, os e até vê-lo é desagradável; mas, quando se apresen-
homens passam a ter, em suas vidas, como acrésci- tam e cantam de modo ordenado, embora sejam as
mo não através das qualidades da juventude, mas das mesmas pessoas, consideramos que vale a pena vê-los
virtudes.' e também ouvi-los. 4. E um exército, minha mulher,
Penso que palavras como essas foram as primei- disse-lhe eu, fora de ordem é algo muito tumultuado,
ras que me lembro de lhe ter dito." e para os inimigos é presa fácil enquanto para os
amigos é espetáculo desagradável e sem utilidade
ver tudo junto, hoplita, carregador, arqueiro, cava-
VIII leiro, carro. Como fariam a caminhada, se, manten-
do-se assim, atrapalham uns aos outros? Quem está
1. "E a percebeste, Iscômaco, estimulada para andando atrapalha quem corre, quem corre a quem
seus afazeres por essas palavras?" está em seu posto, o carro ao cavaleiro, a mula ao
"Por Zeus! disse Iscômaco, percebi também que carro, o carregador ao hoplita. 5. E, se fosse preciso
ficou perturbada e ruborizada quando não soube tra- combater, mantendo-se deste modo, poderiam com-

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bater? Como? Os que são obrigados a fugir dos que o que for preciso e, se eu te pedir algo, dar-me o
os atacam, ao fugir, podem muito bem pisotear os prazer de atender-me, escolhamos o local adequado
hoplitas. 6. Para os amigos um exército ordenado é para cada coisa, e, colocando-a nesse lugar, ensine-
um espetáculo muito belo e para os inimigos insu- mos a serviçal a buscá-la e aí de novo colocá-la. Sa-
portável. Que amigo não veria com muito prazer beremos assim o que está em boas condições ou não.
muitos hoplitas marchando em ordem, quem não O próprio local mostrará que algo está faltando, um
admiraria cavaleiros avançando em batalhões? Que passar de olhos indicará o que carece de cuidados
inimigo não sentiria medo ao ver hoplitas, cavaleiros, e, sabendo onde cada coisa está, poderemos encon-
peltastas, arqueiros, fundeiros avançando separados trá-la com rapidez e usá-la sem dificuldade.'
em grupos distintos, atrás de seus chefes? 7. Quan- 11. Uma vez, Sócrates, visitando um grande car-
do marcham em ordem, mesmo que sejam milhares, gueiro fenício, vi um arranjo de equipamentos que
ainda assim todos marcham calmamente como se fos- me pareceu excelente e muito cuidadoso, já que ti-
sem um só, pois o vazio deixado sempre os de trás nha diante dos olhos um grande número de objetos
preenchem. 8. E, uma trirreme, por que outra razão distribuídos num espaço mínimo. 12. Sabes, Sócra-
é espetáculo temível para os inimigos e agradável tes, disse ele, que o navio aporta e põe-se ao largo
para os amigos senão porque navega com rapidez? com ajuda de muitos instrumentos de madeira e de
Por que outra razão os homens que estão a bordo cordas, veleja com ajuda do chamado cordame, é
não perturbam uns aos outros senão porque em munido de muitos aparelhos para defender-se con-
ordem ficam sentados, em ordem se inclinam para a tra barcos inimigos, carrega muitas armas para seus
frente, em ordem se erguem, em ordem embarcam homens e leva todos os utensílios que as pessoas
e desembarcam? 9. A desordem para mim é como usam em suas casas para cada refeição. Além disso,
se o agricultor guardasse juntos grãos de cevada, de vai carregado com as encomendas que o dono do
trigo e as favas e, depois, quando precisasse fazer navio transporta para obter seu lucro. 13. E, disse
uma massa ou pão ou um prato de legumes, preci- ele, tudo quanto enumerei jazia num espaço não
sasse separá-los em vez de pegá-los já separados e maior do que o correspondente a dez leitos de mesa.
usá-los. 10. Então, minha mulher, se não te interes- Notei que as coisas estavam colocadas de forma
sa essa balbúrdia e queres saber administrar com es- que uma não impedia o acesso a outra, nem havia
mero o que temos, ter à mão e usar com facilidade necessidade de um encarregado para procurá-las,

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nem estavam desarrumadas, nem esparramadas de apesar de tudo mantêm a ordem, conseguindo, mes-
forma que causassem perda de tempo quando era mo muito aterrorizados, apanhar o necessário e nós,
preciso usá-las. 14. Percebi que o ajudante do pilo- de nosso lado, ainda que, em nossa casa, haja gran-
to, o chamado timoneiro, estava tão a par do espaço des depósitos destinados a cada tipo de coisas, que
que cada coisa ocupava que, mesmo de longe, diria nossa casa esteja em chão firme, não achássemos
onde cada uma estava e quantas eram, isso fazendo um lugar bom e acessível para cada coisa. Isso não
tão bem quanto alguém que sabe ler diria quantas seria uma grande estupidez de nossa parte?
letras tem o nome de Sócrates e em que ordem estão. 18. Como é bom que o conjunto de utensílios
15. E eu o vi, disse Iscômaco, em seu tempo de fol- fique em ordem e como é fácil encontrar na casa
ga, examinando pessoalmente tudo quanto se devia um espaço para acomodá-los como convém, isso já
foi dito. 19. Quão belo nos parece o que vemos,
usar no barco. Fiquei surpreso ao vê-lo durante essa
quando as sandálias, sejam quais forem, estão dis-
inspeção e perguntei-lhe o que fazia.
postas em fileiras! Quão belo é ver túnicas, sejam
Ele respondeu: 'Estou examinando, para a even-
quais forem, mantidas separadas, ou tapetes ou obje-
tualidade de algo acontecer, como estão as coisas
tos de bronze ou guarnições de mesa! Afirmo ainda
no navio, se algo está faltando ou se encontra mal
-e disso rirá, não o homem austero, mas o pedan-
arrumado. 16. Quando o deus torna borrascoso o
te - que até panelas parecem algo harmonioso quan-
mar, disse, não é possível nem ficar procurando do arrumadas com bom gosto! 20. Os outros obje-
aquilo de que se precisa, nem fornecê-lo a um outro, tos além desses, dispostos ordenadamente, parecem
se está mal arrumado. O deus ameaça e pune os pre- mais belos. Um a um, os conjuntos de utensílios pa-
guiçosos e se ele só não faz perecer os que não co- recem um coro e também o intervalo entre eles é
meteram erros, isso já é bastante e, se salvar tam- belo, já que cada conjunto permanece à parte. Como
bém os que fizeram bem seu trabalho, disse, grande um coro ao redor do altar, não só eles, em si mesmos,
será a gratidão devida aos deuses.' são belo espetáculo, mas também o intervalo pare-
17. Eu, depois que vi esse arranjo tão cuidadoso, ce belo e livre. 21. Podemos, minha mulher, disse,
disse à minha mulher que seria muita preguiça de sem pena e sem muito trabalho, pôr à prova se é ver-
nossa parte, 'se os que estão em cargueiros, mesmo dade o que estou dizendo. Vamos! Não deves desa-
pequenos, encontram lugar para seus pertences e, nimar pensando que é difícil encontrar quem aprenda
ainda que sejam sacudidos violentamente pelas vagas, os lugares e lembre onde colocar cada coisa. 22. Sa-

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bemos, é claro, que a cidade tem mil vezes mais "Como? Em primeiro lugar, apenas pensei em
objetos que nós, mas, apesar disso, nenhum dos ser- mostrar-lhe as possibilidades de nossa casa. Ela não
vos, seja quem for, se o mandares ir comprar algo tem ornamentos requintados, Sócrates, mas os apo-
no mercado e trazê-lo para ti, ficará sem saber como sentos são planejados para serem como que recipien-
fazer; ao contrário, todos mostrarão que sabem aon- tes muito bem adequados para o que aí deve ficar
de ir buscar cada coisa. A única razão disso, disse-lhe de forma que, por si mesmos, reclamem o que con-
eu, é que cada coisa fica num lugar determinado. vém pôr aí. 3. O aposento de dormir, estando em
23. Quando, porém, procuramos uma pessoa, mui- lugar seguro, reclama os tapetes e objetos de maior
tas vezes desistimos de encontrá-la e isso até mes- valor; os cômodos cobertos, que são secos, os ce-
mo quando, por seu lado, ela nos está procurando. reais, os frescos o vinho, os bem iluminados todos
A única razão disso é que não está determinado on- os trabalhos e objetos que exigem luz. 4. Ia mos-
de cada um deve ficar.' trando-lhe como salas de estar aquelas que são fres-
Pelo que me lembro, foi mais ou menos isso cas no verão e quentes no inverno. Mostrei-lhe que
que com ela conversei sobre o arranjo e uso dos a casa toda está voltada para o sul, sendo fácil ver
utensílios." que é ensolarada no inverno e sombreada no verão.
5. Mostrei-lhe também o aposento das mulheres se-
parado do dos homens por uma porta com trava, pa-
IX ra que nem seja tirado de seu interior o que não se
deve tirar, nem os servos gerem filhos sem nosso
1. "E daí? Pensas, Iscômaco, disse eu, que tua conhecimento. De fato, os bons servos se têm filhos
' '
mulher deu alguma atenção ao que, com tanto zelo, na maioria das vezes passam a ser mais leais, mas os
tentavas ensinar-lhe?" maus, se têm uma companheira, passam a ter mais
"O quê? Só se preocupou em prometer-me que recursos para praticar o mal. 6. Depois de percor-
haveria de empenhar-se e mostrava-se muito con- rermos esses locais, disse ele, passamos a separar os
tente, como se, antes não sabendo que fazer, nesse itens do mobiliário segundo seu gênero. Em primeiro
momento tivesse encontrado uma boa saída e pe- lugar, disse ele, começamos reunindo o que usamos
diu-me que o mais rápido possível dispusesse tudo para os sacrifícios. Depois separamos os adornos fe-
como havia dito." mininos para as festas, as vestes masculinas para as
2. "Como, Iscômaco, disse eu, fizeste isso?" festas e guerras, os tapetes no aposento das mulhe-

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res e os tapetes no aposento dos homens, os calçados sono e nas relações com homens e, além disso, pre-
femininos e os calçados masculinos. 7. Diferentes são vidente para cuidar que nada de mau acontecesse
os gêneros de objetos: as armas, os fusos para fiar, os em nossa casa, capaz também de ver que, agradan-
que servem para preparo dos cereais, os utensílios do-nos, de nós receberia recompensa. 12. Ensinamos
da cozinha, os da lavanderia, os usados para fazer as também a ser-nos leal partilhando com ela nossa
massas, os que se usam à mesa. Todas essas coisas alegria e, todas as vezes que tínhamos uma tristeza,
pusemos em lugares separados, as de uso diário e chamando para estar conosco nesse momento. Fize-
as destinadas a ocasiões festivas. 8. Pusemos de um mos com que se animasse a colaborar no crescimen-
lado o que devemos gastar mês a mês e, de outro, to de nosso patrimônio familiar tornando-a bem infor-
o que está calculado para durar um ano. Assim, me- mada sobre isso e participante de nosso bem-estar.
nor será a dificuldade de saber qual será o resulta- 13. Além disso, nela inculcamos a virtude da justiça,
do no balanço final. Depois que separamos gênero dando maior apreço aos mais justos que aos injus-
por gênero, transportamos os objetos, um a um, aos tos e mostrando-lhe que a vida dos justos tem maior
lugares adequados. 9. Depois disso, os utensílios que riqueza e liberdade que a dos injustos. E a coloca-
os servos usam diariamente, os que servem para pre- mos nesse posto.
paro dos cereais, para cozinhar, para fiar e outros 14. Depois disso tudo, Sócrates, disse ele, eu fa-
trabalhos, entregamos aos que deles fazem uso mos- lei à minha mulher que de nada adiantariam essas
trando-lhes onde deviam colocá-los e ordenamos providências se ela própria não cuidasse que a dis-
que os mantivessem em bom estado. 10. Aquilo que posição de cada coisa fosse mantida. Expliquei-lhe
usamos para festas e recepções ou em raras oca- que, na minha opinião, aos cidadãos não basta que
siões entregamos à governanta indicando-lhe os lu- tenham boas leis. Ao contrário, elegem guardiães da
gares respectivos e, contando-os e registrando-os, lei que, mantendo a vigilância, elogiam os que cum-
ordenamos que os entregasse a cada um que deles prem as leis, mas punem, se alguém age contra as leis.
precisasse, que cuidasse de lembrar-se a quem os 15. Portanto, aconselhei minha mulher, disse ele, a
entregara e, ao recebê-los de volta, recolocasse-os ser a guardiã das leis de nossa casa e a passar em re-
no lugar de onde os tirara. vista, quando lhe parecesse bem, os objetos de casa
11. Fizemos governanta aquela que nos pare- como o comandante de uma guarnição passa em re-
cia mais moderada no comer e no beber vinho, no vista os guardas e os examina para ver se cada um

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está bem, como o Conselho examina os cavalos e os X


cavaleiros e também, dentro de suas possibilidades,
a elogiar e honrar, como uma rainha, quem disso é 1. E eu, disse Sócrates, ao ouvir que a mulher lhe
digno e a repreender e punir quem disso carece. havia dito isso, falei: "Por Hera! Iscômaco, disse eu,
16. Além disso, disse ele, expliquei-lhe que não é quão viril mostras ser a mente de tua mulher!"
justificado ela sentir-se sobrecarregada se eu lhe im- "Pois bem! disse Iscômaco. Quero expor-te exem-
ponho mais encargos que aos servos no que diz res- plos de sua grandeza de alma em ocasiões em que
peito ao que é nosso, porque, quanto aos bens de bastou ouvir-me uma só vez para obedecer-me pron-
seus senhores, aos servos só cabe carregá-los, tratá-los tamente."
e guardá-los, mas a nenhum deles a quem o senhor "Quais são eles? disse-lhe eu. Dize-me! Dá-me
não o conceda é permitido usá-los. Tudo, porém, é maior prazer ter conhecimento da excelência de uma
do senhor e ele pode usar daquilo que quiser. 17. Por- mulher bem viva do que se visse um retrato seu num
tanto, expliquei-lhe eu, quem tem maior vantagem desenho de Zêuxis."
com sua preservação e maior dano com sua destrui- 2. Aí então Iscômaco diz:
ção, é a esse que compete ter o máximo zelo por "Pois bem! disse ele, um dia, vendo-a com a face
seus bens." coberta com muito alvaiade para parecer mais branca
18. "E então, Iscômaco? Tua mulher, ao ouvir do que era, com muito carmim para parecer mais
essas palavras, dava-lhes atenção?" corada do que era, calçando sapatos de solado grosso
"Como não! disse. Só me falou que estaria erra- para que a achassem mais alta do que era ao natu-
do se pensasse que lhe impunha obrigações peno- ral, disse-lhe:
sas ao dizer-lhe que devia zelar por nossas coisas. 3. 'Dize-me, minha mulher, será que me julga-
19. Falou-me, disse ele, que se eu exigisse que se des- rias mais digno parceiro de nossos bens se te mos-
cuidasse de seus próprios bens para ela seria mais trasse precisamente o que temos e não me gabasse de
difícil do que se seu dever fosse cuidar dos bens de ter mais do que tenho realmente, sem esconder tam-
sua casa. De fato, disse ele, parecia-lhe que, como bém nada do que tenho ou se tentasse enganar-te,
para uma mulher de juízo é mais fácil cuidar de seus dizendo que tenho mais dinheiro do que tenho real-
filhos do que descuidar-se deles, também considera- mente, mostrando-te dinheiro falso e colares doura-
va mais agradável cuidar de seus próprios bens, cuja dos, e afirmasse que mantos desbotados são púrpu-
posse lhe dava prazer, do que descuidar-se deles." ra verdadeira?'

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4. Respondendo imediatamente, disse-me: e tkar sem desmentido, mas, quando se tem vida em
'Pára de falar! Tomara que não sejas uma pessoa comum, não há como não ser apanhado numa ten-
assim. Se fosses, não poderia abraçar-te com amor no tativa de enganar-se mutuamente. Ou são apanha-
coração!' dos quando se levantam da cama, antes de se apron-
'Então, disse-lhe eu, não estamos juntos, minha tarem, ou são denunciados pelo suor ou são postos
mulher, para compartilharmos, um e o outro, também à prova pelas lágrimas ou se deixam ver como são,
nossos corpos?' depois do banho."'
'Pelo menos é o que todos dizem.' 9. "Pelos deuses! disse eu. Que respondeu ela a
5. 'Então, disse-lhe eu, na tua opinião, como par- isso?"
ceiro de corpo, eu seria mais merecedor de afeição "O quê? Nunca mais fez nada disso, mas procura-
se tentasse oferecê-lo a ti, cuidando que fosse sadio va apresentar-se sem artifícios e bem posta. Pergun-
e vigoroso e, por isso, corado de verdade, ou se, para tou-me, porém, se poderia aconselhá-la como mos-
agradar-te, tendo-me empoado com ocra e delineado trar-se bela de verdade e não só de aparência. 10. E
meus olhos com sombra cor da pele, me mostrasse eu, Sócrates, dei-lhe estes conselhos. Não devia ficar
a ti e ficasse contigo enganando-te e fazendo que sempre sentada como uma escrava, mas, com a ajuda
visses e tocasses a ocra em vez da pele que tenho?' dos deuses, postada diante do tear, devia ensinar o
6. 'Eu, disse ela, não acharia mais gostoso tocar que soubesse mais que outrem e aprender o que sa-
a ocra que a ti, nem mais gostoso ver a cor do pó bia menos. Devia vigiar a padeira, ficar ao lado da
que a tua cor, nem mais gostoso ver os teus olhos governanta enquanto ela fazia as distribuições e tam-
com sombra que vê-los com saúde.' bém circular procurando ver se cada coisa está onde
7. 'Pois bem! Convence-te, minha mulher, disse- deve. Na minha opinião, isso era, ao mesmo tempo,
me ele ter dito, de que nem a cor do alvaiade nem demonstração de zelo e passeio.
do carmim me dá maior prazer que a tua. Ao con- 11. 'Bom exercício, disse-lhe eu, é molhar a fari-
trário, como os deuses fizeram que para cavalos ca- nha, sovar a massa, sacudir as roupas e tapetes e do-
valos fossem a coisa mais agradável, para bois bois, brá-los. Fazendo esses exercícios, disse-lhe eu, come-
para ovelhas ovelhas, assim também os homens jul- rás com maior prazer, terás mais saúde e, de verda-
gam o corpo do homem o que há de mais agradá- de, mostrar-te-ás com cor melhor. 12. Tua aparência,
vel. 8. Essas trapaças poderiam até enganar os tolos comparada com a de uma serva, sendo tu mais des-

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ __

pojada e estando mais convenientemente vestida, ares e ... dentre todas esta é a acusação mais sem
será mais atraente, principalmente quando a isso se sentido ... a quem chamam de mendigo ... 4. Na ver-
aliar o favor prestado de bom grado em vez da ajuda dade, Iscômaco, essa acusação me deixaria muito de-
dada sob coação. 13. As que ficam sentadas com sanimado se há poucos dias não tivesse topado com
imponência dão ensejo a que as ponham em pé de o cavalo de Nícias, o estrangeiro, seguido por muitos
igualdade com as vaidosas e enganadoras.' curiosos, e não ouvisse o que sobre ele falavam al-
E agora, Sócrates, disse ele, quero que saibas que gumas pessoas. Aproximei-me, é claro, do cavalariça
minha mulher, já bem preparada, vive de acordo com e perguntei-lhe se o cavalo tinha muitos bens. 5. Ele
o que lhe ensinei e como acabei de dizer-te." olhou-me como se eu não fosse pessoa sadia, já que
lhe fazia tal pergunta, e disse: 'Como um cavalo po-
deria ter bens?' Foi então que me reanimei ao saber
XI que a lei divina permite que um cavalo pobre seja um
bom cavalo, se, por natureza, sua alma é boa. 6. Já
1. Neste ponto, disse-lhe eu: que a lei divina permite que eu venha a ser um ho-
"Iscômaco, penso que, por agora, a respeito dos mem bom, conta-me tudo sobre teus feitos para que,
trabalhos de tua mulher, ouvi o bastante e aliás, por na medida em que for capaz de aprender ouvindo-te,
eles, ambos merecem elogios. Agora, porém, fala-me eu também, a partir de amanhã, tente imitar-te. É um
de teus trabalhos! Falando-me do renome que tens, bom dia, disse eu, para começar a praticar a virtude."
terás prazer e eu, ouvindo do começo ao fim os fei- 7. "Tu estás brincando, Sócrates, disse Iscôma-
tos de um homem belo e bom e deles tendo tirado co, mas, apesar disso, exporei a ti os princípios que
uma lição, se disso for capaz, serei muito grato a ti." tento seguir o melhor que posso, no transcurso de
2. "Mas, por Zeus! disse Iscômaco. É com muito minha vida. 8. Penso ter aprendido que os deuses
prazer que te narrarei o que estou sempre fazendo. fizeram contrário à sua lei que os homens vivam bem
Assim poderás admoestar-me se, na tua opinião, a sem que tenham consciência de seus deveres e zelo
respeito de algo não agi bem." para cumpri-los. Se são conscientes deles e zelosos,
3. "Mas eu? disse-lhe. Com que direito admoes- a uns concedem que sejam felizes e a outros não.
taria um perfeito homem belo e bom? Fazer isso eu .. .? Sendo assim, meu primeiro passo é servir aos deu-
Um homem tido como tagarela esquadrinhador dos ses e procuro fazê-lo de forma que, com minhas

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ _ __

preces, me seja possível ter saúde, corpo robusto, 12. "Mas, disse Iscômaco, penso que todas es-
honra na cidade, benevolência por parte dos conci- sas coisas decorrem umas das outras. Se alguém tem
dadãos e, na guerra, salvação e honra, e também ri- o suficiente para comer e faz exercícios para ajudar
queza ganha honestamente." a digestão, mantém sua saúde e ganha maior vigor;
9. E eu, tendo-o ouvido, disse: se se exercita nas artes da guerra, consegue salvar-se
"Importa-te, Iscômaco, ser rico e, possuindo tan- com maior honra e é de esperar que, cuidando de
tos bens, ter tanto trabalho para cuidar deles?" seu patrimônio corretamente e sem desfalecimento,
"Importa-me e muito, disse Iscômaco, isso sobre fará que ele cresça."
''
I',(

que me perguntas. É agradável, penso eu, honrar 13. "Até este ponto, Iscômaco, eu te acompa-
com grandiosidade os deuses, ajudar os amigos se nho ... Dizes que, fazendo exercícios para ajudar a
precisam de algo e não deixar a cidade, na medida digestão, sendo zeloso e exercitando-se mais, obtêm-
em que posso, despojada de seus ornamentos." se os bens. Que exercícios, porém, deves fazer para
10. "Belos princípios, disse eu, são os que enun- teres boa disposição e força? Como exercitas as artes
cias e próprios de um homem profundamente capaz. da guerra? Como cuidas de ter economias para ajudar
E como não? Quando são muitos os homens que os amigos e tornar forte a cidade? É isso, disse-lhe
j. f: I não podem viver sem precisar dos outros, muitos se eu, que gostaria de ouvir... "
I

contentam em conseguir o que lhes é suficiente. Os 14. "Pois bem, Sócrates! disse Iscômaco. Cos-
que, porém, são capazes não só de manter suas ca- tumo levantar-me da cama, se devo ir ver alguém,
sas, mas também de economizar para ornar sua ci- numa hora em que possa encontrá-lo ainda em casa.
dade e ajudar seus amigos, como não considerá-los Se tenho um negócio a tratar na cidade, ir cuidar dele
homens de peso e homens vigorosos? 11. Ora, elo- já me serve de passeio. 15. Se nada há que fazer na
giar homens como esses, eu e muitos outros pode- cidade, meu servo leva o cavalo para o campo e eu
mos. Fala-me tu, Iscômaco, a partir de onde come- da caminhada para o campo faço um passeio me-
çaste. Como cuidas de tua saúde? E do vigor de teu lhor do que se o fizesse no pórtico de um ginásio.
16. Quando chego ao campo, se encontro o traba-
corpo? Como podes, até da guerra, sair-te honro-
lho na fase do plantio ou do amanho de alqueive 11 ou
samente e são e salvo? A respeito de como enri-
queceste, disse-lhe eu, para mim bastará que ouça 11. Lote de terreno deixado em repouso, sem ser cultivado duran-
depois." te um ano, segundo a prática do sistema de rodízio no uso da terra.

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da semeadura ou da colheita, inspecionando como 21. "Pois bem, Sócrates! disse ele. Faço tudo isso
isso está sendo feito, faço mudanças, se tenho uma e sou vítima dos sicofantas ... Tu, porém, pensavas
opção melhor do que a que está sendo usada. 17. De- que eu diria que a maioria das pessoas me chama de
pois disso, em geral, monto em meu cavalo e faço homem belo e bom!"
uma cavalgada que seja, na medida do possível, mui- 22. "Mas, eu também, Iscômaco, ia perguntar-te
to semelhante às que a guerra exige: não evito a mar- se te causa preocupação a possibilidade de ter que
cha de viés, nem ladeira, nem barranco, nem canal. prestar contas à justiça ou exigi-lo de outrem, se te for
Faço isso, contudo, com todo cuidado para não es- preciso."
tropiar meu cavalo. 18. Quando termino, meu servo "Não te parece, Sócrates, disse ele, que estou
faz o cavalo rolar na areia e o reconduz para casa, sempre cuidando disso? Defendo-me porque não vou
levando também o que nos é necessário na cidade. contra os direitos de ninguém, faço bem aos outros
Eu, ora a passo, ora correndo, chego à minha casa e quanto posso ... Não te parece que me exercito para
me limpo com a estlêgida 12 • Depois, Sócrates, almo- a acusação quando fico sabendo que pessoas agem
ço de modo que passe com o estômago nem vazio, contra o direito de muitos em sua vida privada e con-
nem cheio demais." tra os da cidade e não fazem bem a ninguém?"
19. "Por Hera! disse eu. Quanto me agrada o que
23. "Mas te exercitas também para falar sobre
fazes! Fazer ao mesmo tempo exercícios que visam
casos como esses? disse-lhe eu. Esclarece-me, Iscô-
à saúde e à força física, combinando-os com o trei-
maco, sobre isso também."
namento para a guerra e com o zelo pela riqueza, eis
"Estou sempre, Sócrates, exercitando-me para fa-
o que me parece admirável! 20. Dás testemunho su-
lar. Quando ouço um servo fazendo uma acusação ou
ficiente de que, em cada um desses pontos, teus
sua defesa, procuro pôr o caso a limpo; ou censuro
cuidados são eficientes pois, em geral, te vemos sa-
alguém diante de meus amigos ou elogio, ou tento
dio, vigoroso graças aos deuses e sabemos que és
reconciliar conhecidos meus, procurando ensinar-lhes
tido como um dos melhores cavaleiros e mais ricos
que é mais vantajoso serem amigos que adversários.
cidadãos."
24. Na presença do estratego emitimos uma apre-
ciação desfavorável sobre alguém ou falamos em
.......... l2. Espécie de raspadeira usada, após o banho a vapor ou exer-
cícios, para limpar a pele. Consistia numa lâmina de metal, ferro ou favor de um outro, se é vítima de queixa injusta ou,
bronze, de forma recurva, com um cabo por onde era empunhada. entre nós, acusado de, sem merecer, receber hon-

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenqfonte _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Econômico _ _ _ _ _ _ _ __
f.
ras. Muitas vezes também, quando estamos delibe- "Mas, Sócrates, disse Iscômaco, nem dessas ocupa-
rando, elogiamos planos que desejamos realizar e ções de que falas me descuido. Tenho no campo os
censuramos os que não queremos. 25. Aliás, Sócra- meus intendentes."
tes, até pessoalmente já fui julgado e condenado ou 3. "Quando precisas de um intendente, Iscôma-
a sofrer uma punição ou a pagar multa." co, disse eu, procuras ver se há, em algum lugar, um
"Quem fez isso, Iscômaco? disse eu. Disso não homem com jeito para intendente e tentas comprá-lo
sabia ... "
como, quando precisas de um carpinteiro, procuras
"Minha mulher", disse ele.
ver, disso estou certo, se vês alguém com jeito para
"E como é que te defendes?"
carpinteiro e tentas ficar com ele? É isso que fazes
"Quando para mim é vantagem dizer a verdade,
saio-me muito bem, mas, quando é dizer mentiras, ou tu mesmo formas os intendentes?"
o argumento mais fraco, Sócrates, por Zeus!, não sou 4. "Por Zeus, Sócrates! disse. Procuro eu mesmo
capaz de fazê-lo mais forte." formá-los. Quem deverá estar apto a cuidar de meus
E eu respondi: "Talvez, Iscômaco, não sejas ca- negócios em meu lugar quando me ausento, o que
paz de fazer que a mentira se torne verdade ... " deverá saber senão o que eu sei? Se sou capaz de
ficar à frente dos trabalhos, é claro que posso ensi-
nar a um outro aquilo que eu próprio sei."
XII 5. "Então, em primeiro lugar, disse eu, ele deverá
ter boa disposição para contigo e com os teus, para
1. "Temo ficar retendo-te, Iscômaco, disse eu, ser capaz de substituir-te. Sem boa disposição, pa-
quando já estás querendo ir embora ... "
ra que serviria o conhecimento do intendente, seja
"Não, Sócrates, por Zeus! Eu não irei embora
ele qual for?"
antes que todos deixem a praça."
"Para nada, por Zeus! disse Iscômaco. Ter boa
2. "Por Zeus! disse eu. Bem que tens cuidado em
não desmentir o cognome que te dão, homem belo disposição para comigo e para com os meus é o que
e bom ... Talvez, neste momento, muitos assuntos es- procuro ensinar-lhes em primeiro lugar."
tejam exigindo tua atenção, mas, como combinaste 6. "Pelos deuses! disse eu. Como ensinas quem
com esses estrangeiros, estás à espera deles, para não quiseres a ter boa disposição para contigo e para com
faltares com a palavra. os teus?"

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ Xenofonte _ _ _ _ _ _ _ __ --------~Econômico _ _ _ _ _ _ _ _~

"Concedendo-lhe benefícios, disse Iscômaco, 12. "Então só os que são intemperantes nisso,
quando os deuses concedem que tenha bens em disse eu, são incapazes de se tornarem zelosos ou
abundância." outros também?"
7. "Queres dizer que, tirando proveito de teus "Por Zeus! outros também, disse Iscômaco. Tam-
bens, tornam-se bem dispostos para contigo e querem bém os que não resistem ao sono. Se estão dormindo,
que prosperes?" disse eu. não podem nem fazer o que devem, nem propor que
8. "Vejo isso, Sócrates, como o melhor meio de outros o façam."
conseguir boa disposição." 13. "E então? disse eu. São só esses que não po-
"Se tiver boa disposição para contigo, Iscômaco, demos ensinar a ter esse zelo ou, além deles, há ou-
disse eu, será, por causa disso, um intendente capaz? tros ainda?"
Não vês que os homens têm, por assim dizer, boa "Na minha opinião, disse Iscômaco, também os
disposição para consigo mesmos, mas muitos deles que amam doentiamente os prazeres do amor são
não querem esforçar-se para obter os bens que que- incapazes de aprender a zelar por algo que não seja
rem possuir?" isso. 14. Não é fácil encontrar nem esperança nem
9. "Mas, por Zeus! disse Iscômaco. Quando que- zelo mais agradável que a dedicação aos amantes!
ro pôr como intendentes pessoas como essas, ensi- E, quando o dever urge, não há castigo pior que estar
no-as também a serem zelosas." separado de seus amados. Desisto, portanto, de ho-
10. "Pelos deuses! disse eu. Como? Eu não pen- 'I mens que percebo serem assim e nem tento fazê-los
sava que isso, tornar-se zeloso, fosse possível ensi- .I intendentes."
nar a alguém ... " 15. "E aqueles cuja paixão é o lucro? Será que
"Não é mesmo, Sócrates! disse. Não é possível também são incapazes de aprender a cuidar dos tra-
ensinar todos, sem exceção, a serem zelosos." balhos do campo?"
11. "Que tipos de pessoas são capazes de apren- "Por Zeus! de forma alguma, são incapazes. Ao
der isso? Indica-me, em todo caso, com clareza, quem contrário, é bem fácil levá-los a essa ocupação e, para
são elas." isso, basta mostrar-lhes que ela é lucrativa."
"Em primeiro lugar, Sócrates, disse ele, não po- 16. "E os outros? disse eu. Se resistem às paixões
deria tornar zelosos os que não resistem ao vinho, às quais mandas resistir e se mantêm moderados
pois a embriaguez faz que se esqueça tudo o que se quanto à ambição do lucro, como os ensinas a se
deve fazer." tornarem zelosos naquilo que queres?"

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"Isso é muito simples, Sócrates. Quando os vejo olho do dono. Para mim, Sócrates, disse ele, é isso
zelosos, elogios-os e procuro recompensá-los, mas, que acontece também em outros assuntos. Para mim,
quando os vejo negligentes, procuro falar e agir de é o olho do dono que produz o que é belo e bom."
modo a espicaçá-los."
17. "Vamos, Iscômaco! disse eu. Deixa de falar
sobre aqueles a quem se procura educar para serem XIII
zelosos e esclarece-me sobre essa educação. É pos-
sível que alguém que é, ele próprio, negligente torne 1. "Quando consegues incutir numa pessoa, disse
outros zelosos?" eu, e muito bem, a idéia de que deve zelar por aquilo
18. "Por Zeus! disse Iscômaco. Não é possível, que pretendes confiar-lhe, será que ela já estará apta
como não é possível alguém, não sendo músico, fa- para a função de intendente ou deverá aprender al-
zer que outros se tornem músicos. Quando um mes- go mais para ser um intendente capaz?"
tre dá maus exemplos, é difícil aprender a fazer bem 2. "Por Zeus! disse Iscômaco. Ainda lhe resta sa-
feito e, quando um patrão dá exemplo de negligên- ber o que deve fazer, quando e como. Sem saber isso,
cia, é difícil que o servidor se torne zeloso. 19. Nu- em que um intendente seria mais útil que um médico
ma palavra, penso que nunca vi bons fâmulos de um que tivesse o cuidado de visitar o doente de manhã
mau patrão; de um bom patrão, todavia, já vi maus e de tarde, mas não soubesse que tratamento seria
fâmulos, mas nunca isentos de punição. Quem quer bom aplicar-lhe?"
tornar zelosas as pessoas deve não só ser capaz de 3. "Vejamos! Se já sabe como deve ser feita a la-
vigiar e examinar os trabalhos, mas também de mos- voura, disse eu, ser-lhe-á necessário algo mais ou para
trar gratidão ao responsável por trabalhos bem fei- ti ele já seria um intendente completo?"
tos e de não hesitar em impor a punição merecida "Penso, disse, que deve também aprender a co-
ao negligente. 20. Boa resposta, disse Iscômaco, foi mandar os trabalhadores."
a atribuída ao bárbaro quando o Grande Rei que 4. "Então, disse eu, tu formas os intendentes para
topara com um bom cavalo, querendo engordá-lo o que sejam também capazes de comandar?"
mais rapidamente possível, perguntou a alguém que "É o que procuro fazer", disse Iscômaco.
diziam ser perito em cavalos o que fazia um cavalo "Pelos deuses! disse eu. E como os educas para
engordar rapidamente. A resposta dele foi que era o que tenham capacidade de comando?"

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"De maneira tão banal, Sócrates, disse ele, que rezas que amam as honras são incitadas também

'
talvez, ao ouvir-me, até desses uma risada ... " _pelo louvor, pois algumas naturezas são ávidas de
5. "Não! disse eu. Esse assunto não é para rir, louvor não menos que outras o são de comida ou
lscômaco. Quem é capaz de formar homens com bebida. 10. Esses recursos, portanto, dos quais me
capacidade de comando pode, é claro, formar pa- sirvo pensando tornar mais dóceis os homens, ensi-
trões, quem é capaz de formar patrões pode formar no àqueles de quem quero fazer intendentes. Eis
reis também. Sendo assim, não merece riso, mas gran- também o que faço para ajudá-los: os mantos e os
de elogio quem é capaz de fazer isso." calçados que devo fornecer aos trabalhadores mando
6. "Muito bem, Sócrates! disse ele. Os outros que não sejam feitos todos iguais, mas uns de qua-
seres vivos aprendem a obedecer de duas maneiras. lidade pior e outros de melhor, para que possa, com
Quando tentam desobedecer, são castigados, e, os melhores, recompensar o melhor trabalhador e
quando de boa vontade se submetem, são bem tra- dar os piores ao trabalhador menos bom. 11. Estou
tados. 7. Os potros, por exemplo, aprendem a obe- convicto, Sócrates, disse ele, de que os bons traba-
decer aos domadores, ganhando doces quando lhadores sentem desânimo quando vêem que foram
obedecem, mas, quando desobedecem, sofrem pu- eles que fizeram o trabalho e que obtêm o mesmo
nições até que se submetam de boa vontade ao do- que eles os que não quiseram nem labutar, nem cor-
mador. 8. Os cãezinhos são muito inferiores aos rer riscos quando foi necessário. 12. Pessoalmente,
homens em inteligência, mas, apesar disso, apren- de modo algum acho bom que os melhores tenham
dem desse modo a dar voltas, cambalhotas e outras tratamento igual ao dos menos bons e louvo os in-
coisas. Quando obedecem, ganham algo que dese- tendentes quando sei que atribuem o melhor aos
jam, mas, se não atendem, são castigados. 9. Quanto que merecem mais, mas, se vejo que alguém tem pre-
aos homens, é possível fazê-los mais dóceis usando ferência por causa de lisonjas ou de um favor banal,
também a palavra, mostrando-lhes que obedecer é não deixo isso passar, mas repreendo-o e procuro
vantajoso para eles e, quanto aos escravos, o método ensinar-lhe, Sócrates, que o que está fazendo não traz
de educação que pensamos convir para os animais vantagem nem para ele mesmo."
também é muito eficiente para ensiná-los a obede-
cer. De fato, satisfazendo-lhes o estômago na medi-
da de seu apetite, muito conseguirás deles. As natu-

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XIV claro, portanto, que escreveram essas normas para


tornar desvantajoso para os desonestos o lucro vil.
1. "lscômaco, disse-lhe eu, quando achas que 6. Eu, portanto, aplicando algumas dessas normas e
ele é capaz de comandar seus homens a ponto de mencionando outras leis do Grande Rei, procuro tor-
fazê-los obedientes, será que o julgas um intendente nar honestos os meus servidores, em relação ao que
completo ou a quem já tem as qualidades que enun- lhes passa pelas mãos. 7. Para os culpados aquelas
ciaste ainda falta algo?" leis são apenas uma punição e as leis do Grande Rei
2. "Por Zeus! disse Iscômaco. É preciso que ele não somente punem os desonestos, mas também
se mantenha afastado dos bens do patrão e não rou- ajudam os honestos. É assim que, vendo os hones-
be. Se aquele em cujas mãos está a colheita ousasse tos tornarem-se mais ricos que os desonestos, mes-
roubar de forma que a sobra não compensasse o mo sendo ávidos de lucro, perseveram e evitam atos
trabalho da lavoura, que vantagem haveria em cul- desonestos. 8. Os que, disse ele, embora bem trata-
tivar a terra sob os cuidados dele?" dos, percebo tentarem agir desonestamente, consi-
3. "Será, disse eu, que te encarregas de ensinar dero como pessoas cuja cupidez é'incurável e rompo
também esse tipo de justiça?" minhas relações com elas. 9. Os que fico sabendo
"É bem assim, disse Iscômaco. Não é a todos, que são honestos porque os anima não só o ganho
porém, que encontro, de imediato, dispostos a essas que a honestidade lhes traz, mas também o desejo
lições. 4. Recorrendo, entretanto, ora às leis de Drá- de receber o meu louvor, a esses trato como homens
con, ora às de Sólon, disse ele, procuro pôr meus livres, fazendo-os enriquecer e honrando-os como
servidores no caminho da justiça. Na minha opinião, homens belos e bons. Eis, Sócrates, disse ele, em que,
esses homens fizeram muitas dessas leis para ensi- na minha opinião, o homem que ama as honras di-
nar essa espécie de justiça. 5. Eis o que está escrito 13 : fere do que ama o lucro: ele, querendo ser louvado
'pagar reparação pelos roubos', 'pôr sob grilhões e honrado, quer também labutar quando é preciso,
quem é reconhecido como culpado', 'ser condena- correr riscos e manter-se longe dos lucros vis."
do à morte quem é preso praticando atentado'. É

13. Nessa passagem cujo texto está corrompido adotamos a inter-


pretação de P. Chantraine, apoiada por M. L. Gernet. Cf. Xenofonte,
Économique, Paris, Belles Lettres, 1993, p. 118.

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XV 4. "Pois bem, Sócrates! disse ele. Vais ouvir falar


em que essa arte é amiga dos homens. É muito útil,
1. "Mas, se já incutiste em alguém a vontade de é agradável exercê-la, muito bela e cara aos deuses e
ver-te rico, se incutiste nessa mesma pessoa o zelo aos homens e, além disso, é muito fácil aprendê-la.
pela realização desse desejo e, além disso, graças a ti, Com tudo isso poderia ela não ser nobre? Chamamos,
ele adquiriu a ciência de como cada trabalho deve sabes disso, nobres também todos os animais belos,
ser feito para ser mais eficiente e, além disso, se o grandes e úteis, mas mansos com os homens."
fizeste capaz de comandar, e, mais ainda, se por tudo 5. "Mas sobre isso, Iscômaco, com o que disses-
isso ele tem prazer em mostrar-te, na estação certa, te sobre como se deve instruir o intendente, creio
colheitas muito abundantes, como farias tu mesmo, que já estou suficientemente informado. Fiquei sa-
não mais te perguntarei se a um homem como esse bendo, penso, como o tornas bem disposto para con-
ainda falta algo. Na minha opinião, tendo tais quali- tigo, zeloso para comandar e honesto. 6. Falaste, po-
dades, seria um intendente digno de muito apreço. rém, que, para vir a cuidar bem da agricultura, uma
Entretanto, Iscômaco, disse eu, não deixes de lado pessoa deve aprender não só o que fazer, mas tam-
um item de nossa discussão do qual tratamos apres- bém como e quando. Isso, na minha opinião, é algo
sadamente, sem lhe dar muita atenção!" que, em nossa discussão, tratamos apressadamente,
2. "Qual?", disse Iscômaco. sem lhe dar muita atenção. 7. É como se dissesses
"Disseste, parece-me, que o ponto mais impor- que uma pessoa, para aprender a escrever o que lhe
tante era aprender como cada trabalho deve ser feito. é ditado e ler o que foi escrito, deve conhecer as
Se não fosse assim, disseste, de nada valeria ter zelo, letras. Ouvindo isso, teria ouvido que é preciso co-
se não soubesse o que é preciso fazer e como fazê-lo." nhecer as letras, mas, por saber isso, em nada, a meu
3. Foi então que Iscômaco disse: ver, conheceria melhor as letras. 8. O mesmo acon-
"Estás pedindo, Sócrates, que te ensine a arte da tece agora. Que se deve conhecer a agricultura para
agricultura em si?" cuidar dela de modo certo, disso deixo-me persua-
"É isso que peço, disse eu, já que ela torna ricos dir facilmente. Sabendo disso, todavia, em nada é
os que a conhecem e faz que os que não a conhe- melhor o meu conhecimento sobre como devo exer-
cem, embora labutem muito, não tenham recurso cer a agricultura. 9. Ao contrário, se bem agora de-
para viver bem." cidisse cultivar a terra, na minha opinião, seria como

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um médico que faz sua ronda e visita seus doentes, XVI


mas não sabe do que é bom para os doentes."
10. "Mas, Sócrates, disse, com a agricultura não 1. "Pois bem, Sócrates! disse. Quero demons-
acontece o mesmo que com as outras artes em que trar-te que não é difícil aquilo que dizem ser o as-
!
o aprendiz deve desgastar-se durante o aprendizado, pecto mais complicado da agricultura os que, em
antes de com seu trabalho obter o suficiente para
manter-se. A agricultura não é tão difícil de aprender.
i
I
seus discursos, sobre ela discorrem de maneira por-
menorizada, mas não têm a mínima prática sobre o
Ao contrário, ora vendo quem trabalha, ora ouvin-
I assunto. 2. Afirmam eles que, para praticar a agri-
do-o, facilmente aprenderias tanto que, se quises-
ses, poderias ensinar a outros. Penso, disse, que sa- ii cultura, deve-se, em primeiro lugar, conhecer a natu-
reza do terreno."
bes muito sobre ela, sem que tenhas consciência "E é correto, disse eu, o que dizem. Quem não
disso. 11. Os outros artesãos, de certa forma, aliás, I soubesse o que a terra pode produzir, não saberia,
escondem informações importantes que cada um tem I julgo eu, nem o que deve semear, nem o que plantar."
I
sobre sua arte e, entre os agricultores, quem sabe 'i' 3. "Pois bem! disse Iscômaco. Mesmo sobre um
plantar melhor teria muitíssimo prazer, se alguém o
i terreno alheio é possível reconhecer o que ele pode
visse trabalhar, e com o que sabe semear acontece- produzir e o que não pode, olhando para as colhei-
ria o mesmo. Se lhes perguntasses sobre trabalhos tas e as árvores. Uma vez sabido isso, não vale a
que foram bem feitos, nada te ocultariam de como pena lutar contra os deuses. Não é semeando ou
os realizaram. 12. Assim também quanto ao caráter, plantando aquilo de que ele próprio carece que al-
Sócrates, a meu ver, a agricultura torna mais nobres guém teria o necessário para viver, mas aquilo que a
os que a praticam." terra gosta de fazer crescer ou nutrir. 4. Se, por aca-
13. "Vamos! disse eu. O preâmbulo é belo e, ou- so, por causa da preguiça de seus donos, não pode
vindo-o, não me é possível desistir da indagação. Já mostrar do que é capaz, pode-se obter informações
que é tão fácil aprender a cultivar a terra, mais uma mais verdadeiras sobre ela observando o terreno vizi-
forte razão para que discorras sobre isso. Para ti não nho do que falando com o agricultor vizinho. 5. Mes-
será vergonhoso ensinar o que é fácil, para mim é que mo inculta, ela dá informações sobre sua natureza.
será mais vergonhoso não saber, ainda mais sendo Se nela as plantas selvagens crescem belas, quando
um conhecimento útil." tratada, pode produzir belos frutos cultivados. Assim,

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a natureza da terra podem conhecê-la até os bem "Mas a terra ficaria um lamaçal!" disse eu.
inexperientes na agricultura." "Mas no verão? É o que pensas?"
6. "Mas aqui está, Iscômaco, disse eu, uma ques- "A terra, disse eu, estará dura para a charrua re-
tão em que me sinto bastante seguro. Não devo, por volvê-la."
medo de não conhecer a natureza do terreno, afas- 12. "Pode bem ser a primavera, disse, o momen-
tar-me da agricultura. 7. Lembrei-me do que acontece to para iniciar-se esse trabalho."
com os pescadores ... Trabalham no mar, não param "É provável, disse eu, que fique mais fofa, se for
seu barco para contemplar a paisagem, nem têm lazer revolvida nessa hora."
para fazer caminhadas, mas, ao passarem ao longo "E que a grama, Sócrates, disse ele, revolvida nes-
dos campos, apesar disso, quando vêem as colheitas sa hora, forneça adubo para a terra e não solte mais
em terra, não hesitam em manifestar o que acham sementes que possam brotar. 13. Julgo que sabes
do terreno, dizendo qual é bom e qual é mau, falando também que, para que o alqueive fique bom, deverá
mal de um, elogiando outro. Pois bem! Vejo-os, na estar livre de ervas daninhas e bem tostado, pelo sol?"
maioria das vezes, manifestar sobre a qualidade da "Eu também, disse eu, penso que é assim que
terra a mesma opinião que têm os homens experien- deve ser."
tes na agricultura." 14. "Então, disse, achas que a isso se chegaria
8. "Então, Sócrates, disse, por onde queres que melhor com outras providências ou se, no verão, a
comece a fazer-te relembrar a agricultura? Sei que do terra fosse revolvida o mais freqüentemente possível?"
que vou falar-te, isto é, sobre como se deve cultivar "Sei muito bem, disse eu, que de modo algum as
a terra, muitas coisas já sabes." ervas daninhas viriam em maior quantidade à super-
9. "O que quero saber em primeiro lugar, Iscô- fície e ficariam secas sob a ação do calor, e a terra,
maco, disse eu, penso que é - e isso é muito próprio por seu lado, ficaria mais tostada pelo sol, do que se
do filósofo - como conseguiria, se quisesse, maior ela fosse revolvida no meio do verão, ao meio-dia."
quantidade de cevada e trigo." 15. "E, quando são homens que com a enxada
10. "Então! Sabes que é preciso amanhar o al- amanham o alqueive, disse, não é evidente que tam-
queive para a semeadura?" bém eles devem extirpar da terra as ervas daninhas?"
11. "Isso sei", disse eu. "E remexer as ervas daninhas trazendo-as à su-
"Bem! e se começássemos, disse, a arar a terra no perfície para a parte delas que ainda está crua ficar
inverno?" tostada."

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XVII 5. "E tu, Sócrates? disse. Julgas melhor escolher


um único momento para semear, quer haja muita
1. "A respeito do alqueive, Sócrates, disse, tu vês semeadura quer pouca, ou ir fazendo a semeadura
que ambos estamos de acordo." desde o início até o fim da estação?"
"Estamos, sim, de acordo", disse eu. 6. E eu respondi:
"A respeito da semeadura, Sócrates, tens outra "Para mim, Iscômaco, é melhor repartir a se-
opinião, disse, ou achas que a hora de semear é meadura durante a estação toda. Considero preferí-
aquela que os homens das gerações anteriores, ao vel sempre colher cereais em quantidade suficiente
experimentá-la, e todos os de hoje, ao adotá-la, re- a ter, às vezes, muito e, às vezes, nem o suficiente."
conhecem como a melhor? 2. Quando chega o outo- "Pois bem, Sócrates! disse. Sobre isso nós, apren-
no, todos os homens ficam olhando para o deus, diz e mestre, estamos de acordo, e, já antes de mim,
querendo saber quando trará a chuva e permitirá que mostraste o que pensas."
semeiem a terra. É evidente que sofrem muitos pre- 7. "E no ato de jogar a semente? Há nisso uma
juízos os que semeiam antes que o deus ordene que técnica complicada?"
o façam." "Em todo caso, Sócrates, disse, examinamos isso
3. "Então, quanto a isso, disse Iscômaco, nós e também. Deve-se jogar a semente com a mão e isso
todos os homens estamos de acordo." até tu deves saber... "
"Quanto ao que o deus nos ensina, disse eu, "Sei, pois já vi isso", disse eu.
sempre há unanimidade. Por exemplo, todos pensam "Mas, disse, uns são capazes de jogá-la de ma-
que, no inverno, é melhor vestir roupas pesadas, se neira uniforme e outros não."
lhes for possível, e acender o fogo, se tiverem lenha." "Então, disse eu, isso já exige que a mão esteja
4. "Mas aqui está, disse Iscômaco, um ponto em treinada, como a dos citaristas, para que possa acom-
que muitos divergem. Qual é o melhor momento panhar o que a mente decide."
para a semeadura? Será melhor o início, o meio ou o 8. "É isso mesmo, disse. Mas e se uma parte do
fim da estação?" terreno for mais leve e outra mais pesada .. .?"
"O deus, disse eu, não leva avante o ano de ma- "O que, disse, estás dizendo? Será que uma é
neira fixa, mas ora é melhor semear no início, ora mais leve porque mais fraca, outra é mais pesada por-
no meio, ora no fim da estação." que mais forte?"

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"É isso que digo e te pergunto se darias às duas "Não poderia, disse eu, deixar de saber... "
espécies de terra a mesma quantidade de semente "Suponhamos que uma parte do trigo seja cober-
ou à qual das duas darias mais." ta pela água da chuva e pela lama espalhada e que,
9. "Ao vinho mais forte, disse eu, creio que mis- sob ação das enxurradas, algumas raízes fiquem
turaria mais água, ao homem mais forte, se precisas- expostas. Muitas vezes ainda, com a chuva é claro
se transportar algo, imporia uma carga maior, aos de ' '
as ervas daninhas ganham vigor junto com o trigo e
mais posses incumbiria de alimentar maior número o sufocam."
de pessoas. A terra mais fraca, disse eu, como acon- "É provável, disse eu, que tudo isso aconteça."
tece com os animais de carga, torna-se mais forte, se 13. "E então, o que achas? Nesse momento o tri-
lhe damos mais grãos? Instrui-me sobre isso!" go já precisa ser socorrido?"
10. Rindo, Iscômaco respondeu: "Com certeza!", disse eu.
"Mas estás brincando, Sócrates! disse. Sabes mui-
"Para socorrer o trigo inundado pela lama, o que
to bem que, se pões a semente na terra, quando sur-
deveriam fazer?", disse.
gem os brotos, eles servem de alimento para a terra e
"Livrar a terra desse peso", disse eu.
lhe dão vigor como se fosse adubo. Todavia, se dei-
"E para o que está com as raízes descobertas?"
xas a terra nutrir a semente até que chegue ao fruto
disse.
para ser colhido, é difícil que a terra sustente, até o
fim, uma grande colheita. Da mesma forma é difícil "Amontoar terra junto das raízes", disse eu.
que uma porca fraca alimente uma grande ninhada 14. "E, se as ervas daninhas, disse, sufocam o tri-
de gordos leitões." go, ganham vigor junto com ele e lhe roubam o ali-
11. "Estás dizendo, Iscômaco, que se deve pôr mento como os zangões que, inúteis, roubam das abe-
menos semente na terra mais fraca?" lhas o que, com seu trabalho, conseguiram guardar?"
"Por Zeus, Sócrates! É isso que estou dizendo, "Seria preciso, disse eu, arrancar as ervas daninhas
disse. E tu concordas comigo, quando digo que se como os zangões são tirados das colméias."
deve impor menos encargos aos mais fracos." 15. "Na tua opinião, portanto, é natural que le-
12. "E os capinadores, lscômaco? disse eu. Por vemos capinadores ao campo?"
que os levas às plantações?" "É natural, sim! Mas, Iscômaco, disse eu, estou
"Deves saber, disse, que no inverno há muita pensando ... Isso é que é trazer à baila uma boa com-
chuva." paração! Deixaste-me muito irritado mencionando os

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zangões, muito mais do que falando das próprias "Pode bem ser, disse. Quero é examinar se tam-
ervas daninhas ... " bém sei pisar o trigo ... "
"Bem! disse. Sabes que pisam o trigo com ani-
mais de carga?"
XVIII 4. "Como não saberia! disse. Bois, mulas, cava-
los, a todos chamamos animais de carga ... "
1. "Mas, depois disso, disse eu, naturalmente "Então, disse, achas que o que eles sabem só dá
vem a colheita. Se podes, portanto, instrui também para fazê-los pisar o trigo quando tocados por al-
sobre isso!" guém?"
"A não ser, disse, que também sobre isso saibas "Que mais, disse eu, saberiam animais de carga?"
o que sei. Vamos ver! Sabes que se deve cortar o 5. "Como então esmagarão o que devem? Como
trigo ... " o trigo a ser pisado será espalhado por igual? A quem
"E como não iria saber!" cabe essa tarefa, Sócrates?"
2. "Será que o cortarias de costas para o vento
"Claro que aos pisadores! disse eu. Circulando e
ou de frente para ele?"
jogando sob os cascos o trigo ainda não pisado, é
"De frente? Eu, não! Penso que seria penoso para
claro que deixarão por igual a eira e acabarão bem
os olhos e para as mãos colher recebendo de frente
rapidamente a tarefa."
a palha e as espigas!"
6. "Pois bem! Quanto a saber isso, disse, tam-
"E cortarias perto do topo ou perto do chão?"
bém não ficas atrás de mim."
"Se a haste fosse curta, disse, cortaria embaixo pa-
"Então, Iscômaco, disse eu, depois disso, aba-
ra ter palha bastante; se fosse alta, bom seria, penso
eu, cortá-la ao meio, para que nem os que vão pisá-lo, nando-o, limparemos o trigo ... "
nem os que vão abaná-lo tenham trabalho a mais com "Dize-me, Sócrates, disse Iscômaco, se sabes que,
algo de que não precisam. O que fica na terra eu se começares a abanar a partir do lado da eira de
penso que, aí deixado e queimado, ajudará a terra e, onde vem o vento, a tua palha se espalhará por toda
misturado ao adubo, aumentará o volume dele." a eira!"
3. "Vês, Sócrates, disse, como estás sendo apa- "Por força isso acontecerá", disse eu.
nhado em flagrante? Também sobre a colheita sabes 7. "Então pode-se esperar, disse, que caia sobre
o que eu sei!" o trigo?"

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"Seria muito, disse ele, a palha ultrapassar o tri- XIX


go e cair na parte vazia da eira ... "
"E se alguém abanar, disse, começando do lado 1. "E então, disse eu, o plantio de árvores frutí-
oposto ao vento?" feras também é parte da arte da agricultura?"
"Claro, disse, que a palha cairá direto no lugar re- "É, sim", disse Iscômaco.
servado para ela." "Então, disse eu, poderia entender o processo da
8. "Depois que limpares o trigo, disse, até o meio semeadura sem entender o do plantio de árvores fru-
da eira, deixarás o trigo espalhado e abanarás ores- tíferas?"
tante da palha ou amontoarás, bem amontoado, o tri- 2. "E tu não entendes?", disse Iscômaco.
go já limpo no centro?" "Como? disse eu. Não sei em que espécie de ter-
"Por Zeus! disse eu. Amontoarei o trigo limpo ra se deve plantar, nem a profundidade da cova, nem
para que a palha me seja levada para mais longe, até sua largura, nem o tamanho da muda, nem como
a parte vazia do terreiro, e não precise abanar duas colocá-la na terra para que brote melhor... "
vezes a mesma palha." 3. "Vamos! disse Iscômaco. Aprende o que não
9. "Ah! Sócrates! disse. Poderias até ensinar um sabes! Que espécie de covas fazem para as mudas,
outro como limpar o trigo." isso sei que já viste", disse.
"Pois bem! disse eu. Eu sabia e não percebia ... "E muitas vezes!", disse.
Há algum tempo estou pensando ... Será que, sem "Então ... já viste uma delas com mais de três pés
perceber isso, sei fundir ouro, tocar flauta e dese- de fundo?"
nhar? Ninguém me ensinou isso, nem a cultivar a ter- "Por Zeus! disse eu. Nem com dois pés e meio ... "
ra, mas olho para os que ficam cultivando a terra, olho "E ... já viste uma com mais de três pés de largo?"
para os que exercem as outras artes ... " "Por Zeus! disse eu. Nem de dois pés ... "
10. "E eu, disse Iscôma~o, não te dizia há pouco 4. "Vamos! disse. Responde-me também isto! Já
que é por isso que a agricultura é uma arte muito viste alguma com menos de um pé de fundo?"
nobre e muito fácil de aprender?" "Por Zeus! disse. Não vi nem com menos de um
"É isso, Iscômaco! disse eu. Sabia tudo a respeito pé e meio ... Ao serem sachadas, disse eu, as plantas
da semeadura e não percebia ... " se desenraizariam, se fossem plantadas assim na su-
perfície."

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5. "Então, Sócrates, disse, aí está algo que sabes "Então dever-se-ia colocar terra lavrada sob a
bem. Não cavam mais fundo que dois pés e meio, planta."
nem mais raso que um pé e meio." "E por que não?"
"É forçoso ver isso, já que está à vista de todos." 9. "Se fincares todo o sarmento verticalmente,
6. "Só de olhar, disse, distingues a terra mais seca voltado para o céu, pensas que ele criaria raízes mais
e a mais úmida?" rapidamente ou se o fincasses um pouco obliqua-
"Seca, na minha opinião, disse eu, é, por exem- mente na terra posta debaixo dele de forma que fi-
plo, a das cercanias do Licabeto 11 e a semelhante a que como um gamma 16 deitado?"
ela, úmida a das baixadas em Falero 10 e a semelhante 10. "Assim, por Zeus! Os olhos, sob a terra, se-
a essa." riam mais numerosos. Vejo que as plantas brotam
7. "Em qual das duas, disse, na seca ou na úmi- para o alto a partir dos olhos; imagino, então, que
da, abririas cova mais funda para a muda?" também com os que ficam embaixo da terra aconteça
"Na seca, por Zeus! disse eu. Cavando fundo na o mesmo. E, sob a terra havendo muitos brotos, ima-
terra úmida, encontrarias água e então não poderias gino que a muda vicejará rápida e vigorosamente."
plantar." 11. "Pois bem! Também sobre esses pontos, pen-
"Parece certo o que estás falando, disse. E, quan- sas justamente o mesmo que eu. Apenas amontoarias
do estão abertas as covas, já viste como se deve terra em volta da muda ou também a socarias bem?"
colocar as plantas num e noutro tipo de terra?" "Por Zeus! Eu socaria. Se não estivesse bem so-
"Muitas vezes", disse eu. cada, sei bem, com a chuva a terra não socada vira-
8. "Então, querendo que elas brotem o mais rá- ria barro e, com o sol, ficaria seca até bem embaixo
pido possível, julgas que, se colocares a muda do de forma que as plantas correriam risco, sob a ação da
sarmento sobre terra lavrada, ela crescerá mais rápido água, de apodrecer por causa da umidade e de mur-
através da terra fofa que através da inculta até o chão char por causa da secura, com o aquecimento das
duro?" raízes."
"É evidente que brotará mais rapidamente atra- 12. "Ah! Sócrates, também sobre o plantio de
vés da terra lavrada que da inculta." vinhedos, disse, tens justamente a mesma opinião
que eu."
14. Monte ao norte de Atenas.
15. Baía de águas pouco profundas a leste de Atenas. 16. Terceira letra do alfabeto grego (y).

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~=··=-----------------------------------------------~

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"Será que se deve, disse eu, plantar assim tam- dendo por onde me levavas com cada pergunta! Le-
bém a figueira?" vando-me através do que eu sabia, mostrando-me
"Penso que sim, disse Iscômaco. E também as que eram semelhantes ao que pensaria não saber, fi-
outras árvores frutíferas. Do que está bem para o plan- quei convencido e julgo que sei isso também."
tio do vinhedo porias algo de lado para os outros 16. "Então, disse Iscômaco, interrogando-te eu so-
plantios?" bre moedas de prata, será que poderia convencer-te
13. "E a oliveira? disse eu. Como a plantaríamos, de que sabes discernir quais são as moedas de prata
Iscômaco?"
pura ou não? E sobre citaristas, poderia convencer-te
"Também nisso, disse, estás tentando pôr-me à
de que sabes tocar flauta? E sobre desenhistas, sobre
prova, já que sabes tudo muito bem. Para a oliveira,
artistas como esses?"
vês que fazemos covas mais fundas, pois as cava-
"Talvez, possas ... disse eu. Convenceste-me até
mos ao longo das estradas. Vês que para todos os
de que sou perito em agricultura, embora saiba que
galhos novos há pequenas estacas e que, sobre o
ninguém jamais me ensinou essa arte."
topo de cada muda, se coloca barro e a parte supe-
rior de todas elas é coberta." 17. "Não, Sócrates! disse. Isso é impossível. Há
14. "Vejo tudo isso", disse eu. pouco, porém, eu te dizia que a agricultura é uma
"Se é que vês, disse, o que há nisso que não en- arte tão amiga dos homens e tão fácil que basta que
tendes? Ou será que o que não sabes é colocar o a olhemos e a ouçamos para que ela nos torne peri-
pequeno pote sobre o barro?" tos nela. 18. Sobre muitas coisas, disse, é ela mesma
"Não, por Zeus! disse eu. Nada do que disseste que ensina como usá-la da melhor maneira. Subindo
eu ignoro, mas, de novo, fico pensando ... Por que nas árvores se há uma árvore perto, a videira nos en-
será que, há pouco, quando me perguntaste, de vez, sina a sustentá-la; abrindo à sua volta uma cobertura
se sabia plantar, respondi que não? Achava que nada com seus galhos quando ainda seus cachos estão ten-
poderia dizer sobre como se deve plantar. Agora ros, ensina-nos a sombrear nessa hora os que estão
que te puseste a me perguntar ponto por ponto, o que sendo batidos pelo sol. 19. Quando chega o mo-
respondo, e és tu que dizes, coincide com a opinião mento certo em que os cachos vão ficando doces,
que tu, tido por excelente agricultor, tens." deixando cair suas folhas, ensina-nos a desbastá-la
15. "Será, Iscômaco, continuei eu, que interrogar para que, assim, os frutos amadureçam. Enfim, já que
é ensinar? É agora, disse eu, que estou compreen- é muito fecunda, mostrando que uns bagos estão

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maduros, enquanto outros estão mais verdes, ensi- que seja semeado, nem que seja adubado. Nem vi-
na-nos a fazer a colheita, como a dos figos, à medi- nho Sicrano tem, porque não cuida do plantio das
da que eles ficam suculentos." videiras, nem da produção das que já tem. Nem óleo,
nem vinho tem Beltrano, pois não cuida disso, nem
mesmo para que os tenha. 5. É porque, em assun-
XX tos como esses, disse, os agricultores são diferentes
uns dos outros que o sucesso deles é também dife-
1. Então etl respondi: rente e não porque uns acham que descobriram um
"Então, Iscômaco, se os trabalhos da cultura da modo engenhoso de lavrar. 6. Também os estrate-
terra são tão fáceis de aprender e todos sabem gos, em algumas ações militares, mesmo não sendo
igualmente o que se deve fazer, como é que todos diferentes uns dos outros quanto à inteligência, uns
também não se saem igualmente bem, mas uns vivem são melhores e outros piores, mas isso evidente-
na abundância e têm além do necessário e outros mente pelo zelo que têm. Os conhecimentos que os
não conseguem ter nem o necessário e até fazem estrategos têm, a maioria dos soldados também tem
dívidas?" e uns estrategos os põem em prática, outros não.
2. "Vou explicar-te, Sócrates, disse Iscômaco. 7. Por exemplo, todos sabem muito bem que, ao ca-
Não é a ciência nem a ignorância dos agricultores minharem através de uma terra inimiga, é melhor
que faz que uns sejam abastados e outros carentes. caminhar em formação de marcha de modo que
Não ouvirás dizer, talvez, disse, que corre o boato possam combater com excelência, se for preciso. Pois
de que 3. o patrimônio está arruinado porque não bem! Mesmo sabendo disso, uns fazem assim, outros
se semeou por igual; porque não se fez corretamen- não. 8. Todos sabem que é melhor instalar postos
te o plantio das mudas; nem porque, por ignorar-se de guarda, diurnos e noturnos, diante do acampa-
que terra produz videiras, o plantio foi feito em terra mento. Mas também uns cuidam que isso se faça,
que não a produz; nem porque não se soube que é outros não cuidam. 9. Quando passam por um des-
bom amanhar previamente o alqueive; nem porque filadeiro, é difícil encontrar quem não saiba discer-
não se soube como é bom misturar adubo à terra. nir se é melhor ou não ocupar previamente as posi-
4. Em vez disso, ouvir-se-á que dizem o seguinte: ções favoráveis? Também nisso, porém, uns cuidam
Fulano não tira trigo de seu campo, pois não cuida de fazer assim, outros não. Pois bem! 10. Todos dizem

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que o adubo é ótimo para o cultivo da terra e estão tudo de maneira fácil de ver e de aprender, faz-nos
vendo que ele se faz sozinho. Apesar de saberem também discernir muito bem os bons e os maus. De
precisamente como ele se faz, mesmo sendo fácil fato, os que não trabalham não podem alegar que não
fazê-lo, uns cuidam de formá-lo, outros deixam isso sabem, como acontece com as outras artes. 15. To-
de lado. 11. Entretanto, água o deus lá do alto forne- dos sabem que a terra, bem tratada, traz benefícios.
ce, todas as baixadas tornam-se alagados, a terra Ao invés disso, a preguiça no cultivo da terra denun-
fornece ervas daninhas de todas as espécies ... Ati- cia, de modo claro, a alma vil. De que é possível vi-
rando-se na água tudo o que é arrancado para que ver sem o necessário nem mesmo a si próprio alguém
não atrapalhe, por si só, o próprio tempo faria com poderia persuadir-se. Quem não conhece outra arte
isso o adubo com que a terra se apraz. Que erva lucrativa, nem quer cultivar a terra, evidentemente
daninha, que terra na água estagnada não se trans- planeja ganhar a vida furtando ou roubando ou men-
forma em adubo? 12. De quantos cuidados carece a digando ou então é totalmente louco... 16. Para a
terra, quando muito úmida para a semeadura ou mui- agricultura dar lucro, fará grande diferença se, haven-
to salgada para o plantio? Isso todos sabem e tam- do grande número de lavradores, uma pessoa cuida
bém como a água é drenada em valas, como a sali- de que cumpram suas horas de trabalho e outra não
nidade é corrigida com a mistura de substâncias não cuida disso. Facilmente fará diferença se um, em cada
salinas, líquidas ou secas. Disso, porém, uns cuidam, dez homens, trabalhar o tempo todo e fará diferença
outros não. 13. Suponhamos que alguém fosse abso- se um ou outro vai embora antes do tempo. 17. Dei-
lutamente ignorante sobre o que a terra pode produ- xar que homens façam corpo mole no trabalho, du-
zir, não tivesse possibilidade de ver o que ela pro- rante todo o dia, faz uma diferença de meio para o
duz, nem suas plantas, nem de ouvir alguém sobre todo. 18. É como nas caminhadas de duzentos está-
como ela é de verdade ... Nesse caso, não seria mais dios, às vezes há uma diferença de cem estádios
fácil que qualquer um adquirisse experiência sobre entre a velocidade de dois homens, ambos jovens e
a terra que sobre um cavalo e muito mais facilmente sadios, quando um se empenha e caminha na dire-
que sobre um homem? Não há o que ela mostre para ção de seu destino e o outro vai ao léu, parando junto
enganar... Ao contrário, de maneira simples, mostra às fontes e sob a sombra, contemplando a paisagem
com clareza e verdade aquilo de que é capaz ou não. e buscando brisas suaves ... 19. Assim também, na la-
14. Na minha opinião, pelo fato de que apresenta voura, haverá diferença na eficiência dos que se em-

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penham naquilo de que foram incumbidos, e os que ciona mais alegrias. Ora, nada dá maior margem a
não se empenham mas buscam pretextos para não benfeitorias que um terreno que se torna, de inculto
trabalhar e são deixados à vontade, sem nada fazer. que era, capaz de produzir colheitas de várias espé-
20. Entre cuidar que o trabalho seja bem feito e cui- cies. 24. Fica sabendo, Sócrates, disse, que valoriza-
dar mal dele há tanta diferença quanto entre trabalho mos muitos terrenos mais de cem vezes em relação
e inatividade, em seu sentido pleno. Quando, ao ca- ao preço primitivo. E esse achado, Sócrates, é tão
pinar para que as plantas fiquem livres das erv8.s valioso, disse, tão fácil de aprender que, tendo-me
daninhas, capinam de forma que as ervas daninhas ouvido agora, tu te vais tão capaz quanto eu e ensi-
cresçam e fiquem mais bonitas, poderias deixar de narás a um outro, se quiseres. 25. E meu pai nem
aprendeu com outro, nem ficou pensando e repen-
afirmar que isso é algo que dá em nada?"
sando para dar com ele; ao contrário, dizia, foi por
21. "Aí está, portanto, o que arruína os patrimô-
gostar da cultura da terra e do trabalho que ambi-
nios muito mais do que a ignorância excessiva. Se as
cionou possuir um terreno assim para ter com que
despesas saem das casas sem restrição, se a lavoura
ocupar-se e, ao mesmo tempo, tendo lucro, sentir
não produz de maneira lucrativa em relação à des- prazer. 26. E meu pai, Sócrates, disse, na minha opi-
pesa, não se deve estranhar se, ao invés de fartura, nião, era entre os atenienses quem, por natureza,
tudo isso gera pobreza." tinha maior gosto pela agricultura."
22. "Todavia, para quem é capaz de ser cuida- Eu ouvi isso e lhe perguntei:
doso e cultiva a terra com empenho, há um meio "Iscômaco, teu pai mantinha a posse de todos os
eficiente de enriquecer que meu pai usou, ele pró- terrenos que havia acabado de lavrar bem ou os ven-
prio, e me ensinou. Jamais me deixava comprar um dia, se encontrava preço alto?"
terreno já totalmente lavrado; aconselhava-me, ao "Por Zeus! disse Iscômaco. Vendia-os, mas ime-
contrário, a comprar um que, por descuido ou inca- diatamente comprava outro no lugar deles, mas um
pacidade dos proprietários, estivesse improdutivo ou que estivesse improdutivo porque gostava de tra-
não plantado. 23. 'Os bem lavrados, dizia, são muito balhar."
caros ou não dão margem a benfeitorias.' Os que 27. "Estás dizendo, Iscômaco, disse eu, que real-
não dão margem a benfeitorias, a seu ver, não davam mente teu pai, por natureza, não gostava menos da
prazer igual, mas, ao contrário, pensava ele, é o que agricultura que os mercadores gostam do trigo. Os
está próspero, propriedade ou rebanho, que propor- mercadores, por gostarem muito do trigo, se ouvem

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que ele é abundante em algum lugar, aí vão buscá-lo 2. "Por Zeus, é, sim! disse Iscômaco. Mas, Só-
atravessando o mar Egeu, o Ponto Euxino e o mar da crates, quanto à afirmação de que a aptidão para o
Sicília. Depois que compram quanto podem, trans- comando é característica comum a todas as ativida-
portam-no por mar, isso fazendo no mesmo navio des - agricultura, política, administração do patrimô-
em que navegam. 28. Quando precisam de dinheiro, nio e guerra -, nisso estou de acordo contigo: em in-
não se desfazem dele a esmo lá mesmo onde estão, teligência as pessoas diferem muito umas das outras.
mas onde, segundo o que ouvem dizer, o trigo al- 3. Numa trirreme, por exemplo, disse, quando estão
cança preço maior e onde as pessoas o pagam mais em alto-mar e precisam navegar remando o dia todo,
caro, é a esses que eles o levam e entregam. Acho alguns chefes são capazes de falar e agir de modo
que era mais ou menos assim que seu pai gostava que dêem ânimo a seus homens para que labutem de
da agricultura." boa vontade, outros são tão faltos de decisão que le-
29. Respondendo a isso, Iscômaco falou:
vam o dobro de tempo para completar a mesma tra-
"Estás brincando, Sócrates! disse. Para mim, não
vessia. Aqueles desembarcam cobertos de suor, mas
gosta menos de construir casas quem as constrói e,
fazendo e recebendo elogios, comandantes e subor-
tendo chegado ao fim de sua construção, vende-as,
dinados; os outros chegam sem suor, odiando o su-
construindo outras depois."
perior e odiados por ele. Também nisso os estrate-
"Por Zeus, Iscômaco! disse. Sob juramento, digo-
gos diferem uns dos outros. 4. Uns não tornam seus
te que dou fé ao que dizes: Todos, por natureza,
gostam daquilo de onde esperam tirar proveito." homens dispostos ao trabalho penoso nem a correr
riscos e eles não acham bom nem querem obedecer
a não ser que sejam forçados a isso pela necessida-
XXI de e até orgulham-se de enfrentar seu chefe. 5. Ao
contrário, os que são inspirados pelos deuses e co-
1. "Mas agora, Iscômaco, disse, fico pensando ... rajosos, à frente desses mesmos homens e, muitas
Preparaste bem toda a tua argumentação para servir vezes, também de outros que tomam sob seu co-
de apoio para tua tese! Propuseste como hipótese que mando, conseguem que, por senso de honra, nada
a arte da agricultura era, entre outras, a mais fácil de eles queiram fazer que lhes traga vergonha e vejam
aprender, e eu agora, a partir do que disseste, estou que vale a pena obedecer e, sentindo-se orgulhosos
plenamente convencido de que assim é." da obediência que prestam, como indivíduos e como

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conjunto, entregam-se ao labor quando necessário, nições ao mau trabalhador e dar grandes recompen-
labutando sem desanimar. 6. Como, no íntimo de al- sas ao de bom ânimo e os trabalhadores nada fazem
guns soldados rasos, há amor pelo trabalho penoso, que dê na vista, eu não teria como admirá-lo. Se, ao
também na tropa como conjunto, quando seus che- contrário, porém, são estimulados ao vê-lo e em cada
fes são corajosos, passa a existir amor pelo trabalho um deles surge um ímpeto, um gosto pela competi-
penoso e pelas recompensas que terão ao praticar ção mútua e o desejo de ser o mais forte, é sobre esse
um feito nobre à vista dos chefes. 7. Tornam-se che- que eu diria que tem o caráter de um rei. 11. Na mi-
fes fortes os que têm subordinados assim dispostos nha opinião isso é o mais importante em todo traba-
para com ele e não, por Zeus!, os que têm corpos mais lho em que há algo feito por homens e também na
fortes que os de seus soldados ou são excelentes no agricultura. Mas, por Zeus!, não estou dizendo que
uso do arco e do dardo e, com um cavalo excelente, isso se aprende só de ver e ouvir uma única vez.
enfrentam os perigos mostrando-se cavaleiro ou pel- Afirmo, ao contrário, que, para vir a ter essa capaci-
tasta excelente. São fortes chefes, ao contrário, os que dade, é preciso formação e também boa inspiração
são capazes de inculcar nos seus soldados a idéia de vinda dos deuses. 12. Exercer o mando sobre quem
que devem segui-lo através do fogo e de todo peri- isso aceita de bom grado não é, penso eu, só um
go. 8. Por justiça diríamos homens de alma grande dom humano, mas dom divino. É evidente que é con-
aqueles a quem, concordes, todos seguem. É natural cedido aos que estão devotados à verdadeira sabe-
que se diga que marcha com uma grande mão aque- doria. Impor a tirania sobre quem não a quer, penso
le a cuja decisão tantas mãos querem prestar servi- eu, os deuses concedem a quem julgam merecer vi-
ço e realmente é grande esse homem que é capaz ver como Tântalo 17 , de quem se diz que, no Hades,
de realizar grandes proezas, mais com a inteligência passa a eternidade com medo de morrer uma segun-
que com a força física. 9. O mesmo acontece na vida da vez.
particular, quer o encarregado seja intendente, quer
feitor, quando se pode fazer que tenham ânimo e
garra para o trabalho e perseverança também. 10. São
esses que, rápidos, chegam ao sucesso e conseguem
17. Antigo rei da Frígia, pai de Bróteas, Pelops e Níobe. Foi con-
acumular fortuna. Se o patrão, Sócrates, disse, com- denado a sofrer o tormento da fome e da sede, tendo diante dos olhos,
parece ao trabalho, ele que pode infligir pesadas pu- mas fora de seu alcance, alimentos e água.

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