Prefácio
Les preciellses ridicllles
I
Trodllçiío e perdoarei qualquer outra violência mais que a essa.
Maria Cristina Guimal~s Não é quc cu queira aqui (ornar modesto o autor
e desprezar por honra I minha comédia. Ofenderia toda
Paris se a acusasse de ler podido aplaudir a uma tolice:
I'replIraçiio I tex I)( e, revi.l'iio
10 como o público é o juiz absoluto desse tipo de obra,
Gabor i\rany\ cu estaria sendo insolente desmentindo-o c, ainda que
tivesse tido a pior opinião do mundo sobre a minha
Precio,\'o,\' ridículo,\' antes de SUa represen(ação, devo
acreditar agora que ela vale alguma coisa, já que ta'ntri
gente a elogiou; mas como um:l grande parle da graça
que viralllnela depcnde da a~~ãoe do 10m dc voz,julgava
imporlanle não a despojarem desses ornamenlos e achava
que o Sueesso ohtido pelas Precio,\'o,\' na representação
j,í havia sido grande o suficiente para que parássemos
por ali. 2
Tinha resolvido, afirmo, não as representar senão
it vela , 1);11";1 absolutamente não dar a alguém a Opor-
tunidade ele dizer o provérbio\ e I não queria que elas
D'rcitos desta edição reservados por~ , I Jc:rl"'e,I'.I'âo 1Jtl.l'tol/t('ob.l'cllra, Moliáe '1uerl'l'iu t!i;('r: para adlJuirir
G, AR:NYI LIVROS-: EDITORA VERI~DAS ('SSU .,
hOllrox{/ rc-'1'1{/{IÇ'Üo di' Oll/or /JIor!l',\,/o?
Alameda dos Blcudo~, 360 - Na el'/la, ilulI/il/ada "utâo 1'01' I'ela,\' lJlI" 0.1'criado.l' t',l'pcl'ital'alll
IJO.\' il1letv{I/os .
Alpes da Cantarelra
07600-000 - MjlÍriporã - SP .• "lJi:-,,'" d" UII/a II/llllier 'lU" .1'(' aclia lit'!a (' 111/0L': 'l:'Ia é bOl/ita
Fone; (011) ,1K5-17M ti1(94)
luz da vc/o, lI/a,l' o dia ","traga Illtlo ", (Dictionnairc de I' Acaúérnic,
1<J97
11
, " Teatro de Bourbon para a Gal.er~a .d? Pa- versos franceses ou latinos6• Acho mesmo que seria lou-
pulassem do _ d 't/ -lo e tive a mfeltcldade
lácio·, Entretanto nao pu e eVI ~nh~ e a cair nas mãos vado em grego, e não se ignora que um encômio em
de ver.uma cópia roubada a ~: ~ma E:cl~lsividade obtida grego seja de uma eficácia maravilhosa no frontispício
dos edItores, acompan?ad 'to' "Oh tempos! oh costu- de ,um livro. Mas me dão a lume sem que eu tenha o
insidiosamente. Clamei mUI .t'nha necessidade de ser vagar de me examinar, e não posso nem sequer obter
mes!", fIzeram-me ver que eu I _ último mal a liberdade de dizer duas palavras para justificar minhas
' d er um processo, e esse
intenções] sobre o assunto dessa comédia. Gostaria de
publtcado
. d' ou. quee movo .
o prImeiro. . , , é preciso se deixar
AssI'n1
a1l1 a e ao
piO! 'ma u coisa fazer ver que ela se conserva sempre nos limites da
chegar destino e allt?rIzar . , que não se abs-
sátira honesta e decente; que as coisas mais notáveis
teriam de fazer sem ml,m. h embaraço é um livro a estão sujeitas à cópia feita por macacos maus que me-
Meu Deus! que estran o. . ira recem ser apupados; que essas imitações viciosas daquilo
dar a lume e um autor que ao ser PUbltcaddOaPd~I~:~p:eeu que há de mais perfeito foram desde sempre matéria da
" , , Se houvessem me ,
vez e amda Jovem. , mim e tomar todas Comédia e que, pela mesma razão que os verdadeiros
pelo meno~ t~ria Podl~~~~~~~~se~utores, agora meus Sábios e os verdadeiros bravos ainda não se lembraram
as precauçocs que os ,. m ocasiões como essa. absolutamente de se ofender com o Doutor ou com o
confrades, costumam tomdl e . uaI uer que à sua Capitão da Comédia, assim como os Juízes, os Príncipes
AI ~ ie 'lchar um grande senhOl q . q , e os Reis ao ver Trivelin ou qualquer outro no teatro
em ( '. Protetor de mmha obra e cUJa
revelia tomana como , d dicatória mOito representar de forma ridícula o juiz, o príncipe ou o
libcralidade tentaria com uma carta-. e . refácio
I!
rei; também as verdadeiras preciosas não teriam razão
f1oread'lj me daria ao trabalho de esclever um p de se irritar quando se encena as Ridículas, que as imitam
d,'to'e'belo e não me faltariam livros para me pr~vd~r mal. Mas enfim, como disse, não me dão tempo de
eru tudo
de 1
o que: se pode dizer de sábio sobre a , Trage sua
Ia
respirar, e o senhor de Luynes8 quer fazer a compilação
' C médi'l a Etimologia de ambas, sua on~em,
imediatamente. Em boa hora, já que Deus assim quis.
~ '~. iaão e ~~do o mais: Conversaria com amIgos, ~ue
e m aç recomen d"açao de minha peça não me recusanam ,
para
12
13
PERSONAGENS
f'J\ c \ \ e re
AS PRECIOSAS RIDÍCULAS
LA GRANGE} Pretendentes recusados
DU CROISY
GORGIBUS - Bom burguês
MAGDELON - Filha de Gorgibus } preciosas ridículas
CATHOS - Sobrinha de Gorgibus
Comédia reprcsclIllIda /llI Pcti! BouriJon MAROTTE - Criada das preciosas ridículas
ALMANZOR - Criado das preciosas ridículas'
Marquês de MASCARlLLE2 - Criado de La Grange
T...-~~·...o: t'\~ ~'~~ Visconde de JODELET - Criado de Ou Croisy
DOIS CARREGADORES DE LITEIRA
sr, U,., 1/~"e..J-/'1 -i'1')'t- VIZINHAS
VIOLlNIST AS
\
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"
.1
j
i
I I ProfllUJCirl-Jt' Mml/oll, entôo Marr6/. TralCl-u l/e llimilllllivos fJO·
"I pu/tires ou bHrglle,\'~s. Alman!or é o nome de WJT persOlIO~~ellJl/e Polcxandrc,
rOlllllflce de M, Ú~ Roi de Gomben·itle.
2 EJSt' p{lpel era desempenhado por Moli;,,.e.
15
DU CROISY
LA GRANGE
DU CROISY
La Gmngc. DII Cmis)'
Para falar a verdade, de modo algum.
LA GRANGE
DU CROISY
Quanto a mim. confesso que estou absolutamente
Senhor la Grange ... escandalizado. Onde já se viu, diga-me. duas pedantes
da província) se fazerem de tão rogadas quanto aquclas.
LA GRANGE e dois homens serem tratados com tanto desprezo quanto
nós? O máximo a que elas se dignaram foi a nOSoferecer
o quê? uma cadeira. Nunca vi duas pessoas cochicharem tanto
entre si como aquelas, bocejar tanto, esfregar tanto os
olhos e perguntar tantas vezes: Que horas são? Elas
DU CROISY ;J responderam com mais do que sim e não a tudo o que
,~ nós conseguimos lhes dizer? E enfim o senhor não concorda
Olhe um pouco para mim sem rir. comigo em que se fôssemos as piores criaturas do mundo
não nOStratariam tão mal quanto aquelas duas?
LA GRANGE
J O illl/}()1"UlIJll" lllJUj síio (lS paJa'r'rcIs "d" províllc;{/". TrfJfa·Sl' tle
Sim'! estahelecer lI"" mio Sl' visa o PaMcio clt: Bourgogne.
1
I
Ib 17
\
DU CROISY
gabando ,de ser galante e de versejm', c dc~prcza os
OU,lrOS cnados, chegando mesmo a chamá-los dc "ros-
Parece-me que o senhor se ressentiu demais com selros. o
o caso.
DU CROISY
LA GRANGE
E então, o que o senhor pensa em fazer com ele?
Por certo que me ressenti, e tanto que quero me
vingar dessa insolência. Sci por que fomos desprezados.
O ar pn:cioso não contaminou apenas Paris, ele se es- LA GRANGE
palhou também pelas províncias, e nossas donzelas
ridículas tomaram um bom hausto dele. Numa palavra, O que eu penso em fazer com ele! É preclso
. ...
M as antes vamos sair daqui,
não há nessas duas nada mais que uma mistura de afetação
e pretensa elegfmcia; sei como é preciso ser para merecer
cicias lima boa acolhida, e se o senhor confiar em mim,
nús lhes pregaremos utlla peça que as fará perceber sua
tol ice c as ensinará a conhecer um pouco melhor o mundo
elll que vivem.
DU CROISY
LA GRANGE
I IX
1<)
GORGIBUS MAROTTE
O que deseja, senhor?
E então? O senhor viu minha sobrinha e minha
filha; as coisas vão bem? Qual foi o resultado de sua
vi.sita? GORGIBUS
Onde estiío as suas patroas?
LA GRANGE
MAROITE
O senhor ficaria mais bem informado conversando
com elas do que conosco. Apenas podemos lhe agradecer No quarto.
o favor que nos fez e proclamar que continuamo's a ser
seus humildes servidores.
GORGIBUS
Fazendo o quê?
DU CROISY
20 21
me tlrruinar. Por toda parte só vejo claras de ovo, leite - CENA QUATRO
virginal c uma infinidade de bugigangas que eu não
cOl;heço. Desde 4ue nós estamos aqui elas já usaram o
toicinho de lima dezena de porcos, pelo menos, e quatro
criados se alimentariam com os mocotós de carneiro Magdelon, Cathos, Gorgi!Ju.l'
que essas duas consomem diariamente para se embe-
lezar.
GORGlBUS
MAGDELON
CATHOS
GORGlBUS
23
MAGDELON
..• Fl'r.wnagl'lls,os primeiros do Gmnd Cyrus. 0.'1tillimos tle Clélic.
!"U11I(lflCeSde MallelcinC! de SClldéry assinados 1'01' seu imuio, Gl~orges
Meu Deus' Se todos parecessem com o senhor o
ti,., Scudéry. Trala· ..•e de obras caracu}ríJlicllS tia época do I',,~ciosismo.
romance logo acabaria! Que lindo seria se de saída Cyrus
25
24
encontra um modo de acalmar-nos e de mTancar de nós [neles exprime isso e que eles absolutamente não têm
essa confissão tão difícil. Depois disso vêm as aventuras: Iesse ar que Jogo nos leva a formar uma boa opinião
os rivais que logo se põem no cmninho de uma inclinação i sobre as pess_oas?Fazer uma visita amorosa com calções
já definida, a perseguição dos pais, o ciúme gerado por ,sem guarnlçao de renda, chapéu sem plumas, um pen-
falsas aparências, as queixas, os desesperos, os raptos e !teado simples e um casaco indigente em matéria de fitas!
ludooqueaelessesegue. Eis como as coisas são conduzidas 'IMeu Deus, que apaixonados são esses! Que frugalidade
segundo o bom-tom, e num galanteio fino essas regras Inos adornos e que conversa deselegante! Ninguém tolera.
nã"Opodem ser ignoradas. Mas chegar de repente na IObservel também que o peitilho deles não é bem-feito
união conjugal! Só fazer a corte junto com o contrato', e que para seus calções estarem na largura certa faltava
elecasamento e começar o romance pelo seu final! Repito, ,maiS de meio palmo.
meu pai, não há nada mais mercantil que esse proce- I
dimenlo, e eu fico nauseada só de imaginar isso.
GORGTBUS
GORGlI3US
Que diabo de discurso estou ouvindo? Isso é que Acho que as duas estão malueas e não entendo
r'da desse linguajar. Cathos, e você, Magdelon ...
alto estilo'
!
CATI-TOS
J MAGDELON
Na verdade, tio, minha prima tocou no essencial.j
Como se pode receber bem indivíduos tão inconvenientes l' Ah, meu pai, por favor, esqueça esses nomes es-
no galanteio? Garanto que esses dois ~unca viram o iranhos~ e nos chame por outros.
mapa do Amor Tcrno e quc Bilhetes Carinhosos, Agra- I
dinhos, Bilhctes Galantes e Lindos Versos são terras i
desconhecidas para eles5• O senhor não percebe que tudo!
; GORGTBUS
~o mapa 110 Amor Temo f lima alegorta.. eXistente e11l Clchc. ,.; O r Como! Nomes
•••.
estranhos?
~ •
Por acaso
( •
- -
ni.10 sao OS
viajallte, II{/rtimla da Amizade Nr",n, devia "assar "elas localülodes imo- pomes que voces receberam no batismo?
gil/{írill,\" til' /li/hei€' C(~rinllOso, {)(c., parti che~(lr a Amor Terno n.a I
J)cd{J((/çiio 0// fi Amor Temo lia Hstillln; III(/S SI' ele se 1J(~rde.\'se, corna I" .
I
() "".\'COl/e ir l/ar 110 Mar P(~rigo.w. Note-se () aclimulo de e.tpressóes! As preclOscu' se (Im1t:lllllOmeS rebu.fcalln.f (por exemplo Arlhénice,
preciosas na Jáia de emlLOs. '{'agr(/lIlll de ClI1/terille, para CI Madame de Rambouillel).
I '
I
27
I
MAGDELON CATHOS
Meu Deus, quanta vulgaridade! Uma das coisas No que me diz respeito, meu tio, tudo o que posso
que 11l,\isme espanta é o senhor ter sido capaz de fazer lhe dizcr é que acho o casamento uma coisa totalmente
uma filha tuo voltada para as coisas do espírito quanto ehocante. Como é possível tolerar o pensamento de se
eu. Por acaso no estilo galante já se ouviu falar em deitar ao lado de um homem nu em pêloB?
Cathos ou em Magdelon? E o senhor não reconhece
que bastaria um desses nomes para desacreditar o mais
MAGDELON
lindo romance do mundo?
Deixe-nos tomar um pouco de ar no ambiente fino
CATHOS de Paris, onde mal acabamos de chegar. Deixe-nos tecer
à vontade nosso Romance e não tenha tanta pressa de
É verdade, meu tio, que um ouvido um pouco delicado concluí-lo.
sofre furiosamente ao ouvir essas palavras; e os nomes
Polixcne, que minha prima escolheu, e Aminthe7, que eu GORGTBUS
me dei, têm uma graça que o senhor não pode negar.
(á parte) Não há a menor dúvida, elas estão com-
pletamentc doidas. (Em voz alia) Repito: não entendo
GORGIBUS nada dessas frioleiras; quero ser o senhor absoluto, e
para cortar esses discursos vou lhes dizer: ou voeês se
Ouçam: só há uma única palavra· que serve. Não casam logo ou, palavra de honra, as duas vão para o
enlra na minha caheça que vocês tenham outros nomes convcnto, isso eu prometo.
além dos que seus padrinhos e madrinhas lhes deram;
e quanto aos scnhores de qucm estamos tratando,conheço
a família deles e seus bens, e quero decididamente que
! vocês se disponham a aceitá-los como maridos. Já estou
cansado de carregá-Ias no colo, e para um homem da
r minha idade a guarda de duas jovens pesa um pouco.
7 Pulixl'ne e Aminthe siio nomes inspirados lia lileralllra contem- M Moliát' I'oltarrí a se ocupar do recaIO afetado das preciosas
l'0r/últ'!I til' Molii;re. eln Escola de mulheres, cella 3.
18 29
CENA CINCO CENA SEIS
CATHOS MAROTTE
Céus, minha cara, como seu pai tcm a cabeça tomada' Lá fora tem um criado perguntando se as senhoras
pelas coisas materiais' Que inteligência espessa e que estão em casa e diz que seu amo quer vir aqui para
alm:! sombri:!1 vê-las.
MAGDELON MAGDELON
o que você quer, minha cara? Estou confusa por Aprenda. sua tola, a se expressar com menos vul-
causa dcle. Custo a me convencer de que possa ser garidade. Diga: Está lá fora um necessário perguntando
verdadeiramente sua filha, e acho que algum dia uma se as senhoritas estão em comodidade de scr vistas.
,Ivenlura qualquer ir{1me revelar 11mnascimento mais
ilustre.
MAROTTE
31
MAROTIE CATHOS
Ele me disse que seu nome é marquês de Mascarille. Traga-nos o espelho, sua ignorante, e tome muito
cuidado para não sujar o vidro com a comunicação de
sua imagem.
MAGDELON
CATHOS
MAGDELON
MAROTTE
32 33
)
I
Heim'!
I
\
PRIMEIRO CARREGADOR
MASCARJLLE
PRIMEIRO CARREGADOR
SEGUNDO CARREGADOR
(pegando um dos varais da cadeira) Vamos! Pa-
Então por favor nos pague, senhor. gue-nos logo .
.14
35
MASCARILLE MASCARJLLE
MASCARILLE
Esse é razoável.
PRIMEIRO CARREGADOR
~-- MASCARILLE
r
I Assim está bem: você fala como deve ser; mas o
outro é um patife que não sabe o que diz. Tome. Está
t satisfeito'!
f
I
PRIMEIRO CARREGADOR
\I
CENA OITO CENA NOVE
MAROTTE MASCARILLE
Senhor, minhas senhoras não vão demorar. (depois de cumprimentar) As senhoras com certeza
estiio surpresas com a audácia de minha visita; mas sua
reputação lhes ocasiona essa situação desagradável, e o
MASCARILLE mérito tem para miril cncantos tiio poderosos que eu
corro até onde for preciso para encontrá-lo.
Elas não devem absolutamente se apressar; estou
esperando muito bem acomodado.
MAGDELON
MAROTTE Se o senhor persegue apenas o mérito, não é em
nossas terras que deve caçar.
Chegaram.
CATHOS
MASCARILLE
\
.í
39
..i
•
,
MAGDELON
MASCARILLE
A complacência conduz um pouco longe demais
a liberalidade dos seus louvores, e nós não temos ne- Algum roubo de meu coração, algum assassinato
nhuma intenção, minha prima e eu, de considerar um de minha liberdade. Vejo aqui olhos com expressão de
alimento sério essa doce lisonja. gente muito esperta, de ladrões da liberdade, de carrascos
da a:ma. Como, diabo, logo que nos aproximamos, eles
se poem em guarda mortal? Ah!, palavra de honra, des-
CATHOS I confio deles e vou evitá-los, ou então quero uma garantia
Minha cara, seria preciso que trouxessem cadeiras. segura de que eles não me farão nenhum mal.
MAGDELON MAGDELON
ALMANZOR CATHOS
,
l- Scnhora.
I
I Como o Amilcar do romance."
\:
MAGDELON
MASCARlLLE
. '1
Mas pelo menos há segurança para mim aqUi. 9 Personagem ele Clélic. Cartagin;;,r jnl'ia! e g{l/(llIlt'.
40 41
CATHOS MASCARlLLE
Mas por favor, senhor, não seja (nexorável com A cidade está um pouco lamacenta; mas sempre
essa pollrona que lhe estende os braços há um quarto há as liteiras.
de hora; satisfaça um pouco seu desejo de abraçá-lo.
MAGDELON
MASCARILLE
Na verdade a liteira é um entrincheiramento móvel
(depois de se pentear e de ajeitar () babado dos maravilhoso contra os ataques da lama e do mau tempo.
calçr7e.\) Então, senhoras, o que estão achando de Paris?
MASCARILLE
MAGDELON
. Recebem muitas visitas? Que homem de espírito
Ai de nós! O que poderíamos dizer? Seria preciso pnva com as senhoras?
ser o antípoda da razão para não confessar que Paris é
o grande cenáculo de maravilhas, o centro do bom gosto,
do espírito fino e da galanteria. MAGDELON
CATHOS
CATHOS
E outros que nos foram recomendados como árbitros
É uma verdade incontestável. oberanos das coisas do espírito.
42 43
\
I;(
44
45
__ ' _o. ~_
MASCARILLE
MASCARILLE
Os Retratos são difíeeis de escrever e exigem um
espírito profundo: as senhoras ~erão alguns dos que eom- Prometo dar um a eada uma das senhoras, e dos
pus; eles não lhes desagradarao. que estiverem com melhor encadernação. Apesar de isso
não fazer jus à minha condição, concordo com a pu-
blicação para dar uma renda aos livreiros, que ficam
CATHOS me perseguindo.
MASCARILLE CATHOS
Esse é o meu talento particular, e .presentemente O improviso é justamellle a pedra de toque do espírilo.
estou pondo em Madrigais toda a históna romana.
MASCARILLE
MAGDELON Então escutem.
MASCARILLE
MAGDELON
Oh! Oh! Eu lUla cuidei de me acautelar;
Sim, acho esse "Oh! Oh!" admirável.
Enquanto a mirava, sem com o mal sonhar,
A sorrel/á seu olhar me mlllJolI () coraçüo.,
Pega leI/irão!Pegaladrüo! Pega ladrão! Pega ladrão!
MASCARILLE
,
i
i
MASCARILLE
r MAGDELON
49
MASCARILLE Pega ladrão!" As senhoras não ficam imaginando um
homem que grita e corre atrás de um ladrão para que
Mas as senhoras também não admiram isto: "Eu o prendam: "Pega ladrão! Pega ladrão! Pega ladrão!
não cuidei de me acautelar"? "Eu não cuidei de me Pega ladrão!"?
acautelar"! Eu não cheguei a me aperceber da coisa, é
um modo natural de falar, "Eu não cuidei de me acau-
telar". "Enquanto a fitava", quer dizer, me entretinha MAGDELON
em sua contemplação, a observava, mirava-a com aten-
ção, "sem com o mal sonhar'::. inoc~~,temente, sem É preciso admitir que é uma reviravolta inteligente
malícia, como um pobre cordemnho, A sorrelf~ s:u e galante.
olhar. .." O que as senhoras acham dessa expressa0 à
sorrelfa"? Não foi bem escolhida?
MASCARILLE
CATHOS
Vou lhes recitar a ária que escrevi para esses
Primorosamente. versos.
MASCARILLE
CATHOS
À sorrelfa! Às escondidas; parece um gDto que aca-
o senhor estudou musica?
bou de pegar um rato. À sO'Te1fa!
MAGDELON MASCARILLE
MASCARILLE
CATHOS
"Me roubou o coração", levou meu coração, arre-
batou-o de mim. "Pega ladrão! Pega ladrão! Pega ladrão! E então como é possível uma coisa dessas?
51
MASCARILLE
MASCARILLE
As pessoas de qualidade sabem tudo sem jamais As senhoras não acham que o canto expressa bem
ter aprendido nada. o pensamento? "Pega ladrão! ...••E depois, como se gri-
tassem bem alto: "Pe, pe, pe, pega ladrão!" E de uma
vez só, como alguém que perde o fôlego, "Pega ladrão!"
MAGDELON
MAGDELON
MAGDELON
A natureza o tratou como mãe apaixonada, e o
o ouvido logo percebe a cromática 10 senhor é seu filho dileto.
CATHOS MAGDELON
Em nada. Não precisa dizer mais nada. Paris é um lugar ad-
mirável. Aqui acontece diariamente uma centena de
MAGDELON coisas que se ignoram nas províncias, por mais que se-
Jamos voltados para o espírito,
Até agora estamos num terrível jejum de diversões.
CATHOS
MASCARILLE
Ofereço-me para lev{l-];lS ao teatro qualquer dia Basta; agora que estamos instruídas, cumpriremos
destes, se as senhoras quiserem; vão representar lá uma com nosso dever de aclamar devidamente tudo o que
for dtlo.
peça nova e eu gostaria que a víssemos juntos.
MAGDELON MASCARILLE
Não há como reeusar. Não sei se me engano: mas a senhora têm todo o
jeito de já ter escrito alguma peça.
MASCARILLE
ss
MASCARILLE
MAGDELON
Boa pcrgunta' Aos grandes Comediantes12, Só eles
são capazes de fazer valer as coisas; os outros são ig- Furiosamente bem. É sem dúvida da Perdrioeon'3
e .
norantes que recitam como se fala; não sabem fazer
ressoar os versos nem parar nos pontos bonitos; e como
MASCARlLLE
saberemos onde há um ponto bonito se o ator não faz
uma pausa e com isso nos alerta de que precisamos O CJueacham da renda de meus calções?
comunicar à pessoa ao lado a nossa admiração?
MAGDELON
CATHOS
De absoluto bom-tom.
Com efeito, há sempre um modo de levar a platéia
a notar a beleza de um~1obra, e as coisas não valem
senão pelo que as fazemos valer. MASCARILLE
Perfeitamente.
;.1
IA, .,' MASCARrLLE
MASCARILLE
1 \
i '1 olfato~mpreste um pouco a eslas luvas a reflexão de seu
! ;, Escolhi bem a fita?
,,\ 56
57
MASCARlLLE
MAGDELON
Sabem que pago um luís de OUJO por cada uma
Elas têm um odor terrivelmente bom.
delas? Tenho essa mania de comprar tudo o que há de
mais belo.
CATHOS
MAGDELON
Jamais respirei um odor de tão fina mistura.
Asseguro-lhe que há simpatia entre nós: sou de
Ullla delicadeza furiosa com tudo o que uso; e, mesmo
MASCARILLE as meias só as tolero quando feitas por boas obreiras.
CATHOS
CENA DEZ
É preciso admitir que ele diz as coisas de um modo
particular.
MASCARILLE Quem?
pó.
", MAROTTE
.}
"
1
o viscondc de lodelet.
.~
"·1
i
<
MASCARILLE
I~
!~ o visconde de lodclet?
MAROTTE
Sim, senhor.
61
CENA ONZE
CATHOS
MAGDELON
Ah, visconde!
Faça-o entrar rápido.
JODELET
MASCARILLE
(abraçam-se) Ah, marquês!
ee~IOUmaravilhado
Não no~ vemo~ há algum tempo .
eom este encontro fortUito.
MASCARlLLE
Ei-\o.
I JODELET
\
q
.. Que alegria sinto vendo-o aqui!
MASCARILLE
\ª
MAGDELON
MAGDELON
.'
'omeçamo~ a ficar conheci- (dirigindo-se a Almanzor) Vamos, rapazinho, é pre-
(a Cnlhos) Meu .1n)O,c _
. '1 caminho para no~ ciso sempre repetir as coisas? Não vê que é necessário
das: () mundo requmtado poe-se • o acréscimo de uma poltrona?
ver.
MASCARlLLE
MASCARILLE
. \l . apre~ente este cava- Não se impressionem com o aspecto do visconde;
Senhoras, permitam ~ll~e .'e~ que' ele é digno de ele acabou de sair de uma doença que deixou seu rosto
Iheiro. Dou-lhes mmha p.1 .lVr.1ce pálido como as senhoras vêem.14
que as senhoras o conheçam.
JODELET
JODELET
São os frutos das vigílias da Corte e da~ fadigas
'. . . . es o ue lhes devemos, e os atra- da Guerra.
t, Justo lendel-lh. q . lin:itos senhoriais sobre
livos das senhoras cobran, seus l . .,
todos os tipos de pe~soas. MASCARILLE
As senhoras sabem que esse visconde que aqui
MAGDELON está é um dos homens mais intrépidos do nosso século?
É um bravo a toda prova.
. . ' .... civilidades até os últimos con-
Isso c lOonduzlI SUtiS
I'ins do li~on.ieiro. .
JODELET
65
MASCARILLE
MASCARILLE
É verdade. já nos vimos em algumas ocasiões. É o que me faz querer abandonar a espada.
CATHOS
JODELET
Por mim, tenho uma simpatia furiosa pelos homens
E em lugares onde fazia muito calor.
d e espada.
MASCARILLE
MAGDELON
(o/hando para as duas) Sim, mas não tanto quanto
aqui. Ai! Ai! Ai' Eu também os estimo; mas quero que o espírito
tempere a bravura.
JODELET
Nosso conhecimento se fez no exército, e a primeira MASCARILLE
vez em que nos vimos, ele comandava um regimento
da Cavalaria nas galés de Malta. . ~~Cê se lembra, visconde, daquela fortificação em
meIa- U,\ que tomamos ao inimigo no cerco de Arras?
MASCARILLE
JODELET
MASCARILLE
(descobrindo o peito) Eis uma bala que me atra-
Acho que você tem razão. vessou de um lado a outro no ataque de Gravelines.
JODELET MASCARILLE
Por certo que me lembro, earamba: fui ferido na Ih (pondo a müo no botüo (/e seu.I· calções) Quero
perna com um tiro de granada do qual ainda trago a e mostrar uma ferida furiosa.
cicatriz. Pegue aqui, por favor; a senhora vai sentir
alguma coisa: aí.
MAGDELON
CATHOS
. N~o é necessário; acreditamos no senhor sem pre-
(depois de apalpar o hlRar) É verdade, a cicatriz cisar vc-Ia.
é grande.
MASCARILLE
MASCARILLE
Dê-me um pouco sua mão e veja isso; aqui, logo nós. São marcas honrosas que revelam quem somos
abaixo da nuca. Achou?
CATHOS
MAGDELON
Não duvidamos nem um pouco do que os senhores
Sim, estou sentindo alguma coisa. são.
MASCARILLE MASCARILLE
Foi uma bala de mosquete recebida na última cam- Visconde, sua carruagem está .lá fora?
panha cm que lutei.
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MASCARILLE
JODELET
Êi! Champagne, Picard, Bourguignon, Cascaret,
Por quê? Basque, la Verdure, Lorrain, Provençal, Ia Violettel Que
todos os serviçais vão para o diabo! Acho que na França
inteira não deve haver nenhum cavalheiro tão mal servido
MASCARILLE quanto eu. Esses canalhas sempre me deixam só.
poderíamoS levar essas jovens a passear nos arre-
dores da cidade e lhes daríamos um presente.
MAGDELON
MASCARILLE MASCARILLE
Então vamos chamar os violinistas e dançar. Viseonde, o que voeê diz desses olhos?
JODELET
JODELET
E você, marquês, o que acha deles?
Por Deus, é uma boa idéia.
MASCARILLE
MAGDELON
Digo que nossos sentimentos a custo sairão daqui
. n1as será necessário de calças limpas. Pelo menos no que me tange, recebo
Com isso nós consentimos;
estranhos abalos e meu coração está por um fio.
um acréscimo de companhia.
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CATHOS
CENA DOZE
Então vamos, minhas caras, tomem seus lugares.
MAGDELON
MAGDELON
Meu Deus' Minhas caras, pedimos-lhes perdão. Es-
ses senhores tiveram a fantasia de trazer música para Seu porte é elegantíssimo.
nos animar os pés, e nós mandamos diligenciá-Ias para
preencher os vazios de nosso grupo.
CATHOS
JODELET
ALMANZOR
(dançando em seguida) Êpa, não acelerem tanto
Sim. senhor, estão aqui, assim a cadência; estou saindo de uma doença.
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Os ilnteriores, DII Croisy, La Granfie, Mascarille Mascarille, lodelet, Cathos, Magdelon, etc,
LA GRANGE MAGDELON
(com 11mbasliío /1a miío) Ah! Ah! Patifes, o que O que significa isso?
vocês fazem aqui? Estamos à sua procura há três horas.
JODELET
MASCARlLLE
É uma aposta.
(sendo sl/rrado) Ai! Ai! Ai! O senhor não me disse
que haveria uma surra. '
CATHOS
JODELET
Como! Permitir que os espanquem dessa forma?
Ai! Ai! Ai!
LA GRANGE MASCARILLE
Só mesmo vocês, seus infames! Querendo se passar . Meu ~eus! Eu não quis deixar transparecer nada,
por homens importantes, pOIS sou Violento e me exaltaria.
DU CROISY
'MAGDELON
Espero que isso lhes tenha feito lembrar quem são
vocês. (Saem os dois.) Suportar uma afronta dessas na nossa presença?
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MASCARlLLE
CENA QUINZE
LA GRANGE
Ah, seus patifes, vocês não vão rir ~IS nossas custas,
isso eu prometo. E vocês aí, entrem. (Entram três ou
quatro espadaclzins)
MAGDELON
DU CROISY
MAGDELON
Seus lacaios?
79
7R
JODELET
LA GRANGE
Adeus nossa elegilllcial
Levem esses trapos, rápido. Agora, senhoras, do
jeito que eles estão, sintam-se à vontade se quiserem
MASCARILLE continuar seus ,amores. Vamos deixá-las em total liber-
dade para isso, e declaramos, este senhor e eu, que não
Era uma vez o marquesado e o viseondado. ficaremos nem um pouco eneiumados. (Saem ambos)
DU CROISY CATHOS
Ah ah patifes, vocês tiveram a audácia de concorr~r Ah, que confusão!
conosco~ S~ quiserem sc tornar atraentes para sedUZir
RI
l\O
CENA DEZESSEIS
MAGDELON
Os mesmos, Gorgihus
UM VIOLINISTA
• E agora.. ') Quem vai nos pagar?
(ao marques)
GORGlBUS
O VIOLINISTA \ MAGDELON
. h' ?
(a .Im/der) Qucm vai nos dar o dm elro. iI
Ah, meu pai, eles nos pregaram uma peça dolorosa.
JODELET GORGlBUS
Peçam ao senhor marquês. Sim, é uma peça dolorosa, mas que só aconteceu
por causa da impertinência de vocês, suas infames. Eles
fiearam sentidos com o tratamento que vocês lhes deram,
e entretanto, coitado de mim, eu tenho de suportar a
:lfronta.
MAGDELON
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.~ w_,,,,.·=ct.::~:.·_:::,-., ':.;- - -
I
'/
MASCARILLE
i CENA DEZESSETE
oi
. ~.? O mundo é assim!
'.I.
Tratar desse modo um m,lrqucs. , les que •
"
A menor desgraça e SOl .
'nos desprezados pOI aque
. \ . o V'IInoS procurar a
1 Gorgibus, Magdelon, Cathos, os violinistas
,
nos amavam. v ,lInos,.
compan 1elr,"
. .' prezam a va
- 1
l
\ 1°'11" veJo que aqlll so .
sorte em outro I co' , ., .. c\ inteiramente
• C"I
aparen \, e I'' -aodCloo
, menor valO! a Vlrtu e
nua. (Saem am!Jos,) UM VIOLINISTA
GORGIBUS
\'- I-.J\
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