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DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO

E DIREITO AMBIENTAL

RIGHT OF CONSTRUCTION, ASSURED RIGHT


AND ENVIRONMENTAL LAW

Osvaldo de Oliveira Coelho


Promotor de Justiça e mestre em Direitos Difusos e Coletivos
pela PUC-SP.

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RESUMO
O presente artigo tem por finalidade discutir a questão relativa ao direito de cons-
truir e ao direito adquirido em face de alterações legislativas e administrativas que
ampliem o âmbito de incidência e de proteção do meio ambiente. Parece-nos cor-
rente a confusão que se faz entre direito adquirido e expectativa de direito. Além
disso, há posições extremadas no sentido de que o direito ambiental prevalece so-
bre direito adquirido e vice-versa. Contudo, entendemos que é possível harmonizar
a aplicação do direito adquirido com o direito ambiental, distinguindo as hipóteses
em há uma expectativa de direito daquela em que há de fato um direito adquirido.

PALAVRAS-CHAVE
Direito de construir. Direito adquirido. Expectativa de direito. Direito ambiental.
Meio ambiente. Normas ambientais.

ABSTRACT
The present article has by meaning to discuss the question related to the right of
construction and to the assured rights in face of the legislation and administration
alterations amplify the incidence and protection of the environment. It seems right
the confusion made between the assured right and expectation of right. Besides that,
there are extremes positions in the sense that environmental rights go over assured
rights and vice-versa. Although, we understand it is possible to harmonize the
application of assured rights and environmental rights, distinguishing the possibilities
where there is a expectation of those where actually have a assured right.

KEYWORDS
Right of construction. Assured right. Expectation of right. Environmental right.
Environment. Environmental rules.

SUMÁRIO
Introdução – 1. Conceito de direito adquirido – 2. Direito de propriedade e
direito de construir – 2.1. Ausência de licença para construir – 2.2. Obra devida-
mente licenciada para a construção, mas que ainda não se iniciou – 2.3. Obra
devidamente licenciada em que já houve a construção – 3. Licença de constru-
ção e licença ambiental – 3.1. Licença de construção emitida em desconformi-
dade com normas ambientais – 3.2. Licença de construção e licença ambiental
devidamente emitidas, sem que fosse erigida a construção – 3.3. Licença de
construção e licença ambiental devidamente concedidas, tendo o proprietário
erigido a sua construção. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO
Tem sido frequente, nas ações judiciais em defesa do meio ambiente, a ale-
gação de direito adquirido de construir por parte do poluidor. Há duas posições:
uma que entende que sempre há um direito adquirido, como se o direito de cons-

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truir fosse inerente ao direito de propriedade; outra que afirma que não se pode
alegar direito adquirido em face de normas de proteção ao meio ambiente, por
se tratarem de normas de interesse público. Assim, há duas posições radicalmente
opostas, ora para sustentar a prevalência do direito adquirido, ora para sustentar a
prevalência do direito ao meio ambiente saudável.
De início é necessário lembrar que a proteção ao direito adquirido é prevista
no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adqui-
rido...”. No mesmo artigo, no inciso XXII, é previsto que “é garantido o direito de
propriedade;”. Ainda no citado artigo, no inciso XXIII, também há a previsão de que
“a propriedade atenderá a sua função social;”.
De igual forma, a proteção ao meio ambiente também é prevista na Consti-
tuição Federal, no art. 225 e seus parágrafos. Diz o caput do citado artigo que: “To-
dos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à co-
letividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Assim, é possível harmonizar tais normas, a fim de que uma não prevaleça
incondicionalmente sobre as outras. Contudo, para se chegar a essa conclusão, é
necessário ter em mente o correto conceito de direito adquirido. Além disso, não
poderão ser deixados de lado, no que tange à interpretação das normas infralegais,
os textos constitucionais relativos à função social da propriedade e à obrigação co-
letiva de preservação do meio ambiente.

1. CONCEITO DE DIREITO ADQUIRIDO


Embora aparentemente fácil, o conceito de direito adquirido tem gerado
muitas dúvidas diante de casos concretos. Tal conceito nos é dado pelo § 2.º do art.
6.º da Lei de Introdução ao Código Civil:
Art. 6º. A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
(...)
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém
por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo
pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Não é demais nos socorrermos do conceito de Caio Mário da Silva Pereira:


(...) direito adquirido, ‘in genere’, abrange os direitos que o seu titular ou
alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício te-
nha termo prefixado ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de
outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu
titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de
um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição
inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retro-

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atividade. (in Instituições de direito civil,21. ed., v. I, Ed. Forense, Rio de


Janeiro, 2006, p. 159)1.

A grande questão que se coloca é o fato de o exercício do direito ter ingres-


sado no patrimônio do seu titular, não podendo ser alterado ao arbítrio de outrem.
Portanto, o direito pode até não ter sido exercido pelo seu titular, mas ele somente
configurará um direito adquirido se ingressar no patrimônio desta pessoa, tornando-
-se inalterável pela vontade alheia.
Evidentemente, não se exige o efetivo exercício deste direito, pois ele é ape-
nas exercitável. É notório que todo direito tem possibilidade de ser exercido (direito
subjetivo). Mas isso é insuficiente para lhe atribuir a qualidade de direito adquirido.
É necessário que o exercício, ou a potencialidade de exercê-lo, esteja incorporado
ao patrimônio do seu titular e não possa ser alterado posteriormente.
O exemplo clássico de direito adquirido é o da aposentadoria. Quando o ti-
tular preenche todos os requisitos legais para se aposentar, diz-se que ele tem direito
adquirido. Este direito já integrou o patrimônio do titular, embora ele ainda não te-
nha solicitado formalmente a sua aposentadoria, por questões pessoais. Este direito
não poderá ser alterado posteriormente, seja por lei ou por vontade de terceiros. O
advento de uma nova lei, alterando os requisitos para a aposentadoria não é óbice
para que o titular possa requerer, a qualquer tempo, o seu merecido descanso remu-
nerado, desde que tenha preenchido todas as exigências da lei anterior.
Contudo, não é demais lembrarmos que se esse direito não se incorporar ao
patrimônio ou puder ser alterado ao arbítrio de outrem, não estaremos diante de um
direito adquirido, mas de uma mera expectativa de direito.
É de se lembrar a lição de Maria Helena Diniz (2007, p. 194-5)sobre o tema:
Neste mesmo sentido, Agostinho Alvim define o direito adquirido como a
‘consequência de um ato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em

1. Citando o conceito de Francesco Gabba, retirado de seu livro Teoria della Retroattività delle
Leggi, o mesmo Caio Mário da Silva Pereira afirma que:
“Na definição de Gabba, é adquirido um direito que é consequência de um fato idôneo a
produzi-lo em virtude da lei vigente ao tempo em que se efetuou, embora a ocasião de fazê-
-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação da lei nova, e que, sob o império da lei
então vigente, integrou-se imediatamente no patrimônio do seu titular.
Da análise da definição de Gabba resulta:
A) Como todo direito se origina de um fato – ex facto ius oritur –, é preciso que o fato gerador
do direito adquirido tenha decorrido por inteiro. Se se trata de um fato simples, é facílimo
precisá-lo; mas se é um fato complexo, necessário será apurar se todos os elementos cons-
titutivos já se acham realizados, na pendência da lei que é contemporâneo.
B) Não se confunde com direito adquirido o direito totalmente consumado, pois que este
já produziu todos os seus efeitos, enquanto que o direito adquirido continua tal, muito
embora venha a gerar consequências posteriormente ao tempo em que tem eficácia a lei
modificadora.
C) Para que se tenha como adquirido, é mister, ainda, a sua integração no patrimônio do
sujeito”(obra citada, p.149).

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que esse fato foi realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tivesse
apresentado antes da existência de uma lei nova sobre o mesmo, e que, nos
termos da lei sob o império da qual se deu o fato de que se originou, tenha
entrado imediatamente para o patrimônio de quem o adquiriu. Manuel A.
Domingues de Andrade esclarece-nos que o patrimônio vem a ser o conjunto
das relações jurídicas (direitos e obrigações), efetivamente constituídas, como
valor econômico, da atividade de uma pessoa física ou jurídica de direito
privado ou de direito público. Portanto, o que não pode ser atingido pelo
império da lei nova é apenas o direito adquirido e jamais o direito ‘in fieri’ ou
em potência, a ‘spes juris’ ou simples expectativa de direito, visto que ‘não se
pode admitir direito adquirido a adquirir um direito’. Realmente, expectativa
de direito é a mera possibilidade ou esperança de adquirir um direito, por es-
tar na dependência de um requisito legal ou de um fato aquisitivo específico.
O direito adquirido já se integrou ao patrimônio, enquanto a expectativa de
direito dependerá de acontecimento futuro para poder constituir um direito”
(in Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, 12. ed., Ed. Sarai-
va, São Paulo, 2007, p. 194-5).

Segundo a lição de Caio Mário da Silva Pereira:


As expectativas de direito, isto é, aquelas situações ou relações aderentes ao
indivíduo, provenientes de fato aquisitivo incompleto, e por isso mesmo não
integradas em definitivo no seu patrimônio, são atingidas sem retroatividade
pela lei nova, que passa a discipliná-las desde o momento em que começa a
vigorar (obra citada, p. 150).

Assim, na expectativa de direito o titular não preenche todos os requisitos


previstos em lei para poder exercer o direito. Há uma justa expectativa de que um
dia venha a preencher todos os requisitos exigidos para a aquisição definitiva do
direito. Dessa maneira, o direito ainda não integrou seu patrimônio, podendo ele ser
surpreendido por um fato novo, qual seja, a vigência de uma nova lei.
No exemplo acima proposto, se o sujeito não completou a idade necessária
para a aposentadoria, embora os demais requisitos tenham sido atendidos, tem ele
apenas uma expectativa de direito para se aposentar. Se houver uma lei posterior
alterando um ou alguns dos requisitos, o sujeito deverá adequar-se às novas exigên-
cias, para somente após poder se aposentar.
Porém, não é tão fácil fazer esta diferenciação no que tange ao chamado
direito de construir.

2. DIREITO DE PROPRIEDADE E DIREITO DE CONSTRUIR


Para se falar em direito de construir, é necessário socorrermos do conceito de
propriedade. De acordo com Sílvio de Salvo Venosa:
o direito de propriedade é o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa.
Esta fica submetida à senhoria do titular do dominus, do proprietário, em-
pregando-se esses termos sem maior preocupação semântica. Traduz-se na

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disposição do art. 524 do Código de 1916: ‘A lei assegura ao proprietário o


direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem
injustamente os possua’ (in Direito Civil, v. V - Direitos Reais, 10. ed., Ed. Atlas,
São Paulo, 2010, p. 176).

Diz o atual Código Civil no art. 1.228:


O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito
de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha2.
§1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de con-
formidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.
§2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade,
ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

No que tange ao direito de construir, estabelece o art. 1.299 do Código Civil


que: “O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver,
salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”.
Parece-nos nítido que o direito de construir está inserido na faculdade de usar o
bem por parte do proprietário. A compra de um terreno, seja um lote ou um sítio, não
implica necessariamente a intenção de construir. Aliás, a intenção que levou a pessoa
a adquirir a propriedade é indiferente: pode ser para construir, criar uma reserva eco-
lógica, obter lucro com venda posterior, acréscimo de patrimônio etc. É de se ressaltar
que é até recomendável que o adquirente de um imóvel dê a ele uma finalidade social,
construindo adequadamente no local. Isso porque se deve evitar a mera especulação
imobiliária para se respeitar a função social da propriedade. Assim, a Constituição Fe-
deral determina ao Poder Público que exija do proprietário de imóvel não edificado o
adequado aproveitamento do bem, sob pena de parcelamento do solo ou de edificação
compulsórios, além da determinação de imposto progressivo e de desapropriação (art.
182, §4º, I a III, da CF). Mas isso não implica dizer que há obrigatoriedade em construir.
A edificação compulsória prevista na Constituição Federal tem por fim preservar a fun-
ção social da propriedade e, somente neste caso, pode ser exigida.
Portanto, o direito de construir nada mais é do que uma faculdade do proprie-
tário, com a finalidade de dar um aproveitamento adequado ao imóvel, de acordo com

2. Como adverte Sílvio de Salvo Venosa:


“O Código preferiu descrever de forma analítica os poderes do proprietário (ius utendi,
fruendi, abutendi) a definir a propriedade. A síntese dessas faculdades presentes na senhoria
sobre a coisa fornece seu sentido global. Se vistas isoladamente essa descrição legal, sem
dúvida que se concluiria por um direito absoluto. No próprio Código Civil, estão presentes
limitações a tais poderes que ali esbarram nos direitos de vizinhança, com amplitude maior
ainda no presente Código do que em outras leis esparsas. Já se falou de limitações de outra
natureza presentes em normas de direito público. Nunca se deve esquecer o sentido social
da propriedade, traduzido na Constituição” (obra citada, p.177-8).

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sua função social. Para isso, a lei cria mecanismos para atingir esse fim, para evitar
abusos por parte do dominus, conforme o citado art. 182, §4º, da Constituição Federal.
Sendo uma faculdade, estará sujeita às mudanças legislativas posteriores,
não podendo se falar em retroatividade. Neste sentido, há que se lembrar da lição
de Caio Mário da Silva Pereira:
A faculdade legal traduz um poder concedido ao indivíduo pela lei, do qual
ele não fez ainda nenhum uso.
Igualmente são reguladas pela lei moderna as faculdades legais, que haviam
sido instituídas pela lei morta, mas de que não havia o indivíduo feito uso,
embora estivesse ao seu alcance (obra citada, p. 149-150).

Portanto, o direito de construir constitui-se em uma faculdade, podendo ser


exercitável ou não. Porém, há que se indagar: esse direito integra o patrimônio de
seu proprietário? Esse direito pode ser alterado posteriormente ao arbítrio de outrem?
Para se responder a estas questões é preciso diferenciar três hipóteses:
a) o proprietário adquiriu o imóvel e não edificou e tampouco obteve qual-
quer licença para construir no local;
b) o proprietário adquiriu o bem e obteve a licença para construir, embora
ainda não tenha construído;
c) o proprietário obteve a devida licença para construir e construiu.

2.1. Ausência de licença para construir


Aqueles que entendem que o direito de construir é um direito adquirido
apegam-se ao fato de que a compra do imóvel implica necessariamente tal direito.
Logo, o direito de construir integraria o patrimônio do proprietário e posteriores mu-
danças, sejam administrativas ou legislativas, não poderiam afetar tal direito, eis que
já é considerado adquirido com a simples aquisição da propriedade.
Contudo, não nos parece correto tal raciocínio. Entender que o direito de
construir é um direito adquirido é o mesmo que dizer que o direito de construir é
um elemento nato à propriedade. Seria, então, um direito inerente à aquisição da
propriedade. Ora, tal raciocínio parece-nos equivocado. Primeiro, porque, como já
foi dito, o direito de construir não é inerente à propriedade. O direito de construir
nada mais é do que uma das facetas do poder de usar a coisa (ius utendi). Não é um
elemento imprescindível à aquisição da propriedade, pois qualquer pessoa pode
adquirir um imóvel com restrições legais ou administrativas, inclusive impedimento
para construção, com o fim de preservar a natureza, por exemplo– o altruísmo não
é vedado por lei. O direito de construir também não é imprescindível ao direito de
usar da coisa, vez que o proprietário poderá usar o seu bem sem que faça qualquer
construção no local. Por exemplo, um sítio utilizado para plantio ou um lote vizinho
utilizado como bosque por seu proprietário lindeiro.
Além disso, como já ressaltado acima, o direito de construir é uma faculdade
legal, conforme conceituado por Caio Mário da Silva Pereira, e está condiciona-

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do à função social da propriedade. O direito de construir tanto não é absoluto ou


inerente ao uso da propriedade, que o legislador impõe diversas restrições legais
e administrativas para o seu exercício. O próprio Código Civil proíbe e restringe
construções que possam causar danos ao vizinho (direito de vizinhança) ou ao meio
ambiente. Além disso, as posturas municipais também podem impor condições para
o exercício do direito de construir. Ademais, até mesmo normas contratuais poderão
restringir tal direito. Como afirma Sílvio de Salvo Venosa:
As construções devem seguir o gabarito determinado pela Administração, bem
como recuo e alinhamento com relação às vias públicas, utilização de área máxi-
ma de edificação em cada zona etc.(...). No Código Civil, encontra-se o mínimo
de limitações no direito de construir a serem obedecidas no que não contrariarem
o direito edilício administrativo. Veja, por exemplo, na norma do art. 1.300, que
proíbe que o proprietário construa de molde a despejar águas diretamente sobre
o prédio vizinho. O regulamento administrativo ou do loteamento pode exigir
outros requisitos no tocante ao despejo de águas (obra citada, p. 324).

Portanto, é cediço que a faculdade legal de construir é limitada, havendo a


necessidade, para o seu exercício, de expressa autorização administrativa dos ór-
gãos competentes, a fim de se verificar se a construção pretendida preenche os
requisitos previstos nas posturas municipais e demais normas legais.
Pois bem, se o proprietário nem sequer obteve a licença administrativa para
a construção, como é possível falar em direito adquirido? Tanto isso é verdade que,
sem a devida licença, o proprietário não poderá construir. Se não houver licença, a
Administração Pública deverá utilizar-se de seu poder de polícia, podendo inclusive
demolir as construções erigidas irregularmente.
É interessante notar que, para se obter a licença administrativa para construir,
o proprietário deverá preencher os requisitos da época em que provocou a Admi-
nistração Pública Municipal. Quanto a esse fato, ninguém contesta. Suponha-se que
na época da aquisição da propriedade as normas legais ou administrativas edilícias
exigiam os requisitos “a” e “b”. Alguns anos depois, tais normas passaram a exigir
também os requisitos “c” e “d”, o que prevalece até hoje. Contudo, atualmente o
proprietário ingressa com pedido administrativo para poder construir na sua proprie-
dade. Ora, não poderá ele alegar que deveria apenas preencher os requisitos “a” e
“b” porque estes eram os exigidos na época da aquisição do imóvel. Logo, não tem
ele direito adquirido, o que nos parece até óbvio.
Assim, se o proprietário não tem direito adquirido para preencher determi-
nados requisitos exigidos por posturas municipais, aplicando-se a lei da época do
pedido administrativo de licença para construção, como é possível falar-se em di-
reito adquirido em face de normas ambientais? Sendo aplicadas as normas edilícias
atuais, como é possível afirmar que o proprietário tem direito adquirido de construir
de acordo com a norma ambiental da época da aquisição do imóvel? Essas questões
parecem-nos barreiras intransponíveis para aqueles que alegam o suposto direito
adquirido do proprietário na hipótese ora analisada.

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Portanto, parece-nos claro que o proprietário não tem direito adquirido de


construir pela simples aquisição da propriedade. Pouco importa a época da aquisi-
ção do imóvel. Se o proprietário pretender nele construir, deverá obedecer as nor-
mas administrativas, as normas edilícias e as normas ambientais vigentes à época do
pedido de licença.
Portanto, a aquisição da propriedade gera apenas uma faculdade legal (direito
de construir), podendo ser alterado por qualquer legislação posterior, ficando sujeita aos
ditames da nova norma que entrou em vigor, sem que se possa falar em retroatividade.

2.2. Obra devidamente licenciada para a construção,


mas que ainda não se iniciou
É de notar que nós utilizamos a expressão autorização como sinônimo de
licença para construir. Entendemos que – quando a Municipalidade expede um
alvará de construção – nada mais está fazendo do que emitindo uma autorização
para alguém construir.
Assim, utilizando-se do conceito de Hely Lopes Meirelles, autorização é:
um ato administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público
torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou uti-
lização de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou
predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Admi-
nistração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma, o trânsito
por determinados locais etc. (in Direito administrativo brasileiro, 28. ed., Ed.
Malheiros, São Paulo, 2003, p. 183).

Contudo, é importante frisar que a quase totalidade dos administrativistas,


tais como Hely Lopes Meirelles, Maria Sylvia Zanella di Pietro e José Cretella Júnior,
faz a diferenciação entre autorização e licença.
Assim, segundo o próprio Hely Lopes Meirelles:
Licença é o ato administrativo vinculado e definitivo pelo qual o Poder Públi-
co, verificando que o interessado atendeu a todas as exigências legais, faculta-
-lhe o desempenho de atividades ou a realização de fatos materiais, antes
vedados ao particular, como p. ex. o exercício de uma profissão, a construção
de um edifício em terreno próprio. A licença resulta de um direito subjetivo
do interessado, razão pela qual a Administração não pode negá-la quando o
requerente satisfaz todos os requisitos legais para sua obtenção, e, uma vez
expedida, traz a presunção de definitividade. Sua invalidação só pode ocorrer
por ilegalidade na expedição do alvará, por descumprimento do titular na
execução da atividade ou por interesse público superveniente, caso em que
se impõe a correspondente indenização. A licença não se confunde com a au-
torização, nem com a admissão, nem com a permissão (obra citada, p. 183).

Em que pese o quilate dos nobres administrativistas, ousamos divergir. Parece-


-nos que a licença para construção é um ato administrativo discricionário. Ainda que
possa ter elementos vinculativos, na sua essência trata-se de ato discricionário, pois

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é possível ao administrador público fazer um juízo de oportunidade e conveniência


no ato. É lógico que a Administração Pública deverá justificar os motivos pelos quais
adotou aquela opção, seja deferindo ou indeferindo o alvará. Também é lógico que
deverá ser escolhida uma opção que esteja de acordo com a lei, uma vez que do con-
trário haverá um ato administrativo arbitrário. Por fim, e não menos importante, é de
se ressalvar que eventuais abusos poderão ser corrigidos por meio do Poder Judiciário.
Assim, é evidente que o proprietário do imóvel deverá preencher os requisitos
referentes às posturas municipais para a obtenção do alvará. Mas daí não surge para
ele um direito líquido e certo à obtenção da licença. Primeiro, porque a construção
também deverá observar outras normas, como, por exemplo, as normas de direito
ambiental. Segundo, porque ainda que o proprietário preencha os requisitos referentes
às posturas municipais, há inegavelmente margem de discricionariedade por parte da
Administração Pública para a aprovação do projeto. Isso porque a Constituição Fede-
ral estabelece que deverá ser observada a função social da propriedade. Então, ima-
gine uma construção que atenda a todos os requisitos da lei municipal, mas que não
atenda ao interesse social daquela localidade. Um exemplo prático: certa indústria
deseja instalar-se em um município pequeno considerado estância turística. Suponha-
-se que a lei municipal não vede tal fato, pois não poderia fazê-lo. A Municipalidade,
de forma justificada, expondo os motivos que a levaram a tomar tal atitude, poderia in-
deferir o alvará de construção sob o argumento de que não há interesse público local
na instalação de tal empresa. Então, como é possível dizer que a licença é sempre um
ato administrativo vinculado? Ainda que a conduta da Municipalidade seja contestada
judicialmente, deverão ser analisados os motivos (mérito) e a legalidade do ato, o que
é característico dos atos administrativos discricionários.
Assim, entendemos que o preenchimento dos requisitos exigidos nas postu-
ras municipais, por si só, não gera direito subjetivo à obtenção do alvará de cons-
trução, eis que também deverão ser observadas normas de direito ambiental e de
direito urbanístico, além do que a construção deverá atender à função social da
propriedade, havendo uma margem de escolha, dentro dos ditames legais, por parte
da Administração Pública.
Entendemos, também, que não é possível dizer que a licença para constru-
ção é definitiva. A licença de construção é por tempo determinado, que em regra é
estipulada em dez anos. Aliás, parece-nos que a licença é um ato precário, embora
o indivíduo tenha preenchido todos os requisitos exigidos para a sua obtenção.
Além disso, os próprios administrativistas de escol antes citados não negam a
possibilidade de revogação da licença pela Administração Pública. É de se lembrar, se-
gundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, que: “Revogação é o ato administrativo discricio-
nário pelo qual a Administração extingue um ato válido, por razões de oportunidade e
conveniência” (in Direito administrativo, 10. ed., Ed. Atlas, São Paulo, 1999, p. 205).
Aqui cabe um parênteses. Na revogação não se questiona a legalidade do
ato, constituindo-se em uma decisão em que se aprecia a oportunidade e a conveni-
ência do ato administrativo, o que é típico dos atos precários.

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Então, os autores de Direito Administrativo entendem, em regra, que não é


cabível a revogação de um ato vinculado: se o ato vinculado é apenas o preenchi-
mento dos requisitos legais, gerando um direito subjetivo, a Administração Pública
não pode revogá-lo.
Contudo, os citados administrativistas, como Maria Sylvia Z. di Pietro, afir-
mam: “nos casos em que a lei preveja impropriamente a revogação de ato vincula-
do, como ocorre na licença para construir, o que existe é uma verdadeira desapro-
priação de direito, a ser indenizada na forma da lei” (obra citada, p. 205).
Assim, em síntese, embora entendam que a licença seja um ato vinculado,
admitem os referidos autores que tal ato possa ser revogado administrativamente,
com a ressalva de que é cabível indenização.
Então, alguém poderia imaginar que a licença, como é indenizável, uma vez
concedida, passa a integrar o patrimônio do interessado. Tanto isso seria verdade
que o Estatuto da Cidade, em seu art. 35, permite a transferência do direito de cons-
truir por meio de alienação.
Em primeiro lugar, o art. 35 do Estatuto da Cidade é de constitucionalidade
duvidosa e inaplicável a situações concretas. Não obstante isso, a citada alienação
somente poderá gerar efeitos entre particulares, não vinculando a Administração
Municipal que deverá analisar novamente se estão presentes os requisitos para a
concessão da licença de construção. Assim, o simples fato de alguém adquirir uma
licença de construir de terceiro, não gera, por si só, o direito adquirido de construir.
Deverá ele consultar a Municipalidade para saber quanto à validade de tal licença e
a sua adequação ao novo local em que irá exercer tal direito. Então, embora aliená-
vel esse direito de construir, poderia a Municipalidade revogá-lo? Parece-nos óbvio
que sim. Então, na prática a citada transferência de direito de construir prevista no
Estatuto da Cidade terá apenas um único objetivo: tumultuar e gerar novos litígios3.
Não obstante isso, também se poderia argumentar que a licença, sendo um
ato vinculado, passou a integrar o patrimônio do proprietário. Tanto é que sua revo-
gação é passível de indenização.
Em primeiro lugar, é de se ressaltar que o simples fato de ser indenizável não
caracteriza a constituição de um patrimônio. Não é pelo fato de ser cabível eventual
indenização que o direito de construir passa a integrar o patrimônio do interessado.

3. Neste caso, há, na verdade, uma alienação de uma expectativa de direito, ou seja, da possibili-
dade de construção já licenciada no local. Não é pelo fato de o novo proprietário ter adquirido
a licença de terceiro que ele terá direito líquido e certo de fazer a construção. Se a licença não
integrava o patrimônio do antigo proprietário, com maior razão não integrará o patrimônio
do atual. Embora mensurável essa licença de construção, sendo passível de alienação, tal fato
não se constitui em patrimônio, tanto que não é passível de penhora, de ser objeto de herança
etc. Outro exemplo de venda de uma expectativa de direito ocorre na hipótese de alienação
de um bem imóvel em litígio, em que se questiona o domínio: o adquirente compra um risco,
podendo se tornar ou não o proprietário do bem; o imóvel só será incorporado ao patrimônio
do adquirente após sentença transitada em julgado que reconhecer o seu domínio.

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DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 73 

Os arts. 186 e 187 do Código Civil explicitam as hipóteses de obrigação de indenizar


o dano. Já a responsabilidade civil da pessoa de direito público é objetiva, prescindin-
do da culpa, conforme art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Assim, se a revogação
do ato pela Administração Pública gerar um dano para o proprietário do imóvel que
obteve a licença para construção, deverá a Municipalidade indenizá-lo, como de re-
gra deve fazer em qualquer outra hipótese. Exemplo: depois de obtida a licença, o
proprietário contrata mão de obra e compra materiais, sendo que, dias após, a Muni-
cipalidade revoga o alvará de construção. Os gastos realizados pelo proprietário de-
verão ser indenizados, não porque a licença integrava o seu patrimônio, mas porque
houve um prejuízo para ele e a responsabilidade da Administração Pública é objetiva.
É de se notar que, ao reverso, ao afirmarmos que a licença é um ato precário,
também não afastamos a possibilidade de a Administração Pública ter a obrigação
legal de ressarcir os danos provocados ao particular. Assim, pouco importa se o ato
é discricionário ou vinculado, definitivo ou precário, a obrigação de indenizar da
Administração Pública não nasce da natureza do ato administrativo em si, mas do
dano que este ato administrativo provocou a terceiros.
Ademais, não é toda revogação administrativa que gera o direito de indenizar.
Suponha-se que uma vez obtida a licença para construir e passados mais de nove anos
sem que o proprietário tenha sequer erigido qualquer construção no imóvel, a Prefei-
tura Municipal resolva revogar o alvará concedido. Então, neste caso, salvo alguma
peculiaridade do caso concreto, em regra, não será cabível indenização, por ausência
de prejuízo para o proprietário. O mesmo poderia ser dito no caso de a licença para
construção ser concedida em um dia e revogada no dia seguinte, sem que o proprietá-
rio tivesse tido qualquer gasto com contratação de mão de obra e compra de materiais.
Com isso, queremos dizer que a obrigação de indenizar em virtude da re-
vogação da licença ocorre não porque o alvará de construção passou a integrar o
patrimônio do interessado, mas porque o ato administrativo de revogação gerou um
dano a terceiro. E toda vez que a Administração Pública provocar dano a terceiro,
estará obrigada a ressarci-lo, independentemente de dolo ou de culpa, conforme
insculpido no art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
Assim, em suma, sustentamos que, ainda que se entenda que a licença é um ato
vinculado, o alvará de construção não integra o patrimônio do proprietário do imóvel.
Mas, ainda que se entendesse que a licença é um ato vinculado e que passa
a integrar o patrimônio do proprietário, tal fato não se constitui em direito adquirido.
Isso porque, como já visto, para se saber se há direito adquirido é preciso
responder a duas questões: esse direito integra o patrimônio de seu proprietário?
Esse direito pode ser alterado ao arbítrio de outrem? Para aqueles que entendem que
a licença é um ato exclusivamente vinculado e que integra o patrimônio do proprie-
tário, a resposta à primeira questão é sim.
Contudo, quanto à segunda demanda, a resposta é inegavelmente não.
Mesmo os administrativistas de escol já citados não negam a possibilidade de
revogação administrativa da licença. Logo, o direito de construir pode ser alterado
ao arbítrio de outrem.

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74  Osvaldo de Oliveira Coelho

Tanto não há direito adquirido que o proprietário não pode se opor à decisão
administrativa de revogação, salvo quanto à legalidade do ato. Sendo a revogação
um ato legal, leia-se não arbitrário, ao particular prejudicado caberá apenas exigir
uma indenização, se houver prejuízo.
Portanto, não está preenchido um dos requisitos para se admitir o direito ad-
quirido, eis que a licença pode ser alterada ao arbítrio de outrem. Se a revogação é
cabível, por uma questão lógica, igualmente a licença concedida não fica imune às
eventuais alterações legislativas posteriores em prol do interesse público.
Por fim, voltamos a frisar que no nosso sentir a licença para construir é uma
autorização administrativa. Contudo, com isso, não negamos a possibilidade de que
a revogação da autorização possa gerar a obrigação da Municipalidade de indenizar,
desde que tenha provocado prejuízo para o particular interessado, como já visto.
Assim, concluímos que o alvará de construção, uma vez emitido, gera ape-
nas uma expectativa de direito.

2.3. Obra devidamente licenciada em que já houve a construção


Pode acontecer que o proprietário tenha obtido uma licença para construir
e erigido a sua construção. Posteriormente, sobreveio uma alteração das normas
edilícias, exigindo novos requisitos para a concessão do alvará. Tem o proprietário
direito adquirido?
Parece-nos que a resposta é sim. Diferentemente da hipótese em que o pro-
prietário tem apenas uma licença para construir, no presente caso, ele realmente
erigiu a sua construção. Logo, há que se responder a duas questões anteriormente
propostas: esse direito integra o patrimônio de seu proprietário? É inegável que sim,
tanto que a construção erigida deve ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis,
fazendo parte do patrimônio de seu dono. Assim, por exemplo, os filhos têm direito
de herança sobre a casa erigida no local, caso o proprietário venha a falecer. É de
se observar que a simples emissão do alvará de construção não permite o direito de
herança, porque não se constitui em patrimônio.
Após, devemos responder à segunda questão: esse direito pode ser alterado
ao arbítrio de outrem? A resposta aqui também é não, pois não há mais uma licença
de construção, mas de fato uma construção autorizada, gerando para o proprietário
o direito adquirido de ver sua construção respeitada por leis edilícias futuras.

3. LICENÇA DE CONSTRUÇÃO E LICENÇA AMBIENTAL


É de se lembrar que, assim como na licença para construir, entendemos que
a licença ambiental é uma autorização. Assim, adotamos a mesma posição de Paulo
Affonso Leme Machado, para quem a expressão licença e autorização são sinônimas:
Licença e autorização – no Direito brasileiro – são vocábulos ‘empregados
sem rigor técnico’. O emprego na legislação e na doutrina do termo ‘licen-

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DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 75 

ciamento’ ambiental não traduz necessariamente a utilização da expressão


jurídica licença, em seu rigor técnico.
(...)
Empregarei a expressão ‘licenciamento ambiental’ como equivalente a ‘au-
torização ambiental’, mesmo quando o termo utilizado seja simplesmente
‘licença’(in Direito ambiental brasileiro, 17. ed., Ed. Malheiros, São Paulo,
2009, p. 275)4.

Assim, utilizando o conceito de autorização de Maria Sylvia Zanella di Pietro:


num primeiro sentido, designa o ato unilateral e discricionário pelo qual a
Administração faculta ao particular o desempenho de atividade material ou
a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos
(obra citada, p. 188).
Depois finaliza:
A autorização administrativa baseia-se no poder de polícia do Estado sobre a
atividade privada... (obra citada, p. 189).

Se já entendíamos que a licença para construir é uma autorização, porque


preenche todos os requisitos conceituais acima expostos, com maior razão enten-
demos que a licença ambiental é também uma autorização. Contudo, não podemos
nos furtar ao fato de que diversos autores entendem que a licença é um ato vincu-
lado, adotando o conceito anteriormente exposto do mestre Hely Lopes Meirelles.
Porém, como já dito em relação à licença para construir, para o objeto do
nosso estudo (direito adquirido) é indiferente que a licença seja um ato discricioná-
rio ou vinculado, vez que ambos não se constituem em direito adquirido. Nos dois
casos, no nosso sentir, o direito de construir não integra o patrimônio do proprietário
e pode haver posterior alteração de tal direito ao arbítrio de outrem (revogação ad-
ministrativa ou alteração legislativa).
Dessa forma, visualizamos três hipóteses a serem analisadas no que tange
à apreciação das licenças de construção e licença ambiental em face de eventual
direito adquirido:
a) a licença para construção foi emitida sem a observância de regras ambientais;
b) a licença de construção e a licença ambiental foram devidamente emitidas
e, antes da construção houve alteração das normas ambientais, ampliando
a proteção às áreas ambientalmente protegidas;
c) a licença de construção e a licença ambiental foram devidamente concedi-
das, tendo o proprietário erigido a sua construção.

4. O citado autor ainda esclarece que:


“A CF utilizou o termo ‘autorização’ em seu Tít. VII – Da Ordem Econômica e Financeira,
dizendo no art. 170, parágrafo único: ‘É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei’. Dessa forma, razoável é concluir que o sistema de licenciamento
ambiental passa a ser feito pelo sistema de autorizações, conforme entendeu o texto cons-
titucional.” (obra citada, p.275.)

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76  Osvaldo de Oliveira Coelho

3.1. Licença de construção emitida em desconformidade com normas


ambientais
Como já foi dito, para a obtenção da licença de construir o proprietário
deverá preencher os requisitos edilícios da época do pedido administrativo para a
obtenção da licença, pouco importando a data da aquisição do imóvel.
Ademais, como visto, a licença de construção devidamente concedida não
gera direito adquirido. Assim, com maior razão, uma licença de construção que não
tenha observado as regras de direito ambiental, por ser ilegal, jamais poderá gerar
qualquer direito, quanto mais adquirido.
Pode soar estranho ao mais desavisado o fato de uma licença de construção
ser emitida em área ambientalmente protegida, como uma área de proteção perma-
nente (arts. 2º e 3º do Código Florestal). Mas infelizmente isso é muito comum. As
Prefeituras Municipais, na maior parte dos casos, simplesmente ignoram a regra do
art. 225, caput, da Constituição Federal, que impõe ao Poder Público, em todas as
suas esferas, a obrigação de preservar o meio ambiente. É frequente a alegação de
Prefeituras Municipais de que a sua obrigação seria apenas de observar as posturas
edilícias para a concessão do alvará de construção, sendo a obrigação do Estado (em
sentido estrito) fiscalizar as áreas de proteção ambiental. Ora, tal atitude é inaceitá-
vel. Tanto que, com sua grande contribuição, ao emitir o alvará de construção em
área ambientalmente protegida, o Município tem frequentemente figurado no polo
passivo de ações civis públicas em virtude de danos ambientais, tendo em vista sua
responsabilidade solidária. Logo, é obrigação constitucional dos Municípios, assim
como dos demais órgãos federativos, preservar e evitar danos ao meio ambiente.
Assim, a Municipalidade deverá exercer o seu poder de polícia, exigindo do parti-
cular a apresentação das licenças ambientais cabíveis, quando constatar que a área
a ser construída está sobreposta a uma área ambientalmente protegida ou quando
constatar que da construção poderá advir um dano ambiental. Ainda que haja dú-
vidas se a área é ambientalmente protegida ou não, deverá o Município exigir que
o particular obtenha a licença ambiental ou que faça uma consulta formal ao órgão
ambiental, aplicando-se o princípio da precaução. Tudo isso deve ser feito no curso
do procedimento administrativo para a obtenção da licença para construir, portanto,
antes da emissão do alvará de construção. Caso contrário, a Municipalidade deverá
ser responsabilizada pelos atos atentatórios ao meio ambiente que o particular tiver
praticado em virtude do alvará de construção emitido.
Um caso prático bem ilustrará o problema. Tal fato é muito mais comum do
que se imagina. Já nos deparamos com a situação em que um loteamento foi cons-
tituído e aprovado na década de 1970. Porém, começou a ser implantado posterior-
mente, nos idos de 1990. Vários proprietários obtiveram junto à Prefeitura Municipal
a aprovação de seus projetos de construções, já nos anos posteriores a 2000, quan-
do estavam em vigor várias inovações legislativas ambientais. Contudo, de acordo
com essas novas regras, boa parte dos lotes passou a estar em área de preservação

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DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 77 

permanente, qual seja, topo de morro ou às margens de curso d’água. Uma vez pro-
cessados, pois não tinham a licença ambiental exigível, tais proprietários alegaram
que teriam o direito adquirido de construir, vez que o loteamento foi aprovado na
década de 1970, sendo a construção aprovada pela Prefeitura Municipal. Assim, tais
defesas, como visto, baseiam-se na alegação de que o direito de construir é inerente
ao direito de propriedade, o que é um erro. Outro raciocínio equivocado ocorre em
relação à alegação de que a licença de construir gerou um direito adquirido. A nor-
ma de direito ambiental aplicável na presente hipótese é aquela da época do início
da construção, porque o proprietário não obteve a licença ambiental exigível. Logo,
seu ato é ilegal e não pode ser acobertado pelo manto do direito adquirido. Não
existe direito adquirido quando a parte nem sequer direito tem.
Neste sentido, podemos citar o seguinte acórdão:
LOTEAMENTO APROVADO E REGISTRADO - obtenção de várias autorizações
para desmatamento na área do empreendimento -posterior negativa para novo
desmatamento - área situada em local de preservação permanente - alegado
direito adquirido ao desmatamento - descabimento - prevalência do interesse
público e imediata aplicação da legislação protetora do meio ambiente5.

Fundamenta o Eminente Relator Lobo Júnior, no citado acórdão que:


No caso, a impetrante aprovou e registrou o loteamento no ano de 1978 e,
pela lógica, já deveria tê-lo implantado. Se demorou tanto tempo, é natural
que se sujeite às novas leis sobre o assunto, não havendo que se falar em apro-
veitamento das antigas aprovações sobre questões urbanísticas e de proteção
ao meio ambiente.
Anote-se, ainda, que não é fora de propósito a aplicação de disposições da
Lei 6.766, de 1979, no que couber, aos loteamentos ainda não implantados e
aprovados ao tempo da legislação revogada.
Com efeito, ‘aplica-se também ao caso de loteamento registrado sob a égide
da lei antiga, mas cujas obras de infraestrutura urbana, a cargo do loteador,
não se tenham iniciado ou se encontram ainda em execução’ (Loteamentos
e desmembramentos urbanos– Toshio Mukai e outros – 2.ed.– Sugestões Li-
terárias –p. 294).
Frise-se, por fim, que o interesse de poucos, ainda que relevante, não pode
sobrepor-se ao de toda uma coletividade, principalmente em tempos como os
atuais, quando qualquer tentativa de preservar os recursos naturais deve ser
defendida e incentivada por todos os meios possíveis

Dessa forma, enquanto o proprietário não obtiver a licença ambiental exigí-


vel ele ficará sujeito às mudanças legislativas, pois se desmatar para construir ou se

5. Apelação Cível n. 147.488-1/2 – São Paulo 4ª Câmara Civil – TJ-SP Apelante: Hidro Volt
– Engenharia e Construções Ltda. – Apelados: Diretor da Divisão de Proteção de Recur-
sos Naturais – DPRN – Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de S. Paulo
Rel. Lobo Júnior – j.12-9-91.

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78  Osvaldo de Oliveira Coelho

der início à construção em área ambientalmente protegida estará praticando um ato


atentatório ao meio ambiente. A lei aplicável, por constituir um ato ilegal, deverá ser
a da época da prática do ato que causou o dano ambiental, ainda que outra tenha
sido a data da aprovação do loteamento, da aquisição do imóvel ou da emissão da
licença para construir. Aplicável aqui o aforismo do tempus regit actum.
Assim, concluímos que, no caso de a licença para construção ser emitida
sem a observância de regras ambientais, haverá ato ilegal. Essa situação já afasta
qualquer hipótese de aplicação do direito adquirido.
Da mesma forma, a obtenção da licença para construir (expectativa de direi-
to) não torna a conduta do proprietário imune à aplicação e às mudanças posteriores
das normas ambientais.

3.2. Licença de construção e licença ambiental devidamente emitidas,


sem que fosse erigida a construção
Em primeiro lugar, pode acontecer que uma licença de construção seja con-
cedida sob a égide de uma situação, sendo que alteração legislativa posterior venha
a ampliar a proteção ambiental, abarcando a hipótese. Não é demais lembrarmos
que estamos falando de um caso em que não se iniciou a construção, mas apenas foi
emitido o alvará de construção. Um exemplo bem ilustrará o caso: suponha-se que,
na época da emissão do alvará de construção, a lei ambiental em vigor exigia a pre-
servação de quinze metros às margens de cursos d’água. Depois de emitido o citado
alvará, permitindo a construção em dezesseis metros do córrego, entrou em vigor
uma nova norma estipulando que se considera área de preservação permanente até
trinta metros de cursos d’água. Então, poderia o particular dar início à obra? Tem ele
direito adquirido à construção, não obstante a mudança legislativa?
A resposta somente pode ser negativa. Embora tenha sido licenciada a cons-
trução junto à Municipalidade, que à época não tinha a obrigação legal de exigir
a apresentação de qualquer licença ambiental, vez que não era exigível, se o parti-
cular pretender construir neste local, deverá também obter a licença ambiental que
passou a ser exigível. Caso contrário, estará ele praticando um dano ambiental.
Alguém poderia questionar: mas na época da concessão do alvará a lei não
exigia a licença ambiental, como poderia ser exigida posteriormente?
A resposta é bem simples: a licença de construção não gera direito adqui-
rido. Logo, eventuais mudanças em normas de ordem pública, como é o caso das
normas de direito ambiental, deverão ser observadas por todos. Como visto, o direi-
to de construir é totalmente alterável ao arbítrio de outrem (legislador). Igualmente
o alvará de construção é alterável ao arbítrio do administrador público (revogação).
Por fim, como já dito, aplica-se a norma da época em que o dano ambiental foi
provocado, uma vez que a conduta do proprietário passou a ser considerada ilegal.
Nada há de estranho nisso. Mas poderia ainda ser indagado sobre o eventual
prejuízo que pudesse ser causado ao particular. Ora, esse argumento não é suficiente

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DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 79 

para a alegação de direito adquirido, como visto. Ademais, embora possa gerar alguma
situação injusta em algum caso específico, o fato é que o particular deverá observar as
regras de direito ambiental, sacrificando até mesmo seu patrimônio em prol da coleti-
vidade. Além disso, o particular prejudicado terá meios para se ressarcir dos danos pa-
trimoniais que tenha suportado, podendo requerer uma ação indenizatória em face do
loteador, do vendedor, ou até mesmo do Poder Público, se for o caso (no caso de revoga-
ção, por exemplo). Logo, o proprietário do terreno, ainda que esteja impedido de cons-
truir em todo o seu imóvel, por estar integralmente em área de proteção ambiental, não
estará totalmente desamparado pela lei. Como dito, o prejuízo do proprietário impedido
de construir pode vir a ser ressarcido monetariamente, pelos meios legais cabíveis.
Não é possível aceitar que um prejuízo individual, decorrente de um ato que
passou a ser considerado ilegal, se sobreponha a uma norma de direito ambiental
que tem por fim a proteção de um bem de interesse metaindividual, visando preser-
var o meio ambiente inclusive para gerações futuras.
Uma segunda hipótese nos ocorre.
É possível que o proprietário obtenha a licença ambiental e posteriormente
o alvará de construção para erigir um prédio. Então, suponha-se que sobrevenha
alteração normativa em que se vede a construção no local anteriormente autorizado
ou licenciado. Dessa forma, poderia o proprietário dar início à sua construção, não
obstante a vedação legal posterior?
Parece-nos que a resposta é a mesma do caso anterior, ou seja, já não mais
poderá o proprietário erigir a construção. Como a licença anteriormente concedida
passou a contrariar texto expresso de uma norma de direito ambiental, o proprietário
deverá revalidar a sua licença junto ao órgão ambiental que a concedeu. Por outro
lado, o órgão ambiental deverá, de ofício ou de forma provocada, revogar ou anular
a licença anteriormente concedida. Se as novas normas de direito ambiental permi-
tirem que haja a construção no local, o proprietário deverá atualizar a sua licença,
o que implica dizer na emissão de uma nova licença, vez que a anterior perdeu a
validade em virtude de sua contrariedade às normas de direito material. Somente
assim poderia dar início à construção, sob pena de ser responsabilizado pelos danos
ambientais que provocar no local.
Veja que na presente hipótese parte-se da premissa de que a licença ambiental
anteriormente concedida é válida. Isso porque, se o órgão emitir uma licença em con-
trariedade com as normas vigentes da época de sua emissão, estará praticando um ato
ilegal. Ex.: na época da licença a lei exigia que fosse protegida uma área de preservação
permanente de trinta metros de curso d’água. Se o órgão ambiental emitir uma licença
ambiental permitindo a construção particular na faixa de dezesseis metros do corpo
d’água e esta licença não abarcar nenhuma hipótese de interesse público previsto em lei
(art. 3º, §1º, c. c. o art. 4º, ambos do Código Florestal), tal licença será nula, pois ilegal.
Nem se argumente a questão da boa-fé do proprietário. Tal elemento não in-
tegra o conceito de direito adquirido. Por mais incauto e honesto que seja o proprie-
tário, por mais que atue de boa-fé ao iniciar a construção, tem ele o dever legal de

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80  Osvaldo de Oliveira Coelho

obedecer às regras de direito ambiental. Sua responsabilidade pelos danos causados


é sempre objetiva. O dano a ser ressarcido é sempre o dano ambiental provocado,
esteja o poluidor de boa ou de má-fé.
Não pode o proprietário alegar desconhecimento da lei (art. 3º da Lei de
Introdução ao Código Civil), subsistindo sempre o seu dever de indenizar.
Logo, deve-se cercar de todas as cautelas possíveis antes de adquirir um
terreno e, principalmente, antes de efetuar algum corte de vegetação ou iniciar
alguma construção.
O particular, de acordo com o seu dever constitucional de preservação do
meio ambiente, deverá sempre evitar adquirir áreas que são ou possam vir a ser
consideradas de preservação permanente, a fim de que a natureza neste local seja
preservada. Contudo, se o adquirente assim atua, comprando terrenos nas proximi-
dades de cursos d’águas ou em topo de morro, por exemplo, o faz por sua conta e
risco. Sabe ele, ou ao menos deveria saber, que sua propriedade estará onerada pela
função social. Sabe ele também que há normas de direito ambiental que restringem,
sobremaneira, a utilização de áreas ambientalmente protegidas. Se mesmo assim,
resolvendo adquirir tal área, com o fim de especular, construir, plantar etc., deverá
estar ciente do risco, vez que não tem direito adquirido de construir, mas uma mera
expectativa de construir, que pode se concretizar ou não.
Parece-nos inaceitável que um interesse particular, que não se constitua em
direito adquirido, venha a sobrepor a um interesse da sociedade em ver preservado
o meio ambiente. Com isso também não queremos dizer que toda norma de direito
público sobrepõe e aniquila o interesse individual. Mas é inegável a maior relevân-
cia das normas de direito público (como o direito ambiental).
Somente nessas hipóteses, podemos aceitar como não radicais as decisões
judiciais que estabelecem que não se pode alegar direito adquirido em face de nor-
ma ambiental. Neste sentido:
(...) As restrições urbanísticas legais constituem limitações de ordem pública
e ninguém adquire direito contra o interesse público (...) (Apelação Cível n.
210.760, da 3a Câmara Civil do 1º TAC-SP, de 6-8-1975).
(...) Nem há qualquer lesão a direito adquirido, em se aplicando de pronto a lex
nova. É que as normas administrativas, de direito público, como pondera Pontes
de Miranda, “não precisam retroagir, nem ofender direitos adquiridos, para que
incidam desde logo. O efeito, que se reconhece, é normal, o efeito do presente,
o efeito imediato, pronto, inconfundível com o efeito no passado, o efeito retroa-
tivo, que é anormal’ (Comentários à Constituição Federal de 1967, v. V, ed. 1968,
p. 91 e 92). Mais adiante acentua que não são retroativas, mas também incidem
desde logo ‘as leis que exigem autorização administrativa para certo fato ou ato,
bem como as que a dispensam, ou modificam, as leis de direito público relati-
vas à propriedade e ao seu exercício (construções perigosas, higiene, medidas
necessárias à defesa nacional, servidões públicas)’ (ob. e vol. citados, p, 93-94
(Apelação Cível n. 242.007, da 4a Câmara Civil do TJ-SP, de 22-5-1975).

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DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 81 

Ação Civil Pública – Danos ao Meio Ambiente – Extração de granito em área


tombada – Violação ao Código Florestal, à Lei 6.938/81 e ao art.225 da CR –
Alegação de Direito Adquirido devido à titularidade da lavra – Inadm. – Norma
de ordem pública – Proibição Mantida – RNP. Não há, como se sabe, direito
adquirido contra norma de ordem pública, mormente a constitucional(Recurso
Apelação Civil n. 178.905, origem: Ubatuba, Relator Urbano Ruiz, 28-9-1993).

Assim, uma coisa é entender que uma norma de direito ambiental sempre e
em qualquer situação prevalece sobre o direito adquirido. Outra coisa é entender
que a não ocorrência de uma hipótese de direito adquirido permite a sobreposição
das normas de direito ambiental sobre o interesse particular, ainda mais quando
esse interesse individual não é amparado por lei. Portanto, não vemos até aqui, nas
hipóteses tratadas, uma sobreposição do direito ambiental sobre o direito adquirido.
Ao contrário, vemos que não há situação que permita o reconhecimento do direito
adquirido. Em virtude disso, deverá o particular sujeitar-se às normas de direito am-
biental, pois a lei tem caráter coercitivo, devendo ser obedecida por todos. Jamais
poderá o particular pretender que seu interesse individual se sobreponha à lei, ale-
gando que a norma é injusta, sob o seu ponto de visto. Do contrário, não teremos
um estado democrático de direito, mas um estado anárquico.

3.3. Licença de construção e licença ambiental devidamente concedidas,


tendo o proprietário erigido a sua construção
Como já visto, diferentemente da hipótese em que o proprietário tem apenas
uma licença para construir e uma licença ambiental emitidas, no presente caso, foi
erigida a sua construção autorizada. Como dito, esse direito passou a integrar o pa-
trimônio de seu proprietário, não podendo ser alterado ao arbítrio de outrem. Nessa
hipótese, o Poder Público teria que, obrigatoriamente, desapropriar o imóvel para
constituir uma área de proteção ambiental6.
O mesmo se verifica no caso de construções antigas, ou seja, erigidas antes
de qualquer exigência legal de preservação do meio ambiente. Se o proprietário
erigiu a sua construção em uma época em que não havia restrição ambiental ao
uso de sua propriedade, terá ele direito adquirido de preservar a sua construção no
local, ainda que ocorra qualquer mudança legislativa que passe a considerar a área
edificada como sendo uma área de proteção ambiental.
Dois casos práticos bem ilustrarão a hipótese.
Antes de 15 de setembro de 1965, quando foi concebido o Código Florestal,
existiam construções às margens de rios, por exemplo. Com o advento do Código

6. Não é demais ressaltar que estamos aqui falando de construções devidamente licenciadas,
pois do contrário há hipótese de ilegalidade, não havendo que se falar em direito adquirido.
Por exemplo: um morador constrói, sem qualquer licença, no interior de uma unidade de
conservação. Não sendo uma construção antiga, leia-se, antes da criação do parque, não
pode ele alegar direito adquirido, ainda que o Estado tenha sido omisso na fiscalização.

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82  Osvaldo de Oliveira Coelho

Florestal foram fixadas as áreas de proteção ambiental, inclusive as margens dos


rios. Contudo, aquelas pessoas que erigiram a sua construção tiveram o direito ad-
quirido de permanecer com elas no local. A partir de 1965, o Código Florestal pas-
sou a exigir que fosse preservada uma faixa de quinze metros às margens dos rios.
Depois dessa exigência, as pessoas passaram a estar impedidas de construir nessa
faixa, considerada área de preservação permanente, sem que fosse obtida a devida
licença ambiental. Mas suponha-se que no ano de 1984 alguém tenha adquirido um
imóvel e construído numa faixa de vinte metros da margem de um rio cuja largura
fosse trinta metros. Porém, com o advento da Lei n. 7.803, de 18 de julho de 1989,
houve a alteração da redação da alínea a do art. 2º do Código Florestal, passando-
-se a exigir, no mínimo, uma faixa de área de proteção permanente, às margens de
curso d´água, de trinta metros7. No caso hipotético, passou-se a considerar a faixa
marginal de cinquenta metros como área de preservação permanente (art. 2º, a, item
2, do Código Florestal). Assim, como ficaria a situação daquele que construiu?
Parece-nos que a legislação posterior não poderia abarcar a situação das
construções erigidas naquela faixa de vinte metros. Para retirar o proprietário da área
e determinar a demolição de todas as construções erigidas na faixa de 50m do rio,
o Estado (em sentido amplo) deveria indenizar o proprietário. Veja que mesmo em
face de uma hipótese de direito adquirido o Estado não está totalmente impedido de
transformar o local em área de proteção ambiental. Mas deverá fazê-lo, para preser-
var o legítimo direito do proprietário, por meio de desapropriação.
Isso ocorreu com a instituição, por exemplo, do Parque Estadual da Serra do Mar
em que houve desapropriações indiretas das áreas que passaram a constituir tal parque8.
Contudo, é de se frisar, que, embora o proprietário tenha o direito adquirido
de permanecer com todas as suas construções erigidas antes da mudança das nor-
mas ambientais, seu direito não é absoluto, como de fato o direito de propriedade
não o é. Não está tal proprietário imune às regras constitucionais da função social
da propriedade e da proteção do meio ambiente. A partir da vigência da norma de
proteção ambiental, aquele que tem o direito adquirido sobre as construções erigi-
das também terá o seu direito de uso da propriedade restringido pela norma ambien-
tal. Assim, para poder ampliar a sua construção, somente poderá fazê-lo mediante
uma licença ambiental. Não é porque tem o direito adquirido de preservar as suas
construções que o proprietário terá carta branca para exercer qualquer ato danoso
ao meio ambiente no local. Na faixa de 50m, que foi a do exemplo acima proposto,
deverão ser preservadas as condições naturais da propriedade, consideradas a partir

7. Não estamos ignorando a hipótese prevista no art. 3º.,b, item I, da Resolução CONAMA n.
04/1985. É que, no caso proposto, o rio tem trinta metros de largura, devendo ser preservada
a faixa marginal de quinze metros, segundo tal resolução. 
8. Sobre o tema, vale a pena a leitura do título IV, itens 3 e 4, do livro Tutela dos interesses
difusos e coletivos, Editora Juarez de Oliveira, da Professora Consuelo Yatsuda Moromizato
Yoshida, em que relata as situações teratológicas ocorridas na chamada “indústria de inde-
nizações milionárias” no Estado de São Paulo.

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DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 83 

da entrada em vigor da norma ambiental protetiva. Qualquer alteração substancial


no uso da propriedade deverá ser precedida de licença ambiental9.
Outro exemplo ocorrido no Parque Estadual da Serra do Mar bem ilustra a ques-
tão. Na Praia da Fazenda, no município de Ubatuba, há o Núcleo Picinguaba, que é
uma divisão administrativa do citado parque. Lá, na época da instituição da referida área
de proteção, já havia uma concentração de casas construídas em uma vila. O Estado (em
sentido estrito) optou por não indenizar essas pessoas, permitindo que continuassem
com suas construções no local. Porém, tais proprietários tiveram seu direito de proprie-
dade restringido, eis que seus imóveis passaram a estar no interior do citado parque esta-
dual. Qualquer ato que possa ser prejudicial ao parque ou que possa causar algum dano
ambiental, como, por exemplo, a ampliação da construção, deverá ser anteriormente
licenciado pelo órgão ambiental competente que administra a unidade de conservação.
Portanto, embora tenha direito adquirido, o proprietário não está imune às
regras de direito ambiental. Não pode ele ignorar a função social de sua propriedade
e tampouco desrespeitar as normas de direito ambiental, consideradas na data de
sua entrada em vigor. A partir dessa data, qualquer alteração em área ambientalmen-
te protegida (área de preservação permanente, por exemplo) deverá ser precedida de
uma licença ambiental.
Ao revés, o Estado (em sentido amplo) também não poderá, quando o pro-
prietário tiver direito adquirido, restringir a propriedade de tal forma que se torne
totalmente inviável o seu uso. Caso isso ocorra, deverá desapropriar a área e inde-
nizar o seu proprietário.
Nestes casos, como há direito adquirido, deverá ser encontrada uma solução
em que se permita o uso da propriedade sem que haja lesões às áreas ambiental-
mente protegidas (manejo sustentável). Logo, somente deverá ser permitido o uso
racional de tal direito de propriedade, pois como adverte Paulo Affonso Leme Ma-
chado: “Não há direito adquirido de poluir”(obra citada, p. 203).

CONCLUSÃO
Concluímos que o direito de construir é uma faculdade legal do proprietário,
podendo ser exercitável ou não. Para poder exercer tal faculdade, o proprietário de-
verá obter a licença de construção, devendo observar as normas vigentes da época
em que pretende construir.

9. Evidentemente que estamos tratando aqui de situações em que a área é de interesse ambiental.
Se já perdeu tal característica, como, por exemplo, nas áreas de perímetro urbano já antigas
e sem características que a tornem um bem ambiental, esse raciocínio não é aplicável. Um
exemplo bem ilustrará o que se propõe. Suponha-se que a Avenida Paulista, encravada na cida-
de de São Paulo, esteja em área que hoje poderia ser considerada topo de morro. É óbvio que
os proprietários dos imóveis desta avenida não necessitariam de qualquer licença ambiental
para usar o seu bem, salvo se fosse um bem de interesse histórico ou cultural (mas neste caso
o fundamento é diverso). Isso porque tal lugar não possui característica de área de proteção
ambiental, constituindo-se em uma situação absolutamente diversa da acima tratada.

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84  Osvaldo de Oliveira Coelho

Assim, a emissão da licença de construção se constitui em uma autorização


administrativa gerando uma expectativa de direito. De igual forma, a licença ambiental
emitida também se constitui em uma expectativa de direito. Tais licenças não integram
o patrimônio do proprietário do imóvel. Além disso, ambas são passíveis de revogação
administrativa e, igualmente, devem se submeter às mudanças legislativas posteriores.
Somente há que se falar em direito adquirido nas hipóteses em que o pro-
prietário já erigiu a sua construção devidamente autorizada, tendo observado todas
as normas legais exigíveis na data da construção.
Qualquer obra erigida em desconformidade com as normas legais vigentes à
época da construção é considerada ato ilegal, não havendo que se falar em direito
adquirido a uma situação contrária à lei.
Para não ser surpreendido por legislações posteriores, a fim de preservar o
seu patrimônio, o proprietário deverá obter as licenças cabíveis, inclusive junto aos
órgãos ambientais, e, em um breve espaço de tempo, erigir a sua construção. Tal
atitude também tem por fim cumprir a função social da propriedade, evitando-se,
assim, a especulação imobiliária.
Por fim, há que se lembrar que as normas de direito ambiental são de apli-
cação imediata, devendo ser respeitadas por todos, inclusive pelo poder público e
pelos proprietários de imóveis.

REFERÊNCIAS
BARROS, Airton Florentino de. Desenvolvimento urbano – O meio ambiente e o direito
de construir. Disponível em:www.justicaesolidariedade.com.br/index.jsp? Acesso
em 27 maio 2010.
DINIZ, Maria Helena . Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro interpretada. 12. ed.
São Paulo: 2007.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. I. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
SARAI, Leandro. Direito adquirido. Disponível em: www1.jus.com.br/doutrina/texto.
asp?id=9457. Acesso em 27 maio 2010.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, v. V. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos interesses difusos e coletivos. 1.
ed., 2. tir. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006.

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