Essa teologia, ligada à cultura, isto é, à filosofia e, no fundo, à política de seu período, sofreu
também o destino de sua época. As agitações políticas das primeiras duas décadas de
nosso século, juntamente com o aparecimento de novas orientações filosóficas, como, por
exemplo, o existencialismo, certamente contribuíram para o nascimento e o
desenvolvimento daquela revolução teológica representada pela TEOLOGIA DIALÉTICA, que
encontrou em KARL BARTH (1886-1968) seu mais eminente representante.
Em 1919, Barth publicou seu comentário à Epístola aos Romanos (escrita pelo apóstolo Paulo),
saindo em 1922 a importante segunda edição revista da obra. Referindo-se a Kierkegaard
(para o qual existe “infinita diferença qualitativa” entre Deus e o homem, pois no crente,
a razão serve unicamente para estabelecer um “crer contra a razão”), Barth, em
apaixonado protesto, denunciou todas as tentativas de aprisionar a Palavra de Deus nas
grades da razão humana. E, contra a teologia liberal, que considerava a Revelação cristã
como termo final ou desenvolvimento harmônico da natureza e da razão humana, Barth
reafirmou não apenas a infinita distância qualitativa entre o homem e Deus, mas
também a oposição substancial entre Deus e tudo aquilo que é humano, vale dizer, a razão,
a filosofia, a cultura. Diz Barth que os teólogos liberais, com sua pretensão de tornar a fé
popular com a ajuda da ciência das religiões, do método histórico e da filosofia, injuriaram
a transcendência de Deus. E “uma canonização geral da cultura, como a que foi feita por
Schleiermacher (que rejeitando todo tipo de dualismo acabou por tornar Deus como mundo),
não pode ser levada em conta por nós”. DEUS É “O TOTALMENTE OUTRO” (como já dizia
Rudolf Otto), e é inútil pensar em alcançá-lo com a razão, com a filosofia, com a religião ou
com a cultura.
A razão da teologia liberal pretende que a fé não seja um risco ou um salto. Mas Barth,
ao contrário, quer preservar a Alteridade (Contraste) de Deus, o seu ser “totalmente
outro”, eis aí o Paradoxo de Kierkegaard.
A fé não se apoia na força da razão; ela é muito mais o milagre da intervenção radical de Deus
na vida do homem, ao passo que a submissão do homem a Deus é o paradoxo “irracional” de
um abandono existencial. E é aqui que encontramos as motivações dos ataques de Barth
contra a analogia entis (do Ser).
Para Barth, qualquer pretenso conhecimento racional de Deus constitui uma arrogância
religiosa, pois o objeto de nossa fé e análise teológica É A ESCRITURA, coisa esta esquecida
pelos liberais. Entretanto, no mundo católico sustenta-se a teoria da analogia entis, isto é, a
ideia de que é possível dizer algo de Deus, de sua existência e de seus atributos partindo
do ser das criaturas e, portanto, partindo do conhecimento e da linguagem do homem.
Mas Barth contesta essas teses. E na Dogmática eclesial (que começa a ser publicada em
1932), ele escreve que, “se nós conhecemos Deus como Senhor (criador, reconciliador e
redentor), não é porque conhecemos outros senhores e senhorias. Também não é
verdade que o nosso conhecimento de Deus como Senhor deve-se em parte a nosso
conhecimento de outros senhores e senhorias, e em parte à revelação. Nosso conhecimento
de Deus como Senhor DEVE-SE TOTAL E EXCLUSIVAMENTE À REVELAÇÃO DE DEUS”.
Consequentemente, não analogia entis, e sim analogia fidei. Deus, portanto não é objeto de
análise.
Assim temos a Teologia Dialética ou Teologia da Crise, uma forma de neo-ortodoxia, como
confirmação da absoluta transcendência de Deus em oposição a perspectiva meramente
imanentista do liberalismo. Cristo passa a ser o centro da teologia, uma manifestação histórica
do Divino, onde há uma dialética entre: Finito e Infinito, Deus e o Homem, Eternidade e
Tempo, Revelação e História, Ser e Não Ser etc. Assim posto, também as elucubrações
teológicas seguiriam tal metodologia.
Assim como Barth, Paul Tillich (1886- 1965) estava persuadido de que a teologia natural
não é válida. Nas provas da existência de Deus tenta-se derivar Deus do mundo, mas,
escreve Tillich em Teologia sistemática (3 vols., 1951-1963), “se Deus deriva do mundo,
não pode ser aquele que o transcende infinitamente”. Parafraseando Paul Tillich - DEUS NÃO
EXISTE, SE EXISTISSE SERIA FINITO, DEUS É.
Desde a Primeira Guerra Mundial (da qual participou como capelão militar e teve de lidar
com a morte com grande constância), Tillich de certo modo rejeitou a imagem tradicional de
Deus.
Também para Tillich a fé é dom de Deus. Entretanto, diferentemente de Barth, Tillich não
pensa que a fé seja obra exclusiva de Deus. Ao contrário, ele afirma que ela não é possível
sem a PARTICIPAÇÃO DO HOMEM. O homem é o sujeito da fé. A fé é uma “POSSIBILIDADE
HUMANA”. Barth era mais calvinista neste ponto.
A fé pressupõe que, consciente de sua própria miséria ontológica, o homem seja capaz de
compreender “o significado do último, do incondicionado, do supremo, do absoluto, do
infinito”. A fé, portanto, é a resposta de Deus à “pergunta de uma vida não ambígua”. Entre
o homem (ontologicamente miserável e psicologicamente desesperado) que pede e Deus
que dá, o que existe é uma CORRELAÇÃO (e não aquele abismo afirmado por Barth).
Albert Schweitzer, nasceu em 14 de janeiro de 1875 e morreu 4 de setembro de 1965, foi um
teólogo, organista, escritor, humanitário, filósofo e médico franco-alemão. Luterano,
Schweitzer desafiou tanto a visão secular de Jesus quanto a metodologia histórico-crítica de
sua épocal, bem como a visão cristã tradicional. Suas contribuições para a interpretação do
cristianismo paulino dizem respeito ao papel do misticismo de Paulo de "ESTAR EM CRISTO"
como primário e da doutrina da JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ como secundária.
Recebeu o PRÊMIO NOBEL DA PAZ de 1952 por sua filosofia de " Reverência pela Vida ",
expressa em muitos aspectos, mas mais famosa na fundação e manutenção do Hospital Albert
Schweitzer em LAMBARÉNÉ , agora no Gabão , centro-oeste da África). Como estudioso da
música e organista, ele estudou a música do compositor alemão Johann Sebastian Bach e
influenciou o Movimento de Reforma Orgânica.
Em 1906, ele publicou História da Pesquisa sobre a Vida de Jesus. Este livro, que estabeleceu
sua reputação, foi publicado pela primeira vez em inglês em 1910 como A BUSCA DO JESUS
HISTÓRICO. Sob este título, o livro tornou-se famoso no mundo de língua inglesa. Uma
segunda edição alemã foi publicada em 1913, contendo revisões e expansões teologicamente
significativas: mas esta edição revista não apareceu em inglês até 2001. Mais tarde, em 1931,
publicou "O Misticismo de Paulo, o Apóstolo. Uma segunda edição foi publicada em 1953.
Em The Quest , Schweitzer revisou todo o trabalho anterior sobre o "Jesus histórico" de volta
ao final do século XVIII. Ele mostrou que a imagem de Jesus havia mudado com os tempos e
as perspectivas dos vários autores, e deu sua própria sinopse e interpretação das
descobertas do século anterior. Afirmou que a vida de Jesus deve ser interpretada à luz das
próprias convicções de Jesus, que refletem a ESCATOLOGIA JUDAICA TARDIA.
Schweitzer escreve:
“O Jesus de Nazaré, que se apresentou publicamente como o Messias, que pregava a ética do
reino de Deus, que fundou o reino dos céus na Terra e morreu para dar a sua obra a
consagração final... é uma figura projetada pelo racionalismo, dotada de vida pelo liberalismo
e vestida pela teologia moderna em um traje histórico. Esta imagem não foi destruída de fora;
caiu em pedaços...”
O apóstolo Paulo falou dos "últimos tempos": "Irmãos, o tempo é curto: resta que ambos os
que têm mulheres sejam como se não tivessem nenhum" (1 Coríntios 7:29); "Deus nos
últimos dias nos falou pelo seu Filho" (Hebreus 1: 2); "Há aqui alguns que não provarão a
morte até que vejam o Filho do homem vindo em seu reino" (Mateus 16:28) ou, "até que
vejam que o reino de Deus veio com poder" (Marcos 9: 1) ou "até que vejam o reino de Deus"
(Lucas 9:27).
A escatologia iminente de Paulo (de sua formação em escatologia judaica) faz com que ele
acredite que o reino de Deus ainda não chegou e que os cristãos estão vivendo agora no
tempo de Cristo. O misticismo de Cristo mantém o campo até que o misticismo de Deus se
torne possível, o que é no futuro próximo. Portanto, Schweitzer argumenta que Paulo é o
único teólogo que não afirma que os cristãos podem ter uma experiência de "estar em Deus".
Antes, Paulo usa a frase "estar-em-Cristo" para ilustrar como Jesus é um MEDIADOR entre a
comunidade cristã e Deus. Além disso, Schweitzer explica como a experiência de "estar-em-
Cristo" não é uma "participação estática no ser espiritual de Cristo, mas como a REAL
experiência conjunta de SUA MORTE E RESSURGIMENTO". A participação "realista" no
mistério de Jesus só é possível dentro da solidariedade da comunidade cristã.
Schweitzer contrasta com a morte "realista" de Paulo e sua ascensão com Cristo ao
"simbolismo" do helenismo. Embora Paulo seja amplamente influenciado pelo pensamento
helenístico, ELE NÃO É CONTROLADO POR ELE. Schweitzer explica que Paulo se concentrou na
ideia de comunhão com o ser divino através da morte e ressurreição "realistas" com Cristo,
em vez do ato helenístico meramente "SIMBÓLICO" de se tornar semelhante a Cristo por meio
da deificação. Após o batismo, o cristão é continuamente renovado ao longo de sua vida,
devido à participação na morte e ressurreição com Cristo (principalmente através dos
sacramentos). Por outro lado, o helenista "vive no estoque da experiência que adquiriu na
iniciação" e não é continuamente afetado por uma experiência comunitária compartilhada.
Embora Bultmann (1884-1976) se tenha imposto no campo das ciências religiosas como
exegeta do Novo Testamento (História da tradição sinótica, 1921; O Evangelho de João,
1941; O cristianismo primitivo no quadro das religiões antigas, 1949), ele deve sua
notoriedade no campo filosófico-teológico à teoria da DEMITIZAÇÃO OU
DEMITOLOGIZAÇÃO, com a publicação, em 1941, do escrito: Novo Testamento e
Mitologia que fala sobre o problema da demitização da mensagem neotestamentária. Por
“mito” Bultmann entende “a descrição do transcendente sob roupagem humana, das
coisas divinas como se se tratasse de coisas humanas”. Diz ele: “A representação
neotestamentária do universo é mítica. Considera-se o mundo articulado em três planos. Ao
centro encontra-se a terra, acima dela o céu e abaixo dela os infernos. O céu é a morada
de Deus e das figuras celestes, os anjos; o mundo subterrâneo é o inferno, o lugar dos
tormentos. Mas nem por isso a terra é exclusivamente lugar do acontecimento natural-
cotidiano, ou seja, das solicitudes e do trabalho, onde reinam a ordem e a norma: é
também o teatro de ação dos poderes sobrenaturais de Deus e seus anjos, de Satanás e
seus demônios [...]”. E, acrescenta Bultmann, também “a representação do acontecimento
da salvação, que constitui o conteúdo específico do anúncio neotestamentário, é coerente
com essa imagem mítica do mundo”.
Diante desse dado de fato, Bultmann distingui entre o conteúdo essencial do Evangelho e
a forma estrutural (mítica, metafísica, científica), que esse conteúdo pode assumir, daí se
deriva a CRÍTICA DAS FORMAS. Ele afirma que “a pregação cristã” não pode pretender do
homem moderno que ele reconheça como válida uma imagem mítica do mundo. Por isso é
preciso DEMITIZAR. E demitizar significa “procurar descobrir o significado MAIS
PROFUNDO que está oculto sob as concepções mitológicas”.
Esse significado mais profundo da pregação de Jesus é o seguinte: estar aberto para o futuro
de Deus, futuro que, para cada um de nós, É VERDADEIRAMENTE IMINENTE; estar preparado
para receber esse futuro, que pode vir COMO LADRÃO NA NOITE, no momento em que
menos o esperamos, devemos nos manter prontos, porque esse futuro será o juízo de todos
os homens que estão apegados ao mundo, que não são livres nem abertos para o futuro de
Deus”.
Em síntese, DEMITOLOGIZAR, quer dizer extrair o mito e não eliminá-lo como os teólogos
liberais entendiam, pois falavam em DESMITOLOGIZAÇÃO que é a extração e eliminação do
mito. É praticamente impossível para o homem moderno aceitar a forma do universo
entendido em três partes distintas. A terra no meio, abaixo o inferno e acima o céu. Esta
concepção é mitológica e inteligível para o homem moderno.
Diria Bultmann:
Dietrich Bonhoeffer nasceu em Breslau em 1906 e foi enforcado pelos nazistas, dizem alguns
com uma corda de piano, dia 9 de abril de 1945, com 39 anos, um mês antes da bancarrota
alemã. São famosas sua Ética (1949) e as cartas da prisão, publicadas postumamente com o
título Resistência e submissão, em 1951. No Brasil temos uma obra muito conhecida dele
chamada DISCIPULADO. Sua notoriedade cresceu de forma notável no pós-guerra.
Escreveu Bonhoeffer:
“O problema que jamais me deixa tranquilo é o de saber o que é verdadeiramente para nós,
hoje, o cristianismo, ou até quem é Cristo”. E isso constitui problema hoje porque o homem
moderno “aprendeu a enfrentar qualquer problema, até importante, sem recorrer à
hipótese da existência e da intervenção de Deus”.
Deus deixa-se expulsar do mundo: sobre a cruz, Deus é impotente e fraco no mundo, mas é
assim e somente assim que ele permanece conosco e nos ajuda. Mateus 8:17 é claríssimo:
Cristo não nos ajuda em virtude de sua onipotência, mas sim em virtude de sua
fraqueza, de seu sofrimento — aqui está a diferença determinante em relação a
qualquer outra religião”.
*REALE, Giovanni – História da Filosofia Tomo VI – Editora Paulus, pg 363 a 367. Titulo original
- Storia della filosofia - Volume III: Dal Romanticismo ai giorni nostri - Editrice LA SCUOLA,
Brescia, Itália, 1997 ISBN 88-350-9273-6
*BARTH, Karl. Carta aos Romanos. São Paulo: Editora Novo Século, 2003.
*(2001) [alemão, 1906. edição inglesa, A. & C. Black, Londres 1910, 1911], A busca do Jesus
histórico ; Um estudo crítico de seu progresso de Reimarus a Wrede , traduzido por
Montgomery, William , Editores da Fortaleza de Augsburg, ISBN 0-8006-3288-5 - Wikipédia, a
enciclopédia livre.