de traços da doença por análise em ossos daqueles que provavelmente foram portadores do
Mycobacterium leprae nos confere tal informação. Embora haja pouco conteúdo escrito sobre tal
enfermidade na idade antiga (quando comparada com o acervo da idade média), é possível
descrever o significado daquela doença para aqueles que viviam na dada época, e mais
precisamente para aqueles que sofriam da doença. Os impactos biológicos não eram os únicos
peculiaridades.
dos leprosos. Algumas histórias como a de Lázaro, o leproso, que são bem conhecidas pelo
público geral, estão presentes em tal livro, assim como a presença de leis e condutas direcionadas
a tais doentes. Entretanto não eram os únicos afetados por elas, uma vez que haviam certas
No Brasil, assim como em outros lugares, foi uma doença que segregou os doentes do convívio
nosso território, grandes atrocidades foram feitas contra esses doentes. Foi o chamado
“Holocausto Hanseniano”.
LEPRA NA IDADE ANTIGA
Considerada uma das doenças mais temidas na antiguidade, a lepra não era uma doença
com somente repercussões de cunho biológico, mas também com fortes características sociais.
As manchas, feridas e odor geravam repúdio e espanto naqueles que cercavam os leprosos.
(SILVA, 2012)
Não é simples afirmar a época do surgimento da lepra (assim como de outras doenças)
tendo por base os textos antigos. Sem uma descrição clara dos aspectos mais característicos de
uma dada doença, é possível que haja falsas interpretações sobre a mesma. É discutido que a sua
origem seria asiática ou africana, mas ainda não há consenso nos dias atuais. No Egito, a doença
já era conhecida há mais de quatro mil anos, como descrito em um papiro do período de Ramsés
II, além de evidências objetivas da enfermidade pela análise em corpos da época. Também era
conhecida na China, Índia e Japão há mais de três mil anos. Há muitas referências de hanseníase
em diversos locais, entretanto o que pode ter ocorrido de fato foram traduções equivocadas de
Há referências da doença descritas por Aretaeus e Galeno, datadas por volta do ano de
150 d.C. na Grécia. Aretaeus, em sua obra “Terapêutica de Doenças Crônicas”, relata que a pele
do doente se apresenta espessada, semelhante à pele de um elefante (por isso sendo designada
como elefantíase), atribuindo o termo fácies leonina à face dos infectados que apresentam a
A hanseníase era chamada de lepra, assim como outras enfermidades que apresentavam
escabiose. Isso é um dos fatores que dificulta a interpretação dos relatos existentes,
do livro de Levítico. A tradução de palavras que teria como significado a lepra torna um tanto
visão social e familiar dos leprosos. Na dada época, por se tratar de uma doença incurável,
recluso a locais isolados, sendo proibido de entrar nas cidades. A aproximação com outras
pessoas era marcada por uma obrigação: o leproso deveria clamar “imundo, imundo! ”, a qual
tinha a função de avisar sobre a enfermidade de que distância deveria ser dada. O leproso
também deveria deixar o cabelo bagunçado e vestir roupas rasgadas. A marca social desse evento
era e que um ser indigno, imundo e impuro estava passando por aqueles locais. Em caso de cura
da enfermidade (vale lembrar que diversas doenças de cunho dermatológico eram designadas
sacerdote, o qual iria avaliar a sua condição e determinar se estaria livre da doença. Há relatos de
pedidos pelos leprosos a Jesus Cristo para que lhes curassem. A cura não significava somente um
benefício biológico, mas também a libertação da exclusão social, o retorno ao seu lar e à sua
bíblico. Nela, conta-se sobre um homem rico e Lázaro, um mendigo repleto de chagas, o qual
desejava se alimentar das migalhas que caíam da mesa do homem rico. A história fala sobre fé e
humildade e o destino daqueles que possuem ou não tais características. (BÍBLIA SAGRADA,
2008)
No capítulo 13 de Levítico, leis descreviam os procedimentos relacionados à lepra. Uma
pessoa que apresentasse inchaço ou alguma crosta na pele estaria sob a suspeita de ter a doença,
de tal modo que deveria ser levado a Arão ou a um de seus filhos, a fim de que fosse examinado.
Caso houvesse pelos brancos nas regiões cutâneas afetadas, e se houvesse sinais de depressão na
pele, era constatada a lepra e o sacerdote encarregado deveria declarar a tal pessoa como impura.
Caso não houvesse depressão cutânea e ou pelos brancos na região em evidência, o sacerdote
deveria pôr o suspeito em quarentena por sete dias. No sétimo, seria avaliado novamente. Caso
não houvesse alastramento na pele, seria mantido por mais sete dias, para que no sétimo fosse
novamente avaliado. A condição para a declaração de estar sarado seria não ter sais de
alastramento nessa última quarentena. Esse é um de vários dos protocolos presentes na Bíblia.
pústulas e erupções, nas quais os pelos se tornavam brancos e a região afetava era deprimida
diagnóstico, não era mencionada. Os sacerdotes eram os responsáveis pelo diagnóstico. Isso
provavelmente se deve ao fato de que a doença se relacionava com o pecaminoso, devendo ser
combatida através de rituais, sacrifícios e purificações, tais como a queima de objetos pessoais e
contato direto entre doente e aquele considerado puro. (BÍBLIA SAGRADA, 2008) (CUNHA,
2002)
LEPRA NA IDADE MÉDIA
LEPRA NA IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA
A Lepra no Brasil
Assim como em outras épocas, a trajetória dos leprosos no Brasil foi sombria e marcada
pelo estigma, pelo preconceito e pela exclusão já presente desde os tempos bíblicos. O primeiro
registro da doença no país foi em 1600 no Rio de Janeiro, informação contestada, visto que há
relatos não comprovados de que alguns indígenas já apresentavam sintomas da doença
previamente.
Os pioneiros dos estudos históricos sobre a lepra no Brasil não foram historiadores, visto
que a linha de interesse desses pela história da medicina e da saúde é recente (pois seu viés
mas sim médicos. Um grande destaque se dá para o leprologista Heráclides César de Souza
Araújo que reuniu índices, taxas, leis de várias épocas, artigos médicos e relatórios. Entretanto se
trata de uma abordagem de caráter clínico-médica, que não englobava aspectos sociais,
filosóficos e culturais.
dos doentes da população sadia. O primeiro lazareto construído foi o Hospital dos Lázaros do
Rio de Janeiro, em São Cristovão. O hospital, pioneiro no país para o tratamento dos leprosos,
era sustentado com doações e contava com frades franciscanos, auxiliados por escravas detidas
por crimes graves, para o tratamento dos doentes. Em 1983 esse mesmo hospital sofre uma
norueguês Gerard Amauer Hansen percebeu a presença de bacilos em forma de bastonete nos
nódulos de leprosos, sugerindo que a moléstia não era transmitida por hereditariedade ou
miasmas. A partir de então a teoria multicasual perde prestígio na comunidade médica mundial, e
Em 1903, Oswaldo Cruz toma posse da Diretoria Geral de Saúde Pública, iniciando a
“primeira reforma sanitarista” do início do século XX. Já em 1904 dedica sua atenção para a
ganharam força entre os médicos brasileiros, corroborando para o apoio desses na segregação
Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas (extinta em 1934, pelo seu grande foco na sífilis e pouca
resolubilidade para lepra), como políticas centralizadoras do Regime Republicano no que tangem
leprosos nos leprosários/colônias, sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (1,2)
O Holocausto Hanseniano
pois, nesse ano, o então presidente Getúlio Vargas iniciou a política de construção de hospitais-
colônia, nos quais todas as pessoas acometidas pela moléstia deveriam ser isoladas de forma
compulsória e sem permissão para sair. Apesar dessas políticas já terem se iniciado bem antes a
nível estadual, foi no Estado Novo que a segregação à força ganhou dimensão e respaldo
federais.
O desconhecimento da cura, o medo, o estigma e o preconceito que a doença trazia
fizeram o governo adotar essa postura, que já era comum no âmbito mundial, acreditando que
esse seria o único modo de conter a doença e evitar o alastramento da epidemia. Entretanto, a
longo prazo, observou-se uma baixa eficácia da política de isolamento, já sugerida no Terceiro
Congresso Internacional de Lepra, em 1923 na França, uma vez que se percebeu que o número
de casos não diminuía. O confinamento só colaborou para aumentar a repulsa, o ódio e a aversão
Durante as décadas de 30, 40 e 50 uma verdadeira perseguição se deu aos leprosos e suas
famílias para que fossem internados nessas colônias e separados do contato com o mundo
exterior. A medida profilática tinha natureza policial, e desprezava toda a história de vida e os
vínculos sociais e familiares dos “lazarentos”. Milhares de pessoas foram capturadas à força,
viviam isolados do mundo exterior; Educandários, que eram locais onde os filhos dos leprosos
eram acolhidos ou esperavam adoção, visando a restrição do contato com os pais e servindo
como medida de segurança, pois a hereditariedade da doença ainda não fora totalmente
contestada; e finalmente os Dispensários onde estavam pessoas que tinham contato frequente
quadro regional. Alguns leprosários possuíam uma boa estrutura, sendo análogos a “pequenas
cidades”, outros, entretanto, careciam de recursos básicos, tais como médicos, comida e
acomodações, sobretudo nos locais mais pobres e marginalizados do país, tornando a vida dos
lázaros ainda mais precária e sofrida. Uma vez dentro da colônia, o doente não saía a não ser em
condição de cura, contudo, mesmo curado, muitas vezes permanecia no leprosário, pois o
estigma e a exclusão criados pela sociedade o impossibilitava de recuperar uma vida normal.
(1,3)
uma vida social, econômica e política própria. Havia uma estrutura completa: alojamentos
masculinos e femininos para os solteiros, casas geminadas para os casados, prefeitura, lavoura,
criação de gado, cemitério, cinema, teatro, emissora de rádio, delegacia, cadeia, escola, cartório,
capela, campo de esportes, etc. Os leprosos assumiam diversas funções tais como policial,
colônia possuía moeda própria, para evitar que a doença se espalhasse para o mundo exterior por
meio do dinheiro.
Normas rígidas eram muito comuns nessas colônias, principalmente nos primeiros anos
de suas fundações. Os visitantes, em dias de visita, eram separados dos leprosos por uma
aperto de mão eram impossíveis. Era comum a proibição do namoro e de relações entre os
pacientes. Há relatos de que muitos leprosos fugiam por alguns dias para procurar serviços de
prostituição nas cidades que estavam no entorno da colônia. Os leprosos, contudo, possuíam uma
espécie de “código de ética” curioso: caso a prostituta viesse a se tornar leprosa, o homem teria o
Os cuidados aos leprosos se davam entre eles e com o auxílio de irmãs franciscanas, as
em zonas, separando funcionários sadios, leprosos e casos mais graves de lepra, com grandes
deformações. (1,2)
Antes do advento da sulfona, na década de 40, o principal tratamento se dava pelo óleo de
provocava fortes efeitos colaterais, tais como vômitos e diarreia. Alguns locais promoviam o uso
Nas décadas de 60, 70 e 80, a prática de isolamento compulsório foi perdendo força no
Brasil, perdendo o respaldo legal por meio de leis federais e estaduais. Muitas dessas leis não
foram respeitadas de imediato, e uma boa parcela dos leprosos permaneceu vivendo nessas
colônias, pois não conseguiam se reinserir na sociedade, visto o forte estigma que a doença
No Brasil não foi diferente. O leproso carregava não só apenas marcas as físicas e deformações
familiar.
A exclusão dos doentes da sociedade se dava em muitos âmbitos, não apenas quando as
marcas da doença apareciam, mas já no instante em que ganhava o título de leproso, momento
em que todos ao seu redor se afastavam. O isolamento não era apenas físico, mas também social.
Não era raro o lázaro ser renegado dentro da própria família. Ter um parente leproso era motivo
de vergonha. O julgamento moral era também fardo da família, sobretudo dos filhos do
lazarentos. (1,5)
doença, com deformidades acentuadas, sofriam preconceito e exclusão social dentro das
colônias. Era comum o isolamento desses em uma ala própria. Eram chamados vulgarmente
sofriam igual isolamento e carregavam o mesmo estigma de seus pais. Muitos deles foram
separados logo ao nascer de suas mães, visto que se acreditava que o simples toque da
Os leprosos curados e seus filhos sofreram grandes barreiras no que tangem o acesso à
oportunidades de vida eram minadas pelo medo de uma doença milenar. Essas pessoas
dificilmente atingiam uma escolaridade satisfatória e também quase nunca obtinham um bom
Eis alguns depoimentos de filhos de leprosos que relatam o estigma e preconceito por eles
vivenciados: (5)
“ Todo mundo sabia que morei no educandário e as pessoas tinham preconceito. Era
“As pessoas de fora não gostavam da gente porque éramos filhos de leproso e os
sabia que eu era do edu-candário, mas depois que ficaram sabendo não queria mais que eu
“No educandário, a gente só podia estudar até o quarto ano e não podia estudar fora
porque éramos tidos como o próprio doente e as pessoas de fora tinham medo da gente”.
separado dos que tinham saúde [...] Eu era excluído na sala de aula e sempre me criticavam”.
(5)
A Hanseníase no Brasil
Hanseníase. Muita discussão sobre o novo nome da doença ocorrera: por um lado o hanseniano
não carregaria todo o estigma e preconceito do termo antigo, por outro lado, a mudança de nome
não permitiu o esvaziamento de toda a carga negativa que o termo Lepra carrega. É como se
fossem duas doenças diferentes. O hanseniano é aquele que carrega o Bacilo de Hansen, o
leproso é aquele que carrega uma doença maldita, é um ser asqueroso, doente, desagradável e
imoral. (1,3,5)
Em 1981 foi criado o MORHAN, Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela
Hanseníase, cujo objetivo é defender os direitos dos hansenianos, promover o respeito e o fim do
preconceito contra os doentes, além de informar a população sobre a doença e sua cura. Muitas
conquistas foram realizadas, como uma pensão mensal para os hansenianos que foram isolados
nas colônias até o ano de 1986. Além disso, o grupo atua defendendo o direito dos filhos que
foram separados de seus pais durante o “holocausto hanseniano”, promovendo também o
encontro de familiares que foram separados por esse trágico episódio. (6)
país é o segundo colocado em número absoluto de casos, ficando atrás somente da Índia, e ganha
Moçambique, Nepal e Congo são um dos poucos países que ainda não conseguiram atingir uma
meta aceitável de 1 caso da doença para cada 10 mil habitantes, estipulada pela OMS. Se
identificaram 25,2 mil novos casos no país, em 2016, número que representa 11,6% da
ocorrência mundial da doença. A taxa de redução de casos cresceu nos últimos 10 anos, porém
ainda muito abaixo da queda mundial. Esses dados não só denunciam a precariedade de nosso
sistema de saúde, como também refletem a perpetuação da negligência para com essa doença
milenar. (7,8)
Fontes
Regina Petters Gregório, Ana Maria Espíndola Koerich, e Dorotéa Löes Ribas.
708–12. https://doi.org/10.1590/S0034-71672008000700009.
3 - Faria, Lina, e Luiz Antonio de Castro Santos. “A hanseníase e sua história no Brasil: a
4 - http://www.clicrbs.com.br/sites/swf/dc_segregados/index.html
5 - Pinheiro, Mônica Gisele Costa, e Clélia Albino Simpson. “Preconceito, estigma e exclusão
stigma and exclusion: relatives’ lives affected by asylum-based treatment of leprosy]”. Revista
6 - http://www.morhan.org.br/institucional
7 - http://www.prohansen.org/indicadoresdahanseniase
8 - http://www.morhan.org.br/institucional
CONCLUSÃO
muitas doenças dermatológicas, ou apenas que manifestassem sinais cutâneos, fossem percebidas
que nunca fora de fato epidêmica, seu medo era fundado no estigma da sociedade e no tipo de
vida que era imposta ao leproso. A doença era marginalizante não só por atacar a imagem
externa do corpo, mas também por criar juízos de valores quanto à índole do doente.
No Brasil a Lepra foi uma doença que carregava consigo uma áurea maldita, oriunda dos
tempos bíblicos. Não bastasse as deformações e manchas que causava, os chamados leprosos
eram excluídos de várias esferas sociais por carregarem a moléstia. A construção de Leprosários
e a internação compulsória foram o ápice das atrocidades cometidas contra os hansenianos. Nas
exterior.
A mudança do nome da doença para Hanseníase foi um marco. A doença milenar que
“higienizada”. O leproso é o ser maldito. O hanseniano é aquele que porta a hanseníase, uma
doença curável.
Apesar de algumas conquistas e avanços tanto na área da saúde quanto no reparo ao “Holocausto
Hanseniano”, os índices brasileiros de hanseníase não são nada agradáveis. O país é o segundo
em número de casos da doença. Os dados brasileiros são similares ao de países africanos como
Moçambique e Congo. A conjuntura atual deve ser motivo de vergonha para a nação, que aiznda
BÍBLIA SAGRADA. Leis acerca da Lepra. Levítico 13: 1-59. 12ª. ed. Rio de Janeiro: [s.n.], v.
1110, 2008. 1110 p.
EIDT, L. M. Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil e
o Rio Grande do Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira. Saúde e Sociedade, São Paulo,
Maio/Agosto 2004.