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As citações tiradas de textos escritos originalmente em língua estrangeira foram traduzidos por mim.
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De acordo com Faria (2001), foram esses jovens estudantes de Direito em São Paulo que, através da
publicação de Ensaios sobre a tragédia, em 1833, introduziram no Brasil os primeiros debates em torno da
querela entre os adeptos ao romantismo e os favoráveis aos princípios clássicos.
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Numa palavra, em vossos dramas, pensai como Corneille, escrevei como
Racine, movei como Voltaire! Com estas regras, com estes exemplos, o
teatro brasileiro surgirá com glória, e merecerá ser contado no número
daqueles que podem servir de modelo.
O ensaio chama atenção pela preocupação didática com que os autores criticavam a
estética romântica, em oposição aos princípios clássicos. Vislumbravam-se estes últimos
como modelos que deveriam nortear a criação de uma dramaturgia nacional.
Mais de meio século depois, e já bem apartado dos ideais clássicos, Arthur Azevedo
(AZEVEDO, 1896 In NEVES; LEVIN, 2009), figura importantíssima do teatro brasileiro
do final do século XIX, continuava a conclamar a arte dramática francesa como um ideal a
ser seguido pelos artistas locais:
A França, para ter uma literatura dramática, não esperou pelos progressos
da política, nem do comércio, nem da indústria. O mesmo façamos nós,
embora não tenhamos à mão grandes comediographos nem grandes actores.
De fato, Paris retinha as atenções dos intelectuais brasileiros, dos autores de teatro e
dos atores. O país de Sarah Bernhardt era então tomado como um modelo de cultura, de
bom gosto, de erudição, de cosmopolitismo, de progresso, em suma, de Civilização.
Aproveitando os ventos favoráveis, os artistas do Velho Mundo vinham “fazer a América”
em turnês pelas principais cidades latino-americanas, estadunidenses e canadenses. O
exemplo da “divina”, como ficou conhecida Sarah Bernhardt, é particularmente importante.
Muitas vezes bastante endividada e tendo deixado a França sob a mira dos críticos
parisienses, Sarah aparecia para o Novo Mundo com ares de embaixadora da cultura e do
espírito franceses. É o que nos sugere o seguinte trecho de uma declaração da atriz ao jornal
Le Figaro em 26 de dezembro de 1896 :
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Na América do Sul, no Brasil, os estudantes lutaram a golpes de espada
porque queriam impedi-los de gritar ‘Vive la France!’ carregando meu
carro... (TALMEYR,1896)
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É também importante lembrar que artistas como Sarah Bernhardt buscavam incluir em seus repertórios
peças de sucesso comprovado, cujos enredos, muitas vezes, eram já velhos conhecidos das plateias brasileiras.
A dama das camélias, de Dumas Filho, interpretada por Sarah Bernhardt em sua primeira turnê no Brasil,
havia representada no Rio de Janeiro já em 1856, pela companhia dramática do Teatro Ginásio, onde
trabalhava o ensaiador francês Emile Doux. (SOUZA, 2002, p.73)
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Para a autora, a interpretação da “divina” influenciava diretamente a maneira como
os espectadores “percebiam” o texto dito em cena. Também Yon (2008, p.12), em seu livro
sobre o teatro francês no exterior, narra uma divertida anedota, tirada das memórias do
empresário Schürmann4, que sublinha a importância da figura do ator para o processo de
difusão da arte dramática francesa:
[...] ocorreu que uma noite, numa cidade do faroeste americano, por conta
de um erro na distribuição das brochuras, o público assistiu à Sarah
Bernhardt representar A Dama das Camélias seguindo conscienciosamente,
no programa, o resumo de Fedra; ninguém percebeu o erro...
O tal erro do público mostra que, além das traduções das peças originais, os
diversos elementos envolvidos no fenômeno teatral também determinaram o modo como a
arte dramática francesa se difundiu pelo mundo. Afinal de contas, um público que não
percebia diferenças entre o resumo de Fedra e a representação de A dama das Camélias
certamente estava muito mais atento à presença cênica ou aos figurinos de Sarah Bernhardt
do que ao texto em si. Isso sem contar o significado simbólico e social da ação de “ir ao
teatro”: talvez, para os espectadores, mais importante do que o texto encenado fosse o ato
de frequentar o teatro onde estava “a França”, encarnada por Sarah Bernhardt.
A importância dos atores e atrizes para a propagação do teatro francês no século
XIX parece, então, evidente. Entretanto, é preciso salientar que o exemplo de Sarah
Bernhardt é um caso particular de uma atriz renomada, cujas turnês foram, em geral, bem
sucedidas. É claro que, pelo lugar de destaque da atriz no cenário teatral internacional e
pelo impacto de suas viagens ao Brasil, o exemplo da “divina” mostra-se um elemento-
chave para as reflexões sobre a expansão do teatro francês em terras tropicais. Tendo sido
admirada pelos intelectuais como um modelo para artistas locais, as viagens de Sarah
merecem ser analisadas em meio a uma reflexão sobre a construção do teatro brasileiro face
à influência francesa no século XIX. Para além do recorte desta tese, seria, por exemplo,
extremamente oportuno contrapor o caso de Sarah a turnês de artistas franceses de menor
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Nascido em 9 de avril de 1857, Joseph Schürmann organizou turnês de importantes artistas europeus como
Adelina Patti, Sarah Bernhardt e Coquelin et Antoine.
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notoriedade, que mambembaram pelo país sem a fama, nem os recursos financeiros da
“divina”. Ou seja: o conjunto de estudos sobre variados aspectos da presença francesa no
Brasil (artistas, circulação de obras originais, bem como suas traduções e adaptações)
reunirá, enfim, aspectos essenciais à construção de um panorama das relações culturais
franco-brasileiras no século XIX.
REFERÊNCIAS
FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva:
Fapesp, 2011.
MARKS, Patricia. Sarah Bernhardt’s first American theatrical tour, 1880-1881. North
Carolina: Mc Farland & Company, Inc., Publishers, 2003.
TALMEYR, Maurice. Examen de Sarah, Le Figaro, Paris, ano 42, n. 361, p.1, 26 dez.1896.
YON, Jean-Claude. (Org.) Le théâtre français à l’étranger au XIXe siècle: histoire d’une
suprématie culturelle. Paris: Nouveau Monde, 2008.