Anda di halaman 1dari 275

Night Huntress.

Vol 07
(ÚLTIMO LIVRO DA SAGA)

Up From the Grave


(Saindo da Sepultura)
Jeaniene Frost

SEMPRE HÁ MAIS UMA SEPULTURA PARA CAVAR.


Ultimamente a vida tem sido estranhamente calma para os
vampiros Cat Crawfield e seu marido, Bones. Eles deveriam ter
pensado melhor antes de abaixar a guarda, por que uma revelação
chocante os enviou de volta a ação para deter uma guerra geral…
Um agente corrupto da CIA está envolvido em atividades secretas
horríveis que ameaçam aumentar as tensões entre humanos e
mortos-vivos à níveis perigosos. Agora Cat e Bones estão em uma
corrida contra o tempo para salvar seus amigos de um destino pior
do que a morte… porque quanto mais segredos eles desvendam,
mais mortais são as consequências. E se eles falharem, suas vidas,
e a de todos por quem eles se importam, estarão pairando à beira
da sepultura.

Créditos:
Equipe Night Huntress de Tradução
http://www.facebook.com/groups/nighhuntressoficial/
(sim, está escrito nigh e não night no link do grupo. Pequena falha
técnica incorrigível no Facebook ;)
Prologo

C runch.

O som era um alívio. Assim como a súbita frouxidão na forma abaixo dela.
Acabou.
Ela pulou para fora do corpo antes que ele começasse a vazar como todos
eles faziam. Então ela ficou de prontidão, cuidando para não olhar diretamente
para o homem velho que a assistia por trás de uma grossa camada de vidro.
Ele não gostava quando ela olhava em seus olhos.
O homem franziu os lábios enquanto considerava os resultados do seu
último teste. Ela não moveu um músculo, mas, por dentro, sorria por causa da
música que continuava tocando na mente dele. Seus outros instrutores
raramente cantarolavam em seus pensamentos, mas ele fazia. Toda vez. Se
isso não fosse deixá-lo bravo, ela diria a ele que gostava daquilo, mas seu
instrutor não gostava de pessoas espreitando em sua mente. Ela ouviu aquilo
brevemente após adquirir a habilidade, então ela nunca disse a ele sobre ela.
— Sete segundos. — Ele disse finalmente, olhando para o cadáver. —
Essas cobaias não representam mais um desafio para você.
Ele parecia satisfeito, mas, ainda assim, ela não sorriu. Exibir emoções
levava a muitas perguntas, e ela queria voltar às suas instruções.
— Está na hora de seguir para a próxima fase. — Ele continuou.
As palavras pareciam ser dirigidas a ela, mas, na verdade, ele estava
falando com o homem por trás do espelho vinte metros acima dele. Como ela
não deveria saber que ele estava lá, ela acenou.
— Estou pronta.
— Está?
A forma como ele prolongou a palavra a avisou de que esse próximo teste
não seria fácil, e foi por isso que ela não pôde se impedir de piscar em
surpresa quando a rampa acima dela se abriu e outra cobaia caiu na arena. Ele
parecia igual aos outros que ela neutralizou, mas quando ele levantou e a
encarou, ela entendeu. Seu novo oponente não tinha batimento cardíaco.
— O que é isso? — Ela perguntou, seu coração começando a bater mais
rápido.
Seu oponente tinha uma pergunta, também.
— Mas que porra é essa?
— Neutralize isso. — Seu instrutor grisalho ordenou.
Ela escondeu o desapontamento. Talvez, se terminasse rápido, ela seria
recompensada com uma resposta. No mínimo, neutralizar essa… coisa, valeria
a ela mais informação.
Ela atacou sem outro momento de hesitação, varrendo as pernas daquilo
debaixo dele antes de esmagar o cotovelo em sua garganta.
Crunch.
Seus ossos quebraram com o som comum, mas, ao invés de ficar mole, a
coisa a jogou para longe e saltou para cima, dando ao velho um olhar de
descrença.
— O que você fez?
Enquanto aquilo falava, seu pescoço estalou de volta ao lugar, consertando
seu ângulo torto em menos tempo do que ela levou para piscar outra vez. Ela
encarou, confusa. Que tipo de criatura podia se curar daquele jeito?
— Você quer viver? — Seu instrutor respondeu friamente a coisa. — Você
terá que matá-la.
Aquelas mesmas palavras foram ditas para muitos oponentes antes desse,
ainda assim, pela primeira vez, suas mãos ficaram úmidas. Com sua incrível
habilidade de cura, era possível neutralizar essa coisa?
Ela olhou para o velho, encontrando seu olhar por um segundo antes de
desviar. Mesmo naquele breve momento, ela teve sua resposta.
A coisa podia ser morta. Ela só tinha que descobrir como.
Capitulo Um

I gnorar um fantasma é muito mais difícil do que você pensa. Para começar,
paredes não atrapalham sua espécie, então, apesar de eu fechar a porta na
cara do espectro vadiando do lado de fora da minha casa, ele me seguia para
dentro como se fosse convidado. Apertei a mandíbula irritada, mas comecei a
descarregar os mantimentos como se eu não tivesse notado. Acabei muito
rápido. Ser uma vampira, casada com outro vampiro, significava que minha
lista de compras era bem pequena.
— Isso é ridículo. Você não pode continuar me evitando para sempre, Cat,
— o fantasma murmurou.
Sim, fantasmas também podem falar. Isso os tornava ainda mais difíceis de
ignorar. Claro, também não ajudava o fato de esse fantasma ser meu tio. Vivos,
mortos, mortos-vivos… família tinha um jeito de entrar sob sua pele quer você
queira ou não.
Caso em questão: Apesar do meu voto de não falar com ele, não pude evitar
responder.
— Na verdade, já que nenhum de nós está ficando mais velho, eu posso
fazer isso para sempre, — notei friamente. — Ou até que você fale tudo o que
sabe sobre o idiota coordenando nossa antiga equipe.
— É sobre isso que vim aqui falar com você, — ele disse.
Surpresa e suspeita fizeram meus olhos se estreitarem. Por quase três
meses, meu tio Don se recusou a divulgar qualquer coisa sobre meu novo
inimigo, Jason Madigan. Don tinha uma história com Madigan, um importante
ex CIA que tomou a unidade secreta do governo para a qual eu costumava
trabalhar, mas ele continuava calado sobre os detalhes mesmo quando seu
silêncio significava que Madigan quase tinha feito eu, meu marido e outras
pessoas inocentes sermos mortos. Agora ele estava pronto para falar? Algo
mais devia estar acontecendo. Don era tão patologicamente cheio de segredos
que eu não tinha descoberto que éramos parentes até quatro anos depois de
eu começar a trabalhar para ele.
— O que aconteceu? — perguntei sem preâmbulos.
Ele repuxou uma sobrancelha cinza, um hábito que ele não pôde perder
mesmo depois de perder seu corpo físico. Ele também vestia seu habitual terno
e gravata apesar de morrer usando um traje de hospital. Eu acharia que eram
minhas lembranças ditando como Don aparecia para mim exceto pelas
centenas de outros fantasmas que conheci. Podia não existir shopping centers
no pós vida, mas auto imagem residual era forte o suficiente para fazer os
outros verem fantasmas do jeito que eles se viam. Em vida, Don foi o retrato de
um perfeito burocrata de seus sessenta e poucos anos bem arrumado, então
era como ele parecia em morte.
Ele também não tinha perdido a tenacidade por trás daqueles olhos cor de
chumbo, a única característica física que tínhamos em comum. Meu cabelo
ruivo e pele pálida vieram do meu pai.
— Estou preocupado com Tate, Juan, Dave e Cooper, — Don declarou. —
Eles não estiveram em casa faz semanas e, como você sabe, não posso entrar
no complexo para verificar se eles estão lá.
Eu não salientei que era culpa de Don o Madigan saber como deixar o
prédio a prova de fantasmas. Fortes combinações de erva, alho e sálvia
queimando manteria todos, exceto os fantasmas mais fortes, afastados. Depois
que um fantasma quase matou Madigan ano passado, ele equipou nossa
antiga base com um fornecimento generoso dos três.
— Quanto tempo faz, exatamente, desde que você os viu?
— Três semanas e quatro dias, — ele respondeu. Ele pode ter falhas, mas
Don era meticuloso. — Se apenas um deles estivesse afastado esse tempo
todo, eu presumiria que ele estava em um trabalho disfarçado, mas todos eles?
Sim, isso era estranho até mesmo para membros de uma divisão secreta da
Segurança Interna que lidava com membros de mau comportamento da
sociedade morta-viva. Quando eu era um membro do time, o trabalho
disfarçado mais longo em que estive foram onze dias. Vampiros perigosos e
ghouls tendem a frequentar os mesmos lugares se fossem tolos o suficiente
para agir a ponto de chamarem a atenção do governo dos Estados Unidos.
Porém, eu ainda não ia presumir o pior. Chamadas telefônicas estavam além
das capacidades de Don como um fantasma, mas eu não tinha esse obstáculo.
Tirei um celular da gaveta da minha cozinha, discando o número de Tate.
Quando a secretária eletrônica atendeu, eu desliguei. Se algo tivesse
acontecido e Madigan fosse responsável, ele estaria checando as mensagens
de Tate. Não havia necessidade de lhe dar sinal de que eu estava
bisbilhotando.
— Nenhuma resposta, — eu disse a Don. Então deixei aquele telefone de
lado e peguei outro celular na gaveta, discando para Juan em seguida. Depois
de alguns toques, uma voz melódica com sotaque espanhol me instruía a
deixar uma mensagem. Não deixei, desligando e pegando outro telefone na
gaveta.
— Quantos desses você tem? — Don murmurou, flutuando sobre meu
ombro.
— O suficiente para dar a Madigan uma enxaqueca, — eu disse com
satisfação. — Se ele estiver rastreando chamadas para os telefones deles, ele
não vai descobrir minha localização em nenhum desses, por mais que ele
adoraria saber onde estou.
Don não me acusou de ser paranoica. Assim que ele assumiu o antigo
emprego do meu tio, Madigan deixou claro que não gostava de mim. Eu não
sabia o motivo. Naquela época eu já estava afastada do time e, até onde
Madigan sabia, não havia mais nada especial a meu respeito. Ele não sabia
que me transformar de meia vampira para vampira completa tinha vindo com
efeitos colaterais inesperados.
O telefone de Dave também foi direto para caixa postal. Assim como o de
Cooper. Considerei tentar ligar para eles em seus escritórios, mas eles ficavam
dentro do composto. Madigan podia ter escutas suficientes naquelas linhas
para me localizar não importa o quanto eu tivesse arranjado para os sinais de
celular serem redirecionados.
— Ok, agora eu também estou preocupada, — eu disse finalmente. —
Quando Bones chegar em casa, vamos descobrir um jeito de dar uma olhada
mais de perto no complexo.
Don me olhou sobriamente. — Se Madigan tiver feito alguma coisa a eles,
ele vai esperar que você apareça.
Mais uma vez comprimi o maxilar. Com certeza eu apareceria. Tate, Dave,
Juan e Cooper não eram apenas soldados com quem lutei lado a lado por anos
quando eu era parte do time. Eles também eram meus amigos. Se Madigan
fosse responsável por algo ruim acontecendo com eles, logo ele iria se
arrepender.
— É, bem, Bones e eu tivemos alguns meses de relativa calma. Acho que é
hora de animar as coisas novamente.
M eu gato, Helsing, pulou do meu colo ao mesmo tempo em que o ar ficou
carregado com pequenas correntes invisíveis. Emoções rolavam sobre meu
subconsciente. Não eram minhas, mas quase tão familiares para mim.
Instantes depois, ouvi o som de pneus na neve. Quando a porta do carro se
fechou, Helsing já estava na porta, sua longa cauda preta se contraindo em
antecipação.
Fiquei onde eu estava. Um gato esperando na porta era suficiente, obrigada.
Com uma lufada de ar gelado, meu marido entrou. Um Bones revestido de
neve, o fazendo parecer que tinha sido polvilhado com açúcar. Ele bateu os
pés para retirar os flocos de neve de suas botas, fazendo Helsing pular com um
sibilo.
— Certamente ele acha que você deveria fazer carinho nele primeiro e lidar
com a neve depois, — eu disse.
Olhos tão escuros que eram quase negros encontraram os meus. Assim que
eles se encontraram, meu divertimento se transformou em apreciação feminina
primal. As bochechas de Bones estavam coradas e a cor acentuava sua pele
impecável, feições esculpidas e boca sensualmente carnuda. Então ele tirou o
casaco, revelando uma camisa azul escuro que se aderia aos seus músculos
como se os revelasse. Jeans pretos estavam ajustados nos lugares certos,
destacando um abdome liso, coxas fortes e uma bunda que podia ser uma obra
de arte. Quando trouxe o olhar de volta para seu rosto, seu leve sorriso se
transformou em um sorriso malicioso. Mais emoções envolveram meu
subconsciente enquanto seu cheiro—uma rica mistura de especiarias, almíscar
e açúcar queimado—enchia o ambiente.
— Já sentindo minha falta, Kitten?
Eu não sabia como ele conseguia fazer a pergunta soar indecente, mas ele
fazia. Eu diria que o sotaque Inglês ajudava, mas seus melhores amigos eram
Ingleses e suas vozes nunca transformavam meu interior em geleia.
— Sim, — eu respondi, me levantando e indo até ele.
Ele me observou, não se movendo enquanto eu deslizava lentamente
minhas mãos para enlaçá-lo atrás do pescoço. Eu tinha que ficar na ponta dos
pés para fazer isso, mas estava tudo bem. Isso nos deixou mais perto e sentir
seu corpo firme era quase tão intoxicante quanto os redemoinhos de desejo
que circulavam minhas emoções. Eu amava poder sentir suas emoções como
se fossem minhas. Se eu soubesse que essa era uma das vantagens em ele
me transformar em uma vampira completa, eu teria atualizado meu estado de
mestiça anos atrás. Então ele baixou a cabeça, mas antes que seus lábios
roçassem os meus, eu me virei.
— Não até você dizer que sentiu minha falta também, — eu provoquei.
Em resposta, ele me pegou, seu aperto facilmente subjugando minha luta
falsa. Couro macio encontrou minhas costas quando ele me colocou no sofá,
seu corpo era uma barricada que eu não queria expulsar. Ele colocou as mãos
ao redor do meu rosto, me segurando possessivamente enquanto o verde
preenchia suas íris e as presas deslizavam de seus dentes.
Minhas próprias presas cresceram em resposta, pressionando contra lábios
que estavam entreabertos em antecipação. Ele inclinou a cabeça, mas ele
apenas roçou sua boca sobre a minha com uma rápida carícia antes de rir.
— Dois podem brincar de provocar, amor.
Comecei a lutar a sério, o que o fez rir ainda mais. Meu alto número de
mortes tinha me feito merecer o apelido de Red Reaper no mundo morto-vivo,
mas mesmo antes dos novos e impressionantes poderes de Bones, eu não era
capaz de vencê-lo. Tudo que meus movimentos fizeram foi esfregá-lo contra
mim de forma mais erótica—que era o porquê de eu continuava fazendo.
O zíper do meu blusão de moletom desceu todinho sem ele tirar as mãos da
minha cabeça. Minhas roupas foram mais resultados da prática com sua nova
telecinese. Em seguida, o fecho frontal do meu sutiã se abriu, desnudando a
maior parte dos meus seios. Sua risada mudou para um rosnado que enviou
um delicioso formigamento através de mim, endurecendo meus mamilos. Mas
quando os botões de sua camisa azul se abriram, a cor me lembrou dos olhos
de Tate—e a notícia que eu precisava contar a ele.
— Tem algo acontecendo, — eu disse com um suspiro.
Dentes brancos brilharam antes de Bones baixar a boca para meu peito. —
Que cliché, mas, no entanto, verdade.
A parte mais baixa de mim sussurrou que eu podia adiar essa conversa por
uma hora ou mais, mas a preocupação com meus amigos afastou isso. Eu me
dei uma sacudida mental e enchi a mão com os cachos castanhos escuros de
Bones, puxando sua cabeça para cima.
— Estou falando sério. Don apareceu e transmitiu uma informação
potencialmente perturbadora.
Pareceu levar um segundo para as palavras penetrarem, mas então ele
ergueu as sobrancelhas. — Depois desse tempo todo, ele finalmente lhe disse
o que ele está escondendo sobre Madigan?
— Não, ele não disse, — eu falei, balançando minha cabeça de verdade
dessa vez. — Ele queria que eu soubesse que Tate e os outros não estiveram
em casa por três semanas. Tentei ligar para seus celulares e só consegui caixa
postal. Na verdade, isso me distraiu quanto a pressionar Don sobre o passado
dele com Madigan.
Bones bufou, o breve sopro de ar pousando no vale sensível entre meus
seios. — Cara esperto, sabia que iria te distrair. Duvido que foi acidente o fato
de ele lhe dar essa informação enquanto eu estava fora.
Agora que a preocupação com meus amigos não era prioridade em minha
mente, eu duvidava que isso fosse um acidente também. Don esteve em
minha casa o suficiente para saber que Bones saia por algumas horas de vez
em quando para se alimentar. Eu não ia com ele já que minhas necessidades
nutricionais estavam em outro lugar. Interiormente eu xinguei. Descobrir se
meus amigos estavam bem ainda era de extrema importância, assim como era
descobrir o que Don sabia sobre Madigan. Devia ser monumental para meu tio
manter em segredo mesmo quando não nos falamos por meses em resultado
disso. Afinal de contas, eu não era apenas a única família que tinha restado
para Don—como uma vampira, eu também era uma das poucas pessoas que
podia vê-lo em seu novo estado de fantasma.
— Vamos lidar com meu tio mais tarde, — eu disse, afastando Bones com
um suspiro de arrependimento. — Agora, precisamos encontrar um jeito de
entrar no meu antigo complexo que não envolva nós dois terminando em uma
cela para vampiros.
Capitulo Dois

Q uando eu trabalhava para o governo, projetei o sistema de segurança


que protegia a base da nossa equipe de operações. Não era suficiente que o
edifício fosse um antigo abrigo antiaéreo da CIA com quatro, dos seus cinco
níveis, abaixo do solo. Ele também tinha sensores monitorando a área em um
quilômetro e meio em todas as direções, e eu quero dizer todas mesmo. Se um
bando de ratos cavasse muito perto de um dos níveis subterrâneos, eles
disparariam vários alarmes.
E Madigan era ainda mais paranoico que eu. É por isso que Bones e eu
estávamos a seis quilômetros e meio de distância, olhando para a base com
binóculos do nosso poleiro no alto de uma árvore. Do lado de fora, parecia com
um aeroporto privado comum que estava à beira de fechar. Lá dentro, ele
continha uma das equipes táticas mais duras do país, para não mencionar
toneladas de informação confidencial. As pessoas comuns não tinham ideia de
que dividiam o planeta com mortos vivos, e era assim que nosso governo
queria manter as coisas.
Geralmente, eu concordava com a política de que a ignorância é uma
bênção. Hoje, entretanto, isso tornava as coisas mais complicadas.
— Vamos encarar, nós só temos uma escolha, — Eu disse, abaixando meus
binóculos. — Don disse que Madigan não iria sair tão cedo, nós não podemos
invadir o local sem matar pessoas inocentes e não há nenhuma maneira de
nós entrarmos escondidos sem sermos pegos.
Bones bufou. — Pensando em tocar a campainha, então?
Eu o encarei. — Isso é exatamente o que eu pretendo fazer.
Sobrancelhas escuras se ergueram por um instante, então ele deu de
ombros. — Nos dá o elemento surpresa, pelo menos.
Então ele largou seu binóculo e puxou o celular, digitando algo rápido
demais para que eu pudesse ler.
— O que é isso?
— Segurança, — ele respondeu. — Se eu não mandar outra mensagem
para Mencheres em seis horas, ele virá por nós.
Olhei de volta para o edifício com um tremor interno. E eu aqui me
preocupando com transeuntes inocentes. Mencheres não era apenas a versão
vampírica do avô de Bones e co-regente das duas enormes linhagens deles…
Ele também é o vampiro mais poderoso que eu já conheci. Não sobraria nada
de pé se ele viesse aqui nos buscar.
— Vamos torcer para que Madigan esteja se sentindo cooperativo, — eu
disse, tentando manter minha voz leve.
Bones enfiou seu celular entre dois ramos e pulou, pousando em seus pés
com mais graça que um jaguar.
— Eu duvido, mas milagres acontecem.

— E la está aqui?

Era quase engraçado ouvir o tom chocado do outro lado da linha. Eu não
podia ver o rosto do guarda através do seu visor escuro, mas sua voz também
tinha uma distinta nota de surpresa.
— Sim, senhor. Ela e o outro vampiro.
Bones sorriu, imperturbável por todas as armas miradas em sua direção. Eu
tinha tantas quantas miradas para mim. Pontos para os guardas por não serem
sexistas.
Houve um longo silêncio, então a voz de Madigan voltou à linha, soando
concisa agora.
— Deixe-os entrar.
Bones e eu passamos pelos próximos cinco postos de controle sem
incidentes antes de finalmente chegarmos ao edifício principal. Quando as
espessas portas de metal da base fecharam atrás de nós, eu torci para que o
som de trava fosse um novo recurso de segurança e não Madigan tentando
nos prender. Isso não seria um bom sinal para o destino dos meus amigos, e
muito menos para os empregados lá dentro.
Mais guardas de capacetes nos escoltaram para o escritório de Madigan,
não que isso fosse necessário. Eu poderia encontrar o caminho até mesmo
vendada, visto que esse costumava ser o escritório do meu tio. Madigan não
perdeu tempo em se instalar aqui uma vez que assumiu.
O homem cujo passado era tão obscuro que meu tio se recusava a divulgar
o que sabia sobre ele se levantou de seu assento quando entramos. Madigan
não estava sendo educado – aquilo era para reforçar o olhar afiado que ele
lançava em nossa direção.
— Você em uma coragem surpreendente.
Eu dei de ombros. — Eu diria que nós estávamos pela vizinhança, mas…
Eu deixei a frase suspensa. Bones assumiu imediatamente.
— Você sabe que nós não suportamos você, então porque fingir que essa é
uma visita social?
Ou Madigan se lembrava de que franqueza era a marca registrada de
Bones, ou ele não se importava com o insulto. Eu não poderia dizer, já que não
podia ouvir seus pensamentos por trás de uma música de Barry Manilow que
ele repetia em sua cabeça. Eu odiava Madigan, mas eu tinha que dar-lhe
crédito pela defesa que ele tinha desenvolvido contra o controle de mente
vampírico. Ninguém podia atravessar os mantras irritantes que ele escolhia.
Então, com um brilho nos olhos que parecia muito satisfeito para meu gosto,
ele acenou para as cadeiras em frente a sua mesa.
— Eu disse que te prenderia se você voltasse, mas por acaso, temos alguns
assuntos para discutir.
Ele tinha assuntos comigo? A curiosidade me impediu de exigir saber onde
Tate e os outros estavam. Eu veria o que Madigan tem na manga primeiro.
Bones ficou onde estava, mas eu sentei e estiquei minhas pernas quase
vagarosamente enquanto considerava o homem magro de óculos em minha
frente.
— Dispare.
Um leve sorriso esticou a boca de Madigan, como se estivesse
contemplando a outra possibilidade por trás daquela diretiva.
— Da última vez que você esteve em meu escritório, você me disse para ler
o seu arquivo pessoal. Eu segui seu conselho.
Eu vagamente me lembrava de ter dito a ele para fazer isso, para que ele
percebesse que meu tio também já foi tão desconfiado de vampiros quando
Madigan era. Don superou seu preconceito, mas Madigan nunca mudaria sua
visão hostil sobre a minha espécie, não que eu me importasse mais.
— Aham, — eu disse com um grunhido evasivo.
— Quando o fiz, encontrei algo interessante, — ele continuou, antes de tirar
os óculos como se para procurar por fiapos nele.
— O quê? — Eu perguntei, não me importando em esconder o tédio em
minha voz.
Ele olhou para cima, e seu olhar azul brilhou. — Você partiu antes que seu
termo de serviço acabar.
Agora eu bufei em diversão. “Você deveria ter lido aqueles arquivos mais
cuidadosamente. Don concordou em encurtar meus termos de serviço se
Bones transformasse em vampiros os soldados que ele escolheu. Nós
terminamos aqui quando Bones transformou Tate e Juan. Dave ser trazido de
volta como um ghoul foi um bônus.
— Esse foi o acordo que Don requisitou aos seus superiores, mas seu
pedido foi negado. — Madigan me deu um breve sorriso de satisfação
enquanto colocava seus óculos de volta. — De acordo com o governo dos
EUA, você ainda tem cinco anos de serviço ativo para cumprir e, ao contrário
do seu falecido tio, eu não vou falsificar registros para te deixar escapar disso.
Eu estava muito chocada para responder, mas a risada do Bones quebrou o
silêncio.
— Você tem que estar zoando comigo.
— Eu deveria saber o que isso significa? — Madigan perguntou friamente.
Bones se inclinou para frente, todos os vestígios da risada haviam sumido.
— Permita-me ser claro: se você pensa que vai forçar minha esposa a
trabalhar para você, você não sabe com quem está fodendo.
Se ele estava se referindo a ele ou a mim, eu não sabia, e finalmente
encontrei minha voz.
— Você ganhou pontos por contar a melhor piada que eu ouvi o ano todo,
mas eu não estou com humor para jogar. Nós viemos para descobrir onde
Tate, Dave, Juan e Cooper estão. Pelo que ouvi, eles não foram para casa em
semanas.
— Isso é porque eles estão mortos.
Minha mente imediatamente rejeitou as palavras ditas sem rodeios, razão
pela qual eu não saltei para frente e rasguei a garganta de Madigan ali mesmo.
— Duas piadas. Você está com tudo, mas eu estou sem paciência. Onde
eles estão?
— Mortos.
Madigan pronunciou a palavra com algo próximo à satisfação dessa vez. Eu
estava de pé, presas expostas para rasgar carne, quando Bones me puxou de
volta com um aperto tão forte que eu não pude quebrar mesmo em minha fúria.
— Como? — Bones perguntou calmamente.
Madigan deu um olhar cauteloso para o aperto que Bones tinha em mim
antes de responder. — Eles foram mortos enquanto tentavam derrubar um
ninho de vampiros.
— Deve ter sido um ninho e tanto.
Madigan deu de ombros. — Como se viu, sim.
— Eu quero os corpos deles.
Madigan mostrou mais surpresa do que quando eu pulei nele. — O quê?
— Os corpos deles, — Bones respondeu, sua voz endurecendo. — Agora.
— Por quê? Você nem mesmo gosta do Tate. — Madigan resmungou.
Minha fúria assassina abrandou. Ele estava protelando, o que significava
que, com toda probabilidade, ele estava mentindo sobre as mortes deles. Eu
bati de leve no braço do Bones. Ele me soltou, mas uma mão permaneceu na
minha cintura.
— Meus sentimentos são irrelevantes, — Bones respondeu, — Eu os criei,
então eles são meus, e se estão mortos, então você não terá mais uso para
eles.
— E que possível uso você teria? — Madigan exigiu.
Uma sobrancelha escura se ergueu. — Não é da sua conta. Estou
esperando.
— Então é bom que você não envelhece. — Madigan rosnou enquanto
levantava. — Seus corpos foram cremados e suas cinzas jogadas fora, então
não sobrou nada para dar a você.
Se Madigan queria nos fazer crer que eles estão mortos, então eles devem
estar em sérios problemas. Mesmo que Madigan não esteja por trás disso, ele
claramente pretendia deixá-los para enfrentar seu destino.
Eu não.
Algo em meu olhar deve tê-lo alarmado, porque ele olhou para a esquerda e
direita antes de balançar uma mão na direção de Bones.
— Se você não pretende deixá-la completar seu termo de serviço, então os
dois podem sair. Antes que eu a prenda por abandono do dever, deserção e
por tentar me atacar.
Eu esperava que Bones o dissesse para onde ir, e foi por isso que eu fiquei
tão chocada quando ele apenas acenou.
— Até a próxima.
— O quê? — Eu estourei. — Não vamos partir sem mais respostas!
Sua mão apertou minha cintura.
— Nós vamos, Kitten. Não há nada para nós aqui.
Eu encarei Bones antes de voltar minha atenção para o homem velho e
magro. O rosto de Madigan tinha ficado pálido, mas sob o pesado cheiro de
colônia, ele não cheirava a medo. Ao invés disso, seu olhar azul estava
desafiante. Quase… ousado.
Mais uma vez, o aperto de Bones se intensificou. Algo mais estava
acontecendo. Eu não sabia o quê, mas eu confiava em Bones o suficiente para
não agarrar Madigan e começar a morder a verdade para fora dele como eu
queria. Ao invés disso, eu sorri o suficiente para descobrir minhas presas.
— Desculpe, mas eu não acho que você e eu teríamos uma relação de
trabalho saudável, então terei que recusar a oferta de trabalho.
Múltiplos passos soaram no corredor. Momentos depois, guardas de
capacete, fortemente armados, apareceram na porta. Em algum momento
Madigan deve ter apertado um alarme silencioso – um upgrade que ele deve
ter instalado desde a minha visita anterior ao seu escritório.
— Saiam. — Madigan repetiu.
Eu não me incomodei em fazer qualquer ameaça, mas o único olhar que
lancei a ele disse que isso não havia acabado.

N ós fomos seguidos por todo o caminho da base até a árvore onde Bones
deixou seu celular. Assim que Bones o recuperou, nós nos lançamos no ar.
Levou uma hora cruzando o céu antes que nós despistássemos o helicóptero.
Bones poderia tê-lo destruído, mas eu não tinha nada contra o piloto além de
suas habilidades de manobras. Assim que tivemos certeza de que tínhamos
despistado nossos perseguidores, eu despenquei em um campo próximo,
aterrissando com um baque e derrapando.
Bones caiu no chão ao meu lado sem nem mesmo dobrar os caules da
grama para provar. Um dia eu dominarei aterrisagem graciosamente assim. Por
enquanto, eu fui bem em não deixar uma pequena cratera em meu rastro.
— Por que nós deixamos Madigan sair dessa tão fácil? — Foram minhas
primeiras palavras.
Bones limpou alguma sujeira que eu levantei com meu impacto. — Minha
telecinese não é forte o suficiente para ter parado todas as armas.
Minha risada foi mais descrente do que divertida. — Você pensou que os
guardar seriam mais rápidos que você?
— Eles não, — Bones disse firmemente, — As metralhadoras automáticas
nas paredes em ambos os nossos lados.
— O quê? — Eu arfei.
Então eu me lembrei de como Madigan tinha olhado para a direita e
esquerda quando eu estava prestes a agredi-lo. Eu pensei que ele estava
olhando em volta em alarme. Obviamente não. Não é de se espantar que ele
não estivesse cheirando a medo.
— Como você soube? — Perguntei.
— A sala cheirava a prata e pólvora, apesar de não haver nada à vista, além
disso, a textura das paredes ao redor da mesa dele havia mudado. Ele olhando
para elas quando se sentiu ameaçado só confirmou tudo.
E eu aqui pensando que o alarme silencioso tinha sido a única adição de
Madigan ao escritório. Nota para si: Preste mais atenção ao redor.
— Por que ele não as usou? Ele sempre nos considerou uma ameaça, e
agora que sabemos que ele está mentindo sobre os rapazes, ele está certo.
A expressão de Bones estava friamente contemplativa.
— Talvez ele não estivesse seguro de que aquelas armas seriam
suficientes, mas mais revelador foi como ele tentou te obrigar a trabalhar para
ele. Ele te quer para alguma coisa, Kitten, o que significa que ele precisa de
você viva. As novas medidas de segurança eram apenas para se ele não
tivesse outra escolha.
Eu fiquei em silêncio enquanto digeria aquilo. Desde que nos conhecemos,
vários meses arás, Madigan tinha exibido um interesse incomum em mim, e
não era do tipo lisonjeiro. O que quer que ele queira, isso resultaria em minha
morte, eu não tinha dúvidas disso. A única coisa que eu não tinha certeza era o
que ele esperava conseguir antes disso.
Ele não teria a chance de descobrir. Assim que eu descobrir o que
aconteceu com meus amigos, eu matarei Madigan.
— E agora? — Eu perguntei, mentalmente me preparando para o caminho à
frente.
Bones me deu um olhar cuidadoso. — Agora nós rastreamos seu tio e o
forçamos a dizer o segredo que ele está tentando tanto esconder.
Capitulo Três

E ssa é a minha sorte… quando eu não quero falar com o Don, eu não

consigo fugir dele. Agora que eu preciso falar com ele, ele não está em lugar
algum.

Após dois dias esperando que ele aparecesse, minha paciência acabou. Em
algum lugar lá fora, meus amigos estavam em perigo, e cada segundo que
passava poderia estar levando-os mais perto da morte. Uma vez, eu fui capaz
de invocar fantasmas a quilômetros de distância, eles querendo vir ou não, mas
esse poder, como todos os outros que eu absorvi quando bebi sangue morto-
vivo, desapareceu. No seu estado incorpóreo, eu não podia ligar, mandar
mensagem ou e-mail para meu tio para exigir que ele aparecesse, mas havia
outra forma de contatá-lo, apesar de isso requerer uma viagem.

Bones e eu chegamos ao shopping-center de Washington, D.C., quando o


sol estava se pondo. As luzes ainda estavam acesas na Floricultura Helena de
Tróia, iluminando os vários arranjos de flores que a loja vendia. Mais
importante era o homem afro-americano que eu vislumbrei entre as flores, sua
blusa vermelha apertada o suficiente para parecer pintada nele.

— Bom, ele está aqui. — Eu disse.

Nós não tínhamos ligado porque eu não estava certa se Tyler concordaria
em nos ajudar. Da última vez, isso quase o matou. As pessoas tendem a
guardar rancor desse tipo de coisa, mas um bom médium é difícil de encontrar.

À medida que nos aproximávamos da loja, um cachorro começou a latir.


Segundos depois, um rosto peludo e cheio de baba pressionou contra a parte
inferior da porta de vidro, todo o seu traseiro tremendo pelo quão forte ele
sacudia o rabo.

— O que já com você, Dexter? — Tyller murmurou. Então ele se aproximou


e viu Bones eu do outro lado do vidro.

Oh, nem FODENDO, passou pela sua mente.


— Isso é jeito de receber antigos amigos? — Bones perguntou secamente.

Tyler puxou os ombros para trás, esticando ainda mais o tecido da sua
camisa.

— Isso não é um cumprimento, docinho. É minha resposta para o que quer


que vocês tenham vindo aqui me pedir para fazer.

— Oi, Tyler, você está ótimo, — Eu disse, contendo um sorriso enquanto


entrava em sua loja. — Amei a camisa. É uma Dolce?

Ele se animou por um momento antes de se conter. — Robert Graham, e


não tente essa fala doce comigo. Eu tive que pintar o cabelo para tirar o
grisalho que vocês dois causaram da última vez que eu ajudei vocês!

Eu ignorei aquilo, acariciando Dexter e brincando com ele. O grande bulldog


inglês vibrou de alegria enquanto cobria minhas mãos de beijos molhados.

— Traidor, —Tyler disse, exasperado.

Bones deu tapinhas nas costas de Tayler. — Não precisa pirar,


companheiro. Nós apenas queremos que você contate o tio dela para nós.

— Don? — Tyler zombou. — Por que você precisa de mim para isso?

Eu olhei para cima. — Por que não podemos gastar mais tempo esperando
que ele apareça por conta própria. Madigan fez algo para os nossos amigos.

Com a menção do nome, um dilúvio de insultos correu pela mente de Tyler.


Madigan tendia a fazer mais inimigos do que amigos.

Ainda assim, a suspeita fez os olhos cor de chocolate de Tyler se


estreitarem.

— Nada de construir armadilhas ou ter objetos de madeira enfiados em


minha garganta por fantasmas assassinos, certo? Eu faço contato com Don, e
nós acabamos?

— Prometo, — Bones disse imediatamente.

O olhar de Tyler correu sobre ele. — Você é muito bonito para que eu
recuse, Bonesy. — Ele disse com um suspiro triste. Então ele piscou para mim.
— Mas não bonito o suficiente para que eu faça isso de graça.
Eu bufei, acostumada com os flertes de Tyler, tanto quanto com sua
ganância.

— Fechado.

Foi assim que dois vampiros, um médium e um cachorro vieram a se sentar


ao redor de um tabuleiro Ouija, no quarto dos fundos de uma floricultura. Isso
soava como o enredo de um filme de sábado a noite no canal SyFy, mas às
vezes “estranho” era o ingrediente chave para conseguir as coisas. Quando em
mãos de médiuns habilidosos, tabuleiros Ouija abrem portar para o outro lado.
A urna com as cinzas de Don era a garantia de que nós não teríamos que
procurar entre os espíritos antes de chegar a Don.

Tyler e eu descansamos as pontas dos nossos dedos na peça de madeira


após ele espalhar uma fina camada das cinzas de Don no tabuleiro. Então ele
começou a recitar um chamado para meu tio aparecer. Depois de alguns
minutos, a peça começou a se mover, e arrepios cresceram na base do meu
pescoço. Dexter choramingou, o som ansioso e excitado. Animais podem sentir
a presença de fantasmas melhor do que ninguém, inclusive vampiros.

Então um redemoinho apareceu sobre o tabuleiro Ouija, como um mini


tornado que não gerava qualquer vento. Tentáculos gelados deslizaram pela
minha coluna em uma carícia lenta. Nós não éramos mais os únicos no quarto.

— Ele está aqui? — Tyler perguntou, ainda incapaz de ver a o redemoinho


de energia.

Eu encarei para aquilo, assistindo crescer e se alongar até tomar a forma de


um homem velho em um terno executivo, o tabuleiro Ouija saindo de sua
barriga como se ele tivesse sido cortado com meio com aquilo.

— Oi, Don, — Eu disse com satisfação. — Que bom que você conseguiu vir.

Meu tio olhou ao redor, confuso. — Cat. Como…?

— Como eu te arranquei de seja lá em qual canto da pós-vida você estava


se escondendo? — Eu o interrompei. — Eu sou amiga de um médium, lembra?

Don olhou para o tabuleiro saindo de seu estômago, sua boca curvando para
baixo. — Quem diria que essas coisas realmente funcionam?

— Faça amizade com outros da sua espécie, você aprenderá muitas coisas,
— Tyler disse, estreitando os olhos na direção do Don. Então sua testa alisou.
— Oh, aí está você.

— Não há tempo para brincadeiras, Don, — Bones disse. — Você precisa


nos dizer tudo o que tem escondido sobre Madigan. A vida do meu pessoal
depende disso.

Don franziu. — Seu pessoal?

— Tate, Juan, Dave e Cooper, — Eu esclareci. — Eles são considerados do


Bones sob a lei vampírica. Mais importante, eles são nossos amigos. Você
sabe que eles estão desaparecidos. Bem, Madigan afirma que eles foram
mortos em um trabalho, mas ele está mentindo, o que significa que eles estão
em sérios problemas.

O ar não se moveu apesar do pesado suspiro de Don.

— Eu queria que você investigasse o desaparecimento deles porque eu


esperava que eles tivessem desertado seus postos e estivessem se
escondendo de Madigan. Ou estavam profundamente disfarçados, ou até
mesmo terem morrido em uma missão. Qualquer coisa menos isso, porque se
Madigan os tem, então a essa altura, eles provavelmente estão mortos.

Apenas a sua falta de forma sólida me impediu de sacudi-lo. — Ou eles


estão vivos, presos em algum lugar, e esperando que nós façamos alguma
coisa.

O olhar que ele me deu estava tão cheio de tristeza que eu quase não
percebi a outra emoção em seu rosto. Vergonha.

— Quando Madigan assumiu meu antigo trabalho, eu temi que ele pudesse
tentar isso, mas eu não esperava isso tão cedo. Eu sinto muito, Cat. Não há
nada que você possa fazer. Nem eu. Sem dúvidas Madigan protegeu aquele
edifício contra fantasmas, também.

— Que edifício?

As duas palavras ferveram com ameaça. Assim como o olhar que Bones
lançou para Don. Ambos deveriam ter assustado meu tio o suficiente para
responder com a verdade. Ao invés disso, ele suspirou novamente.

— Se você se aproximar de Madigan novamente, mate-o. Você não pode


salvar Tate e os outros, mas você pode vingá-los e salvar outros como eles se
as coisas não foram longe demais ainda.

Antes que eu pudesse perguntar o que diabos ele queria dizer com aquilo,
ele desapareceu.

— Espere! — Eu gritei.

Nada. Nem mesmo um ponto gelado permaneceu no ar. Bones xingou, mas
eu joguei a peça de madeira para Tyler e joguei outra pitada das cinzas de Don
no tabuleiro Ouija.

— Traga-o de volta. Agora.

— Cat, — Tyler começou.

— Faça, — Bones disse.

Tyler murmurou alguma coisa sobre como vampiros são irracionais, ainda
assim, mais uma vez, ele invocou o espírito de Don para retornar. Ele voltou,
mas após alguns segundos de silêncio absoluto, enquanto eu o xingava, meu
tio desapareceu. Nós repetimos o mesmo processo uma e outra vez com o
mesmo resultado. Era o equivalente sobrenatural a ligar e ter a ligação
desligada na cara.

— Você não pode fazer nada para fazê-lo ficar? — Eu perdi a paciência.

Tyler me deu um olhar sarcástico.

— Eu tentei te dizer que não posso, Senhor e Senhora Impaciência, mas


vocês não escutaram. Só há uma forma de fazer um fantasma ficar se ele não
quer, e você se lembra que pé no saco é. Além disso, você realmente quer
trancar seu tio em uma armadilha?

No momento, a ideia tinha absoluto apelo. Conhecendo Don, entretanto, ele


permaneceria em um silêncio teimoso mesmo que nós o trancássemos em
uma cela à prova de fuga para fantasmas. Além disso, fazer uma demoraria
muito. Pelas poucas pistas sombrias que Don nos deu, Tate e os caras
estavam em problemas letais. Nós tínhamos que agir agora, mas eu não sabia
o que fazer. Tyler era nosso especialista, e ele estava sem ideias.

— Isso não faz sentido, — Eu continuei a esbravejar. — Foi Don que nos
avisou que Tate e os outros estavam desaparecidos, ainda assim, agora que
confirmamos que Madigan os tem, ele se recusa a nos ajudar! Eu não entendo
isso.

Bones tateou seu queixo, sua expressão furiosa e determinada.

— Eu entendo. Significa que Don prefere ver pessoas por quem ele se
importa morrer do que revelar o que ele sabe sobre Madigan, mas há uma
pessoa que pode forçar o seu tio a falar

— Quem? — Eu perguntei. Então a compreensão bateu. — Claro! Ninguém


sabe mais sobre fantasmas do que Marie Leveau, e como todo aquele poder
da sepultura nela, não há nada que ela não possa obrigar Don a fazer.

Eu podia afirmar – eu já experimentei as habilidades de Marie após ela me


forçar a beber seu sangue. A memória me fez tremer. Ter uma linha direta com
o outro lado é mais poder do que qualquer um deveria ter.

Bones me lançou um olhar rígido. — O que me preocupa é o que ela irá


querer em troca. Marie não faz nada sem um preço.

Aquilo me preocupava, também. A última vez que eu vi Marie não foi


exatamente amigável, se você contar o fato de que nós duas ameaçamos
assassinar uma a outra.

— Espere um minuto.

Tyler levantou, um enorme sorriso no rosto. — Vocês dois estão falando


sobre Marie Leveau, a rainha voodoo de Nova Orleans que supostamente
morreu há mais de um século?

— Essa mesmo, — Eu disse, subitamente cansada.

Tyler bateu palmas com a pura alegria de uma criança. — Isso vai ser tão
divertido!

Agora suspeita substituiu meu cansaço. — O quê?

Ele me ignorou, pegando Dexter e gemendo com o peso do cachorro. —


Não se preocupe, baby, papai não vai te deixar para trás.

— Nenhum dos dois vai a lugar algum. — Bones disse categoricamente.

Tyler olhou para ele como se pensasse que foi ele quem ficou louco.
— Namorado, deixe-me soletrar isso para você. Você me deve muito, e eu
estou cobrando isso. Você tem alguma ideia do fenômeno que Marie é no
mundo médium? É como descobrir que Papai Noel é real e ganhar uma
passagem de primeira classe para a oficina dele!

Eu tentei a lógica, embora soubesse que não iria funcionar. — Você não
entende, Tyler. Ela é perigosa.

Um rolar de olhos. — Eu não esperava que ela tivesse passado os últimos


cem anos tricotando.

Na verdade, Marie tricotava sim. Ela também pode invocar espectros


chamados Remnants que rasgavam através dos vivos e mortos vivos com uma
facilidade ridícula, além de trabalhar magia negra suficiente para explodir uma
cidade. E então há os poderes dela sobre fantasmas.

Yeah, Marie é certamente assustadora. Se eu não tivesse lutado e sangrado


ao lado de Tate e dos outros por anos, eu reconsideraria pedir a ajuda de
Marie. Se ela concordar, ela não irá querer ser recompensada com dinheiro.
Não, ela irá querer algo muito mais valioso.

Eu encontrei o olhar do Bones. O olhar em seus olhos castanhos escuros


dizia que ele esperava que isso fosse tão perigoso quanto eu pensava, ainda
assim, não havia hesitação em sua dura e definida expressão.

— Eles são minhas pessoas, erguidos do meu sangue ou juraram por ele, e
nenhum Mestre deixa suas pessoas para trás quando há uma chance de salvá-
los.

Eu não era Mestra de uma linhagem, mas eu concordava com cada palavra.
Nenhum amigo de verdade deixaria seus amigos para trás para morrer,
também.

— Parece que vamos para Nova Orleans, — Eu disse baixinho.

Tyler fez um ruído exasperado. — Podemos parar de falar sobre isso e fazer
isso logo?
Capitulo Quatro

A s luzes de Nova Orleans brilhavam como cristais contra as águas

escuras ao redor da longa ponte que nos deixou entrar na cidade. Finalmente,
nós estávamos aqui. Foi mais de um dia dirigindo, considerando que nós
tivemos que passar por nossa casa em Blue Ridge para pegar meu gato. Nós
não podíamos voar para Nova Orleans por causa das bolsas de alho e
maconha que nós trouxemos para o caso de Marie enviar seus espiões
espectrais para nós. Quanto a alugar um trailer ao invés de pegar nosso carro,
bem, essa não era a primeira vez que eu viajava com Dexter. Os gases do
cachorro podiam ser considerados armas químicas, e o espaço extra me dava
algum lugar para fugir.

Nós tínhamos acabado de virar no French Quarter quando Tyler soltou um


suspiro maravilhado.

— Lá estão eles.

Olhei para fora da janela. Fantasmas cobriam o French Quarter mais que
colares de plástico durante o Mardi Gras. Eles flutuavam através de multidões
de turistas, ficavam sobre telhados, bares e, é claro, passeando pelos famosos
cemitérios da cidade. A coisa mais impressionante sobre eles é o quanto deles
estavam conscientes. A maioria dos fantasmas costuma ser repetições de um
momento no tempo. Incapazes de pensar, apenas infinitamente representando
o mesmo incidente. Não surpreendentemente, muitos daqueles incidentes
contavam as suas mortes. A morte é um evento importantíssimo para qualquer
um.

Mas os residentes etéreos da Cidade Crescente eram diferentes. A maioria


deles era tão cheia de vida quanto as pessoas ignorantes sobre a presença
deles. Alguns eram travessos. O jovem que tropeçou e caiu de cara no decote
de uma menina bonita não tinha ideia de que tinha sido empurrado por um
fantasma que gargalhou com o tapa que o garoto humilhado recebeu. Mais
distante na calçada, uma dupla de fantasmas se divertia inclinando para cima
os copos dos festeiros, assim, o esperado gole se transformava em um banho
no rosto.

Tyler riu quando viu isso. — Eu espero não voltar depois de morrer, mas se
eu voltar, vou me mudar para cá, onde a festa nunca termina.

Bones lançou um olhar para ele antes de voltar sua atenção para as ruas
estreitas. — Não recomendaria isso, companheiro. Nova Orleans não é a
cidade mais assombrada do mundo por acaso.

Tyler deu de ombro. — Então, um monte de pessoas são assassinadas aqui.


Eu vou evitar os fantasmas mal-humorados.

— Não é isso o que ele quis dizer.

Eu sussurrei as palavras. Nós estávamos agora profundamente no território


de Marie, e a rainha de Nova Orleans tinha espiões em todos os lugares.

— O poder de Marie atraí fantasmas para ele, e uma vez que eles estão
presos nisso, como insetos em uma teia de aranha, a maioria deles não é forte
o suficiente para partir.

Ao invés de aceitar aquilo como o aviso que eu pretendia, Tyler sorriu.

— Você tem que me apresentar a ela. Isso vai fazer valer minha vida.

Ou sua morte, eu pensei cinicamente, mas mantive aquilo para mim. Maria
era seletiva sobre a quem ela concedia uma audiência. Ela poderia até mesmo
não concordar em contar comigo e com Bones, então eu duvido de que ela vá
arranjar um horário em sua agenda para bater papo com um fã desconhecido.

— Inferno sangrento.

As palavras rosnadas afastaram minha atenção de Tyler. Nós estávamos


quase na casa geminada de Bones, apesar disso, ele estava encarando mais
abaixo na rua com uma expressão resignada no rosto. Ele estava percebendo
só agora que o trailer nunca caberia no espaço que levava até a garagem?

Então eu vi o alto e forte homem afro-americano parado em frente à nossa


casa geminada, nos encarando de volta como se ele estivesse esperando a
noite toda por nossa chegada.

— Merda, — Eu falei sob a respiração.


Bones me lançou um olhar como se concordasse totalmente comigo,
embora ele não tenha falado nada enquanto estacionava próximo ao homem e
abaixava a janela.

— Jacques, — ele cumprimentou friamente o enorme ghoul.

— Bones. Reaper, — ele respondeu, dirigindo-se a mim pelo meu apelido.


—Vocês devem deixar o seu veículo comigo. Majestic está esperando por
vocês.

— Ooh, vocês têm um porteiro? — Tyler soou impressionado. — Eu não sei


por que vocês vivem naquela cabana caipira em vez de aqui.

— Ele não é um porteiro, — Eu disse, amaldiçoando internamente. — Ele é


o braço direito de Marie.

Tyler olhou para o ghoul com mais interesse. — Sério? Eu pensei que vocês
não tivessem ligado para ela para avisar que vocês estavam vindo.

— Você pensou certo, — Bones disse, saindo do carro. Nenhum de nós se


incomodou em levar nossas armas. Todas elas eram inúteis contra Marie.

Tyler olhou para Jacques novamente antes de encontrar meu olhar. Então
vocês estão ferrados, não estão? Passou pela mente dele.

Meu sorriso foi rígido. Marie sempre concedia passagem segura de e para
uma reunião, mas assim que a reunião acabava, todas as apostas estavam
fora.

— É isso o que vamos descobrir.

Bones deu as chaves do trailer para Jacques antes de dar um jogo diferente
para Tyler. — Entre. Nós voltaremos mais tarde.

Se ele tinha qualquer dúvida sobre o que aconteceria após o nosso


encontro, ele não mostrou em seu tom de voz. Eu ajeitei meus ombros e adotei
sua atitude confiante. Então os espiões de Marie descobriram que nós
entramos em sua cidade. Pelo lado positivo, agora não teríamos que esperar
para ver se ela concordaria em falar conosco.

Pelo lado negativo, eu duvidava de que ela tenha enviado alguém para nos
levar imediatamente por que ela sentia saudade de nós, mas só havia uma
forma de descobrir o que ela queria. Eu forcei um tom descontraído enquanto
me virava para Tyler.

— Não se divirta muito enquanto estamos fora.

Ele deu um olhar incisivo para o forte ghoul antes de responder.

— Eu vou guardar isso para quando vocês voltarem. — Então para Jacques
ele disse; — Você não vai dirigir essa coisa para lugar algum até que eu pegue
o meu cachorro e o gato dela.

C omo regra, cemitérios não me incomodam. Eles eram cheios de pessoas

mortas, e como eu descobri desde que comecei a caçar vampiros, com


dezesseis anos, pessoas verdadeiramente mortas não podem te machucar. É
com os vivos e mortos vivos que você tem que se preocupar. Então não era o
fato de caminhar entre os milhares de restos mortais no Cemitério Número Um
de Saint Louis que fez um arrepio correr por minha coluna. Era o conhecimento
sobre o que repousava sob a cripta da residente mais famosa do cemitério.

A tumba de Marie Leveau seria fácil de encontrar se eu não soubesse sua


localização. Com mais de um metro e oitenta de altura, ela tinha vários
conjuntos de “X” negros, rabiscados nas suas laterais brancas. Ela também
sempre tinha oferendas na frente dela apesar de coveiros limparem
regularmente. Nesta noite, as contribuições consistiam em velas apagadas,
flores, moedas, pérolas, balas, pedaços de papel e um par de fones de ouvido
de IPod. Eu ignorei todos os tributos enquanto caminhava até a frente da cripta
e batia em seu topo quadrado.

— Estamos aqui, Majestic.

O som de trituração começou imediatamente. Eu pulei para trás e observei


enquanto o bloco de cimento onde eu estava se movia para revelar uma
escuridão nebulosa. Todas as oferendas que estavam naquele lugar caíram
com um abafado som molhado na escuridão abaixo.

Nenhuma voz nos disse para entrar. Não era necessário. Esse era o mais
perto de um convite que qualquer um conseguiria de Marie. Eu tinha que dar
crédito para a rainha voodoo. Ela sabia como maximizar sua versão de
“vantagem do time da casa”.
Eu estava prestes a pular no buraco quando Bones me impediu com uma
mão no meu ombro.

— Eu vou primeiro, Kitten.

Eu não discuti. Isso não era uma bofetada para o meu feminismo – isso era
boa estratégia de batalha. Bones pode não ter dominado totalmente sua
telecinese, mas uma pequena habilidade para controlar objetos com sua mente
era muito melhor do que nenhuma. Além disso, Marie não estava ciente do seu
novo poder, então se as coisas tomassem um rumo inesperadamente letal, nós
tínhamos o elemento surpresa.

Bones pulou no poço, pousando com um pequeno splash cerca de seis


metros abaixo. Nada subterrâneo em Nova Orleans podia ficar seco para
sempre, mesmo com o impressionante sistema de bombeamento de água que
Marie tinha sob o cemitério. Eu pulei em seguida, feliz por estar de botas,
assim, o que quer que tenha feito splash sob meus pés não acabaria
respingando em minha pele.

O buraco sobre nós fechou imediatamente, mergulhando o túnel o mais


próximo da escuridão completa que a visão vampírica permitia. Só havia um
caminho para ir, então Bones caminhou para dentro do túnel, e eu segui. Nós
tínhamos que andar em fila indiana para evitar tocarmos nas paredes, e eu
queria evitá-las por mais razões do que suas camadas de mofo esponjoso.
Madigan não era a única pessoa que amava armadilhas. Marie tinha longas
facas alinhadas escondidas nessas paredes, e um leve toque as faria cortar em
pedacinhos quem quer que fosse azarado o suficiente para estar no caminho
delas.

Após cerca de vinte e sete metros, nós chegamos a uma porta de metal com
dobradiças que deveriam estar enferrujadas, mas que não fizeram nenhum
ruído quando abrimos a porta. Ela abria para uma escadaria curta que levava
ao quarto sem janelas que eu imaginava que estava dentro de uma das
maiores criptas públicas. Não parecia haver saída além do caminho pelo qual
viemos, mas, mais uma vez, as aparências enganam.

Veja, por exemplo, a linda mulher afro-americana na cadeira reclinável na


nossa frente. Manolo Blahniks* apareciam sob sua saia fúcsia, sua cor
brilhante repetida corrente de pedras preciosas que pairavam sobre seu suéter
preto. Ela cortou o cabelo desde a última vez que a vi, o comprimento escuro
agora terminava em seu queixo, ao invés de em seus ombros. A mudança
emoldurava a cremosa feição cor de chocolate que não aparentava idade e,
ainda assim, era levemente marcada.

*Designer e sapatos.

O mais perto que eu cheguei de identificar a idade de Marie quanto ela foi
transformada em ghoul era quarenta ou cinquenta, mas não havia dúvidas dos
anos em seu olhar. Aqueles olhos cor de avelã continham conhecimento que
intimidaria o mais louvado dos sábios, e eu não deixava o seu sorriso suave me
enganar. Ele era mais de advertência do que de boas vindas, embora seu
batom cor de concha pudesse ser.

— Majestic, — Bones disse, chamando-a pelo nome que ela prefere.

Aquela boca exuberante se curvou ainda mais. — Reaper. Bones. O que os


traz à minha cidade?

Sua fala lenta era puro Creole do Sul, mais macia que manteiga e mais doce
do que torta, mas como de costume, Marie nãos e incomodou com falsas
gentilezas. Essa característica nós tínhamos em comum.

Duas cadeiras desocupadas eram os únicos outros móveis na pequena sala,


mas eu não me sentei. Isso não iria demorar.

— Estamos aqui para pedir um favor, se você for capaz de fazê-lo.

As sobrancelhas de Marie se ergueram com minha declaração desafiadora.


Bones deu a ela um sorriso suave, mas seus escudos se abriram e eu senti
sua aprovação penetrando minhas emoções. Agora, pelo menos, ela ouviria o
que era o pedido, ao menos para provar que ela podia fazer.

— O que é?

— Precisamos interrogar um fantasma que continua fugindo de nós, — Eu


disse. — Você pode fazer um ficar, se ele não quiser?

Ela se inclinou e pegou um copo de vinho que eu não tinha notado. Deve ter
estado escondido sob as dobras de sua saia. A visão daquele líquido vermelho
trouxe de volta uma memória induzida por raiva da última vez que nós três
estivemos nessa sala: Bones preso na parede com Remnants rasgando-o de
dentro para fora e Marie se recusando a chamá-los de volta até que eu
concordasse em beber o sangue dela.

Conhecendo Marie, ela escolheu trazer esse copo porque queria que nós
nos lembrássemos. Como se eu pudesse esquecer.

— Eu posso fazer isso facilmente, — ela respondeu enquanto bebericava


seu vinho. — Embora você assuma um risco admitindo para mim que você não
pode.

Eu fiquei tensa, mas Bones riu como se ela não tivesse acabado de insinuar
iniciar uma guerra entre vampiros e ghouls.

— Vamos lá, Majestic, você não tem interesse em colocar nossas duas
espécies uma contra a outra. Você também já sabe há algum tempo que Cat
não manifesta mais suas habilidades, ou nós estamos fingindo que você não
tem nos espionado no ano passado?

Marie levantou o ombro em um tímido dar de ombros. — Apenas um tolo


escolhe viver na ignorância quando o conhecimento é tão facilmente obtido.

Há dias em que ela me lembra meu amigo, Vlad. Ele seria igualmente
desavergonhado em ser pego espionando.

— Agora que isso está claro, você irá nos ajudar? —Eu perguntei de uma
vez.

— Sim.

Eu não soltei um suspiro de alívio. Eu sabia melhor.

Assim como Bones. — Por que preço?

O sorriso de Marie me lembrou uma cobra se desenrolando para atacar.

— A localização do fantasma que vocês prenderam no último Halloween. Eu


quero saber onde vocês prenderam Heinrich Kramer.
Capitulo Cinco

A palavra “não” cresceu em mim, quase me queimando por dentro com a

urgência em ser dita. Outra ruptura em seus escudos mentais me deixou sentir
a raiva que correu por Bones apesar do único sinal visível ser um músculo
tenso em seu maxilar.

— Por quê? O que você quer com o caçador de bruxas? — Ele perguntou
com uma calma admirável.

Os olhos dela pareciam brilhar com luzes internas. — Isso não é da sua
conta.

— É, quando o filho da puta me acertou com um carro, fez o cúmplice dele


atirar na minha melhor amiga e, ah, é, colocou fogo em mim. — Eu disse com
aspereza.

Kramer fez mais, mas listar todas as suas maldades demoraria muito. Ele foi
um idiota assassino em vida, e virar um fantasma não o impediu. Isso apenas o
permitiu continuar seu reino de terror por séculos. Nós quase morremos
prendendo Kramer, e agora Marie queria o endereço de sua cela? Se ela
algum dia o soltar, Kramer virá direto para mim. Na melhor das hipóteses, um
dia eu olharei para baixo para ver uma faca de prata enfiada em meu peito. Na
pior… bem, eu prefiro a faca de prata.

Pelo brilho no olhar de Marie, ela sabia disso tudo, embora seus fantasmas
espiões não tenham encontrado a cela de Kramer, obviamente.

— Seu preço é muito alto. — Bones disse em um tom firme.

— Sua necessidade de respostas desse outro fantasma deve exceder o


preço, ou vocês não teriam vindo. — Foi a resposta imediata de Marie.

Memórias da última vez que eu vi Kramer me fizeram querer argumentar.


Dar a um adversário letal a posse de outro era semelhante a ter para sempre
uma arma carregada apontada para o seu coração.

Ainda assim, o que os meus amigos estavam enfrentando agora mesmo


podia ser pior.

— Fechado.

Bones olhou para mim. Eu ergui uma mão. — Ela está certa. Nós
precisamos do que Don sabe mais do que precisamos manter a localização de
Kramer em segredo.

— Don? — Um pequeno sorriso tocou os lábios de Marie. — Seu tio é o


fantasma que fica fugindo de você?

— Você sabe como é família. — Minha voz estava afiada. — Sempre uma
dor no rabo.

Bones encarou Marie. Sua expressão não revelando nada, e suas emoções
estavam trancadas, então, a menos que eu ficasse na frente dele, eu não podia
determinar o que ele estava silenciosamente dizendo a ela. Marie parecia
saber, entretanto. Ela encarou de volta do mesmo jeito inabalável antes de
inclinar a cabeça em um leve aceno. Então a troca silenciosa acabou.

— A cela de Kramer está enterrada no túnel de esgoto subterrâneo sob a


antiga junção da instalação inundada em Ottumwa, Iowa — Bones disse — Se
for violada de qualquer maneira, Kramer será capaz de escapar.

Uma expressão satisfeita cruzou as feições de Marie. Mais uma vez, eu me


preocupei sobre o que ela queria com o fantasma. Com sorte, a rainha voodoo
simplesmente queria possuir um dos mais infames caçadores de bruxas do
mundo – uma ironia que eu podia apreciar, considerando o ódio de Kramer por
tudo feminino e mágico. Então, novamente, quando foi a última vez que eu
acreditei em algo tão simples quanto sorte?

— Nós cumprimos nossa parte, Majestic. — Bones disse em um tom neutro.


— Sua vez.

A batida de Bones soou estrondosa na porta. Após um momento, o

“Quem está aí?” de Tyler pôde ser ouvido sobre o som dos latidos do Dexter.

— O dono da maldita casa.

A porta se abriu para revelar um Tyler risonho. — Sua casa realmente tem
estilo. E fica bem no coração do French Quarter! Diga-me novamente por que
vocês vivem naquela cabana na floresta—

Ele parou de falar quando viu que não estávamos sozinhos. Bones empurrou
Tyler de lado o suficiente para permitir que Marie e eu entrássemos. Nós
poderíamos ter feito isso lá no cemitério, mas eu não achava que Tyler me
perdoaria se eu o fizesse perder sua chance de conhecer seu ídolo. Agora que
estávamos de acordo com os termos, ele estaria seguro.

— Majestic, esse é nosso amigo, Tyler. Tyler, conheça Madame Leveau.

O olhar de Marie se virou para Tyler com um desinteresse educado. —


Bonjour.

Tyler a encarou, sua boca abrindo e fechando. Por alguns segundos, ele
sequer respirou. A única vez que eu o vi tão embasbacado foi quando ele
conheceu Ian.

— Madame, — ele finalmente gaguejou. — é uma honra.

A boca de Marie se curvou, e ela me lançou um olhar que, se ela fosse


qualquer outra, eu juraria que era uma versão humorada de “Finalmente,
alguém que me aprecia.”

Então ela estendeu a mão. Tyler a agarrou, mas não balançou. Ele se
curvou sobre ela com mais formalidade do que eu pensei que ele fosse capaz.

Minha rainha, seus pensamentos disseram reverentemente.

Minha bunda, eu não respondi em voz alta.

Para minha surpresa, Marie balançou a mão de Tyler, sua expressão ficando
pensativa.

— Você tem poder, então você deve ser o médium sobre quem eu ouvi.

O sorriso radiante de Tyler foi instantâneo. — Você ouviu sobre mim?

Ela puxou a mão. — Eu me interesso em saber sobre qualquer um que pode


invocar espíritos com sucesso.

Nem se ele ganhasse na loteria eu acho que Tyler pareceria mais feliz.
Bones, entretanto, foi direto aos negócios.
— Você precisa de algo antes de prosseguir, Majestic?

Ela olhou em volta no salão, pausando na urna que Tyler colocou na mesa
de café.

— Isso contém as cinzas do seu tio?

Com meu aceno, Marie riu levemente. — Então isso será simples.

Ela foi em frente e se sentou no sofá perto da urna. Bones e eu continuamos


onde estávamos, mas Tyler começou a abrir sua mala.

— Aqui, Madame. — Ele disse, tirando seu tabuleiro Ouija.

Ela deu um olhar desdenhoso para o tabuleiro antes de pegar a urna. — Isso
não é necessário.

Assim que seus dedos tocaram as cinzas, uma corrente fria cortou através
da sala, abrupta e afiada como se nós tivéssemos sido jogados no centro de
uma nevasca. Antes mesmo que eu tivesse a chance de tremer, meu tio estava
de pé no centro da sala, materializado o suficiente para que eu visse que seu
cabelo grisalho estava desgrenhado, como se ele tivesse sido arrancado com
tanta força de onde quer que estivesse, que aquilo desarrumou o estilo que era
sua marca registrada.

— Que diabos? — Ele questionou Marie. Então ele viu a mim, Bones e Tyler.

— Não isso outra vez. — Don murmurou, começando a desaparecer nas


extremidades.

Em um momento, Marie estava sentada no sofá com nada mais que seda
em volta dela. No outro, ela estava envolta em sombras que soltavam uivos de
tremer os ossos enquanto eles se juntavam sobre meu tio. Eu não a vi
derramar o sangue que era o catalisador para invocar Remnants, mas esse é o
motivo de ela ter uma agulha escondida em seu anel. Um pequeno furo é tudo
o que ela precisa para empunhar sua arma mais mortal.

O poder que os Remnants emanavam rasgava através da minha pele,


fazendo-me dar um instintivo passo para trás. Eu mal ouvi o arfar de Tyler
sobre os gritos do meu tio quando aquelas formas diáfanas começaram a
cortar através dele como se fossem de aço, e ele fosse líquido.

— Pronto. — A voz de Marie mudou, o sotaque do sul substituído por um


eco sombrio que soava como milhares de pessoas falando ao mesmo tempo.
— Faça sua pergunta. Ele não vai a lugar algum com eles o segurando.

Eu falei através do choque pelo que ela fez.

— Chame-os de volta. Não é isso que nós queremos.

A sobrancelha de Marie se ergueu. — De que outra forma você pensou que


eu poderia segurar seu rio? Pedindo a ele gentilmente para ficar?

— Nós não dissemos para você torturá-lo! — Eu explodi, culpa me


golpeando com os novos gritos do meu tio.

— Eu negociei garantir que esse fantasma respondesse as suas perguntas,


e eu sempre mantenho minha palavra. Quanto mais você demorar para
perguntar a ele, Reaper, mais seu tio sofrerá.

Outros argumentos seriam inúteis. Agora a única pessoa que podia parar
isso era Don. Eu dei ao meu tio um olhar suplicante enquanto me aproximava.

— Diga-nos o que você sabe sobre Madigan. Por favor.

Seu corpo arqueou e tremeu enquanto aquelas formas impiedosas


continuavam a cortar através dele. Bones olhou para longe, sua boca apertada.
Ele sabia muito bem pelo quê meu tio estava passando.

— Como você pode fazer isso comigo, Cat?

A acusação aflita rasgou meu coração. Eu não queria! era muito inútil para
dizer. Além do mais, apesar de isso não ser o que eu queria, Don admitiu
condenar Tate e os outros a morte certa. Se ele apenas nos dissesse a
verdade, nada disso estaria acontecendo.

— Isso não importa, — eu me forcei a dizer. — Responda a pergunta, ou os


Remnants continuaram a rasgar você até não sobrar nada além de ectoplasma.

Aquilo era mentira. Você não pode matar o que já está morto, o que eu
frequentemente lamentava enquanto estava atrás do Kramer, mas Don não
sabia disso.

— Então eu morrerei, — ele ofegou, as palavras quebradas de dor. —


Melhor… assim.
Nem mesmo agora ele derramaria os seus segredos? A frustração me fez
morder meu lábio para me impedir de gritar com ele. Eu não senti minhas
presas saindo, mas pelo instantâneo gosto de sangue, elas saíram.

— Não seja tolo, — Bones disse de forma afiada — Remnants se alimentam


de dor, então, à medida que seu sofrimento aumenta, assim aumenta a força
deles para infligir mais.

— Nãããão.

Meu tio arrastou a palavra com tanto desespero que meu controle se partiu.
Eu não podia suportar vê-lo assim, e eu não podia fazer parar, como a dura
expressão de Marie me lembrou.

— Diga-me que porra Madigan fez, Don! Agora mesmo!

— Experiência genética!

Meu queixo caiu com a resposta. O do Don também, antes que outro grito
deformasse sua expressão e uma de agonia. Além da dor, algo mais passou
por suas feições. Surpresa, como se ele não pudesse acreditar que me
respondeu com a verdade.

— Experiência genética de quê? Humanos? — Bones pressionou.

Um gemido, seguido por uma enxurrada de maldições foi sua única


resposta. Mais uma vez, eu me encontrei mordendo meu lábio com frustração.
Maldita seja a teimosia do Don.

— Responda-o. — Eu rosnei.

— Não apenas humanos, — Don disse, antes que outra expressão de Que
diabos? cruzar seu rosto.

Marie começou a rir. — Ah, eu vejo.

Eu não. A única vez em que eu fui capaz de forçar fantasmas a fazer o que
eu queria foi quando eu tinha o poder da sepultura de Marie fluindo pelas
minhas veias, mas aquilo acabou há muito tempo.

— Se importa em informar o resto de nós? — Eu perguntei severamente.

Seu olhar era tão impaciente quanto divertido. — Como pode tantos da
minha espécie temerem você quando você é tão ingênua?

Antes que eu pudesse latir uma resposta, ela continuou. — Ele morreu
enquanto você ainda possuía meus poderes, não foi? E você chorou enquanto
o espírito dele deixava o corpo?

Eu não apreciei o seu tom de isso não é óbvio? — Todo mundo não chora
quando alguém amado morre?

— Mambos não. — Ela disse, usando a palavra de que ela me chamou


quando percebeu que eu absorvia poderes após beber sangue morto-vivo. —
Não a menos que eles queiram que a pessoa fique.

— Mas ele não ficou. — Eu disse, raiva pela dor de Don afiando minhas
palavras. —Ele morreu.

— E ainda assim, aqui está ele. — Marie respondeu, balançando os dedos


para Don. — Um fantasma. Ou, mais precisamente, seu fantasma.
Capitulo Seis

— O que você quer dizer com “fantasma dela”?

A mesma pergunta ressoou na minha mente, mas Tyler a perguntou


primeiro. Talvez eu ainda estivesse muito chocada para responder.

— É o sangue. — Marie respondeu, acenando para o meu lábio manchado


de sangue. O eco sobrenatural havia deixado a voz dela, e ela falou com seu
doce sotaque sulista normal.

— Sangue abre os poderes da sepultura. Com ele, um Mambo pode levantar


Remnants e transformar os recém-falecidos em fantasmas, se o Mambo
derramar seu sangue quando a pessoa morrer.

Eu quebrei a cabeça para lembrar os últimos momentos da morte de Don.


Será que eu derramei um pouco de sangue sem querer, como fiz agora,
mordendo meu lábio? Não, eu estava chorando tanto…

O olhar de piedade de Bones coincidiu com um flash de entendimento. Os


fluídos de um vampiro são cor de rosa devida à baixa proporção de água
comparada a sangue em nossos corpos, mas quando Don estava morrendo, eu
chorei tanto que minhas lágrimas ficaram vermelhas, manchando minha blusa
e o chão perto da cama do Don onde eu me ajoelhei, não partindo sequer
depois que seu coração tinha parado de bater…

— Você pode transformar pessoas em fantasmas? — Tyler soou quase


amedrontado.

A culpa deixou minha voz rouca. — Não mais.

Então eu encontrei o olhar do meu tio. Se eu viver para ter mil anos, ainda
assim não esquecerei a angústia que vi ali… ou a raiva.

Você fez isso comigo! sua expressão gritava, e ele não estava mais se
referindo ao ataque impiedoso dos Remnants. Aquilo terminaria, mas sua
permanência entre esse mundo e o próximo não iria. Ele não é um espírito que
ficou porque tinha uma missão final para cumprir, como vínhamos desejando
que fosse durante os últimos meses. Não, ele era um dos poucos
amaldiçoados que nunca poderiam fazer a passagem, e isso era minha culpa.
O fato de que eu não sabia o que estava fazendo quando isso aconteceu era
quase irrelevante, em comparação.

— Eu sinto tanto.

As palavras vibraram pela intensidade das minhas emoções. Bones pegou


minha mão, seu aperto passando tanto força quanto conforto, mas eu não senti
nenhum dos dois sob o peso esmagador da minha culpa. Nenhuma desculpa
poderia consertar isso, e todo mundo aqui sabe disso.

Foi por isso que minhas próximas palavras não foram para implorar perdão e
o porquê de eu também segurar as minhas lágrimas. Considerando o que elas
fizeram antes, elas seriam apenas sal na ferida agora. Ao invés disso, eu
enterrei as presas no meu lábio inferior, contente pela dor que trouxe um
instantâneo fio de sangue.

— Você disse que não eram apenas humanos, Don, então em que mais
Madigan fez suas experiências genéticas?

O olhar de surpresa de Tyler coincidiu com seu pensamento Você é uma


vadia INSENSÍVEL. Ele não percebia que tudo o que me restava era salvar
meus amigos, e Don havia provado que ele não estava com vontade de dar
informações.

— O que mais? — O som que Don fez foi mais um grito agonizado que uma
risada. — Qualquer coisa. Tudo.

Eu sustentei o olhar do meu tio enquanto dizia as próximas palavras. — Eu


te ordeno que não parta até que eu termine de fazer minhas perguntas.
Entendido?

Sua cabeça sacudiu de forma afirmativa. Meu próximo olhar foi direcionado
à Marie. Ela ficou de pé e, um mover de seus dedos depois, os Remnants
deixaram Don, para cercá-la como uma auréola serpenteante e etérea.

— Por “tudo”, você quer dizer ghouls? — Ela perguntou ao meu tio com uma
voz sedosa.

Don não respondeu. Bones olhou para mim. Eu cerrei os dentes, mordi meu
lábio novamente e repeti a questão.

— Provavelmente.

— Como você pode não ter certeza? — Eu perguntei dessa vez.

Don se inclinou para frente, se abraçando como se estivesse se protegendo


dos Remnants que não estavam mais ali.

— Quando trabalhávamos juntos, nós éramos capazes apenas de resgatar


corpos, mas aquelas cascas secas eram inúteis para os propósitos de
Madigan. Nenhum dos nossos funcionários era capaz de trazer de volta um
espécime vivo… até Cat.

Minha culpa foi para o banco de trás com aquela informação. A expressão
do Bones se fechou e eu não precisava de um espelho para saber que meu
próprio rosto devia ter endurecido em ângulos igualmente rígidos.

— Você e Madigan ainda estavam trabalhando juntos quando você me


colocou lá. — Uma afirmação, não uma pergunta. Don respondeu, de qualquer
forma.

— Nós não pensamos que você fosse ficar, então, enquanto a tínhamos,
tentamos aprender tanto quanto pudéssemos sobre a sua dualidade de
espécies…

— Oh, eu me lembro. —Eu o cortei. — Você fez exames de sangue em mim


toda semana, além disso, eu tive mais Ressonâncias Magnéticas, Raios-X,
Tomografias, raspagem de células e biópsias do que eu podia contar.

Don olhou para longe, seus contornos vacilando por um momento.

— Hey. — Eu enfiei as presas no meu lábio, ensanguentando ele. — Não


parta, eu estou tão longe de terminar. Diga-me mais sobre esses experimentos
genéticos.

Don olhou de volta para mim, seus lábios comprimidos.

— Eles eram trabalho de Madigan. Assim que ele tinha vampiros e ghouls
cativos para trabalhar, seu objetivo se ampliou, mas ele entrou em um beco
sem saída tentando combinar os códigos genéticos. As células humanas
suportavam a incorporação com uma espécie ou outra, mas não as duas… até
você. Como mestiça, suas células eram as únicas compatíveis com o DNA
vampiro e ghoul. Madigan estava convencido de que mapiando e duplicando
seu código genético poderia criar uma versão sintética e mais segura dos vírus
vampiros e ghouls a fim de transformar soldados normais em superarmas. Eu
não acreditei nele, mas então ele sintetizou o Brams…

— Espere. Brams vem de sangue vampírico, não do meu. — Eu interrompi.

Don não disse nada, mas com a vergonha tomando sua expressão, ele não
precisou falar.

— Seu babaca idiota e manipulativo, — Bones rosnou, indo na direção dele.


— Se você fosse sólido, eu arrancaria a traição de você a mordidas, embora
isso fosse requerer toda a minha considerável força.

Don correu uma mão pelo seu cabelo grisalho, parecendo mais cansado do
que eu alguma vez o vi.

— Primeiro Madigan tentou fazer o Brams com sangue vampiro, então


ghoul, mas falhou. A alteração completa de humano para morto-vivo mudava o
código genético demais para que ele pudesse manipular. Apenas o sangue da
Cat, com seu DNA humano e vampiro entrelaçados em nível celular, ainda
assim não totalmente transformado, era adequado.

Marie olhou para os Remnants ainda a emoldurando, e arqueou uma


sobrancelha. Eu sacudi a cabeça uma vez, com raiva. Não, eu não mandaria
aquelas criaturas de volta para o meu tio mesmo que ele tenha deixado um
megalomaníaco usar o meu sangue para criar uma droga secreta que curava
ossos quebrados e feridas sangrentas como mágica. Quando Don me contou
sobre ela da primeira vez, ele disse que a droga vinha da filtragem de
componentes do sangue morto-vivo, então nós a chamamos de Brams, em
homenagem ao escritor de vampiros mais famoso do mundo.

Parece que devíamos ter chamado de Cats, pela mestiça mais ingênua do
mundo. Eu pensei que todas as extrações de sangue e testes eram porque
Don era paranoico sobre eu “ficar má” por beber sangue de vampiro. Pouco eu
sabia que Don era o que estava secretamente fazendo acordos com o diabo.

— Por quanto tempo Madigan usou o sangue dela, células e tecidos para
suas experiências imundas? — Bones perguntou em um tom duro.

Eu não precisei morder meu lábio e repetir a pergunta. Don parecia ávido em
responder.

— Eu o cortei assim que percebi que estava errado sobre Cat. Ela não era
corrupta como meu irmão…

— Ou você. — Bones acrescentou.

— Ou eu. — Don concordou, cansado. — Então, quando Madigan se


recusou a largar seus experimentos com ela, eu o fiz ser demitido do programa.

Pelo menos, aqui estava a fonte da inimizade entre os dois homens. Não é
de se espantar que Don queria levar isso para sua sepultura e o além. Se ele
estivesse vivo enquanto contava isso, eu não acho que poderia impedir Bones
de matá-lo, a julgar pela raiva emanando de sua aura.

— Eu não acredito em você. — Bones rosnou. — Você não demitiu seu


parceiro silencioso porque repentinamente se lembrou da sua consciência.
Madigan deve ter desejado fazer algo verdadeiramente pavoroso para você
finalmente agir.

O olhar de Don saltou para mim, então ele olhou para longe. — Não.

— Mentiroso.

A acusação não veio de mim, embora eu tenha pensado isso um instante


antes de Marie dizer. Os olhos cor de avelã da rainha voodoo apontavam para
Don como lasers gêmeos.

— Minta novamente, fantasma, e eu libertarei meus servos.

Don olhou para os Remnants e tremeu. As bocas deles estavam abertas de


forma obscena, e eles começaram a girar ao redor de Marie como se não
pudesses esperar para rasgá-lo por dentro novamente. Dexter gemeu
enquanto se agachava atrás das pernas de Tyler. Até o cachorro estava com
medo deles.

Meu tio abriu a boca… e nada saiu. Então, com um tremor final, ele ajeitou
os ombros e abriu os braços.

Deixe que venham, sua postura quase gritava.

Mordi meu lábio tão forte que minhas presas o atravessaram. — O que mais
Madigan quis fazer, Don? Colher meus órgãos? Vivissecção?

Aquelas eram as coisas mais horríveis que eu podia pensar, mas quando ele
levantou a cabeça e sua expressão era uma mistura de vergonha desprezível e
apelo por compreensão, eu soube que era pior.

— Ele queria te forçar a procriar, para produzir mais espécimes de teste com
seu DNA compatível com três espécies, mas assim que ele sugeriu isso, eu o
joguei para fora…

Eu senti a ruptura nos escudos de Bones logo antes de a urna voar através
de Don e se esmagar na parede atrás dele. Embora ela tenha sido
arremessada com força suficiente para produzir uma fina nuvem de cinzas
entre os pedaços quebrados, aquilo não tocou nenhum de nós. Os olhos de
Marie se abriram enquanto ela olhava ao redor. Então um lento sorriso esticou
seus lábios.

— Interessante, — ela disse, encarando Bones.

— Mais como assustador quando ele faz isso. — Tyler murmurou para
ninguém me particular.

Bones não parecia se importar que ele tinha se entregado para Marie sobre
suas habilidades telecinéticas. Seu olhar era todo para Don enquanto ele
apontava um dedo na direção do meu tio.

— Você merece permanecer um fantasma para sempre.

— Eu, eu não— Don começou.

— Corta isso, — Bones esbravejou.

O chão realmente começou a tremer enquanto ele derrubava seus escudos


e o peso total do seu poder abastecido pela fúria colidia com a sala.

— Você permitiu que Madigan visse quão valiosa ela era para os planos de
super soldados dele, então você estimulou o apetite dele ao recusar que ele se
aproximasse dela por anos. Inferno sangrento, ela é uma vampira completa
agora, e ainda assim ele ainda está obcecado com ela! Mas você sabia disso
quando ele se apressou em assumir o seu trabalho após a sua morte, e ainda
assim você se recusou a divulgar a verdade, então você não dirá nada em sua
defesa agora.
Eu também não falei, ainda tonta pela bomba dele. Meu relacionamento com
Don sempre foi complicado, verdade. Quando nos conhecemos, ele me
chantageou para trabalhar com ele. Somente após eu descobrir que nós
éramos parentes que fui descobri a razão pelo preconceito de Don contra
vampiros. Max, meu pai, assassinou seus próprios pais após se tornar um
vampiro. Por décadas, Don colocou a culpa das ações de seu irmão no
vampirismo antes de finalmente admitir que Max foi um idiota pervertido
quando humano, também.

— Faça-o te dizer onde é, Kitten.

A voz dura de Bones me arrancou de meus pensamentos. — Onde é o quê?

— A instalação em que Madigan costumava trabalhar.

Ele começou a circular meu tio, pausando apenas para triturar um pedaço da
urna de Don sob suas botas.

— Ele não estava trabalhando na sua antiga base. — Bones continuou. —


Você conhecia cada centímetro daquele lugar, para não mencionar que eu teria
lido isso dos pensamentos de um dos empregados. Então onde Madigan
estava fazendo seus experimentos? Provavelmente é onde Tate e os outros
estão agora.

— Onde? — Eu perguntei a Don, rasgando meu lábio enquanto dizia a única


palavra.

— Charlottesville, Virginia, na antiga fábrica de tubulação em Garret Street,


mas está vazio há anos.

— Nós vamos checar de qualquer forma. — Bones disse. — Ele nunca


abandonou seu projeto de estimação, como seu interesse em Cat e no meu
pessoal prova.

Marie se levantou, outro movimento de seus dedos fez os Remnants


desaparecerem como se fossem sugados por um turbilhão invisível. Então ela
se aproximou, o movimento de alguma forma mais ameaçador pelo quão
relaxada ela aparentava estar.

— Quando encontrar essa instalação, você precisa acabar com ela e


eliminar qualquer um associado a esses experimentos.
— Oh, é o que eu pretendo. — Eu disse, ainda dividida entre culpa sobre o
que eu fiz ao Don e raiva pelo que ele deixou Madigan fazer comigo.

— Intenções não são boas o suficiente. Você tem sessenta dias.

— O quê? — Eu estourei. — Nós nem mesmo temos certeza sobre onde


essa instalação está. Além disso, Madigan trabalhou em operações secretas
por décadas. Ele pode ter laboratórios secretos e bases instaladas em todas as
nações!

— Exatamente. — Marie disse.

Então ela apontou para mim, e eu não acho que foi por acidente que ela
apontou com o dedo com o anel Invocador-de-Remnant.

— Eu não sou a única que não vai tolerar humanos tentando criar super
soldados fundindo nossos códigos genéticos. — Marie continuou. — Se você
não destruir essa operação inteira em sessenta dias, eu vou ajudar o Conselho
dos Guardiões a eliminar a operação através de outros meios.

— Vocês têm um conselho? —Tyler perguntou, parecendo intrigado.

Eu não respondi. Estava muito ocupada traduzindo o que ela quis dizer.
“Terra arrasada” seria uma descrição agradável do que restaria se Marie e o
grupo governante de vampiros assumissem isso. Eles não parariam ao Matar
Madigan e seus cientistas loucos – eles acabariam com todos, do último
assistente de escritório até o zelador. Isso significa centenas de empregados,
para não mencionar meus amigos, se eles ainda estiverem vivos.

E um massacre desse tamanho faria os líderes mundiais pararem de fazer


vista grossa sobre a existência de ghouls e vampiros. Marie sabia disso, mas
ela e os Guardiões da Lei arriscariam isso para garantir que a fusão entre
espécies nunca se torne realidade. Depois de tudo, vampiros e ghouls quase
guerrearam duas vezes antes pela possibilidade de uma pessoa poder ser
parte vampira e parte ghoul ao mesmo tempo.

Da última vez, a pessoa fui eu, e apenas a minha transformação em vampira


completa evitou tal guerra. Madigan, o tolo arrogante, não tinha ideia do ninho
de vespas que ele estava provocando, e se tivéssemos muita sorte, ele
morreria sem saber.

Claro, nós precisaríamos de muito mais que sorte, como o olhar sombrio que
Bones me lançou me lembrou. Eu encarei Marie, não sabendo como
impediríamos isso no tempo designado, apenas sabendo que nós tínhamos
que fazer.

— Acho que isso significa que eu verei você em sessenta dias.

Seu sorriso foi pequeno. — Espero que sim, Reaper, pelo bem de todos nós.
Capitulo Sete

O trailer cheirava a um restaurante italiano que foi invadido por

maconheiros. Não era necessário dizer que eu não queria falar com o meu tio
no momento, então, se Don tivesse intenção de viajar para Charlottesville, ele
faria isso por linhas de poder. Nós tínhamos alho e maconha suficientes para
afastar um exército etéreo.

Tyler inclusive não estava indo conosco investigar a antiga base de


Madigan. O médium disse que ele e Dexter estavam pulando essa – uma sábia
escolha. Isso também me deu uma pessoa de confiança para deixar Helsing.
Meu gato provavelmente já gastou oito das suas nove vidas nas outras
batalhas que participou. Eu não iria arrastá-lo para a que poderia acabar
sendo a nossa mais perigosa de todas.

Nós não fomos direto de Nova Orleans para Charlottesville, entretanto.


Paramos em Savannnah, Georgia, primeiro. Conhecendo a pessoa que
estávamos pegando, eu esperava que o endereço que ele nos deu acabasse
em uma mansão ou em um clube de strip-tease, mas nós encostamos em uma
modesta casa geminada perto do Parque Forsythe, ao invés.

— O sistema de navegação deve ter feito a gente se perder. — Eu


murmurei.

Então a porta abriu, e um vampiro alto, de cabelos castanho-avermelhados


saiu, satisfeito. Ele parou para soprar um beijo para uma loira descabelada que
estava na entrada apesar de usar apenas uma toalha.

— Fique com essa espátula pronta quando eu voltar. — Ian cantou para ela.

— Eu nem mesmo quero saber o que isso significa. — foram minhas


primeiras palavras quando ele subiu no trailer.

Ian estalou a língua enquanto se sentava atrás de nós.

— Não quer? Que vergonha, Crispin. Casado há tanto tempo, e ainda não
espancou sua mulher com uma espátula de metal?
Eu estava acostumada com Ian presumindo que todo mundo era tão
pervertido quanto ele, então entrei no jogo.

— Nós preferimos batedores de batedeiras como nossos utensílios de


cozinha pervertidos, — eu disse, com rosto sério. Bones escondeu o sorriso
atrás da mão, mas Ian pareceu intrigado.

— Eu ainda não tentei isso… oh, você está mentindo, não está?

— Cê acha? — Eu perguntei, rindo.

Ian deu um suspiro exagerado de paciência e olhou para Bones.

— Ser parente dela através de você é uma verdadeira provação.

Dessa vez, Bones não tentou escondeu o sorriso. — É por isso que você
pode escolher seus amigos, mas não sua família, primo.

Uma emoção cruzou o rosto de Ian antes que ele a cobrisse com seu usual
sorrisinho de “eu sou uma dor no rabo e tenho orgulho disso”. Se fosse
qualquer outro, eu juraria que era alegria infantil por ouvir Bones chamá-lo de
“primo”. Eventos recentes revelaram a conexão humana há muito perdida entre
eles, fazendo de Ian tanto o criador de Bones quanto seu único parente de
sangue vivo.

Isso significa que eu nunca iria me livrar dele. Então, novamente,


considerando o que os meus parentes de sangue fizeram, Ian era quase um
santo em comparação.

— Você não disse muito quando me ligou, então, qual é a crise dessa vez?
— Ian falou lentamente, soando entediado.

Bones resumiu o plano de Madigan para criar supersoldados misturando


DNA vampiro, ghoul e humano. Quando ele terminou, Ian não parecia mais
estar lutando contra um bocejo.

— Assim que eu ouvi que humanos estavam clonando ovelhas, eu esperei


que esse dia chegasse. Típico você estar metida nisso, Reaper.

— Nossa prioridade é eliminar o programa, enquanto também minimizamos


os danos colaterais. — Eu disse, lutando contra um espasmo de dor quando
acrescentei: — e resgatamos nossos amigos, se eles ainda estiverem vivos.
Ian grunhiu. — Isso não é tudo. Se Madigan foi bem sucedido, você também
terá que destruir quaisquer frutos do trabalho dele.

Fiquei contente por Bones estar dirigindo, porque aquilo fez cada músculo
do meu corpo congelar. Eu estive tão preocupada sobre as consequências de
uma potencial fusão entre espécies que não considerei o quão horrível o efeito
colateral seria se isso já tivesse acontecido. Se vampiros ou ghouls
descobrissem que seus atributos mais fortes podiam ser sintetizados, e então
passados para qualquer membro da raça humana, as reações deles seriam
brutais. Não seria a Terceira Guerra Mundial, seria a Guerra Mundial V e G*.

*V e G de Vampiros e Ghouls.

— Você tem razão. — Minha voz estava rouca. — Se ele já está fazendo
soldados geneticamente mistos, eles terão que ser eliminados antes que as
nações vampira e ghoul percebam que isso é possível.

Ou outros governos tentem fazer isso eles mesmos.

Eu não disse aquilo em voz alta, mas perdurou no ar mesmo assim. De


repente, o prazo de sessenta dias de Marie parecia generoso.

— Pode não chegar a isso, Kitten, — Bones disse, expandindo sua aura
para envolver minhas emoções de forma reconfortante. — Provavelmente
Madigan ainda está no estágio de rato de laboratório.

— Espero que sim. — Eu murmurei.

Se não, eu estaria indo executar pessoas pelo crime de serem


geneticamente diferente – um fardo pelo qual eu fui culpada desde o dia em
que nasci. Eu poderia realmente fazer isso? Eu me perguntei.

A questão mais preocupante era, o que aconteceria se eu não pudesse


fazer?

C harlottesville, Virginia, me lembrava uma versão maior da cidade em que

Bones e eu vivíamos. Ela também era localizada nas Montanhas Blue Ridge, e
a visão de seus picos revestidos de nuvens causou uma onda de saudade em
mim. Eu cresci entre as colinas suaves da versão rural de Ohio, mas desde a
primeira vez que vi as montanhas, eu me senti em casa.

Era lá que eu desejava estar agora. Em casa com Bones, cercada por
montanhas que pareciam afastar o resto do mundo. Os últimos meses de
relativa calma me apresentaram ao que a maioria das pessoas chama de uma
vida normal, e, para minha grande surpresa, eu amei. Em casa, os únicos
objetos afiados de metal com que eu lidava eram para o novo jardim que eu
estava instalando, e os únicos gritos que eu ouvia era Helsing uivando se o
gatinho sentisse que não estava recebendo atenção suficiente.

Eu costumava ansiar por uma caçada, mas tanto quanto eu queria Madigan
morto, se eu pudesse abrir mão de matá-lo eu mesma em troca de tudo isso
terminar, eu trocaria. Em um segundo.

Talvez seja isso que as pessoas chamam de amadurecer. Ou talvez, depois


de tantos anos de “caçar, matar, reagrupar e repetir”, eu percebi que não tinha
nada mais a provar, nem para mim, nem para ninguém mais. Ódio de vampiros
– e de mim mesma – me colocou nesse caminho letal aos dezesseis anos.
Graças ao Bones, todo esse ódio acabou há muito tempo, e existir foi
substituído por realmente viver.

Eu queria voltar para aquela vida, e apenas uma coisa estava no meu
caminho. Madigan. Minha mandíbula ficou rígida. Graças a ele, eu ainda não
havia acabado com o negócio de caçar e matar.

Deixamos o trailer em uma área florestal e alugamos um sedan médio para o


nosso reconhecimento de território. Então esperamos até após o anoitecer para
circular Garret Street, dirigindo além da antiga fábrica de tubulações tão
lentamente quando podíamos, sem parecermos suspeitos. Como Don previu, o
edifício aparentava estar deserto. Sem carros no estacionamento, sem luzes lá
dentro, e as câmeras de segurança não estavam funcionando. Isso, ou alguém
devia ser demitido, já que as lentes de duas delas estavam rachadas ao ponto
de serem inúteis para vigilância.

— Parece que ninguém usa esse lugar por anos. — Ian disse.

Assim como Don disse. O desapontamento me inundou. E agora?

— Nós não temos tempo para esperar até Madigan eventualmente deixar
sua antiga base. — Bones disse. — Por mais que eu fosse gostar de agarrá-lo
e torturá-lo até arrancar a verdade dele, nós temos um prazo, e pode levar
semanas antes que ele deixe a segurança daquela instalação.

— Mesmo se tivéssemos sorte e ele saísse amanhã, seria óbvio quem o


sequestrou se Madigan “desaparecesse” logo após nós irmos vê-lo. — Eu
acrescentei.

Nós também não podíamos atacar minha antiga base para capturá-lo pelo
mesmo motivo. Se fizéssemos, nós também estaríamos revelando nosso jogo
para quem quer que seja que Madigan esteja envolvido, isso daria à pessoa a
chance de mudar de lugar a base de operações deles. Ou aumentar a
segurança dela. Não, o elemento surpresa era nossa única vantagem. Graças
a Deus Madigan não sabia que Don tinha se transformado em fantasma. Por
tudo que Madigan sabia, não havia forma alguma de sabermos sobre seus
planos de fusão de espécies, dando a ele nenhuma razão para ser mais
paranoico sobre proteger isso do que ele já ele já era.

Até o dia em que eu aparecer para matá-lo, era assim que pretendíamos
manter isso.

— Podemos tentar algumas das outras bases que Don e eu usávamos como
casas seguras. — Eu comecei, apenas para ter o súbito “Shh!” do Bones me
silenciando.

Olhei ao redor, agarrando uma faca de prata. Nada correu para nós, e meus
sentidos não tinham captado nenhuma energia sobrenatural, então, o que era?

Ian também olhou ao redor antes de dar de ombros como se dissesse Não
faço ideia.

Olhei de volta para Bones. Sua sobrancelha estava franzida, e sua cabeça
estava inclinada para o lado.

— Você ouviu isso? — Ele perguntou suavemente.

Eu forcei meus sentidos. Ruídos do tráfego próximo competiam com sons


dos restaurantes e outros negócios do outro lado da rua, mas nada disso soava
ameaçador.

— Eu não ouço nada fora do comum. — Ian murmurou.

— Não você. — Bones disse com uma pitada de desculpas. — Você, Kitten.

Eu? O que eu podia ouvir que Ian não podia… oh, claro. Eu afastei os sons
audíveis para me concentrar no baixo zumbido de pensamentos sob eles. Após
um momento, pedaços de sentenças rastejaram para a minha mente. A maioria
vinha das áreas povoadas do outro lado da rua, mas algumas pareciam ser
transmitidas de algum outro lugar.

Abaixo do edifício abandonado que estávamos examinando.

Bones começou a sorrir.

— Eles não fecharam a antiga instalação de Madigan. Eles a mudaram para


baixo.
Capitulo Oito

M eu amigo Vlad uma vez me disse que “à prova de som” não significa “à

prova de mente”, porque telepatia viaja até mesmo através das mais grossas
paredes. Caso em questão: Quem quer que seja o oficial do governo que
secretamente apoiou Madigan após Don demiti-lo foi cuidadoso. Mesmo com
os sentidos sobrenaturalmente afiados de vampiros, nada visível ou audível
dava uma dica de que o antigo laboratório ainda estava operando, embora
quatro andares abaixo da sua localização original. Apenas as habilidades
minha e do Bones de ler mentes nos deu a pista; apesar de que, se não fosse
por ele, eu poderia ter deixado passar, de qualquer forma.

Nós seguidos os pensamentos de um funcionário até a entrada da


instalação, escondida dentro do elevador de um estacionamento, a duas
quadras. Empurre um dos quatro botões disponíveis, e você tem o nível do
estacionamento indicado, mas segure o primeiro e terceiro botão ao mesmo
tempo, então digite um código, e você viaja para vários andares abaixo, para
um túnel secreto conectando os dois lugares.

Alguém que colocaria tanto esforço em ocultação não pouparia em


vigilância, então não tentamos capturar o funcionário lá. Ao invés disso, Bones
esperou do outro lado da rua antes de seguir o jovem loiro de óculos depois
que ele entrou em seu veículo e foi embora. Ian e eu estávamos em pé,
posicionados em lados opostos da rua. Não importa em que direção o homem
virasse, ele passaria por um de nós.

O sortudo passou por mim e eu tirei o melhor da situação ao quebrar meu


salto e fingir tropeçar na rua. O carro do jovem guinchou em uma parada
apenas a alguns centímetros de onde eu estava agachada.

— Que diabos, senhoria? — Ele rosnou, abaixando a janela.

Eu mantive a cabeça abaixada, para meu cabelo cobrir meu rosto. Quem
sabia se Madigan tinha circulado minha foto para seus funcionários?

— Meu tornozelo, — Eu disse com uma voz trêmula. — Eu… eu acho que
está quebrado.

Uma buzina de carro soou atrás dele, e ele fez um som exasperado.

— Quebrado ou não, você tem que sair da rua.

Eu levantei, ainda mantendo o cabelo no meu rosto, e então me encolhi com


um choro falso quando coloquei peso no tornozelo.

— Eu não consigo. — Choraminguei.

Algumas pessoas assistiam da calçada, mas nenhuma delas se ofereceu


para me ajudar. Deus abençoe a indiferença da sociedade. Se eu não
estivesse bloqueando a estrada, o funcionário de Madigan estaria igualmente
indiferente, como seus pensamentos revelavam, mas eu era um obstáculo que
precisava ser removido. Com um bufar de irritação, ele saiu do carro e veio na
minha direção.

— Me dê sua mão, eu vou…

Isso foi tudo o que ele disse antes que eu o atingisse com o meu olhar,
notando com alívio que seus olhos ficaram imediatamente vidrados. Eu estava
com medo de que Madigan tivesse inoculado seus funcionários contra controle
de mente dando-lhes sangue de vampiro.

— Não fale. Entre no carro, do lado do passageiro. — Eu disse em uma voz


baixa e ressonante enquanto subia no banco do motorista. O funcionário louro
obedeceu, deslizando no banco ao lado do meu sem uma palavra.

Alguns suspiros soaram do pessoal assistindo o rumo dos acontecimentos,


mas então Ian se aproximou do grupo.

— Meu, meu, meu, — ele disse enquanto coletava celulares dos


espectadores, exibindo seu próprio olhar hipnotizante para silenciar os
protestos instantâneos. Agora, pelo menos, não precisaríamos nos preocupar
sobre um vídeo disso acabando online.

Eu fugi sem esperar por Ian. Ele sabia para onde estávamos indo. Então eu
dirigi tempo suficiente para largar o carro em uma área escura e deserta antes
de agarrar o funcionário loiro e saltar para cima, noite adentro.

Eu percebi meu erro tarde demais. Eu mandei o homem não falar; Eu não o
mandei não ficar com medo. Quando estávamos a cerca de um quilômetro de
distância, algo morno ensopou meu jeans. Uma olhada para baixo confirmou
minhas suspeitas.

— Eww, você mijou em mim?

Esguicho não me respondeu, claro. Eu o afastei tanto quanto pude sem


largá-lo, tardiamente mandando ele não ter medo. Ele parou de hiperventilar,
mas a mancha na frente da sua calça continuou crescendo. Aparentemente,
uma vez que a torneira está aberta, ela vai continuar correndo até estar vazia.
Para piorar a situação, não importava em que direção eu o virava, um lugar
molhado continuava roçando em mim.

Ian iria rir até se acabar quando visse isso.

Eu cerrei os dentes e foquei em onde eu estava indo, contente pelo vento


impedir que o cheiro me atingisse. Me orientar do alto era difícil já que os sinais
de rua eram ilegíveis dessa altura, mas após alguns ajustes, eu pousei na
grama perto do nosso trailer, arrancando apenas um pequeno monte de terra
com o impacto.

— Você está ficando melhor, Reaper. — Uma voz inglesa notou atrás de
mim. — Embora tenha demorado.

Maldição, Ian já estava aqui. Eu me preparei enquanto ele vinha de trás do


trailer. Ele fungou, seu nariz enrugando. Então ele olhou para mim e para meu
prisioneiro loiro, sorrindo.

— Conseguiu extrair um banho dourado ao longo do caminho? Que lascivo.


Estou impressionado.

— Poupe-me. — Eu disse, libertando Esguicho após ordenar que ele não


corresse. Desde que eu também o tinha ordenado a ficar em silêncio e não ter
medo, ele ficou ali, seus pensamentos transmitindo apenas uma leve
curiosidade por estar preso na floresta com duas criaturas de olhos brilhantes.

Eu o dei o peso total do meu olhar hipnótico antes de falar novamente.

— Quando eu te fizer uma pergunta, você responderá com nada exceto a


verdade, você entendeu?

Um aceno firme enquanto a palavra “sim” ecoava em sua mente.

— Qual é o seu nome? — foi minha primeira pergunta. Eu não podia


continuar chamando-o de Esguicho, embora minhas calças fossem prova da
exatidão do apelido.

— James Franco.

— Como o ator? — Eu não pude evitar perguntar.

Sua expressão suavizou em um sorriso. — Sim, mas mais pobre e mais feio.

Eu não queria achar James engraçado. Com seu trabalho, isso


provavelmente não acabaria bem.

— Não fale além de responder as minhas perguntas. — Eu disse com uma


voz dura. — Você sabe o que nós somos?

— Sim.

Uma resposta inflexível dessa vez. Eu dei um breve aceno. — Bom, isso
poupa tempo explicando. Agora, você sabe quem nós somos?

— Não.

Acho que eu não precisava esconder meu rosto mais cedo. — Já ouviu o
nome Cat Crawfield?

— Não.

Ian e eu trocamos um olhar surpreso. Os pensamentos de James estavam


macios sob o controle de mente que eu apliquei nele, mas eles concordavam
com sua resposta, não que eu pensasse que ele estava fingindo estar
hipnotizado.

— O que você faz no seu trabalho? — É bem nossa sorte ter capturado um
funcionário administrativo que não sabe de nada.

James começou a detalhar uma complicada descrição de análises de DNA,


combinação de genes e genética de interespécies. Eu não entendi metade do
que ele falou, mas a essência estava clara: Ele estava bem no meio das
experiências de Madigan.

— Sua instalação tem pessoas como eu pressas? — Eu perguntei, exibindo


minhas presas para dar ênfase.
— Não.

— Por que diabos não? — Eu rosnei em frustração. Se Tate e Juan não


estivessem ali, então Dave e Cooper também não estavam. Maldição, essa foi
a nossa melhor pista!

— Espécimes de teste são mantidos em outro lugar. — James respondeu


minha pergunta retórica.

— Onde? — Ian perguntou antes que eu pudesse.

James piscou. — Eu não tenho autorização para essa informação.

Bones caminhou para a clareira bem enquanto eu agarrava James pelos


ombros e o erguia do chão, quase o sacudindo com minha súbita onda de
esperança.

— Quem tem?

As duas palavras foram espaçadas pela minha veemência, mas elas


simplesmente me renderam outra piscada lenta. Então James falou, e minhas
breves esperanças foram esmagadas.

— Apenas o velho. Diretor Madigan.

E u abri com força a pequena porta do banheiro, então xinguei quando ela

caiu. No meu mau humor, esqueci de prestar atenção na minha força, um erro
de novatos que eu não cometia em anos. Daqui a pouco eu mostraria as
presas para um turista e diria a ele, em um sotaque Euro-lixo, que eu queria
beber o sangue dele.

— Não está tudo perdido, Kitten.

Bones apareceu no minúsculo quarto do trailer. Me enrolei numa toalha


enquanto lançava um olhar cínico para ele.

— Você é famoso por sua honestidade, então as coisas devem realmente


estar ruins se você está mentindo para me fazer sentir melhor.

Um leve sorriso moveu seus lábios. — Não estou mentindo, amor. James
sabe mais do que ele acha.

Caminhei até o estreito armário e escolhi outra roupa, olhando para trás para
ter certeza de que Bones tinha fechado a porta antes de largar minha toalha.
Ian espiaria um show gratuito desavergonhadamente, com ou sem laços
familiares.

— Além de fazer meu cérebro doer com detalhes de código genético e


combinação de DNA, eu não vejo como o conhecimento dele nos ajudará a
encontrar nossos amigos. Se Madigan já não os matou.

Pelo olhar demorado que Bones deu a certas partes do meu corpo, ele
também não deixaria passar um show gratuito, apesar da seriedade do tópico.

— Enquanto você estava no banho, James revelou que novas amostras de


sangue são enviadas ao edifício a cada duas semanas para teste. A última foi
oito dias atrás, então em breve, uma nova remessa chegará. Esse
transportador terá informação sobre de onde veio, e nós encontraremos a
instalação de lá.

— Você acha que Madigan é burro o suficiente para ter um endereço de


remetente estampado em uma etiqueta de Sedex?

Minha pergunta foi brusca para disfarçar a faísca que cintilou dentro de mim.
Por favor, Deus, permita que isso funcione, nós não temos mais nada…

Bones pegou as roupas que eu estava prestes a vestir e as jogou de lado.

— Não, mas o entregador também estará vindo daquela instalação, ou ele


nos dirá de quem recebeu o pacote. Isso irá nos levar até Tate e os outros,
Kitten. Eu prometo.

Então ele me puxou para ele, sua boca se inclinando contra a minha. Um por
um, botões de camisa se abriram até que nada, exceto carne dura e suave
esfregasse contra minha pele nua. Meu gemido virou um suspiro com a
exigência de seu beijo, e quando seus escudos caíram e luxúria se derramou
sobre minhas emoções como caramelo quente, eu tremi.

— Ian. — Eu consegui dizer.

Uma risada vibrou contra meus lábios. — Não pense sobre ele se juntar a
nós, desculpe.
Eu empurrei contra seu peito, mas isso não o moveu. — Ele vai nos ouvir.
— Eu falei antes que a voz de Bones roubasse minha voz. Então sua mão
roubou minha razão quando ela deslizou entre minhas pernas, acariciando
carne que inchou e lubrificou sob seu toque.

Outra risada, essa claramente perversa. — Sim, então não seja mesquinha
nos elogios.

Eu pretentida discutir mais. Então suas mãos não eram as únicas coisas me
acariciando. Poder varreu meu corpo em deliciosos arrepios, fazendo minha
carne zumbir antes de se concentrar em minhas partes mais sensíveis com
intenção sensual. Eu mal notei quando Bones me colocou na cama, seu corpo
cobrindo o meu antes que minhas costas atingissem o colchão. Quando sua
boca queimou um caminho pelo meu estômago e permaneceu entre minhas
coxas, eu não me importava mais com o que Ian ouvisse.

Tudo com que eu me importava era que Bones não parasse.


Capitulo Nove

A mulher usava um uniforme do Serviço Unificado de Encomendas, mas

seu sedan simples e pensamentos revelavam que ela trabalhava para outro
empregador. Ainda assim, se Bones e eu não estivéssemos lançando nossos
sentidos em todos que entravam naquele estacionamento, ela teria passado
despercebida.

Para começar, ela estacionou na calçada, ao invés de dentro do


estacionamento, mesmo que fosse para lá que ela estivesse indo. Além disso,
tudo sobre ela parecia ter sido projetado para ser esquecível, do seu cabelo
sem brilho e curto, à sua estatura mediana e feições agradáveis, mas simples.
Vista-a em outro uniforme, e ela poderia servir suas panquecas na lanchonete
local sem nunca despertar sua curiosidade, mas os pensamentos dela estavam
completamente em contraste com sua aparência. Ela esquadrinhou seus
arredores com uma precisão militar que eu dei duro para introduzir nos meus
homens quando eu comandava minha antiga unidade.

Ela nunca teria caído no truque do salto quebrado na estrada. Ela me


atropelaria primeiro, e verificaria se eu era uma ameaça real depois.

O que significava que nós precisávamos de um novo plano.

— Precisamos mudar de tática. — Bones disse, ecoando minhas


preocupações.

Dei uma olhada frustrada para a luz do sol. Se ao menos ela fizesse sua
entrega à noite! Com a cobertura da escuridão, nós poderíamos agarrá-la e
voar com ela para longe, com mínimas chances de alguém notar. Mas revelar
as nossas espécies para a humanidade com um sequestro sobrenatural
espalhafatoso em plena luz do dia faria nossa atual situação difícil parecer
bobagem em comparação. Há uma razão pela qual os vampiros
permaneceram em seus caixões metafóricos por milênios. Qualquer um que
ameace o segredo de nossa existência acaba morto de forma suja e dolorosa
pelos Guardiões da Lei.
— Nós podemos segui-la até em casa, pegá-la lá. — Eu sugeri.

— Ela não mora por aqui, — Uma voz grossa de sono disse do banco de
trás.

Ian. Eu quase esqueci que ele estava aqui, provavelmente porque ele esteve
cochilando pelas últimas sete horas enquanto Bones e eu vigiávamos o
estacionamento. Agora ele se sentou relaxado, deslizando sua máscara de
sono de cetim negro até a linha do cabelo.

— Ela deve morar perto do ponto de coleta, não do de entrega, — ele


continuou, piscando pela brilhante luz solar preenchendo nosso carro. — Qual
é ela?

— A morena usando o uniforme do Serviço Unificado de Encomendas, — eu


disse, apontando para ela enquanto ela caminhava rapidamente em direção ao
elevador. Da nossa posição, estacionados no topo de uma colina do outro lado
da rua, nós tínhamos uma boa visão da garagem multi-nível, que foi o motivo
pelo qual escolhemos esse lugar.

Ian encarou até ela desaparecer dentro do elevador. Então ele olhou de
volta para mim.

— Não se preocupe, boneca. Eu vou pegá-la.

— Nós precisamos fazer isso discretamente. Se eu quisesse fazer uma cena


colossal, eu apenas a arrastaria, chutando e gritando, agora. — Eu disse, não
adicionando “imbecil” somente porque ele era da família.

— Ela virá sem fazer um pio. — Ian disse com confiança.

— Você não pode jogar olhos verdes nela no elevador, ele terá vídeo
vigilância. Assim como o estacionamento. — eu repliquei.

— Eu não preciso disso, — Ian disse, brilhando esmeralda em seus olhos


turquesas por uma fração de segundo, — quando eu tenho isso.

Com um golpe casual de sua mão, ele rasgou a camisa, fazendo botões
voarem por todo lugar. Outro golpe arrancou sua máscara de dormir.
Finalmente, ele penteou com os dedos seus cabelos na altura do ombro e
sorriu para seu reflexo no espelho retrovisor.
— Eu sou, afinal de contas, irresistível.

Não pude conter meu riso. — Eu resisti muito bem a você no dia em que nos
conhecemos, ou você não se lembra de eu enfiando uma faca no seu peito?

Ian sorriu com uma malícia preguiçosa. — Eu me lembro, mas você parece
ter esquecido que você me beijou, primeiro. E gostou muito.

Pega fora de guarda, eu corei. Hey, eu estive celibatária por mais de quatro
anos naquela época – eu não estava pensando claramente!

— Ian, — Bones disse lentamente, em tom de aviso.

Ele acenou uma mão. — Pare de rosnar, Crispin. Eu superei minha antiga
atração por sua esposa, mas o ponto continua sendo que eu sou deslumbrante.

Com aquilo, ele saiu do carro e desfilou com sua camisa aberta ondulando
atrás dele como minicapas gêmeas.

— Volte aqui, — Eu sibilei, não gritando apenas porque nós ainda


estávamos tentando ser anônimos.

Ian soprou um beijo sobre seus ombros e continuou caminhando, descendo


a colina em direção ao estacionamento. Bones segurou minha mão quando eu
estava para abrir a porta do carro para ir atrás dele.

— Deixe-o tentar, Kitten. Anzóis funcionam melhor quando estão com iscas.

Era verdade, mas a entregadora parecia ser muito esperta para morder esse
pedaço específico de isca. Eu só esperava que Ian não estragasse nosso
disfarce depois que sua exibição de peito nú falhasse em fazê-la perder o
equilíbrio.

— Para constar, eu tentei impedir isso. — Eu disse, irritada. Então voltei


minha atenção para Ian.

O sol da tarde deu ao seu cabelo cor de cobre mechas douradas e ele se
certificou de que as linhas duras de seu peito e abdômen estivessem
totalmente visíveis enquanto seu passo manteve a camisa esvoaçante atrás
dele. De má vontade, eu tive que admitir que várias cabeças viraram, e mais
que alguns carros diminuíram enquanto motoristas mulheres davam a ele um
segundo, terceiro e quarto olhar. Ian respondeu jogando um sorriso
deslumbrante para elas, fazendo-o parecer quase angelical para qualquer um
que não soubesse que ele era uma vadia sem consciência.

Enquanto atravessava a rua, um puxão em seu cinto fez o jeans descer


ainda mais nos quadris. Mais alguns centímetros, e ele estaria exibindo o
começo da virilha, e pelos olhares ávidos lançados em sua direção, aquilo
poderia ser recebido com aplausos instantâneos.

— Tenham alguma dignidade, senhoras. — Eu murmurei.

Então Ian me surpreendeu ao agarrar o transeunte mais próximo que não o


estava admirando e puxou o homem perto o bastante para beijar. Por um
segundo, eu me perguntei o que diabos ele estava fazendo, mas Bones disse
“Ela voltou,” e meu olhar voltou para o estacionamento.

A morena saiu para o nível da rua e foi direto para a calçada onde tinha
estacionado. Nenhuma surpresa em ver que a pasta com que ela chegou tinha
sumido. Pelos seus pensamentos, ela estava menos alerta, já que a entrega
tinha sido feita com sucesso, mas ela ainda deu uma inspeção completa em
seus arredores enquanto caminhava em direção ao seu carro.

O que significa que ela viu Ian no momento em que ele cambaleou na
direção dela, o estranho que ele abordou agora o empurrando e puxando sua
calça. Minhas sobrancelhas subiram, mas então o homem agarrou a carteira de
Ian do bolso da frente e, com um empurrão final que o fez cair esparramado no
chão, correu.

— Maldito canalha, roubou minha carteira! — Ian gritou.

A morena parou a cerca de quatro metros de distância. Eu estava focada em


seus pensamentos, então soube o momento em que sua natural – e correta! –
cautela foi vencida por outra coisa. Ela encarou Ian, que estava caído de
costas, com suas pernas estendidas e cabeça curvada. Então ele jogou o
cabelo para trás, revelando seu rosto enquanto se sentava tão lentamente, que
era impossível evitar notar os músculos ondulando em seu peito e abdômen.

Oh, sim, ele estava exagerando pra valer.

— Você tem um móvel? — ele perguntou, seu sotaque britânico mais


pronunciado. — Eu deveria ligar para a polícia. Acabei de ser roubado.

— Móvel? Você quer dizer celular? —Ela perguntou enquanto Pare de


ENCARAR, Barbara! passava por sua mente.

Barbara. Agora nós sabíamos seu nome real. Ninguém usava um


pseudônimo para falar consigo.

— Sim, — ele disse. Então ele olhou para baixo, para seu peito nu como se
ele mesmo não tivesse rasgado a camisa.

— Em que estado eu estou. — Ian continuou, realmente conseguindo soar


miserável e chocado ao mesmo tempo. — O sujeito quase arrancou minhas
roupas tentando pegar minha carteira. Drogas, eu suspeito.

Cautela pediu a Barbara para deixar o lindo estranho sozinho, mas ela
ignorou aquilo e se aproximou, de qualquer forma. Eu estava tão feliz quanto
enojada. Bela forma de inflar o ego do Ian e prejudicar o feminismo ao mesmo
tempo, Barb!

Então um grupo de pessoas bloqueou a visão deles. Eu fiquei tensa, pronta


para entrar em ação, mas em seguida, um coro feminino de “coitadinho!”, “você
está bem?” e “deixe-me ajudar você!” soou.

As outras admiradoras do Ian tinham entrado em cena.

— Inacreditável. — Eu arfei. Por meramente descer a rua sem camisa, ele


conseguiu reunir um hárem.

— Senhoras, obrigado, mas eu estou bem cuidado,” Ian disse. Os


pensamentos de Barbara se dividiram entre a lógica dizendo-a para partir e
prazer sobre a confiança do homem bonito nela. Quando Ian continuou a
recusar as outras mulheres por ela, sua indecisão acabou.

— Vocês estão todas surdas? — Ela retrucou, com a voz autoritária se


elevando sobre as outras. — Vão, antes que ele chame os policiais por
assédio, também!

Com alguns últimos resmungos, o suposto harém se dispersou, permitindo-


me ver o olhar de gratidão misturado com promessa sensual que Ian deu a
Barbara.

Aquilo bastou. Ela se aproximou os últimos poucos metros entre eles sem
hesitação, estendendo seu celular. Quando os dedos dele se fecharam sobre
os dela enquanto ele pegava, “mãos frias” flutuou na mente dela antes que o
olhar dele prendesse o dela e se iluminasse com um verde brilhante e
hipnótico.

Oh, merda, foi seu último pensamento consciente.

— Eu te disse que seria fácil, — Ian disse, e ele não estava falando com ela.

Bones ligou o carro. Eu olhei para longe, não precisando ver Ian entrar no de
Barbara para saber que eles logo estariam nos seguindo.

— Vai ser impossível conviver com ele agora, — Eu disse sob a respiração.

Bones riu. — Como sempre, Kitten.


Capitulo Dez

A s boas notícias eram que, depois de horas questionando Barbara, nós

sabíamos a localização da instalação onde Tate, Juan, Dave e Cooper


provavelmente estavam, já que era de lá que as amostras de sangue de
vampiro vieram. Então, como o não ator James Franco, Barbara foi liberada
com uma baixa contagem de glóbulos vermelhos e uma nova memória.

Ian ia acrescentar um serviço bônus (“Eu sou muitas coisas, mas um


provocador não é uma delas,” ele declarou), mas eu o impedi antes que ele
pudesse cumprir sua antiga promessa silenciosa a Barbara. Nós não tínhamos
tempo, além disso, a antiga atração dela não contava como consentimento em
meu livro.

As más notícias eram que eu não sabia como nós poderíamos invadir a
instalação sem sermos pegos.

A área McClintic Wildlife Management, em Mason County, West Virginia, era


mais comumente conhecida como área “TNT”. Durante a Segunda Guerra
Mundial, ela foi um grande centro de produção e armazenamento de
explosivos. Além das dezenas de bunkers de concreto acima do solo que
abrigavam o TNT mencionado, assim como lixo radioativo, também havia uma
rede de túneis e bunkers subterrâneos construídos para resistir a uma explosão
nuclear. Após a guerra, as plantas da enorme instalação subterrânea
convenientemente desapareceram, embora os bunkers acima do solo tenham
sido selados e deixados para apodrecer.

Hoje, algumas centenas dos mais de três mil acres de terra estavam fora
dos limites para o público devido a preocupações com a segurança e questões
ambientais. Até mesmo o espaço aéreo estava fechado sobre uma sessão
após um dos bunkers misteriosamente explodir em 2010, mas enquanto o
governo tem posse e monitora a área, alguém como Barbara poderia entrar e
sair sem levantar suspeitas dos moradores locais. Além dos caçadores que
frequentam a área McClintic Wildlife Management, lá também era o local
original da aparição do Mothman*, portanto, atraí caçadores do sobrenatural
aos milhares.

*Homem Mariposa.

— Resumindo, — Eu disse ao Bones após passar várias horas infrutíferas


vasculhando a internet por mais informações. — nós estamos ferrados.
Barbara sempre pega a pasta na frente do armazém S4-A, mas isso não
significa que ali seja a entrada da base subterrânea. Poderia ser em qualquer
lugar dentro de três mil acres de pântano, floresta e mato, e não podemos ir lá
nós mesmos para limitar a localização escutando pensamentos.

Afinal, ela não era localizada em uma cidade, como o laboratório de Madigan
em Charlottesville. Lá, não seria estranho vampiros frequentando as
mediações. Caçadores e aspirantes a aberrações podem ser capazes de
circular ao redor de McClintic Wildflife Management sem levantar suspeitas,
mas nenhum vampiro de respeito atiraria em animais por esporte. E nenhum
iria caçar criaturas sobrenaturais que não existem.

— Se esse lugar tiver a segurança da base do Tennessee, — eu continuei,


frustrada, — alarmes infravermelhos dispararão se qualquer um com
temperatura corporal abaixo de 35º entrar na área isolada. E se esses alarmes
provocarem uma explosão instantânea, bem… eles não chamam isso de área
TNT por nada.

Ninguém acharia isso estranho, apenas lastimável. Madigan tinha a


cobertura perfeita com essa instalação.

— Mande Fabian explorar. — Ian sugeriu, referindo-se ao meu amigo


fantasma.

Dei um olhar azedo para ele. — Vale uma tentativa, mas eu duvido que o
lugar mais importante no esquema de Madigan criar supersoldados
parcialmente mortos-vivos seja também o único que ele não deixou a prova de
fantasmas.

Bones bateu no queixo, seu silêncio confirmando que concordava. Então,


com um sorriso torto, ele me jogou minha bolsa.

— Você é amiga do único vampiro do mundo que pode enganar sensores


infravermelhos, e, além disso, ele é a prova de explosão.

Eu acho que ele murmurou “O que é uma pena” após falar, mas eu estava
muito excitada para repreendê-lo.

Vlad! Com sua pirocinese, ele era mais quente que a maioria dos humanos,
e a mesma habilidade o fazia a prova de fogo. Peguei meu telefone da bolsa e
disquei o celular do Vlad.

Daca nu este ceva important, nu lasati mesaj si nu sunati din nou, uma
gravação em voz masculina respondeu, seguida pela tradução em inglês “Se
não for importante, não deixe mensagem e não ligue novamente.

Ninguém jamais acusou Vlad, o Impalador, de ser muito charmoso. Deixei


uma mensagem urgente com os números de celular meu e do Bones antes de
desligar.

— Ok, está feito. Agora, vamos encontrar Fabian e mandá-lo checar a


reserva McClintic Wildlife, só para garantir.

F abian du Brac tinha quarenta e cinco quando morreu, e seu longo cabelo

marrom ainda estava amarrado para trás em um estilo que saiu de moda há
mais de um século. Suas costeletas e roupas também o marcavam como de
outra época, mas foram nos seus nebulosos olhos azuis que eu foquei agora.
Antes mesmo que ele falasse, eles me disseram que ele não tinha boas
notícias.

— Realmente há uma grande instalação ativa nas profundezas de uma


região na área McClintic Wildlife Management, mas eu não sei onde é a
entrada. A instalação inteira é coberta por uma barreira que eu não posso
penetrar e ninguém saiu no tempo todo em que eu estive lá.

Eu cerrei os dentes. A equipe de Madigan vive no local, para que ninguém


pudesse colher informações de suas idas e vindas. Ou sequestrar algum deles
após sair, que era o meu outro plano para conseguir mais detalhes.

Eu odeio o idiota burocrático, mas se eu estivesse projetando segurança


para o lugar, teria feito a mesma coisa.

Minha respiração saiu em um suspiro de resignação.

— Então nós temos que esperar mais onze dias até a próxima coleta
agendada no laboratório. Alguém vai ter que sair daquela base para entregar a
pasta para Barbara.

Fabian acenou. — Elisabeth e eu não partiremos até descobrirmos a


entrada. Ela está lá agora, no caso de alguém emergir enquanto eu não estou.

Eu lhe dei um sorriso fraco. — Obrigada, e agradeça a sua namorada por


nós, por favor.

Determinação cintilou em seu rosto. — Você não me deve agradecimentos.


Você me deu um lar quando ninguém me queria, e Elisabeth não seria minha
amada agora se você não a tivesse ajudado em sua necessidade, também.

Ele era, como sempre, muito gentil. Pela milésima vez, eu desejei poder
abraçar Fabian, mas, ao invés, eu fiz a única coisa que podia: ergui minha mão
e sorri quando seus dedos transparentes se curvavam perto – e através – dos
meus.

— Agora tudo o que você precisa é fazer um V com as mãos e dizer em uma
voz trêmula que você foi, e sempre será, amiga dele. — Ian observou, cheiro
de ironia.

— Por que eu… — Eu comecei. Então a compreensão bateu.

— Puta merda, você é um Trekkie* enrustido!

*Fã de Star Trek.

Eu teria me aprofundado nessa surpreendente revelação sobre Ian, mas


meu celular tocou. Eu olhei o número antes de atender com alívio impaciente.
Depois de deixar várias mensagens de voz por três dias, Vlad finalmente ligou
de volta.

— Onde você esteva? — Eu respondi, em vez de alô.

— Ocupado, — foi sua resposta curta, seu sotaque mais pronunciado.

— E não estamos todos? Escute, eu preciso do seu tipo particular de ajuda,


é por isso que liguei…

— Não conte comigo dessa vez, Cat.

Eu estava muito chateada com sua resposta para fazer uma piada sobre o
verdadeiro drácula usando a palavra “conte*”.

*No inglês, count, que também significa conde, de Conde Drácula.

— É sério, — eu disse, no caso de ele estar pensando que eu estava


procurando um companheiro para uma competição de lixar unhas.

— O que quer que seja, eu não posso ajudar. Além disso, você precisa estar
na Romênia hoje à noite.

Eu conhecia bem a arrogância de Vlad, mas isso estava indo longe demais.
— Você se recusa a me ajudar com um cenário de vida ou morte, mas quer
que eu pule em um avião e parta imediatamente para a sua casa?

— Ele perdeu o juízo. — Bones murmurou do quarto ao lado.

Vlad respondeu com quatro palavras que brevemente limparam a minha


mente de qualquer outro pensamento. Eu o pedi para repetir, para ter certeza
de que entendi direito, e quando ele fez, eu comecei a sorrir.

— Então acho que o verei essa noite. — Eu disse, e desliguei.

Bones veio para a sala, suas feições marcadas por uma expressão de
incredulidade.

— Nós não podemos correr para a Romênia, Kitten. O que quer que Vlad
pense que é tão importante, pode esperar…

— Não, não pode. — Eu interrompi, ainda sorrindo. — Ele vai se casar essa
noite.
Capitulo Onze.

P egamos carona no avião do Mencheres, já que ele e Kira foram

convidados também. Na verdade, Mencheres era o padrinho de Vlad. Ian,


porém, não veio, já que ele e Vlad não eram próximos. Inferno, Bones e Vlad
também não eram. Se não fosse por mim, Bones nunca teria sido convidado, e
se Bones não soubesse que Vlad fazia parte da minha pequena lista de
verdadeiros amigos, ele preferiria capinar um quintal a assistir o casamento do
Vlad.

Ainda no avião, Bones e eu contamos a Mencheres e Kira o que


descobrimos sobre Madigan. Além de ser a versão vampírica de avô,
Mencheres também era co-regente das linhagens combinadas deles, então ele
era confiável. Sua espora, Kira, pode estar em treinamento para ser uma
Executora, que é a versão vampira de um policial, mas ela também manteria a
boca fechada. Então eu passei o resto do nosso voo tentando pensar em uma
maneira de descobrir a entrada da base que não envolvesse onze dias de
espera até Barbara aparecer para pegar outra pasta.

Nossa atual incapacidade de entrar na base me frustrava infinitamente, mas,


nessas circunstâncias, paciência não era uma virtude. Era uma necessidade.
Nós não podíamos ser mais espertos que o sistema de segurança, e com Vlad
seriamente indisponível, porque estava se casando, eu ainda tinha que
descobrir uma forma de contornar isso que não acabasse virando uma missão
suicida. Parte de mim odiava voar milhares de quilômetros enquanto nossos
amigos estavam em perigo, mas o resto resignadamente percebia que tanto
aqui quanto lá, nós ainda estávamos presos no modo espera.

A menos que…

— Você poderia usar seus poderes telecinéticos para congelar a todos no


subsolo enquanto nós procuramos pela entrada, — eu sugeri para Mencheres,
apesar de aquilo soar ingênuo para os meus próprios ouvidos.

Uma sobrancelha se ergueu. — E se essa instalação não for o centro de


comando das operações de Madigan?
Eu suspirei. — Então estamos ferrados.

Alguém importante no governo deve ter apoiado Madigan todos esses anos
após Don demiti-lo. De que outra forma ele poderia ter pelo menos duas
instalações subterrâneas clandestinas à sua disposição, para não mencionar o
financiamento astronômico que toda a sua pesquisa experimental deve ter
custado? Então a figura misteriosa – ou figuras – por trás de Madigan se
esconderia profundamente assim que soubesse que nós tínhamos o poder de
imobilizar uma base inteira. Não, nós tínhamos que poupar nossa melhor arma
para a batalha final, quando pegarmos Madigan e as pessoas por trás dele,
não desperdiçar a surpresa na luta antes disso.

Era a única escolha lógica, mas isso não dava esperanças sobre resgatar
meus amigos vivos. Eu tentei lembrar a última vez que falei com Tate. Nós
brigamos? Possível. Nosso relacionamento tem sido tenso pelos últimos dois
anos, mas as coisas tinham começado a voltar ao normal. Eu odiava que eu
poderia nunca ter a chance de dizer a ele o que a amizade dele significava
para mim, nos tempos bons e ruins.

Mencheres deve ter sentido minha tristeza, porque disse — Nós


retornaremos amanhã aos EUA com vocês, — em sua voz mais suave. —
Estarei perto quando você precisar de mim, Cat.

Dei um sorriso agradecido a ele. Antigamente, eu odiava o vampiro egípcio


ancião. Agora, saber que ele estará por perto para o confronto final me enchia
de profundo alívio.

— Obrigada.

Ele me presenteou com um de seus raros sorrisos. De nada.

As palavras não foram ditas em voz alta. Ao invés disso, elas deslizaram
diretamente nos meus pensamentos como um SMS telepático. Mencheres,
com sua incrível idade e habilidades, era o único vampiro que eu conheci que
podia se comunicar dessa forma, embora ele só tenha feito isso comigo uma
vez antes.

— Exibido, — eu murmurei.

Seus lábios contraíram outra vez, mas então ele voltou a atenção para a
janela e as luzes que ela revelava quando o avião inclinou bruscamente.
— Chegamos.

A casa de Vladislav Basarab Dracul era exatamente o que você esperaria

do não coroado príncipe das trevas: uma mansão gigantesca que era tão linda
quanto selvagem, com varandas esculpidas e pilares próximos a torres altas e
baixas, adornadas por gárgulas. Também estava mais ocupada do que eu já vi.
Membros de sua equipe esperavam do lado de fora da estrutura de quatro
andares, apressando-se para estacionar carros à medida que os convidados
chegavam. Aquela não era a única diferença desde a minha última visita. Ao
invés de eletricidade, agora eram tochas que iluminavam o exterior. Elas
estavam postas a quase quatro metros de altura ao redor da casa, enquanto
tochas menores adornavam as muitas varandas da mansão. Eu teria dito que
aquilo era um risco de incêndio, exceto pelas habilidades do Vlad. Nada
queimava ao redor dele, a menos que ele quisesse.

Fomos educadamente empurrados para dentro do grande corredor, onde


mais atendentes levaram nossas malas depois de pedirem nossos nomes. Lá
dentro, velas substituíam as luzes normais, e funcionários de smoking serviam
taças de cristal cheias de algo vermelho e, ainda assim, borbulhante. Curiosa,
peguei uma da bandeja mais próxima e provei.

— Você tem que experimentar isso, — E disse a Bones, entregando a ele a


taça. — É como o fruto do amor entre Cristal e O-.

Bones aceitou, levantando uma sobrancelha apreciativa quando engoliu. Ele


pode não ser o maior fã de Vlad – ok, geralmente os dois homens se odeiam –
mas ele claramente aprovava o champanhe infundido com plasma do Drac.

Ver sua garganta trabalhando enquanto ele tomava um segundo e longo


gole me lembrou de que eu não tinha me alimentado a mais de um dia. O quão
sexy Bones estava em seu smoking cor de ébano, com seus cachos castanho-
escuros abraçando sua cabeça como um capacete suave apenas alimentava a
fome crescendo em mim. Nós não tivemos tempo de fazer compras antes de
Mencheres nos pegar, mas, felizmente, o antigo faraó tinha muitas roupas
chiques. Mencheres e Bones eram semelhantes em tamanho, então seu
smoking emprestado se ajustava a ele como se tivesse sido feito para ele.

— Pegue outro, — Eu disse para Bones, oferecendo uma nova taça de


sangue infundido com champanhe após ele terminar a primeira. — Você vai
precisar estar bem hidratado mais tarde.

Sua boca se curvou quando ele aceitou outra taça. Então seus dedos
prenderam os meus enquanto ele levantava a taça para beber. Os nós dos
meus dedos escovaram seu queixo liso enquanto ele engolia, com aqueles
olhos escuros nunca deixando os meus. Ele só me soltou após beber tudo e,
quando soltou, eu não queria que ele fizesse. Na verdade, eu estava me
perguntando onde era o nosso quarto de convidados e se nós tínhamos tempo
para escapulir antes que o casamento começasse.

Ele se inclinou, seu olhar agora tingido de verde enquanto ele colocava sua
taça vazia na bandeja de um garçom que passava, nunca desviando o olhar.

— Você me mata de desejo com o quão linda você é, Kitten.

O vestido sem alças e formal que Kira me emprestou era um pouco


apertado, mas pelo jeito que os olhos do Bones deslizaram sobre mim, ele
aprovava como meus seios se destacavam um pouquinho demais sobre o
decote e como o veludo negro me envolvia como se tivesse sido pintado em
mim. Meu cabelo estava solto, já que parar para fazer um penteado estava fora
de questão, mas sua profunda cor de carmesim combinava com meu anel de
noivado. Era a única joia que eu usava, ainda assim, sua magnificência fez
mais de uma convidada toda enfeitada parar para olhar. Diamantes vermelhos
eram os mais raros no mundo, e o único outro perto desse tamanho estava em
um museu em algum lugar.

Coloquei meus braços ao redor dele, inspirando seu cheiro e me deleitando


com a sensação dura do seu corpo quando ele me apertou contra ele.

— Você vai morrer com algo mais assim que estivermos sozinhos. — Eu
sussurrei.

Seus braços se apertaram ao meu redor. — Assim como você.

Aquele tom duro e baixo fez arrepios sensuais dançarem sobre mim, mas
então, atrás de nós, alguém limpou a garganta. Desde que estávamos em uma
casa cheia de vampiros, aquilo não era uma acidente.

Kira sorria timidamente quando eu me virei.

— Desculpe interromper, mas Mencheres saiu para ver Vlad, e eu não


conheço mais ninguém aqui.

— Não seja boba, você não está interrompendo. — Eu disse, embora meu
corpo protestasse quando eu me afastei de Bones. Então peguei uma nova
taça de Cristal do funcionário atencioso.

— Além do mais, você precisa provar o espumante. Está de matar.

A cerimônia de casamento foi feita no salão de baile, que, além da região

ao redor das propriedades de Vlad, era o único lugar grande o suficiente para
acomodar seus muitos convidados, desde que ocupava mais da metade do
terceiro andar. Havia aproximadamente duas mil pessoas aqui, ainda assim, eu
só precisaria das duas mãos para contar o número de humanos.

A noiva, Leila, e o homem velho que eu supunha que fosse seu pai, estavam
entre as raras exceções mortais. Ela ofegou quando entrou no salão, mas
aquilo poderia não ter a ver com as milhares de pessoas que se levantaram
quando ela entrou. Pode ter sido pelos pilares gigantes feitos de rosas brancas
que delimitavam seu caminho até o altar, ou os antigos candelabros queimando
com mais velas do que eu podia contar. Isso não era a melhor decoração de
Vlad, embora. Quando Leila começou a descer o corredor, o arco de metal sob
o qual Vlad estava explodiu em chamas que queimavam tanto que, quando ela
o alcançou, parecia que ele estava sob por uma cobertura de ouro.

— Wow, — eu sussurrei.

— Exibido, — Bones murmurou em resposta.

A cerimônia começou assim que Vlad pegou a mão de Leila. Acabou sendo
surpreendentemente tradicional. Mencheres entregou as alianças quando
chegou a hora, e uma morena que se parecia com Leila pegou seu buquê.
Com exceção de Vlad respondendo tanto em inglês quanto em romeno, e do
rugido que suas pessoas soltaram após ele declarar que amaria, honraria e
protegeria Leila como sua esposa, foi um casamento padrão.

E uma dose de normal era aparentemente o que eu precisava. Eu já sabia


que sentia falta da nossa vida muito mais tranquila nas montanhas, mas eu não
tinha percebido o quanto até agora. Algo fortemente apertado dentro de mim
aliviou um pouco enquanto eu ouvia duas pessoas jurarem assumir todos os
desafios da vida juntos, em nome do amor.

Em meus trinta anos nessa terra, eu já vi e fiz mais do que a maioria das
pessoas na vida, mas eu não teria chegado tão longe se não fosse por amor.
Isso foi o chão firme sob meus pés quando tudo mais ao meu redor colapsou, e
apesar do perigo e incerteza do que estava por vir, eu sabia que seria
novamente.

Por uma fração de segundo, senti pena de Madigan. Ele só tinha ambição e
crueldade sustentando-o. Quão grande sua queda seria de um pilar tão frágil e
não confiável assim…

Silenciosamente, deslizei minha mão na do Bones. Imediatamente, ele a


levou aos lábios, roçando um sussurrante beijo suave nos nós dos meus
dedos. Outro nó oculto dentro de mim relaxou, como se uma nuvem que ficou
sobre mim por semanas de frustração fosse perfurada por raios de esperança.
Nós passamos por tanta coisa juntos. Certamente não chegamos tão longe
para falhar agora.

Estimulada por aquele pensamento, aplaudi quando Vlad e Leila foram


formalmente anunciados marido e mulher – de acordo com a lei humana, de
qualquer forma – e prometi aproveitar ao máximo desse breve intervalo dos
nossos problemas. Logo percebi que se a cerimônia teve uma natureza mais
tradicional, a recepção tinha marcas do estilo exagerado de Vlad. Estava
espalhada pelo terceiro andar inteiro da sua mansão e tinha comida e bebida
suficientes para deixar até mesmo os vampiros empanzinados, e isso sem
contar o bolo de casamento que era mais alto que eu, de salto alto. Eu nem
mesmo tive chance de dizer olá ao Vlad em quase três horas de espera,
quando chegou nossa vez na fila de recepção.

O longo cabelo negro do Vlad estava penteado para trás o suficiente para
exibir seu pico de viúva. O estilo rígido também enfatizava as maçãs do rosto
altas, testa forte e os incomuns olhos verdes acobreados. Ele não era
classicamente bonito como Bones, mas era impressionante de uma forma que
não podia ser ignorada. Seu manto vermelho de pele e o terno ricamente
trançado por baixo apenas somava à sua presença dominante, sem mencionar
que ele poderia espancar alguém até a morte com o gigante pendente de ouro
pendurado em seu pescoço.

— Você vai começar o termo “medieval fabuloso” com essa roupa. — Eu


provoquei enquanto me inclinava para beijar seu rosto. Então murmurei —
Estou tão feliz por você. — contra sua barba por fazer.

Ele me abraçou, breve, mas acolhedor. — Estou contente que você veio,
Cat.

Seus lábios se curvaram para baixo quando ele olhou por cima do meu
ombro, mas tudo o que ele disse foi “Bones”, em um tom evasivo.

— Tepesh, — Bones o cumprimentou em uma voz igualmente vaga.

Rolei meus olhos. Pelo menos eles não estavam ameaçando se matar. Isso
era um progresso para o relacionamento deles.

Então voltei minha atenção para Leila, envolvendo-a em um abraço antes de


uma faísca de eletricidade me lembrar de que ela emitia voltagem devido a um
acidente com uma linha de energia quando ela era adolescente.

— Parabéns, — Eu disse para a adorável noiva de cabelos negros.

Ela agradeceu, parecendo um pouco espantada, não que eu pudesse culpá-


la. Na primeira vez em que eu estive em uma sala cheia de milhares de
criaturas sobrenaturais, aquilo também me pirou, e eu era apenas metade
humana na época. Leila era totalmente mortal, sendo ou não a nova Senhora
Drácula. Se eu tivesse uma bebida forte comigo, teria dado a ela.

Bones beijou sua mão enluvada, dando seus próprios parabéns. Antes que
os deixássemos, dei uma olhada para Leila e, maliciosamente, disse —
Ninguém pensou que o que você acabou de fazer pudesse ser feito, você sabe.
Você vai ganhar o apelido de A Matadora de Dragão.

Vlad me fuzilou com os olhos, mas Bones riu. Enquanto nos afastávamos,
ele se inclinou até seus lábios tocarem minha orelha.

— Me faz desejar que Denise estivesse aqui. — Bones sussurrou. — Ela


mostraria a Tepesh um dragão que envergonharia o emblema da casa dele.

Ela certamente poderia, se isso não fosse expô-la como uma das únicas
metamorfas do mundo. Um demônio marcou Denise com sua essência, que
virou permanente após a morte dele. Agora minha melhor amiga tem todos os
poderes que o demônio tinha, incluindo sua imortalidade e a habilidade de
mudar de forma para qualquer coisa que ela escolhesse. Ela escolheu um
dragão para assustar Heinrich Kramer quando o fantasma estava préstes a
matar Bones. Embora eu tenha visto com meus próprios olhos, parte de mim
ainda não podia acreditar que Denise tinha se transformado em uma criatura
mítica de dois andares de altura tão facilmente quanto se ela estivesse
trocando de roupa…

Parei de andar tão abruptamente que apenas reflexos vampiros impediram o


casal atrás de nós de bater em nossas costas.

— O que há de errado, Kitten? — Bones perguntou, me afastando da


multidão.

Excitação fez minha voz vibrar, embora eu tenha tido o cuidado de falar
apenas em um sussurro.

— Eu sei como vamos nos infiltrar naquela instalação subterrânea em Point


Pleasant. Eles vão nos deixar entrar.
Capitulo Doze.

T ivemos turbulência no longo voo de volta aos EUA. Eu não me

incomodava, mas Bones, que odiava voar até mesmo em circunstâncias boas,
estava em um humor péssimo quando finalmente pousamos em St. Louis. Foi
azar dele que Spade e Denise não estavam em sua propriedade na Inglaterra.
Teria sido uma viagem relativamente curta da Romênia até lá.

Claro, seu mau humor pode ter sido porque ele odiava meu plano. Ainda
assim, como eu disse a ele mais de uma vez no sacolejante voo de volta, se
ele tivesse uma ideia melhor, eu estava aberta a ouvir. Seu silêncio sobre o
assunto dizia muito, mas eu conhecia Bones. Ele ainda não tinha desistido de
brigar.

Então, novamente, nem eu tinha. Além disso, apesar de eu estar confiante


da resposta de Denise, nós também tínhamos que convencer Spade a aceitar.
Se ele não aceitasse, Bones não tinha nada para se preocupar.

Quando chegamos na casa de Spade e Denise, o sol estava se pondo,


embora o jet leg, e atravessar vários fusos horários nos últimos dois dias, me
fizeram sentir como se fosse o raiar do dia. Spade já estava esperando na sua
porta da frente, fazendo-me imaginar o que o tinha alertado da nossa chegada
primeiro: sentir a presença de outros vampiros ou ouvir nosso carro estacionar.

— Crispin, — Spade disse, referindo-se a Bones pelo seu nome real já que,
como Ian, ele o conhecia na época em que eles eram todos humanos. —Cat.
Bem-vindos.

As palavras eram educadas, mas o tom de Spade estava mais cauteloso do


que cordial. Eu dei ao vampiro alto, de cabelos negros, meu sorriso mais
encantador, o que me rendeu uma carranca instantânea.

— Agora eu sei que a visita de vocês traz problemas, como se vocês me


dizendo para dispensar os funcionários antes que vocês chegassem não fosse
aviso suficiente.

— Você não está errado, Charles, — Bones disse, também usando o nome
de nascimento de Spade. Então ele deu batidas nas costas dele. — Mas você
precisa ouvir isso, apesar de tudo.

Eu os segui para dentro, feliz em ver um rosto mais amigável descendo o


corredor.

— Denise!

Ela riu, dando-me um abraço quando me alcançou. Eu apertei de volta, não


preocupada em machucá-la com minha força. De muitas formas, a essência
demoníaca com a qual Denise foi marcada a fazia mais resistente que eu.

Quando ela se afastou, no entanto, seu sorriso sumiu. — O que está


acontecendo? Sua mãe está ok?

— Ela está bem, — eu disse, fazendo uma nota mental para ligar para ela
logo. — Estamos aqui por algo que meu tio começou há muito tempo atrás.

Nós contamos tudo a eles enquanto tomávamos café em sua sala de estar.
Os traços bonitos de Spade estavam congelados em linhas duras quando
terminamos.

— Ele vai causar uma guerra se tiver sucesso, — ele disse. Então ele deu
um olhar especulativo para Bones. — A resposta é sim, Crispin. Eu vou lutar
com você para impedir que a contaminação de uma interespécie jamais
aconteça.

Bones bufou. — Eu nunca duvidei disso, companheiro, mas não é por isso
que estamos aqui.

Com aquilo, eu limpei minha garganta. — Nós não podemos atacar a base
onde achamos que Madigan está fazendo suas experiências – e mantendo
nossos amigos – até sabermos quem é seu backup no governo. E não
podemos descobrir isso sem entrar na base, então isso tem sido um beco sem
saída até agora.

Eu olhei para Denise antes de fixar minha atenção novamente em seu


marido.

— Apenas Madigan pode andar dentro daquela instalação e pegar a


informação que precisamos sem levantar suspeitas. Ou alguém que se pareça
exatamente como ele.
Eu sempre achei que os olhos de Spade lembravam os de um tigre. Nesse
instante, vendo-os fixos em mim de uma forma que fez cada instinto de
sobrevivência gritar “Alerta Vermelho!”, eu tive certeza disso.

— Charles, — Bones disse.

Embora aquela única palavra fosse suave, o impacto de poder que inundou
instantaneamente a sala era qualquer coisa menos isso.

Spade soltou um som, meio rosnado, meio sibilo. — Não me ameasse,


Crispin.

— Então não olhe para a minha esposa desse jeito. — Foi sua resposta
instantânea.

— Hey, — Denise se levantou, sacudindo a mão para quebrar a competição


de encarar deles. — Lembra de mim, a pessoa de que se trata o assunto?

Spade olhou para ela, sua expressão suavizando imediatamente.

— Sim, querida, mas você não pode entrar sozinha naquela instalação. É
muito perigoso.

— Eu concordo. — Eu disse calmamente.

Aquilo chocou Spade o suficiente para olhar para mim sem seu antigo olhar
mortal. — O quê?

— Eu concordo, — eu repeti. — Mesmo se Denise entrar, ela não terá a


menor ideia de como acessar o computador de Madigan para pegar a
informação que nós precisamos. Embora eu não seja tão boa quanto o grupo
hacker Anonymous, eu sei o suficiente para recuperar o que precisamos. É por
isso que eu irei com ela. Madigan está atrás de mim há anos, então seus
cientistas me virão fingindo ser sua prisioneira e simplesmente presumirão que
ele finalmente cumpriu seu objetivo de me prender para experiências
completas.

E assim que estivéssemos dentro da base, e eu tenha descoberto quem é o


apoio de Madigan, além de o que aconteceu com Tate, Juan, Cooper e Dave…
a luta de verdade vai começar.

O olhar de Spade deslizou para Bones. — Você está disposto a deixá-la


fazer isso?

Uma risada seca precedeu sua resposta. — Disposto? Não. Resignado, sim,
mas ela também não vai sozinha. Eu vou com elas.

— Bones, — eu disse com um suspiro. — nós conversamos sobre isso. Um


vampiro refém, sua equipe vai acreditar, mas dois? É forçar a barra.

— Normalmente, sim. — ele disse em um tom suave. — Mas qualquer um


que me vir vai jurar que eu sou completamente inofensivo.

Claro. Por que um vampiro Mestre musculoso, com 1,88 de altura,


conhecido por ser um fodão com séculos de idade era a imagem da
impotência.

— Você teria que empregar hipnotismo em massa para convencer qualquer


um disso, e os guardas dele usam visores para impedir de serem hipnotizados.

O sorriso de Bones estava perigosamente luxuriante, como veneno oculto no


vinho mais fino.

— Veremos, mas antes de chegarmos a isso, precisamos encontrar uma


forma de capturar Jason Madigan. Denise não pode conseguir representá-lo
em West Virginia se todo mundo souber que ele ainda está no Tenessee.

F abian despencou do teto da cozinha do nosso apartamento alugado,

suas feições translúcidas dizendo tudo antes mesmo de ele falar.

— Ele ainda não saiu da base, saiu? — Eu perguntei, resignada.

O fantasma sacudiu a cabeça. — Sinto muito, Cat.

O rosto de Denise espelhou meu próprio desapontamento, mas Spade se


virou antes que eu pudesse ver sua expressão. Provavelmente era um sorriso.
Ele arriscaria sua vida facilmente, mas quando se tratava da segurança de sua
esposa, ele conseguia fazer até mesmo Bones parecer pouco protetor.

— Isso não está funcionando, — Denise disse, declarando a opinião a que


eu cheguei dias atrás. — Madigan podia deixar a base a cada duas semanas
antes, mas ele obviamente está enterrado nela como um carrapato agora. E se
levar meses para ele sair por conta própria?

— A menor distância entre dois pontos é uma linha reta, — eu disse,


ajeitando meus ombros. — Eu vou ligar para Madigan e dizer que quero me
encontrar com ele. Agora nós sabemos o quanto ele quer me capturar, então
isso vai fazê-lo sair da base.

— Absolutamente não. — Bones rosnou.

— Anzóis funcionam melhor quando eles têm iscas. — Eu respondi, jogando


suas palavras do outro dia de volta para ele. — Eu sou o que Madigan quer.
Ele vai sair se pensar que pode me pegar.

— Sim, com o exército mais forte que ele puder reunir para capturar você, —
Bones disse, suas emoções queimando através das minhas com a intensidade
de relâmpagos. — Eu preciso te lembrar que da última vez em que você
encontrou um adversário nos termos dele, você foi baleada e quase queimada
até a morte?

Por reflexo, corri uma mão pelo meu cabelo. Mesmo com as habilidades
vampíricas de cura, ele ainda não tinha crescido até o comprimento que estava
na noite em que Kramer colocou fogo em mim.

— Mas quem está aqui e quem está preso em uma armadilha de fantasmas?
— Eu rebati. — Se o fantasma mais poderoso da história não pôde me matar,
então o maior imbecil da humanidade não tem nem chance.

Spade se inclinou para trás, ficando mais confortável enquanto uma


expressão satisfeita passava por seu rosto. Sem dúvida ele estava pensando
que a vingança era uma vadia enquanto ouvia Bones e eu discutindo sobre
riscos de segurança aceitáveis.

Então a pessoa que eu menos esperava que ficasse do meu lado entrou na
cozinha, usando nada além de um lençol ao redor do quadril.

— Por que você se incomoda, Crispin? Você se casou com uma lutadora,
então pare de tentar convencê-la de que ficar só observando é melhor para ela.

— O dia em que você amar alguém além de si, é o dia em que eu aceitarei
conselhos conjugais de você, Ian. — Bones respondeu em um tom gélido.

— Então hoje é o dia, — Ian respondeu afiadamente, — por que eu te amo,


seu miserável, trombadinha cabeça de porco. Eu também amo esse
almofadinha mimado arrogante, dando esse sorrisinho pra nós — um aceno
indicou Spade, de quem o supracitado sorrisinho sumiu — assim como o
emocionalmente danificado e mentalmente desequilibrado que me criou. E
você, Crispin, ama uma diabinha sanguinária que provavelmente matou mais
pessoas em seus trinta anos que eu em mais de dois séculos de vida, então,
eu digo novamente, não se incomode em tentar convencê-la de que ela não é
quem ela é.

O queixo de Denise caiu, ou pela descrição menos que lisonjeira que Ian
deu de nós, ou pela noção de que eu matei mais pessoas que ele. A expressão
de Spade agora estava dura, mas um músculo se contraía no queixo de Bones
– a única indicação dos seus sentimentos, já que ele cobriu sua aura sob uma
nuvem impenetrável.

Quanto a mim, eu não sabia se socava Ian por chamar Bones de


trombadinha cabeça de porco, ou o agradecia por dizer o óbvio. Eu posso estar
cansada de toda a luta e de me equilibrar constantemente na linha entre a vida
e a morte, mas isso não significa que eu não era boa naquilo.

Algumas pessoas nasciam para serem mães, pais, inventores, artistas,


oradores, pastores… e então havia eu.

— Ele está certo, — eu disse em um tom calmo. — Minha verdadeira


habilidade é matar. Eu me destaquei nisso desde que tinha dezesseis, quando
eu abati meu primeiro vampiro sem saber nada sobre eles.

Então eu caminhei até Bones, emoldurando seu rosto em minhas mãos.

— Foi você que me ensinou a julgar as pessoas pelas suas ações, ao invés
de por suas espécies. Você me salvou de uma vida de sofrimento,
arrependimento e recriminações merecidas. Agora é hora de me deixar fazer
aquilo em que sou boa, Bones — Eu sorri com ironia — e confiar que você me
ensinou a ser a melhor maldita assassina que eu poderia ser.

Ele cobriu minhas mãos com as dele, sua carne vibrando com o poder que
ele manteve tão firmemente sob controle. Então ele me beijou, gentilmente,
embora cheio de paixão ardente.

E foi por isso que, quando ele se afastou e falou, eu não pude acreditar no
que ele disse.

— Você está certa, amor. Mas eu ainda me recuso a ser parte disso.

Então eu realmente não acreditei quando ele saiu do apartamento.


Capitulo Treze.

N ão era a primeira vez que Bones ficava puto o suficiente para se afastar

de mim. Quem disse que casamento é fácil? Não eu.

— Ele só precisa de tempo para se acalmar, — eu disse a Denise, que


pairava na porta, segurando uma garrafa de gin em uma mão e um litro de
sorvete na outra. Eu tinha que dar crédito a minha melhor amiga: Ela sabe
como cobrir suas bases.

Apontei para o gin. Ela entrou, entregando-o. Então ela sentou perto de mim
na cama e abriu a tampa do sorvete, atacando-o ela mesma.

— Claro que ele vai voltar, — ela disse entre colheradas. — Mas você está,
você sabe, bem, nesse meio tempo?

Tomei um gole de gin antes de responder. — Já estive melhor. Quando


Bones voltar, vamos ter uma conversinha sobre a forma que ele escolhe para
expressar suas opiniões divergentes, mas o casamento é uma maratona. Não
uma corrida.

Denise ergueu sua colher em saudação. — Isso é verdade.

Dei tapinhas em seu braço, tomando um último gole de gin antes de colocar
a garrafa no criado mudo. Então peguei meu celular pré-pago descartável,
discando um número que costumava me conectar com meu tio quando ele
estava vivo.

— Madigan, — uma voz brusca respondeu.

— Aqui é Cat Russel, — eu disse. — Nós precisamos conversar.

Passaram dois batimentos cardíacos antes de Madigan responder. — Não


estamos fazendo isso agora? — De uma forma que soava mais cuidadosa do
que sarcástica.

Dei uma risada curta. — Humor nunca foi seu ponto forte, Jason. Quero
dizer pessoalmente, e quanto antes, melhor.
— Venha aqui, então. Você sabe onde eu estou. — Foi sua resposta.

— Para que eu possa ficar de pé no fogo cruzado das metralhadoras


escondidas em suas paredes? — Meu escárnio foi leve. — Obrigada, mas não.

Dessa vez, seu silêncio se estendeu por mais que dois batimentos
cardíacos. Provavelmente tentando descobrir como eu sabia sobre as armas.

— O que você tem em mente? — Ele perguntou finalmente.

— Hoje, à meia noite, no Píer Rat Branch do Lago Watauga. É bem ao leste
de Hampton, Tennesse. Vá sozinho, e eu farei o mesmo.

Risadas flutuaram através da linha, ásperas como vidro triturado por rochas.
— Você fará o mesmo? Nós dois sabemos que Bones está olhando sobre o
seu ombro nesse instante, silenciosamente jurando acompanhar você.

— Se ele estivesse aqui, estaria fazendo isso, — eu disse, e essa era a


simples verdade. — Mas já tivemos essa briga, e ele se irritou e partiu. É por
isso que nosso encontro tem que ser essa noite. Ele não vai demorar muito, e
assim que voltar, ele vai insistir em ir junto.

Outro silêncio prolongado. Ou Madigan estava pensando no que eu disse ou


tentando rastrear a ligação, mas ele não chegaria a lugar algum com isso.
Finalmente, depois de tempo suficiente para eu achar que tinha desligado, ele
falou novamente.

— Isso me intriga, Crawfield, mas eu não acho que te darei uma chance de
me matar. Você quer conversar? Venha até mim, aqui.

— É Russel, — eu disse imediatamente, — e veja se isso te intriga: Don fez


arranjos para uma carta ser enviada a mim caso ele morresse. Eu me mudei
bastante nos últimos meses, então só recebi ela agora. Nela, ele se desculpava
pelas coisas horríveis que ele permitiu quando vocês dois trabalhavam juntos…

— Que coisas? — Madigan interrompeu.

Sorri. Agora eu tenho sua atenção, não é?

— É isso que eu quero descobrir, mas não o bastante para te dar a


vantagem de jogar em casa. Então é o píer no Lago Watauga essa noite, ou
esqueça. Inferno, talvez seja mesmo melhor esquecer. Outra carta
provavelmente está a caminho com mais informação.

Frustração praticamente fervilhava através do silêncio no outro lado da linha.


Não apenas Madigan realmente queria me capturar; como todos os burocratas,
ele era totalmente paranoico sobre manter seus segredos. A última coisa que
ele queria era um grupo de vampiros cutucando seus experimentos ilícitos, e a
ideia que seu antigo inimigo pode ter derramado os feijões depois da morte
deve estar dando a ele uma úlcera.

— Se eu achasse que você tem uma gota de honestidade, — ele finalmente


disse, cerrando os dentes. — eu a faria jurar pela vida do Bones que você virá
sem ele. Ou qualquer outra pessoa.

— Eu juro, — eu disse calmamente. — E entre nós dois, eu não sou a maior


mentirosa.

O som que ele fez foi muito baixo para que eu pudesse determinar se era de
desdém ou uma risada.

— Acho que, à meia noite, nós vamos descobrir.

— Nos vemos lá, — eu disse alegremente, e desliguei.

Denise me encarava, seus olhos cor de avelã arregalados em alarme. —


Você não está realmente pretendendo ir sozinha, está?

— Claro que sim. — Meus lábios se esticaram em um sorriso frio e


predatório. — Como eu disse, entre Madigan e eu, eu não sou a maior
mentirosa.

O píer Rat Branch, no Lago Watauga, era um lugar público, ainda assim,

mesmo que eu tivesse escolhido a tarde, ao invés de a meia noite para o nosso
encontro, ainda seria muito isolado. Mais da metade dos quase vinte e seis
quilômetros de margem do lago era cercado pela Floresta Nacional Cherokee,
enquanto uma estrada serpenteada, oculta por um terreno íngreme e
arborizado contornava o outro lado. Apenas a lua provia iluminação, já que o
único poste de luz perto do píer estava quebrado.

A chuva constante, além das incontáveis árvores farfalhando e da represa


próxima abafava os sons naturais dos habitantes da floresta. Ainda assim, aqui
e ali eu pegava brilhos de olhos enquanto criaturas noturnas vagavam a
procura de comida, companheiros, ou ambos.

Esperei no final do píer, minhas roupas já ensopadas pela chuva de verão.


Nuvens ocultavam a maior parte da luz que a lua lançava, mas, com minha
visão aprimorada, não tive dificuldade para ver Madigan chegar em um Cadillac
negro polido antes de estacionar perto do cais. Mesmo que subitamente eu
ficasse cega, sua mente anunciaria sua chegada. Essa noite, ele escolheu
cantar o refrão de “I Still Haven’t Found What I’m Looking For*”, do U2,
repetidamente para me bloquear dos seus pensamentos.

*Eu ainda não encontrei o que estou procurando.

E eu aqui pensando que o idiota não tinha senso de humor…

Madigan estacionou, mas ficou sentado no carro ao invés de sair. Era um


pouco antes da meia noite; ele iria esperar até exatamente meia noite? Ou ele
não me viu no final do píer? Então eu fiquei tensa quando ele começou a fuçar
no banco da frente, mas tudo o que ele puxou foi um guarda-chuva.

Fresco.

Ele saiu do carro, segurando o guarda-chuva sobre ele com uma mão e
carregando uma pequena, mas poderosa, lanterna na outra. Seus passos
estavam firmes enquanto ele caminhava no píer, e quando ele virou a esquina
em direção ao final, sua lanterna me cegou brevemente quando ele iluminou
meu rosto. Acho que ele sabia onde eu estava esperando o tempo todo.

— Noite… — Eu disse agradavelmente.

— Mostre-me suas mãos, — ele respondeu de forma muito menos cordial.

Eu as tirei do bolso do meu casaco, não me preocupando em esconder a


ondulação em meus lábios enquanto eu balançava os dedos pra ele.

— Você está sozinho no escuro com uma vampira e sua primeira


preocupação é se eu estou carregando armas? — Sério? Meu tom implicava.

Sua boca ficou tensa, enfatizando rugas causadas por carrancas ao invés de
sorrisos.

— Você deve saber que se eu não retornar desse encontro, eu deixei


instruções para fazerem um ataque com drones onde sua mãe está.

Meu meio sorriso nunca desapareceu. — Se você soubesse onde ela está,
eu acreditaria nisso.

Seu olhar deslizou sobre mim, frio e calculista. — Você é cuidadosa. Ela
não. Você pode acreditar que ela voltou para a sua casa de infância em Ohio,
como se eu não tivesse colocado o lugar sob vigilância desde que você o
visitou no outono passado? Sentimentalismo pode ser uma maldição, não é?

Eu não sabia quem eu queria sufocar mais; Madigan por sua ameaça, ou
minha mãe, por voltar a um lugar que ela sabia que tinha sido comprometido.
Espere, não há dúvidas. Madigan, mas eu não podia. Não ainda.

— Por que me dizer seu sistema de segurança? Se eu fosse te matar, agora


eu sei que tenho que ligar para minha mãe mais tarde e dizer a ela para dar o
fora de lá.

O sorriso dele não alcançou os olhos. Nunca alcançava. — A rede de


telefonia foi temporariamente desabilitada na área dela.

Eu dei uma risada curta. — Você é esperto, eu admito, mas eu não tenho
intenção de te matar essa noite.

Então meus olhos arderam em verde, cortando através da escuridão mais


intensamente que a lanterna dele. Quando falei novamente, minha voz
ressoava com poder nosferatu.

— No entanto, eu tenho algumas perguntas.

Madigan olhou diretamente em meu olhar esmeralda. E riu.

— Você realmente acha que vai ser tão fácil assim?

Rápido como apertar um interruptor, desliguei as luzes dos meus olhos.


Como eu suspeitava, ele se inoculou contra controle de mente bebendo sangue
vampiro.

— Não, não acho. — Então sorri torto para ele. — Ainda assim, tinha que
tentar, certo?

Ele sorriu de volta. — Meus exatos pensamentos.


Eu não tive a chance de perguntar o que ele queria dizer com aquilo, porque
poder explodiu pelo ar. Eu só tive uma fração de segundo para reconhecer a
fonte dele quando algo grande caiu do céu, pousando atrás de Madigan com
uma pancada que sacudiu o píer.

— Olá, companheiro, — Bones disse, puxando o homem mais velho contra


ele.

Madigan não lutou. Ele nem mesmo pareceu surpreso, embora você poderia
ter me derrubado com uma pena pelo súbito aparecimento do meu marido.

— Você mentiu para mim, Crawfield, — Madigan sibilou.

— Russel, — Eu o corrigi automaticamente, ainda encarando Bones em


descrença.

Então ergui a cabeça quando barulhos dispararam através das árvores, céu
e até mesmo da água ao redor do píer.

Madigan conseguiu dar um sorriso, apesar do firme aperto que Bones tinha
nele.

— Tudo bem, eu menti também.

Se ele disse algo mais, eu não ouvi. O som de tiros das metralhadoras era
muito alto.
Capitulo Quatorze.

E u saltei para o ar, me encolhendo enquanto balas me perfuravam mais

rápido do que eu podia voar para fora de alcance. Ser baleada várias vezes
machuca, mas a dor desaparecia rapidamente, o que significa que as balas
não eram de prata.

Aquilo me surpreendeu, até eu me lembrar que Madigan me queria viva. Ele


deve pensar que eu tenho algo realmente especial no meu DNA para arriscar
usar força não letal para me capturar, mas quem estava rindo era eu. Eu
estaria feliz em contar a ele a piada assim que o tivéssemos no apartamento,
onde Denise se transformaria em seu gêmeo bom e nós-

Espere, por que o tiroteio continuava lá embaixo? O pessoal de Madigan não


percebeu que já estávamos longe? Falando nisso, por que Bones ainda não
tinha me alcançado? Ele era, de longe, o voador mais rápido.

Eu parei e girei em um círculo para vasculhar o céu em todas as direções,


mas tudo que eu vi foram nuvens de tempestade. Não havia nenhuma carga de
energia no ar, também. Onde diabos ele estava?

Então um novo bombardeio fez meu estômago se apertar. Ele não podia
estar ainda no píer, podia?

Eu mergulhei com tudo para baixo, como um falcão perseguindo uma presa.
À medida que eu atravessava camada atrás de camada de nuvens opacas de
tempestade, a cena abaixo finalmente se tornava visível. Soldados lotavam o
píer, vindos da floresta, barcos no lago e carros que cantavam pneu até o cais.
Todos com armas automáticas, que cuspiam balas no único vampiro de joelhos
no final do píer.

— Bones! — Eu gritei. — Voe, maldição!

Mas ele não voou. Ao invés disso, ele caiu para frente, seu corpo
desmoronando contra as ásperas tábuas de madeira. Então, o único
movimento que eu via eram suas roupas rasgando enquanto balas
continuavam a metralhá-lo impiedosamente.

Eu pousei ao lado dele com tanta força que metade do meu corpo
atravessou o píer. Só me levou um segundo para levantar e me jogar em cima
dele, feliz que as alfinetas geladas e quentes de dor significavam que as balas
estavam perfurando a mim, ao invés dele. Então, sobre o som dos tiros, eu ouvi
um grito.

— Cessar fogo!

A voz de Madigan, amplificada por algum dispositivo. Levantei a cabeça, um


rosnado me escapando quando o vi com a cabeça para fora d’água há uns
quatro metros de distância do píer. De alguma forma, ele escapou do Bones e
pulou para lá. Tudo bem. Eu podia carregar os dois enquanto voava-

Uma onda de choque me jogou para longe de Bones e me jogou


esparramada contra o outro lado do píer. Granada de concussão, eu
diagnostiquei mentalmente. Uma carregada o suficiente para vampiros.
Madigan realmente evoluiu seus brinquedos, mas antes que eu pudesse me
arrastar de volta ao Bones, vi algo que me imobilizou. Uma linha apareceu em
sua bochecha respingada de sangue. Negra como carvão e espiralando
através de sua pele como uma rachadura em uma estátua. Então outra linha
apareceu, e outra. E outra.

Não.

Esse era o único pensamento que minha mente era capaz de produzir
enquanto linhas negras começavam a aparecer por toda a sua pele,
ziguezagueando e se dividindo em novos e impiedosos caminhos. Eu vi a
mesma coisa acontecer com incontáveis vampiros antes, normalmente depois
de torcer uma faca de prata em seus corações, mas negação tornou impossível
para eu acreditar que o mesmo estava acontecendo com Bones. Ele não podia
estar lentamente murchando sob meus olhos, a morte verdadeira mudando sua
jovem aparência em algo que lembrava cerâmica de barro cozida por muito
tempo em um forno.

Minha imobilidade sumiu, substituída por um terror tão grande quanto eu


nunca senti. Eu me lancei através do píer, pegando Bones em meus braços
enquanto minhas lágrimas se juntavam à chuva molhando seu rosto.
— NÃO!

Enquanto o grito saía de mim, as mudanças nele pioravam. Sua estrutura


muscular parecia estar esvaziando, as linhas duras do seu corpo ficando
flácidas antes de começar a encolher. Eu o apertei mais, o choro forte tornando
minhas lágrimas vermelhas, enquanto algo começava a martelar em meu peito.
Era como se eu estivesse sendo socada por dentro com golpes fortes e
sólidos. Meu batimento cardíaco, uma parte de mim registrou. Esteve em
silêncio por quase um ano, mas agora, ele batia mais forte do que já bateu
quando eu era humana.

Outro grito rasgou seu caminho para fora de mim quando a pele de Bones
rachou sob minhas mãos antes de cair em camadas nas tábuas. Frenética, eu
tentei colocá-las de volta, mas mais pele começou a descamar, mais rápido do
que eu podia segurar tudo junto. Músculo e osso apareciam sob aqueles
amplos espaços, até seu rosto, pescoço e braços lembrarem uma fatia de
carne exposta. Mas o que rasgou através de mim como um fogo que nunca
pararia de queimar foram seus olhos. Aquelas esferas castanho-escuras que
eu amava se afundaram em suas cavidades, virando uma gosma. Meu grito,
agudo e agonizante, substituiu os sons de soldados se posicionando ao meu
redor.

Eu não tentei impedi-los. Eu sentei lá, agarrando com ambas as mãos o que
agora parecia couro ressecado, até que tudo o que eu pude ver sob as roupas
rasgadas por balas de Bones era uma casca pálida e encolhida. Vagamente
ouvi Madigan gritar “Eu disse sem munição de prata! Quem diabos disparou
aquela carga?” antes que tudo desaparecesse, exceto a dor irradiando através
de mim. Ela fazia a agonia que eu senti quando quase queimei até a morte
parecer uma memória feliz. Aquela apenas destruiu minha carne, mas essa
rasgou através da minha alma, pegando cada emoção e triturando-as com um
conhecimento que era muito horrível para suportar.

Bones se foi. Ele morreu bem diante dos meus olhos porque eu insisti em
pegar Madigan do meu jeito. Eu merecia tudo o que recebesse do burocrata
distorcido por levar meu amado marido à morte.

— Levem ela, — Madigan latiu.

Mãos ásperas me agarraram, mas eu não me importei nem quando algo


duro e pesado prendeu meu pescoço, ombros e tornozelos. Quando alguém
tentou arrancar Bones de mim, entretanto, minhas presas rasgaram o pescoço
da pessoa sem que eu nem pensasse. Sangue quente jorrou em meu rosto e
escorreu da minha boca enquanto dúzias de rifles se erguiam.

— Não atirem, porra!

A voz de Madigan novamente. Se houvesse algo mais importante do que o


homem que eu aninhava, eu teria rasgado a garganta dele em seguida, mas eu
não fiz nada exceto apertar meus braços em volta de Bones e abaixar a cabeça
perto da dele.

Partes ásperas de crânio esfregaram em mim onde deveria haver pele lisa e
suave – outra bola de demolição em minhas emoções da qual eu nunca me
recuperaria.

Soluços me sacudiram tão forte que eu pensei que fosse me despedaçar. Eu


não me importava. Eu queria ser rasgada em pedaços. Isso machucaria menos
do que o conhecimento da morte do Bones. Foi por isso que eu não lutei
quando Madigan disse “Deixe-a ficar com o corpo. Eu vou estudá-lo também.”
e uma rede pesada foi lançada sobre mim. Pela forma como a pele queimava
onde ela a tocava, ela era de prata, e pelos cortes que senti enquanto a
apertavam, ela também tinha lâminas . Lutar me retalharia, não que eu tivesse
alguma intenção de lutar. Eu sabia, sem dúvidas, que Madigan me mataria
assim que terminasse comigo. Se eu escapasse, entretanto, meus amigos
tentariam me impedir de me juntar ao Bones.

Anos atrás, Bones me fez prometer seguir em frente se ele fosse morto. Eu
prometi, entretanto agora eu estava voltando atrás com aquela promessa. A
morte era a minha única chance de me reunir com ele. Eu não a perderia por
nada.

— Espere por mim, — Eu sussurrei, minha voz quebrando com outro soluço.
— Estarei aí logo.

S ubi na traseira de um caminhão enquanto meia dúzia de guardas

armados apontavam suas armas para mim. Por incrível que pareça, seus
pensamentos estavam mudos por trás de um estático ruído de fundo que seus
capacetes emitiam. Apesar da grossa blindagem, o veículo poderia ter se
passado por um caminhão de mudanças, de tão simples que era o interior. Ele
também não tinha janelas, mas pela duração da viagem, nosso destino não era
a base de Madigan no Tennesse. Eu não tinha certeza de onde estávamos
indo, mas pelos pensamentos que captei, tínhamos um comboio armado nos
escoltando por todo o caminho.

A pequena parte de mim que não estava se contorcendo com o sofrimento


se perguntava por que Madigan não nos levou ao nosso destino pelo ar. Talvez
ele temesse que se eu quebrasse minhas amarras, uma luta a mais de nove
mil metros de altura poderia derrubar o avião e matar todo mundo.

Ele era sábio por temer isso. A única coisa mais apelativa para mim do que o
pensamento da minha própria morte era levar Madigan e seus soldados
comigo. De fato, agora que eu tive várias horas para processar tudo, eu estava
me chutando por deixar Madigan me prender em tantas amarras, além de uma
rede de prata completa com lâminas. Eu poderia ter morrido lá no píer mesmo,
em uma chuva de balas após rasgar a garganta dele e dançar sobre seus
restos mortais.

Como dizem, as boas ideias só vêm depois.

O caminhão começou a sacudir quando saímos da estrada principal e


entramos em uma que parecia de terra, ao invés de cascalho. Ajeito o corpo de
Bones no meu colo para que o duro balanço não arrancasse nada dele. Ele foi
quase invencível em vida, mas na morte, seus restos eram frágeis, antigos
agora que estavam plenamente em seus dois séculos e meio de idade. Se não
fosse pelo conjunto triplo de algemas me restringindo, eu teria tirado meu
casaco e o enrolado nele, mas as partes de cima dos meus braços estavam
presas dos meus lados, prendendo minha jaqueta em mim.

Após aproximadamente quinze minutos, o veículo parou e a traseira foi


aberta, deixando entrar uma parede de luz. Pisquei até o brilho se transformar
em uma paisagem de árvores cobertas de musgo. Então inalei, notando que o
ar fresco estava carregado com umidade, mofo e o amargor de produtos
químicos antigos. Ver que a deprimente paisagem bonita tinha uma pequena
cúpula coberta de grama à distância era quase redundante.

Madigan me levou para a área McClintic Wildlife Management, em Point


Pleasant, West Virginia. Exatamente onde eu queria ir, exceto que em
circunstâncias muito diferentes.
Eu considerei lutar quando os soldados puxaram a rede para me arrastar
para fora, mas então mudei de ideia. Primeiro, isso iria dizimar os restos de
Bones. Segundo, se Tate, Juan, Dave e Cooper estiverem aqui, então meu
último ato será libertá-los. Eles são meus amigos. Além disso, Bones iria querer
que eu libertasse seu povo. Como eu poderia desapontá-lo?

Fora do caminhão, fui jogada sobre o que parecia um grande carrinho de


bagagens. Quando finas linhas vermelhas entrecruzaram as hastes para
delimitar o perímetro ao meu redor, entretanto, eu entendi. Raios laser. Deve
ter sido assim que eles levaram Tate e os outros para a instalação sem um
massacre. Tudo que cruzasse aqueles raios seria cortado, e embora membros
de vampiros cresçam novamente, nossas cabeças não crescem.

Eu estava sendo levada para um daqueles antigos iglus de munição quando


uma voz masculina gritou meu nome. Ergui a cabeça. Através da rede e raios
laser, vi Fabian voando em círculos frenéticos sobre o carrinho.

— O que eu devo fazer? Para quem eu conto? — O fantasma se lamentava.

Nenhum dos meus guardas olhou para cima. Eles não podiam ouvi-lo, então
quando eu disse “Não faça nada. Vá para casa,” várias cabeças em capacetes
se viraram em minha direção antes de olhar em volta cuidadosamente.

Fabian voou para perto, até eu poder ver a determinação em seus olhos
azuis pálidos.

— Eu não vou te abandonar, — Ele disse em um tom firme.

Eu desviei os olhos, novas lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas. —


Você não tem escolha, meu amigo. Agora, por favor, vá.

— Cat—!

Sua voz foi cortada quando eu fui levada para dentro do iglu de concreto e
uma porta escondida fechou a entrada. Meu carrinho de bagagem equipado
com laser balançou enquanto algo metálico se prendia às suas rodas. Em
seguida, quatro curtos postes em formato de T levantaram do chão de
concreto. Os guardas seguraram neles quando o chão começou a vibrar,
fazendo com que o lixo antigo preso a ele tremesse, antes de abruptamente
cair abaixo de nós.

Paredes cobertas de graffiti foram substituídas por aço liso à medida que
nós despencávamos a mais de vinte quilômetros por hora. Minha rede de prata
ficou suspensa brevemente pela velocidade, apenas para bater de volta em
mim quando paramos abruptamente alguns minutos depois. Então a porta se
abriu, revelando uma grande sala com dúzias de estações de trabalho, gráficos
de segurança 3-D dos arredores da área de vida selvagem, assim como desse
complexo, e guardas de capacete rondando como Tropas de Assalto*.

*Milícia paramilitar nazista.

A sala de reunião subterrânea de Marie Laveau não tinha nada da instalação


de testes ultrassecreta de Madigan.

— Leve a Espécime A1 para a Cela Oito. — A voz odiosa de Madigan


bradou.

Eu olhei em volta, mas não o vi, e houve uma característica metálica em sua
voz. Deve estar dando ordens via interfone. Mais uma vez, eu me chutei por
não tê-lo matado quando tive chance, mas eu vou retificar isso na minha
próxima oportunidade. Então eu fui levada para fora do que eu supunha que
fosse o centro de comando e arrastada por um longo corredor. As botas da
minha escolta armada faziam barulhos em ritmo estacado no chão de azulejo
enquanto me guiavam por duas direitas e uma esquerda antes de me levar
para a entrada do que parecia a ala hospitalar de uma prisão.

— Pare para escanear. — Um guarda disse uma voz tediosa.

Ele também usava um capacete completo com visor, mas o dele não emitia
o barulho que embaralhava pensamentos que os dos meus captores emitiam.
Para constar, nem os de nenhum guarda de capacete aqui. Deve ser uma
tecnologia de elite que apenas as unidades táticas têm.

Então os lasers ao redor do meu carrinho sumiram, e meu séquito


obedientemente permaneceu parado enquanto linha azuis apareciam em forma
de rede sobre nós. O guarda olhou para a tela do seu computador, e sua
cabeça se ergueu.

— Há algo no carro com ela.

— Vampiro morto, — uma das minhas escoltas respondeu.

A palavra machucou tanto que me levou um segundo para registrar a


resposta do outro guarda.

— Não, algo com um batimento.

Confusão penetrou minha dor. Meu batimento parou horas atrás—

Com um grunhido, algo pequeno e peludo saltou entre os buracos da rede


de prata. Dois dos meus guardas durões chagaram a pular para trás enquanto
um terceiro tentava – e falhava – pisar na criatura, que o ultrapassou, e então
desapareceu sob uma porta próxima.

— Rato fodido, — o guarda murmurou. Então sua cabeça se virou para mim.

— Por que você não matou aquilo? — Ele exigiu em um tom acusador.

— Para que ele possa cagar na sua sopa. — Eu rebati.

Ele pensou que eu fosse me desculpar por não ser uma boa exterminadora?
Mesmo se eu não estivesse muito sobrecarregada com o luto para notar, por
que eu me importaria se um roedor pegou carona na traseira do vão em que eu
estava sendo sequestrada…

Meus olhos se estreitaram, mas eu abaixei a cabeça antes que os guardas


pudessem captar algo suspeito em minha expressão. Aquele rato não se
esgueirou simplesmente no veículo errado. Ele esteve dentro da rede de prata,
que só seria possível se ele estivesse se escondendo nas roupas de Bones
durante o breve período entre a morte dele e nossa captura. E as chances de
que um animal teria ficado por perto após um tiroteio tão intenso que matou um
Mestre vampiro eram próximas a nada.

— Prendam a vadia. — O guarda resmungou.

Aqueles raios laser em zigue-zague surgiram ao redor do meu carrinho


novamente. Eu não disse nada enquanto era empurrada através das portas da
unidade, e nada quando o guarda murmurou sobre a Manutenção precisar
levar ratoeiras para aquele andar.

As ratoeiras não funcionariam porque esse não era um animal normal. Na


verdade, o que se enfiou sob a porta momentos atrás não era um animal de
forma alguma.

Era Denise.
Capitulo Quinze.

A s celas estavam dispostas em um semicírculo de frente para a área de

trabalho principal do andar, parecido com como os quartos de hospital ficam de


frente para as estações de enfermagem em uma UTI. Uma grossa parede de
vidro e uma camada extra de laser mantinham os ocupantes dentro, mas
deixava suas ações visíveis para os funcionários. Minha cela era no final da
curva, o que me deu visão total das outras enquanto eu era empurrada na
frente delas. A primeira tinha uma garotinha de cabelos castanho-
avermelhados, de todas as coisas, mas então eu passei por um rosto muito
familiar.

Desde a primeira vez que o vi, Tate manteve seu cabelo castanho em um
corte militar, uma homenagem aos seus dias de sargento das Forças
Especiais. Agora estava com centímetros de comprimento, e a metade inferior
do seu rosto estava sombreada por uma barba grossa, enfatizando sua
expressão assombrada. Na cela ao lado dele estava Juan, sua massa de
cabelos negros agora passando dos ombros e sua pele parecendo pálida até
mesmo para um vampiro. Dave estava na cela ao lado dele, parecendo
igualmente desgrenhado e pálido, mas foi a mudança de Cooper, na penúltima
cela, que me fez arfar.

Ele perdeu pelo menos quinze quilos, transformando sua estrutura muscular
em algo esquelético. Seu corte de cabelo normalmente curto agora lembrava
um Black Power e sua pele café com leite agora tinha um doentio tom de azul.
Levou-me um segundo para perceber que aquilo vinha de vastos hematomas,
particularmente destacados em seus pulsos, mãos e nas dobras dos seus
braços.

Picadas de agulha, percebi com uma explosão de fúria. Só havia um motivo


pelo qual Madigan se incomodaria em ficar fazendo extrações de sangue e
injeções em um humano. Ele estava fazendo experimentos em Cooper.

Minhas mãos se apertaram na jaqueta rasgada por balas do Bones. Espere


por mim, repeti silenciosamente, sentindo minha raiva crescer. Há algo que eu
preciso fazer antes de te ver novamente.

E com Denise aqui, agora eu tinha uma chance melhor de ter sucesso.

Como nenhum dos meus amigos olhou para cima quando passei, eles não
devem ser capazes de ver do lado de fora das suas celas de vidro. Minha
suspeita se provou correta quando um dos meus guardas disse “Abram a Cela
Oito” e então meu carrinho foi empurrado para dentro sem cerimônias. Quando
as portas de vidro fecharam, tudo o que eu vi foi meu próprio reflexo sob uma
pilha de rede de prata cheia de lâminas.

— Vocês não esqueceram nada? — Eu gritei, sabendo que os funcionários


monitoravam esses quartos por áudio também.

Nenhuma resposta além dos lasers do meu carrinho desaparecerem.


Suspirei e me encostei em um daqueles postes, novas lágrimas escorrendo
quando olhei para baixo, para o corpo do meu marido. Dos ossos eu me
levantei e Bones me tornei, ele disse quando me contou a história de como ele
escolheu seu nome após acordar como vampiro em um cemitério. Isso era tudo
o que ele era agora – ossos – e o conhecimento disso fez minhas lágrimas
correrem rápidas e vermelhas.

Então senti choque, seguido de dor, quando um clique soou no meu


conjunto triplo de algemas e múltiplas lâminas me esfaqueavam ao mesmo
tempo. Quando a dor começou a deslizaram através do meu corpo inteiro,
queimando minhas terminações nervosas pelo caminho, percebi que não eram
lâminas.

Eram agulhas injetando prata líquida em mim.

Eu não tinha que dar aos bastardos me monitorando a satisfação de me


ouvir gritando, mas após alguns minutos, eu dei. Então eu realmente não
queria dar a eles a satisfação de me ouvir implorando para aquilo parar, mas
após várias horas agonizantes, sendo queimada de dentro para fora, eu os dei,
também. Nenhuma misericórdia veio, entretanto. Apenas solidão que levou à
escuridão.

A cordei amarrada a uma mesa, em uma sala diferente. Luzes

halogênicas pontilhavam o teto com um brilho semelhante ao sol, e eu estava


tão firmemente presa que meus movimentos eram limitados a mexer meus
dedos do pé, mas, para meu alívio, a dor horrível havia desaparecido.

— Ah, você acordou, — uma voz agradável disse. — Sem dúvida se


sentindo melhor, também. Nós tiramos a prata de você dissolvendo ela com
ácido nítrico e então sugando-a. É o único método seguro quando penetra tão
profundamente.

Tentei erguer a cabeça, mas ela também estava presa. Então eu estendi
minha mente. A maioria dos pensamentos veio de forma aleatória, como ouvir
rádio enquanto se percorre os canais, mas o de uma pessoa veio claramente, e
ela estava nessa sala.

Então uma mulher na faixa dos quarenta apareceu em minha limitada linha
de visão, quase todo seu cabelo, exceto alguns fios loiros e grisalhos, estavam
escondidos por uma touca médica. Suas expressões estavam controladas em
uma máscara educada, e seus pálidos olhos verdes tinham o distanciamento
clínico que todos os doutores aperfeiçoavam.

Não se incomode com controle de mente. Ela pensou para mim. Eu estou
inoculada.

Eu tentei mesmo assim. O que eu tinha a perder? — Liberte-me, — Eu


disse, colocando todo o meu fraco poder em minha voz e olhar.

Ela sequer piscou. — Você só aprende da forma difícil, não é? — Ela disse
em voz alta.

— Sempre, — Eu respondi. — Onde está meu marido?

Um dar de ombros tímido que a colocou logo após Madigan em minha lista
negra. — O vampiro morto? No freezer. — Com o resto deles, seus
pensamentos terminaram.

Eu fechei os olhos, uma onda de sofrimento me esmagando sob seu peso.


Quando os abri, a médica havia desaparecido. Testei minhas amarras
colocando pressão em um membro por vez. Nada. Então tentei puxá-las com
toda a minha força ao mesmo tempo.

Nada sequer se moveu. Madigan não poupou gastos construindo uma mesa
de exames a prova de vampiro.
— Agora que você tirou isso do seu sistema, — a voz da médica disse
secamente — quer um pouco de comida?

Ela voltou para a minha linha de visão, segurando uma bolsa de sangue com
um longo tubo sobre mim. Eu dei um olhar breve e calculado para os seus
dedos. Muito longe para mordê-los. Claramente, eu não era a sua primeira
prisioneira.

Desde que eu me sentia mais fraca que um bebê vampiro no nascer do sol,
peguei a ponta do tubo entre meus lábios e tomei um longo gole. Então fiz
careta.

— Marca errada. — Eu disse, cuspindo o canudo.

Pela primeira vez, a loira mostrou um lampejo de emoção real. Surpresa. —


Você foi drenada até quase secar para extrair a prata de você. Como você
pode se recusar a comer baseada em mera preferência de tipo sanguíneo?

Ela estava certa; eu estava tão faminta que doía, mas para mim, aquilo não
era comida.

— Não é o tipo, é a fonte. Eu não bebo sangue humano.

Sua testa enrugou, aprofundado as linhas finas que já eram visíveis. — Mas
você é uma vampira.

— Eu vou apenas te chamar de Dr. Óbvia. — Murmurei.

Com aquilo, sua expressão voltou a ser tranquilamente clínica. — Você não
é a minha primeira criança problemática. Se você recusar o sangue oralmente,
ele será injetado em você. Diretor Madigan ordenou um extensivo trabalho de
laboratório assim que você estiver reidratada.

Aposto que sim. — Estou certa de que Madigan te disse que eu era um caso
especial, mas ele não sabe tanto quanto pensa. Como o fato de que eu bebo
sangue vampiro, não humano.

Eu consegui quebrar aquele exterior friamente agradável novamente. Seus


olhos arregalaram, e ela separou os lábios como se fosse argumentar. Então
ela os fechou, acenando a cabeça.

— Vou informar o diretor. Se ele aprovar, mandaremos trazer sangue de


vampiro para você.

— Ensacá-lo não vai funcionar, — eu disse, pensando rápido. — Tem que


ser direto da veia de um vampiro da minha árvore genealógica morta-viva, ou
eu vou morrer de fome, e Madigan não terá suas preciosas amostras.
Felizmente para ele, ele tem dois vampiros que meu marido criou, bem aqui.

Eu não sabia quando Denise agiria, mas se Tate ou Juan estiverem fora de
suas celas quando ela fizer, muito melhor. Agora era ter esperanças de que
Madigan acreditasse em minhas necessidades dietéticas incomuns.

Dr. Óbvia me encarou por tempo suficiente para fazer alguém normal se
contorcer ou abrir o bico em uma confissão. Eu não fiz nenhum dos dois. A pior
coisa em minha vida já tinha acontecido, então, além de luto e ódio assassino,
o resto de mim estava entorpecido.

— Eu te aviso o que o diretor disser. — Ela finalmente respondeu. Então


sumiu de vista.

Fechei meus olhos contra o brilho das luzes acima. Eu não tinha nada a
fazer exceto esperar, mas, logo, eu estaria pronta para matar.

E assim que eu terminasse de fazer isso, estaria pronta para morrer.

Cerca de uma hora depois, várias pessoas entraram na sala, a julgar pelo
barulho e dilúvio de pensamentos. Tentei erguer a cabeça novamente, e tudo o
que consegui foi cortar minha cabeça com a tira de metal, fundo o suficiente
para tirar sangue. Eu não tive que esperar muito para descobrir quem eram
meus visitantes, entretanto. Duas vozes se sobressaíram entre os outros sons,
ambas familiares, mas apenas uma bem-vinda.

— Cat.

Um ofego aflito de Tate, seguido pelo “Se isso é um truque, você vai se
arrepender, Crawfield.” de Madigan.

— Pela última vez, é Russel, — Eu rosnei.

Madigan se certificou de se inclinar sobre mim para que eu pudesse ver


cada nuance da sua expressão convencida antes que ele falasse.

— Não mais, mas isso é culpa sua. Você jurou pela vida do Bones que iria
sozinha, e não foi.

Eu já ouvi a expressão “ver vermelho” relacionada a uma súbita onda de


ódio, mas nunca tinha experimentado isso antes. Agora eu experimentei,
porque levou vários segundos antes que eu olhasse para Madigan e visse
qualquer coisa exceto a visão dele coberto de sangue e morrendo em extrema
dor. Então aquilo sumiu, e eu respirei fundo para me acalmar, expirando
lentamente.

Você vai se libertar, e vai matá-lo. Eu jurei. Até lá, o fato de Madigan se
sentir presunçosamente superior apenas ajudaria. Assim ele estaria mais
propenso a cometer um erro.

— Eu serei alimentada, ou você não liga se não descobrir todos os novos


tesouros em meu sangue? — Perguntei em um tom calmo.

Madigan se afastou, rosnando — Coloque o pulso dele contra a boca dela.


— para o guarda que tinha Tate.

— Posso ser colocada na vertical primeiro? Qual é, eu sei que você gastou
uma nota por esse recurso nessa mesa de exame extra chique.

Um ronco alto-satisfeito. — Certamente. Eu não preciso ser um vencedor


chato.

A mesa na qual eu estava presa lentamente mudou para uma posição


vertical, dando-me a primeira visão total da sala. Eu olhei em volta, notando a
localização das portas (duas), número de guardas (seis), e as armas que eles
carregavam (fuzis M-4 totalmente automáticos em suas mãos, pistolas
semiautomáticas de reserva em seus cintos), tudo em menos tempo que uma
pessoa comum levava para piscar. Então meu olhar fixou em Tate.

Ele tinha as mesmas amarradas de pescoço, ombros e braços com que


Madigan me prendeu na noite passada, com um conjunto adicional em seus
tornozelos que limitava seus passos a meros centímetros por vez. Elas
provavelmente tinham as agulhas de prata líquida também, que eu tinha que
admitir, era um maldito de um belo paralisante. Aquilo não apenas queimava
como ter lança-chamas disparados dentro do seu corpo, mas também era uma
das únicas coisas que, exceto a morte, podiam incapacitar um vampiro. Mas o
mais preocupante em Tate era seu olhar. Se eu já não tivesse decidido libertar
a ele e aos outros não importa o quê, ver aquele olhar atormentado teria me
influenciado.

— Hey, — eu disse suavemente.

Sua boca estava firme em uma linha fina, mas aqueles olhos azul-escuros
começaram a encher com lágrimas coloridas.

— Oh, Cat, eu preferia nunca te ver de novo a te ver aqui.

Eu forcei um sorriso, porque não podia começar a chorar também. Se


começasse, eu perderia o frágil controle sob meu pesar.

— Tenho certeza de que não é tão ruim assim. Provavelmente é apenas um


mal-entendido do Madigan.

Tate bufou com uma risada cansada. — Você não sabe a metade do que ele
fez.

— Era pra você estar se alimentando, não conversando. — Madigan disse


sumariamente. — Comece, ou ele vai embora.

Eu inclinei a cabeça tanto quanto pude, indicando que concordava em


começar. O guarda de Tate o puxou, e apenas seus reflexos de morto-vivo o
impediu de cair pra frente com aquelas amarras no tornozelo. Então, com uma
expressão dura, ele virou e sacudiu suas mãos para eles.

— A menos que você a solte, ou subitamente eu fique um metro mais alto,


ela terá que se alimentar do meu pescoço, não dos meus pulsos.

O sorriso de Madigan poderia transformar água em gelo. — Ela fica presa, e


você também, então, é o pescoço.

Tate se inclinou e seu cheiro familiar abafou o cheiro de alvejante,


desinfetante, sangue e medo a que a sala fedia. Quando seu pescoço roçou
minha boca, a fome assumiu; poderosa, exigente e indiferente sobre como o
pesar havia destruído a minha vontade de viver. Com vontade própria, minhas
presas afundaram em sua garganta, libertando aquele delicioso líquido
vermelho em minha boca.

Enquanto eu engolia, os lábios de Tate roçaram minha orelha. Então ele


falou tão baixo que nenhum dos humanos poderia ouvi-lo.
— Se você tiver chance, parta. Não volte por nós.

Eu não respondi. Primeiro, minha boca estava cheia, segundo, eu não podia
arriscar dizer a ele sobre Denise. A amarra em seu pescoço poderia ter um
microfone, além dos outros dispositivos.

Então ele sussurrou algo mais que fez minha garganta fechar apesar da
exigência inconsciente da minha fome.

— Bones realmente está morto?

Eu não pude falar agora porque, se falasse, seria um choro de angústia. Ao


invés disso, eu acenei e me obriguei a engolir. Parecia que o sangue dele me
asfixiou por todo o caminho.

O suspiro de Tate pareceu vir das profundezas dele. — Eu sinto muito.

Eu continuei sem responder. Eu também não conseguia mais engolir, e as


poucas bocadas que engoli pareciam prestes a voltar. Então, como se o
espírito do Bones estivesse sussurrando do além, eu quase podia ouvi-lo falar,
e ele soava irritado.

Você quer matar os bastardos, Kitten? Você vai precisar da sua força, então
pare de choramingar e beba.

Ele estava certo. Ele quase sempre estava, e eu raramente ouvia. Eu ouviria
agora, entretanto. Para provar minha decisão, mordi o pescoço do Tate
novamente, mas eu encarava Madigan enquanto engolia.

Você não venceu. Você só não sabe disso ainda.


Capitulo Dezesseis.

E les levaram Tate embora após eu beber aproximadamente um litro dele,

mas então o trouxeram de volta após Madigan drenar aproximadamente a


mesma quantidade de mim para a sua primeira rodada de exames. Pelos
pensamentos da Dr. Óbvia, eles estavam muito excitados pelos resultados
preliminares, porque meu sangue aparentemente era compatível com DNA
ghoul.

Eu me perguntava sobre isso. Quando eu era mestiça, todos sabiam que eu


podia ser transformada em ghoul e, assim, manter habilidades das duas
espécies. É por isso que as duas raças quase entraram em guerra por minha
causa. Mesmo como uma vampira completa, meu coração ainda bate quando
estou sob extrema pressão, e minha dieta era qualquer coisa, menos comum –
dois fatos que nós mantemos em segredo para que a nação ghoul não me
considere mais uma ameaça de interespécie.

Se esses testes estiverem certos, talvez eu ainda seja.

Falando em guerra, onde estava Denise? Já se passou quase um dia desde


que ela correu para debaixo daquela porta. Ela precisava apressar seu traseiro
peludo antes que Madigan começasse a transmitir os resultados do meu
sangue para outras partes interessadas. O que ela está esperando?

Outro pensamento sombrio me ocorreu. Ela pode não estar esperando por
nada. Talvez o rato que eu vi tenha sido só isso… um rato que se escondeu
nas roupas de Bones para escapar de um bombardeio e então correu na
primeira chance que teve. Não minha melhor amiga transmorfa disfarçada.

Se for assim, eu não estava simplesmente por conta própria. Eu estava nua,
amarrada a uma mesa e incapaz de libertar a mim, que dirá Tate, Juan, Dave e
Cooper. Ou fazer Madigan pagar pelo que ele fez. Inferno, eu não podia sequer
impedir Dr. Óbvia de enfiar outra agulha na minha jugular, para extrair mais
sangue.

“Fodida” nem começava a descrever minha situação.


Desespero se infiltrou em minhas emoções, afundando-as profundamente
em um poço de escuridão. Se ao menos isso fosse a pior coisa que aconteceu
comigo, mas, além disso, Bones se foi. Mesmo se Denise aparecer
magicamente, e nós conseguirmos matar todo mundo aqui, exceto meus
amigos, ele ainda terá partido. Lágrimas começaram a escorrer dos meus
olhos. Tudo o que me restava dele era o corpo no freezer e um pouquinho do
seu sangue em mim que ainda não foi drenado…

Sangue.

Em meio à lama negra do desespero surgiu uma fresta de luz. Eu ainda


tinha um pouco do sangue do Bones em mim, o que significa que eu absorvi
suas habilidades como fiz com cada vampiro ou ghoul de quem bebi. Sua
incrível força não foi capaz de mover as múltiplas amarras de titânio me
prendendo a essa mesa, mas esse não era o truque mais impressionante do
Bones. O seu mais recente é que era.

Esperei até Dr. Óbvia terminar sua última extração e desaparecer no outro
lado da sala antes de começar na menor amarra. A que prendia minha cabeça.
Eu não movi um único músculo enquanto tentava abri-la, ao invés disso, foquei
toda a minha concentração em imaginar a amarra se abrindo.

Nada.

Tudo bem, eu não consegui na primeira tentativa. Quando foi que algo
importante foi fácil? Fechei os olhos e me concentrei outra vez, tentando forçar
a amarra a se abrir com a força dos meus pensamentos. Mais um pouco, mais
um pouco, ok, outra vez e deve dar certo…

Ainda nada.

Soltei um suspiro frustrado. A habilidade tinha que estar em mim. Minha


habilidade de ler mentes veio do sangue de Bones, embora, certo, Bones
dominou essa completamente, e ele ainda estava explorando sua recente
telecinese. É por isso que presumimos que eu não tenha manifestado ela
antes, mas ela ainda tem que estar lá, mesmo que não tenha aparecido
espontaneamente ainda…

A amarra de metal vibrou um pouco? Eu não tinha certeza, mas eu disse a


mim que sim, ela vibrou. Então me concentrei mais, desejando que aquelas
vibrações aumentassem até quebrar a amarra.

Elas não quebraram. Eu não senti nada quebrar, vibrar, não senti nada
exceto o metal frio contra a minha testa e minha raiva aumentando pelo fato de
Madigan poder ter ganhado, afinal.

Maldição, eu posso não merecer derrotá-lo, mas ele merece perder! E Bones
merece algo também. Ele estava naquele píer porque estava tentando me
proteger, então a última coisa que ele iria querer seria eu presa nessa mesa
como o último rato de laboratório do Madigan. Ele iria me querer de pé e
soltando o inferno sobre todos que ajudaram a prender seu povo, que o
mataram e que me enfiaram nesse laboratório subterrâneo distorcido –
especialmente o imbecil que orquestrou tudo isso. Se Bones estivesse aqui, ele
me mandaria parar de tentar abrir minha amarra e fazer a coisa voar pela
maldita sala e chicotear a Dr. Óbvia bem entre-

Click.

Com aquele único e glorioso som, a pressão na minha testa desapareceu.


Dr. Óbvia não ouviu, entretanto. Quando girei minha cabeça livre para o lado,
ela estava encarando seu computador, mentalmente comparando o percentual
de similaridades em meus genomas versus o percentual em células humanas e
vampiros comuns.

Ela não teria a chance de terminar suas descobertas. Raiva sempre foi o
catalisador para as minhas habilidades, mas em meu luto paralisante, eu
esqueci isso. Que apropriado que a memória do Bones tenha me lembrado.
Agora tudo o que eu tinha que fazer era deixar minha raiva fluir, e considerando
tudo o que aconteceu, essa parte era fácil.

Com um empurrão furioso da minha mente, as outras seis amarras abriram


com múltiplos clicks. Isso chamou a atenção da Dr. Óbvia, mas antes que sua
mão terminasse de voar para a sua boca, em descrença, eu estava do outro
lado da sala, erguendo-a pelas lapelas do seu jaleco.

— Nós nunca fomos devidamente apresentadas, — Eu disse com um rugido


furioso. — Eu sou a Red Reaper, e você está morta.
Capitulo Dezessete.

D epois de esmagar sua laringe, tirei o jaleco da finada Dr. Óbvia e o vesti.

Não porque eu achei que fosse enganar alguém fingindo trabalhar aqui, mas
porque há algo de perturbador em andar por aí completamente nua em uma
orgia assassina. Então vasculhei a sala em busca de armas, totalmente ciente
de que eu só tinha alguns instantes. Como cada lugar nessa instalação, havia
câmeras de segurança. Como previsto, logo o som de um alarme disparou. Eu
só consegui encontrar duas pistolas semiautomáticas e dois pentes extras, o
que não era muito, mas teria que servir.

Então eu voei pelas portas logo antes de elas fecharem e barras grossas
deslizarem do marco em algum tipo de confinamento automático. No corredor,
eu corri em direção ao grupo de pensamentos se aproximando de mim, ao
invés de para longe dele. Assim que os soldados dobraram a esquina, eu me
joguei para frente, caindo de barriga no chão de azulejo com força suficiente
para quebrar minhas costelas. A dor foi brutal e instantânea, mas os tiros deles
passaram por cima da minha cabeça. Mantive meus braços esticados enquanto
o impulso, e o chão liso, me faziam deslizar para frente enquanto eu atirava até
as duas armas estarem descarregadas.

Os guardas caíram com múltiplos baques. Eles estavam equipados com


coletes Kevlar e colares de aço ao redor do pescoço, mas, embora seus
visores escuros fossem à prova de controle de mente, eles não eram à prova
de balas.

Coloquei minhas pistolas nos bolsos, junto com os pentes extras. Então
peguei tantos rifles quanto podia carregar.

Agora, isso era melhor!

Bem na hora. No corredor à frente, outra explosão de pegadas de botas


soou. Olhei em volta, decidindo que ficar exposta era muito perigoso, mesmo
com o meu novo arsenal, então me lançando para cima com força suficiente
para atravessar o teto. Aquilo deixou minha cabeça zunindo com mais do que
os sons de tiros quando os novos soldados encontraram seus colegas e
começaram a atirar no buraco que eu fiz, mas eu já estava longe a essa altura.
A cobertura externa ao redor da instalação era muito reforçada para que eu
estourasse meu caminho até a luz do dia, ainda assim, como a maioria dos
hospitais e laboratórios, ela tinha espaços entre os andares.

E esse, pelo menos, não era vigiado ou equipado com portas que fechavam
automaticamente.

Eu saltei sobre canos e outros equipamentos enquanto corria para o que eu


supunha que fosse a área das celas de vampiros, baseada nos pensamentos
dos funcionários, além do fato de que ali havia uma sólida parede de aço
subindo por todo o caminho até o próximo andar. Entretanto, antes que eu
pudesse fazer meu caminho até a base, eu tive que desviar de uma chuva de
balas. Os soldados também encontraram seu caminho até o espaço entre os
andares.

— Estamos com a Espécime A1 encurralada sobre a Sessão 9! — Alguém


gritou.

Aquilo foi seguido por uma resposta que eu não escutei, quando tive que me
esquivar de outra sessão de tiros. Eu me abriguei atrás de um suporte de aço,
permanecendo abaixada enquanto atirava de volta. Com a distância, e fumaça
de todo o tiroteio, eu não tive nem de longe a mesma taxa de sucesso. Apenas
um terço dos guardas caiu com seus visores estilhaçados, e eu ouvi mais
reforço chegando.

Eu comecei a atirar nos soldados com uma mão, enquanto disparava no


chão com a outra. Ficar olhando para o chão e para eles, enquanto precisava
mudar de posição para não ser baleada, fez minha pontaria piorar ainda mais.
A divisão em minha atenção também resultou em ser atingida por mais que
algumas balas. Para minha surpresa, eram balas normais, não de prata. Ainda
assim, se uma me atingisse entre os olhos, eu estaria indefesa enquanto meu
cérebro curava o suficiente para que eu pudesse pensar.

Então uma granada foi lançada na minha direção. Eu a chutei para longe
uma fração de segundo antes que ela explodisse. Não era uma granada de
concussão amplificada, como eles usaram no píer, mas ela tinha estilhaços de
prata. Eles devem estar ficando impacientes. Gastei alguns minutos
angustiantes atirando cegamente enquanto meus olhos se curavam, e quando
minha visão estava restaurada, para meu desânimo, vi que a barreira de aço
sobre a cela dos meus amigos ainda estava intacta, apesar de eu ter esvaziado
dois pentes inteiros no chão.

Outra granada cheia de prata explodiu perto de mim, forçando eu me afastar


da proteção do suporte resistente à bala. Eu não podia arriscar que uma
detonasse perto do meu coração.

A frustração me deixou quase indiferente à dor enquanto eu era baleada


várias vezes, apesar de continuar abaixada no chão. As barreiras de aço sobre
as celas dos vampiros eram muito grossas – eu não podia alcançar Tate e os
outros por aqui. Logo, eu teria que me lançar através desse teto, ou arriscar ser
explodida aqui, e isso se eu conseguir abater os soldados que já estavam à
caminho do andar sobre mim. Pelos pensamentos que ouvi, para não
mencionar a comunicação em seus equipamentos sem fio, Madigan ordenou
que eles me atacassem do nível superior, também. Ele pode querer mais do
meu sangue para exames, mas ele não arriscaria me deixar escapar.

Madigan.

Meus dedos apertaram o M-4 mesmo que ele tenha sido disparado o
suficiente para deixar o metal causticante. Parece que eu não vou conseguir
libertar meus amigos, mas ainda havia algo que eu poderia fazer.

Gastei vários minutos perigosos tentando não ser atingida enquanto


estendia meus sentidos para filtrar a miríade de pensamentos na base.
Finalmente, encontrei os que eu estava procurando, e, pela primeira vez, ele
não estava cantando algo para si. Madigan estava ativando procedimentos de
segurança emergenciais que nunca foram necessários antes, enquanto se
apressava para chegar a um lugar seguro na instalação.

Foquei em seus pensamentos como se eles fossem um farol. Então usei as


tiras para pendurar dois M-4 ao redor do meu pescoço antes de arrancar uma
larga unidade de controle térmico. Segurando a máquina de metal na minha
frente, voei para o canto oposto do espaço apertado, me encolhendo quando
mais balas acertavam o alvo. Ainda assim, nenhuma delas foi perto do meu
coração. Eu não podia atirar de volta enquanto segurava o aparelho enorme,
mas ele era um efetivo, ainda que rude, escudo à prova de balas.

Eu também o usei como reforço, colocando-o sobre a cabeça enquanto me


impulsionava para cima. Escombros borraram minha visão, e a parte de baixo
do meu corpo levou a pior dos tiros enquanto eu me lançava através de
concreto, madeira e aço até o próximo nível sobre mim. Demorou mais, já que
essa sessão era muito mais reforçada do que a outra que eu atravessei. Então,
em meio à nuvem de poeira e partículas de isolamento, eu procurei por
Madigan. Ele não estava aqui, mas, pelos seus pensamentos, ele estava perto.
Antes que eu pudesse partir para procurar por ele, outro conjunto de guardas
veio correndo através da única porta. Sem hesitar, atirei a destruída máquina
de resfriamento neles.

Com a velocidade sobrenatural que eu usei, aquilo transformou em papa


aqueles que atingiu, mas, infelizmente, havia apenas alguns deles. O resto veio
através da porta, abrindo fogo.

Tentei escapar me lançando através da parede mais próxima, mas acabei


esmagada nela como um desenho animado. O quarto no qual forcei minha
entrada tinha paredes de aço que deviam ter mais de meio metro de espessura
e a única porta fechou com o som agourento de trancas pesadas. Quando
tentei forçar meu caminho através do teto, em seguida, obtive os mesmos
resultados desanimadores, com o dano adicional de quebrar meu crânio com
força suficiente para me deixar tonta.

Isso não era um escritório comum. Com sua falta de móveis ou utensílio,
além de suas paredes e portas de aço incrivelmente grossas, isso só podia ser
um quarto do pânico. A única saída era para baixo, e uma olhada no buraco
que eu fiz me mostrou quase uma dúzia de guardas com armas apontadas
diretamente para mim.

Filho da puta, eu me prendi no quarto do pânico de Madigan antes que o


bastardo chegasse aqui!

— Troque para munição de prata, — um guarda de capacete gritou, seguido


pelo som de múltiplos pentes de bala sendo colocados no lugar.

Oh-oh. Tentei interferir em suas armas com minha habilidade telecinética


emprestada, mas não funcionou, provavelmente porque minha cabeça ainda
estava realmente machucada. Eu acho que todas as rachaduras no meu crânio
ainda não haviam colado, e eu nem queria saber o que era a coisa úmida e
grossa escorrendo pelo meu pescoço.

— Não há saída, cabeça oca, — o mesmo guarda rosnou. — Fique


abaixada.
Cabeça oca? Aquilo me fez rir, o que enviou alarmes para a parte de mim
que ainda podia pensar. Faça o que ele diz, ou eles vão te matar, aquela parte
mandou. Você não está em condições de lutar, e eles te encurralaram.

Verdade. Mas quando eu falei, eu não disse “eu me rendo.” Ao invés disso,
eu disse outras três palavras.

— Vá se foder.

A morte não me assustava. Ela era o meu caminho de volta ao Bones.

Então fiquei tensa, pronta para atacar e levar comigo tantos deles quanto eu
pudesse, quando uma voz frenética estourou pelo sistema deles.

— Aqui é Falcon 1. Espécime A1 está à solta na Sessão 6!

Espécime A1 não foi do que o outro guarda me chamou? Huh, igual ao


molho de carne… sacudi a cabeça, irritada, para parar aquela linha inútil de
pensamento. Cure rápido, cérebro!

— Negativo, Falcon 1. Aqui é Falcon 7, e eu tenho a Espécime A1 presa na


Sessão 13. — Falou o que me chamou de cabeça de ovo.

— Falcon 7, eu estou olhando para a A1, — veio a resposta enfática.

— É impossível, a vadia está aqui. — meu cara respondeu, soando irritado.

Minha confusão diminuiu, ou porque minha cabeça finalmente terminou de


se curar, ou porque eu era a única que sabia como duas pessoas podiam jurar
que eu estava em lugares diferentes ao mesmo tempo. Quando eu ri
novamente, não foi por confusão. Foi por alívio.

Denise estava aqui, e pelos gritos que vieram do outro lado da transmissão,
ele estava seriamente chutando traseiros.

— Estou te falando que A1 está aqui, e nós também temos um hostil


desconhecido destroçando a Sessão 11. Eles precisam de reforços, agora!

Cabeças em capacetes começaram a olhar entre eu e o guarda que eu


deduzia que fosse o líder dessa unidade.

— Mas que diabos? — Alguém murmurou.

Eu não sabia quem era esse outro “hostil”, mas eu conhecia uma boa
distração quando via uma. Eu me lancei para cima e colei no teto para
maximizar a velocidade enquanto me lançava nos guardas. O impacto matou
dois ali mesmo, mas os outros abriram fogo. Puxei um dos guardas mortos
para cima de mim, usando-o como escudo enquanto eu me arremessava para
o resto, quebrando tornozelos, e então pescoços, quando eles caíam.

O quarto selado que antes me prendia, agora prendia a eles. Os guardas


abaixo começaram a atirar através do buraco, mas eles atingiriam seus amigos
mais do que a mim. Além disso, com o grande colete Kevlar que os guardas
usavam, meu escudo de cadáver manteve as balas longe dos meus pontos
vitais, embora meus braços e pernas queimavam por causa de toda a prata os
perfurando. Ignorei a dor, concentrando-me em terminar minha tarefa. Por tudo
o que eu sabia, um desses guardas pode ter disparado o tiro que matou Bones,
então eu não tive piedade.

Quebrar. Esmagar. Despedaçar.

Eu repeti aquilo até que nada ao meu redor se movesse. Então joguei
corpos no buraco para impedir que mais balas entrassem no quarto e
ricocheteassem nas paredes de metal. Quando aquilo estava feito, eu soltei um
uivo de vitória que terminou quando eu percebi que eu venci, mas eu ainda não
podia sair do quarto a menos que alguém abrisse a porta.

Talvez eu pudesse conseguir alguém para fazer isso. Dominada pela ideia,
agarrei o guarda morto mais próximo e falei no seu sistema de comunicação.

— Denise, — eu gritei. — Você tem que achar um jeito de abrir essa porta!

— Quem diabos é você? — A voz do outro lado respondeu.

Eu não me importei em responder. Eu ouvi barulho de fundo, o que significa


que Denise deveria ser capaz de me ouvir, também, se ela ainda estivesse
perto desse cara. Pelo violento som de luta, ela tinha que estar.

Então uma voz diferente explodiu pelo dispositivo em outro corpo.

— Todas as unidades para a Sessão 13! Situação crítica!

Aff, inferno, Sessão 13 é onde eu estou. Os guardas abaixo devem ter


pedido ajuda por eu ter destroçado os guardas no quarto do pânico.

— Se apresse, Denise! — Eu gritei para o comunicador. Então comecei a


agarrar M-4s que ainda tinham a maior parte da munição sobrando antes de
parar para tirar um colete Kevlar de um guarda morto. Muito mais confortável
do que levar o corpo dele comigo.

— Eu repito, situação crítica! — A voz em pânico gritou pelo comunicador. —


Hostil avistado e… oh, Deus. O que é isso? O QUE É ISSO?

Vesti o colete ensanguentado, me perguntando no que Denise tinha se


transformado dessa vez. Pelo som do guarda, poderia ter sido um Tiranossauro
Rex. Ela chegou rápido ao meu andar, também. Apenas alguns momentos
atrás ela ainda estava na Sessão 6, onde quer que isso seja-

As grossas barras de titânio ao redor da porta voaram nas paredes mais


rápido que quando baixaram para trancar a porta. E então ela não abriu… ela
explodiu para dentro, achatando um corpo com força suficiente para fazer algo
parecido com geleia de framboesa vazar pelos lados.

Mas não foi isso o que me fez congelar, meu M-4 parado no ar. Foi a coisa
do outro lado da porta. Cabelo branco emoldurava um rosto que mostrava mais
crânio que pele, exceto por um conjunto de olhos que ardiam em esmeralda.
Roupas esburacadas por balas se penduravam em um corpo que parecia couro
velho e carne murcha envolvendo ossos. Quando aquilo mostrou os dentes em
uma horrível versão de sorriso, eu recuei instintivamente.

E então aquilo falou.

— Olá… Kitten.
Capitulo Dezoito.

M ais tarde, eu ficaria envergonhada por não correr para os braços dele

quando eu percebi quem era, mas, no momento, meu cérebro se recusava a


comparar aquele cadáver meio podre com o homem que eu amava.

Bones não teve a mesma hesitação que eu, ele também não tinha mais de
sessenta por cento da sua carne, mas esse era o ponto. Ele agarrou meu braço
e me arrancou do quarto do pânico, empurrando-me pelo corredor. Eu o deixei
me conduzir, ainda tentando acreditar que ele estava aqui, sem falar no estado
em que estava. Corpos de guardas lotavam o corredor, suas cabeças quase
todas arrancadas e suas poças de sangue me fazendo escorregar uma ou
duas vezes enquanto corríamos. Luzes vermelhas brilhavam e alarmes
disparavam, mas nós não encontramos mais guardas. E se essa sessão tinha
funcionários, eles haviam evadido há muito tempo.

Então uma porta dupla grande bloqueou nosso caminho para a próxima
sessão. Pela estação de segurança vazia, o guarda da entrada deve ter
abandonado seu posto, e pela pequena tela de monitoramento, eu não vi
nenhum na próxima sala, também.

— Iniciando Protocolo de Dante para a Sessão 13 em quinze segundos, —


uma voz computadorizada soou no sistema de comunicação.

Eu estendi os meus sentidos, tentando descobrir o que aquilo significava, e


os pensamentos que peguei foram agourentos.

Eles não podem incinerar a Sessão 13! Pode haver sobreviventes!

Oh, Deus, eu vou morrer…

Isso mesmo, queime cada um daqueles filhos da puta!

— Eles vão incinerar essa sessão, — eu disse a Bones, então o sacudi


quando tudo o que ele fez foi fechar os olhos.

— Bones! Nós temos que ir, ou vamos queimar.


Nem assim ele abriu os olhos. Será que ele não me ouviu? Talvez não, não
parecia que havia sobrado muito das suas orelhas sob aquele chocante cabelo
branco.

Eu o agarrei e tentei voar, pretendendo nos lançar através do teto para uma
sessão que não estivesse prestes a ser grelhada, mas ele plantou os pés e não
se permitiu ser movido. Como ele conseguiu fazer aquilo, enquanto parecia um
figurante de A Noite dos Mortos Vivos estava além da minha imaginação, ainda
assim, eu poderia muito bem tentar levantar uma montanha, que daria no
mesmo.

— Não, — ele disse naquela voz gutural estranha.

— Cinco segundos para o Protocolo de Dante na Sessão 13, — o sistema


de alarme soou.

Bones ainda não se moveu. Se eu voasse sem ele, eu poderia escapar, mas
eu preferia morrer a fazer isso. Parecendo uma aberração ou não, esse era o
Bones, e meu lugar era ao lado dele, na vida ou na morte. Joguei meus braços
ao redor dele e fechei os olhos, esperando que o fogo fosse tão intenso que
isso fosse ser rápido-

Explosões detonaram, fazendo tudo tremer como se estivéssemos em um


terremoto, mas não houve nenhum calor ou dor. Após alguns segundos, eu
ousei abrir meus olhos.

Nenhuma parede de fogo veio em nossa direção. Ou guardas, aliás, mas,


pelos gritos frenéticos crescendo em meus pensamentos, pessoas estavam
morrendo em algum lugar. Deu trabalho examinar o caos mental o suficiente
para descobrir o que aconteceu, e quando descobri, eu estava chocada.

— Você usou seu poder para sabotar a máquina incineradora deles antes
que ela pudesse fritar esse andar, e ela explodiu no lugar em que está
instalada.

Fale sobre combater fogo com fogo. Ou com telecinese, nesse caso.
Quando foi que Bones ficou tão poderoso assim? Uma pergunta melhor, como
ele poderia estar tão poderoso, nas condições em que estava?

Ele moveu a cabeça. — E… abri… portas.

Falar estava claramente difícil para ele, mas suas habilidades estavam em
níveis chocantes, a julgar pelo que ele fez.

— Que portas? — As que levavam a superfície, eu espero.

— Todas… elas.

Dizendo isso, as portas na nossa frente destrancaram e abriram. Com uma


onda de novos gritos invadindo minha mente, eu entendi a magnitude do que
ele disse.

Ele não abriu apenas essas portas. Ele abriu todas as portas na instalação,
incluindo aquelas que mantinham prisioneiros mortos-vivos em suas celas.

Dessa vez, quando ouvi os gritos mentais, eu sorri.

Pelos sons, Tate, Juan, Dave e Cooper estavam lidando bem com a situação
deles, mas mais guardas podiam estar indo para eles.

— Fique aqui, eu vou pegar os rapazes, — Eu disse ao Bones.

Ele podia estar sem metade da pele do rosto, mas ele não teve problema
algum em fazer uma expressão de “Você está de sacanagem comigo?

— Pode haver uma luta, e você parece como se um olhar feio pudesse
arrancar um membro seu, — eu disse, exasperada.

Algo bateu nas minhas costas. Eu virei, já atirando, mas o que bateu em
mim foi uma cabeça decepada – nojento, mas não perigoso. Então outra
cabeça veio em minha direção, como se fosse uma bola de boliche, e minhas
pernas fossem os pinos. Eu desviei, mas ela virou no ar e me acertou na
bunda.

— Pare com isso, você já fez seu ponto!

Acho que eu devia ter adivinhado quem matou todos aqueles guardas, pra
começo de conversa, embora, Bones parecia tão podre que a única ameaça
que alguém temeria dele seria fazer a pessoa perder o apetite…

Aquilo me atingiu, então. Tudo isso. Talvez fosse óbvio desde o momento
em que ele quebrou a porta do quarto do pânico, mas o choque me impediu de
ligar as peças. Agora eu sabia como ele ainda estava vivo, embora eu o tenha
visto morrer, e o porquê de ele estar nessas condições.
E se não fosse arrancar um montão da sua carne, eu o teria socado direto
no rosto.

— Seu bastardo cruel, — eu ofeguei.

Ele não piscou. A falta de pálpebras faz isso com a pessoa.

— Depois, — ele respondeu naquela voz áspera.

Oh, ele pode apostar nisso.

— Cat!

Eu virei, vendo uma imagem espelhada de mim, dobrando o corredor. Em


algum momento desde a transformação dela de rato para minha sósia, Denise
vestiu um conjunto cirúrgico. Por todos os buracos nele, ela também levou fogo
pesado enquanto fingia ser eu.

Minha felicidade ao vê-la dissolveu quando notei que ela não parecia nem
um pouco surpresa em ver Bones vivo, ou nas condições em que ele estava.
Eu era a única que não sabia o plano real por trás do meu encontro com
Madigan no píer?

— Vamos, a sessão de prisão dos vampiros é por aqui, — Denise disse


antes de correr por nós e virar para a direita na bifurcação do corredor.

Eu a segui, empurrando de volta meu turbilhão de emoções para estender


meus sentidos. Não nos faria bem algum correr direto para uma armadilha.
Após ouvir por alguns momentos, minha tensão diminuiu. Bones destruindo a
máquina do Protocolo de Dante não simplesmente matou apenas algumas
pessoas. Isso também machucou a maioria do que restava do pessoal, já que a
maioria dos pensamentos que eu captava estava incoerente pela dor. Os
pensamentos que ainda eram claros pareciam em pânico, enquanto os
funcionários de Madigan percebiam que todas as portas interiores estavam
abertas, mas o elevador para a superfície não estava funcionando.

Bom. Estava na hora de eles saberem como é se sentir indefeso e preso


nesse buraco dos infernos.

Eu vasculhei os pensamentos o melhor que pude, mas o de Madigan não


estava entre eles, o que significa que ou ele estava morto, ou inconsciente. Eu
esperava que fosse o último, já que eu queria matá-lo pessoalmente. O mais
importante primeiro, entretanto.

Denise correu através das portas de segurança abertas para a sessão em


que as celas estavam. Então ela parou, seu nariz enrugando. As celas estavam
vazias, mas corpos caíam sobre monitores de computador, cadeiras e no chão
lavado de vermelho. Tate e os rapazes estiveram ocupados. Múltiplas pegadas
ensanguentadas levavam a uma sala interior além das celas, embora outro
conjunto de pegadas menores descesse o corredor na direção oposta a que
nós viemos.

— Só mais um pouco, amigo, — A voz baixa de Juan sussurrou do interior


da sala. Então ela ficou suave e mais urgente — Se prepare. Alguém está
vindo.

Eu fui naquela direção, ao invés de descer o corredor. — É a Cat, — eu


gritei, não querendo ser baleada outra vez.

— ¿Querida? — Juan soltou uma risada esgotada. — Claro. Quem mais


pode causar uma confusão dessas?

Eu olhei para Bones e Denise antes de falar. — A maior parte disso não foi
minha culpa dessa vez.

Então eu passei por cima de outra forma caída enquanto entrava no que
parecia um centro cirúrgico. Havia equipamentos médicos pendurados no teto
em vários lugares, enquanto bisturis, cerras de osso e outros instrumentos
afiados repousavam em uma mesa próxima a uma chapa de metal com
amarras. A mesa estava vazia, mas a máquina tubular do outro lado da sala
não estava. Tate estava nela, tubos saindo de toda parte dele, enquanto Juan e
Cooper estavam de pé perto de um painel de controle.

Dave saiu do canto, abaixando o fuzil M-4 ensanguentado.

— Estou malditamente feliz em te ver, Cat, — ele me deu um abraço breve e


feroz. Então segurou meu braço quando eu tentei alcançar os outros.

— Espere. Eles estão tirando a prata líquida do Tate.

Olhei em volta com um entendimento amargo. Eu não me lembrava de estar


aqui, mas essa deve ser a máquina a que Dr. Óbvia se referia quando disse
que a prata líquida tinha que ser dissolvida com ácido nítrico e então drenada.
Isso significa que a mesa com amarras e os múltiplos instrumentos eram para
casos menores, quando a prata podia ser cortada, não que isso tornasse a
coisa menos agonizante.

— Como foi que Tate foi injetado com prata?

Dave começou a responder, então olhou sobre meu ombro. Denise e Bones
estavam atrás de mim, e eu não sabia dizer qual dos dois o chocou mais.

— Denise pode mudar de forma, e Bones está se fingindo de morto, — eu


resumi. — Ele vai se regenerar quando beber mais sangue.

— Agora eu já vi de tudo, — Dave murmurou, sacudindo a cabeça. — Tate


ainda estava com as algemas quando o colocaram de volta na cela dela depois
de você beber dele. Quando as portas se abriram de repente, nós fomos pra
cima dos guardas, mas um deles conseguiu apertar o botão que injetou a prata.

Inundando o corpo de Tate com prata líquida. Eu tremi com a memória de


como aquilo era excruciante.

— Eles já vão terminar de tirar, não foi tão profundo. — Dave continuou.

— Como eles sabem operar a máquina?

Ele me deu um olhar sombrio. — Eles aprenderam após a muitas vezes que
ela foi usada para tirar a prata deles.

Tate resmungou algo que soava como o meu nome, mas sua voz mal estava
audível sobre os barulhos que a máquina fazia.

— Estou aqui, — eu gritei.

— Não você, querida, — Juan disse, olhando em volta antes de apertar mais
botões. — Katie. Ela correu quando as celas abriram. Você a viu?

— Ela é uma funcionária? — Se é, eu odiava ter que dizer, mas ela


provavelmente estava morta.

— A garotinha, — Cooper disse, impaciente.

Eu recuei. Que terrível se alguém trouxe a filha para o trabalho logo hoje…
espere.

— A criança na cela? — Eu perguntei, enquanto começava a me lembrar de


uma que vi de relance enquanto os guardas me levavam através das celas.

Dave gemeu. — Yeah, aquela criança. Você a viu?

— Pegadas, — uma voz gutural disse atrás de mim.

Bones estava certo. Agora nós sabíamos de quem eram as pegadas


menores se afastando dessa sessão.

— Eu vou pegá-la. — Denise disse imediatamente. — Eu prefiro fazer isso


do que o que vocês, pessoal, precisam fazer.

— Que bom, obrigada.

Denise odiava matar, e eu não podia deixar alguma pobre criança vagando,
apesar de nós não podermos gastar tempo procurado por ela. Nós já gastamos
muito tempo aqui.

Dave agarrou Denise antes que ela pudesse sair. — Não tente forçá-la se
ela não quiser ir com você.

— Eu não vou assustá-la. — ela disse, rindo.

— Não é isso-

— Madigan.

A voz grossa do Bones cortou o que quer que Dave estivesse prestes a
dizer. Todos nós viramos, exceto Denise, que partiu com velocidade
sobrenatural.

— O quê? Madigan o quê? — Eu exigi.

Sua boca se esticou em um sorriso realmente aterrorizante. — Vivo.

Eu agarrei os braços dele e falei uma palavra.

— Onde?
Capitulo Dezenove.

B ones redefiniu o termo “fast food*” enquanto corríamos através do

labirinto de corredores e túneis nessa instalação gigantesca. A cada trezentos


metros, mais ou menos, ele agarrava um corpo, apertava com força, já que,
como não havia pulso, não havia fluxo de sangue, e então o jogava fora para
pegar outro. Ele tinha muitos para escolher, devido ao massacre
impressionante com o qual ele se ocupou antes de chegar até mim.

*Comida rápida.

Mantive meus olhos atentos, já que ainda podia haver soldados nos
corredores, esperando para nos emboscar; mas eu também não conseguia
parar de observar o Bones. A cada cadáver que ele bebia, seu corpo
aumentava, e pele nova crescia de volta para cobri-lo. Logo, todos os buracos
horríveis foram cobertos e músculos se destacavam onde antes estavam
murchos, por baixo das roupas. Era como observar um vampiro murchar ao
inverso enquanto juventude e vitalidade sobrepunham todos os vestígios da
sua aparência frágil. Se não fosse pelo seu abundante cabelo cacheado ainda
estar branco, ele pareceria exatamente o mesmo de antes.

Aquela não era a única mudança incrível. Enquanto seu corpo regenerava,
sua aura também, até o ar ao redor dele ficar carregado com ondas pulsantes.
Sentir sua conexão comigo novamente foi um alívio quase tão grande quanto
ver seu corpo se restaurar.

— Se você podia se regenerar tão rápido assim, por que não bebeu sangue
mais cedo? — Não pude evitar perguntar.

— Não tinha tempo.

Era a voz dele novamente, aquele sotaque britânico tão suave quanto
sempre, embora seu tom estivesse afiado com algo que eu não conseguia
descobrir o que era.

— Você drenou mais de uma dúzia de guardas sem quase diminuir o passo,
— Eu apontei.

Ele olhou para mim, seu olhar castanho-escuro tão carinhoso quanto
frustrado.

— Eu estava em um estado de hibernação até Denise matar um sujeito e


pingar o sangue dele na minha boca. Então eu drenei a ele e os próximos dois
infelizes por quem passei, o que me deu força mental suficiente para ir atrás de
você. Quanto ao porquê de eu não ter bebido mais pelo caminho, você estava
sendo baleada. Qualquer tempo que eu gastasse me alimentando seria muito
para gastar enquanto você corria perigo.

Eu não sabia como responder àquilo. Eu ainda estava soltando fumaça por
ele pregar a peça mais cruel possível, mas, por baixo daquilo, eu estava tão
feliz por ele estar vivo que eu queria abraçá-lo e nunca mais soltar. Talvez a
vontade de estrangulá-lo com uma mão enquanto o acaricio com a outra seja
como eu fiz Bones se sentir por todos esses anos. Se fosse assim, então você
podia dizer que eu mereci isso.

De repente, Bones me agarrou, parando totalmente sem nem mesmo


derrapar. A mudança abrupta de velocidade jogou minha cabeça para trás com
força suficiente para quebrar meu pescoço, mas antes mesmo de registrar a
dor, eu vi. Redes de lasers como teias de aranha na nossa frente, a mesma luz
azul iluminava as paredes, tão perto que, se eu estendesse a mão, perderia
meus dedos.

— Filhodaputa, — eu arfei. Mais três passos, e Madigan teria que recolher


nossos restos com uma pá.

Então Bones me empurrou para o chão e se jogou em cima de mim. Agora


eu tinha uma mandíbula e uma costela quebrada, também, mas quando uma
chuva de balas passou por cima das nossas cabeças, ao invés de através
delas, eu não me importei.

— Sujeitos malditos, — eu o ouvi resmungar sobre o tiroteio. — Vamos ver o


quanto eles gostam da sua própria armadilha.

Eu não podia me mover, com um Mestre vampiro furioso me segurando,


mas eu ainda podia ver quando os guardas que saíram do esconderijo para
atirar em nós foram subitamente arrastados no ar e empurrados para a rede de
laser. Eles gritaram, estridentes e em pânico enquanto tentavam lutar contra a
força invisível os puxando. Então seus gritos foram cortados, seguidos por sons
nauseantes de coisas caindo ao redor e em cima de nós.

Quando aquilo acabou, Bones me puxou de pé.

— Está tudo bem, Kitten?

Eu me certifiquei de não olhar em volta. Claro, eu estava acostumada com a


feiura da morte. Hoje mesmo eu matei um monte de pessoas e ainda pretendia
aumentar a contagem, mas isso era… grosseiro.

— Tudo bem, — eu disse, mantenho meu olhar nele. — Você consegue


desligar essa rede, ou precisamos encontrar uma forma de contorná-la?

Bones fechou os olhos, as sobrancelhas se contraindo em concentração. Os


lasers desapareceram momentos depois.

Eu balancei a cabeça, dividida entre respeito e irritação. Ele não evoluiu para
habilidades de Mega Mestre durante a noite, o que significava somente uma
coisa: Ele vem escondendo de mim o aumento dos seus poderes.

— Você tem muitas explicações para dar. — eu murmurei.

Sua boca reivindicou a minha em um beijo rápido. — Eu sei, — ele disse,


acariciando meu rosto enquanto se afastava. — Mas depois.

Certo. Nós tínhamos alguém para encontrar, e pelos pensamentos que


captei, ele estava perto.

Continuamos a descer o corredor, os pensamentos de Madigan indicando o


caminho. Dessa vez, no entanto, nós fomos devagar, mantendo nossas armas
apontadas na nossa frente. Tivemos sorte antes, quando Bones viu a rede de
lasers. Não havia necessidade de forçar a sorte correndo de forma imprudente
agora.

À medida que nos aproximávamos do núcleo do complexo subterrâneo, mais


corpos lotavam os corredores. Esses não eram trabalho do Bones; as paredes
estavam negras de fuligem, e os corpos estavam ou queimados ou atingidos
por estilhaços. A máquina Dante devia estar bem próxima, para o dano ser tão
grande assim. Então, no fim do corredor à nossa direita, eu vi o epicentro da
instalação.

Nós fomos em direção a ele. Em meio aos gemidos dos funcionários feridos,
e dos pensamentos nervosos daqueles tentando se esconder, captei um
conjunto de barulhos de estática. No início, pensei que vinha dos sistemas
elétricos danificados na base; então percebi que aquilo soava familiar. Onde eu
ouvi aquilo antes…?

Puxei Bones para trás antes que ele pudesse dar outro passo. Guardas, eu
gesticulei, apontando para o teto, cerca de dez metros à frente.

Seus lábios se curvaram. Então ele fechou as mãos em punhos e as


abaixou. Guardas de capacete explodiram através do teto para se chocar no
chão. Aqueles que sobreviveram ao impacto violento foram baleados quando o
poder de Bones arrancou as armas das mãos deles e as girou para abrir fogo
contra os visores deles.

Tanto pelos dispositivos de bloqueio de pensamentos que Madigan instalou


em seus capacetes…

Saltamos sobre os corpos dos guardas e seguimos para o núcleo. A sala


enorme, que pareceu tão impressionante quando eu fui empurrada através
dela, agora parecia um call center abandonado. Nenhum guarda patrulhava o
perímetro, e todas as estações de trabalho estavam vazias. Os computadores
que monitoravam a área McClintic Wildlife e o interior da base mostravam
estática, ao invés dos incríveis gráficos 3-D, e luzes vermelhas de emergência
banhavam a área, que antes era tão brilhante, com um brilho assustador.

— Morram, monstros!

Eu me virei na direção do pensamento a tempo de sentir algo passar


zunindo pelo meu rosto. Não foi necessário leitura de mente para descobrir o
que era aquilo, e eu me abaixei antes do próximo tiro.

Duas coisas aconteceram ao mesmo tempo. A arma voou para fora da mão
do funcionário, e seu pescoço quebrou com um crack audível. Ele tombou sem
outro pensamento, mas minha mente estava longe de estar em silêncio. O
atirador era a única pessoa visível, mas a sala não estava vazia.

— A próxima pessoa que atirar na minha esposa terá a arma enfiada na


bunda. — Bones rosnou. Então ele balançou a mão para um grande arquivo de
metal próximo da parede.

— Saiam.
Choros soaram quando o gabinete foi empurrado de lado, revelando um
espaço oculto. Várias pessoas feridas estavam escoradas na parede, e meu
coração ficou apertado quando vi uma mulher agachada protetoramente sobre
um homem inconsciente e ensanguentado. A julgar por suas roupas casuais,
eles eram funcionários, não guardas ou doutores, e seus pensamentos
revelavam que todos eles estavam convictos que estavam prestes a morrer
pelas mãos – e presas – de dois monstros impiedosos.

Uma vez, não muito tempo atrás, eu me senti da mesma forma a respeito
dos vampiros. Apesar do fato de que todos eles me matariam, se tivessem a
chance, eu me inclinei para o Bones e toquei seu braço.

— Não, — eu disse suavemente.

Sua boca se curvou, não no sorriso cruel que ele mostrou quando abateu os
guardas no teto, mas algo provocador.

— Como se você precisasse dizer isso, Kitten.

Então seu olhar brilhou em um verde intenso enquanto ele voltava sua
atenção aos espectadores aterrorizados.

— Diferente dos bastardos para quem vocês trabalham, eu não mato


pessoas inocentes, então, se vocês não estão diretamente envolvidos em
sequestrar ou fazer experimentos em meu povo, vocês não serão feridos. Até
lá, não se movam ou falem. Kitten?

Eu me inclinei para eles, feliz por ouvir seus batimentos voltarem a um ritmo
normal enquanto o poder dele os convencia de que eles não seriam mortos ali
mesmo. Então eu examinei os de pé e os feridos. O homem que nós
procurávamos não estava entre eles, mas ele estava aqui. Eu podia ouvir seus
pensamentos, para não mencionar sua respiração pesada.

— Ali, — eu disse, apontando para a entrada fechada do elevador.

Bones fechou os olhos. Momentos depois, as portas de aço abriram,


revelando a plataforma circular manchada que, a mais ou menos um quilômetro
acima, levava ao iglu de concreto e à liberdade.

Graças ao poder do Bones, a plataforma não estava funcionando no


momento. Nenhum humano podia escalar aquelas paredes lisas de metal,
também, portanto, eu não fiquei surpresa em ver Madigan se pressionando tão
longe da porta quando podia, tentando se esconder, mas incapaz de escapar.

O que eu não esperava era a pistola Desert Eagle que ele pressionava na
têmpora.

— Dê mais um passo, e eu atiro. — ele avisou.

Pega de surpresa, eu ri. Eu o imaginei dizendo muitas coisas quando o


encontrássemos, mas isso não estava em minha lista.

— Era pra isso ser uma ameaça? Você perdeu a parte em que nós
queremos você morto?

Os lábios de Madigan se dividiram em algo muito feio para ser chamado de


sorriso. — Sim, mas você quer informação muito mais. Deixe-me ir, e você terá
a chance de consegui-la um dia. Mova-se outro centímetro, e eu irei espalhar
tudo o que sei sobre essa parede, ao invés.

Pra variar, ele não cantava nada em sua mente, então eu ouvi alto e claro
quando ele pensou Provoque-me e veja, Crawfield.

Ele nunca vai acertar meu sobrenome.

Eu encarei seus olhos azuis brilhantes e soube que ele não estava blefando.
Se nós sequer nos mexermos, ele puxará o gatilho, e o poder daquela pistola
explodiria o seu crânio para o além. Ele sabia algo que eu não podia descobrir
acessando os computadores daqui? Talvez, e talvez nós nem conseguíssemos
acessar os computadores.

— Ah, Bones, — eu disse docemente.

Os olhos de Madigan arregalaram quando Bones disse — Já está feito,


Kitten.

Então Bones se aproximou dele com uma lentidão deliberada e provocadora.


A mão do Madigan abaixou da cabeça dele mesmo que seus pensamentos
gritassem em protesto. Sua frustração era música para os meus ouvidos
quando ele percebeu que não tinha o controle do próprio corpo. Eu me
aproximei também. Sorrindo.

Sem um único pensamento para nos alertar, sua mandíbula rangeu. Bones
disparou para ele, enterrando os dedos na boca do Madigan, mas era muito
tarde. Espuma escorria pelos lábios de Madigan, e seus olhos rolaram para
trás. Então seu corpo todo começou a convulsionar.

— Não! —Eu arfei, reconhecendo os sinais de um envenenamento por


cianeto. Ver a cápsula meio dissolvida encaixada em um dente falso que Bones
arrancou da boca dele era quase redundante. Deve ter contido uma dose
massiva – a pulsação de Madigan foi às alturas e então parou abruptamente.

— Não, você não vai, — Bones rosnou.

Ele rasgou o pulso com uma presa e pressionou na boca de Madigan,


mexendo a garganta do outro homem para forçá-lo a engolir. Então ele socou o
peito de Madigan, tentando circular manualmente os poderes do seu sangue
através dele.

Não foi o suficiente. Bolhas vermelhas saíram dos lábios de Madigan, e seus
olhos ficaram fixos e dilatados. Aconteceu tão rápido que ele nem teve tempo
de um pensamento final. Se ele tivesse tido, provavelmente teria sido Foda-se.

E ele, de fato, nos fodeu. Frustração, raiva e negação fervilharam em mim.


Depois de tudo o que ele fez, Madigan conseguiu escapar mesmo que nós o
tivéssemos preso e encurralado. Qualquer coisa sobre a pessoa que o ajuda e
os resultados de seus experimentos sujos que não esteja salvo nos
computadores daqui agora estão fora de alcance, para sempre.

— Seu maldito, — eu disse em uma voz engasgada de fúria.

Bones soltou Madigan e se inclinou para trás, dando ao homem morto um


olhar friamente calculado.

— Ele acha que escapou de nós, mas talvez não.


Capitulo Vinte.

D epois de tirarem a prata líquida do Tate, ele, Juan e Cooper

vasculharam a instalação, para ter certeza de que não havia mais guardas
escondidos por aí, esperando a chance de atacar. Denise ainda hão havia
voltado com a criança desaparecida, mas eu não estava preocupada. Apenas
osso de demônio fincado entre os olhos poderia matar Denise, e Madigan não
tinha um. Quase nenhum morria. Osso de demônio era mais difícil de conseguir
do que astato*.

*Elemento químico raro.

Dave, entretanto, estava com Bones e eu. Ele encarava o cadáver de


Madigan, sua boca apertada em uma linha fina e firme.

— Normalmente, eu adoraria dilacerar o peito do bastardo, mas, nesse


momento, o pensamento não é atraente.

Bones bateu na coxa com a larga faca que ele pegou de um dos centros
cirúrgicos da base.

— Não podemos nos dar ao luxo de esperar. A cada dia, o sangue perde
poder.

As sobrancelhas do Dave subiram. — Você me ergueu após eu estar no


chão por mais de três meses.

— Ela forçou um monte de sangue vampiro em você enquanto você morria,


— Bones disse, com um olhar aprovador para mim. Então ele chutou o corpo
de bruços do Madigan. — Esse sujeito mal tomou uma gota.

Dave suspirou, resignado, antes de tirar a camisa e estendê-la para mim,


com um sorriso cínico.

— Você esteve lá para assistir esse coração ser colocado no meu peito.
Acho que seja apropriado que você esteja aqui para assistir ele ser tirado,
também.
— Ele foi do Rodney, e então seu, é um bom coração. — Eu respondi,
preparando-me para o que estava por vir. — Ele não o merece.

Dave rosnou. — E eu não quero isso, mas, ainda assim, aqui estamos.

Dizendo isso, ele aceitou a faca do Bones e se ajoelhou próximo a Madigan.


Ao invés de abrir os botões, ele cortou através da camisa de Madigan, expondo
o peito pálido e cheio de cabelos grisalhos do velho.

— Há algum truque para isso? — Dave perguntou, repousando a ponta


afiada no peito de Madigan.

Bones riu de leve. — Não, essa é a parte fácil. Colocá-lo de volta


corretamente é onde você precisa de delicadeza e precisão.

Dave correu a lâmina através do centro do peito de Madigan. Então ele


arrancou uma parte da caixa torácica, expondo o coração do antigo diretor.
Alguns cortes depois, e Dave estava segurando aquilo para cima como um
troféu macabro.

— Podia jurar que isso seria negro, — ele murmurou.

Se maldade manchasse, ele seria, mas o coração de Madigan parecia com o


de qualquer outra pessoa. Mas isso não significava que eu queria ter contato
com aquilo, ainda assim, quando Dave o estendeu para mim, eu o peguei.
Apesar de isso ser perturbador, não se comparava com o que estava por vir.

Dave estendeu a faca ensanguentada para Bones e se preparou.

Bones não hesitou. Ele enfiou a faca até o cabo sob a caixa torácica de
Dave. Então, da mesma forma rápida e brutal, ele fez um corte largo o
suficiente para sua mão e a enfiou ali. Sons ásperos escapavam dos lábios
firmemente fechados de Dave, mas ele não gritou. Eu teria gritado, se fosse o
meu coração sendo arrancado do peito. Repetidamente. Ainda assim, aqueles
sons irregulares eram a única indicação que Dave deu do quanto aquilo doía, e
do trauma mental de ver Bones retirar seu coração do peito.

— Agora, Kitten, — Bones disse, em um tom prático.

Eu entreguei a ele o coração do Madigan e peguei o do Dave, encaixando-o


na cavidade aberta do peito de Madigan. Então limpei minhas mãos no jaleco
emprestado, que agora estava mais vermelho do que branco. No pouco tempo
que levei para fazer isso, Bones terminou com Dave, que tremia enquanto se
afastava.

— Você precisa comer, — Bones disse a ele. — Há muita comida aqui,


então pegue, e lembre-se: crua ela vai te curar mais rápido.

Ele não estava se referindo à comida normal dos ghouls, que era pedaços
crus de carne comum. Eu me repreendi por ter um instantâneo flash de náusea
enquanto Dave saía para seguir aquelas instruções. Ele não podia evitar
precisar daquilo para sobreviver e, como Bones apontou, havia muitos
soldados mortos para escolher. Além disso, a parte de Dave nisso pode ter
terminado, mas a nossa não.

— Traga-me dois, — Bones disse. Ele se ajoelhou perto do corpo de


Madigan, arrumando as partes por dentro com habilidade nascida da prática.

Saí do poço do elevador e fui para a outra sala, onde os funcionários da


base esperavam em um silêncio obediente. Então selecionei dois dos que
pareciam mais saudáveis e os levei. Antes que eles vissem o interior do poço
de elevador, eu os encarei nos olhos com meu olhar acesso.

— Não tenham medo, — eu os disse em uma voz ressoante. — Vocês não


serão feridos.

Se eu não tivesse feito isso antes de os levar para o poço, eles teriam se
mijado, de tão apavorados por ver um corpo com o peito aberto e um vampiro
inclinado sobre ele, cortando sua própria garganta. Inferno, aquilo me deixava
nervosa, e eu já vi aquilo, anos atrás, quando Bones levantou Dave como um
ghoul. Transformar alguém em vampiro era muito mais bonito, em comparação.

Após Bones derramar cerca de um litro do seu sangue na cavidade do peito


de Madigan, ele se sentou. Levei rapidamente o homem e a mulher para ele.
Ele bebeu de cada um e voltou para a horrível tarefa de forçar mais sangue
dele para o peito escancarado do Madigan. Já que ele não precisava da minha
ajuda para aquilo, levei os dois doadores de volta ao grupo deles. Eles estavam
um pouco tontos, mas bem.

Antes que eu pudesse voltar para a plataforma do elevador, eu trombei com


Tate.

— Nós temos um problema, — ele disse.


Olhei em volta, cuidadosamente. — Mais guardas?

— Não, nós cuidados dos últimos, — ele disse em tom desdenhoso. Então
seu tom endureceu. — Estou falando sobre software. Acontece que a máquina
Dante não era o único mecanismo de alto-destruição.

Eu suspire. — Você não quer dizer…

— Que Madigan tinha um dispositivo de emergência que fritava cada cartão


de memória e disco rígido aqui? — Tate sugeriu sombriamente. — Yeah, eu
quero. Nem mesmo celulares e tablets escaparam. Tudo torrou.

Tive vontade de bater minha cabeça na parede mais próxima. Não é de se


espantar que o canalha convencido tenha dito que se ele se matasse, nós
nunca descobriríamos seus segredos! Máquinas de incineração. Redes de
laser. Software de destruição de dispositivos. Madigan foi paranoico a um grau
fantástico ao instalar todas essas medidas de proteção na sua instalação.
Quem, ou o quê, ele estava tentando ocultar?

Pelo menos nós podemos ainda ser capazes de descobrir.

— Pode ser que não esteja tudo perdido, — eu disse, acenando para a
plataforma do elevador aberta atrás de Tate.

Ele virou, observando enquanto Bones inundava o novo coração de Madigan


com sangue vampiro, tentando trazê-lo de volta como ghoul. Se ele tivesse
bebido mais antes de morrer, sua transformação seria inevitável após trocar
seu coração com um ghoul e reativá-lo com sangue vampiro. Mas Madigan
tinha bebido no máximo algumas gotas do sangue do Bones. Seria suficiente?

Eu esperava que sim.

Finalmente, após recolocar as costelas de Madigan sobre o coração e cobrir


a área com mais sangue, Bones levantou, correndo uma mão exausta pelo seu
cabelo branco como neve.

— Quando saberemos se funcionou? — Perguntei.

Ele deu de ombros. — Ele vai levantar em algumas horas, ou permanecer


morto para sempre. De qualquer forma, nós precisamos ir. Um pedido de
socorro pode ter sido enviado quando nosso ataque começou, nós já ficamos
aqui muito tempo.
Verdade, e nós não precisávamos nos complicar mais ainda, lidando com
reforços enquanto esperávamos para ver se Madigan retornava da sepultura.
Mas antes de irmos para qualquer lugar…

— Denise já encontrou a criança? — Eu perguntei ao Tate.

Antes que ele pudesse responder, uma voz feminina o interrompeu.

—Ela me encontrou, — Denise disse, soando machucada.

Eu me virei, meus olhos se arregalando quando a vi. Ela mudou de volta


para a sua própria aparência, e seu pescoço e cabelo cor de mogno estavam
ensopados com sangue fresco. A vestimenta médica que ela usava estava
ensanguentada, também, e tinha um novo buraco enorme bem em cima do
coração.

— Eu tentei te avisar, — Dave gritou atrás dela.

— Você devia ter sido mais específico! — Ela gritou de volta, aborrecimento
substituindo seu choque.

Tate balançou a cabeça. — A culpa é minha. Algumas semanas atrás, eu


disse a Katie que, se alguma vez ela tivesse a chance, ela devia fugir e matar
qualquer um que tentasse impedi-la.

— Matar? — Eu repeti, incrédula. — Ela é uma criança, Tate.

Ele me olhou com simpatia. — Apenas em idade. Eu te disse que você não
sabia de metade do que Madigan fez. Bem, ela é a outra metade.

— Ela é mais do que metade, — Denise respondeu, rígida. — Aquela


garotinha quebrou meu pescoço assim que me viu, então cortou minha
garganta quando eu fui atrás dela, e então me empalou com um cano que ela
arrancou da parede quando eu levantei de novo! Nem preciso dizer que, depois
disso, eu fiquei no chão até que a Cachinhos Dourados Homicida fosse
embora.

Eu a encarei, minha mente se recusando a aceitar o que Denise disse,


mesmo que eu soubesse que ela não mentiria. A criança de cabelo castanho-
avermelhado que eu vi não devia ter mais que dez anos. Ela também parecia
ter menos que metade do peso da Denise. Como ela podia ter a força para
fazer tudo aquilo, que dirá a resolução de ser tão impiedosa assim?
— Inferno sangrento. — Bones suspirou. — Ela é, não é?

— Ela é o quê? — Eu perguntei, tentando aceitar a ideia de que alguém do


ensino fundamental tinha chutado o traseiro sobrenaturalmente “inchutável” da
minha amiga de três formas letais diferentes.

— O auge de todo o trabalho de Madigan, — Tate disse em uma voz de aço.


— Katie é humana, mas ela também é parte vampira e parte ghoul, e Madigan
a criou para ser uma máquina de matar.
Capitulo Vinte e Um.

K atie não estava mais na instalação subterrânea. Tate seguiu seu cheiro

e descobriu um poço secreto entre as paredes que levava direto até a


superfície. O grosso metal colocado em cima dele tinha sido chutado. Era
estreito demais para um adulto caber, então devia ter sido um duto de
ventilação, antigamente, quando essa instalação era um abrigo antibombas.
Mas, para uma criança magra com uma dose dupla de genes inumanos, deve
ter sido relativamente fácil escalar até a liberdade.

Uma vez lá fora, as piscinas, lagos e pântanos em volta dissiparam o seu


cheiro o suficiente para torná-lo impossível de rastrear. Então as poucas
pegadas que Katie deixou terminavam em um canal raso, então não podíamos
encontrá-la assim. Ainda era luz do dia, também, o que significava que nós não
podíamos nos arriscar a fazer uma varredura aérea. Alguma coisa do tamanho
de um humano voando sobre a área McClintic Wildlife alimentaria os rumores
sobre o Homem Mariposa por décadas, e também não podíamos nos arriscar a
ficar por aqui até anoitecer para fazer isso.

Teríamos que voltar depois para procurá-la. Sobre-humana ou não, Katie


ainda era apenas uma criança. Não deveria ser muito difícil encontrá-la.

De volta à base, nós concluímos que os funcionários sobreviventes não


estavam diretamente envolvidos nos planos de cruzar espécies de Madigan e
substituímos suas memórias dos eventos do dia com uma nova versão. Então
os deixamos lá fora, num iglu de concreto, com instruções para não partirem
até o amanhecer. Se um pedido de socorro não foi enviado, nós queríamos o
tempo extra para fugir.

Então voltamos para o subsolo e queimamos o resto da instalação. Essas


pessoas tinham meu DNA registrado, e eu não queria deixar mais dele como
prova de que eu estive envolvida na destruição, mesmo que eu seja o primeiro,
segundo e terceiro palpite do apoiador misterioso de Madigan. É por isso que
eu irei ligar para a minha mãe assim que tiver um celular funcionando. Madigan
pode ter blefado sobre ela estar na nossa antiga casa em Ohio, mas se ele não
blefou, eu não queria testar seu ataque de drones. Se nós formos ridiculamente
sortudos, o backup de Madigan acreditará na história que implantamos nas
mentes dos sobreviventes: um mal funcionamento interno ativou a explosão na
máquina Dante, que incendiou outros gases na base e resultou numa explosão
em cadeia.

Era uma teoria plausível, a menos que alguém se incomodasse em fazer


uma autópsia nos corpos.

Madigan ainda não havia acordado. Já ouve atrasos assim, Bones me disse,
mas não era uma boa previsão das chances dele acordar como ghoul. A
maioria acordava em minutos, como Dave. Talvez Madigan tenha conseguido
fugir de nós, afinal. Se conseguiu, eu só podia me consolar que ele não
escaparia de Deus.

Então, cobertos de sangue e exaustos, nós sete saímos do iglu que tinha a
plataforma de elevador secreta. Spade esperava por perto, já que Fabian disse
que ele podia entrar na reserva. O fantasma ficou radiante por ver que
estávamos todos vivos e bem já que, como eu, ele não sabia que minha
chegada com o cadáver do meu marido foi uma armação.

Isso era algo que eu pretendia discutir assim que eu estivesse sozinha com
Bones. Agora, nós tínhamos que dar o fora daqui sem sermos detidos por
reforços, então tínhamos que procurar uma garotinha pequena, com múltiplas
espécies, que podia ser a coisa mais mortal sobre duas pernas.

O que nós não precisávamos era encontrar um grupo de jovens aspirantes à


criptozoologistas, zanzando pela reserva trocando histórias sobre o Homem
Mariposa.

— Tô te falando, eu vi alguma coisa bem aqui. — Um garoto sardento,


usando uma camiseta “Eu quero acreditar” estava dizendo, enquanto apontava
para um iglu selado.

Ele parou de falar quando nos viu. As três garotas e dois rapazes com quem
ele estava primeiro encaram, então pensaram, nervosamente.

O que aconteceu com eles? Isso é sangue? Passou pelos pensamentos


deles.

Eu estava prestes a começar a hipnotizar o grupo quando Denise falou.

— Vocês precisam experimentar o larping* zumbi. — Ela disse a eles. — É a


única forma de viver de verdade jogos de interpretação.

*Jogo derivado do RPG.

— Ah.

O garoto sardento acenou aprovando enquanto olhava meu jaleco


ensanguentado, as roupas rasgadas por bala do Bones, a vestimenta cirúrgica
também ensanguentada da Denise e as roupas igualmente salpicadas de
vermelho dos rapazes. O fato de que Tate carregava o corpo de Madigan no
ombro provavelmente aumentava a autenticidade. Então o garoto franziu
quando viu a camisa branca imaculada do Spade e suas calças de alfaiate.

— A fantasia dele é uma droga.

— Ele é novato, — eu disse, encobrindo o som do rosnado de aviso do


Spade.

— Bem… divirtam-se. — A loira com rabo de cavalo falou. Nerds, ela


pensou. Então Oh, ele é gostoso enquanto ela encarava os furos na calça do
Bones quando passamos por eles.

Se eu não tivesse tido um dia infernal, eu teria dito a ela para parar de olhar
para a bunda do meu marido. Ao invés disso, eu peguei o braço do Bones e
continuei andando. Se não estava tentando nos matar, não valia minha atenção
no momento.

Saímos da reserva sem incidentes, então subimos em um Suburban preto


em que Ian esperava no volante.

— Quem é o cadáver? — Foi seu único comentário enquanto partíamos.

— O sujeito que estava atrás da Cat, — Bones respondeu.

— Eu estou procurando uma garota pequena com cabelo castanho-


avermelhado que pode ter passado por aqui uma hora atrás. Você a viu? —
Tate perguntou ao Ian.

Ele deu de ombros. — Pequena como baixa ou nova?

— Muito nova. Por volta de dez anos.

Com aquilo, as sobrancelhas do Ian subiram. — O cativeiro te deixou


pervertido, não?

Tate socou a parte de trás do banco do Ian com tanta força que o encosto de
cabeça quebrou e bateu na cabeça do Ian.

— Ela era uma prisioneira, seu idiota!

Ian pisou no frio e estacionou o carro. Bones se inclinou sobre mim e


agarrou o braço do Ian quando ele estava prestes a abrir a porta.

— Eu cuido disso, — ele disse em uma voz baixa e dura.

Os olhos do Ian ardiam em verde enquanto ele encarava Tate pelo


retrovisor. — Não se preocupe. Eu vou perdoar o ataque dele, por ele estar
perturbado após sua experiência recente.

— Muito obrigado, — Bones disse, ainda com a voz dura. Então ele se virou
para encarar Tate.

— Anos atrás, quando você me pediu para te transformar em vampiro, eu te


disse que um dia, você teria terminado seu trabalho, mas ainda estaria preso
às regras do meu mundo. Hoje é o dia, companheiro.

— O que isso significa? — Tate perguntou com uma voz azeda.

— Significa que, como minha criação, você atacar outro vampiro é o mesmo
que eu atacar, — Bones respondeu, afiado. — É por isso que você nunca mais
fará isso sem minha permissão. Está claro agora?

Tate o encarou, as linhas em seu rosto ficando mais rígidas.

— Eu tinha me esquecido do quanto eu não gosto de você. — Ele disse


suavemente.

Eu disse a mim mesma que não iria interferir, mas isso já era demais.

— Oh, cale a boca, Tate. O lado bom em ser uma criação do Bones é que
ele arrisca a vida dele para te tirar da prisão, então lide com a parte ruim. Como
ele disse, foi para isso que você assinou quando se tornou um vampiro.

Eu me virei para o Ian. — Um comentário pervertido sobre uma criança?


Sério?

— Eu pensei que ele estivesse sendo depravado, — Ian respondeu. — E o


chamei de pervertido por causa disso, é isso o que alguém que se interessa
dessa forma por uma criança é.

Ele até mesmo conseguiu soar ofendido. Bom saber que Ian tem algum
senso de moral, mesmo que esteja coberto por pilhas de pornografia e
violência.

— Então isso foi um mal entendido que foi longe demais, — Eu resumi,
pensando em quantas guerras devem ter começado assim. — Estamos todos
bem, agora?

A última parte foi direcionada ao Bones. Eu não sabia tudo sobre a


hierarquia vampira, então não tinha certeza se Tate ainda teria que pagar por
agredir o amigo dele, mesmo que Ian esteja disposto a esquecer.

— Por enquanto. — Bones disse, encarando Tate.

O vampiro mais jovem olhou para longe. Pelo jeito que Tate cruzou os
braços sobre o peito, essa não seria a última briga intensa entre eles, mas seu
silêncio confirmou que ele concordava.

Então Bones voltou sua atenção para o Ian. — Você nunca disse se viu a
garotinha.

— Não, não vi. — Ian respondeu enquanto colocava o carro de volta na


estrada. — Por que o seu cadáver causador de problemas iria se dar ao
trabalho de aprisionar uma criança?

Bones suspirou. — Isso, companheiro, você não vai acreditar.


Capitulo Vinte e Dois.

P aro o caso de estarmos sendo seguidos, abandonamos o Suburban

assim que estávamos longe dos olhares curiosos das áreas populosas. Então,
já que metade do nosso grupo não podia voar, cada um de nós agarrou uma
pessoa e jogou a versão do Homem de Ferro de Barril de Macacos*. No ar, as
únicas coisas com as quais precisávamos nos preocupar se estavam nos
seguindo eram aviões, helicópteros ou drones, mas, felizmente, ainda não
havíamos visto nenhum deles.

*Aquele jogo em que um macaco se pendura no barril e a gente pendura outro


na mão dele, e outro na mão do de baixo até acabarem os macacos. A versão
Homem de Ferro é por que eles estavam voando.

Nós não voamos por muito tempo. O céu estava muito claro para arriscar
voar sobre as cidades, e Madigan podia acordar a qualquer momento. Além
disso, agora que o perigo imediato havia passado, minha explosão de energia
para sobreviver desapareceu, deixando-me perigosamente cansada. Voar
carregando um homem grande não ajudava. Quando eu me peguei olhando um
trecho de fazenda e fantasiando em cair ali para poder dormir, eu soube que
tinha esgotado minhas forças. Felizmente, Ian e Spade começaram a descer,
sinalizando que nós estávamos próximos do nosso destino.

Acabou por ser um grupo de silos perto de uma linha de trem inutilizada. A
área ao redor dos silos altos estava deserta, e eu não ouvi nenhuma atividade
dentro deles, o que significa que eu não precisava me preocupar em ser
discreta. Eu me choquei contra a terra macia atrás dos silos, pousando até
mesmo com mais força do que o normal. Dave, meu passageiro sem sorte,
soltou mais “oofs!” durante nosso pouso do que soltou quando Bones arrancou
o coração dele.

— Eu quero carona com qualquer um exceto ela para o próximo voo. — Ele
disse quando nós finalmente paramos de rolar.

Então um grito a cerca de um quilômetro acima chamou nossa atenção. Tate


caía em nossa direção, os braços se debatendo como se ele estivesse
tentando impedir sua queda livre. Não funcionou, claro. Ele caiu com força
suficiente para criar um esboço profundo no chão macio ao redor dele.

— Ok, quero carona com qualquer um exceto ele, também. — Dave


completou, enquanto Ian flutuava para pousar ao lado do buraco com o formato
do Tate. Bones pousou em seguida, mas, ao contrário do Ian, ele segurou seu
passageiro o tempo todo.

— Imbe… cil. — Tate grunhiu enquanto se erguia, acompanhado pelo som


de múltiplos ossos estalando de volta ao lugar.

Bones olhou para o Tate, então para o Ian, que não se incomodou em
esconder seu sorrisinho.

— Bom saber que você se manteve fiel à sua palavra de deixar de lado a
agressão dele, — Bones disse, exagerando no sarcasmo.

Aquele sorrisinho virou um sorriso selvagem. — Mudei de ideia, Crispin.

A chegada de Spade com Denise e Cooper cortou o que quer que Bones
estivesse prestes a responder.

— Ele está muito fraco, — Spade disse, ainda segurando Cooper, embora
eles já estivessem em chão firme. — Eu dei sangue pra ele, mas o que quer
que sejam esses experimentos que fizeram nele, isso está o matando.

Eu fui em direção ao Cooper, notando o aroma enjoativo de doença que


sobrepôs seu cheiro natural de cravo-da-índia e musgo de carvalho. Mesmo
com os efeitos curativos do sangue vampiro, sua pele ainda tinha um tom
cinzento, e seus olhos escuros estavam levemente desfocados.

— Lembra quando eu costumava te chamar de aberração? — Ele


perguntou, sua risada falhando um pouco. — O que eles fizeram comigo faz
você parecer normal.

Eu engoli de volta o nó que se formou na minha garganta. — Madigan tentou


duplicar a natureza tri-espécie da Katie em você, não foi?

Outra risada áspera. — Yep, mas não funcionou. Nem em mim, nem nos
dois mil bastardos azarados antes de mim. Madigan continua esperando por
outro golpe de sorte como Katie, mas acho que ele precisa de mais do que
quer que ele tenha tirado de você anos atrás para fazer funcionar. Isso, ou
esperar até que Katie fique mais velha.

Eu sabia o que a última parte significava… reprodução forçada. Madigan


pretendia fazer o mesmo comigo, então, embora aquilo me deixasse doente,
não me surpreendia. Mas o número que Cooper disse surpreendeu.

— Madigan te disse quantas pessoas ele matou com as experiências dele?


— O bastardo estava orgulhoso por ser o maior assassino em série da
América?

— Ele não precisou nos dizer. Nós pudemos contar.

Tate falou, finalmente saindo do buraco que ele fez quando caiu. Cooper
acenou sombriamente.

— Eu era W98. Difícil tirar um apelido fofo disso.

— Explique, — Bones disse, ecoando meu próprio pensamento.

Tate parou para olhar feio para o Ian uma vez antes de falar.

— Madigan classificava seus espécimes de teste alfabeticamente e então


numericamente, até cem por letra. Quando ele nos trouxe aqui, ele nos marcou
a partir do seu único sucesso, Espécime A80, para afiar as habilidades de luta
dela. Pela sua classificação baixa, ele deve estar com ela há tanto tempo que
deve tê-la pegado quando era um bebê, então ela não sabia o nome verdadeiro
dela. Eu não pude aguentar me referir a ela com um número de espécime,
como ele, então eu a chamei de Katie.

Agora nem engolir ajudaria a dissipar o nó que se formou na minha


garganta. Ao mesmo tempo, eu tremia de raiva. Um número de espécime
também foi designado a mim. A1, de acordo com os guardas de Madigan, mas
como ele pôde sequestrar e fazer experiências em um bebê? Katie nunca teve
uma chance na vida por causa dele.

Era sem sentido, mas, ainda assim, eu me virei e chutei o corpo de Madigan
com tanta força que ele ricocheteou no silo mais próximo.

— Acorde! — Eu gritei para ele. — Você não pode continuar morto, você tem
muito pelo que pagar!

— Kitten, pare.
Bones me agarrou quando eu estava prestes a chutar o corpo de Madigan
no silo novamente.

— Você pode deslocar o coração dele e o impedir de acordar.

E parei, afundando nos braços fortes que me seguravam.

— Quem nós estamos enganando? Já faz três horas. Ele não vai voltar.

Bones olhou para a luz do sol desaparecendo, que coloria os silos em vários
tons de laranja, rosa e lilás, antes de falar.

— Talvez não, mas nós ficaremos com ele essa noite, para ter certeza. Tate.

Ele levantou a cabeça, olhar azul índigo cheio de nojo mal contido. — O
quê?

— Você criou uma conexão com Katie?

Ele deu de ombros. — Talvez. Com suas habilidades e olhos brilhantes, eu


soube imediatamente o que ela era, mas Madigan não nos deixava socializar.
O único tempo que nós tínhamos juntos era quando ela era instruída a me
matar. No começo, ela foi impiedosa sobre isso. Então eu comecei a chamá-la
de Katie e conversar com ela enquanto nós lutávamos. Ela nunca disse, mas
ela gostava disso.

— Como você pode ter certeza?

Tate encontrou o olhar dele sem ressentimento dessa vez. — Porque nas
últimas duas semanas, ela ficou boa o suficiente para arrancar minha cabeça,
e, ainda assim, ela não fez. E ela escondeu isso de Madigan.

Meus olhos queimaram por mais lágrimas não derramadas. A pobre garota
esteve no cativeiro mais impiedoso desde que era um bebê. Tate deve ter sido
a coisa mais próxima que ela já teve de um amigo.

— Então se ela vir você, — Bones continuou, — pode ser que ela não corra.
Ou tente te matar, como ela fez com Denise.

Spade ficou tenso com aquilo. Denise olhou para longe, culpada. Acho que
ela não contou para ele quem a sangrou tanto.

O sorriso de Tate foi amargo. — Depende. Eu a disse para matar qualquer


um que fosse atrás dela. Isso pode incluir a mim, pelo quão metodicamente a
mente dela funciona.

— Você está disposto a correr esse risco? — Bones perguntou diretamente.

Tate bufou. — Eu pareço um covarde para você?

— Não, — Bones respondeu com o fantasma de um sorriso. — Você parece


o mesmo sujeito teimoso, impulsivo e fiel que eu já quase matei centenas de
vezes antes, e é por isso que você é perfeito para o trabalho.

— E você é o mesmo idiota autoritário que sempre foi, — Tate respondeu,


seus olhos brilhando verde. — Mas você está certo. Para isso, eu sou o seu
cara.

De alguma forma, depois daquele discurso insultuoso, eles trocaram um


olhar de completo entendimento. Eu balancei a cabeça. Talvez eles nunca irão
gostar um do outro, mas é possível que respeito mútuo ainda possa existir
entre eles.

— Então vá, — Bones disse. — Ian? Leve-o de volta à Point Pleasant.


Fabian ficou para trás para ajudar. Talvez ele tenha boas notícias.

Ian realmente não gostava do Tate, então eu esperava qualquer coisa


exceto o seu excitado “Vamos nessa, então!” antes que ele agarrasse Tate e
partisse como um foguete. Por que ele…? Ah, certo.

— Pare-o! Ele está feliz sobre isso porque pretende matar o Tate!

Bones me deu um olhar cínico. — Não é por isso, amor. Ian coleciona coisas
raras e incomuns, e aquela criança é a pessoa mais rara e incomum no mundo
agora. Ele vai vasculhar o planeta todo com Tate e Fabian procurando por ela.

Aquela percepção era quase tão preocupante quanto a minha primeira.


Então eu me consolei com o pensamento de que Ian era muitas coisas, mas
ele não era um pedófilo. Ele pode querer “colecionar” Katie, mas ele não vai
encostar um dedo nela. O mesmo não podia ser dito de outros que também
poderiam estar procurando pelo experimento desaparecido de Madigan.

— Já que todos os assuntos urgentes foram tratados, eu preciso de um


momento a sós com a minha esposa. — Spade disse, interrompendo minha
linha de pensamento.
Denise me lançou um olhar sofrido antes de se afastar com Spade. Eles
desapareceram no silo mais distante de nós. Com o concreto grosso e paredes
de metal de trezentos metros de altura, eu mal podia ouvi-los depois que
entraram.

Eu apertei a mandíbula. Eu tinha algumas coisas para discutir com meu


esposo, também, mas, antes que eu pudesse, a condição de Cooper ainda
precisava ser cuidada.

— Depois do que Madigan fez com você, nós não podemos arriscar ter levar
a um hospital, — eu disse, pensando. — Mas Bones conhece alguns médicos
clandestinos…

— Chega de médicos.

Cooper tremeu quando falou, memórias de experimentos brutais passando


por sua mente. Depois de tudo pelo que ele passou, eu entendia, mas Spade
estava certo. Cooper estava morrendo bem diante dos nossos olhos. Eu nem
tinha mais certeza se sangue vampiro poderia curar todos os danos celulares.
Ele não precisava apenas de um médico. Ele precisava de vários.

— Cooper, você vai morrer, — eu disse tão gentilmente quanto pude.

Ele mostrou dentes brancos em um sorriso breve. — Esse é o meu plano, e


eu prefiro que seja logo, já que dói por toda parte. Bones?

— Você não precisa pedir, — meu marido respondeu. — Você tem sido um
dos meus por anos. Está na hora de você receber todos os benefícios disso.

Ah, ele quer dizer esse tipo de morte. Minha tensão sumiu. Madigan pode
ser comida de verme, mas parece que vamos trazer alguém de volta da
sepultura essa noite, afinal.

— Kitten, peça a Charles para ligar para Mencheres e dizer a ele que nós
precisamos de um veículo seguro para transportar um vampiro novo. — Bones
disse, já que nenhum de nós estava com um celular.

Então ele puxou Cooper, empurrando a cabeça dele para trás quase
casualmente antes de enfiar as presas na garganta do outro homem.

Parece que Spade precisa fazer essa ligação para Mencheres


imediatamente.
Fui informar Spade e Denise sobre o que estava acontecendo e esperei
enquanto Spade fazia a ligação. Quando voltei, Bones já tinha terminado.
Cooper estava deitado no chão, sua pulsação em silêncio, apenas uma
pequena mancha vermelha em sua boca indicava a enormidade da mudança
acontecendo nele. Em algum momento nas próximas horas, ele acordará como
um vampiro, permanentemente livre de todos os danos que Madigan o infligiu e
vulnerável apenas a decapitação e prata através do coração.

Bem, e do nascer ao pôr do sol pelos próximos meses, mas o povo do


Bones o protegerá durante essa fase.

E já que nós finalmente não tínhamos nenhuma situação de vida ou morte


para resolver, eu podia voltar minha atenção para outros assuntos importantes.

— Bones. — Minha voz estava suave, mas dura. — Nós precisamos


conversar.
Capitulo Vinte e Três.

O interior do silo me lembrou do elevador do Madigan. Ambos eram

espaços circulares com paredes lisas de metal, impossíveis de escalar. A


diferença principal era que a luz brilhava no topo do silo e seus trezentos
metros de altura eram muito mais curtos que os quase dois quilômetros do
elevador secreto de Madigan.

O interior simples estava bem para mim. Bones e eu não tínhamos nada em
que focar exceto um no outro, embora eu estivesse o mais longe possível dele
quanto o espaço estreito permitia. Da parte dele, Bones trancou sua aura até
eu não sentir nada dele exceto um leve poder no ar. Sua expressão estava
igualmente impenetrável. Apenas manchas de sangue atrapalhavam suas
feições perfeitas, a cor em um contraste vívido contra sua cremosa pele de
cristal.

— Sabotando a máquina Dante, arrancando portas, desabilitando sistemas


de segurança inteiros e jogando soldados para o ar como bonecos de pano…
seus poderes telecinéticos aumentaram tremendamente. — Eu comecei. —
Você escondeu isso de mim. Por quê?

Sua boca curvou como se ele tivesse engolido algo detestável.

— Inicialmente, eu pensei em te surpreender com o quanto eles evoluíram.


Então eu não disse nada porque eu temi que algum dia fosse precisar deles
para te impedir de fazer algo imprudente.

— Você estava planejando me aprisionar com eles? — Não pude evitar meu
bufar de raiva. — Qual era o seu plano para quando você me libertasse? Correr
como o inferno?

— Não me importava com o que aconteceria depois, se eu algum dia tivesse


que usar medidas tão drásticas. — ele respondeu. Então seu tom endureceu.
— O inimigo mais perigoso que você já enfrentou é você mesma, Kitten. Eu sei
disso, mesmo que você ainda não admita.

Essa conversa não estava sendo nem um pouco como eu achei que ela
seria. Eu esperava que Bones pedisse perdão pela sua terrível farsa. Ao invés
disso, parecia que ele estava julgando as minhas ações.

— Eu sou um perigo a mim mesma? No píer, você usou um poder herdado


que só funcionou uma vez antes, e por acidente. — eu rebati.

Seu olhar castanho-escuro não vacilou. — Não, amor. Eu me certifiquei de


que eu dominava o dom que herdei de Tenoch antes de usá-lo no píer.

Ele. Esteve. Praticando. Por alguns segundos, eu fiquei tão aturdida que
fiquei sem fala. Então falei as palavras que estavam queimando dentro de mim
desde que eu percebi que sua degeneração até um cadáver foi um truque.

— Você me deixou te ver morrer.

Minha voz estava ferida, enquanto a memória de vê-lo murchar me cortava


por dentro como se lâminas tivessem substituído minhas emoções. Eu desejei
que nosso laço sobrenatural fosse de mão dupla, então eu poderia mandar
aqueles sentimentos de volta para ele e assisti-lo desmoronar com o peso
deles.

— Você sabia que eu pensaria que era real, mas você fez isso mesmo
assim!

Ele agarrou meus ombros, mas eu bati as mãos dele para longe com um
sibilo incoerente. Bones não tentou me tocar novamente. Apenas o seu olhar
sustentou o meu enquanto ele falava.

— Você mesma disse isso: que você é uma lutadora, e eu não posso
esperar que você mude. Não importa as minhas objeções ou o perigo, você iria
usar a si mesma como isca para pegar Madigan porque ele é um cretino
maligno que precisava ser abatido. Essa é quem você é, Kitten. É quem você
sempre foi.

Então sua boca se curvou em um sorriso sem humor.

— Mas você se esqueceu de quem eu sou; Um bastardo cruel que fará


qualquer coisa para te manter segura. Então, sim, eu fingi que um dos
soldados atirou balas de prata para que você, e qualquer um, acreditasse que
eu morri. Era a única forma de te proteger quando Madigan te levasse para a
base, e eu não tinha a menor dúvida de que ele iria te capturar se você fosse
se encontrar com ele. Ele está esperando há muito tempo para não ir até você
com tudo o que ele tem, e se eu te dissesse o meu plano antes, sua reação
não teria sido autêntica, e Madigan perceberia a armadilha.

Ele tentou me alcançar novamente, mas meu olhar o deteve. O que ele fez
machucou muito para que eu pudesse suportar sentir as mãos dele em mim.

— Madigan nunca teria me capturado se você não tivesse feito aquele


truque sujo, — Eu disse entre dentes cerrados. — Nós poderíamos tê-lo
agarrado e partido. Eu consegui voar para longe muito bem quando a equipe
dele chegou. Eu só voltei quando vi que você não estava comigo.

— Ele tinha drones em prontidão e miras de lasers em você desde o


momento em que você chegou, — Bones disse afiadamente. — Pergunte à
Denise, ela viu. Nenhum de nós sairia dali, exceto sob custódia dele. Meu
“truque sujo” garantiu que Madigan não puxasse aqueles gatilhos. Ele sabia,
assim como eu, que você nunca me deixaria para trás.

As novidades sobre os drones e miras de lasers me chocaram, mas a


disposição do Madigan a se explodir junto conosco, se chegasse a isso, não.
Ele definitivamente provou que preferia morrer do que ser nosso prisioneiro,
como seu corpo lá fora provava. Parece que Bones pensou em tudo antes de
fazer seu truque “Cavalo de Tróia” para fazer Madigan nos levar para dentro da
sua instalação super secreta e ultra guardada.

Bem, quase tudo.

— Em todo o seu planejamento, acaso te ocorreu que eu não iria querer


viver se eu pensasse que você estava morto? Você quase acordou para uma
grande surpresa, porque eu pretendia pedir a conta assim que matasse
Madigan.

Horror cruzou suas feições, e ele me agarrou rápido demais para que eu
pudesse impedir. — Você me prometeu que nunca faria isso, Kitten!

— Para citar o Ian, “eu mudei de ideia, Crispin!” — Eu rosnei de volta. Então
passei por baixo do braço dele, empurrando-o quando ele tentou me agarrar
novamente.

Ele ficou onde estava, mãos ainda estendidas, como se estivesse agarrando
carne fantasma. Então ele as baixou e, dessa vez, seus escudos caíram com
elas.
Emoções explodiram dentro de mim com tanta força que eu tropecei até a
parede me deter. Então não havia para onde ir enquanto um jorro de angústia
atormentada me inundava, afogando a minha raiva sob sua profundidade.
Aquilo se transformou em uma geleira de determinação implacável, que
congelou meu sentimento de traição até ele se partir. Finalmente, um inferno
de amor varreu os cacos, queimando toda a minha mágoa com suas chamas
causticantes e dolorosamente belas.

Sem querer, eu escorreguei pela parede. Pensei que minhas emoções


fariam Bones desabar se ele pudesse senti-las, mas eu é que fiquei muito
abalada para suportar de pé o ataque das suas. Elas não negavam o que ele
fez. Ao invés disso, elas afirmavam. O que nós sentíamos um pelo outro não
podia ser compreendido, controlado ou domado, e com o redemoinho ainda
girando dentro de mim, eu soube que Bones faria a mesma coisa novamente,
apesar de isso ser um golpe terrível em nós dois.

— Eu te amo, Kitten.

Quão triviais essas palavras pareciam comparadas aos sentimentos


bombardeando os meus, mas a voz dele vibrava quando ele as dizia. Então ele
agachou ao meu lado.

— Eu nunca te machucaria dessa forma, exceto por uma razão: para te


manter segura. Eu posso viver com sua raiva, sua vingança… Inferno
sangrento, me despreze se você precisar, mas não espere que eu aja como se
você não fosse a coisa mais importante na minha vida. Você é, e eu não vou
deixar ninguém, incluindo você, te machucar.

Eu não disse para ele que isso era impossível. Ele sabe que nossas vidas
são perigosas mesmo em um dia bom. Ele é Mestre de uma enorme linhagem
de vampiros; a qualquer momento pode ser chamado para arriscar sua vida por
alguém do seu povo. Algo pode acontecer com Tate ou Ian essa noite, e eu
teria que arriscar a minha, também, mas agora eu sabia que não havia limites
para o que Bones faria para evitar isso. Ele estava certo; é quem ele é, e eu
não posso esperar que ele mude, quando eu também não posso mudar quem
eu sou.

Isso significa que nós teremos mais brigas e mágoas afrente, mas esse é o
preço que eu pagarei para ficar com o homem que eu amo mais que a vida.

Eu poderia ter dito isso a ele, mas nós dois já sabíamos. Além disso, nós
sempre fomos mais de ação do que de palavras. Então eu não disse nada
quando puxei a cabeça dele, esmagando meus lábios nos dele e enfiando as
mãos por baixo das suas roupas, subitamente desesperada para sentir sua
pele sob meus dedos.

Então senti seu peso quando o corpo dele esmagou o meu. Gemendo contra
sua boca com seu beijo intenso o suficiente para machucar. Minha língua
escovou a dele até o gosto sangue sumir, e não sobrar nada exceto seu sabor.
Eu só o afastei para inalar até seu cheiro estar profundamente dentro de mim,
e quando ele inclinou a boca de volta sobre a minha, eu bebi dele como se
estivesse tentando me afogar.

Um puxão forte tirou meu colete à prova de balas e abriu meu jaleco,
revelando minha nudez. Suas roupas arruinadas foram fáceis de rasgar, e
então não havia nada entre nós. Sentir o atrito do seu corpo duro e suave
quase me levou ao orgasmo, e eu arqueei contra ele com um choro incoerente
por mais. Ele me puxou contra ele, me tocando como se precisasse sentir cada
centímetro de mim agora, ou nunca teria outra chance. Quando ele abaixou e
segurou meus quadris, eu me ergui para ele em uma necessidade primitiva.

Sua boca estava fria, camuflando o calor que disparava através de mim a
cada golpe faminto da sua língua. Gemidos viraram gritos que ecoaram à
nossa volta, unindo-se aos sons guturais que ele fazia enquanto colocava
minhas coxas sobre seus ombros e mergulhava mais fundo em mim. Minhas
mãos corriam sobre seus cabelos de forma febril, mas se eu estava tentando
puxá-lo para cima ou empurrá-lo para mais perto, eu não sabia. Eu queria que
ele parasse, para que eu pudesse sentir ele dentro de mim, e eu nunca queria
que ele parasse, porque o prazer estava devastador.

Ele tomou a decisão momentos depois, quando deslizou para cima, o


comprimento do seu corpo friccionando o meu de forma atormentadora até
seus quadris encaixarem entre minhas pernas. Então eu não conhecia nada
exceto o êxtase entorpecedor da sua carne dura entrando em mim. Sua boca
engoliu o meu choro, mãos grandes embalando minha cabeça enquanto ele se
movia mais fundo, até encostar em meu clitóris, criando uma tempestade de
sensações.

Minhas terminações nervosas queimavam a cada nova investida,


contorcendo e ficando tensas, fazendo-me ofegar e gemer com o êxtase
crescente. Músculos ondulavam nas costas dele enquanto ele se movia mais
rápido, mais forte, e eu enterrei minhas unhas nele para me segurar. Seus
movimentos eram poderosos ao ponto de serem brutos, mas as lágrimas
escorrendo dos meus olhos não eram de dor. Eu precisava de mais disso, dele.
Tudo. Seus braços eram como aço ao meu redor, investidas tão profundas que
eu mal podia suportar, e ainda assim não era suficiente. Desesperada, enrolei
minhas pernas ao redor da cintura dele e enfiei minhas presas em sua
garganta.

Um som bruto vibrou contra minha boca. Seu sangue, ainda morno pela
alimentação recente, estava intenso e doce. Como caramelo salgado. Engoli,
tremendo com a sacudida instantânea que ele causava em meu sistema. Cada
sentido subitamente aumentou, cristalizando as sensações que fizeram eu me
contorcer contra ele e afastar minha boca para gemer de uma forma que soava
como gritos. Então tudo se apertou tão forte que quase doía antes que êxtase
me inundasse, pulsando em ondas que eu senti duas vezes quando o clímax
do Bones invadiu meu subconsciente com prazer feroz.

Ele não me soltou após o último tremor fazer seus músculos se contraírem
da forma mais deliciosa. Ao invés disso, ele nos rolou de lado, usando seu
braço como um travesseiro para minha cabeça. Sua outra mão deslizou para
baixo em meu corpo de uma forma que eu chamaria de preguiçosa, exceto
pelo seu olhar. Nada lânguido se ocultava naquelas profundezas. Eles
brilhavam com uma intensidade objetiva, me fazendo tremer. Por um segundo,
eu soube o que uma presa sente logo antes de ser devorada. Se eu não
estivesse queimando com um desejo igualmente urgente de ser consumida, eu
poderia estar assustada.

— Crispin.

A única palavra reverberou pelo silo, fazendo do barulho de metal contra o


exterior um aviso desnecessário.

Bones não parou de me acariciar. — Vá embora, Charles, — ele gritou em


uma voz que eu nunca o ouvi usar com seu melhor amigo.

— Não posso, — veio a resposta igualmente concisa do Spade. — Sua nova


prole acabou de acordar.

A mão do Bones parou, e ele suspirou. — Desculpe, amor, não podemos


arriscar ter um novo vampiro perto da Denise. Se Cooper beber um pouquinho
do sangue dela…

— Cooper não, — Spade interrompeu com raiva. — Madigan está acordado.


Capitulo Vinte e Quatro.

E u desejei nunca vestir aquilo de novo, mas, sem opção, coloquei o jaleco

encharcado de sangue. Pelo menos ele tinha um cinto, já que Bones arrancou
os botões. Suas roupas, entretanto, já eram. Sendo um vampiro com séculos
de idade, que passou seus anos humanos como um gigolô, ele não se
importava. Ele saiu do silo vestido da forma como nasceu. Embora eu
lamentasse sua falta de pudor, ainda tinha que admirar sua coragem. Se eu
fosse um cara, eu não colocaria as minhas partes balançando perto de um
ghoul maligno recém-nascido.

Porque levei alguns momentos para me vestir, eu ainda estava dentro do silo
quando ouvi alguém gritar em uma voz monótona.

— Fome… Fome…

Eu parei. Madigan? Tinha que ser, embora ele soasse quase infantil. Não
berrando de ódio como eu esperava que ele estivesse quando acordasse e
percebesse que ele não tinha escapado de nós, afinal.

Saí do silo. Na frente do terceiro silo, Bones, Dave, Spade e Denise


formavam um círculo ao redor do que tinha que ser Madigan. Enquanto me
aproximava, notei, achando graça, que as bochechas da minha melhor amiga
estavam coradas e ela olhava direto para frente e para nenhum outro lugar.

—… não estou brincando com você. — Bones estava dizendo, em uma voz
severa. — Quanto antes você perceber, menos doloroso isso será.

— Fome! — foi a resposta petulante que ele recebeu.

Eu forcei meu caminho através do grupo para ver Madigan. Quando vi, eu o
encarei em descrença.

Não foi sua aparência desgrenhada – a frase “nem morto” faz sentido porque
ninguém acorda da sepultura parecendo fabuloso. Madigan até parecia melhor
que a maioria, já que ele morreu de envenenamento, ao invés de algo mais
bagunçado. Então não era seu peito manchado de vermelho, camisa aberta ou
roupa suja que me congelou no lugar.

Foi o olhar dele. Eu estava acostumada a ver tantas coisas nos seus olhos
azuis: desprezo, arrogância, crueldade, satisfação fria, ambição cega… Agora,
tudo o que eu vi foi confusão e curiosidade, como se ele não soubesse quem
nós éramos, mas estivesse levemente interessado em descobrir.

— Fome, fome, fome, — ele resmungava enquanto sacudia a cabeça como


se ouvisse uma trilha sonora interna.

Esse era apenas o segundo renascimento ghoul que eu testemunhava, mas,


pela expressão tensa no rosto do Bones e Spade, isso não era normal. O que
havia de errado com ele?

— Bones? — Eu perguntei calmamente.

Ele acariciou meu braço, mas não respondeu. Para Madigan, ele disse. —
Muito bem, companheiro. Muito esperto da sua parte fingir insanidade, mas eu
faço isso há centenas de anos, então eu sei que você não está louco. Você
está assustado pra cacete, e deveria estar, porque se você não parar de fingir,
eu vou te machucar de formas que você não pode nem imaginar.

Nenhuma centelha de entendimento acendeu no olhar de Madigan, mas


seus lábios finos franziram.

— Fooooooooooomeeeeee, — ele gritou, como se estivesse chateado por


nós não termos entendido ele antes.

Bones o socou tão forte que a cabeça do Madigan deixou uma mancha
vermelha onde se chocou contra o silo. Então o homem grisalho ficou frouxo
quando Bones o ergueu pela sua jaqueta esfarrapada.

— Está gostando? — Bones rosnou. — Eu estou. Deixe-me mostrar o


quanto.

Com aquilo, ele começou a espancar Madigan como o inferno. Uma hora
atrás, eu juraria que amaria assistir algo assim, mas à medida que os golpes
aumentavam e ficavam mais pesados, e Madigan não parava de choramingar
em uma confusão dolorosa, eu comecei a me sentir mal. Denise também. Ela
se afastou, e não de uma forma que sugeria constrangimento por Bones dar a
surra pelado. Ou Madigan era o melhor ator do mundo, ou ele não estava
fingindo. Quanto mais eu observava, mais eu me convencia de que esse não
era o mesmo agente do governo frio que planejou por uma década um plano
para unir três espécies distintas em uma arma invencível. Isso era um
garotinho preso no corpo de um velho, e ele não tinha ideia de por que o
homem mau não parava de machucá-lo.

— Chega, — Eu disse finalmente, agarrando o braço do Bones quando ele


estava prestes a soltar outro golpe quebra-mandíbula.

Eu meio que esperava que ele fosse me afastar e continuar. Ao invés disso,
ele abaixou o punho e soltou Madigan, que caiu em uma pilha perto do pé dele.

— Dói, dói, dói, — ele chorou, magoado.

— É malditamente suposto que doa, — Bones rosnou, dando um chute final


nele que o fez se enrolar numa posição fetal. — Você tem sorte por eu estar
cansado. Nós continuamos isso pela manhã, quando eu estiver descansado.

Agora eu não sabia se ele estava fingindo, mas eu não disse nada. Bones
presenciou centenas de renascimentos ghouls. Se eu estivesse sendo
enganada por um ator brilhante, eu não queria mostrar mais do que já tinha
que eu tinha caído na atuação dele.

— Jogue ele no armazém, — Bones disse para o Spade, quem observou


tudo com uma expressão dura. — Deve segurá-lo até Mencheres chegar.

Então Bones se afastou. Eu fui atrás dele, assim como Dave. Atrás de nós,
Madigan fez pequenos sons de lamúria.

— Por favor, não machuque, — Ele implorou ao Spade.

Meu estômago se apertou. Eu já ouvi crianças soando menos apavoradas e


vulneráveis.

Bones entrou no silo em que fizemos amor. Suas roupas ainda estavam em
pedaços no chão, mas ele parecia indiferente a elas enquanto caminhava de
um lado para o outro. Se sua nudez incomodava Dave, o outro homem não
demonstrou quando nos seguiu para dentro e fechou a porta.

— Algo não está certo, — Dave disse em um tom calmo.

Bones olhou para cima, frustração estampada em suas feições.


— Não, não está.

Eu suspirei. Então eu não estava simplesmente sendo uma otária. Então, em


meio ao pavor de descobrir o que aquilo significava, eu me encontrei desejando
que Mencheres tenha tido a perspicácia de trazer um conjunto extra de roupas.
De preferência dois. Bones atrairia muita atenção nu, e eu estava de saco
cheio de usar esse jaleco ensanguentado.

— Algo assim já aconteceu antes? — Eu perguntei, dando-me uma sacudida


mental. — E se sim, melhorou depois de um tempo?

O olhar que Bones me deu foi desgostoso.

— Já aconteceu, normalmente sob circunstâncias parecidas, quando a


pessoa não recebeu sangue suficiente antes. Eles simplesmente voltam…
errados. E não, isso não melhora.

Eu assimilei aquilo. O fato de que aquilo não iniciou uma raiva ardente me
mostrou o quão cansada eu devia estar. Nosso inimigo nos venceu, não
deixando nenhuma migalha de pão para seguirmos, para minimizar os danos
que ele deixou para trás. Essa era a realidade, ainda assim, tudo o que eu
sentia era uma onda de rancor porque o Madigan que nós queríamos trazer de
volta tinha partido para sempre.

Claro, isso também levantava a questão, o que nós faríamos com o Madigan
que tínhamos? Eu não queria ficar com o Madigan Maluco, mas também
parecia cruel executá-lo por crimes que ele – estritamente falando – não
cometeu.

Bones correu uma mão pelos cabelos. Por um breve momento, seus
escudos caíram, e uma névoa de exaustão passou pelas minhas emoções. Se
eu ainda fosse humana, teria desmaiado, de tão forte que era. Qualquer que
seja a reserva de energia que ele tinha, ele a esgotou dando aquela surra.

— Você está cansado, — Eu disse, no que devia ser o eufemismo da


semana. — Se Madigan, de alguma forma, está nos engando, nós logo
descobriremos. Se ele não está, nada mudará se todos nós dormimos um
pouco.

Assim que falei, ouvi um helicóptero se aproximando da nossa localização.


Minha primeira reação foi procurar uma arma, antes de me lembrar de que eu
não trouxe uma, e minha segunda foi um alívio profundo quando Bones disse
“É o Mencheres.”

Eu não podia sentir quem estava no helicóptero, mas eu confiava em Bones.


Anos atrás, Mencheres dividiu seu poder surpreendente com ele, forjando um
laço que ia mais fundo até do que a conexão entre um vampiro e seu criador. O
legado de Caim, como é chamado, um presente de poder que remota até o
primeiro vampiro: Caim, a quem Deus amaldiçoou a beber sangue para sempre
como punição por derramar o do seu irmão, Abel.

Na mesma noite em que Bones recebeu esse legado de poder, ele


desenvolveu habilidades de leitura de mente. Mais tarde, ele manifestou a
habilidade de se degenerar e mover coisas com a mente. Francamente, eu
esperava que nada novo estivesse vindo por aí. Algumas coisas ninguém
deveria ser capaz de fazer.

Além disso, se algum dia Bones manifestar a habilidade de controlar o fogo,


Vlad insistirá em um duelo de chamas entre eles. Ele é competitivo a esse
nível.

Nós três saímos do silo. Lá fora, vimos que Spade ainda não tinha levado
Madigan. Quando o antigo agente da CIA viu Bones, ele agarrou as pernas de
Spade como se fosse uma corda de salvamento. Spade tentou sacudi-lo, mas
Madigan o agarrou como um macaco demente, pressionando o rosto entre as
coxas do Spade para evitar olhar para o Bones.

— Não, por favor, não, por favor, — Ele começou a entoar em uma voz
estridente.

Eu não precisava de mais tempo para me convencer da condição dele. O


Madigan que eu conhecia preferiria ser esfolado vivo do que se humilhar dessa
forma, especialmente com vampiros testemunhando. Não, ele morreu quando
mastigou aquele comprimido de cianeto, e tudo o que nós acordarmos foi uma
concha quebrada.

Talvez o mais gentil seja matá-lo. Na sua condição, Madigan não pode
sobreviver no mundo morto-vivo, e como ghoul, o mundo humano não poderá
lidar com ele, também. Com sua nova fome sobrenatural, não vai demorar
muito antes que ele tente comer a pessoa mais próxima.

O helicóptero pousou, me distraindo daquela linha de pensamento


depressiva. Mencheres estava sentado na frente, com Kira nos controles. Ele
deve ter ensinado a ela como pilotar seu novo e brilhante Eurocóptero.

— Eu te falei que as roupas extras seriam úteis, — eu a ouvi dizer sobre o


barulho dos rotores.

Aquilo me fez sorrir. Kira era como eu; ainda humana no raciocínio, o
suficiente para se preocupar com coisas como essa.

Spade subiu primeiro, um pouco sem jeito já que Madigan ainda estava
grudado na perna dele. Denise seguiu atrás dele, balançando a cabeça para a
cena. Dave foi em seguida, se esticando para fora para me estender uma pilha
de roupas dobradas. Grata, vesti uma calça sob meu jaleco, então o tirei e vesti
uma camiseta grande. Mas eu não deixei o jaleco ensanguentado no chão.
Tinha muita muito DNA como evidência. Assim como as roupas arruinadas do
Bones, e foi por isso que eu voltei para o silo e as peguei. Então eu coloquei a
pilha de roupas sujas no helicóptero, enfiando-as no canto mais afastado.

Bones, carregando o corpo inerte de Cooper, foi o último a subir. Ele rolou
os olhos para a calça que eu deixei deliberadamente pendurada na porta do
helicóptero, mas colocou o Cooper no chão e a vestiu.

— Onde Ian está? — Mencheres perguntou.

— Procurando alguém com Tate. — Bones respondeu.

Mencheres parecia prestes a questionar aquilo, mas assim que Bones


sentou no Helicóptero, os resmungos de Madigan viraram choros.

— Não, ele fica longe! — ele chorou, escalando as pernas de Spade e


subindo no colo dele.

— Sai de mim! — Spade rosnou.

Madigan ignorou aquilo, agarrando-se a ele com toda a sua nova força.
Denise foi para os assentos do outro lado, para evitar ser atingida quando
Spade empurrou Madigan para trás, apenas para ter o ghoul grisalho voltando
para o colo dele mais rápido que aderência estática. Spade deu um olhar
frustrado ao redor do interior apertado, sem dúvida percebendo que se ele
jogasse Madigan para longe com força suficiente para ser efetivo, ele
danificaria a aeronave. Finalmente, seu olhar parou no Bones.
— Uma ajudinha? — Ele falou entre os dentes.

Poder crepitou pelo ar, arrancando Madigan do Spade para sentá-lo no


banco ao lado dele, com as mãos cruzadas recatadamente sobre o colo. Mas
ele não veio do Bones. Veio do antigo faraó Egípcio.

— Ele esgotou muito da sua força, — Mencheres disse, com um olhar


preocupado para o Bones. — Usar mais pode ser perigoso.

Pelo pouco que senti da exaustação do Bones, eu concordava. Felizmente,


Mencheres era forte o suficiente para lidar com Madigan e Cooper, se ele
acordasse durante o voo. Inferno, o motor podia parar, e Mencheres ainda
seria capaz de voar com todos nós seguramente para onde quer que
estejamos indo. Muito ainda estava por vir, mas, por hora, eu me permiti
relaxar.

Após Bones afivelar Cooper no banco oposto ao dele, eu encostei a cabeça


no ombro dele. Seu braço me envolveu, e eu o senti afundar no seu banco.
Quando o helicóptero deixou os silos para trás, ele já estava dormindo.
Capitulo Vinte e Cinco.

U ma respiração quente soprou no meu rosto antes que minha bochecha

fosse coberta com uma língua cumprida e molhada. Aquilo me fez sentar, e foi
quando eu percebi que (a) eu estava deitada em uma cama e (b) essa cama
deve estar na casa do Mencheres. Só ele tinha um mastiff* de noventa quilos
vagando como se fosse o dono do lugar.

*Raça de cachorro.

— Eu não quero outra lambida, — eu falei para o meu visitante de pelo


castanho, fazendo carinho na sua cabeça enorme. Ele ignorou aquilo,
abanando o rabo enquanto lambia minha mão em seguida. Eu olhei em volta,
reconhecendo o quarto âmbar e creme da última vez em que Bones e eu
ficamos aqui. Ele não estava lá, mas pela marca perto de onde eu estava
deitada, ele não partiu há muito tempo.

Como eu ainda estava ensanguentada e suja por baixo das minhas roupas
emprestadas, minha primeira missão era tomar um banho. Se eu pudesse ficar
sob o delicioso jato quente por horas, eu ficaria, mas depois de me limpar eu
saí e fui procurar outra coisa para vestir. Mencheres sempre mantinha seus
quartos de hóspedes abastecidos. Depois de me vestir, saí do quarto, surpresa
em ver o luar atravessando uma das muitas janelas desse andar. Eu dormi
mais do que percebi.

— Aqui embaixo, Kitten.

Segui a voz do Bones até o segundo andar. Ele estava em um estúdio/salão


– seja qual for o nome que pessoas ricas davam para salas extras que eles
raramente usavam – azul e coberto de painéis. Ele também tinha tomado
banho e trocado de roupa. Sua cor estava melhor, indicando que ele se
alimentou, mas eu estava mais aliviada pela aura dele. Não estava fraturada
com exaustão como estava antes. Bones pode ainda não estar em sua força
total, mas pelo menos ele não parecia prestes a desmaiar.

Mencheres estava com ele, seu longo cabelo negro puxado para trás em
uma única trança. Sem surpresa, outro mastiff estava enrolado em seus pés.
Obviamente, ninguém falou para ele que os Egípcios da era dele preferiam
gatos.

— Como o Cooper está? — Foi minha primeira pergunta. Por favor, que
nada de errado tenha acontecido com a transformação dele…

— Ele está bem, amor. Seguramente contido em um quarto abaixo.

Uma coisa a menos para me preocupar. Eu me sentei perto dele no sofá,


distraidamente notando que o couro era suave como manteiga.

— Alguma novidade sobre Katie?

— Ian ligou algumas horas atrás, disse que eles ainda não a encontraram.
— Bones acariciou meu braço, pensativo. — Tate não estava surpreso. Disse
que ela iria evitar as pessoas e se esconder até avaliar totalmente a situação
dela.

Ele soava como se estivesse citando Tate. Mais uma vez, fiquei furiosa
enquanto pensava em tudo o que foi feito a ela. Katie não deveria estar sozinha
e agindo com precaução militar. Na idade dela, suas maiores preocupações
deveriam ser decidir entre brincar com bonecas ou bonecos de ação.

Eu quase não queria perguntar, mas precisava. — Madigan?

Com aquilo, as feições do Bones endureceram. — O mesmo.

Segundo round. Eu respirei fundo, otimista. — Alguma sorte em tirar alguma


informação dos discos rígidos que nós trouxemos?

Mencheres respondeu essa. — Coloquei meu pessoal para trabalhar neles,


mas, por enquanto, eles não foram capazes de recuperar nenhum arquivo.

Terceiro round. Frustrada, soltei a respiração. — Então não estamos nem


perto de descobrir quem esteve apoiando Madigan todos esses anos.

E essa pessoa provavelmente está em alerta vermelho agora, após ouvir o


que aconteceu na base McClintic. Resumindo, estávamos de volta à estaca
zero. Talvez até mesmo alguns passos atrás, já que não tínhamos ideia se
existiam mais Katies em outras instalações secretas.

Alguns dias, não valia a pena sair da cama.


— Mencheres tem uma teoria sobre isso.

Como se a dureza em sua voz não fosse pista suficiente, as carícias suaves
no meu braço pararam. Claramente, Bones não era fã dessa ideia.

— Qual? — Eu perguntei, encarando o insondável olhar negro do


Mencheres.

— Vampiros e ghouls nas condições do Madigan normalmente não se


lembram de nada de suas vidas humanas. Alguns, entretanto, lembram-se de
partes dos seus passados, se receberem o estímulo certo.

— Bones o estimulou como o inferno com a surra que deu nele, — eu


respondi sem rodeios. — Não funcionou.

Ele deu de ombros, elegante. — Não esse tipo de estímulo. O com mais
sucesso é interagir com uma pessoa que ele conhece há muito tempo.

— Você quer dizer fazer Madigan encontrar um velho amigo? — Eu não


pude conter minha risada. — Isso é impossível. Seu único amigo foi o seu
trabalho doentio e pervertido-

Eu parei de falar enquanto compreendia. Agora eu sabia por que Bones


odiava a ideia.

— Don.

Bones cuspiu o nome do meu tio como se tivesse um gosto ruim. — Embora
eles não fossem amigos, Mencheres crê que a associação deles é longa o
suficiente e notavelmente significante para talvez ativar memórias.

Eu não sabia se ficaria furiosa com o meu tio para sempre, mas eu
certamente não estava pronta para vê-lo tão cedo. Então, novamente, quando
foi que “estar pronta” já decidiu alguma coisa?

— Vale uma tentativa. — Eu disse, finalmente.

Agora tínhamos que ver se Don concordaria em fazer isso.

M encheres nos emprestou o seu helicóptero, já que demoraria muito para

dirigir até D.C. Tivemos que parar uma vez para abastecer e outra vez fora da
cidade porque era uma zona de identificação da defesa área. Nós não
queríamos anunciar nossa chegada para nenhum oficial do governo
interessado. Então, cinco horas depois, após decidirmos envolver meu tio,
estacionamos perto da parte de trás do prédio de Tyler, na Avenida Macarthur.

Estávamos no meio da noite, mas as luzes no apartamento dele estavam


acesas. Dessa vez, nós ligamos primeiro. Tyler não estava empolgado em
invocar fantasmas à essa hora, mas apresentá-lo para Marie Leveau parece ter
levantado nossa moral com ele. Ele abriu a porta na primeira batida, mas não
se incomodou em esconder seu bocejo.

— Entrem. Quero acabar isso logo para poder voltar para a cama.

Pela sua calça de pijama e robe, isso era óbvio. Dexter foi mais
entusiasmado na saudação. Ele dançou ao redor do meu pé, fungando
loucamente onde o mastiff do Mencheres se esfregou em mim.

Eu fiz carinho nele, sentindo falta do meu gato outra vez. Um dos sócios do
Bones estava com Helsing, já que meu gato não gostaria de viver perto do
Dexter. Então nos sentamos no chão, diante de um tabuleiro Ouija montado na
mesa de café dele. Como a maioria dos apartamentos da cidade, o de Tyler era
feito em estilo estúdio, com a cozinha, quarto e sala todos ocupando o mesmo
espaço pequeno.

— Eu queria poder te ensinar a fazer isso sozinha, — Tyler disse, colocando


os dedos na peça de madeira. — Que pena que você perdeu sua mandinga
fantasma.

Alguns dias, eu lamentava isso. Na maioria, não. — Tudo acaba,


eventualmente.

Então nós movemos a peça sobre o tabuleiro enquanto Tyler começava sua
invocação. Já que eu não tinha nenhum objeto pessoal do meu tio dessa vez,
nós precisamos procurar através de alguns espíritos aleatórios antes que Don
se materializasse na sala.

Quando ele percebeu quem o invocou, ficou surpreso. Então a culpa me


perfurou quando sua próxima expressão foi medo, enquanto ele olhava em
volta.

— Não há Remnants, nem Marie, — eu disse firmemente. — Só nós, Don.


Sua forma oscilou, borrando nas extremidades. Agora que ele sabia que nós
não podíamos detê-lo, ele estava partindo?

Então sua nebulosidade clareou, revelando seu cabelo perfeitamente


penteado e terno sofisticado, mas modesto. Um nó dentro de mim afrouxou.
Por mais razões do que apenas precisar da ajuda dele, eu não queria que Don
sumisse assim que nos visse. Eu ainda estava com raiva dele e não segura
sobre onde as ações dele levaram nosso relacionamento, mas parece que isso
não me impedia de sentir falta dele.

— O que você quer, Cat? — Ele perguntou em um tom cauteloso.

Don nem mesmo olhou para o Bones; o que era bom, já que o olhar dele era
frio o bastante para congelar vapor. Tirei meus dedos da peça de madeira para
tocar o tabuleiro Ouija.

— Madigan queimou seus discos rígidos até ficarem inúteis e se matou


quando invadimos sua instalação secreta. — Eu resumi bruscamente. — Bones
o trouxe de volta como ghoul, mas algo deu errado. Sua mente virou sopa de
legumes, e nós esperamos que você possa tirar alguma carne dali.

O queixo do Tyler caiu após ouvir isso. Talvez ele tenha pensado que eu
queria que ele invocasse meu tio apenas para que eu pudesse brigar com ele
de novo. A expressão do Don não mudou, embora eu esboço tenha oscilado
por um momento.

— O quê? — Ele perguntou finalmente. — Você fechou a operação dele,


como queria, e agora ele é seu prisioneiro. O que mais falta?

— Deter quem quer que o esteja apoiando, — eu disse, deliberadamente


não mencionando Katie. Eu não queria que Marie descobrisse sobre ela, e ela
era uma das únicas pessoas no mundo que podiam interrogar um fantasma
com sucesso. — Alguém desembolsou milhões e milhões para manter a
operação de Madigan funcionando, para não mencionar o dinheiro que essa
pessoa gastou para impedir que você descobrisse sobre isso.

Eu estava cutucando o orgulho dele com o último comentário. Quando vivo,


o nível de acesso do Don foi acima de Ultra Secreto, ainda assim, ele não
soube que Madigan continuou seus experimentos com total bênção do Tio
Sam. Enquanto isso, Madigan soube tudo sobre a operação de Don, e até
mesmo foi posto no comando após a morte dele. Isso tinha que doer.

— Se não o pegarmos, essa pessoa vai encontrar alguém para substituir


Madigan. — eu continuei. — Não podemos deixar isso acontecer.

— E se o patrocinador dele estiver em um posto muito alto para ser detido?


— Don perguntou.

A voz do Bones tinha a ressonância baixa e ameaçadora de um trovão.

— Para isso, ninguém está fora de alcance.

Don virou, olhando uma vez para o Bones antes de seu olhar voltar para
mim.

— Esse nunca foi o país dele, mas é o seu, Cat. Você vai mesmo assassinar
quem quer que esteja por trás disso, não importando quem seja?

Mesmo morto, a lealdade do Don com sua nação era inabalável; uma
qualidade admirável. Seria bom se ele mostrasse a mesma lealdade a sua
família.

— Você dirigiu uma operação secreta que protegia cidadãos americanos de


perigos que eles não sabem que existem, — eu respondi, sustentando seu
olhar cinzento. — Quem quer que esteja por trás de Madigan conscientemente
financiou o sequestro, tortura e morte de milhares de americanos, tudo isso
para fazer manipulação genética ilegal. Só isso já é repreensível o suficiente,
mas o que é pior é a guerra que isso pode começar se uma palavra cair em
ouvidos mortos vivos errados.

Então eu levantei e caminhei até ele, quase o desafiando a partir enquanto


falava a próxima parte.

— Você ainda ama seu país, Don? Prove.

Ele sorriu. Triste, cínico e tão cansado que culpa me atingiu novamente.
Humanos, vampiros e ghouls podem encontrar um breve descanso no sono,
mas fantasmas podem? Ou a experiência deles é um dia sem fim que se
estendia impiedosamente até a eternidade?

Mesmo que não fosse assim, enquanto eu olhava para Don, simpatia
começou a sobrepujar minha raiva. Ele mentiu para mim, me manipulou e
permitiu que um burocrata cruel usasse meu DNA em experimentos secretos,
mas havia mais nele do que isso. Don protegeu os soldados que trabalhavam
para ele, não fez experimentos e os matou como Madigan. Depois que o Brams
foi inventado, Don gastou milhões em patentes farmacêuticas porque ele se
recusava a liberar a droga para o público. Quando Madigan veio com sua ideia
de reprodução forçada, Don o demitiu e o manteve longe de mim. Anos depois,
quando eu revelei que estava apaixonada por um vampiro, Don permitiu que
Bones se juntasse a equipe. Então ele mentiu para os seus superiores sobre o
meu acordo de tempo de serviço, então eu pude me demitir quando minha vida
tomou uma direção diferente, para não mencionar em todas as vezes que ele
usou sua influência quando conflitos com vampiros me colocou do lado errado
da lei.

Suas boas ações podem não superar as ruins, mas as piores coisas que
Don fez ocorreram quando ele ainda estava sob a concepção errônea de que
todos os vampiros são maus. Da minha adolescência até os vinte e poucos
anos, eu também fiz coisas horríveis sob essa concepção. Nos anos seguintes,
eu tentei compensar por isso, e, do jeito dele, Don também.

Mesmo que não tivesse tentado, ele não merece esse destino. Um dia eu
terei partido, mas ele ainda estará preso entre um mundo no qual nunca poderá
entrar e outro para o qual nunca poderá retornar. Sem querer ou não, isso era
por minha culpa – uma punição que superava e muito seus crimes.

Acima de tudo isso, Don era família. Falho ao ponto de estar quebrado, mas
ainda assim família. Eu posso não ser capaz de perdoá-lo hoje, mas,
eventualmente, serei. Família é algo muito precioso para se jogar fora se há
uma chance de reconciliação.

Don provou aquilo quando finalmente deu sua resposta.

— Não se incomode em apelar para o meu patriotismo, Cat. Meu país está
perdido para mim agora, mas se isso te ajuda com algo que você está
determinada a fazer de qualquer forma… bem, então leve-me até ele. Verei o
que posso fazer.
Capitulo Vinte e Seis.

M adigan reconheceu Don. Assim que o viu, ele soltou um grito animado

de “Donny!” Meu tio recuou, ou por simpatia pelo que seu inimigo se tornou ou
por aversão ao apelido horroroso.

Não importou. Donny ele era e Donny continuou, dia e noite enquanto
Madigan balbuciava sobre coisas sem sentido, como sobre o quão triste ele
estava porque o sorvete aqui era terrível (não era, acontece que o paladar do
Madigan só amava carne crua, um fato que sua mente ainda não registrou) ou
o quanto ele queria brincar no quintal (não iria acontecer, nós não queríamos
que ele comesse os vizinhos do Mencheres). Após os primeiros dias de
baboseiras insuportáveis, eu nem teria mais me incomodado em ouvir, exceto
que, de vez em quando, como um raio de luz em um quarto escuro, algo lúcido
surgia.

— Eu estou muito descontente com o progresso deles, Donny, — Madigan


disse outro dia. — Eles já deviam ser capazes de replicar o DNA dela a essa
altura.

— Você está falando do DNA da Crawfield? — Don respondeu em um tom


cuidadosamente neutro.

— O dela, também. — Madigan soava irritado. — Mas após sete anos, nada!
Eu não posso deixar todos os meus ovos em uma única cesta… Hehe. Ovos.
Tenho que esperar anos por mais deles…

Apesar de Don tentar levá-lo de volta ao tópico, ele mudou de ovos para
estar com fome novamente, e depois que isso acontecia, nada mais importava.
Então, depois que ele acabava de comer, ele caía no sono. Por tudo o que eu
sabia, ele agora podia dormia chupando o dedo. Eu não tinha certeza, porque
nunca entrei em seu quarto. Eu o fazia se lembrar do Bones, em sua mente
quebrada, e Bones o deixava em um terror inconsciente.

Don, entretanto, parecia acalmar Madigan, algumas vezes fazendo-o se


lembrar de antigas crueldades.
— Eu roubei o seu trabalho depois que você morreu, — Madigan disse
ontem em um sussurro feliz. — Roubei seus soldados, também. Eles logo
estarão mortos.

Antes que Don pudesse responder aquilo, Madigan estava jogando Espião.
O jogo não deveria durar muito, já que seu quarto era de concreto e sem
janelas, mas Madigan o esticava por horas. Se Don fosse sólido, ele poderia ter
batido a cabeça contra a parede só para bloquear a tagarelice infinita. Eu
queria, mesmo estando ali só há vinte minutos.

A verdade era que eu não tinha muito mais o que fazer. Tate, Ian e Fabian
ainda não tinham encontrado Katie. Como uma criança sem dinheiro e sem
experiência no mundo normal podia se esquivar de dois vampiros e um
fantasma, eu não tinha ideia, mas ela conseguiu. O pessoal do Mencheres
ainda não tinha conseguido nada dos discos rígidos queimados, então sem
pistas para perseguir ali, também. Bones mal podia suportar estar sob o
mesmo teto que Don, muito menos ouvir ele e Madigan falar sobre bobagens
por horas, então eu não podia pedir a ele para pegar meu turno. Além do mais,
as poucas coisas racionais que Madigan dissesse provavelmente fariam Bones
espancá-lo novamente.

Após seis dias não descobrindo nada além do que já sabíamos, eu estava
de saco cheio. Madigan parecia ser inútil para colher informações sobre o seu
patrocinador secreto, mas talvez houvesse algo mais que nós pudéssemos
fazer para encontrar Katie. Eu conhecia alguém muito bom em rastrear
atividades paranormais, e, como bônus, ele não era membro de nenhuma
linhagem de mortos-vivos.

Foi assim que Bones e eu acabamos na Comic Com de San Diego.

Eu já vi um monte de coisas estranhas na vida, mas essa convenção de


ficção científica e fantasia conseguiu me surpreender. Não era pra menos;
cadáveres reanimados por mágica, transformados em pálidos assassinos
invencíveis ombro a ombro com Wolverine, Xena, Chewbacca, Curinga, Mulher
Maravilha e uma Princesa Léia de biquíni metálico – e isso só enquanto
esperávamos na fila para pegar nossas credenciais.

Dentro do grande complexo multinível, nós tivemos que abrir caminho entre
mais centenas de pessoas vestidas como seus personagens favoritos em
filmes, séries, games ou quadrinhos. Algumas fantasias eram simples, como
pintura corporal, e algumas eram tão elaboradas que tinham acessórios robôs
que funcionavam.

— Eu vou vampirar, — Eu disse ao Bones, o ruído de fundo trovejante me


obrigando a gritar, apesar da audição dele. — Ninguém vai notar.

— Provavelmente não, — eu acho que ele respondeu, mas não tinha


certeza. O estande ao lado começou a exibir um trailer de filme exclusivo.
Como se não fosse suficiente, as torcidas e aplausos instantâneos abafaram
tudo mais.

Eu posso não ter tido a dedicação de passar horas aplicando maquiagem e


próteses para lembrar meu personagem fictício preferido, mas a ideia de deixar
minhas preocupações para trás e me vestir como outra pessoa por uma tarde
tinha certo apelo. Fazer isso em meio a cem mil pessoas simpatizantes deve
ter contribuído para que a energia no lugar fosse quase palpável. Meus
sentidos ficaram sobrecarregados pelo festival de visões, cheiros, sons e
contato constante enquanto as pessoas esbarravam em nós em seus caminhos
para os painéis, estandes, sessão de autógrafos ou exibições. Pelo zumbido
em minha pele, eu quase podia jurar que esse lugar é um ponto ativo
sobrenatural.

Infelizmente, nós não estávamos aqui para ficarmos chapados com a


energia frenética. Nós tínhamos que encontrar um repórter e, de acordo com a
mensagem dele, ele estava na sessão dos games.

Moleza, exceto que nós tínhamos o equivalente a oito campos de futebol


cheiros de fãs e expositores entre nós. Ou nós nos revelávamos como
vampiros voando sobre todo mundo, ou passávamos entre as pessoas o mais
de vagar e educadamente possível.

Escolhemos a última opção, embora, aqui, voar poderia ser considerado um


artifício levemente divertido. Levou mais de meia hora para chegarmos à área
de games, então tivemos que vasculhar entre a multidão de pessoas.
Finalmente, contra a parede do fundo, eu vi um homem magro, de cabelo cor
de areia, a barba em seu rosto acrescentando severidade à sua aparência
normalmente juvenil. Graças a Deus ele não se fantasiou; não tinha como
rastrear pessoas pelo cheiro nessa miscelânea de olfatos.

— Timmie! — eu gritei.
Meu vizinho nos dias de faculdade não olhou para cima. Afinal, eu era
apenas uma voz elevada entre milhares. Após alguns minutos de mais alguns
empurrões educados, nós finalmente o alcançamos.

— Mas por que inferno maldito você não nos encontrou lá fora? — Foram as
primeiras palavras do Bones.

Timmie se encolheu pelo tom duro dele. Então ele olhou para mim e ajeitou
os ombros, como se se lembrasse de que eu nunca deixaria o Bones machucá-
lo.

— Eu estou trabalhando aqui. Além do mais, eu achei que vocês fossem


gostar. Tem um painel de True Blood começando daqui a pouco.

— Sério? — eu me animei.

A sobrancelha erguida do Bones me fez acrescentar, relutantemente — Nós


não estamos aqui para nos divertir. Viemos te pedir para nos ajudar a encontrar
alguém.

Um sorriso esticou os lábios do Timmie. — Não que eu não esteja feliz em te


ver, Cathy, mas você podia ter me pedido isso por SMS.

— Nós não vamos deixar nada disso registrado, — eu disse de forma


sombria, mas divertida. — Ou tratar por telefone.

— Ah, é relacionado ao paranormal. — Timmie tirou uma foto de alguém


passando, então deixou a câmera pendurada pela correia ao redor do seu
pescoço. — É seguro conversar em público?

— Nesse lugar? Sim. Qualquer um que ouvisse não acreditaria em uma


palavra. — Bones respondeu, indiferente.

Verdade, além disso, até agora, eu só vi humanos aqui. Uma vergonha. Os


mortos vivos estavam perdendo uma boa diversão.

— Se eu te ajudar a encontrar essa pessoa, eu posso publicar algo sobre


isso? — Timmie perguntou em uma voz esperançosa.

— Não apenas não, como nem fodendo. — Eu disse, firme.

Ele suspirou. — Você é uma chata*, Cathy.


*No original, you suck, que ao pé da letra significa você suga.

— Você realmente disse isso? — Eu perguntei, sorrindo.

Timmie sorriu de volta. — Desculpe. Às vezes eu esqueço que você é…


você sabe.

— Precisamos encontrar uma garota por volta dos dez anos, — Bones disse,
indo direto ao assunto. — Comece com rumores sobre uma criança com olhos
verdes brilhantes, ou corpos de pessoas com pescoços quebrados que foram
vistos pela última vez com uma garotinha.

O queixo de Timmie caiu. Então ele arregalou os olhos para nós. — Vocês
perderam uma vampirinha? — Por que vocês precisaram da MINHA ajuda para
encontrá-la? Passou pela mente dele.

— Nós não podemos pedir para os nossos aliados porque não queremos
que as pessoas no nosso mundo saibam sobre ela, — Eu agarrei o braço dele,
meu sorriso desaparecendo. — Eu não posso explicar o porquê, mas eles a
matariam, Timmie. Ou a usariam para fazer coisas realmente horríveis
acontecerem.

Pelos seus pensamentos, ele estava curioso, embora hesitante. Ele


precisava encontrar outro trabalho de fotografia freelance para garantir o
aluguel esse mês. Além disso, era meio que uma droga investigar algo que ele
não podia contar para ninguém-

— Nós lhe daremos vinte e cinco mil dólares adiantados, — Bones disse,
congelando os pensamentos do Timmie em um único coro de SIM! — E outros
vinte e cinto se sua informação nos levar até a garotinha.

— Quan-quando eu começo? — Timmie conseguiu dizer, gaguejando de tão


atordoado.

Bones quebrou a correia ao redor do pescoço do Timmie com um gesto


casual, fazendo a câmera cair no chão.

— Agora, portanto você não vai mais precisar disso.

N ós sabíamos que Timmie era bom. Ele deu muita dor de cabeça ao Don,
e depois ao Tate, quando insistia em expor segredos paranormais ao público
através do seu blog investigativo. Ele também era confiável, como provou há
mais de um ano atrás quando solicitamos a ajuda dele para rastrear ghouls
criminosos. Quando deixamos a Califórnia, eu tinha grandes esperanças de
que ele podia farejar a trilha de Katie eventualmente.

O que eu não esperava era o SMS apenas dois dias depois “Procure a sua
encomenda na região leste de Detroit.”

—Wow. Timmie acha que tem uma pista, e não é nenhum lugar próximo de
onde Ian e Tate têm procurado. — Eu disse ao Bones.

Ele olhou a mensagem. — O lado leste de Detroit é um dos lugares mais


cheios de crime da América.

Estranhamente, ele soava aprovador, e admiração penetrou minhas


emoções.

— Por que você está contente por uma garotinha estar sozinha nesse lugar?

— Ela está mais segura lá, — Bones respondeu, levantando uma


sobrancelha. — Ela pode escolher entre centenas de edifícios abandonados,
em um lugar onde as pessoas não se metem nos assuntos umas das outras, e
onde um cadáver ocasional de alguém que tentou mexer com ela não vai
chamar a atenção pública.

Uma análise lógica tão fria. Bones teve que ter centenas de anos lutando por
sua vida para pensar dessa forma. Katie só tinha uma década de idade, ainda
assim, ela estava demonstrando a mesma mentalidade se escolheu Detroit por
aquelas razões ao invés de acabar lá por acidente.

— Se foi proposital, isso também mostra autocontrole da parte dela, —


Bones continuou, algo gelado roçando minhas emoções. — Isso é bom. Se ela
for capaz de permanecer escondida, há menos chances de que ela tenha que
ser morta.

Por vários segundos, eu não pude falar, minha mente rejeitando que ele
realmente disse algo assim.

— Tenha que ser morta? — Eu finalmente respondi. — Você está louco?

O olhar que ele me deu foi tão arrepiante, que me lembrou de que Bones foi
um assassino de aluguel por quase dois séculos antes de nos conhecermos.

— O perigo de uma guerra não é reduzido por causa da idade dela. É por
isso que eu estou disposto a deixar Katie viver, se ela nos permitir escondê-la
pelo resto da vida dela. De outra forma, pela nossa mão ou de outra pessoa,
ela terá que morrer.

Minha expressão deve ter indicado minha recusa total, porque ele agarrou
meus ombros e só faltou me sacudir.

— Isso me deixa doente, mas você sabe que eu estou certo! Você se
transformou em vampira por que a mera possibilidade de que você poderia
adicionar características ghoul à sua natureza meio-vampira quase causou
uma guerra. Katie é esse acréscimo, e se isso se tornar de conhecimento
comum, ela vai começar a guerra que todos nós tememos. Ou ser morta para
impedir isso.

— Mas ela não tem que ficar escondida para sempre, — eu sussurrei, ainda
me recuperando do futuro sombrio que Bones traçou para aquela criança. —
Quando ela for velha o suficiente, ela pode escolher se transformar em uma
espécie ou em outra.

— É tarde demais, — Bones disse em um tom muito mais suave. — Katie já


é uma combinação de vampiro e ghoul. Perder a humanidade dela não vai
apagar isso, só vai aumentar.

Eu não tinha palavras para refutar aquilo. Eu me lembrava muito bem das
centenas que morreram quando ghouls começaram a matar vampiros sem
mestres no início de uma leve agitação entre as espécies. E das outras
centenas, em ambos os lados, que morreram colocando fim naquele conflito.
Bones estava certo, somente minha transformação impediu que aquelas
centenas virassem milhares, já que dez por cento da população mundial é de
mortos vivos. Isso, e nossa incômoda trégua com a nova rainha ghoul, Marie
Leveau, que já disse que se nós não acabássemos com essa nova ameaça,
ela acabaria.

Eu respirei fundo, mais pela familiaridade do ato do que qualquer esperança


de que isso iria me tranquilizar.

— Você está certo. — Maldito seja você, Madigan! — O melhor que Katie
pode esperar disso é uma vida escondida. Talvez não seja tão horrível. Denise
também vive escondida, por seu sangue demoníacamente melhorado ser uma
drogada para os vampiros.

Bones me soltou, apenas seu olhar sustentando o meu enquanto ele falava.

— Se ela acabar sendo impossível de esconder, nós não seremos capazes


de protegê-la do que acontecerá depois.

Soltei minha respiração em um suspiro amargo. — Não. Acho que não


seremos.

Katie era uma vida contra milhões. Múltiplos milhões, somando o fato de que
humanos seriam efeito colateral se vampiros e ghouls estiverem envolvidos em
uma guerra geral. Nós não estaríamos lutando apenas com nossos inimigos
tentando mantê-la viva. Estaríamos lutando contra nossos aliados, também. Eu
faria tudo em meu poder para impedir que uma garotinha fosse sacrificada pelo
bem maior, mas, como a minha longa lista de arrependimentos passados
provava, algumas vezes, o meu melhor não era bom o suficiente.

Por favor, Deus, permita que seja bom o suficiente dessa vez.

Mencheres escolheu aquele momento para entrar na sala. Com seus


ouvidos de morcego, ele ouviu tudo o que dissemos, mas não disse nada, e
isso era sinal de que ele concordava totalmente.

— Nós recuperamos alguns arquivos, — ele disse. — Venham ver.


Capitulo Vinte e Sete.

Q uando Mencheres disse que o seu “pessoal” estava trabalhando nos

HDs que trouxemos da base do Madigan, eu presumi que ele estivesse se


referindo a vampiros. Quando o seguimos para a sala que ele transformou em
um paraíso para os amantes de tecnologia, entretanto, o garoto de cabelo preto
sorrindo para o computador era humano. E ele parecia ter cerca de dezessete
anos.

— Eu sou o máximo, — o adolescente disse, animado. Então ele se virou,


sorrindo para o vampiro Egípcio de quase cinco mil anos de idade.

— Quem é o seu cara, M?

Longe de estar ofendido, Mencheres se aproximou e rapidamente executou


um aperto de mão de rua, completo com estaladas de dedo, golpe de punhos e
uma batida em cima e em baixo no final.

— Você é o cara. — ele concordou solenemente.

Eu não pude mais ficar em silêncio.

— Você usou um adolescente para recuperar informações delicadas o


suficiente para causar uma guerra mundial?

Mencheres me deu um olhar tolerante. — A maioria dos vampiros é mais


lenta para abraçar a tecnologia do que os cidadãos idosos normais. Tai é leal,
e ele está escrevendo códigos desde antes de você aprender a mandar
mensagens de texto.

O garoto sorriu para mim.

— Não se preocupe, docinho, eu sei ficar quieto. Além disso, M é um dos


meus heróis.

Bones ergueu uma sobrancelha com o comentário “docinho”, mas eu ignorei.

— Ok, Tai, mostre-nos o que você tem. — Como se um interruptor tivesse


sido apertado, o adolescente ficou todo negócios.

— Eu tive que remendar isso porque os HDs estavam tão queimados que os
arquivos fragmentaram. Então eu filtrei entre o que M disse que você não
precisava, como mapeamento de genomas e registros de experiências. Havia
muito disso…

— Intactos? — Eu interrompi. Eles podem não nos ajudar a encontrar o


financiador do Madigan, mas podem ser úteis para compreender a Katie.

Ele riu.

— Agora estão. Enfim, vamos às coisas boas. Eles deviam ter câmeras por
toda parte na sala em que ela lutava, porque esse arquivo — seus dedos
voaram pelo teclado — tem as melhores imagens da sua pequena Godzilla em
ação.

A tela do computador encheu com uma imagem distorcida, como se


tivessem passado o vídeo em um picador de papel, e então juntado tudo
novamente. Ainda assim, Katie era fácil de localizar. Ela era a criança com o
cabelo castanho-avermelhado na altura dos ombros, enfrentando um homem
adulto que apontava uma arma para ela.

—… ão… me …aça… — veio através dos sons ininteligíveis.

— A qualidade do som está horrível, mas se você ler os lábios dele, ele está
dizendo que não quer atirar nela. — Tai disse.

Mais sons estranhos vieram do vídeo, e então houve um borrão de ação. Se


eu não fosse uma vampira, teria precisado de câmera lenta para ver Katie se
arremessando para frente, desviando da bala que o homem disparou antes de
chutar as pernas dele e bater o cotovelo em sua garganta.

— Essa é ela sendo orientada a neutralizá-lo, — Tai informou sombriamente.

Eu sabia que ela matou pessoas, mas saber e ver eram duas coisas
diferentes. Ela não hesitou sequer por um segundo, e nada mudou nas
expressões da garotinha quando ela se levantou e ficou em posição de sentido,
indiferente ao corpo agonizando aos pés dela. Que uma criança possa mostrar
tanta indiferença enquanto destrói uma vida me gelou até a alma. Ela parecia
não ter ideia do que fez.
Mas, como ela poderia ter? Tudo o que ela recebeu em resposta foram
algumas poucas palavras curtas de elogio do Madigan pela sua velocidade. Ele
também estava no vídeo, assistindo Katie por trás de uma parede de vidro. Eu
tive que me controlar para não socar a tela quando a imagem ficou nítida o
suficiente para ver sua expressão presunçosamente satisfeita.

Será possível para Katie desaprender todo o comportamento violento e


inconsciente que Madigan ensinou a ela? Mesmo que sim, é possível que ela
seja tão fisicamente programada para usar suas habilidades, que não consiga
reprimi-las o suficiente para fingir ser humana para sempre? Porque é isso que
ela vai precisar fazer se formos mantê-la seguramente escondida. Afinal, a
menos que ela seja trancada em uma cela a vida inteira, Katie teria que sair em
público em algum momento. Uma exibição de velocidade ou força sobre-
humana na frente da pessoa errada, e tudo iria para o inferno.

Na tela, Madigan dispensava Katie. Uma porta oculta abriu, e a garotinha


desapareceu através dela. Ela não deu mais que uma olhada para o corpo
atrás dela, também. Eu estava tão preocupada com as chances de
recondicionar Katie em uma garotinha normal, de certa forma, que levou alguns
segundos para o comentário do Tai “Esse cara velho deve ser quem vocês
estão procurando” penetrar.

Mais alguém apareceu por trás da parede de vidro de onde Madigan


observava Katie. A princípio, tudo o que eu podia distinguir era um homem
cinquentão – acho que isso é velho para um adolescente – com cabelo grisalho
e que tinha a mesma altura do Madigan, embora fossem mais fortes. Bones
sibilou quando a imagem borrada clareou e o rosto dele ficou distinto. Eu arfei,
também o reconhecendo. Tai sorriu.

— Pensando bem. Eu já o vi na TV antes.

Assim como a maioria da América. Richard Trove era o antigo chefe de


gabinete da Casa Branca e atual conselheiro político. Você não podia passar
pelos canais durante a última eleição presidencial sem topar com ele, mas eu
só conseguia pensar em uma razão para ele estar na instalação subterrânea
secreta assistindo a uma criança tri-espécie feita por engenharia genética
executar algum coitado sob ordens.

Ele era o backup misterioso do Madigan.


N ós duvidávamos de que houvesse mais alguém acima do Trove, mas,

mesmo assim, só para garantir, Denise se transformou em uma réplica dele e


entrou na cela do Madigan. Como com Don, Madigan o reconheceu de
imediato e parecia encantado em falar com ele. Após várias horas de
principalmente bobagens, nós colhemos migalhas de informação o suficiente
para nos convencer de que a bola parava com Richard Trove. Ele estava no
poder quando a operação do Don começou, e embora ele tenha deixado o
governo desde então, ele era altamente considerado o poder por trás de vários
senadores atuais e pelo menos um antigo presidente. Além disso, ele é rico o
suficiente para financiar a operação do Madigan por conta própria, se ele não
quisesse pagar as despesas através de um fantoche político.

Após pesquisar um pouco, Tai descobriu que Trove estaria em New York
nesse fim de semana para um jantar político de arrecadamento de fundos. Nós
não sabíamos onde ele estaria após isso, o que significa que nós teríamos que
escolher entre ir atrás dele ou da Katie. Trove venceu, já que nós já tínhamos
dois vampiros e um fantasma rastreando Katie. Nós mandados para o Ian a
informação que Timmie conseguiu sobre a possível localização dela, então
contribuímos com uma quantidade astronômica de dinheiro para conseguirmos
reservas para o jantar de levantamento de fundos. Finalmente, fomos fazer
compras.

A quinze mil dólares o prato, nós não podíamos aparecer de jeans e


camiseta.

Dois dias depois, nós fizemos o check in no Waldorf Astoria, na Park


Avenue. As sete em ponto da noite seguinte, nós estávamos de pé na fila para
entrar no Grand Ballroom. A segurança estava apertada já que mais do que
algumas figuras políticas importantes eram esperadas. Não foi problema,
Bones tinha vários aliados que foram cidadãos cumpridores da lei por décadas.
Só foi preciso Tai invadir alguns bancos de dados para postar as fotos, então
conseguir um falsificador confiável para imprimir os documentos, e pronto.

— Senhor e senhora. Charles Tinsdale. — Bones disse para o agente do


Serviço Secreto verificando os participantes do jantar. Então ele estendeu seu
convite e carteira, com a nova carteira de motorista virada para cima. Após
aquilo ser verificado, ele passou pelas portas de metal, a luz verde indicando
que ele não levava nenhuma arma.

Eu fiquei surpresa por não ter que remover o lindo colar de diamantes e
brincos que Kira me emprestou, ou meu anel de casamento, antes de passar
pela máquina. Entretanto, outro agente do Serviço Secreto me fez esvaziar
minha pequena bolsa carteira, revelando batom, pó compacto e meu celular.
Eu sorri enquanto aceitava a bolsa de volta antes de unir meu braço ao do
Bones.

Claro, nós estávamos aqui para matar alguém, mas nós não seríamos
óbvios sobre isso.

Então nós fomos para o andar principal do Grand Ballroom. A extravagante


sala branca e dourada de três andares estava banhada em um suave brilho
azul que lentamente mudava para roxo, laranja e rosa enquanto caminhávamos
entre as mesas ornamentadas. Havia suportes altos com velas e rosas entre
elas, sua forma me lembrando as árvores Truffula, do conto do Dr. Seuss. As
flores e candelabros refletiam os tons diferentes das luzes que continuavam
mudando de cor, adicionando uma linda luminescência ao ambiente já
elegante.

Nós passamos por dois senadores e um congressista que eu reconheci da


Teve Senado, mas além de um educado cumprimento e sorriso, eu não dei
nenhuma atenção a eles. Eu também tentei bloquear seus pensamentos, já
que o bem-estar dos seus contribuintes não era o que eles tinham em mente. O
que passava pelas minhas barreiras eram variações do mesmo “quem é você e
o que você pode fazer por mim?” Com algumas diferenças de ciúme, ódio e
luxúria no meio.

Então, até Trove chegar, eu escolhi focar no meu marido. O terno do Bones
era cinza carvão, e seu cabelo cacheado curto estava de volta ao seu tom
castanho profundo natural. Eu estava contente por ele acabar com aquele
branco chocante; aquilo trazia muitas memórias ruins. Ao invés de estar
totalmente barbeado, ele deixou uma fina camada de barba sombrear seu
queijo e mandíbula, dando uma aparência mais severa as suas feições
perfeitamente esculpidas. Ninguém sabia quem ele era, mas sua maior
desvantagem era ser inesquecível uma vez que era visto.

Como disfarce, eu também tingi o cabelo, escolhendo preto em homenagem


as minhas intenções sombrinhas. Estava para cima em um coque complicado
que o estilista do hotel levou uma hora para fazer. Lentes de contato azuis
cobriam meus olhos cinzentos como metal, e meu vestido era de um rosa
suave, o forro e a renda sobreposta apenas alguns tons mais rosados que
minha pele pálida. A cor discreta não combinava com o meu humor, mas eu
estava tentando me misturar, e não me sobressair usando um vermelho “eu
vou matar você”.

Garçons serviam vinho, champanhe e aperitivos chiques. O jantar ainda


levaria uma hora, e Trover ainda não tinha aparecido, então Bones e eu
bebericamos champanhe enquanto batíamos papo com todos que se
aproximavam de nós, contanto nossa história de sermos um casal rico
recentemente transferidos de Londres. Ninguém perguntou por que Bones era
o único com sotaque britânico. Na verdade, raramente falavam comigo exceto
para elogiarem minha aparência. Meu feminismo estava ferido, embora minha
praticidade agradecesse. Era difícil ver uma acompanhante ingênua como
ameaça.

Nosso plano foi nos misturarmos até chegarmos em Richard Trover quando
ele chegar, levá-lo até um daqueles quartos privados, hipnotizá-lo para fazer
ele nos contar se ele tinha alguma outra instalação secreta, e então Bones
apertaria o coração dele usando a telecine até ele morrer. Simples e limpo, e
uma autópsia mostraria apenas uma parada cardíaca. Acontece todo dia, nada
para ver aqui, pessoal.

O problema era que acabou se revelando mais coisas sobre Trove do que o
vídeo mostrava.

Com o salão cheio de centenas de convidados, perfumes, colônias e loções


pós-barba se misturaram ao cheiro de comida, odores corporais, álcool e
cigarro. O resultado foi uma profusão química que ficou tão forte que eu não
notei o outro cheiro imediatamente.

Bones notou. Seu corpo todo ficou tenso logo antes de sua aura se fechar
com tanta força que me chutou para fora das suas emoções.

— Qual é o problema? — eu sussurrei.

Sua resposta foi baixa, ressonante e cheia de um ódio gélido.

— Demônio.
Quando segui o olhar do Bones, meu pessimismo não ficou surpreso em
descobrir que estava voltado para Richard Trove. Aquela familiar e nojenta
onda de enxofre penetrou entre os outros cheiros enquanto o educado homem
mais velho com a aparência de Jack Kennedy começou a vir em nossa direção.
As pessoas ao redor de Trover não pareciam estar cientes do cheiro emanando
dele, e ele deve ter escondido os pontos vermelhos em seus olhos com lentes
de contato.

Parte de mim achava muita graça que um demônio conseguiu enganar


Madigan e fazê-lo acreditar que era humano esse tempo todo, mas o resto
estava se perguntando o que diabos nós faríamos. Demônios não podem ser
hipnotizados, e estava para nascer um que concordaria em cooperar
calmamente.

Trove notou meu corpo primeiro. Seus olhos se demorando nele como se
meu vestido tivesse ficado subitamente transparente. Quando ele finalmente
arrastou o olhar para o meu rosto e viu que o que ele estava fazendo não
passou despercebido, ele sorriu de um jeito charmoso que dizia “você me
pegou.”

Então seu sorriso desapareceu enquanto ele me encarava. Seus olhos se


estreitaram, e ele gesticulou uma palavra que eu não precisei ouvir para saber
que ele me reconheceu.

Crawfield.

Tanto por fazer isso simples e limpo…


Capitulo Vinte e Oito.

M ais rápido que o ataque de uma cobra, o poder do Bones explodiu,

envolvendo Trove. O político famoso parou, uma expressão estranha


enrugando suas feições. Então Bones aumentou aquele aperto invisível ao
redor dele com todo o ódio que ele tem por demônios. Considerando que um o
possuiu ano passado e quase o forçou a me matar, era um ódio significante.

Sob aquela pressão terrível em todo o corpo, Trove não deveria ser capaz
nem de respirar, muito menos dar um passo. Ainda assim, ele fez ambos, e sua
expressão estranha se transformou em uma de êxtase.

— Isso faz cócegas em todos os lugares certos, — ele ronronou em seu


sotaque de garoto do Texas.

Meu queixo caiu. Pelo poder fervilhando dele, Bones não estava tendo
problemas de desempenho. Como Trove podia ainda estar vindo em nossa
direção? Bones devia estar se perguntando a mesma coisa. Ele duplicou a
dose que enviava ao Trove.

A subsequente explosão de energia foi como a detonação e uma bomba. Os


humanos no lugar podem não ter sentido, mas aquilo me jogou para trás com
força suficiente para me fazer bater no garçom atrás de mim. Nós caímos em
uma pilha de champanhe e vidro quebrado e, ainda assim, Trove continuou
vindo.

Como ele está fazendo isso? Minha mente gritou. Bones usou menos poder
quando levitou uma dúzia de guardas através de uma rede de laser!

Trove estava apenas a alguns metros agora. Eu agarrei um pedaço grande


de vidro em um instinto de alcançar qualquer arma disponível. Então soltei. Ele
não tinha batimento cardíaco, então era um demônio corpóreo, não um espírito
demoníaco possuindo um humano. Dessa forma, apenas uma coisa podia
matá-lo: osso de demônio fincando entre os olhos. E nós não tínhamos
nenhum.

— Você parece ter levado um tombo feio, minha jovem, — Trove disse em
um tom de bate papo. — Deixe-me ajudar você.

O demônio estendeu a mão, abaixando. Antes que a pele dele roçasse em


mim, Bones o puxou para trás. Por alguma razão incompreensível, sua
telecinese não parecia afetar Trove, mas seu aperto funcionava muito bem.

— Não. Toque. Nela.

Cada palavra foi sibilada com ódio cru. Pessoas ao nosso redor começaram
a sussurrar por trás das mãos. Homens musculosos com fones nos ouvidos
começaram a abrir caminho pela multidão. Agentes disfarçados do Serviço
Secreto, sem dúvida. Trove sorriu para eles, levantando as mãos tanto quanto
o aperto do Bones permitia.

— Está tudo bem, amigos. Como eu costumava dizer quando era jovem, não
é uma festa até que algo se quebre.

Então ele falou mais baixo para o Bones: — Se você não quer que eu
comece a matar espectadores inocentes, solte-me.

Bones sorriu de volta, mas não soltou o braço do Trove.

— Um salão cheio de políticos? Vá em frente.

— Bones.

Eu levantei, puxando o garçom comigo sem tirar os olhos dos dois. — Não.

Além de que nem todo político merecia aquele destino, os familiares deles
estavam aqui, também. Assim como funcionários do hotel e, além disso,
repórteres. Se as coisas tomarem um rumo sobrenatural e letal, estaria em
todos os noticiários antes que pudéssemos conter.

— Eu acho que tomei muito champanhe. — Eu disse de forma


envergonhada, colocando meu braço em volta do Bones. — Querido, leve-me
para tomar um ar?

Ele estava tão tenso que o corpo dele parecia aço sob meu toque. Eu tentei
puxá-lo discretamente, mas ele não se moveu. Os agentes do Serviço Secreto,
que começaram a se afastar com a declaração tranquilizante de Trove, viraram
de volta. Pelos pensamentos deles, eles estavam prestes a agir.
— Aqui não, — eu sussurrei quando Bones ainda assim não se moveu.

Então falei mais baixo para o Trove, — Você nos acompanharia?

O demônio sorriu, exibindo dentes tão brancos que ele deve pagar para
clareá-los.

— Claro.

Então ele olhou para o aperto que Bones ainda tinha no braço dele,
levantando uma única sobrancelha grisalha. Por fim, Bones o soltou,
mostrando os dentes muito brevemente para aquilo ser chamado de sorriso.

— Depois de você, companheiro.

Nós subimos as escadas para o segundo nível do Grand Ballroom, onde


havia muito menos pessoas. Trove dispensou impacientemente uma escolta do
Serviço Secreto que tentou acompanhá-lo, fazendo minha desconfiança
aumentar. Claro, ele não tinha ideia de que nós sabíamos como despachar um
demônio, mas por que ele parecia quase ansioso para ficar sozinho conosco?

Eu só podia pensar em um motivo: Ele pretendia nos matar. Pretencioso da


parte dele escolher um lugar público para fazer isso. Ele sabia o que nós
somos, e vampiros só morrem de forma bagunçada, não que eu tenha alguma
intenção de morrer essa noite.

Assim que estávamos longe da maior parte dos olhos curiosos, a máscara
de charme simpático do Trove escorreu, e eu peguei um vislumbre da pessoa
verdadeira por baixo. Dizer que era como olhar nos olhos de uma besta era um
insulto aos animais.

— Você poderia me atingir com mais daquele poder delicioso? — Ele disse
ao Bones. — É tão bom que eu quase gozei.

— Que tipo de demônio é você? — Eu perguntei por cima do rosnado do


Bones.

— Um Ornias, — Trove respondeu, me surpreendendo. Eu não estava


realmente esperando uma resposta. Bones bufou com raiva.

— É por isso que meu poder não funciona em você. Sua espécie absorve
energia e se alimenta disso.
Eu não sabia que demônios que absorvem poder existiam, mas eu só tive
experiência com alguns. O primeiro marcou Denise, o segundo possuiu e
quase matou Bones, e o terceiro tentou me fazer negociar minha alma em troca
de informação. Dizer que eu não gostava da espécie deles era um eufemismo.

Trove tremeu no que pareceu uma lembrança deliciosa.

— Eu tenho que drenar a energia vital de mais de uma dúzia de humanos


para absorver um décimo do que aquilo que você acabou de jogar em mim. Eu
quero sentir isso de novo, que é uma das razões pelas quais você ainda está
vivo.

— Acha que pode me matar? — Um sorrisinho perigoso curvou a boca do


Bones. — Você é bem-vindo a tentar.

Abaixo de nós, os ricos e poderosos continuavam a se misturar, ignorantes


sobre o quão perto da morte estavam. Se Trove largar sua atuação humana e
for para cima do Bones, ninguém estará seguro na luta. Nós não tínhamos
nenhum osso de demônio, e os poderes do Bones só faziam a criatura ficar
mais forte, mas eu não o deixaria machucar meu marido. Pelas suas palavras e
o ódio contido vazando dos escudos do Bones, ele também não estava prestes
a acenar a bandeira branca.

— Por que você ajudou Madigan em sua tentativa de criar super soldados
tri-espécies? Normalmente, nossas espécies não se metem nos negócios um
do outro.

Minha voz estava brusca. Ou o demônio responderia, ou não, mas não me


custava nada perguntar.

Trove afastou seu olhar cor de âmbar do Bones por tempo suficiente para
passá-lo por mim de uma forma que me fez pensar que surgiria um rastro de
lodo onde ele pousava.

— Você tem ideia do quanto eu odeio vampiros? — Ele perguntou em uma


voz de bate papo. — A única coisa mais nojenta são os comedores de carne, e
embora as raças de vocês tenham chegado perto uma ou duas vezes, vocês
simplesmente não se adiantam e destroem uns ao outros.

Eu tentei não mostrar meu choque quando finalmente entendi. Madigan não
tinha ideia do que ele estava arriscando ao misturar DNA vampiro e ghoul em
um humano para criar uma nova subespécie. Trove, entretanto, sabia
exatamente o que aconteceria. A guerra resultante foi a intenção dele o tempo
todo.

Bones riu, baixo e provocador. — E você pensou que achou um jeito de


resolver nosso problema de paz? Desculpe desapontar.

— Meu povo chegou aqui primeiro.

A voz do Trove perdeu seu suave sotaque do Texas, revelando uma


entonação gutural e um sotaque que eu nunca ouvi.

— Então as suas espécies surgiram, — ele cuspiu. — Humanos eram fácies


de dominar, mas não suas raças. E como vocês protegiam sua preciosa
comida de nós! Vocês nos levaram à beira da extinção, forçando-nos a nos
esconder por milênios, até que nenhum dos lados se lembrasse o quão perto
meu povo chegou disso. A única razão de eu saber o que aconteceu é porque
eu estive lá.

Eu me perguntei por que ele estava nos contanto isso. Demônios não se
importam se nós entendemos suas motivações. O que ele estava armando?

— Finalmente, em 1400, ghouls e vampiros começaram a se levantar uns


contra os outros. — Trove continuou. — Foi uma surpresa perceber que tudo o
que foi preciso foi uma mestiça francesa e a ameaça de mudança que ela
representava. Infelizmente Joana foi sacrificada muito rápido. Ela quase fez as
raças de vocês se aniquilarem.

— E mais de seiscentos anos depois, outra mestiça apareceu, — Eu resumi.


— Você deve ter pensado que era natal no inferno.

Trove sorriu de um jeito que parecia realmente divertido.

— Com os avanços na ciência, eu pensei. Quando ouvi que Don descobriu


outra mestiça, eu larguei tudo por você, Catherine Crawfield. Derramei dinheiro
no departamento que o seu tio criou e me certifiquei de que Madigan
continuasse fazendo experimentos com seu material genético após Don demiti-
lo. De que outra forma eu garantiria meu sucesso se você, como Joana D’Arc,
morresse antes de dar resultados?

Suas revelações estavam começando a me lembrar dos clichês nos filmes


antigos de vilãos: monólogos. Pela suspeita nas emoções do Bones, ele estava
preocupado com isso também. Trove tinha que ter uma razão oculta para isso.
Ele estava protelando, esperando por reforços demoníacos chegarem?

Foi quando eu percebi que Bones havia nos conduzido para perto de uma
das janelas altas com vista para a cidade. Nossa rota de fuga, se
precisássemos.

Como se lesse meus pensamentos, Trove olhou para a janela, então


acenou.

— Fiquem à vontade, mas, como eu disse, eu não quero que você se


machuque. Vampira ou não, eu te quero viva, Catherine. De outra forma, eu
teria te matado há muito tempo. Você tem ideia de quantas vezes alguém do
meu pessoal esteve ao lado do seu corpo inconsciente, após você voltar de
uma das missões do seu tio?

Quando estreitei os olhos, ele sorriu, exibindo aqueles dentes preparados


para o horário nobre novamente.

— O nome Brad Parker te lembra alguma coisa?

Lembrava, mas eu não conseguia lembrar quem… espere!

— O assistente de laboratório que trabalhava para o Don. — Bones disse


com um rosnado. — Eu o matei anos atrás, após ele a trair para o pai dela.

Agora eu lembrava quem Brad era. O dia em que Bones o matou também foi
o dia em que ele conheceu Don e revelou para mim que meu chefe era, na
verdade, meu tio. Após aquilo, a morte de um assistente de laboratório traidor
era quase acidental.

Trove deu de ombros.

— A ambição de Parker levou a melhor sobre ele, mas isso é normal para
gente como ele. Além do mais, ele já tinha servido ao seu propósito.

— Transportar o sangue dela para Madigan após Don demiti-lo? — O tom do


Bones pingava desdém. — Você falhou aí, companheiro. Apenas um dos
experimentos dele funcionou, e você já pode considerá-la morta, assim que a
encontrarmos.

Eu me encolhi, mesmo que Bones não queira realmente matar Katie. Trove
não parecia acreditar nele também. Seu sorriso aumentou.

— Você não vai matar aquela garotinha. Ela não vai te deixar matar.

Ele estava jogando a carta mulherzinha? Eu ajeitei meus ombros,


endurecendo minha expressão e voz.

— Terminar uma vida para salvar milhões? Sem debate. A garota morre.

Trove fez um “tsc,tsc,tsc” desaprovador enquanto vermelho brilhava através


das lentes de contato cor de âmbar.

— Onde o mundo vai parar quando alguém mataria sua própria filha?

Na palavra “filha”, um rugido começou em meus ouvidos. Eu abafei aquilo,


rindo como se ele tivesse contado uma piada.

— Eu acho que não. Diferente dos homens, as mulheres meio que sabem
quando têm filhos, com toda aquela coisa da gravidez e trabalho de parto.

— Oh, você nunca esteve grávida, — Trove disse, dispensando aquilo


enquanto seus olhos ficavam mais brilhantes. — Mas A80 é sua filha mesmo
assim.
Capitulo Vinte e Nove.

B ones o tinha pela garganta antes que eu pudesse reagir, sua mão pálida

apertando até o pescoço do demônio quebrar com um som audível. Tudo que
Trove fez foi se encolher.

—… ausando… uma… ena… — Ele balbuciou.

Embora nós estivéssemos no canto mais afastado da parte mais deserta do


segundo nível do salão, a qualquer segundo, ficaria claro que estava
acontecendo mais do que um bate papo privado. E eu estava subitamente
desesperada para ouvir o que o demônio tinha a dizer, mesmo enquanto me
lembrava de que isso não podia ser possível.

— Solte-o. — Eu ordenei ao Bones.

— Ele está te atormentando para se divertir. — Bones rosnou.

Eu puxei o braço dele. Com força.

— Eu disse solte-o.

Bones o soltou. Trove oscilou antes de estalar o pescoço com força para
colocá-lo no lugar.

— Toque-me novamente e eu farei isso, — ele sibilou.

O demônio desapareceu durante alguns segundos, antes de reaparecer no


mesmo lugar. A única evidência do seu feito impressionante foi um aumento do
cheiro de enxofre.

Eu não estava com humor para comentar seu truque de festa.

— Como eu posso ser a mãe dessa garota se você admite que eu nunca
estive grávida?

Trove passou uma mão pelo seu cabelo espesso, colocando-o de volta no
lugar após o tratamento duro do Bones bagunçá-lo.
— Como eu disse, avanços na ciência. Com toda a patologia que Don pediu
quando você começou com ele, não foi nada difícil para Brad Parker infiltrar
remédios de fertilidade. Foi mais difícil para ele extrair óvulos durante as vezes
em que você voltou inconsciente de uma missão, mas quando ele conseguiu,
você nunca notou as marcas de agulha depois. Com todos os seus outros
ferimentos, por que notaria? No total, Parker extraiu para nós mais de cem
óvulos. Todos foram fertilizados e implantados em barrigas de aluguel, mas
apenas um sobreviveu.

Então o demônio se aproximou, sorrindo.

— Madigan ficou impaciente com a baixa taxa de sucesso da sua fertilização


in vitro, então ele solicitou ao seu tio te fertilizar. Isso o fez ser demitido, e Don
monitorou você mais de perto. Parker sabia que não podia arriscar mais
extrações, então, após alguns anos, ele encontrou outra forma de ganhar
dinheiro às suas custas, traindo você para o seu pai.

— Você está mentindo.

Eu forcei as palavras a saírem, embora o redemoinho de emoções tornasse


difícil suportar isso, que dirá dizer. Então endireitei a coluna e falei novamente.

— Você está mentindo. A garotinha que eu vi tem que ter pelo menos dez
anos de idade. Eu comecei a trabalhar para o Don há menos de oito anos
atrás.

— A80 fez sete anos no mês passado, — Trove respondeu. — A mãe de


aluguel levou apenas cinco meses para tê-la, e hormônios de crescimento
cuidaram do resto. Madigan queria ver o que o seu novo brinquedo podia fazer,
e assim que ele adicionou DNA ghoul na composição genética dela, minha
nossa, A 80 se desenvolveu.

Aquele tornado voltou para destruir meu equilíbrio. Cinco meses. Foi esse o
tempo em que minha mãe me carregou no ventre, e eu estava totalmente
desenvolvida no nascimento. Se tivessem me dado hormônios de crescimento
e uma dose adicional de DNA morto-vivo, eu poderia ter parecido anos mais
velha quando tinha sete anos, também.

Bones segurou meus braços quando meus joelhos começaram a dobrar,


apesar da minha resolução de não acreditar em nada disso. Demônios
mentem, eu me lembrei. Mesmo que o que Trove diga seja cientificamente
possível, isso não fazia nada daquilo verdade.

— A impaciência do Madigan também o tornou obcecado com você, —


Trove continuou alegremente. — Ele não queria esperar A80 ficar madura o
suficiente para produzir seus próprios óvulos, e suas tentativas de replicar
sinteticamente a tripla natureza dela meramente resultou em milhares de
objetos de teste mortos. Estou acostumado a esperar, então alguns anos a
mais não significam nada para mim, mas então você tinha que atacar a base
dele e dar à fedelha a chance de escapar.

Ele parou para me dar um olhar tolerante.

— É por isso que você está aqui, não é? Para ver se eu sei onde ela está?
Eu não sei, mas não vou te impedir de procurá-la. Na verdade, eu quero que
você a encontre. Assim que encontrar, por favor, faça testes para comprovar
que cada palavra que eu disse é verdade.

— Se é, por que você nos diria isso? — Eu sufoquei.

O demônio apenas sorriu e, com claridade brutal, eu entendi.

Agora que Katie está fora do seu alcance, ele precisava que eu soubesse
que ela é minha filha. É a garantia dele de que eu arriscaria tudo para mantê-la
viva, e perto de mim, Bones e nossos aliados. O demônio quer guerra, e ele
não pode ter uma se ninguém está disposto a lutar. Bem, Trove acabou de me
dar algo pelo que eu mataria e morreria, como queria. Ele provavelmente
esperava que nós fôssemos aparecer essa noite, para que ele pudesse dar
com a língua nos dentes. Se não tivéssemos, ele provavelmente nos
procuraria, sem saber que nós tínhamos meios para matá-lo.

É uma pena que não tenhamos trazido a faca de osso. Nesse momento, não
havia nada que eu amaria mais do que enfiá-la entre os seus olhos por se
vangloriar sobre a forma horrível que ele usou, e ainda pretendia usar, uma
criança que pode ser minha.

Bones estava tão perto, que eu senti seu celular vibrar no bolso. Ele ignorou,
e alguns segundos depois, o meu tocou na minha bolsa.

Trove olhou para baixo com um sorriso de entendimento.

— Você pode querer atender. É importante.


Antes que eu pudesse responder, ele desapareceu.

— Q uão grave é? — Foram as primeiras palavras do Bones quando ele

entrou na casa do seu co-regente.

Mencheres foi até a entrada, sua expressão amarga enquanto ele estendia
um iPad.

— Muito grave. —Ele disse simplesmente.

Bones pegou o tablete. Uma olhada para a tela explicou a chamada urgente
do Mencheres. Apesar do nosso choque com a revelação do Trove, nós
voamos até estarmos exaustos, então roubamos carros para chegarmos até
aqui. Agora nós sabíamos que Trove não estava meramente esperando que
Bones e eu aparecêssemos na arrecadação de fundos. Ele estava preparado
para isso.

VAMPIROS ENTRE NÓS! Gritava a manchete da página de internet. Mais


incriminadoras, enquanto Bones deslizava a tela, eram as páginas e mais
páginas de relatórios dos experimentos do Madigan, completas com vídeos
mostrando uma criança de olhos brilhantes assassinando vários oponentes
adultos sob comando.

Como os discos rígidos foram queimados, apenas uma pessoa teria essa
informação, embora, é claro, o nome do antigo chefe de gabinete da Casa
Branca não estivesse em nenhum lugar desses documentos.

— Trove, — eu sibilei. — Enquanto ele estava tagarelando, nós não éramos


os únicos sendo informados da dimensão total dos experimentos do Madigan.
Qualquer um com olhos e uma conexão com a internet também estava!

— Estão aparecendo mais sites com teorias da conspiração e


criptozoologistas repassando a informação. — Mencheres disse, concordando
sombriamente. — Tai está tentando derrubá-los para retardar o progresso da
informação, mas… há muitos.

Para ilustrar seu ponto, Mencheres minimizou a página e abriu outra.

NÓS NÃO ESTAMOS SOZINHOS, MAS NÃO É QUEM VOCÊ ESTÁ


PENSANDO, a nova manchete anunciava, seguida de extensivos relatórios de
patologia referentes à natureza tri-espécie da Katie – e o que tornou aquilo
possível

Eu estava muito devastada para sequer xingar enquanto Mencheres abria


site atrás de site cheios com ainda mais informações direcionadas a inflamar o
relacionamento entre ghouls e vampiros. Ele estava certo; era tarde demais
para conter isso. Já havia se tornado viral, assim como Trove pretendia.

Claro, a maioria das pessoas vendo esses documentos escaneados não


saberiam quem Espécie A1 é, muito menos acreditar a que fertilização in vitro
do óvulo de uma meio-vampira resultaria em uma criança um quarto vampira,
que era capaz de absorver DNA ghoul em sua composição genética. Quero
dizer, eu era Espécime A1, e ainda assim eu tinha dificuldades em acreditar.
Considere o fato de que a maioria dos humanos não sabia que vampiros ou
ghouls existem e a reação, a julgar pelos comentários, estava sendo de
escárnio.

Mas o problema não eram os humanos, que pensavam que tudo isso era um
trote. Era todo mundo que sabia que não era.

Por fim, Bones entregou o tablete mesmo que eu ainda estivesse lendo com
uma crescente sensação de apocalipse.

— Nós precisamos… — Ele começou, então parou abruptamente quando


uma loira delgada com delicadeza de boneca de porcelana abriu a porta da
frente sem bater.

— Precisamos o quê? — Veritas perguntou friamente.

Eu não gemi em voz alta, mas foi por pouco. Uma Guardiã da Lei se
metendo? As coisas foram de horríveis para trágicas.

— Veritas, — Mencheres disse, sua voz agora tão suave quanto manteiga
congelada. — Bem-vinda.

Ela deu a ele um olhar que dizia que ela sabia que era tão bem-vinda quanto
um purulento caso de herpes, mas acenou com o cumprimento. A loira bonita
pode parecer ter a mesma idade que Tai, mas ela é mais velha que Mencheres
e quase tão poderosa quanto. Ela também tem todo o peso do conselho
regente de vampiros por trás dela. Para ela aparecer sem aviso apenas
algumas horas após o vazamento significa que eles estavam pirando tanto
quanto Trove esperava.

Não importa o que aconteça, eu tenho que matar aquele demônio por tudo o
que ele fez.

Então o olhar da Guardiã da Lei repousou em mim. Por um segundo, eu


pensei ver pena em seus olhos verdes. Antes que eu pudesse ter certeza,
entretanto, aquilo sumiu, deixando nada exceto resolução de pedra.

— Você sabe por que eu estou aqui, — ela disse. — O conselho já votou, e
a decisão deles é final. Diga-me onde a criança está. Isso tem que ser
destruído.

— Isso é uma garotinha que não pediu por nada disso! — Eu explodi.

Seu olhar firme não tremeu.

— E nem você, de acordo com os documentos liberados, que é o motivo de


você não estar sendo presa por traição.

Eu avancei com tudo antes de a mão do Bones no meu braço me impedir.

— Você está dizendo que o conselho teria considerado traição se eu


intencionalmente tivesse tido uma criança quando era mestiça?

Agora eu tinha certeza sobre a simpatia que passou pelo rosto de Veritas.

— Pessoas como você e eu não escolhemos nosso destino.

Uma nota melancólica tingiu a voz dela antes que isso, e suas feições,
endurecessem mais uma vez.

— Se você ainda não sabe disso, no devido tempo, você aprenderá. Agora,
diga-me onde a criança está.

Mesmo se ela não fosse minha filha, mesmo que tenham feito lavagem-
cerebral nela além de reparos e nós nunca tenhamos sucesso em escondê-la,
eu não podia sentenciá-la a morte respondendo com a verdade.

— Eu não sei.

Katie merecia o que nunca foi dado a ela antes. Uma chance. Eu sabia o
que estava arriscando fazendo isso, mas que escolha eu tinha? Talvez fosse a
fé que me fizesse acreditar que Deus não permitiria que nossas raças
destruíssem uma à outra por não matar uma criança pelo crime de ser
diferente.

Então eu olhei para o Bones, notando o quanto ele tinha fechado sua aura e
o quão rígidas suas expressões estavam. Ele não olhou para mim, também.
Seu olhar era todo para a Guardiã da lei, cujo olhar ficou afiado.

Parecia que minha alma tinha prendido a respiração, apavorada. Eu farei


qualquer coisa para proteger você, ele jurou. Ele entregaria a localização da
Katie para me impedir de tentar salvá-la? Isso podia custar a minha vida, e nós
dois sabíamos.

Não, eu pensei, desejando desesperadamente que ele ainda pudesse ler


minha mente. Por favor, Bones. Não.

— Se você está procurando pela criança, — ele disse em uma voz calma,
seu poder congelando a minha boca quando eu comecei a interrompê-lo —
comece com Richard Trove. Ele é o demônio que financiou a criação dela.
Quanto a Madigan, leve-o com você quando partir. Nós não colhemos nada útil
dele. Talvez você tenha mais sorte.

Então ele virou as costas, efetivamente dispensando-a.

Eu ainda não podia falar, já que ele ainda não tinha liberado sua mordaça
telecinética, mas Veritas não sabia disso. Eu virei de costas com ele,
segurando sua mão para transmitir o agradecimento que as palavras não
seriam capazes, de qualquer forma.

Bones apertou de volta, uma promessa silenciosa de que nós estávamos


nisso juntos. Agora eu realmente sentia que tínhamos uma chance. Juntos, nós
temos sido capazes de fazer coisas incríveis.

Veritas soltou o que soava como um suspiro.

— Você percebe o que acontecerá se o conselho descobrir que você está


mentindo?

Bones olhou sobre o ombro, dando de ombros.

— Seremos sentenciados à morte?

— Nada menos que isso, — ela disse. — Se você quer mudar sua resposta,
você pode fazer agora, sem repercussão.

Como um pedaço de fita sendo arrancado, senti o poder do Bones libertar


minha boca. Dando-me a chance de desmentir, se eu escolher.

Por um momento, eu hesitei. A memória dele murchando em meus braços


ainda estava fresca e inexpressivamente horrível. Eu nunca queria
experimentar aquilo de novo, mas se nós formos atrás da Katie, isso pode
resultar na morte do Bones.

Ele pode ter lido o medo em meus olhos. Ou talvez fosse o meu cheiro que
me traiu. Muito lentamente, ele levou minhas mãos aos lábios e as beijo.

— Eu te amo, Kitten, — Ele respirou contra minha pele.

Então ele as largou, virando para olhar duro para a Guardiã da Lei.

— Nós demos nossas respostas, Veritas. Agora, se você não se importa,


feche a porta atrás de você quando sair.
Capitulo Trinta.

V eritas não levou Madigan com ela. Bones queria matá-lo, já que nós não

precisávamos mais dele para descobrir quem era o seu backup, mas eu tinha
algumas perguntas para o meu antigo inimigo. Trove pode ter falsificado os
arquivos que postou, ainda assim, em algum lugar na mente quebrada de
Madigan, ele sabia a verdade sobre a mãe biológica de Katie.

Levou horas para arrancar isso dele. Em adição aos buracos do tamanho do
Grand Canyon nas memórias do Madigan, ele também tinha a atenção de um
furão sob efeito de crack. Pela manhã, entretanto, ele conseguiu se lembrar de
migalhas de informação o suficiente para confirmar as alegações de Trove
sobre Katie ser minha filha. Se fantasmas pudessem desmaiar, Don teria
apagado quando percebeu que era aí que o interrogatório que eu o fiz fazer ao
Madigan levava.

Eu mesma estava tentada a desmaiar, por subitamente me tornar algo que


eu nunca pensei que seria: uma mãe. Esse era um desafio onde todas as
minhas habilidades de luta eram totalmente inúteis. A minha infância não foi um
exemplo de cartão postal para me inspirar, também. Por meu pai ter feito
lavagem cerebral vampíricamente em minha mãe, eu fui criada acreditando que
era metade maligna. Eu odiava ser diferente de todo mundo, e agora eu tinha
uma criança com uma dose dupla dessa “diferença” nela.

Claro, isso significa que eu sabia tudo o que não fazer. Por exemplo, eu
nunca diria para a minha filha que ser diferente é algo para se envergonhar.
Katie pode ter que se esconder para viver, mas mesmo que isso custe tudo de
mim, ela saberá que sua natureza única não é o problema. O preconceito das
pessoas é que é. E ela nunca, jamais terá que temer que um dia ela fará algo
que a fará me perder. Eu não tive essa segurança enquanto crescia, e eu
posso não saber muito sobre maternidade, mas eu sei o quanto dói quando
parece que se você cometer um erro, perderá sua família.

Se depender de mim, Katie nunca conhecerá esse sentimento. Mas primeiro,


eu tinha que garantir que ninguém a matasse, antes ou depois de eu ter uma
chance de conhecê-la oficialmente.

É por isso que Bones e eu não fomos para Detroit, apesar do meu desejo de
ir direto para lá para encontrar minha filha. Ao invés disso, após dormir
algumas horas para estarmos em nossa melhor condição para lutar, nós fomos
para o Sul.

Uma tempestade tropical agitava as águas no Lago Pontchartrain, sacudindo


o barco que nós roubamos como se ele fosse um brinquedo em uma banheira.
Não foi isso que fez meu estômago se apertar em nervosismo, entretanto.
Comparado ao que eu estava prestes a fazer, se o barco virasse seria
divertido.

À distância, o litoral para onde seguíamos não estava tão iluminado como de
costume. A tempestade deve ter derrubado a energia em vários lugares, mas a
queda de energia nunca era a maior preocupação de Nova Orleans. Eram as
represas. A Cidade Crescente estava recebendo um impacto direto, embora,
felizmente, fosse uma tempestade tropical ao invés de um furacão forte o
suficiente para romper as represas.

Eu não sabia se o mau tempo nos ajudaria, ou prejudicaria minha missão,


mas quando Bones disse “Agora, Kitten” eu pulei do barco sem hesitar. Os
pesos que prendi em mim me mantiveram bem abaixo da superfície,
entretanto, como pretendido, não eram suficientes para me levar até o fundo. A
tempestade deixou a água turva. Mesmo com a máscara mantendo a água
salgada longe dos meus olhos, minha visão foi limitada a apenas alguns metros
à minha frente, desorientando-me.

Pressionei um botão no relógio de mergulho no meu pulso. A luz verde que


ele emitia combinava com o brilho dos meus olhos enquanto ele exibia um
mapa digital. Então eu chutei algumas vezes, experimentando minhas novas
nadadeiras de mergulho. Satisfeita com o quão facilmente elas me moviam
pela água. Eu queria toda a ajuda que pudesse ter para conservar minha
energia.

Algumas horas depois, eu escalei o muro que contornava o Rio Mississippi,


arrancando minha máscara, roupa de mergulho e nadadeiras assim que estava
de volta à terra firme. Por baixo daquilo, eu vestia leggings e um tope de
mangas cumpridas, ambos pretos como meus sapatos de mergulho e cabelo
molhado.
Pode não ser a roupa ideal para uma noite úmida em Nova Orleans, mas
minha pele teria me denunciado como vampira para aqueles que sabiam o que
procurar, e eu não queria que ninguém soubesse que eu estava fazendo uma
visita à residente mais famosa da cidade essa noite. Marie tinha espiões em
cada aeroporto, estações de trem, docas e estradas em Nova Orleans, mas
nem mesmo a rainha voodoo dos ghouls podia vigiar cada metro quadrado do
rio, muito menos os canais que levavam do Lago Pontchartrain para o imenso
Mississippi. É por isso que eu flutuei sob a cobertura das ondas, e agora
caminhava com o que parecia uma lentidão agonizante pela autoestrada até a
Rua Quatro, em direção ao Bairro Jardim.

Eu não precisava mais do mapa no meu relógio. Eu visitei o Bairro Jardim


em minha primeira visita aqui, anos atrás, com Bones. Como muitos outros, eu
me maravilhava com as casas lindas e grandiosas, algumas construídas antes
da Guerra Civil. A Rua Prytania era uma das minhas preferidas, e a casa bege
e rosa de dois andares, cercada por um portão com arbustos espreitando pelas
barras de ferro era uma que eu me lembrava bem.

Don se lembrava dela, também. Só foi preciso uma olhada para a foto online
para ele dizer “É essa,” apontando um dedo transparente para a tela. Ele foi
atraído para a casa de Marie quando estava viajando por linhas de poder
procurando por mim, na época em que eu tinha o poder da sepultura dela. Por
essa razão, a maioria dos fantasmas sabia onde Marie vive. Outros vampiros e
ghouls também sabiam, mas apenas alguém com um desejo de morte
apareceria sem se anunciar.

É por isso que Marie não tinha guardas de prontidão. Sua casa também era
uma das poucas na cidade que não tinha fantasmas vagando ao redor. Don
disse que ela parecida “protegida”, o que significa que Marie a estocou com
sálvia queimando, maconha e alho. Até mesmo a rainha voodoo deve querer
uma pausa do sobrenatural de vez em quando.

Essa noite, ela não conseguiria. Eu saltei sobre a grade cercando sua
propriedade e caminhei para a porta da frente. Ao invés de bater, eu a derrubei
com um chute. Isso deveria ter atraído a atenção dela, mas no improvável caso
de não atrair…

— Marie, — eu gritei. — Nós precisamos conversar.

Claro, minha entrada dramática seria desperdiçada se ela não estiver em


casa.

— É você, Reaper? — uma voz familiar disse, dispensando aquela


preocupação. — E se é, você perdeu a cabeça?

Marie apareceu no topo da escada, vestido um robe branco de seda por


cima de uma camisola cor de linho do mesmo tecido. Ou ela estava indo para a
cama mais cedo, ou estava de divertindo de uma forma pessoal. Eu não me
importava com o que interrompi.

— Nunca estive pensando mais claramente, — eu respondi. — e tenho


certeza de que você sabe por que eu estou aqui.

Marie sorriu daquela forma graciosa que as mulheres do sul aperfeiçoaram,


mas eu não deixei sua expressão agradável me enganar. Ela não era uma
Magnólia de aço*. Ela era um tanque de ataque coberto por uma manta de
rosas.

*Mulheres do sul que são consideradas fortes, embora tenham aparência


delicada.

— Se você partir agora, Reaper, eu vou pensar sobre não matar você.

Claro, ela não parecia nem um pouquinho assustada por eu invadir sua
casa. Eu estava sozinha, e desarmada, como minha roupa justa revelava, e ela
podia invocar Remnants o suficiente para me reduzir a uma mancha no carpete
em minutos. Mesmo que Bones tivesse vindo comigo, poderia não equilibrar as
chances. Ele pode ter dominado sua telecinese o suficiente para controlar
humanos e máquinas, mas conseguir usar isso com sucesso contra um dos
ghouls mais poderosos que já existiu? Dificilmente.

Eu podia fazer ainda menos com a habilidade de telecinese que absorvi


dele. Minha habilidade de mover brevemente objetos pequenos e inanimados
era inútil contra uma oponente como Marie… a menos que a arma mais mortal
dela se esconda em algo muito pequeno.

Eu me concentrei no anel dela com o mesmo desespero movido pelo medo


que me fez invadir a casa da rainha ghoul. Ele voou do dedo dela, quicando
pela escada em minha direção.

Marie ofegou e correu atrás dele. Eu me joguei para frente, pousando nas
costas dela antes que ela chegasse no meio das escadas. Então eu girei até
não estar mais olhando para os pés dela. Aquilo deu a ela a chance de me dar
um soco para trás que parecia ter feito meu cérebro se soltar. Ao invés de me
defender do seu próximo golpe, eu enrolei um braço ao redor do pescoço dela
e enfiei o outro na sua boca aberta.

Ela mordeu com força o suficiente para quebrar o osso, mas mesmo assim
eu o mantive enfiado entre os dentes dela com determinação sombria. Melhor
ela derramar o meu sangue do que o dela. Então eu abaixei a cabeça e enfiei
as presas no seu pescoço, sugando o sangue dela por tudo o que era
importante para mim.

Marie começou a se sacudir como se tivesse se transformado em um cavalo


premiado. Eu segurei firme, selando minha boca nos furos e engolindo seu
sangue com gosto de terra tão rápido quanto podia. Sua luta ficou mais
frenética, e, ao invés de tentar me arrancar dela, ela nos esmagou na parede.
Nós passamos direto, e embora eu tenha conseguido manter minha boca no
pescoço dela, ela passou o braço na ponta de uma viga exposta antes que eu
pudesse impedi-la.

O pequeno corte que aquilo fez foi suficiente. Assim que seu sangue estava
exposto, um uivo ensurdecedor soou, vindo de lugar nenhum e todos os
lugares ao mesmo tempo. Então dor me atingiu em ondas agonizantes. Por
alguns momentos, eu não podia pensar além da angústia enquanto dúzias de
Remnants me dilaceravam com a ferocidade de tubarões em uma frenesia
alimentar. Marie tomou vantagem, me empurrando para trás e soltando meu
aperto em seu pescoço.

Então eu me lembrei de como fazer aquilo parar. Marie deve ter percebido
minhas intenções. Ela me agarrou, tentando enfiar suas mãos na minha boca
como eu fiz com ela. Minha necessidade de fugir da dor me tornou mais forte,
entretanto, e eu afastei a cabeça.

— Para trás, — eu rosnei, rasgando meu pulso com as presas.

Sangue pingou em um rastro vermelho pelo meu braço, mas os Remnants


continuaram a me rasgar. Marie aproveitou a chance, enfiando o braço entre
meus dentes para me impedir de derramar mais sangue. Eu o rasguei com a
mesma violência que ela teve comigo, mas tudo o que ela fez foi nos arrastar
para fora do buraco que ela fez na parede. Na escada, ela me empurrou nos
degraus, pulando nas minhas costas para me segurar lá. Com sua força e o
ataque dos Remnants, eu não podia me libertar.

— Eu te avisei, Reaper, — ela rosnou sobre os berros das suas criaturas. —


Você devia ter partido quando teve a chance.

Se eu tivesse qualquer dúvida de que ela pretendia me matar, aquilo a


apagou. Desespero me atingiu enquanto o rosto do Bones aparecia em minha
mente. Nós apostamos em que eu seria capaz de afastar os Remnants se eu
bebesse o sangue da Marie, para absorver seu poder. Eu manifestei as
habilidades dela imediatamente da última vez, mas se eu as tinha agora, o
controle dela sobre eles era forte demais.

Os Remnants aumentaram seu ataque, ficando mais fortes enquanto se


alimentavam da minha dor. O rosto da Katie passou pela minha mente em
seguida, suas feições nebulosas porque na única vez em que eu a vi face a
face, eu não estava interessada o suficiente para memorizá-las. Uma nova
onda de agonia passou por mim, mas não tinha nada a ver com os Remnants
me dilacerando de dentro pra fora.

Agora eu nunca seria capaz de dizer a ela o quanto eu sentia por ter perdido
os primeiros sete anos da vida dela. Ou contar a ela que Madigan não podia
mais machucá-la, e que havia mais – muito mais! – nesse mundo do que a
feiura que mostraram a ela. Ou dizer a ela que embora ela esteja sozinha
agora, ela não foi abandonada, e apesar de ela ser diferente de todo mundo,
aos meus olhos, ela era perfeita em todos os sentidos…

Aquela dor abrangente parou. Sua ausência clareando a minha mente o


suficiente para ver vidro quebrado na base da escada. Por um segundo, eu
fiquei confusa. Eu entrei pela porta, não pela janela…

Bones.

Eu senti a dor dele antes de vê-lo rolando no chão, coberto pelos mesmos
Remnants que estiveram me rasgando. Rangendo os dentes, eu tentei
arremessar Marie para longe, mas um novo grupo de Remnants apareceu, me
derrubando com um novo ataque.

— Não! — eu tentei gritar, embora, com o braço de Marie ainda enfiado em


minha boca, só saiu um grunhido.

De repente, os movimentos de Marie ficaram lentos, como se ela tivesse


sido envolta em cimento e estivesse tentando sair de lá. Compreensão
floresceu e, com isso, esperança. Bones estava usando seu poder nela. Apesar
da dor que ameaçava quebrar minha mente assim como meu corpo, eu
aproveitei a oportunidade, me jogando para longe da rainha ghoul.

O braço de Marie foi arrancado da minha boca, deixando pedaços entre


minhas presas que eu cuspi. Antes que eu pudesse morder minha própria
carne, entretanto, ela enfiou o outro braço entre meus dentes, se movendo tão
rápido que ela deve ter se livrado do poder do Bones.

— Mate-o, — ela rosnou, seu braço livre ainda sangrando pelas minhas
presas.

Os Remnants começaram a dilacerar o Bones com mais fervor, aumentando


em números até eu não poder mais vê-lo. Eu também não podia ouvi-lo. Os
uivos que eles faziam eram muito altos.

Determinação surgiu de forma tão poderosa em mim, que ela me adormeceu


para a dor. Eu não falharia com a minha filha, e eu não iria – não iria! – ver
Bones morrer de novo.

Eu não tentei afastar Marie dessa vez. Ao invés disso, eu agarrei o braço
que ela enfiou entre meus dentes e o puxei com toda a minha força.

Ele caiu, atingindo a escada com força o suficiente para revesti-la de


vermelho. Eu não parei para saborear o grito dela, mas mordi meu lábio forte o
bastante para rasgá-lo.

— Para trás! — Eu rosnei entre o instantâneo jorro de sangue.

Gelo disparou pelas minhas veias como se eu tivesse sido congelada. Ao


mesmo tempo, um rugido sobrenatural encheu meus ouvidos, abafando os
gritos dos Remnants e o uivo furioso de Marie. Ele aumentou como se
estivesse tentando explodir minha mente com vozes muito numerosas para
contar, mas, apesar disso, eu sorri.

Eu sabia o que era isso. Quando falei novamente, minha voz ecoava com
inúmeras outras que foram emprestadas da sepultura.

— Para. Trás!

Os Remnants se lançaram para longe como se Bones e eu tivéssemos nos


tornado venenosos. Então eles deslizaram pelas paredes como sombras
prateadas sinuosas. Marie disparou, ou para me agarrar ou para correr, mas
ela não conseguiu sair um centímetro do lugar antes de parar tão abruptamente
quanto se tivesse atingido uma parede.

Lentamente, dolorosamente, eu a afastei, então joguei seu braço decepado


escada abaixo. Ele bateu no último degrau, caindo com uma pancada a alguns
metros do Bones.

— Como eu disse antes, Marie, — eu rosnei, — nós temos que conversar.


Capitulo Trinta e Um.

N ossa conversa teve que esperar, porque os policiais apareceram. Um

dos vizinhos de Marie deve ter ligado para a polícia por causa dos barulhos.
Sem surpresa, os oficiais que vieram investigar eram ghouls. Seu endereço
sendo sinalizado por uma perturbação preocuparia mais do que as autoridades
normais.

Marie chutou seu braço decepado para baixo da cadeira mais próxima e
escondeu o novo que crescia com uma colcha antes de atender a porta. Claro,
Bones ameaçou matá-la a menos que ela cooperasse, mas eu acho que ela fez
isso por outra razão. Pedir ajuda ou mostrar o quanto ela foi ferida seria o
mesmo que admitir que dois vampiros tinham chutado o traseiro dela em sua
própria casa – algo que a rainha ghoul nunca admitiria. Ainda assim, Bones
manteve seu poder em volta do pescoço dela enquanto ela fava com os
oficiais. Após alguns minutos, ela os dispensou, e então cobriu a entrada com a
porta quebrada.

— O que você quer comigo? — ela exigiu quando nos encarou de novo.

Bones arqueou uma sobrancelha. — Antes que eu responda, há mais


alguém aqui?

O olhar que ela lançou para ele estava cheio de hostilidade. — Não. Quando
estou em casa, eu aprecio minha privacidade.

Nós não esperávamos que ela fosse uma boa perdedora, então eu não
comentei o visual dela. Ou seu tom venenoso.

— Nós queremos que você deixe a criança em paz, — eu disse, tremendo


pela minha nova conexão com a sepultura. A morte é fria, e como os Remnants
mostravam, está sempre faminta.

— Isso significa não mandar fantasmas, ghouls ou capangas para procurar


por ela. E, claro, sua promessa de nunca matá-la. O mesmo conosco.

Marie começou a rir, um som baixo e zombeteiro que ainda conseguia ter
sombras de divertimento real.

— Se essa é a sua exigência, você veio em vão. Eu já dei a ordem. Meu


povo procura por ela enquanto falamos.

— Vamos esclarecer uma coisa, Majestic.

Bones caminhou até ela, sua aura crepitando com raiva mal controlada.

— Quando você atiçou seus amiguinhos fantasmagóricos em mim na


primeira vez, eu quis arrancar sua cabeça. Fazer isso outra vez essa noite me
fez realmente querer, mas ser forçado a observar enquanto eles dilaceravam
minha esposa?

Ele se esticou, acariciando o pescoço dela com um toque enganosamente


gentil.

— Isso me fez querer tanto te matar, que eu dificilmente consigo pensar em


outra coisa, — ele terminou em um sussurro letal.

Então a mão dele se fechou ao redor da garganta dela, apertando até


barulhos de coisas quebrando serem os únicos sons na sala. Os olhos cor de
avelã de Marie começaram a encher de vermelho, e os Remnants ficaram
agitados.

— Bones, — eu disse severamente. — Não.

Se nós queremos salvar Katie, precisamos de Marie. Se a matarmos, nós


estaríamos apressando uma guerra que era só potencial com os ghouls, e
embora nós talvez possamos conseguir despistar os Guardiões da Lei, com a
rede de fantasmas de Marie, qualquer um que ela quiser encontrar, ela
encontrará, e quanto antes, melhor.

— Nós viemos te fazer uma oferta, — eu prossegui. — Uma que será


mutualmente benéfica.

Com o punho do Bones apertando tão forte que seus dedos estavam ficando
brancos, ela não podia rir, mas a boca dela se esticou em um sorriso dolorido.

— Ela não pode falar a menos que você a solte, — eu disse uma voz
impaciente.

Ele a soltou com óbvia relutância, apesar de seu poder continuar enrolado
no pescoço dela. Não apertado, frouxo, como uma cobra decidindo se estava
ou não com fome.

Marie esperou seu pescoço curar até a sua forma normal antes de falar.

— Qual é a sua oferta?

— Nós lhe daremos as pessoas responsáveis por criar uma criança


interespécie: Richard Trove e Jason Madigan. Você pode executá-los para
solidificar sua posição como rainha dos ghouls. Em troca, nós queremos que
você jure por seu sangue que vai recolher seu pessoal e concordar com todas
as nossas exigências anteriores sobre a garotinha e nós mesmos.

Parte da hostilidade sumiu da expressão dela.

— Eu sei que ela é sua filha, Reaper, mas você tem que entender que nada
exceto a morte dela impedirá nossas raças de entrarem em guerra.

As palavras não eram surpresa; as emoções nelas eram. Minhas presas,


que tinham recuado, de repente saltaram para fora enquanto eu lutava com
uma urgência de rasgar a garganta dela por ousar dizer tal coisa.

— É por isso que você dirá a todo mundo que você já a matou, — eu
respondi em uma voz muito mais calma do que eu me sentia. Descrença
apareceu em sua suave pele café com leite.

— Se a verdade for descoberta, meu povo irá me despedaçar!

O sorriso do Bones foi uma mistura de gelo e aço.

— Por isso você estará motivada a manter a sua palavra, se sua honra
acabar sendo fraca.

Marie o fuzilou com o olhar por um momento. Então ela soltou um suspiro
profundo.

— Mesmo que eu queira, o que você pede é impossível.

O pescoço dela amassou quando o poder do Bones se flexionou em uma


forca instantânea. — Se isso é verdade, então você não é útil para nós.

Eu agarrei o braço dele, insistindo para ele não aumentar aquela pressão
castigadora. Foi quando eu notei o quão quente ele estava. Ele deve ter se
alimentado logo antes de entrar pela janela dela.

— Dê outra chance, — eu disse, tão baixo que ela não seria capaz de me
ouvir. Então olhei para Marie.

— Seu povo passou centenas de anos em cativeiros por causa da raça


deles. Mesmo após todo esse tempo, essa memória deve queimar.

A cabeça da Marie sacudiu quando Bones a liberou para responder. A


conexão que nós compartilhávamos agora deixou-me sentir sua raiva como se
aquilo pulsasse pelo ar.

— Não. — ela rosnou. — Você não tem o direito, garota branca.

— Eu não tenho, mas Katie tem. Até ela fugir, cativeiro foi tudo o que ela
conheceu, também, e agora ela está sentenciada à morte por causa da raça
dela. — Minha voz ficou rude. — Ou você acredita que isso é errado, ou não.

Marie continuou a olhar feito para mim, mas não disse nada.

De uma vez, parecia que a temperatura tinha caído quinze graus. Ao mesmo
tempo, fome surgiu com uma agonia que me lembrava de acordar como uma
nova vampira. Os Remnants começaram a balançar como se ouvissem uma
música que mais ninguém podia ouvir. Eles estavam sendo reativados.

— Pare com isso, — eu disse. — Se você tentar usá-los em nós novamente,


Bones vai arrancar a sua cabeça.

Marie me deu um olhar irritado.

— Não sou eu que estou canalizando eles. É você.

— Kitten. — A voz do Bones estava suave, mas urgente. — Olhe para mim.

Ele segurou meus ombros e eu quase o afastei. Parecia que os dedos deles
estavam escaldantes. Foi só quando seus dedos se apertaram, me segurando
no lugar, que eu percebi que estava balançando como os Remnants.

Marie estava certa. Embora eu não estivesse tendo a mesma reação louca
que tive da primeira vez que bebi o sangue dela, eu estava sendo puxada para
o abraço faminto e gélido da sepultura. Eu forcei aquilo para trás, tentando
esquecer sobre o quão bom aquele frio estava começando a parecer. Então
sacudi a cabeça para me livrar dos sussurros que não vinham dos
pensamentos dos vizinhos. Se eu me perdesse para isso, poderia levar dias
para me recuperar, e nós não tínhamos esse tempo.

Se recomponha! Eu me ordenei. Foque no Bones. É ele que é real, não esse


poder faminto e gelado, e—

— Por que você está aqui? — Eu deixei escapar de repente. — Nós


concordamos que você só viria depois que eu ligasse e dissesse que estava
tudo limpo. Por que dessa forma, se as coisas fossem para o buraco, você
ainda estaria vivo para ajudar Katie.

Um sorriso mordaz retorceu seus lábios.

— Eu cheirei o seu medo quando Veritas perguntou se nós queríamos


mudar nosso depoimento. Você nunca temeu por si, então eu sabia que era
medo por mim.

Então ele me puxou para perto, seus lábios escovando minha testa
enquanto suas mãos percorriam minhas costas de uma forma que era tão
suave quanto possessiva.

— É por isso que eu não cumpri nosso acordo, Kitten. Se você não pudesse
derrotar Marie para se salvar, eu sabia que você não me deixaria morrer.

Que suposição mais irresponsável e arrogante, e que humilhante que ele


esteja certo. O que ele não sabia era a outra razão pela qual eu tinha lutado
mais forte do que eu achava que podia para poder viver.

Katie. Eu não podia deixá-la morrer, também.

Pensar nela, sozinha lá fora, deu-me a força para sufocar aquele canto de
sereia da sepultura. Pronta ou não, agora eu era mãe, e minha filha precisa de
mim. Eu não podia decepcioná-la. Muitas pessoas já fizeram isso. Eu não iria
acrescentar meu nome à lista.

Incentivada por aquele pensamento, eu segurei as mãos do Bones, feliz por


elas não parecem mais estar me queimando. As vozes também se foram, e
embora eu ainda estivesse faminta, o abismo sem fundo dentro de mim tinha
diminuído. Satisfeita por não estar prestes a desmoronar, voltei minha atenção
para Marie.

— Se você não quer fazer isso pelas razões certas, faça pelas razões
egoístas. Nós precisamos que você se dedique nisso tanto quanto nós, então,
ou você chama de volta o seu pessoal e diga para todos que você matou Katie,
ou nós vamos te matar.

Ela soltou um suspiro que parecia sustentar todo o cansaço do mundo, e


quando seu olhar escuro encontrou o meu, ele estava resignado.

— Eu me lembro do cativeiro do meu povo, Reaper, e é por isso que se


fosse tão simples quanto dizer que a criança está morta, eu faria isso. Não
apenas para salvar minha vida, mas porque eu sou melhor do que aqueles que
uma vez escravizaram a minha raça.

Então sua voz ficou quebradiça com rancor.

— Mas a menos que haja uma execução pública, eles vão continuar
caçando-a. Mesmo que eu jure que a matei, eles não ficarão satisfeitos, e
nossas raças eventualmente entrarão em guerra. Eu não posso permitir isso,
então faça o que você precisa.

Com aquilo, eu achei que Bones fosse arrancar a cabeça dela. Uma grande
parte de mim queria que ele fizesse. O que ela desenhou foi um futuro com
nada exceto morte para Katie, e eu não podia aceitar isso.

Pelo olhar sombrio no rosto de Marie, ela também achava que Bones a
mataria. É por isso que nós duas ficamos chocadas quando tudo o que ele fez
foi bater no queixo de forma pensativa.

— Execução pública, hum? Se nós te prometermos isso, você concordará


com o resto dos nossos termos?

— Você perdeu a cabeça? — Eu perguntei, horrorizada.

— Concordará ou não? —Ele pressionou, me ignorando.

A suspeita fez as sobrancelhas de Marie se unirem em uma única linha


negra.

— Você veio aqui para negociar pela vida da criança. Agora você está
disposto a executá-la?

Bones mostrou os dentes em um sorriso feroz. — Publicamente.

— O inferno que estamos! — eu rosnei, batendo nele forte o suficiente para


fazê-lo cambalear.

Seu poder explodiu, prendendo-me no equivalente sobrenatural a uma


camisa de força.

— Kitten, — ele disse muito lentamente. — Confie em mim.

Marie nos encarava com o mesmo grau de desconfiança, mas também havia
curiosidade em seu olhar.

— Concordo. — Ela disse. Então ela aceitou a faca que Bones estendeu,
cortando a mão com um único movimento brusco. — Eu juro por meu sangue.

O aperto invisível dele deixou o pescoço dela.

— Então chame o seu pessoal de volta, — Bones disse, apertando minha


mão suavemente. — Nós faremos o resto.
Capitulo Trinta e Dois.

E ssa parte do lado oeste de Detroit me lembrava de fotos que eu vi da

Alemanha após a invasão Aliada. Edifícios abandonados como gigantes de


concreto surrados pelas ruas que pareciam desertas, até surgirem movimentos
de roupas ao redor delas. A maior parte das lâmpadas da rua estava apagada,
o que explicava as latas de lixo queimando, já que a noite de verão não estava
fria. De vez em quando, uma sirene distante irrompia entre os outros sons, mas
embora brigas, vidros quebrando e um tiro ocasional serem comuns, eu não vi
um único carro de polícia.

Bom para nós. Mau para quem quer que chame esse lugar abandonado da
América de lar.

— Cat!

Fabian flutuou até mim, seu rosto se iluminando com um sorriso lindo. Então
um movimento no topo de um dos prédios mais baixos chamou minha atenção.
Eu fiquei tensa até reconhecer o vampiro caminhando até a borda.

— Bem-vinda. — Ian disse, soando qualquer coisa menos sociável. —


Espero que goste do cheiro. Mais um pouco de esgoto a céu aberto, e aqui
seria exatamente como o lugar em que eu cresci.

Outra forma apareceu por trás dele. Em algum momento, desde a última vez
em que eu vi Tate, ele barbeou o rosto e cortou o cabelo em seu usual corte
militar.

— O Senhor Fresco não para de reclamar desde que chegamos, — ele


murmurou. Então Tate franziu, olhando mais para baixo na rua vazia.

— Por que você tem um monte de fantasmas te seguindo?

Eu me virei para ver cerca de uma dúzia de fantasmas seguindo há quinze


metros atrás de nós. Bom. Nós esperávamos que o poder emprestado de Marie
seduzisse os fantasmas como se eles fossem mariposas e eu uma chama
brilhante. Detroit era uma cidade grande, e apesar de Ian e Tate sentirem o
cheiro dela em vários lugares, eles ainda não tinham conseguido pôr os olhos
nela.

Agora nós tínhamos reforços, e graças ao poder da sepultura correndo pelas


minhas veias, os fantasmas seriam obrigados a obedecer meus comandos.

— Onde você acha mais provável que a Katie esteja? — Eu perguntei,


evitando a pergunta do Tate.

Sua testa franzida disse que ele notou minha omissão, mas ele respondeu
sem outro comentário.

— Pelo que nós conseguimos, ela fica mudando de lugar, mas o cheiro dela
tem sido mais forte em um antigo depósito de livros, a antiga fábrica de
automóveis Packard, a antiga Estação Central e uma igreja velha na Avenida
East Grand.

— Obrigada.

Então eu encarei os fantasmas, que flutuaram para mais perto quando


acenei, chamando-os.

— Preciso que vocês encontrem uma garotinha para mim, — eu disse a


eles. — Ela tem cerca de um metro e vinte de altura, cabelo castanho-
avermelhado, e os olhos dela podem brilhar. Ela provavelmente está escondida
em um dos lugares que meu amigo mencionou. Se vocês a virem, só digam
para mim ou esse fantasma aqui. — Eu falei, acenando para Fabian.

Meu séquito se dispersou assim que eu terminei de falar. Fabian partiu com
eles antes que eu pudesse especificar que ele não estava incluído naquela
ordem. Tate balançou a cabeça, chocado, mas um olhar conhecedor passou
pelo rosto do Ian.

— Você está de volta ao molho da Marie.

Bones voou para o teto. Eu o segui, pousando com apenas alguns passos
extras para me equilibrar.

— Sim. — eu disse.

— Que molho? E quem é Marie? — Tate perguntou, lembrando-me que ele


perdeu muita coisa enquanto trabalhava para o Don nos últimos anos.
— Não é importante agora, — Bones disse. — Essas notícias é que são.

Eu não disse nada enquanto ele contava sobre Richard Trove ser um
demônio e o porquê de ele ter ajudado Madigan por quase uma década. Eu
continuei sem falar enquanto Bones revelava que Katie é minha filha biológica,
e como isso é possível. Apenas após Ian perguntar “Se ela é a mãe, quem é o
pai?” é que eu quebrei meu silêncio.

— Os arquivos que Trove publicou nunca deram um nome. Desde que o


doador de esperma era cem por cento humano, ele era considerado… sem
importância.

Então eu pausei. Eu estive em dúvida sobre revelar essa próxima parte, mas
tanto foi escondido de mim que eu não podia fazer o mesmo com outra pessoa.
Especialmente um amigo.

— Eu perguntei ao Madigan, mas tudo o que conseguimos arrancar dele é


que o pai é um dos soldados com quem eu trabalhava na época, — eu
terminei.

Tate bufou de nojo.

— É por isso que eles continuavam pedindo amostras de todos os fluídos


em nossos corpos. Don disse que era para garantir que nenhum de nós
estivesse bebendo sangue vampiro escondido, então até mesmo ele poderia
não saber para quê aquilo era…

Sua voz sumiu enquanto ele ligava os pontos. Então ele caiu de joelhos
como se estivesse se rendendo sob o peso do entendimento. Eu não estava
tão afetada porque já tinha feito os cálculos. Cerca de duas dúzias de soldados
estavam trabalhando comigo durante meu primeiro ano. Alguns morreram em
missões, alguns se retiraram por causa do estresse, e alguns foram
transferidos para outras divisões, mas apenas um ficou lá o tempo todo.

— Meu Deus, — Tate arfou.

— Não é definitivo, — eu disse suavemente. — Pode ter sido um dos outros


caras, mas, Tate… mesmo que nós testemos vocês dois, não há como ter
certeza. Como você virou um vampiro, cada célula no seu corpo mudou. As da
Katie também, quando adicionaram DNA ghoul à composição genética dela.

Tate ainda parecia traumatizado ante a possibilidade de que a garotinha que


ele esteve tentando encontrar possa ser sua filha biológica. Finalmente, ele
correu uma mão pelo cabelo e olhou para mim.

— Se testes são inúteis, ela nunca saberá quem é o pai dela.

Bones deslizou a mão na minha, seu aperto forte e seguro.

— Ela sempre saberá quem é o pai dela.

Aquilo colocou Tate de pé em um segundo. Ian o puxou para trás quando ele
avançou no Bones.

— Você não vai… — Tate começou a falar, antes de sua boca congelar,
junto com o resto do corpo dele.

— Assim é melhor, — Bones disse com satisfação.

Eu não apreciava seus métodos de acabar com o argumento do Tate, mas,


realmente, nós estávamos sem tempo.

Eu cortei a distância entre eles e toquei o punho fechado do Tate, que ficou
congelado no meio de um golpe.

— Você tem uma chance em vinte – ou algo assim – de ser o pai biológico
dela, então, se você quiser ser parte da vida da Katie, é claro que você pode.
Bones não vai ficar no seu caminho, mas ele também estará lá por ela. Assim
como eu.

Então eu me inclinei para que Tate não pudesse evitar meu olhar.

— Mas, primeiro, nós temos que tirá-la daqui viva. Isso tem prioridade sobre
qualquer outra coisa, não tem?

Tate piscou, o que eu considerei um sim. Bones o soltou. Os dois homens se


encararam enquanto Tate sacudia seus membros como se para se assegurar
de que eles estavam novamente sob seu controle. Então ele fechou as mãos
em punhos, e um olhar de pura determinação cruzou suas feições.

De novo não, eu pensei, esperando que ele fosse se jogar no Bones outra
vez. Alívio me inundou quando tudo o que Tate fez foi estender a mão.

— Eu não gosto de você, e provavelmente nunca vou gostar, mas desse dia
em diante, eu estou disposto a uma trégua pelo bem de Katie.
Bones apertou a mão dele com um sorriso breve e sarcástico.

— Trégua aceita, e embora eu me sinta da mesma forma, assim como


Justina, parece que agora eu nunca vou me livrar de você, também.

Tate riu. — Eu esqueci que essa trégua inclui a mãe dela. Isso é algum tipo
de carma ruim que nós dois conseguimos.

Fabian voou para o teto, impedindo qualquer que fosse a resposta do Bones.

— Eles a encontraram! — O fantasma disse.

—isso foi malditamente rápido. — Ian murmurou.

Foi, mas, novamente, ninguém pode se esconder dos mortos.


Especialmente quando eles têm sua localização reduzida a uma área pequena.
Foi por isso que nós lidamos com Marie primeiro, ao invés de correr para cá.
Ela não sabia que Katie está em Detroit, mas em pouco tempo, ela a
encontraria.

Eu sorri para os quatro homens, sentindo a versão vampírica de adrenalina


correndo por mim.

— Certo, garotos. Vamos lá pegar nossa menina.

N ós pousamos no teto de um edifício grande e quadrado com grafite

cobrindo cada centímetro do parapeito. Do outro lado da rua, um prédio muito


mais alto bloqueava o luar, sua arquitetura linda em absoluto contraste com a
podridão que eu podia cheirar lá dentro.

— Onde nós estamos? — Eu sussurrei.

— Depósito Roosevelt, — Bones disse, também mantendo a voz muito


baixa. — Mais comumente conhecido como depósito de livros de Detroit.
Túneis conectam esse lugar com a velha estação de trem do outro lado da rua.
Talvez seja assim que Katie tem indo e vindo entre os dois.

Fabian acenou, parecendo triste enquanto olhava ao redor.

— Eu vim aqui, antes, quando era novo. Eu amo livros, mas, pra mim, ler é
muito difícil. Eu tenho que flutuar atrás das pessoas enquanto elas viram as
páginas…

— Fabian, onde o fantasma disse que viu Katie? — Eu interrompi.

Ele saiu da lembrança. — Siga-me.

Fabian passou através de uma das portas fortificadas na estrutura em cima


do teto. Impaciência me fez querer abrir aquilo no chute, mas isso seria muito
alto. Esperei enquanto Bones telecinéticamente retirava as madeiras e abria a
porta tão silenciosamente quanto as dobradiças enferrujadas permitiam.

Eu me encolhi com o barulho que aquilo fez, o rangido soando como duas
panelas se chocando, de tão esgotados que os meus nervos estavam. Lá
dentro, só foi preciso uma olhada para a escada de metal deteriorada para me
fazer gesticular “nós vamos voar”.

Bones agarrou Tate, segurando-o tão fácil que nem parecia que o outro
vampiro era pesado. Em silêncio, nós descemos a escada, seguindo Fabian,
que flutuava dentro e fora do espaço apartado, até desaparecer através de
outra porta.

Essa não estava fortificada. Ela estava arrebentada, deixando escapar um


sopro pútrido do cheiro por trás dela. Eu me espremi para entrar nela, o mais
silenciosamente possível, meus olhos se arregalando pela sala à frente.

O cheiro de fumaça era quase superado pelo fedor de papel podre, urina,
morte e desespero. Livros, revistas e manuscritos forravam o chão em pilhas
de meio metro de altura em alguns lugares, a tinta quase ilegível pelo tempo e
exposição à água. Pequenas criaturas haviam feito ninhos no entulho literário,
algumas delas ainda lá, embora em diferentes estágios de decomposição.

Pelo cheiro, eles não eram os únicos cadáveres nessa sala, mas, quando
Fabian me chamou, eu não parei para verificar o sapato saindo de uma pilha
de pergaminhos destruídos. Essa pessoa estava muito além da minha ajuda,
de qualquer forma.

O cheiro de fumaça fresca provocava meu nariz quanto mais perto eu


chegava do final da sala. Fabian parou, pairando perto do teto e apontando
para baixo.

Luzes de vela lançavam um suave brilho dourado em meio à pilha de livros


amontoados como um iglu pela metade. Do meu ângulo, eu não podia ver
sobre aquilo, então eu fui mais alto, tocando o teto em decomposição por
causa do meu ímpeto.

Eu peguei um vislumbre de uma garotinha curvada sobre um livro meio


podre quando o gesso esfarelando por causa da minha proximidade a fez
erguer a cabeça. Nosso olhar se prendeu, e, enquanto eu observava, o dela
começou a brilhar em um verde intenso. Meu coração dormente começou a
bater em um ritmo errático e estacado pela excitação.

Ela estava viva, e – assim que a tirarmos daqui – segura.

— Katie, — eu arfei, voando na direção dela.

Sua mão balançou como se ela estivesse acenando para mim. Então algo
queimou em meu peito. Bones soltou Tate e me agarrou, me girando. Aquilo
fez a sensação de fogo piorar, mas eu ainda me estiquei para ver Katie antes
de a intensidade da dor finalmente me fazer olhar para baixo.

Uma faca sobressaia por entre meus seios. O cabo era alguma estranha
combinação de papel e couro antigo, mas, pelo fogo que se alastrou pelo meu
corpo, a lâmina era de prata.
Capitulo Trinta e Três.

E u tinha esquecido o quanto dói ser esfaqueada no coração com prata. A

maioria dos vampiros só sentia isso uma vez; para minha sorte, essa era a
minha terceira vez. Por mais que a dor fosse horrível, ela não me assustou
tanto quanto a fraqueza que fez cada músculo amolecer em uma paralisia
instantânea. Então vieram a visão borrada e o zumbido no ouvido que fez tudo
parecer muito distante. Apenas a dor estava próxima, queimando o resto dos
meus sentidos sob uma cascada de agonia impiedosa.

Aquilo aumentou com uma ferocidade insuportável quando a faca no meu


peito se moveu. Alguém gritou, um som agudo e angustiado. Eu teria corrido
para qualquer direção para fugir daquela dor terrível, mas meus membros não
funcionavam. Pior, um peso enorme e opressivo caiu sobre mim, me
esmagando.

Talvez o prédio tenha desmoronado, uma pequena parte ainda funcional da


minha mente ponderou. Aquilo explicaria a sensação esmagadora e o
sentimento de que a faca foi arrancada com um brutal movimento de tesoura.
Se foi, eu deveria estar morta, então por que isso ainda doía tanto-

Outro grito me rasgou, e eu convulsionei enquanto terminações nervosas se


agitavam com movimentos repentinos e espasmódicos. Então eu vi o brilho do
luar e uma lâmina manchada de vermelho antes de ela amassar como se
estivesse sendo esmagada por um punho invisível.

— Kitten?

A dor sumiu com a voz dele, deixando-me tonta de alívio. Entretanto, a


fraqueza estava demorando a deixar meus membros, então eu precisei de
duas tentativas para sentar.

— Onde está a Katie? — Foram minhas primeiras palavras.

Um músculo tremeu no maxilar do Bones.

— Não sei. Ela correu depois de jogar a faca.


Eu me levantei em um pulo e prontamente comecei a cair, porque minhas
pernas se recusavam a me sustentar. Bones me pegou antes que eu caísse na
pilha de livros onde ele me deitou.

— Por que você não a impediu? — Eu gemi. — Você podia ter congelado
ela com seu poder!

Seu aperto aumentou, a luz no olhar dele ficando mais intensa até banhar
tudo ao nosso redor.

— Aquela lâmina pousou diretamente no seu coração, — ele respondeu


entre dentes cerrados. — Eu concentrei todo o meu poder para imobilizar a
faca e os tecidos ao redor dela para que você não morresse bem diante de
mim.

Sua aura rachou enquanto ele falava, acertando minhas emoções com uma
enxurrada de raiva, alívio e medo. Talvez tenha sido bom ele não usar seu
poder na Katie. Se ele a tocasse com isso enquanto estava tão nervoso, ele
poderia ter matado ela acidentalmente.

Eu agarrei a jaqueta dele, para me equilibrar e puxá-lo para mais perto.

— Ela não sabe o que está fazendo, Bones. É nosso papel ensinar a ela.

— Não se ela continuar tentando matar você, — foi sua resposta


instantânea.

Nossa primeira briga de pais. Típico que isso seja sobre algo de vida ou
morte, ao invés de até que horas ela podia ficar acordada vendo TV.

— Eu devia ter pensado melhor ao invés de voar para ela, quando ela nem
sabe quem eu sou ou se eu estava ali para machucá-la. Não vai acontecer de
novo.

Então eu encostei minha cabeça contra o peito dele, com um riso triste..

— Como se já não soubéssemos, isso prova que ela é minha filha. Eu


costumava esfaquear vampiros primeiro e me apresentar depois, também.

Ele fez um som sombrio, mas um pouco da raiva sumiu da sua aura.

— Eu me lembro bem disso, Kitten.


Barulhos no andar de baixo me fizeram pular para fora dos braços dele. Eu
só consegui me afastar alguns passos antes que parecesse que eu corri direto
para uma prede invisível.

— Você acabou de prometer ser mais cuidadosa, — Bones disse em uma


voz exasperada. — Correr com um corte mal curado em seu coração é o
oposto de cuidadoso, Kitten!

Certo. Pode levar dias para eu estar de volta à minha força total, e Katie é
mais rápida e hábil do que eu pensei. Se a parte lógica do meu cérebro não
estivesse três passos atrás dos meus instintos maternos recentemente
acordados, eu agiria com mais prudência.

— Você vai primeiro. — Eu disse. Vê? Muito cuidadosa.

Bones me deu um beijo rápido e feroz, então passou por mim, estalando os
dedos como se em antecipação.

— Lembre-se: sem punição pelo que ela fez. — Eu o avisei. — Ela é só uma
garotinha.

Seu sorriso predatório não aliviou minha preocupação.

— Você só aprende do jeito difícil, amor. Se ela está demonstrando suas


tendências, então só há um jeito de lidar com ela.

O barulho veio do porão, onde uma das muitas escadas em espiral

quebradiças levavam para as entranhas úmidas do edifício. Eu segui o Bones e


pulei, já que elas não pareciam capazes de suportar nem o peso da Katie,
quanto mais o de um adulto. Essa parte do antigo depósito tinha mais lixo do
que livros, e se a confusão mais à frente não indicasse o caminho, várias
pegadas novas indicariam.

— Ela está indo para os túneis! — Eu ouvi Fabian dizer.

Eu me apressei, mas minhas pernas ainda estavam bambas. Malditos


efeitos remanescentes do meu coração ser perfurado com prata. Eu não estive
tão fraca assim nem quando meu corpo todo foi inundado com isso.

— Você disse que esse edifício se conecta com a estação de trem abaixo da
rua?

Bones acenou, diminuindo para envolver um braço ao redor de mim,


suportando meu peso. Ele deve ter percebido minha leve oscilação.

— A estação de trem tem ainda mais túneis. — Eu disse, ficando mais


preocupada. — Nós não podemos perdê-la no labirinto subterrâneo, que deve
ser para onde ela está correndo.

Garota esperta! Eu pensei, e senti uma explosão de orgulho enquanto


afastava o braço do Bones.

— Você é mais rápido. Deixe-me e vá pegá-la. Estarei logo atrás e você.

— Katie! — Tate gritou, sua voz ecoando. — Pare!

Bones passou os olhos por mim, como se avaliasse minha capacidade,


então se virou e voou, sumindo na escuridão à frente. Eu também tentei voar –
e caí de cara no chão na mesma hora.

— Ai, — Eu gemi antes de cuspir o que eu esperava que fosse sujeira.


Então, com uma leve tontura, eu me levantei e comecei a correr na direção em
que Bones desapareceu.

— Se você ouvir a razão, boneca…

A voz do Ian ecoou pelas paredes antes que eu ouvisse um forte som de
pancada, e então um indignado: “Por que, sua pequena trombadinha?!”

Sua voz tinha distintos tons de surpresa e dor. Apesar de me sentir acabada,
eu sorri. Parece que eu não fui a única cujo traseiro Katie chutou.

— Basta.

A voz do Bones, acompanhada com uma explosão de poder que eu senti


mesmo estando uns duzentos metros atrás dele. Corri mais rápido, quase
tropeçando em lixo e escombros em minha pressa. Quando eu virei uma
esquina que se abria em uma sala das caldeiras, eu congelei com a visão que
me recebeu.

A camisa do Ian tinha um rasgo enorme, revelando um corte vermelho em


seu abdômen pálido que ainda estava curando. Em comparação, Tate tinha se
dado muito melhor. Ele só tinha um corte vermelho em seu ombro e mais
sangue fresco cobrindo sua testa.

Bones não tinha nem uma marca em sua roupa toda preta. Ele estava no
canto da sala, sua mão estendida como se fosse chamar um táxi.

Katie estava suspensa no ar, a uns cinco metros dele, suas pernas chutando
nada, já que o chão estava longe dos seus pés.

Eu me aproximei, saboreando minha primeira visão completa dela que não


envolvia um vídeo granulado. Seu cabelo castanho-avermelhado agora estava
quase preto de sujeira, fuligem, ou ambos. Ela o prendeu em um rabo de
cavalo com uma tira de lã que ela deve ter tirado da bainha da sua camisa
grande demais. Um par de calças igualmente grande estava enrolando para
cima nos tornozelos e amarrado em seu corpo magro com mais lã. Seus
sapatos também pareciam muitos números maiores que ela, mas ela tinha
amarrado uma corda com força ao redor dos pés para impedi-los de cair.

Se ela foi criativa com suas roupas emprestadas, aquilo não era nada
comparado à faca que ela apertava naquelas pequenas mãos pálidas. A lâmina
consistia em vidro quebrado afiado ao ponto da precisão, com couro de capa
de livro e fita fazendo o cabo. Prata brilhava nas extremidades da lâmina,
causando outra explosão de orgulho maternal distorcido. Ela quase me matou
com uma de suas facas caseiras, mas que ela era habilidosa, era. Deve ter
custado horas a ela para derreter prata suficiente para cobrir aquelas lâminas,
e apesar de o equilíbrio delas ser prejudicado por causa dos cabos, ela ainda
conseguiu jogar uma bem no meu ponto vital.

Eu cheguei mais perto, desejando saber qual era a cor dos olhos dela. No
momento, eles estavam acesos com o verde vampiro, seu brilho pousando no
meu rosto enquanto eu me aproximava.

Tantas emoções se agitaram enquanto eu olhava para ela. Superproteção e


preocupação eu esperava; ela passou por tanta coisa em uma idade onde sua
maior preocupação devia ser perder os dentes de leite. Medo e timidez eu
imaginei; eu queria tanto que ela gostasse de mim, e, claro, eu não tinha ideia
de como começar a construir nosso relacionamento. Oi, eu sou a sua mãe era
demais, e muito cedo, e se eu tentasse abraçá-la, ela provavelmente me
esfaquearia outra vez.

O que eu não esperava era o amor que me atingiu bem no coração. Ela
podia muito bem ter me atingido com a flecha do Cupido antes, de tão
repentino e forte que ele era. Eu, que há anos tenho problemas de confiança, e
que me recusei a admitir que amava Bones por vários meses em nosso
relacionamento, agora sabia, com absoluta certeza, que eu amava a pequena
diabinha homicida me olhando. Com aquele conhecimento, um grande e
estúpido sorriso se abriu no meu rosto.

Nós estávamos juntas agora. Nós resolveríamos o resto depois.

Precaução substituiu sua expressão estranhamente severa, lembrando-me


de puxar o freio do meu entusiasmo recém-encontrado. Sorrir para ela
enquanto ela está presa em uma rede telecinética me fazia parecer uma vilã
maluca.

— Oi, — eu disse no que esperava que fosse uma voz neutra. — Meu nome
é Cat. Não se preocupe, ninguém vai te machucar.

Ela olhou para o seu corpo suspenso, e então de volta para mim. Mentirosa,
seu olhar dizia claramente.

— Abaixe ela, — Eu ordenei ao Bones.

Ele saiu do canto, e o coração dela acelerou. Com suas roupas pretas,
casaco longo, cabelo negro e olhar de volta ao seu castanho natural, ele deve
quase ter se fundido com as sombras para ela.

— Eu sou o Bones, — ele disse em um tom rápido. — Foi o meu poder que
te sustentou ali, e eu posso fazer muito pior se quiser.

— Bones, — eu sibilei. — pare de assustá-la!

— Eu não estou assustando ela, — ele respondeu calmamente. — Estou


falando com ela em termos que ela entende.

Seu olhar frio nunca se afastando de Katie enquanto ele lentamente a


abaixava a cada passo que dava.

— Eu sei um pouco sobre crescer sob circunstâncias difíceis, — ele falou


com ela. — Faz você entender duas coisas imediatamente: quem tem o poder,
e quem não tem. Eu tenho, você pode senti-lo e vê-lo, não pode?

Ela acenou, sua expressão ainda não entregando nada. Eu vi pessoas


séculos mais velhas que não tinham uma cara de poker tão boa. Que ela
pudesse ocultar suas emoções em uma idade tão incrivelmente jovem era
outra prova da forma distorcida que ela foi criada. A maioria das crianças têm
os sentimentos estampados no rosto, mas onde quer que Katie estivesse, ela
os trancava por trás de uma máscara de indiferença.

Foi quando eu notei que não conseguia ouvir os pensamentos dela. Talvez
fosse porque eu ainda estava fraca pelo recente encontro com uma faca a que
ela me forçou. Eu me concentrei mais, mas não consegui nada exceto uma
sólida parede branca. Incrível.

Exceto por seus olhos brilhantes, ela parecia totalmente humana. A pele
dela estava suja demais para ver se tinha a mesma luminescência que a minha
tinha quando eu era mestiça, mas sua respiração, batimento cardíaco e cheiro
gritavam mortal. Não é de admirar que fosse tão fácil esquecer que ela não era.

— Como eu tenho esse poder, — Bones continuou. — você pode confiar


que nós não iremos te machucar, pela simples razão de que se nós
quiséssemos você morta, você já estaria.

— Bones! — Eu rosnei.

— Belo jeito de ganhar o prêmio de padrasto do ano. — Tate murmurou.

Katie, entretanto, franziu os lábios na primeira exibição de emoção que eu a


vi dar: contemplação. Então o pé dela tocou o chão quando Bones terminou de
abaixá-la. Assim que ela testou seu peso e percebeu que estava livre, seus
olhos perderam o brilho sobrenatural e começaram a escurecer. Quando eles
viraram um cinza metálico, eu quase solucei.

Ela tinha os meus olhos. Meu nariz, também, e eu esperava que a


proeminência em seu queixo fosse sujeira, ao invés de sinais da conhecida
teimosia Crawfield. Sem perceber, eu me ajoelhei até estarmos no mesmo
nível.

E então ela falou.

— Você se cura como eles, mas você não é uma deles, porque seu coração
ainda bate às vezes. Por quê?

Eu deixei a voz dela me inundar, guardando-a em partes que eu nem sabia


que existiam, até agora. Seu vocabulário era anos à frente da sua idade, assim
com o resto das suas características, mas sua voz tinha a entonação alta e
juvenil de uma criança.

— Por que antigamente, — eu disse com a voz rouca, — eu era como você:
parte humana e parte algo mais. Especial.

— Katie.

Tate agachou perto de mim, sorrindo para ela com um brilho nos olhos que
ele não tentou esconder.

— Eu sei que pareço diferente, já que me barbeei e cortei o cabelo, mas


você se lembra de mim, não lembra? Você quebrou o meu pescoço cinco
segundos depois de nós nos conhecermos.

— Seis. — Ela corrigiu, com uma expressão séria.

Ele riu. — Certo, seis. A única outra garota que chutou meu traseiro tão
rápido assim foi a Cat. Ela me ensinou a lutar, sabe.

Olhos cinzentos escuros encontraram os meus, fazendo-me sugar a


respiração. Algum dia eu me acostumaria a ver meus próprios olhos me
olhando de volta daquele rostinho?

— Eu me lembro de você da base, — ela disse. — Você tentou me fazer ir


com você. Você é muito difícil de neutralizar.

Pelo seu tom, a última parte foi um elogio, embora eu não tivesse certeza de
como responder. A pessoa que ela se lembrava de tentar “neutralizar” foi
Denise, transformada para parecer comigo. Na verdade, Katie só tentou me
matar uma vez, e ela quase conseguiu.

— Obrigada, — eu disse, adicionado: — você é muito durona, também, mas


você não tem mais que ser. Nós vamos cuidar de você.

Então eu não pude evitar… eu peguei a mão dela. Ela se encolheu, seus
dedos apertando a faca. Após um olhar para o Bones, ela aliviou a pressão.

Eu a soltei. Se seu primeiro instinto ainda é me esfaquear, ainda é


obviamente muito cedo para exibições físicas de afeto.

O olhar do Tate seguiu o que aconteceu, também. Ele colocou o braço ao


redor do meu ombro, dando-me um aperto firme.
— Cat é minha amiga, — ele disse. — Eu abraço os meus amigos às vezes,
para mostrar que estou feliz por eles estarem ali. Ou eu pego as mãos deles,
assim.

Seus dedos envolveram os meus, e ele levantou as nossas mãos. Ela


encarou como se ele tivesse magicamente puxado um coelho de uma cartola.

Então eu entendi, e não pude conter as lágrimas. Katie nunca foi ensinada a
tocar ninguém exceto em violência. Não é de admirar que ela tenha se
encolhido quando eu peguei a mão dela. Ela pensou que eu estava prestes a
machucá-la.

— Pobrezinha, — eu sussurrei. — Está tudo bem agora, eu prometo.

— Isso não é asquerosamente doce?

O ronronar de zombaria não veio do Ian, embora, pela expressão dele, ele
estava pensando algo similar. Tensão explodiu pelas minhas emoções
enquanto o poder do Bones disparava em direção à voz, apenas para tê-lo
dissipado como se ele tivesse sido jogado em um vácuo.

— Ooh, faça isso de novo. — nosso intruso invisível exigiu.

Eu o reconheci agora, e tudo em mim ficou rígido. Trove.

Sorrindo, o demônio entrou na sala da caldeira, seu olhar tingido de


vermelho correndo entre Katie e eu. Ele estava vestido de terno e gravata, seu
cabelo grisalho perfeitamente penteado e as feições tipicamente bonitas em
uma máscara agradável. Ele poderia estar entrando em outro evento de
arrecadação de fundos, de tão arrumado e elegante, e como nós não o
ouvimos se aproximar, ele deve ter usado seu truque de teletransporte para
chegar aqui.

Bones abaixou a mão. O demônio só ficaria mais forte com outro golpe
telecinético.

— Cat, — Trove disse com um ronronar satisfeito. — Você não vai me


apresentar para a sua filha?

Eu me levantei, ficando entre Katie e Trove sem a menor preocupação de


que ela tinha duas facas de prata, e eu virei minhas costas para ela. Tate
rosnou, me flanqueando. Ian puxou suas armas, sua boca se curvando em um
sorriso sujo.

Se nós éramos a imagem da hostilidade, Bones estava totalmente relaxado.


Ele praticamente passeou até o demônio, ambas as mãos nos bolsos como se
não quisesse se incomodar em sustentar o peso delas ele mesmo.

— O que te traz aqui, companheiro? — ele perguntou com uma tranquilidade


impressionante.

Trove riu. A visão daqueles dentes brancos chiques me fazendo fantasiar


sobre chutá-los garganta abaixo até ele se asfixiar neles.

— Um desejo de mutilação, claro.

Eu não queria tirar meus olhos do nosso visitante indesejado. Então uma voz
pequena e clara perguntou. — Você realmente é minha mãe? O velho disse
que ela estava morta.

Eu não pude evitar… olhei para trás.

Imediatamente, eu desejei não ter feito. A esperança cuidadosa no olhar da


Katie quase me fez cair de joelhos. Eu queria sufocá-la com garantias de que
ela nunca, jamais estaria sozinha novamente, então eu queria abraçá-la até ela
esquecer como é se sentir assustada. A única urgência mais forte era a minha
necessidade de matar a criatura imunda que a aprisionou.

Como eu tinha que fazer aquilo, primeiro, eu encontrei a força para me virar,
encarando meu inimigo ao invés da minha filha.

— O velho mentiu. Eu sou sua mãe, e não vou deixar você de novo. — eu
disse, minha voz forte apesar de paredes emocionais caírem por todo lugar
dentro de mim.

Tate me acotovelou, olhando para o lado. Eu segui seu olhar, vendo uma
porta pequena no canto mais afastado da sala. Trove bloqueava o caminho
pelo qual entramos na sala das caldeiras, mas nós não estávamos presos. Ela
deve levar aos túneis que Bones mencionou. Eu não acho que Bones entrou
bem no caminho de Trove por acidente. Para o renomado político tentar nos
parar, ele terá que passar por Bones primeiro. Mesmo que a telecinese do
Bones seja ineficaz contra ele, ele ainda teria trabalho.

Trove olhou para trás de nós, como se adivinhasse nossa intenção. E então
sorriu.

Eu senti o movimento antes que aquele familiar cheiro de terra enchesse a


sala. Katie soltou um pequeno suspiro.

Quando eu me virei, mais de duas dúzias de ghouls bloqueavam a outra


porta. Pelos seus níveis de poder, eles não eram caras aleatórios que Trove
teletransportou de algum bar local de motos vivos. Eles eram lutadores
treinados, e seus corpos musculosos apenas aumentavam seu ar de ameaça.

— Eu esqueci de mencionar? — Trove perguntou com falsa inocência. — Eu


decidi trazer alguns amigos comigo.
Capitulo Trinta e Quatro.

E isso fica cada vez melhor, eu pensei, cansada. Nós não trouxemos

ninguém conosco porque não queríamos atrair a atenção dos Guardiões da


Lei, e agora estávamos em uma grande desvantagem numérica.

O líder do grupo, um afro-americano alto, com bíceps mais grossos que


minha coxa, deu um passo à frente.

— Dê-nos a criança, — ele ordenou.

— Vá se foder, — voou pela minha boca antes que eu percebesse que, (a) e
realmente precisava vigiar minha linguagem agora e, (b) diplomacia seria a
melhor tática. Eu posso ser capaz de varrer o chão com eles se usar meus
poderes emprestados, mas nós estávamos tentando impedir uma guerra, não
começar uma.

— Am, quero dizer, vá se catar, — eu corrigi rapidamente. — e você não


precisa pegar a criança. Sua rainha concordou em chamar vocês de volta.

Trove parecia estar mais chocado que os ghouls. — Ela o quê?

Eu não pude resistir em dar um sorriso orgulhoso. — Oh, então você não
estava nos seguindo quando nós fomos ver Marie? Nós chegamos a um
acordo. Tudo o que nós temos que fazer é cumprir a nossa parte, e ela e os
ghouls nos deixarão em paz.

Nossa parte era liberar um vídeo de Katie supostamente sendo morta –


Marie disse que somente uma execução pública bastaria, e a internet é pública
– mas eu não diria isso ao Trove. Ou a outra surpresa que nós tínhamos
guardada para ele.

O ghoul musculoso puxou seu celular, discando.

— Minha rainha, é Barnabus, — ele disse momentos depois. — Eu estou


com os vampiros, e eles estão com a criança. Eles alegam que eles… —
Pausa. — Sim, eu entendo… se essa é sua ordem, Majestic.
Ele desligou. Os outros ghouls olhavam para ele em expectativa. Trove
quase saltava para cima e para baixo, impaciente. Minhas presas deslizaram,
prontas para tirar sangue, se necessário.

— Bem? — O demônio exigiu.

Barnabus olhou para mim, frustração estampada por todo o seu rosto.

— A Reaper fala a verdade, — ele disse, quase cuspindo as palavras.

Eu não me movi, mas, por dentro, eu estava gritando de alegria e batendo


os punhos no ar. Marie fez sua parte! Ela era conhecida por manter sua
palavra, mas dizer que eu estava preocupada que ela fizesse uma exceção
nesse caso era pouco.

— Nós fomos ordenados a partir. — Barnabus continuou.

“Isso!” passou pela minha mente, embora, novamente, eu fiquei


perfeitamente quieta. Eu nem mesmo deu um sorriso. Ponto pra mim.

Trove, entretanto, reagiu como se tivesse levado um monte de sal no rosto.

— Você tem que estar brincando comigo! — O demônio gritou. — Após


décadas de planejamento, a mesma coisa pela qual as suas espécies quase
entraram em guerra está bem aqui, e vocês estão concordando em ir embora
ao invés de lutar?

Grunhidos dos ghouls concordavam com a declaração dele. Meu bom humor
sumiu. Talvez, apesar de Marie manter sua palavra, isso ainda não tenha
acabado, afinal.

— Eu digo isso desde sempre… se você quer algo feito direito, você tem que
fazer pessoalmente. — Trove continuou, enojado. Então ele se aproximou dos
ghouls enquanto seu braço balançava na direção de Katie.

— Mesmo que sua rainha seja muito cega para ver isso, essa criança é a
destruição de vocês. Vampiros já têm mais habilidades que ghouls, mas vocês
têm impedido que eles os dominem, porque vocês são difícil de matar. Ela
muda isso completamente! Através dela, vampiros podem criar uma nova raça.
Uma leal a eles, com toda a imunidade à prata de vocês e todos os truques
legais deles. Quando isso acontecer, quando tempo vocês acham que vai levar
até o povo de vocês estar em correntes? Um século? Dois?
— Besteira.

A voz do Bones ecoou, cobrindo os murmúrios mais altos dos ghouls.

— Esse sujeito não daria uma merda pela espécie de vocês. Ele quer que
vocês acreditem que ele está ajudando, mas tudo o que ele quer é que nossas
raças matem uma à outra, começando conosco, aqui.

— Apollyon tentou avisar vocês, — Trove disse, sombriamente. — Ele disse


que se permitissem que ela vivesse, os ghouls sofreriam. E o que aconteceu?
O conselho vampiro o assassinou, mas aqui estão as provas de que ele estava
certo! Contemplem a filha dela, a primeira de muitas em uma nova linhagem
dos seus dominadores.

Pela forma como as expressões deles endureceram, Trove estava atingindo


um nervo. Apollyon pode estar morto, mas o estrago que ele causou ainda
persistia. Típico que um político seria um especialista em usar retóricas
distorcidas para se aproveitar, não importa quão falsas ou paranoicas elas
sejam.

— Marie disse a vocês para recuarem, — eu os lembrei. — Vocês querem


desobedecer sua rainha?

— Oh, sim, obedeçam, — Trove zombou imediatamente. — Mas a quem


vocês estarão realmente obedecendo, se deixarem a criança com eles? Vocês
acham que é uma coincidência que suas ordens tenham mudado após ela
fazer uma visita à Majestic? Vocês não veem? Sua sujeição aos vampiros já
começou!

Oh, merda, eu pensei quando várias facas foram puxada com aquilo. Parece
que Trove conseguiu fazê-los mudar de ideia.

— E aqui vamos nós, — Ian murmurou.

Três coisas aconteceram ao mesmo tempo: Eu virei, enfiando Katie nos


braços do Tate com um apelo urgente de “Tire-a daqui!”; O poder do Bones
explodiu sobre os ghouls, congelando-os no lugar. E Trove desapareceu,
reaparecendo um instante depois atrás do Bones, para agarrá-lo em um abraço
esmagador.

Eu senti o poder ser drenado do Bones, tão subitamente quanto se ele


tivesse sido esfaqueado com prata. Mas ele não foi. As mãos do Trove
estavam vazias, dedos estendidos como se escavassem o peito do Bones
enquanto o demônio tremia com o que parecia êxtase.

— Você não é uma refeição; é um banquete! — ele gemeu.

Com um estalo, a rede invisível que Bones tinha jogado sobre os ghouls
quebrou. Eles só ficaram presos por segundos, mas parece ter sido o suficiente
para levá-los de determinação furiosa para ira assassina.

— Matem os vampiros! — Barnabus uivou, levantando sua faca de prata.

— Corra, — eu apressei o Tate, amaldiçoando mentalmente quando Katie se


contorceu para fora do aperto dele. Pelo menos ela correu na direção oposta
aos ghouls, Tate a seguindo de perto. Então eu puxei uma das minhas facas do
casaco. Eu usei um sobretudo no calor do verão por uma razão. Ao invés de
atacar os ghouls, como Ian, eu abri meu braço com um longo corte.

— Venham!

Meu chamado reverberou pela sala das caldeiras, ecoando de volta para
mim com coro novo e assustador. Gelo disparou pelas minhas veias, seu efeito
de tremer os ossos sendo bem-vindo, por causa do que aquilo representava.
Bem no momento em que Ian trocava facadas com Barnabus, Remnants
apareceram do chão e foram para cima dos ghouls.

Os gritos deles se uniram aos uivos que enchiam minha mente, assim como
meus ouvidos. Diferente de antes, eu não tive força suficiente para lutar contra
ser engolida pelo poder envolvente. A parte de mim que ainda podia pensar,
odiava o que estava acontecendo, porque Remnants são invencíveis. Eu
estava ok em deter pessoas que queriam me matar, mas libertar Remnants era
o mesmo que levar uma bomba nuclear para uma briga de facas.

O resto de mim estava muito em sintonia com os Remnants para me


importar com justiça. Com a porta para o outro lado agora escancarada, a fome
deles me consumiu. Eles eram fragmentos das emoções mais primitivas que as
pessoas deixavam para trás quando faziam a passagem, afiados pela
passagem do tempo e frenéticos pela negação infinita. Enquanto eles
atacavam os ghouls, lábios e dentes que viraram pó milênios atrás finalmente
se alimentavam novamente, e por breves e brilhantes momentos, a
necessidade excruciante deles era aliviada. Então, como viciados perseguindo
a próxima viagem, os Remnants rasgavam através dos ghouls com mais
violência, em busca dos pedacinhos de alívio que a dor deles trazia.

Ian não estava canalizando poder da sepultura, mas, ainda assim, ele
mostrou menos preocupação do que eu pela injustiça da nossa vantagem.
Enquanto os ghouls estavam focados nas sombras tempestuosas que
cortavam através deles, ele arrancava cabeças por todos os lados. Eu queria
dizer a ele para parar, que eu pretendia fazer os Remnants recuarem e dar aos
ghouls outra chance de reconsiderar, mas eu não conseguia falar. Tudo o que
saiu da minha boca foi um longo som de choro que ficava mais alto quanto
mais forte os Remnants ficavam.

Então, com a rapidez de uma porta se fechando, minha conexão com a


sepultura foi cortada. O frio glorioso correndo por mim se transformou em
cinzas frias, e as vozes ecoando em minha cabeça silenciaram. Um por um, os
Remnants desapareceram. Com o ciclo infinito de fome dentro de mim
desaparecendo, confusão surgiu.

O que houve?

— Solta ela! — Alguém rosnou.

Foi quando eu percebi que estava presa em um abraço apertado por trás.
Não por Bones, como uma olhada para baixo mostrou braços grossos e
peludos ao redor da minha cintura ao invés de lisos e pálidos. Era por Richard
Trove.

O demônio estremeceu de um jeito nojento que lembrava um orgasmo.

— Isso é, de longe, a melhor coisa que eu já senti. — Ele murmurou em meu


ouvido.

Nojo me livrou do resto do domínio da sepultura. Em algum momento, Trove


me agarrou e começou a se alimentar do meu poder. A julgar pelo quão fraca
eu me sentia e o último dos Remnants deslizando de volta para o chão, ele
limpou o prato.

Mais uma vez, três coisas pareceram acontecer ao mesmo tempo: Bones
partiu para cima do Trove, seus movimentos lentos e desajeitados; Eu mordi o
lábio para chamar os Remnants de volta, mas nada aconteceu exceto outro
tremor de êxtase atrás de mim. E os ghouls que ainda tinham suas cabeças se
levantaram, pegando suas facas de prata e vindo para nós.
— Fodeu, — Ian disse com profunda convicção.
Capitulo Trinta e Cinco.

T rove se esquivou do Bones, colocando um pé para ele tropeçar enquanto

passava. Ao invés de se equilibrar com a graciosidade de sempre, Bones caiu


em uma pilha perto dos ghouls que se aproximavam. Pela forma que sua aura
estava fragmentada, Trove tinha sugado todo o poder dele com seu abraço
esmagador. Bones mal tinha o suficiente para se mover, muito menos para se
defender.

Aquilo me assustou o suficiente para me fazer lutar com toda a força que eu
ainda tinha, o que acabou sendo assustadoramente inútil. Quando mais força
eu fazia para me libertar, mais Trove vibrava enquanto fazia barulhos felizes. O
demônio era como um Remnant de energia, ficando mais forte enquanto eu
enfraquecia sob o ataque impiedoso da sua fome.

— Não! — Eu gritei quando um ghoul fortão facilmente prendeu Bones e


levantou sua faca para um ataque mortal.

Um borrão passou entre eles, agarrando Bones e o jogando para longe


daquele golpe mortal. Um segundo depois, aquele borrão voltou, acompanhado
por um flash de prata que virou um risco vermelho.

Ian pousou com força suficiente para quebrar o chão. Ele girou, segurando a
cabeça do ghoul que tentou matar Bones. Então ele a jogou para o restante
dos comedores de carne.

— Quem quer mais de mim? — Ele os provocou.

Sobraram pelo menos oito ghouls, e todos aceitaram a oferta dele. Facas de
prata voaram na direção dele, mas Ian foi mais rápido, voando para fora do
caminho delas com acrobacias aéreas impressionantes que eu não achei que
ele fosse capaz. De vez em quando, ele usava aquela velocidade incrível para
atingir um ghoul, arrancando a cabeça dele antes que seus companheiros
percebessem que um deles estava sob ataque. Então ele jogava a cabeça no
chão como um jogador de futebol celebrando um touchdown.

Dizer que aquilo enfurecia os ghouls era pouco. Eles chutavam as paredes,
tentando usá-las como trampolim para pegar Ian durante seus ataques no ar.
Gesso, madeira podre e pó de concreto logo encheram o ar, tornando difícil
ver. Logo, somente as provocações do Ian, as ameaçavas do ghouls e
barulhos de quebra-quebra me permitiam saber que a luta continuava.
Entretanto, suas palhaçadas explosivas os levaram para longe do Bones, que
ainda mal podia rastejar.

É melhor que ninguém diga qualquer coisa ruim sobre o Ian perto de mim
depois de hoje. Eu oficialmente amo aquele filho da puta.

Já que minha luta não adiantou nada, eu desisti, focando, ao invés, em


deslizar minhas mãos por baixo do abraço de aço do Trove. Eu precisava
alcançar meus bolsos. Quando o demônio aumentou seu aperto, impedindo
aquilo, eu amoleci, fingindo desmaiar.

Eu não me sentia muito longe daquilo, na verdade. Meus ouvidos estavam


zumbindo, e uma dormência horrível se apoderou dos meus membros. Eu não
me sentia tão indefesa assim desde que era metade humana, e um vampiro
estava festejando no meu pescoço. Bones me salvou na época, mas, agora, eu
é que tinha que salvá-lo. Ele estava se arrastando na nossa direção, com uma
expressão assassina embora, claramente, ele não tivesse força suficiente para
cumprir suas intenções. E Trove pode não hesitar em matá-lo. Ele disse que
me queria viva para alimentar a sua guerra. Ele não disse o mesmo sobre
Bones.

Eu não arriscaria descobrir o que o demônio faria quando Bones nos


alcançasse. Meu corpo inteiro ficando mole obrigou Trove a ajustar seu aperto,
e aquilo me permitiu enfiar uma mão no bolso. Quando senti a faca fina e dura,
eu quase sorri, mas me recusava a gastar aquela energia. Eu precisava de
tudo o que restava em mim para o que eu estava prestes a fazer.

Afinal, Marie não foi a única pessoa que nós visitamos antes de vir para
Detroit. Nós paramos na casa da Denise, também.

A cabeça do Trove estava em cima da minha, a bochecha repousando no


meu crânio, pelo que parecia. Ele me apertou como se eu fosse uma caixa de
suco, reclamando sobre eu estar ficando sem poder. Ele estava certo. Exceto
por segurar aquela faca, eu não tinha nem uma gota de energia. Ele roubou
tudo.

Bones estava quase nos alcançando. Eu mais senti do que vi os olhos de


Trove nele, talvez pensando sobre drenar o resto da energia dele, ou com
intenções mais sinistras. Ainda assim, eu continuei mole ao ponto de inércia,
suprimindo minha raiva que só crescia.

— Já está vazia? Pensei que você fosse mais resistente. — Trove disse, seu
tom pesado de desapontamento.

Com aquele comentário depreciativo, ele me soltou, sem dúvida esperando


que eu caísse no chão. Eu não caí. Meus joelhos tremeram, mas aguentaram,
e assim que seu abraço sugador de energia se foi, a faca de osso que Ian fez
meses atrás, da perna da Denise, disparou em um arco para cima.

Exceto por segurar brevemente a mão da minha filha, sentir a faca entrar no
olho de Trove foi o ponto alto da minha semana.

O demônio gritou, o som cortando pelo ar como se todos os cães do inferno


o acompanhassem. Eu me virei, tentando dar aquele segundo golpe fatal, mas
ele bateu na minha mão. Então seu terno Armani rasgou nas costuras quando
o corpo dele começou a crescer em uma velocidade impossível. Vermelho
apareceu por baixo dos rasgos no tecido. Não sangue. Pele, enquanto o
demônio abandonava sua aparência humana e se transformava em sua forma
verdadeira.

— Eu vou te matar! — ele rosnou, tentando agarrar a faca de osso.

Parte de mim estava aliviada por ele não ter usado seu truque de
teletransporte e desaparecido. O resto de mim soltou um oh-oh interno porque
eu não estava em condição de lutar. Entretanto, eu tinha que tentar, então
segurei aquela faca com o aperto dos malditos enquanto Trove tentava tirá-la
de mim.

Mesmo com um olho destruído, ele era muito forte. A lâmina começou a
escorregar da minha mão, me cortando pelo quão forte eu tentava segurá-la.
Bem quando ela estava prestes a ser arrancada de mim, algo grande caiu em
cima do Trove.

Bones.

Ele pode ter perdido sua força física, mas seu peso e tamanho foram
suficientes para fazer Trove me soltar. Eu segurei a faca com força, impedindo
que o demônio a tomasse. Trove soltou uma maldição furiosa, tentando
derrubar Bones e agarrar a faca de volta ao mesmo tempo. Ele não drenou
poder de nenhum de nós, entretanto, e isso não podia ser por acidente. Talvez,
com um olho destruído, ele não pudesse mais.

Eu tentei afastar a lâmina para outro golpe, mas o aperto do Trove era muito
forte. Ele também cresceu meio metro durante nossa luta, sua forma agora
superando a do vampiro que se agarrava a ele com determinação cruel.

Não seria suficiente. Nós dois estávamos muito enfraquecidos para prender
Trove por tempo suficiente para enfiar a faca no seu outro olho. Nós
precisávamos tentar outra coisa. Qualquer coisa para ganhar uma vantagem.

Por um breve momento, os olhos castanho-escuros do Bones se prenderam


nos meus quando nossos rostos ficaram no mesmo nível; ele nas costas do
Trove, eu na frente dele, ocupada com um jogo letal de cabo de guerra. Meu
olhar deve ter transmitido meu desespero, porque Bones fez algo mais. Algo
impensável.

Suas presas se afundaram na garganta do Trove e ele sugou com tanta


força que as veias no pescoço dele incharam. Por um segundo, eu estava tão
horrorizada que congelei. Bones sabia que sangue demoníacamente alterado é
o mesmo que heroína para os vampiros. É por isso que Denise tinha que
manter sua nova natureza em segredo. Sangue de demônio costuma ser
vendido como droga no mercado negro dos vampiros, e os Guardiões da Lei a
executariam na hora se soubessem que ela é uma fonte disso.

Trove uivou outra vez e tentou derrubar Bones. Ele só conseguiu abrir uma
fonte de alimentação maior quando as presas do Bones deslizaram mais fundo
por causa do empurrão. Apesar dos esforços frenéticos do demônio, Bones
segurou firme. Diante dos meus olhos, seus movimentos ficaram menos lentos
e descoordenados. Logo, ele estava agarrando Trove com tanta ferocidade que
o demônio teve que me soltar para impedir que Bones mastigasse sua
garganta inteira.

Foi quando eu entendi. Com todo o seu poder comum drenado, e sem
sangue humano disponível para um refil, Bones se voltou para a única fonte
disponível: Sangue de demônio. Com suas propriedades narcóticas para
vampiros, aquilo deu ao Bones a mesma força artificialmente aumentada que
um humano drogado experimenta.

Ele provavelmente nem sentiu quando Trove os jogou para trás, esmagando
Bones contra o chão com seu novo corpo maior. O concreto rachou ao redor
deles, mas Bones continuou rasgando o pescoço de Trove, engolindo aquele
fluxo vermelho tão rápido quanto ele jorrava. Então seus braços e pernas se
enrolaram ao redor do demônio, não o soltando nem quando Trove começou a
bater contra tudo na tentativa de se libertar.

Essa era a minha chance.

Eu pulei sobre Trove, e, durante alguns momentos insanos, eu fui esmagada


e socada junto com eles. Era como estar presa em uma rocha rolando uma
montanha, mas eu não podia me concentrar na dor enquanto costelas eram
quebradas e ossos esmagados com os movimentos impiedosos do demônio.
Tudo em que eu me concentrei foi em segurar aquela faca, e quando Trove nos
jogou em um canto, brevemente nos prendendo em duas redes cruzadas de
canos, eu golpeei.

A faca bateu na sua bochecha… errei. Eu continuei, sangue manchando as


bordas afiadas enquanto eu a enfiava mais forte, mais fundo, tentando cavar
através da sua maçã do rosto.

As novas garras do Trove correram pelas minhas costas, cortando couro,


então pele e tecidos. Meu corpo inteiro vibrou com dor, e a tontura que me
dominou era ou por usar o resto da minha força nos meus esforços para matá-
lo, ou danos no crânio pelas tentativas brutais do Trove de nos libertar da rede
de canos.

Nada disso importava. Tudo em que eu focava era naquele único, brilhante
olho vermelho. Eu continuei movendo a faca pela cabeça dele, mas era bem
claro que eu não tinha a força necessária para fazê-la atravessar a maçã o
rosto dele.

Então Trove nos arrancou do labirinto de canos que nos prendeu


brevemente. Por um momento, nós estávamos no ar. Bones agarrado nas
costas do demônio, eu ainda por cima dele, com uma faca presa abaixo do
olho do demônio. Como se fosse em câmera lenta, eu vi o chão do porão se
aproximando, e fui dominada por uma ideia.

Com um grito que foi tanto de fúria quanto de frustração, eu equilibrei o


punho da faca contra meu peito e me joguei para frente. Nós atingimos o chão
no instante seguinte.
Meu peso, somado ao ímpeto dos nossos três corpos batendo no concreto,
fez o que a minha falta de força não pôde. A lâmina de osso atingiu o alvo,
viajando até o olho do Trove. Sangue esguichou, cobrindo minhas mãos, e
senti uma nova dor afiada pelo cabo da faca ou ter quebrado meu esterno ou o
perfurado.

Eu me recusei a soltar. Ao invés disso, eu empurrei com fúria o que eu podia


sentir da lâmina, não parando até ela atingir a parte de trás do crânio de Trove.
Só quando aquela forma enorme começou a se contrair, se enrugando como
um balão lentamente desinflando, é que eu soltei a faca de osso. Finalmente,
quando só sobrava um esqueleto, um terno e o cheiro de enxofre entre Bones
e eu, eu soltei.

Por alguns segundos abençoados, eu fechei os olhos, cada músculo no meu


corpo relaxando com um alívio tão profundo que eu pensei que podia ter
desmaiado de verdade. Então a voz familiar do Bones penetrou a minha
exaustão.

— Saia de cima, amor. Eu estou mais alto que uma pipa sangrenta. Não dá
pra saber o que eu posso fazer.

Eu ri. Se Bones estar drogado fosse nosso maior perigo, então esse dia se
transformou no melhor das nossas vidas.
Capitulo Trinta e Seis.

P assos atraíram minha atenção para o outro lado da sala das caldeiras.

Ian apareceu, coberto de sujeira, sangue e muito menos vestido, já que o que
ele usava foi quase tudo rasgado. Ele tinha até mesmo perdido tufos de seu
cabelo castanho-avermelhado. Eu nunca o vi em um estado pior – e eu nunca
estive tão feliz em vê-lo.

— Você conseguiu, — eu respirei.

Ele olhou para os restos do demônio entre nós.

— Assim como você, mas isso ainda não acabou. Mencheres está aqui, e
ele trouxe Marie Laveau, Guardiões da Lei e o conselho de vampiros com ele.

Eu pulei de pé como se meu sangue tivesse sido substituído por combustível


de foguete. Todos os meus piores medos se tornaram verdade quando Tate
apareceu por trás do Ian, sua expressão congelada em uma mistura de ódio e
desespero. Nem um músculo nele se movia, e ele estava flutuando, pairando
vários centímetros acima do chão.

Como o poder do Bones estava esgotado, Mencheres devia estar


controlando Tate, mas eu ainda não o tinha visto. Meu olhar era todo para Katie
enquanto ela flutuava atrás do Tate, medo distorcendo suas feições delicadas
ao invés da sua indiferença normal.

Eu corri para ela. Ou tentei. Após os dois primeiros passos, eu fui envolvida
no que parecia um pulso gigante e invisível. Aquilo me espremia do queixo
para baixo, torando impossível escapar e difícil falar.

— Me solte, — eu consegui dizer entre dentes cerrados.

Então Mencheres apareceu, e ele tinha uma comitiva. Veritas era a única
Guardiã da Lei que eu conhecia por nome, mas eu reconheci os outros três
homens. Anos atrás, eles supervisionaram o duelo do Bones com Gregor, o
que significa que nós já tínhamos uma história. Eu quase fui executada por
interferir naquele duelo, e ainda havia alguns que pensavam que eu devia ter
sido.

Marie era a próxima, sua longa saia preta e jaqueta preta bordada enviando
mais fagulhas de medo através de mim. Parecia que ela estava indo a um
funeral, e embora os três vampiros atrás dela não estivessem vestidos tão
melancolicamente, as expressões deles eram mais sombrias que carvão.

— Mas que inferno “sangrent” é isso?

O tom severo do Bones não conseguia esconder sua fala enrolada. Dopado
como ele estava, ele ainda conseguiu se levantar sem cambalear. Ele não foi
muito longe, entretanto. O poder do Mencheres disparou e o parou.

— Estou fazendo o que deve ser feito, — seu amigo e avô respondeu. Então
olhos negros encontraram os meus, uma enorme quantidade de pena em suas
profundezas. — Eu sinto muito, Cat, — Mencheres adicionou, suavemente.

— Não!

Aquilo rasgou através de mim com toda a agonia que a esperança levantou,
e então esmagou. Nós não podíamos ter chegado tão longe, para perder tudo
agora! Trove está morto, Marie jurou nos deixar em paz, e nós encontramos
Katie. Eu tinha olhado nos olhos da minha filha e jurado protegê-la. Ela pode
não acreditar em mim, mas, com o tempo, eu provaria isso a ela. Ela teria todo
o amor e aceitação que foi negado a ela antes, e para cumprir a minha
promessa, tudo o que nós tínhamos que fazer era partir.

Graças ao vampiro Mega Mestre e seus associados mortos vivos, nós não
poderíamos, mesmo que Bones e eu estivéssemos em plena força. Esqueça
sobre Marie, a sala das caldeiras crepitava com o poder vindo dos quatro
Guardiões da Lei e três membros do conselho. A qualquer segundo, poderia
começar a chover faíscas.

— Como você pôde?

Minhas palavras estavam sufocadas com mais do que a dificuldade de dizê-


las com a pressão me congelando. Marie e os outros vampiros não nos
encontraram por sorte. Apenas Mencheres sabia onde nós estávamos indo.

Veritas deu um passo à frente, sua túnica branca farfalhando por causa de
toda a energia sobrenatural no ar.
— Mencheres fez o que pôde por vocês. Em troque de entregar a criança
para nós, suas mentiras agora ficarão sem punição.

— Nós não pedimos pela sua maldita ajuda! — Bones disse, sua voz como
um trovão.

Mencheres suspirou pesadamente.

— Você não pediu, mas, como co-regente da nossa linhagem, eu não podia
te permitir arrastar nosso povo para uma guerra. É isso que aconteceria, e o
resultado seria o mesmo. Agora ou depois, a criança morreria. Dessa forma,
apenas uma vida será perdida, ao invés de incontáveis milhares.

Meu corpo inteiro vibrava pelas emoções venenosas me corroendo. Se eu


ainda tivesse algum poder sobrando, a cabeça de Mencheres teria sido
arrancada dos ombros dele com aquelas palavras.

— Por favor, não faça isso.

Minha voz quebrou pelo ódio e medo rolando dentro de mim. Eu queria
massacrar todo mundo, não implorar para eles, mas, com meu corpo
imobilizado e minhas habilidades exauridas, implorar era tudo o que me
restava.

— Por favor. Nós vamos levá-la embora. Vocês nunca terão que vê-la
novamente, e não haverá guerra, eu prometo!

Grunhidos urgentes vinham do Tate, sua única forma de expressar o mesmo


apelo. Mencheres congelou tudo nele, ao que parece.

— Não há outro jeito, — um membro do conselho, que poderia ser dublê do


Gandalf, de O Senhor dos Anéis, disse. Então ele fungou enquanto entrava na
sala, aproximando-se do corpo do Trove.

— O cheiro de enxofre saindo desse demônio está por toda parte.

— Você está prestes a assassinar uma criança, e o que te enoja mais é


fedor de demônio? — A voz do Ian estava mordaz. — Vocês se denominam
protetores da nossa raça, mas tudo o que eu vejo diante de mim são covardes.

— Silêncio. — O vampiro de cabelo branco ordenou. Então ele virou para o


Guardião da Lei com cabelo negro selvagem e feições orientais.
— Thonos.

O vampiro removeu uma espada de prata curvada que era mais longa que
meu antebraço. Então ele foi em direção à Katie, agarrando o cabelo dela.
Veritas desviou o olhar, sua boca se comprimindo.

— Não, por favor! — Eu gritei. Meus dentes rasgaram meu lábio inferior,
derramando sangue, mas, embora eu desejasse com todo o meu pânico que
Remnants aparecessem, nada aconteceu. Trove me drenou de mais.

Lágrimas escorreram dos meus olhos, borrando minha visão com rosa que
rapidamente virou vermelho.

— Espere, — Marie disse.

Esperança me invadiu quando Thonos pausou, aquela espada longa e


maligna levantada. O que parecia o Gandalf ergueu uma sobrancelha, mas
acenou, concordando.

Marie veio até mim, secando minhas lágrimas com toques breves, mas
gentis.

— Você não pode chorar, Reaper, — ela disse, com a voz tão baixa que
somente eu poderia ouvir. — Você carrega o meu poder. Se chorar, você
condenará sua filha ao mesmo destino que seu tio. Você deve ser forte agora.
É a única coisa que você pode fazer por ela.

Uma esperança selvagem fluiu através de mim. É verdade, se eu chorar, o


sangue em minhas lágrimas trará Katie de volta como fantasma! Por um
momento louco, eu saboreei aquele pensamento. Se essa era a única forma
que nós poderíamos ficar juntas, eu aceito. Eu já vi outros fantasmas de
crianças, e eles não pareciam estar miseráveis…

— Kitten.

Meu olhar voou para o Bones. Ele me encarava, sua expressão mostrando
tanto raiva quanto mágoa.

— Não. — Ele disse, simplesmente.

Dor explodiu então, tão envolvente que parecia quase purificadora. Claro
que eu não podia fazer aquilo. Eu estaria sentenciando Katie a um destino pior
que o que esses bastardos impiedosos decretaram, e pior, pela mesma razão.
Egoísmo.

Eles queriam eliminar a ameaça de guerra do jeito fácil, ao invés de encarar


o problema real; que após dezenas de milhares de anos, vampiros e ghouls
ainda não confiavam uns nos outros porque eles são raças diferentes. Por que
tentar resolver seu preconceito feio e sem fundamento se, a cada centenas de
anos, eles podem simplesmente assassinar alguém que os faça lembrar dele?

Eu queria minha filha comigo, mas, diferente deles, eu peguei o caminho


difícil. Aquele que feria mais a mim do que a ela. Se eu puder ser uma mãe
para ela pelos próximos segundos, eu não falharei.

Marie estava certa. Isso era tudo o que eu podia fazer pela minha filha.

Com um som áspero, eu parei minhas lágrimas. Então usei toda a minha
força de vontade para segurar as novas. Quando meus olhos estavam
finalmente secos, eu acenei, tanto quanto podia.

— Certo.

Marie tocou meu rosto. Não para secar qualquer rastro de lágrima; elas se
foram. Mas como um cumprimento.

— Você é uma adversária digna, — ela disse, gentilmente.

Então ela se virou e partiu, indo para perto do conselho de vampiros e


Guardiões da Lei. Amargamente, notei que eles esperavam em uma linha atrás
do Thonos. Eles ordenaram a morte de Katie, mas não devem querer olhar nos
olhos dela enquanto ela morre. As costas do executor alto e musculoso
bloqueava a maior parte da visão deles.

Nada bloqueava a minha. Eu olhei para Katie, cada célula do meu corpo
gritando com o pesar que eu me recusava a libertar com lágrimas. A garotinha
olhava para a faca sobre ela como se estivesse hipnotizada, suas feições em
uma estranha mistura de medo e determinação. Então, como se ela sentisse
meu olhar, ela olhou para mim.

Em minha vida, eu fui baleada, esfaqueada, perfurada, queimada, mordida,


espancada, estrangulada, atingida por um carro e torturada por meios físicos e
metafísicos. Nada se comparava à aflição que eu senti quando nossos olhares
se encontraram e eu vi a aceitação nos dela. Ela sabia que nada podia salvá-la
e, apesar do seu medo óbvio, ela aceitou aquilo. Talvez seja porque, em sua
existência curta, sempre em cativeiro, ela nunca soube que há mais na vida do
que horror e morte. Tanto mais, como esperança, amor, dar risada, dançar… e
agora ela nunca saberá.

Tudo acabaria aqui.

Algo quebrou dentro de mim. Eu consegui segurar as lágrimas, mas não


pude impedir o som que saiu de mim. Agonia se tornou fôlego e quebrou o
silêncio que se formou na sala.

Então três palavras deslizaram na minha mente, falando em um sussurro


que, de alguma forma, conseguiu ressoar entre os meus pensamentos.

Confie em mim.

Meus olhos se arregalaram. Mencheres era a única pessoa que eu conhecia


que tinha a habilidade de se comunicar telepaticamente, mas não foi a voz
dele.

Foi a do Bones.

Uma fração de mim estava admirada por ele ter essa habilidade, mas o resto
de mim estava muito destruído com o luto para me importar. Confiar nele? Ele
estava tão impotente quanto eu para impedir isso!

Confie em mim, sua voz interna repetiu, enfática o suficiente para suprimir
meu agouro mental.

Raiva surgiu em meio ao meu pesar. Confiar em quê? Que nós superaremos
isso juntos? Ou que o tempo curará todas as feridas? Bem, eu não tinha a
menor intenção de me curar. Eu queria sentir essa dor para sempre, por que
isso é tudo o me resta da minha filha-

Confie em mim!

A lâmina de Thonos começou a descer em direção àquela garganta pequena


e vulnerável. Katie ainda olhava para mim e, por uma fração de segundo, seus
olhos mudaram do mesmo cinza profundo que o meu para algo diferente.

Vermelho.

O olhar da Katie só deveria ser capaz de mudar para uma outra cor. Verde
brilhante de vampiro. Vermelho era a marca de outra raça. Uma que
supostamente a criança não tinha em sua composição genética mista.

Esperança explodiu em mim com força suficiente para me derrubar, se eu


estivesse me sustentando sozinha. Mas eu não estava. Mencheres ainda me
tinha naquele aperto invisível, e no instante agonizante antes que a lâmina
assassina encontrasse carne, eu vi a sala das caldeiras com novos olhos.

Quatro Guardiões da Lei, três membros do conselho, e a rainha dos ghouls


estavam presentes para a execução da criança com um mix de espécies.
Qualquer um da linhagem do Bones seria considerado testemunha não
confiável por razões pessoais, mas ninguém questionaria qualquer um deles
sobre o que realmente aconteceu. Eles nunca mostraram clemência antes,
quando se tratava de proteger o equilíbrio de poder entre as raças, e nada
mudou nos séculos desde então.

A menos que haja uma execução pública, Marie havia dito, eles vão
continuar caçando-a. Ela acreditava tanto nisso, que estava preparada para
morrer por isso.

E Bones havia dito: Se nós te prometermos isso, você concordará com o


resto dos nossos termos? Eu havia ficado horrorizada, mas antes que pudesse
expressar minha indignação, ele me imobilizou, do mesmo jeito que
Mencheres.

Kitten, confie em mim, ele disse na época.

Confie em mim, ele implorou três vezes agora.

Eu me agarrei àquilo com todo o desespero esperançoso em mim enquanto


a lâmina atravessava o pescoço de Katie, aparecendo lavada de vermelho do
outro lado. O corpo dela caiu, e a visão de Thonos segurando a cabeça dela
me atingiu como uma bola de demolição, direto no coração. Ele a colocou perto
do corpo dela, limpando o excesso de sangue de sua lâmina, e meu próprio
sangue pareceu gritar em resposta.

Lágrimas jorravam em um fluxo constante dos olhos do Tate. Marie se


dobrou, em saudação. Os outros dois Guardiões da Lei estavam indiferentes,
exceto por Veritas, que encarava o corpo de Katie com uma intensidade que
me encheu de ódio. Ela estava tentando memorizar a visão horrenda?

Os membros do conselho não olharam para o seu feito. Eles se moviam,


quase sem jeito. Agora que estava feito, eles pareciam bem menos
entusiasmados com isso.

Eu não conseguia parar de encarar o corpo encolhido de Katie; sua cabeça


a vários centímetros do resto dela. Horror, esperança e terror se misturavam de
forma nauseante dentro de mim.

Eu estava errada, e estava olhando para a minha filha? Ou era a minha


melhor amiga, transformada nela? E, se era, ela poderia retornar isso?
Supostamente, nada deveria matá-la, exceto osso de demônio entre os olhos,
mas, querido Deus, ela não tinha mais cabeça!

— Deixe o corpo.

A voz do Mencheres me assustou. Aquilo pareceu surpreender os membros


do conselho, também. O que parece o Gandalf franziu os lábios,
desaprovando.

— Nós não concordamos com isso.

— Você vai. — Aço temperou as palavras do Mencheres. — E você deixará


a espada. Como mãe da criança, ela tem direito a ambos.

Os outros membros do conselho se olharam, claramente indecisos.

Veritas se aproximou, agarrando a mão do Thonos antes que ele pudesse


colocar sua arma de volta na bainha.

— Você foi ordenado a matar a criança em um caso de necessidade, — ela


disse, agitada. — Negar esse pedido seria cruel. Não negue a ela algo tão
pequeno, quando nós tiramos todo o resto.

Thonos não a impediu quando ela pegou sua lâmina e pousou aos meus
pés. Quando ela levantou, por um segundo, seu olhar afiado encontrou o meu.

O que eu vi me fez arfar. Sem dizer uma palavra, ela conseguiu mostrar
admiração e um claro aviso. A menos que ela saiba mais que os outros, por
que ela faria isso?

Ela não pode saber! Minha mente se enfureceu. Pode?

Então Veritas se virou. — A criança e a espada ficam, mas eu vou levar um


pouco dos ossos do demônio.

Não foi uma pergunta. Eu arfei em terror absoluto. E se ela quiser enfiar
aquilo entre os olhos da Katie – Denise? –?

Mencheres foi até o corpo do demônio, arrancou um dos braços do Trove


como se não fosse nada além de um galho seco.

— É o suficiente? Ele perguntou, estendendo.

Veritas pegou, analisando. — Servirá.

Então, para o meu grande alívio, ela passou pelo corpo encolhido de Katie
sem nem olhar, e foi se juntar ao outro Guardião da Lei.

Nenhum deles olhou para mim. Tudo bem. Eu nunca queria ver qualquer um
deles novamente.

— Nós acabamos, — o líder de cabelo branco disse. — Sua cooperação


será lembrada, Mencheres.

— Assim como a traição dele, — Bones respondeu imediatamente, falando


as primeiras palavras em voz alta desde que Thonos agarrou Katie.

Então ele encarou Mencheres.

— Eu jurei pelo meu sangue co-reger nossas linhagens. Pelo bem do meu
povo, eu não vou rescindir isso, mas minha esposa e eu estamos partindo, e
você não nos verá por muito tempo.

Mencheres inclinou a cabeça. — Eu entendo, e, mais uma vez, eu realmente


sinto muito.

— É pra sentir mesmo, — Ian disse, com nojo.

Ele se agachou sobre Trove, arrancando a jaqueta do demônio dos seus


ossos. Então Ian a pegou e envolveu o corpo de Katie nela, cabeça e tudo. Ela
era tão pequena que a jaqueta a cobriu inteira.

Marie, os Guardiões da Lei e membros do conselho partiram sem dizer mais


nada. Por vários segundos, os passos deles ecoaram no andar arruinado do
depósito de livros; e então houve silêncio. O poder opressivo que emanava
deles desapareceu também, até não sobrar nada exceto a energia irradiando
do Mencheres.

Com um estalo tangível, o ninho em que eu estive presa desapareceu.


Assim como o do Bones e do Tate. Nós dois corremos para a trouxa de roupas
na frente do Ian, mas Tate foi direto para Mencheres e o socou com tanta força
que eu ouvi os ossos da mão dele quebrar.

— Eu vou te matar por isso, — Ele jurou, em uma voz estrangulada.

O pulsar de energia que eu senti era provavelmente Mencheres colocando-o


de volta em uma prisão invisível, mas eu não me afastei da trouxinha na minha
frente. Eu estendi a mão, e então parei. Eu estava com medo de puxar o pano
e com medo de não puxar. Eu encontraria tudo pelo que eu esperava, ou
perceberia que tudo o que eu temi se realizou?

Mencheres ajoelhou perto de nós. Quando ele olhou para o montinho por
baixo do casaco, resignação passou pelas suas feições sombriamente belas.

— Charles vai me matar quando souber disso.

— Só depois que ele acabar de fritar meu traseiro, — Bones respondeu em


um tom igualmente desgostoso.

— Charles? — Ian soou tão irritado quanto confuso. — O que ele tem a ver
com qualquer coisa disso?

— Muito, — Bones respondeu, pegando o casaco cuidadosamente e


acomodando contra o peito. — Eu vou explicar depois. Pegue o Tate e tente
acompanhar. Mencheres?

— Deixa comigo, — seu co-regente respondeu, me dando um dos seus


raros sorrisos. — Todos vocês.

Eu não tive chance de responder. Ou de perguntar se a trouxa que Bones


carregava era Denise, então, onde está Katie? Mencheres pegou a espada
ensanguentada e o resto dos osso de Trove, então nós fomos lançados no ar.
Antes que atingíssemos o teto, um buraco se abriu, permitindo-nos passar sem
impacto. Então as janelas vazias no primeiro andar mudaram, as estruturas de
metal se abrindo para fora como membros nus tentando alcançar o céu.

Nós voamos entre elas para a noite, não deixando nada para trás no edifício
arruinado exceto sangue e o cheiro de enxofre.
Capitulo Trinta e Sete.

M encheres nos levou de volta a Chicago, mas não para a enorme

propriedade que ele divide com Kira. Assim que chegamos na periferia da área
metropolitana, nós pousamos nos fundos de uma igreja de dois andares.

Era bem depois da meia noite, então não havia luzes lá dentro. Todo o
barulho vindo dos edifícios vizinhos tornava impossível dizer se ela estava
vazia, entretanto. Pode ser tarde, mas partes de Chicago ainda estavam muito
acordadas, e nós estávamos em frente ao bairro mais movimentado da cidade.

Bones ajeitou a trouxa que carregava e seguiu Mencheres para a porta


lateral. Mencheres nos trouxe aqui tão rápido que eu não fui capaz de
confirmar quem estava na jaqueta, porque o vento roubava minhas palavras.
Agora, a pergunta disparou de mim como a bala de uma arma.

— Essa é a Denise, não é?

A porta lateral abriu e Mencheres entrou. Bones olhou para trás, para mim,
hesitando.

— Sim.

O alívio transformou meus joelhos em gelatina. A alegria me manteve de pé,


e ansiedade fez meu estômago se agitar. Eu ainda podia ver duas partes
distintas sob o casaco que Bones segurava.

— Essa é a Denise? — Tate disse, incrédulo.

Ian assobiou baixinho. — Você está certo; Charles vai matar você, e isso só
se ela voltar disso. Se ela não voltar, ele vai te manter vivo para poder te
torturar por décadas.

Foi o medo pela minha melhor amiga que fez minha voz tremer, não
preocupação pela profecia do Ian.

— Ela pode voltar disso? Claro, outros demônios disseram que só ossos dos
irmãos podem matá-los, mas decapitação mata cem por cento do resto da
população.

— Acho que estamos prestes a descobrir. — Bones murmurou.

Então ele desapareceu para dentro da mesma porta que Mencheres. Eu os


segui, muito preocupada com Denise para comentar sobre a ironia de escolher
uma igreja para ver se alguém marcada pela essência de um demônio pode se
ressuscitar.

A parte de trás tinha uma pequena cozinha, três escritórios e um banheiro.


Mencheres e Bones passaram por todos eles, entrando no santuário principal
por uma porta lateral. O cheiro de velas, incensos e madeira polida
perfumavam o ar. Um vitral na parede contornava todo o andar de cima do
santuário, transformando a luz comum da rua em raios de roxo, azul, âmbar e
esmeralda. As cores iluminavam os bancos vazios, a área do coral e a cruz
pendurada em cima do centro do altar.

Katie estava debaixo dela, flanqueada por Gorgon, Kira e um homem


humano que parecia vagamente familiar. Eu não olhei duas vezes para
nenhum deles, porque não conseguia afastar os olhos da minha filha. Ela
estava viva. Inteira. Intacta. Enquanto olhava, fui dominada pelo desejo de
abraçá-la, girando em círculos delirantemente felizes – e a compulsão de cair
de joelhos e chorar meus agradecimentos a Deus.

Ambas as ações assustariam ela. Ela já fez um progresso enorme em ficar


ali ao invés de correr ou tentar esfaquear alguém, e me ver colapsando
histericamente dificilmente seria tranquilizador.

Ao invés disso, eu sorri enquanto me aproximava com passos lentos e


calculados.

— Oi, Katie. Eu vejo que você conheceu meus amigos.

Aquelas luzes coloridas dançaram sobre o rosto dela quando ela deu um
passo na minha direção, sua cabeça se inclinando para o lado.

— Eu fiquei com eles, como você mandou, — Ela disse na sua voz alta e
musical.

Como eu mandei? Antes que eu pudesse perguntar do que ela estava


falando, Tate passou esbarrando por mim, parando quando viu Katie. Por sua
expressão aturdida, ele não acreditou no que nós dissemos a ele sobre Denise
até aquele momento.

— Katie, — ele arfou com o mesmo sussurro reverente que a maioria das
pessoas usa quando estão na igreja. Então ele caiu de joelhos, seus ombros
começando a tremer com soluços.

Os olhos dela se arregalaram, e ela olhou para trás. Yep, assustada, assim
como eu pensei. Eu cutuquei Tate, sussurrando “Se recomponha, você está
assustando ela,” enquanto mantinha o sorriso no rosto.

Bones proveu uma grande distração quando colocou o casaco volumoso no


banco mais próximo. Quando ele afastou o tecido ensopado de sangue, eu não
fui a única que ofegou com o que estava por baixo.

Uma réplica exata da cabeça de Katie repousava contra o corpo pequeno e


delgado. Braços pequenos e pálidos estavam dobrados sobre a cabeça, quase
fazendo parecer que a sósia sem cabeça estava abraçando aquilo contra o
peito.

Embora a visão fosse extremamente perturbadora, eu estava mais


preocupada que não havia nem uma pitada de regeneração nos tecidos
expostos. Denise não estava se curando do seu ferimento horrível.

Bones tinha a mesma preocupação.

— Nathanial, — ele disse, rígido. — Por que ainda não cresceu uma nova
cabeça nela?

Nathanial. Agora eu lembrava; o ruivo alto e magro era um parente muito


mais velho da Denise. Ele também foi marcado com a essência de um
demônio, que é o porquê de ele não ter envelhecido nos séculos desde então.

— Há quanto tempo isso aconteceu? — Nathanial perguntou, soando mais


engraçado do que preocupado.

— Cerca de duas horas, — Bones disse.

Racionalmente, eu sabia que ele estava certo, mas parecia que só haviam
passado minutos desde que nós deixamos o depósito de livros. Emoções agem
como seu próprio tipo de máquina do tempo, desacelerando ou fazendo
avançar rápido, dependendo das circunstâncias.
— Por que isso parece comigo? — Katie perguntou em um tom muito calmo.

Eu reprimi meu gemido. Eu estava tão nervosa sobre Denise que não pensei
em esconder a visão dela. Um dia no trabalho e eu já era uma mãe terrível,
deixando minha criança ver um corpo decapitado.

— Hum, eu acho que nós devíamos ir para o outro quarto, — eu comecei.

— Ela é uma transmorfa, — Bones interrompeu, respondendo a pergunta ao


invés de se incomodar com o que Katie viu. Talvez fosse porque ele ainda
estava bêbado de sangue de demônio.

Quando Katie continuou só olhando, Bones elaborou.

— Transmorfos podem se transformar em qualquer coisa que eles verem ou


imaginarem. Como havia pessoas atrás de você, essa aqui assumiu a sua
forma. Isso permitiu que Gorgon te levasse embora sem que eles soubessem
que você partiu.

— Por que essa me ajudou? — Ela perguntou.

Eu respondi aquilo, minha voz vibrando de emoção.

— Por que ela é minha amiga, e ela sabia que eu não queria que você
morresse.

Por um breve momento, a máscara facial da Katie rachou de um jeito que eu


nunca vi. Sua boca lentamente se curvou em uma tentativa de sorriso.

— Sua atuação foi brilhante. — Ela disse naquele seu vocabulário muito
formal.

Momento Mãe Terrível Número Dois: Eu não conseguia me obrigar a dizer a


Katie que eu não sabia sobre Denise até os últimos poucos segundos antes de
a espada do Thonos descer. Não apenas eu estaria admitindo que fui incapaz
de cumprir minha promessa de mantê-la segura apenas alguns minutos depois
de fazê-la, mas também porque Katie sorriu para mim. Eu mentiria pra caramba
se fosse pra ganhar outro daquele.

— Obrigada, — eu disse, lutando contra outra urgência de abraçá-la.

Muito rápido, o sorriso dela sumiu. — Mas agora isso está morto, você
deveria jogar isso fora antes que comece a feder.

Eu me encolhi, tanto pelo raciocínio frio quanto pelo medo de que ela possa
estar certa. Querido Deus, por favor, permita que Denise volte disso! O que ela
fez vai muito além da amizade – e da coragem. Eu não podia suportar que ela
possa ter partido para sempre por seu ato generoso. Até mesmo o pensamento
me fazia querer chorar sobre os seus restos até não restar nada em mim.

— Não é “isso”, — eu falei, com a voz rouca. — Ela, Katie. O certo é ela.

Nós tínhamos uma grande batalha pela frente para desprogramar todo o
treinamento sem consciência de Madigan. Katie tem sete, e seu corpo pode
parecer ter dez, mas, em algum lugar dentro dessa superfície militar
prematuramente envelhecida há uma garotinha. Eu só tinha que descascar as
camadas para encontrá-la.

— E Denise não está morta, — eu adicionei com uma rápida prece mental
para estar certa. — Ela vai voltar disso.

Katie expressou sua descrença com um piscar lento e sério.

— Ela vai voltar, garota, — Nathanial concordou, seu tom confiante sendo
um bálsamo para o meu medo. — A mesma coisa já aconteceu comigo, e aqui
estou, inteiro. Ela vai ficar bem. Você vai ver.

Ian lançou um olhar sarcástico para a cruz sobre nós.

— Melhor torcer para alguém estar ouvido, companheiro, ou, quando


Charles chegar, nós estaremos todos fo-

— Fortemente conscientes, — eu interrompi, fuzilando Ian com os olhos. —


Fortemente conscientes do quão terrível a perda dele será.

Ian bufou. — Meu linguajar é a menor das suas preocupações, Reaper.

Verdade, mas… — Todo mundo tem que começar de algum lugar, Ian.

— Silêncio. Eu estou sentindo alguma coisa.

A voz do Mencheres cortou através da igreja, atraindo todos os olhos para


ele. Fiquei tensa quando vi sua expressão grave. Será que alguém dos
membros do conselho ou Guardiões da Lei nos seguiu?
Então um barulho atraiu minha atenção de volta ao banco, e eu arfei,
horrorizada. A cabeça decapitada Não-Katie encolhia, a pele e tecidos
evaporando com a mesma velocidade que a do Trove quando eu o esfaqueei
no olho pela segunda vez. Aquela coroa de cabelo castanho-avermelhado
mudou, também, se enrolando e desaparecendo como se estivesse sendo
queimada por chamas invisíveis. Dentro de segundos, só um crânio nu
sobrava. Um grito me escapou quando, com um pop, aquilo implodiu,
dissipando até só sobrar uma pequena pilha de poeira.

— Não, — eu sussurrei. Oh, Denise, não! Algo ondulou sobre os resto


decapitado, cinzento e tão rápido que me lembrou Remnants em um frenesi
assassino. Então aquilo mudou, ficando um rosa pálido ao invés de cinza,
explodindo sobre aquela forma pequena e sem vida como onda após onda na
arrebentação. Ao invés de encolher, o corpo Não-Katie começou a crescer,
inflando até que as roupas que estavam largas por excesso de tecido agora se
esticavam e apertavam.

Eu não me lembro de ter corrido para ela, mas, de alguma forma, eu estava
de pé na frente do banco, olhando para baixo em descrença enquanto cetim
cor de mogno parecia se derramar do buraco enorme no pescoço dela. Um
globo pálido o seguiu, inflando como um balão. Em outro borrão de movimento,
os traços do rosto ficaram distinguíveis na pele. Bem quando o botão de cima
saiu voando da sua camisa ensanguentada porque seu corpo voltou ao ]
tamanho e curvas normais, cílios escuros abriram, revelando olhos cor de avelã
piscando para mim.

— Cat, — Denise falou, a voz rouca. — Isso… funcionou?

Eu caí de joelhos, um soluço feliz explodindo de mim. Foi a única resposta


que eu fui capaz de dar.
Epilogo.

A grande embarcação balançava para cima e para baixo nas ondas

agitadas do Atlântico, presa no lugar pela âncora que nós soltamos horas atrás.
REAPER costumava estar adornado em vermelho ao redor do casco, mas
agora dizia DESCANSO em letras verdes da cor do mar.

Eu gostava mais do novo nome. Ele representava a mudança de direção na


minha vida. Para todos os efeitos, a Red Reaper se foi. Pelo menos por um
bom, longo tempo. A sociedade dos vampiros e ghouls acreditava que Bones e
eu desaparecemos porque eu estava devastada pelo luto, e ele estava
realmente irritado com seu co-regente. Apenas um punhado de pessoas sabia
que nenhum dos cenários era correto.

A maioria dessas pessoas estava reunida na costa rochosa da Nova


Escócia, cerca de quinhentos metros de onde nosso barco estava ancorado.
Nós não tivemos a chance de dizer adeus direito antes, especialmente com
alguns deles estando espalhados pelo mundo enquanto tudo acontecida em
Detroit e Chicago. Já se passou um par de semanas desde então. Agora,
Spade não tentava mais golpear Mencheres e Bones assim que os via.

Mas ele ainda os fuzilava com o olhar, entretanto, e parecia que seu braço
estava grudado permanentemente ao redor de Denise. Ele não a soltou nem
quando ela me abraçou após Bones e eu sairmos do nosso bote.

— Pela milésima vez, eu estou bem. — Denise resmungou com ele,


apertando sua mão. Então ela me deu um sorriso torto. — Embora eu nunca
queira fazer isso de novo. Não é doloroso, na verdade, mas você sabia que eu
ainda podia ver por alguns segundos antes de apagar? Se eu tivesse um
estômago, eu teria vomitado, com certeza.

Eu sempre seria grata – e maravilhada – pelo que ela fez. Que ela podia
fazer piadas sobre isso agora apenas mostrava o tamanho da sua coragem.

Quanto a Katie, nós a estávamos ensinando a falar normalmente, ao invés


do jargão militar dela, entre muitas outras formas que estávamos tentando
apagar o treinamento de Madigan. Levaria um tempo, e estava tudo bem por
mim. Ela riu pela primeira vez ontem, quando minha mãe bateu no Tate, e
então no Bones, com uma garoupa recém-pescada após os dois homens
ficarem brigando sobre o melhor jeito de cozinhá-la. Nós cinco no mesmo navio
fez minha mãe murmurar “Nós vamos precisar de um barco maior” mais do que
uma vez, mas ela estava mais feliz do que eu já a vi.

Se eu nunca pensei em ser mãe, ela realmente nunca pensou em ser uma
avó, e ela pareceu assumir como sua missão pessoal compensar os erros que
cometeu comigo dando muito amor para Katie.

— Ela é a minha segunda chance, — ela disse, olhando para mim com
remorso em seus olhos azuis.

Eu entendi o pedido de desculpas silencioso, e aceitava. Todo mundo


merece uma segunda chance, às vezes.

É por isso que agora um fantasma pairava sobre Descanso, ficando no


barco com Katie, Tate e Justina enquanto Bones e eu nos despedíamos. Don
não precisava dizer adeus para ninguém. Como fantasma, ele poderia pular de
um lugar para o outro com facilidade, especialmente já que a essência de
Marie agia como um tipo de GPS em minhas veias. Além disso, ele não ficaria
no barco enquanto viajávamos. Bones não o tinha perdoado e talvez nunca
fosse, mas, com minha insistência, Don foi permitido visitar Katie por algumas
horas a cada poucos dias. Assim que escolhermos um lugar mais permanente
para chamar de casa, ele pode encostar seu ectoplasma por perto, se quiser.
Família é família, e daí se alguns membros não se entendem? Bem, nós
queríamos dar à Katie uma educação tão normal quanto possível. Não tinha
como ficar mais normal que isso.

— Eu vou sentir sua falta, — Eu falei para Denise, libertando ela do meu
abraço.

Ela sorriu, piscando para afastar o brilho em seus olhos cor de avelã.

— Eu também vou sentir sua falta, mas nós vamos nos ver após você se
estabelecer em algum lugar.

— Não tão cedo, — Spade murmurou sob a respiração.


Denise deu um soco de brincadeira nele. — Eu ouvi isso.

O olhar que ele deu a ela foi tão amoroso que eu não liguei por Spade meio
que nos odiar no momento. Ele era maravilhoso para a minha melhor amiga, e
é isso o que importa. Além disso, eu não podia culpá-lo por estar irritado,
apesar de Denise ter agido por vontade própria. Quando você ama alguém, o
pensamento de quase perdê-lo te faz enlouquecer. Quem era eu para julgá-lo
por isso?

— Até novamente, companheiro, — Bones disse, estendendo a mão.

Spade olhou para ela. Então ele a agarrou, usando-a para puxar Bones para
um abraço rápido e firme.

— Até novamente, Crispin, — Ele disse com uma voz carregada.

Escondi meu sorriso. Eu sabia que ele perdoaria Bones, eventualmente. A


história deles é muito longa e complexa para que ele não perdoasse. Então
Bones virou para a vampira loira-moranga voluptuosa de pé ao lado do Spade.
Nós estávamos em uma praia rochosa, com sprays salgados nos atingindo
como se estivessem furiosos, e ainda assim Annette estava vestida de forma
impecável. Ela até usava saltos. Sua maquiagem estava um pouco bagunçada
para a roupa, mas isso era por causa das lágrimas escorrendo dos seus olhos
cor de champanhe.

— Oh, Crispin, e vou sentir sua falta terrivelmente, — ela disse quando ele a
envolveu em um abraço.

Antigamente, a visão de Bones abraçando o corpo adorável dela teria me


enchido de ciúmes. Agora, eu só sentia pena de Annette. Ela o ama desde que
os dois eram humanos, e embora Bones tenha um grande afeto por ela, ele
nunca se sentiu da mesma forma. Eu espero que um dia ela ache alguém para
amar, que a ame de volta. Apesar das suas falhas – e um incidente muito
memorável no dia em que nos conhecemos – Annette provou ser ferozmente
leal. É por isso que Bones confiou nela com isso, seu maior segredo.

— Você será um pai maravilhoso, — eu a ouvi sussurrar quando o soltou.

— Ele já é, — eu disse, sorrindo para o Bones.

Então eu abracei Annette, falando sério quando disse — Nós tivemos um


começo difícil, mas você provou ser uma boa pessoa.

Seu bufar foi, de alguma forma, elegante. — O que é uma tentativa de matar
uma a outra entre amigas, certo, querida?

Eu ri enquanto a soltava. — Exatamente o que eu penso.

— Nós podemos andar logo com isso? — Uma voz entediada falou. — Eu
tenho lugares para estar e pessoas para foder.

— Ian, eu não vou te abraçar, — eu falei enquanto me aproximava dele. —


Eu sei que você gosta mais disso.

Com aquilo, eu dei um tapa nele com força suficiente para jogar a cabeça
dele para o lado. Quando se ajeitou, ele me lançou um sorriso pervertido.

— Finalmente, você me deu o que eu queria. Sabia que você me amava,


Reaper.

— Oh, desde o começo. — Eu o garanti, rolando meus olhos.

Bones agarrou Ian, abraçando-o enquanto os dois trocavam tapas


masculinos nas costas.

— Vejo você logo, primo. — Bones disse quando eles terminaram.

— De fato, vai mesmo, — Ian respondeu, piscando para mim.

Eu recebi abraços de urso de Juan, Dave e Cooper em seguida. Se


transformar tinha eliminado a maioria dos danos que Madigan causou, mas
Cooper pareceria magro para sempre, ao invés da sua constituição forte
normal.

— Eu vou sentir tanto a falta de vocês, rapazes, — eu disse a eles. —


Fiquem seguros, certo?

Cooper resmungou, divertido. — Bones vai fazer Mencheres vigiar nossas


costas enquanto você está fora, então, como não ficaríamos? — Então a
expressão dele ficou séria. — Eu fui mantido longe, tentando controlar minha
fome, então me diga uma coisa, Cat: ele está morto?

— Sim, — eu disse com firmeza. — Madigan está morto.

Eu não estava lá para ver. Nem Bones. Mencheres executou nosso antigo
inimigo, arrancando a cabeça dele com uma explosão do seu incrível poder.
Madigan nunca soube o que o atingiu, Don disse. Em um momento, ele estava
tagarelando sobre lápis de cor, no outro, ele não estava mais.

O Madigan que destruiu tantas vidas não merecia um fim tão fácil, mas tudo
o que nos sobrou foi a concha dele. Fazer a concha pagar pelos crimes de
outro não parecia justo. Conceder a misericórdia de uma morte rápida e sem
dor era. Até mesmo a concha sabia demais sobre Katie para ser seguro.

Uma forma escura apareceu no céu turvo sobre nós, afastando aquela linha
de pensamento. Então aquela forma caiu quase mais rápido que a velocidade
do som, pousando com as costas para nós a cerca de quatro metros de
distância.

Eu só precisei ver o longo cabelo negro balançando com o vento para saber
que era Mencheres. Dê crédito ao antigo faraó por saber como fazer uma
entrada.

Quando ele se virou, eu esperei que a mulher abraçada ao seu peito fosse
Kira. Quando eu vi um cabelo negro espesso e um tom de pele decididamente
mais escuro, eu fiquei em choque.

— Por que ela está aqui? — Eu ofeguei.

Marie soltou Mencheres com uma graça real, mas ela parecia tão surpresa
em me ver quanto eu fiquei em vê-la.

— Você disse que tinha negócios urgentes comigo, Mencheres, — ela disse,
a voz mais fria do que a temperatura da noite. — Você me trouxe aqui para
vingança, então?

— Não, — Bones disse, pegando minha mão e me puxando para frente. —


Você está aqui para ser lembrada da sua promessa, Majestic.

Ele ia contar a ela que Katie está viva? Bom Deus, por quê? Nós já
estávamos quase acabando de dar nossos adeus e a caminho de uma fuga
limpa!

Então eu parei. Bones nunca colocaria Katie em perigo, então, o que eu


estava deixando passar? Uma sombra apareceu na minha visão periférica e,
após uma olhada, eu afastei aquilo.
Era só um fantasma. Eu estive atraindo eles como fedor atrai moscas, e é
por isso que nós passaríamos alguns meses em um barco antes de nos
estabelecermos ou na Nova Zelândia ou na Austrália. Fantasmas não
costumam frequentar água aberta, e quando nós finalmente decidirmos para
onde ir – e conseguirmos preparar Katie para interagir com pessoas sem se
assustar – o poder de Marie estaria fora do meu sistema. Até lá, eu tinha que
despachar o fantasma com instruções para não repetir nada do que ele viu ou
ouviu. O mesmo que eu fiz com todos os outros antes, e-

— Claro! — Eu disse em voz alta.

Marie levantou as sobrancelhas como se dissesse você vai dividir isso com o
resto da classe ou não?

— Bones está certo, você não está aqui porque nós queremos vingança, —
Eu disse, — Nós não precisamos. Katie está viva.

O queixo de Marie até mesmo caiu, então ela me olhou de um jeito estranho,
como se estivesse se perguntando se minha mente tinha quebrado pela
tristeza.

— Eu não vejo como isso seja possível, — ela disse em um tom neutro.

— Um demônio transmorfo que nos fez um favor, — eu disse. — Você só


pode matar demônios de um jeito, e decapitação não é ele.

Suspeita e descrença competiam nas feições dela antes que elas ficassem
perfeitamente suaves.

— Se a pessoa executada não era a criança, por que você diria a mim?

— Você é a única pessoa que pode nos encontrar sem procurar, — Bones
disse. — Com aqueles seus capangas nebulosos, ninguém pode se esconder
de você.

— Então, se algum fantasma contar histórias sobre uma estranha família de


vampiros que eles encontraram, você pode mandá-los calar a boca, — eu
adicionei. — Meu poder de controlar fantasmas vai acabar, mas o seu nunca
vai. É por isso que estamos te contando sobre a Katie. Você vai nos ajudar a
mantê-la em segredo.

A boca do Bones se curvou. — E você vai querer fazer isso, por que se uma
palavra sobre ela ter sobrevivido vazar, você será considerada cúmplice de
enganar o conselho vampiro.

— Como? — Marie perguntou simplesmente.

— Com isso, — Ian disse em um tom alegre.

Todos nos viramos. Ele segurava uma câmera, sorrindo.

— Tirei algumas fotos adoráveis de você falando com Crispin, Cat e


Mencheres, mas é o barco no fundo que realmente torna isso incriminador.

— Além disso, — O sorriso do Mencheres era grande o bastante para exibir


as presas. — Você fará isso por que, se não fizer, eu posso arrancar a sua
cabeça a duas cidades de distância.

Marie riu de forma afiada depois daquilo.

— Eu posso enviar Remnants atrás de você da mesma distância, então


vamos parar com as ameaças.

— Sim, vamos, — Eu disse de uma vez. — Ao invés disso, por que nós não
tentamos algo que nenhuma das nossas espécies foi capaz de fazer antes?
Vamos confiar uns nos outros.

Eu estendi a mão, encarando os olhos cor de avelã de Marie.

— Em Nova Orleans, você jurou por seu sangue que se houvesse uma
execução pública, você deixaria Katie e o resto de nós em paz. Você conseguiu
sua execução. Agora, dê-nos nossa paz, e nós prometemos fazer o mesmo por
você e seu povo.

Marie olhou para a minha mão, e então para o barco à distância.

— Você está preparada para escondê-la até ela morrer uma morte natural?
Com a linhagem de sangue dela, isso pode demorar bastante.

— Então esse é o tempo em que nós ficaremos longe. — eu respondi


calmamente. — Mencheres prometeu lidar com os problemas do povo deles, e
eu nunca fui uma borboleta sociável, de qualquer forma.

Seu olhar voou para o Bones, em seguida.


— Você desistiria de tanto assim, pela filha de outro homem?

— Katie é minha filha, — Bones respondeu instantaneamente. — Ela pode


não ser minha filha biológica, mas isso meramente significa que ela tem dois
pais.

Marie olhou para o barco outra vez. Eu também olhei. Tate estava no
convés, Katie de pé ao lado dele. Ela estava com Helsing nos braços, como de
costume. Pare meu deleite, Katie amava ter um animalzinho, e meu gatinho
recebeu o afeto adicional como devia. Já estava quase escuro, mas ainda
assim eu podia ver as novas mechas loiras no cabelo castanho-avermelhado
de Katie. Ela amava a luz do sol, embora nós tivéssemos que emplastrar ela de
protetor solar Fator 50. Talvez ela passe tanto tempo nele agora porque ela
raramente o via antes.

Então Marie olhou de volta para mim. Com uma pitada de sorriso sarcástico,
ela pegou minha mão.

— Nós confiaremos uns nos outros então. Depois de milhares de anos, já


passou da hora das nossas duas espécies tentarem isso, ao invés de ameaças
e morte.

— Melhor tarde do que nunca, — Eu disse, balançando a mão dela.

Quando nós soltamos, eu peguei a mão do Bones, saboreando a sensação


da sua carne e o poder que me envolveu com sua própria carícia.

Nós podíamos fazer qualquer coisa juntos. Eu não acreditei nisso antes, mas
acreditava agora.

— Mencheres, — Marie disse, virando para o outro vampiro. — Já que


estamos todos de acordo, você precisa me levar de volta à minha cidade. Eu
preciso me certificar de que mais ninguém do meu povo me desobedeça como
aqueles em Detroit fizeram.

— O trabalho de uma rainha nunca termina, — eu disse, com humor.

Agora o sorriso dela foi sagaz. — Nem o de uma mãe, Reaper, como você
logo descobrirá.

Eu olhei para o barco, acenando dessa vez. Tate acenou de volta. Katie
olhou para ele, para mim, e então levantou a mão, balançando ela de forma
hesitante.

Eu não poderia estar mais orgulhosa nem se ela tivesse composto um


soneto e então prendido ele em um alvo atirando uma faca há cinquenta
passos de distância.

Quando eu olhei de volta para Marie, eu estava sorrindo.

— Eu não posso esperar para descobrir, e é por isso que eu vou começar
agora. Bones?

Ele riu. — Eu já estava pronto, amor. É você que estava demorando tanto,
como sempre.

Eu não pude me impedir de sorrir. — Então não vamos esperar mais. Todo
mundo… nós os veremos novamente, alguns mais cedo, outros mais tarde,
mas, como vampiros dizem, até novamente.

Então, ao invés de subir de volta no bote e remar, eu o agarrei e voei.

Fim!
Nota da Tradutora:

Nossa série principal chegou ao fim :’( Embora ainda tenhamos um livro de
Night Prince para traduzir e, possivelmente, mais alguns contos, o coração fica
apertado em saber que não teremos mais Cat e Bones para nos fazer pirar!

Eu, pessoalmente, devo muito à série e a autora. Não apenas Jeaniene


Frost me inspirou a começar a escrever – o que já rendeu três livros em
contrato e alguns contos – mas foi por causa de Night Huntress que eu aprendi
inglês. A série vai ficar no coração para sempre, mas estou muito feliz com a
forma que a Jeaniene conseguiu fechá-la com chave de ouro. Existem séries
maravilhoas com dezenas de volumes, mas algumas histórias nós precisamos
deixar ir, por mais que doa, para que ela se vá como deve ser. Quando o autor
pensa com o coração, e não com o bolso, e finaliza uma série no momento
devido, nós sabemos que ele valoriza seus leitores e seu trabalho. Fico muito
feliz por a Jeaniene ser assim.

Night Huntress também influenciou minha vida de outra forma: deu-me


vários amigos maravilhosos dede a época do Orkut! Nosso grupo de tradução
não irá acabar! Graças a Deus, a Jeniene está no auge da sua carreira, e nós
vamos traduzir seus outros livros e contos lá no grupo. Com certeza ela nos
dará muitos personagens maravilhosos para amarmos e história para nos fazer
esquecer as complicaçoes do dia a dia.

Obrigada a todas as Kittens pelo carinho com o grupo, com nosso trabalho,
e por serem pacientes com os atrasos. Nós bem que gostaríamos de poder
traduzir o dia inteiro, mas infelizmente a vida real chama. E mesmo que a série
mude, seremos Kittens para sempre!

Nos veremos em breve em Broken Destiny! E, já pra que fique claro, o


Adrian é MEU! :p
Ordem de Leitura:
 RECKONING – Conto 0.5 – traduzido e disponível para dowload no grupo.
 HALFWAY TO THE GRAVE – Livro Night Huntress 01 - traduzido e disponível para
dowload no grupo.
 ONE FOOT IN THE GRAVE – Livro Night Huntress 02 - traduzido e disponível para dowload
no grupo.
 HAPPILY NEVER AFTER – Conto 2.5 – AINDA EM TRADUÇÃO.
 AT GRAVE’S END – Livro Night Huntress 03 - traduzido e disponível para dowload no
grupo.
 DEVIL TO PAY – Conto 3.5 - traduzido e disponível para dowload no grupo.
 DESTINED FOR NA EARLY GRAVE – Livro Night Huntress 04 - traduzido e disponível para
dowload no grupo.
 ONE FOR THE MONEY – Conto 4.5 - traduzido e disponível para dowload no grupo.
 FIRST DROP OF CRIMSON – Livro Night Huntress World 01 (spin-off) - traduzido e
disponível para dowload no grupo.
 ETERNAL KISS OF DARKNESS – Livro Night Huntress World 02 (spin-off) - traduzido e
disponível para dowload no grupo.
 THIS SIDE OF THE GRAVE – Livro Night Huntress 05 - traduzido e disponível para dowload
no grupo.
 ONE GRAVE AT A TIME – Livro Night Huntress 06 - traduzido e disponível para dowload
no grupo.
 HOME FOR THE HOLIDAYS – Conto 6.5 - traduzido e disponível para dowload no grupo.
 ONCE BURNED – Livro Night Prince 01 (spin-off) - traduzido e disponível para dowload no
grupo.
 TWICE TEMPTED – Livro Night Prince 02 (spin-off) - traduzido e disponível para dowload
no grupo.
 UP FROM THE GRAVE – Livro Night Huntress 07 – ESTE EBOOK. É o último da série
Night Huntress. Traduzido e disponível para dowload no grupo.
 BOUND BY FLAMES – Livros Night Prince 03 (spin-off) – Ùltimo livro da série Night Prince.
O lançamento está previsto para 26 de Janeiro de 2015. Também será traduzido por nós.

Atenção, todos os contos pertencem à série Night Huntress.


ATENÇÃO, ESTA TRADUÇÃO É FEITA ENTRE FÃS, SEM FINS
LUCRATIVOS! É PROIBÍDA A DISTRIBUIÇÃO DE FORMA COMERCIAL.
PRESTIGIE A AUTORA, COMPRE OS LIVROS DA SÉRIE!

Para ler os livros da série Night Huntress, Night


Huntress World, Night Prince, contos e cenas
deletadas, participe do nosso grupo!

https://www.facebook.com/groups/nighhuntress/

Anda mungkin juga menyukai