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Newton C. A.

da Costa
Décio Krause

NOTAS DE LÓGICA

Parte I:
Lógicas Proposicionais Clássica e
Paraconsistente
(Texto Preliminar)

? ? ?
Grupo de Lógica e Fundamentos da Ciência, UFSC/CNPq
Núcleo de Epistemologia e Lógica
Departamento de Filosoa
Universidade Federal de Santa Catarina

florianópolis
2004
ii
Prefácio

E ste é um texto introdutório de lógica e de sua losoa. Apresentando


uma iniciação à parte mais básica da lógica, a chamada lógica proposicional,
aproveitaremos para discorrer sobre os sistemas lógicos em geral e sobre vários
dentre os principais conceitos envolvidos com os formalismos. Deste modo,
esperamos que não somente o leitor aprenda algo de lógica, mas a entenda, o
que certamente é a parte mais difícil. Como motivação para estudos posteri-
ores, apresentamos a lógica proposicional paraconsistente. Essas lógicas têm
encontrado aplicações em várias áreas do saber (aplicações tecnológicas na
medicina, na inteligência articial, na robótica, na engenharia elétrica, nos
fundamentos da física e da matemática etc.), e constituem tema de interesse,
em particular para qualquer pessoa que se dedique aos fundamentos da ciên-
cia ou à sua losoa. Este texto pode também ser considerado como uma
introdução ao assunto.
A lógica é uma disciplina que desenvolveu-se enormemente a partir de
meados do século XIX, tendo alcançado resultados que em nada cam de-
vendo, seja em alcance, seja em profundidade, a qualquer das ciências empíri-
cas ou mesmo à matemática. Ademais, sua contraparte losóca tem grande
relevância e importa para discussões em variados campos do saber. No decor-
rer do século XX, vários sistemas 'não-clássicos' foram elaborados, e pode-se
sem dúvida sustentar que o surgimento das lógicas não-clássicas constitui fato
de importância comparável ao aparecimento das geometrias não-euclidianas
no século XIX. Há quem sustente inclusive que a lógica 'clássica', de tradição
aristotélica, deve ser substituída por alguns desses sistemas. Esta não é a
nossa opinião, como deixaremos claro no decorrer do livro, apontando as
razões para esta nossa crença. No entanto, o fenômeno do surgimento das
lógicas não clássicas pode ser dito constituir um verdadeiro 'ponto de in-
exão' na evolução dos fundamentos da ciência, ainda por ser devidamente
entendido e explorado losocamente.
iv Prefácio

Adentrar a este campo, compreender o seu assunto ou mesmo valer-se


de suas técnicas e conteúdos, seja para cultivar a lógica qua lógica, seja ou
para discussões em outras áreas, requer disciplina e trabalho árduo. Não há
outro modo de aprender algo de lógica sem trabalhar bastante. Também em
lógica, como em geometria, não há caminho real.1 O matemático Yuri Manin
comenta que, segundo o grande lógico norte-americano Barkeley Rosser, uma
vez que uma demonstração esteja escrita em uma linguagem formal, ela pode
ser seguida até mesmo por um idiota (a moron ), bastando para isso paciência
e método. No entanto, para Manin, isso não se dá de forma alguma. Segundo
ele, a mente humana não está adaptada para analisar textos formais [Man77,
p. 38]. Isso quer dizer que é preciso esforço, mais para uns, menos para
outros.
Este texto apresenta algumas das noções básicas sobre os sistemas dedu-
tivos em geral, podendo servir como uma primeira introdução ao assunto.
Esta primeira parte limita-se ao âmbito do chamado cálculo de proposições,
seja pela sua simplicidade, seja porque basta para que conceitos fundamen-
tais como os de sistema formal, de teorema, de teoria consistente, contradição
etc. possam ser introduzidos e trabalhados de forma precisa, e para que a sua
signicação losóca seja discutida. Um bom conhecimento desses e de out-
ros conceitos certamente auxiliarão o leitor a compreender muito da losoa
do século XX e das bases da ciência presente. Um segundo volume está
sendo planejado, contendo a Lógica de Primeira Ordem e com noções sobre
as lógicas de ordem superior e algo de teoria de conjuntos.
Iniciaremos o nosso estudo de forma a chegar ao conceito de sistema (ou
teoria) formal e, após a introdução de alguns conceitos básicos relacionados
aos sistemas sistemas axiomáticos em geral, estuda-se o Cálculo Proposicional
Clássico por meio de um sistema formal. Por m, o Cálculo Proposicional
Paraconsistente é apresentado, quando aspectos losócos relacionados a es-
sas lógicas são então introduzidos. Entremeio o texto, e nos Apêndices, várias
informações complementares e bibliograa adicional são fornecidas com a -
nalidade de relacionar o assunto a temas mais abrangentes, como sistemas
envolvendo lógicas não clássicas e algumas sugestões acerca de teorias físicas.
O texto segue muito de perto partes do livro Introduction to Mathemati-
cal Logic, de Elliot Mendelson [Men87], que indicamos para leituras mais
1 Em
seu livro de história da matemática, Carl Boyer menciona uma passagem de Pro-
clus Diadocus: Ptolomeu uma vez perguntou a Euclides se havia um caminho mais curto
para a geometria do que o estudo dos Elementos, e Euclides lhe respondeu que não havia
estrada real para a geometria"[Boy74, p. 74].
Prefácio v

aprofundadas em lógica clássica e, no tocante à lógica paraconsistente, segue


Sistemas Formais Inconsistentes [Cos63] e Ensaio sobre os Fundamentos da
Lógica [Cos94], ambos do primeiro dos autores.
Este texto começou a ser preparado para seminários introdutórios à lóg-
ica realizados na Universidade Federal de Santa Catarina, mas vários colegas
sugeriram que ele poderia ser útil em geral, motivo pelo qual está sendo divul-
gado para um público mais amplo. Gostaríamos de agradecer a todos esses
colegas sem precisar mencioná-los um a um, e sem que com isso queiramos
comprometê-los com as eventuais falhas ou omissões que ainda se apresentam
no texto.

Florianópolis, Fevereiro de 2004.


Os autores
vi Prefácio
Conteúdo

Prefácio iii
1 Sistemas Formais 1
1.1 Dos sistemas axiomáticos aos sistemas formais . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Sistemas Formais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2.1 O conceito formal de prova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.3 O Sistema MAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.3.1 Indução sobre teoremas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.3.2 Teoremas e metateoremas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.3.3 Provas, demonstrações e outras coisas . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.4 Dedução a partir de um conjunto de premissas . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.4.1 Raciocínios Derrotáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

2 Os alicerces da lógica proposicional clássica 21


2.1 Conectivos Lógicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.2 Simbologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.3 Contextos Extensionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.4 Regras clássicas de dedução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.4.1 Prova de um condicional (PC) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.4.2 Mais sobre o condicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.4.3 Prova por contraposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4.4 Redução ao Absurdo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.4.5 Validade de argumentos, I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2.4.6 Os paradoxos da implicação material . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.5 Teorias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.5.1 O que é uma lógica? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

3 O Cálculo Proposicional Clássico 49


3.1 O cálculo C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.1.1 Digressão: Denições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.1.2 Observação sobre a notação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.2 Semântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3.3 Validade: Tabelas-Verdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3.4 Decidibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

vii
viii Prefácio

3.5 Digressão: 'Implicação Física' . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59


3.6 Conectivos adequados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
3.6.1 O Teorema de Post . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
3.6.2 Conectivos de Sheer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
3.7 Tabela de tautologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
3.8 Validade de argumentos, II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

4 Axiomatização do Cálculo Proposicional Clássico 71


4.1 O Teorema da Dedução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
4.2 Correção e Completude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
4.3 O método das matrizes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
4.3.1 Lógicas polivalentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
4.3.2 Independência de axiomas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
4.4 Outras axiomatizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
4.4.1 Axiomática a la Whitehead-Russell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
4.4.2 Axiomática e la Frege-Šukasiewicz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
4.4.3 Axiomática de Kleene . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
4.4.4 Sistemas com um único axioma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

5 O Cálculo Proposicional Paraconsistente 89


5.1 Paraconsistência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
5.2 Os Cálculos Proposicionais Cn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
5.2.1 A hierarquia Cn , 0 ≤ n ≤ ω . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
5.2.2 Teorias paraconsistentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

Apêndice A
Reticulados e Álgebras de Boole 115
5.3 Reticulados como sistemas ordenados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
5.4 Álgebras de Boole . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
5.5 Álgebra de Lindenbaum associada ao Cálculo Proposicional Clássico . . . . 124
5.6 Digressão: Sobre a algebrização da lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

Apêndice B
Indução e Recursão 127
5.7 Indução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
5.8 Recursão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
5.9 O Teorema da Recursão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

Apêndice C
Uma visão geral de alguns sistemas proposicionais 133
5.10 A lógica intuicionista e a física atual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Capítulo 1
Sistemas Formais

A pós discutir um pouco sobre o método axiomático, apresentamos o con-


ceito de sistema (ou teoria) formal, para então apresentar um sistema formal
que denominaremos de Cálculo Proposicional Clássico. Noções sintáticas e
semânticas relacionadas a este cálculo (e aos sistemas formais em geral) serão
introduzidas, bem como serão apresentados alguns dos principais resultados
meta-teóricos (ou seja, resultados sobre esses sistemas). Acreditamos que
o estudo desta pequena parte da lógica atual tem grande importância, pois
fornece excelente oportunidade para que se possam discutir conceitos que se
aplicam a sistemas formais em geral e para estudos posteriores envolvendo
quanticação, as lógicas de ordem superior, os fundamentos da teoria dos con-
juntos, da matemática e mesmo da contraparte matemática das disciplinas
das ciências empíricas.
O conceito de sistema formal sedimentou-se a partir do nal do século
XIX, quando a lógica teve um desenvolvimento enorme, que se ampliou e
aprofundou ainda mais no decorrer do século XX. Os sistemas formais, grosso
modo, nada mais são do que contrapartes formais de sistemas axiomáticos.
Esses sistemas, pelo que sabemos, tiveram origem com os gregos antigos,
como Arquimedes, tendo no entanto a obra de Euclides de Alexandria, os
Elementos se tornado a referência mais popular quanto ao uso do método
axiomático. Posteriormente, os sistemas axiomáticos foram sendo utilizados
amplamente, como por Issac Newton e por vários outros cientistas. A difer-
ença fundamental para os chamados sistemas axiomáticos modernos, origi-
nados principalmente com Hilbert, consiste em que os 'tradicionais' visavam
tratar, por meio de axiomas, de determinados domínios 'xos' do conhec-
imento, sendo que esses axiomas deviam ser tomados, como se pensava à

1
2 Sistemas Formais

época, como 'verdades evidentes' acerca desses domínios. Hilbert evidenciou


que isso não precisa ser assim; dizia que a geometria não se altera em nada
se palavras como ponto, reta e plano (que constavam dos axiomas de Eu-
clides) forem substituídas respectivamente por caneca, garrafa de cerveja e
mesa.1 Isso veio indicar que os sistemas axiomáticos não precisam carregar
o signicado intuitivo dos conceitos que encerram, ainda que esses em geral
tenham algum signicado quando da proposta do sistema. Esse conteúdo, no
entanto, não deve desempenhar qualquer papel na derivação dos teoremas,
que é o que fundamentalmente se busca com o uso de sistemas axiomáticos
(este assunto, pela sua importância, será abordado na seção seguinte).
Neste texto, veremos uma introdução ao estudo desses sistemas. As ex-
plicações iniciais visam unicamente localizar o leitor em um contexto mais
amplo, mas uma mais ampla compreensão do papel dos sistemas dedutivos
só pode ser alcançada após o leitor ter 'sujado as mãos' em alguma medida,
o que será sugerido que se faça o mais breve possível, a partir da seção 1.2.

1.1 Dos sistemas axiomáticos aos sistemas for-


mais
Nos Primeiros Analíticos, Aristóteles comenta que o objetivo de nossa in-
vestigação (. . .) é a demonstração [Ari49, 24a10]. A concepção de ciência
de Aristóteles, calcada na idéia de 'ciência dedutiva', na qual o conceito de
demonstração (ou de 'prova') desempenha papel fundamental, exerceu uma
inuência secular em toda a teoria do conhecimento tradicional (para ele, a
metafísica visaria o estudo dos princípios primeiros da demonstração [Ros95,
p. 166]). O modo de operar com uma tal concepção faz uso do chamado
método axiomático, originado com os antigos gregos, e ainda hoje ampla-
mente utilizado em praticamente todas as disciplinas cientícas. Porém, foi
somente a partir do nal do século XIX que houve um perfeito entendimento
de seu alcance e limitações, tendo inclusive o uso deste método sofrido uma
ampla reestruturação. A partir dessa época (notadamente a partir de David
Hilbert (1862-1943)), e sedimentando-se no decorrer do século XX, apare-
ceu a distinção entre 'axiomáticas concretas' e 'axiomáticas abstratas' (ou
'modernas').
Falando sem muito rigor, uma teoria (axiomática), já como possivelmente
1 Para maiores detalhes e referências, consultar [Kra02].
Dos sistemas axiomáticos aos formais 3

a entendia Aristóteles, consiste num conjunto de 'verdades' acerca de uma


determinada realidade, organizado de tal forma que todos os conceitos são
denidos a partir de alguns poucos conceitos básicos (ditos conceitos primi-
tivos), os quais não se dene, e que seriam conhecidos intuitivamente (para
ele, já era claro que não de pode denir tudo sem se cair em uma regressão in-
nita ou em circularidade). Esses conceitos eram então articulados por meio
de algumas proposições primitivas (os postulados),2 que não se demonstram,
pois sua veracidade seria evidente pela intuição que temos acerca do domínio
em estudo. As demais proposições (os teoremas) eram então obtidas a partir
dos postulados por demonstração.
A partir de uma certa época, percebeu-se que os conceitos primitivos não
necessitam ter uma 'interpretação xa', podendo assumir variadas interpre-
tações.3 Em outras palavras, o chamado 'método axiomático moderno ' não
mais estabelece axiomáticas de conteúdo, nas quais os conceitos primitivos
vêm já dotados de uma interpretação xa, intuitiva. Ainda que em sua apre-
sentação os conceitos primitivos (o mesmo podendo se dar com os demais) que
utiliza tenham conotações que nos remetam a dar-lhes alguma 'interpretação
pretendida',4 eles devem ser entendidos como sendo todos explicitamente in-
troduzidos e denidos unicamente pelas relações que se estabelecem entre
eles pelos postulados, sem que se façam referências a propriedades que não
estejam dadas pelos postulados. Estes, por outro lado, não são mais consid-
erados como 'evidentes por si mesmos', mas sua veracidade é hipotetizada
com a nalidade de se vericar o que deles se pode deduzir; de certo modo,
as teorias axiomatizadas tomaram o alcance de sistemas hipotético-dedutivos
[Lad69, p. 35].
Importante salientar que, na derivação dos teoremas no escopo da prática
matemática usual, bem como na formulação das denições e dos postulados,
raramente é feita referência ao tipo de linguagem utilizada ou aos princípios
lógicos que permitem as derivações. O matemático (e o cientista em geral)
2À época, fazia-se a distinção entre 'axiomas' e 'postulados'; aqueles consistiam basi-
camente em 'verdades' aplicáveis a todas as ciências, como a de que o todo é maior do que
qualquer de suas partes, enquanto que estes eram 'verdades' acerca da particular disciplina
em estudo, como a geometria. Essa distinção não é feita mais hoje em dia.
3 Acertadamente, a literatura salienta o papel preponderante de Hilbert nesta questão,
mas na verdade houve pensadores que mesmo antes dele já se exprimiam da mesma forma,
como M. Pash em 1882 ([Wil65, p. 7]) ou o matemático português José Anastácio da
Cunha; ver [Kra02, Cap. 1] para referências.
4 Mais à frente, daremos exemplos de sistemas formais nos quais não há essa 'conotação
incicial'.
4 Sistemas Formais

usa formas de inferência de modo informal e intuitivo, sem que tenha sido
feita qualquer análise prévia desses procedimentos. Isso no entanto tem a sua
razão de ser, pois exigiria do cientista que aplica o método axiomático a uma
determinada área, como a física ou a biologia (ou mesmo à matemática), uma
regressão que em muito o desviaria de seus propósitos. Assim, quando se fala
acima que nada é pressuposto que não tenha sido explicitamente declarado
nos postulados, deve-se fazer certas concessões. Tomemos um exemplo.
Considere um sistema axiomático cujos conceitos primitivos sejam ponto
e reta.5 Os postulados sâo: (1) Toda reta é uma coleção (conjunto) de pontos;
(2) Há pelo menos dois pontos; (3) Se p e q são pontos distintos, então há
uma e somente uma reta que os contém; (4) Se r é uma reta, então há pelo
menos um ponto que não pertence a r.
Obviamente, temos aqui uma idéia intuitiva do que ponto e reta sig-
niquem, o que provavelmente trazemos de nossas aulas de geometria da
escola elementar. Com efeito, dando a esses conceitos precisamente esses
signicados ou interpretações, pode-se vericar sem muita diculdade que os
postulados (1) a (4) são 'verdades geométricas', o que signica que podem ser
derivados dos postulados da geometria euclidiana. No entanto, no espírito
do método axiomático moderno ou abstrato, podemos dar a esses conceitos
outras interpretações. Por exemplo, imagine uma universidade, que chamare-
mos de U , que tenha pelo menos dois alunos, de tal forma que cada um dos
alunos de U cursa pelo menos uma disciplina, mas de sorte que, para cada
p em U , há uma e uma só disciplina que ele cursa. Agora deixe 'ponto' sig-
nicar 'aluno de U ' e 'reta' signicar 'disciplina que os alunos de U cursam'.
Isso posto, os postulados (1) a (4) tornam-se igualmente 'verdadeiros'.

Exercício 1.1.1 (a) Verique o que foi dito acima, ou seja, que os postulados
(1) a (4) são vericados para a interpretação envolvendo U e seus alunos. (b)
Acrescente ao sistema acima o seguinte postulado: (5) Se r é uma reta e p um
ponto que a ela não pertence, então existe uma e somente uma reta contendo
p e que é paralela a r. Convença-se que os postulados (1) a (5) do texto são
teoremas da geometria euclidiana. No entanto, tendo em vista a segunda
interpretação (a dos alunos e disciplinas), (5) falha. Explique porquê.

Os exemplos dados acima mostram que, ainda que possamos dar aos
conceitos primitivos de um sistema axiomático variadas interpretações, há
coisas que ainda cam subentendidas, como (nos postulados (1) a (5) acima),
5 Este exemplo é adaptado de [Wil65, Cap. 1].
Dos sistemas axiomáticos aos formais 5

os conceitos de conjunto, dois, distintos, contém, pertence e paralela. Alguns


desses conceitos, como o de retas paralelas, obviamente dizem respeito ao
próprio sistema axiomático que se está utilizando, e podem ser introduzidos
a partir dos conceitos primitivos do sistema (por exemplo, podemos colocar
a seguinte denição: 'duas retas são paralelas se não há ponto que pertença
a ambas'). Outros, no entanto, como os demais acima referidos, pertencem
a um outro nível de discurso, o da lógica (e da matemática) subjacentes
ao sistema axiomático. Conceitos como 'todo', 'algum', 'distintos', 'iguais',
'pertence' etc., se os quisermos especicar (e entender), exigem que tratemos
como um sistema axiomático tanto a lógica (que determina os modos pelos
quais realizamos as demonstrações nos nossos sistemas) quanto a matemática
utilizadas.
Se fossemos exigir explicações detalhadas acerca desses 'demais conceitos',
o matemático ou o lósofo diria que tratam-se de conceitos da lógica e da teo-
ria de conjuntos 'clássicas', que veremos em algum detalhe no que se segue.
O que nos interessa é precisamente estudar (ou iniciar o estudo) dessa parte
conceitual básica à matemática e às disciplinas cientícas, o que exigirá um
passo adicional rumo à abstração relacionada aos sistemas axiomáticos (já
saímos dos sistemas 'concretos' para os 'abstrato', e agora iremos para um
outro patamar, ainda mais abstrato, o dos sistemas formais ). Para darmos
esse passo adicional rumo à crescente abstração, devemos a razão pela qual
a própria lógica (e a matemática) subjacente a um sistema dedutivo devem
ser tornadas explícitas. Por exemplo, quando se deseja saber quais são os
princípios básicos de inferência de determinda disciplina, qual a capacidade
de expressão, ou as limitações da linguagem que utiliza, ou então simples-
mente porque deseja-se fundamentar um determinado sistema em uma lógica
distinta daquela que, hoje, denominamos de 'clássica' ou 'tradicional'. Isso
cará claro à frente. Este passo adicional no sentido da abstração ruma para
o que se denomina de sistema formal ; grosso modo, trata-se da contraparte
formal de um sistema axiomático.
Como veremos abaixo, a própria lógica pode ser tratada como um sistema
dedutivo, e isso somente pode ser feito por meio de sistemas formais. Antes
porém de ver em que consistem esses sistemas, vamos analisar um outro
exemplo a m de reforçar alguns pontos mencionados acima.

Exemplo 1.1.1 Considere então o seguinte exemplo de sistema axiomático,


que objetiva sistematizar as regras usuais de adição e de multiplicação de
6 Sistemas Formais

números inteiros, ou seja, do conjunto

Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .}.

Os axiomas são obtidos a partir do conhecimento de algumas das propriedades


básicas, como o fato de que 3 + 5 = 5 + 3. A partir de fatos como este,
que pretendemos aceitar, somos levados a generalizar para inteiros arbitrários
m e n, postulando por exemplo que, para quaisquer inteiros m e n, se tem
m + n = n + m.
Admitindo então que em Z possamos realizar duas operações, a adição
m + n e a multiplicação mn, os postulados ou axiomas são os seguintes:

(1) Para todos m e n em Z, tem-se que m+n = n+m e mn = nm(comutatividade


da adição e da multiplicação)

(2) Para todos m, n e k em Z, tem-se que m + (n + k) = (m + n) + k e


m(nk) = (mn)k (associatividade da adição e da multiplicação)

(3) Para todos m, n e k em Z, tem-se que m(n + k) = mn + mk (distribu-


tividade da multiplicação em relação à adição)

(4) Existe um inteiro 0 em Z tal que, para todo m em Z, tem-se que


m + 0 = m (existência de um elemento neutro aditivo)

(5) Existe um inteiro 1 em Z tal que, para todo m em Z, tem-se que m1 = m


(existência de um elemento neutro multiplicativo)

(6) Para todo inteiro m, existe um inteiro k em Z tal que m + k = 0.

(7) Para todos m, n e k em Z, se k 6= 0, então km = kn implica m = n


(lei do cancelamento). Que alternativamente pode ser assim enunciada: se
mn = 0, então m = 0 ou n = 0.

Partindo desses axiomas, que caracterizam o que os matemáticos chamam


de domínio de integridade, pode-se obter por demonstração (usando-se as
leis da lógica clássica, que veremos abaixo) todas as demais propriedades da
aritmética dos inteiros. Como exemplo, derivaremos umas delas (como se faz
nos textos usuais de matemática):

Teorema 1.1 Para todos m, n e k em Z, se k + m = k + n, então m = n.


Dos sistemas axiomáticos aos formais 7

Demonstração: Assuma que k + m = k + n (abaixo, veremos com algum


detalhe este tipo de procedimento, que consiste na prova 'direta' de um condi-
cional). Do axioma (1), obtemos m + k = n + k . Seja r um número inteiro
tal que k = r 6= 0, que existe pelo axioma (6). Adicionando r a ambos os
membros da equação precedente, obtemos (m + k) + r = (n + k) + r. Então,
pelo axioma (2), obtemos m + (k + r) = n + (k + l). Mas então, devido á
escolha de r, camos com m + 0 = n + 0 e então, fazendo uso do axioma (4),
obtemos nalmente m = n.

Exercício 1.1.2 Pense um pouco no que foi feito. O que justica podermos
somar r a ambos os membros da equação m + k = n + k ?

O exemplo precedente merece alguma explicação adicional. Os axiomas


(1)-(7) evidentemente não surgiram do nada. Não há método geral a seguir
para se estabelecer um conjunto de postulados. Os axiomas acima foram
postulados para dar conta das propriedades usuais dos inteiros, e vieram da
experiência e habilidade dos matemáticos. No fundo, isso é o que conta.
Os axiomas acima, originados a partir da aritmética dos inteiros, têm
outros modelos, outras interpretações possíveis, isto é, há outros domínios de
integridade além de Z (com as operações usuais). Por exemplo, os racionais,
os reais e os números complexos, munidos das respectivas operações, são
igualmente domínios de integridade. Isso quer dizer que os axioma acima,
quando transcritos para a linguagem de cada uma dessas estruturas, tornam-
se proposições verdadeiras nessas estruturas, como é fácil perceber. Aliás,
como já dito, este é um dos trunfos do método axiomático. Um dado conjunto
de axiomas pode ter mais de um modelo, ou seja, as axiomáticas não são
mais 'concretas', mas 'abstratas'. Segundo Bourbaki, a constatação deste
fato caracteriza o nascimento da 'matemática moderna' (ver [Kra02, p. 7]).
Podemos agora proceder pelo caminho inverso da seguinte maneira. Dize-
mos que um conjunto não vazio A, munido de duas operações binárias (que
se aplicam a dois de seus elementos, originando um elemento que ainda per-
tence ao conjunto), digamos ∗ e • é um domínio de integridade se os seguintes
axiomas forem satisfeitos:

(1') Para todos m e n em A, tem-se que m ∗ n = n ∗ m e m • n = n • m


(comutatividade das operações)

(2') Para todos m, n e k em A, tem-se que m ∗ (n ∗ k) = (m ∗ n) ∗ k e


m • (n • k) = (m • n) • k (associatividade das operações)
8 Sistemas Formais

(3') Para todos m, n e k em A, tem-se que m • (n ∗ k) = (m • n) ∗ (m • k)


(distributividade de • em relação a ∗)

(4') Existe um elemento e em A tal que, para todo m em A, tem-se que


m ∗ e = m (existência de um elemento neutro relativo à operação ∗)

(5') Existe um elemento p em A tal que, para todo m em A, m • p = m


(existência de um elemento neutro relativo a •)

(6') Para todo m em A, existe um elemento k em A tal que m ∗ k = e.

(7') Para todos m, n e k em A, se k 6= e, então k • m = k • n implica


m = n ou, alternativamente, se m • n = e, então m = e ou n = e(lei do
cancelamento).

Fica claro agora o que signica dizer que Z, munido das operações de
adição e de multiplicação, é um domínio de integridade: é um modelo da ax-
iomática precedente. De modo mais geral, podemos então entender quando
uma certa estrutura hA, ∗, •i o é (esta notação quer dizer, em resumo, que
se está considerando o conjunto A munido de duas operações ∗ e •) é um
domínio de integridade. O teorema acima (devidamente adaptado) pode
agora ser derivado a partir dos axiomas (1')-(7'), valendo para todos os
domínios de integridade.

Exercício 1.1.3 Nem todas as estruturas formadas por um conjunto não


vazio munido de duas operações binárias, no entanto, são modelos da ax-
iomática acima (ou seja, há estruturas matemáticas que não são domínios de
integridade, aliás, a maioria delas). Você pode citar algumas?

Exercício 1.1.4 Formule e demonstre o teorema 1.1 para um domínio de


integridade arbitrário.

Os exemplos precedentes, em especial a demonstração do teorema 1.1


deixa claro que há várias questões que são de grande relevância e que não
foram mencionadas no decorrer da demonstração. Por exemplo, o signicado
da igualdade em cada uma das equações que expressam os axiomas (1)-(7),
ou a justicativa para cada passagem da demonstração do teorema. O que
as justica? A resposta, como já deve ser esperado, é que elas obedecem as
regras da lógica clássica, que o matemático, mesmo que inconscientemente,
tem em mente. Porém, para certo tipo de estudo, importa conhecer que
Sistemas Formais 9

regras são essas e quais são os procedimentos de inferência, principalmente


se estivermos dispostos a aceitar que há lógicas distintas da clássica, que de-
terminam regras que diferem das regras 'clássicas' (veremos alguns exemplos
oportunamente).
Para tanto, é preciso partir para um nível de abstração ainda maior, o
dos sistemas formais.

1.2 Sistemas Formais


Um sistema formal S é uma tripla ordenada

S = hF, A, Ri,

onde:

(i) F é um conjunto não vazio cujos elementos são chamados de fórmulas, e


denotados por letras gregas minúsculas α, β , . . . (eventualmente com sub-
índices). Letras gregas maiúsculas (como Γ e ∆) denotarão conjuntos de
fórmulas.

(ii) A é um sub-conjunto de F cujos elementos são chamados de axiomas


de S .

(iii) R é um sub-conjunto de P(F) × F cujos elementos são chamados de


regras de inferência de S . As regras que nos interessarão aqui são tais que
seus elementos são pares ordenados do tipo h{α1 , . . . , αn }, βi para algum
número natural n. Tais regras são ditas nitárias. O número n é o rank
da regra. Se o par h{α1 , . . . , αn }, βi pertence a uma regra Ri , escrevemos
α1 , . . . , αn
(Ri ),
β
e diremos que β é conseqüência direta, pela regra Ri , das premissas ou
hipóteses α1 , . . . , αn . Em geral (como nos casos que aqui nos interessam),
exige-se que se possa determinar por um processo efetivo (em resumo, que
possa ser programado em um computador) se uma dada fórmula é ou não
conseqüência direta de um conjunto de premissas por uma certa regra.

O modo usual de se descrever um sistema formal é o seguinte. Primeira-


mente, especica-se a linguagem L do sistema S . Isso se faz fornecendo-se:
10 Sistemas Formais

(1) o vocabulário básico de L, que em geral consta de uma quantidade con-


tável (nita ou enumerável) de símbolos primitivos de L. Uma expressão de
L é uma seqüência nita de símbolos de L, e convenciona-se que são escritos
na horizontal, da esquerda para a direita etc., seguindo nossas convenções
usuais de escrita; (2) é fornecida a gramática de L, ou seja, um conjunto
de prescrições que permitem determinar, em geral por um procedimento efe-
tivo, quais dentre as expressões de L serão as 'bem formadas', que serão as
fórmulas de S (na verdade, da linguagem L de S ).
Mais à frente, veremos alguns exemplos. Exemplos de regras de inferência
'classicas' (válidas na lógica clássica) são o Modus Ponens (MP), o Modus
Tolles (MT) e a Redução ao Absurdo (RA), dentre outras, que serão apre-
sentadas à frente. Situações envolvendo inferências usando-se essas regras
serão dadas abaixo na seção 2.4.
No caso das fórmulas serem dadas como acima, ou seja, sendo erigidas a
partir de certos símbolos básicos de uma dada linguagem, as regras de infer-
ência referem-se apenas à estrutura sintática dessas fórmulas, e não ao que
eventualmente elas signiquem. Esta é a principal característica da palavra
'formal' usada acima. O papel da intuição é tornado mínimo, de forma que
as derivações realizadas no âmbito de um sistema S não utilizem nada além
do que explicitamente é declarado na descrição de S .
Quando há um procedimento efetivo para se saber se uma dada fórmula
de L é ou não um axioma de S , então o sistema S é dito ser uma teoria
axiomática .6
O objetivo principal do estudo dos sistemas formais é o de dar um sig-
inicado preciso à noção de prova, ou demonstração. Aqui, seguiremos o
jargão usual e denominaremos o conceito a ser dado abaixo no âmbito de um
sitema formal de prova, reservando o termo 'demonstração' para argumentos
elaborados na linguagem coloquial, eventualmente suplementada por símbo-
los adequados, que estabelecem algum resultado. Os casos exemplicados
abaixo deixarão essa distinção clara.

6 Mais
precisamente, uma teoria axiomática é um sistema formal cujo conjunto de ax-
iomas é recursivo , e uma teoria é axiomatizável se o conjunto de seus axiomas for recur-
sivamente enumerável . Para detalhes sobre esses conceitos, ver [Men87, p. 211].
O conceito de prova 11

1.2.1 O conceito formal de prova


Uma prova em S é uma sequência nita β1 , . . . , βn de fórmulas (da linguagem
de S )7 tal que cada uma delas é ou um axioma de S ou é conseqüência
direta, por meio de uma das regras de inferência, de fórmulas precedentes da
seqüência. Um teorema (dito também teorema formal ) de S é uma fórmula
α para a qual existe uma prova tal que a última fórmula da sequência (de tal
prova) é precisamente α.
Para facilitar, muitas vezes escreveremos uma prova dispondo as fórmulas
em seqüência do seguinte modo:
1. β1
2. β2
..
.
n. βn (= α)

Quando isso ocorre, escrevemos

`S α,

ou simplesmente ` α, se não houver risco de confusão. Se S é um sistema


formal no sentido acima, em geral não há um procedimento efetivo (um al-
goritmo) para se determinar (em um número nito de etapas) se uma dada
fórmula é ou não um teorema de S . Sistemas para os quais há um tal pro-
cedimento são ditos decidíveis . O Sistema MAIS exemplicado a seguir é
decidível, ainda que não façamos a prova deste fato aqui. O Cálculo Proposi-
cional Clássico que veremos à frente também é decidível. Muitos sistemas
importantes não têm esta propriedade, como a aritmética usual e mesmo a
lógica usual de primeira ordem. Importa notar aqui que o maior uso dos sis-
temas formais não é exatamente na obtenção de provas (e teoremas) dentro
de seu escopo, mas servem para provar fatos acerca de outros sistemas. Aos
poucos, isso vai se tornando claro.
Um sistema formal é não-trivial quando há pelo menos uma fórmula de
sua linguagem que não é um teorema, e trivial em caso contrário. Este
conceito desempenhará papel relevante mais à frente.
7 Isso cará sempre pressuposto no que se segue.
12 Sistemas Formais

1.3 O Sistema MAIS


Vamos dar um exemplo de sistema formal.8 Chamaremos de MAIS o sistema
cuja linguagem tem como símbolos primitivos unicamente +, = e ∗. Uma
fórmula é uma expressão do tipo x+y = z , onde x, y e z são seqüências nitas
de ∗'s. Por exemplo, ∗ ∗ + ∗ ∗ = ∗ ∗ ∗ ∗ ∗ é uma fórmula, mas ∗ ∗ ++ ==
não é.
O único axioma de MAIS é a fórmula ∗ + ∗ = ∗∗. As regras de inferência
(ambas com uma única premissa) são

x+y =z x+y =z
(R1) e (R2).
x ∗ +y = z∗ y+x=z

É fácil ver que ∗ ∗ ∗ + ∗ ∗ ∗ = ∗ ∗ ∗ ∗ ∗∗ é um teorema de MAIS. Com


efeito, temos a seguinte prova:
1. ∗ + ∗ = ∗∗ Axioma
2. ∗ ∗ +∗ = ∗ ∗ ∗ 1, R1
3. ∗ ∗ ∗ + ∗ = ∗ ∗ ∗∗ 2, R1
4. ∗ + ∗ ∗ ∗ = ∗ ∗ ∗∗ 3, R2
5. ∗ ∗ + ∗ ∗∗ = ∗ ∗ ∗ ∗ ∗ 4, R1
6. ∗ ∗ ∗ + ∗ ∗ ∗ = ∗ ∗ ∗ ∗ ∗∗ 5, R1

Na coluna da direita, indica-se de onde e por que as derivações foram


realizadas. O que importa relativamente aos sistemas formais não é unica-
mente o que se pode realizar no seu interior, mas em discussões sobre esses
sistemas. Por exemplo, a respeito do sistema MAIS, podemos dizer várias
coisas, como se exemplica a seguir com o conceito de verdade em MAIS
(M-verdade).
Pode-se denir o seguinte conceito de verdade em MAIS da seguinte
forma. Dizemos que uma fórmula x + y = z é M-verdadeira se o número
total de ocorrências de ∗ do lado esquerdo da igualdade é igual ao número de
ocorrências deste mesmo símbolo do lado direito da igualdade; caso contrário,
diremos que ela é M-falsa. Por exemplo, ∗ ∗ + ∗ ∗ = ∗ ∗ ∗∗ é M-verdadeira,
enquanto que ∗ ∗ +∗ = ∗ é M-falsa. Podemos então mostrar que todos os
8 Conforme [Hod95, pp. 8ss].
Indução sobre teoremas 13

teoremas de MAIS são M-verdadeiros. Para tanto, usamos uma técnica bas-
tante comum e importante, conhecida como Indução sobre Teoremas de um
sistema formal, e que consiste basicamente no seguinte.

1.3.1 Indução sobre teoremas


Seja S um sistema formal e P uma propriedade que se aplica às fórmulas do
sistema. Por exemplo, sendo S o sistema MAIS, P poderia ser a propriedade
de ser M-verdadeira. Dada uma propriedade P , o que queremos é mostrar
que todos os teoremas de S têm esta propriedade (no caso, de serem M-
verdadeiros, no sentido acima, em se tratando de MAIS). Isso se faz do
seguinte modo :
(1) Inicialmente provamos que todos os axiomas de S têm a propriedade P .
(2) Em seguida, para todas as regras de inferência de S , provamos que se as
premissas das regras têm a propriedade P , então suas conclusões também a
têm (a propriedade é hereditária ).
Se essas duas condições ocorrem, é fácil perceber que todos os teoremas
de S têm a referida propriedade, bastando que se atente para a denição de
teorema dada acima.
No caso exemplicado, é fácil ver que o único axioma de MAIS é M-
verdadeiro, e que se as premissas das regras (R1) e (R2) são M-verdadeiras,
suas conclusões também o são. Assim, todos os teoremas de MAIS são M-
verdadeiros, como queríamos provar.

Exercício 1.3.1 Refaça com detalhes o argumento que justica serem todos
os teorema de MAIS M-verdadeiros.

Exercício 1.3.2 Mostre que ∗ + ∗ = ∗∗ é um teorema de MAIS.

Este último exercício tem um signicado interessante. Ele mostra um fato


geral acerca de sistemas axiomáticos: todo axioma de um sistema formal é
um teorema desse sistema. Isso pode parecer estranho, pois podemos ter
sido acostumados com a idéia de que os teoremas seguem-se dos axiomas por
demonstração, e que axiomas não se demonstram. Isso de certo modo tem a
sua razão de ser, e remonta à própria origem dos sistemas axiomáticos. Já
Aristóteles dizia que Toda ciência demonstrativa deve iniciar com princípios
indemonstráveis pois, de outro modo, os passos da demonstração não teriam
14 Sistemas Formais

m".9 No entanto, tendo em vista a denição dada de 'prova', para obtermos


uma prova de um axioma de S , basta que o escrevamos, ou seja, a prova
constará de uma única linha contendo o próprio axioma. Isso não contraria
o dito de Aristóteles, pois o axioma não foi obtido de 'outros princípios'.

Exercício 1.3.3 Mostre que ∗ ∗ + ∗ ∗∗ = ∗ ∗ ∗ ∗ ∗ é um teorema de MAIS,


mas que ∗ ∗ +∗ = ∗ ∗ ∗∗ não é.

1.3.2 Teoremas e metateoremas


Perceba o que está envolvido no exercício 1.3.3: no primeiro caso, basta
encontrar uma prova para a fórmula que é um teorema. No segundo caso,
o fato de não encontrarmos uma prova não indica que ela não exista. No
entanto, face a um resultado estabelecido anteriormente, podemos notar que
a segunda fórmula não é M-verdadeira na acepção denida e que portanto não
é um teorema. É claro que este mesmo procedimento poderia ser usado para a
primeira fórmula, mostrando que ela é M-verdadeira. O resultado que arma
que Todo teorema de MAIS é M-verdadeiro"é um teorema sobre (acerca) do
sistema MAIS, mas a demonstração dada para ele não foi do tipo 'construir
uma prova' tal como caracterizado acima. Trata-se de um metateorema do
sistema, e em sua demonstração foram utilizados recursos mais potentes que
aqueles exprimíveis em MAIS. Essa distinção entre teorema e metateorema
dos sistemas formais é importante e será enfatizada novamente abaixo.

Exercício 1.3.4 Construa um sistema formal MULT nos mesmos moldes


que MAIS que reita a multiplicação de números naturais não nulos de modo
que, por exemplo, ∗ ∗ × ∗ ∗∗ = ∗ ∗ ∗ ∗ ∗∗ seja teorema desse sistema. (Dica:
parta do sistema MAIS e acrescente mais um símbolo à sua linguagem: ×.
Redena o conjunto das fórmulas de modo que x×y = z também seja fórmula
se x, y e z são seqüências de ∗s; considere um axioma adicional, ∗×∗ = ∗ e as
regras adicionais (R3) x × y = z / x ∗ ×y = z + y e (R4) x × y = z / y × x = z ).
O que poderia ser um conceito de verdade em MULT?

Exercício 1.3.5 [O sistema MIU ] Um exemplo interessante de sistema for-


mal foi apresentado por Douglas Hofstadter em seu livro Gödel, Escher, Bach:
An Eternal Golden Braid. O alfabeto de MIU consiste dos seguites símbolos:
M, I, U. As fórmulas são ocorrências não vazias de símbolos do alfabeto. O
9 Citado em [Wil65, p. 3].
Teoremas e metateoremas 15

único axioma é MI e há quatro regras de inferência: (Regra I) A qualquer


fórmula terminada com I, pode-se acrescentar um U no nal (ou seja, se xI
é um teorema, então xIU é um teorema); (Regra II) Dada qualquer fórmula
do tipo Mx, pode-se duplicar a parte após o M inicial, obtendo-se Mxx; (Re-
gra III) Se três I ocorrem consecutivamente em uma fórmula, eles podem ser
substituídos por um U; (Regra IV) Dois U consecutivos podem ser deletados
de qualquer teorema. Um exemplo de um metareorema é o seguinte exer-
cício:10 mostre que MUIU é um teorema deste sistema, mas que MU não é.
Aqui vai um resumo da solução: a primeira parte é bastante simples; quanto
à segunda, basta vericar que as quatro regras de inferência 'preservam a
multiplicidade por 3': a primeira e a quarta não alteram o número de I's
em um teorema. Quanto à segunda e à terceira, verica-se que ambas, uma
vez iniciando-se com um número múltiplo de 3 em um teorema, este número
não é alterado pela aplicação das regras (elas não 'criam' I's, mas apenas
mudam em múltiplos de 3 os já existentes). Trata-se de mais um exemplo
de aplicação da indução sobre teoremas. O número de ocorrências de I's em
qualquer teorema não é divisível por 3, e em particular não pode ser zero.
Como corolário (na verdade, um 'meta-corolário'), segue que em qualquer
teorema deve haver pelo menos um I.

A origem desse sistema está ligada ao desejo de Hofstadter de ensinar


a distinção entre teorema e metateorema, fazendo referência a um koan do
Zen Budismo, o Mu de Joshu, que é o seguinte: Um monge perguntou a
Joshu, um mestre Zen chinês: Pode um cão ter a natureza de Buda?.11
Joshu respondeu simplesmente: Mu". Segundo os comentarios de Cameron,
a resposta corresponde a uma negativa em chinês, mas não signica que
Joshu tenha respondido Não". Na verdade, sua resposta não teria sido nem
Sim"e nem Não", mas algo como A questão errada foi formulada, ou foi
formulada por por uma mente mal formada". Uma resposta Sim"ou Não",
diz Cameron, seria uma resposta dada no sistema (formal) no qual o monge
estaria operando; 'Sim' se a frase fosse um teorema do sistema, e 'Não' em
10 Para uma detalhes, ver [Hof80, pp. 260-1], [Cam00, pp. 57-8]. O livro de Cameron
tem um site associado: www.maths.qmw.ac.uk/ ∼ pjc/slc.
11 O poema é o seguinte, e é mencionado no contexto do estudo de proposições inde-
cidíveis em sistemas formais:
"Has a dog Buddha-nature?
This is the most serious question at all.
If you say yes or no,
You lose your own Buddha-nature."[Hof80, p. 272].
16 Sistemas Formais

caso contrário, mas Joshu está comentando sobre o sistema, de uma posição
externa a ele. Assim são os metateoremas; são formulados para armar fatos
sobre os sistemas formais, mas via de regra são formulados e demonstrados
com recursos externos a eles, em geral usando-se o aparato matemático da
teoria de conjuntos. Hofstadter chama a questão acima mencionada de se
saber se MU é um teorema de MIU de 'o quebra-cabeças de Mu', pondo-
o da seguinte forma (ibid, p. 259): Será que MU tem a natureza de um
teorema?"('Has MU theorem-nature, or not?').

1.3.3 Provas, demonstrações e outras coisas


Antes de prosseguirmos, uma explicação importante. Repare que no teorema
demonstrado à página 12, referente ao sistema MAIS, foi apresentada uma
prova formal, no sentido discutido na seção 1.2.1, ao passo que, para o teo-
rema 1.1, foi apresentada uma demonstração informal (lembre que estamos
até usando palavras distintas, a saber, 'prova' e 'demonstração' para distin-
guir entre provas formais e informais). Na verdade, se abrirmos um livro
de matemática, o que encontraremos serão demonstrações (para empregar
o nosso jargão), ou seja, provas informais. Os matemáticos, raramente, ou
quase nunca, produzem provas formais de seus teoremas. Isso tem uma ex-
plicação, e aponta para uma questão interessante. Primeiro, claro está que
apresentar uma prova formal de um teorema em análise matemática, por
exemplo algum resultado sobre integração, seria algo praticamente inviável,
por longa e tediosa que seria. Basta ver que, nos Principia Mathematica, de
Whitehead e Russell, a demonstração de que 1 = 1 = 2 é alcançada após
mais de 360 páginas!
O fato de se conhecer o conceito formal de prova, entender como funciona,
ter visto algums exemplos, o que sem dúvida constitui fato deveras impor-
tante, não faz com que se pretenda sugerir que se deva proceder deste modo
em todos os momentos. O signicado do conceito formal de prova, que deve
ser bem entendido, deve ser colocado como um ideal, podendo em princípio
ser alcançado em certas situações particulares, ou quando houver necessi-
dade, como em alguns casos que veremos abaixo, principalmente no âmbito
dos sistemas formais. Porém, insistamos, não é assim que o cientista prati-
cante procede em geral. Para ele, uma 'prova' é mais um argumento informal
que convence seus pares de um certo resultado. Se for o caso, o matemático
saberá (pelo menos em princípio) fornecer os detalhes pertinentes. Há muito
do argumento da autoridade aqui, e essa é a questão interessante à qual
Teoremas e metateoremas 17

nos referimos acima. Com efeito, em geral usam-se os resultados das teorias
matemáticas sem que, em princípio, eles tenham sido vericados. Já imag-
inaram termos que checar cada resultado da aritmética, ou da mecânica de
Newton antes de usá-los? Acreditamos na autoridade, nos matemáticos e
demais cientistas que nos antecederam, e procedemos da mesma forma que
eles, ou seja, informalmente, exceto quando absolutamente necessário.
Por exemplo, o maior sistematizador da matemática depois de Euclides
é sem dúvida Nicolas Bourbaki (trata-se do pseudônimo de um grupo de
matemáticos, principalmente franceses, que produziu, e vem produzindo,
uma obra magistral de sistematização e desenvolvimento de várias áreas da
matemática). Pois bem: o livro de Bourbaki, que deveria fundamentar to-
dos os demais, é aquele sobre teoria de conjuntos [Bou68]. Nele, a teoria
Zermelo-Fraenkel, a mais conhecida entre os matemáticos, é apresentada for-
malmente. Em princípio, seria seguindo tais métodos e sobre um tal alicerce
que o restante do edifício da matemática deveria ser construído. Porém não
é isso o que acontece de fato. De uma altura em diante, Bourbaki simples-
mente abandona o procedimento formal que exibe e passa a proceder como
o matemático praticante, informalmente. Pode-se dizer que há uma lacuna
entre o Théorie des Ensembles e o restante de sua obra no que concerne ao
modo de proceder. No entanto, o que deve ser entendido é que Bourbaki nos
mostra, no livro de teoria de conjuntos, qual é a base lógica e matemática
que sustenta todo o resto, mas não pede que procedamos de tal modo em
geral.
Nas ciências empíricas o modo de proceder é ainda mais exível. Não
se pode dizer que não haja precisão, por exemplo em física, que sem dúvida
é a ciência mais rigorosa depois da matemática, mas praticamente não se
encontram nos textos de física 'demonstrações' no sentido dos matemáticos
(enunciados de teoremas e suas subseqüentes demonstrações), mas apenas
uma exposição informal de fatos que se encadeiam na medida em que pres-
supostos, denições e outras coisas vão sendo introduzidos. O físico procede
ainda mais informalmente que o matemático.
O interessante é notar que sempre há um notável grau de comprometi-
mento, ou de consentimento, em tudo isso. Os cientistas estabelecem resul-
tados nos quais passamos a acreditar por um momento, estabelecendo o que
seguindo as idéias de Thomas Kuhn poderíamos chamar de 'patamar de nor-
malidade', no qual passamos a trabalhar, até que alguém venha a mostrar
que certos resultados (ou hipóteses) não são válidos e precisam ser revisa-
dos. Por exemplo, trabalhava-se no 'paradigma newtoniano', caracterizado
18 Sistemas Formais

pela física de Newton, até o advento da teoria da relatividade e da mecânica


quântica, que passaram a ser usadas em certos contextos. Nesse momento,
o desenvolvimento da física encontrou um novo rumo, caracterizado, diga-se
de passagem, por duas correntes incompatíveis (a saber, a física quântica e
a relatividade geral), que os físicos ainda hoje tentam unicar. O que há em
tais situações é uma espécie de ponto de inexão na trajetória histórica da
evolução de uma certa disciplina, como a física, e não propriamente ruptura,
ou 'quebra de paradigma', como queria Kuhn [Kuh78]. O que aparece são
novos rumos, novas direções de pesquisa, mas não há perda de continuidade
histórica: a física de hoje é a mesma disciplina de Newton e Maxwell, porém
a física de Newton, por exemplo, contrariamente ao que se pensa, não foi
revogada; ainda vigora perfeitamente dentro de certos limites de aplicabili-
dade (como na engenharia comum), apenas que não é mais uma teoria que
vige universalmente.12
Da mesma forma, com o desenvolvimento das lógicas não clássicas, houve
a percepção de que havia vários outros caminhos a serem trilhados, além
daquele ditado pela lógica de tradição aristotélica. Houve igualmente um
ponto de inexão na trajetória da evolução da lógica com o surgimento das
lógicas não-clássicas. No entanto, a lógica tradicional ainda persiste de certo
modo na maioria dos sistemas não-clássicos (exceções há, como no caso da
lógica intuicionista, como indicaremos no Apêndice C), somente que agora se
vê que ela não vale universalmente, mas deve car restrita ao seu particular
domínio de aplicabilidade (algo sobre isto será visto no caso particular das
lógicas paraconsistentes, no capítulo nal). Porém, para que se possa apreciar
esses desenvolvimentos e modos de proceder, é necessário que se tenha uma
boa idéia acerca dos conceitos formais que estamos vendo nessas seções.

1.4 Dedução a partir de um conjunto de pre-


missas
Um conceito muito importante é o seguinte. Sejam Γ um conjunto de fórmu-
las e α uma fórmula. Dizemos que α é conseqüência sintática das fórmulas
de Γ (ou simplesmente, conseqüência de Γ), e escrevemos

Γ`α
12 O desenvolvimento mais detalhado desta concepção pode ser visto em [Cos97, Cap.
1].
Dedução a partir de um conjunto de premissas 19

(veja que estamos subentendendo o sistema formal S ) se existe uma se-


qüência β1 , . . . , βn de fórmulas tais que βn é α e cada uma das demais βj
(j = 1, . . . , n − 1) é um axioma de S , ou pertence a Γ ou é consequência di-
reta, por meio de uma das regras de inferência de S , de fórmulas precedentes
da seqüência. Uma tal seqüência é dita ser uma dedução de α a partir das
premissas (ou hipóteses ) em Γ.
Para exemplicar, na teoria (que pode ser devidamente formalizada) das
matrizes, podemos obter uma prova da sentença 'A matriz A é inversível'
a partir das premissas (e demais axiomas da lógica e da matemática subja-
centes) 'A é quadrada' e 'o determinante de A é distinto de zero'. Ou então,
da hipótese de que uma determinda função é diferenciável em um ponto,
deduzimos que ela é contínua nesse ponto.13
Se houver necessidade de enfatizar o sistema S na qual se está efetuando
as deduções, pode-se escrever
Γ `S α.
Se Γ = {β1 , . . . , βn } é um conjunto nito, escreve-se

β1 , . . . , β n ` α

ao invés de
{β1 , . . . , βn } ` α
Se Γ = ∅, escreve-se simplesmente

ao invés de
∅`α
e neste caso α é um teorema (formal) de S , conforme denição dada anteri-
ormente.

Exercício 1.4.1 Justique esta armativa: porque ∅ ` α indica que α é um


teorema de S ?

Algumas das principais propriedades do operador ` são as seguintes, aqui


somente enunciadas:
13 O leitor não deve car preocupado com esses exemplos, que requerem alguma
matemática, mas unicamente atentar para o fato de que se está inferindo certos fatos
a partir de outros, dados como hipóteses ou que tenham sido deduzidos anteriormente.
20 Sistemas Formais

(1) [Autodedutibilidade] Para toda α ∈ Γ, tem-se que Γ ` α.

(2) [Monotonicidade] Se Γ ⊆ ∆ e se Γ ` α, então ∆ ` α. Informalmente, se


algo é dedutível a partir de um certo conjunto de premissas, continua sendo
dedutível de qualquer conjunto obtido do anterior quando a ele agregamos
premissas adicionais.

(3) [Compacidade] Γ ` α see existe um subconjunto nito ∆ ⊆ Γ tal que


∆ ` α. (Falaremos mais sobre este resultado abaixo)

(4) [Regra do Corte] Se ∆ ` α e de Γ ` β para cada β ∈ ∆, então Γ ` α.

1.4.1 Raciocínios Derrotáveis


A monotonicidade acima exemplicada não se dá em todos os contextos; de
grande importância para a ciência da computação (e para a losoa) são as
chamadas 'lógicas não monotônicas' e os raciocínios derrotáveis (defeasible
reasonings ) em geral, que ferem esse requisito.14 Falando por alto, a idéia in-
tuitiva é a seguinte: um racionício não monotônico é aquele em que, digamos,
há uma certa derivação a partir de determinadas premissas, mas a introdução
de uma nova premissa faz com que a conclusão não mais se siga (como se,
no ato de condenar um prisioneiro por um crime realizado no metrô, o juiz
recebesse uma nova prova atestando que o réu estava na missa, realizada na
catedral da cidade, na hora do crime).
É patente que este tipo de raciocínio tem importância nas ciências empíri-
cas e humanas. Por exemplo, em todos os contextos nos quais o acréscimo de
uma informação causa o efeito de que conclusões que haveriam de ser tiradas
tenham que ser revistas (como no direito, na medicina e nas demais áreas),
é não-monotônico. Há várias lógicas que lidam com essas formas de inferên-
cia. Estes tópicos são relevantes, como se pode perceber, mas ultrapassam
os objetivos destas Notas.

14 Pode-se ver o No. 4, Vol. 1 (1991) da revista Minds and Machines , dedicado ao defea-
sible reasoning .
Capítulo 2
Os alicerces da lógica
proposicional clássica

2.1 Conectivos Lógicos


Nesta seção, introduziremos de modo informal os conectivos lógicos usuais,
bem como algum comentário adicional sobre 'outros' conectivos. Suponha
que temos uma classe de entidades que chamamos de proposições.1 A única
coisa que nos interessa a seu respeito é que a cada uma delas podemos as-
sociar um valor-verdade : cada proposição é verdadeira (V) ou falsa (F), não
podendo ser ambas as coisas.2 Representaremos as proposições pelas letras
A, B, . . ., eventualmente com índices.
Intuitivamente, as proposições denotam 'estados de coisas'; por exemplo.
'João é alto', 'Maria é bonita', '2 é par', 'a função f é diferenciável em
x = 0', etc. Os conectivos lógicos surgem para que 'juntemos' proposições de
forma a obter descrições mais complexas dos estados de coisas (que também
chamaremos de proposições), como 'João é alto e Maria é bonita' ou 'Se a
função f é diferenciável, então ela é contínua'.

A conjunção Uma proposição da forma


AeB
1 Aqui não vem ao caso a discussão losóca acerca do que sejam proposições.
2 Esta suposição é atribuída a Crísipo de Soli (cerca de 280-210 a. C.), um dos líderes
da escola estóica, que teria asseverado que uma proposição deve ser sempre verdadeira ou
falsa. Para detalhes históricos, consultar [KneKne80].

21
22 Os alicerces

é dita conjunção. Uma conjunção é considerada verdadeira se e somente se


ambas A e B forem verdadeiras. Há evidentemente quatro possibilidades: A
verdadeira e B verdadeira, A verdadeira e B falsa, A falsa e B verdadeira e A
e B ambas falsas. Somente no primeiro caso a conjunção é verdadeira. Isso se
expressa por meio da seguinte tabela-de-verdade, onde 1 denota 'verdadeiro'
e 0 denota 'falso':
A B AeB
1 1 1
1 0 0
0 1 0
0 0 0

O uso que faremos do conectivo 'e' se assemelha em muitos aspectos àquele


da linguagem natural, mas há diferenças substanciais que devem ser consid-
eradas. Por exemplo, em nosso uso, quaisquer duas proposições poderão dar
origem a uma conjunção; assim, '2 + 2 = 7 e João é primo de Paulo' é uma
conjunção lícita, ainda que 2 + 2 = 7 nada tenha a ver com parentescos.
Ainda mais, se A e B forem ambas verdadeiras (receberem o valor-verdade
1), então tanto A e B quanto B e A são verdadeiras, o que pode não acon-
tecer em geral. Tome por exemplo as seguintes proposições: 'João tomou
um porre' e 'João apanhou da mulher'. É claro que 'João tomou um porre
e apanhou da mulher' tem sentido diferente de 'João apanhou da mulher e
tomou um porre'. Na lógica usual, nenhuma 'conexão' entre as proposições
é requerida.

A negação A negação, não, é expressa por meio de um conectivo unário


(aplica-se a uma só proposição), e não binário como 'e '. A idéia intuitiva é
que a negação de uma proposição é verdadeira se e somente se a proposição
é falsa. Ou seja, temos a seguinte tabela:

A não -A
1 0
0 1

A disjunção Uma proposição da forma


A ou B
Conectivos Lógicos 23

é dita disjunção. O 'ou ' é entendido em seu sentido inclusivo, ou seja, a


disjunção
A ou B
será verdadeira quando pelo menos uma das proposições A ou B for ver-
dadeira. Também aqui não se exige que haja qualquer tipo de conexão entre
as proposições A e B . Assim,
A ou B
é verdadeira se e somente se A for verdadeira, ou B for verdadeira ou ambas
o forem. Isso dá a seguinte tabela-verdade:

A B A ou B
1 1 1
1 0 1
0 1 1
0 0 0

Na linguagem coloquial temos também o 'ou exclusivo' (vamos representá-


lo por 'ou-ex '), que se usa da seguinte forma: A ou − ex B é verdadeira se e
somente se apenas uma das proposições A ou B for verdadeira. Por exemplo,
se digo 'Vou ao cinema ou vou me atirar da ponte', então o 'ou ' aí envolvido
é o exclusivo, pois não posso fazer as duas coisas simultanemente. É fácil ver
que podemos denir o 'ou-ex ' do seguinte jeito:

A ou − ex B se e somente se (A ou B) e não − (A e B).

Exercício 2.1.1 Faça a tabela-verdade de A ou-ex B .

O condicional Chama-se proposição condicional a uma proposição da


forma 'Se A, então B '. A sua denição em lógica requer algum cuidado.
Em uma proposição da forma

Se A, então B,

a proposição A é dita ser o antecendente do condicional, enquanto que B é


o seu conseqüente. Para sabermos o valor-verdade de Se A, então B , dados
os valores-verdade de A e de B , vamos remontar a Filo de Mégara, a quem é
atribuído o uso que ainda hoje fazemos do condicional em lógica.3 Segundo
3O leitor interessado pode consultar a Seção 3 do Capítulo 3 de [KneKne80].
24 Os alicerces

Filo, um condicional é verdadeiro (ele dizia que era 'perfeito') se e somente


se o antecedente é falso ou o consequente é verdadeiro. ALternativamente,
podemos dizer que o condicional é falso se e somente se o antecendente é
verdadeiro e o consequente é falso. Isso faz com que Se A, então B seja
equivalente a (não − A) ou B , tendo a seguinte tabela-verdade:

A B Se A, então B
1 1 1
1 0 0
0 1 1
0 0 1

Novamente, não há qualquer necessidade de haver conexões entre as


proposições do antecedente do consequente. Isso faz com que condicionais
aparentemente estranhos sejam verdadeiros, como os seguintes:

Se 1+1 = 4, então Florianópolis é a capital da França.


Se a Lua é feita de queijo, então o Brasil foi cinco vezes campeão
mundial de futebol.
Se 1 + 1 = 2, então Florianópolis ca no Sul do Brasil.

Essas três proposições são verdadeiras em virtude de que, na primeira e


na segunda, o antecedente é falso (não importando o valor-verdade do conse-
qüente; veja as linhas 3 e 4 da tabela). No terceiro caso, tanto o antecedente
quanto o conseqüente são verdadeiros (primeira linha da tabela). É no en-
tanto falso o seguinte condicional:

Se Florianópolis ca no Sul do Brasil, então os Estados Unidos


cam na Europa.

Exercício 2.1.2 Faça a tabela-verdade de 'não -A ou B ' e verique que ela


é igual à de Se A, então B .

Digressão: o uso de 'implica' Uma das diculdades com o condicional,


pelo menos na fase inicial de aprendizado da lógica, está relacionada ao fato
de que Se A, então B é usualmente lido como A implica B . Este uso é
comum, principalmente em matemática, como quando dizemos que 'o número
n é múltiplo de 6' implica que 'o número n é divisível por 2' para denotar o
Conectivos Lógicos 25

condicional Se o número n é múltiplo de 6, então O número n é divisível por


2.
Acontece que a palavra 'implicar' tem, na linguagem coloquial, o sentido
de 'acarretar', 'ocasionar', como quando dizemos que bebida em demasia
implica em dor de cabeça no dia seguinte. Nesses casos, o antecedente e
o conseqüente têm alguma forma de vínculo causal entre si, de forma que
o fato de acontecer o primeiro deles ocasiona o acontecimento do segundo.
O condicional que denimos acima, no entanto, não tem esta conotação,
não havendo em princípio qualquer forma de 'vínculo' entre antecedente e
conseqüente, exceto o fato de que ambos devam ser proposições.
Aos poucos, os vários sentidos da palavra 'implicar' vão se tornando claros
ao leitor atencioso. Por exemplo, também usamos α implica β para dizer que
α ` β , que tem o sentido de que, a partir de α podemos derivar β . Outro
sentido ainda de α implica β é o seguinte: signica que não pode ser o
caso de α ser verdadeiro e β falso (de acordo com a denição de Filo, como
vimos). Para distinguir entres esses tipos de 'implicação', Russell referia-se
ao condicional da tabela acima como condicional (ou implicação ) material.
A terminologia ambígua adotada relativamente ao condicional, que no
entanto continua a ser usada em geral, ocasiona há muito certos dissabores.
Alguns dos mais notáveis estão relacionados ao chamados 'paradoxos da im-
plicação material' (veja a subseção 2.4.6), que motivaram a denição de out-
ros conectivos, onde esses 'paradoxos' não ocorram, mas é prudente deixar
para discutir este assunto após termos introduzido alguma simbologia.
Por ora, vamos aceitar o que foi dito acima e simplesmente observar o
que diz R. Rogers a respeito do condicional Se A, entãoB e de sua estreita
relação com A implica B . Diz ele:

A análise da implicação formal (ou lógica ) é, com certeza, a


tarefa fundamental da lógica dedutiva [aqui, ele está se referindo
à dedução de uma proposição a partir de outra, ou de outras].
Esta análise, entretanto (. . .) somente pode ser feita após a lógica
ter sido desenvolvida até certo ponto, e certamente não é dada
pela tabela de 'Se, . . . então'. Por um lado, quando dizemos que
uma sentença [proposição] implica outra, mencionamos as duas
sentenças, ao invés de usá-las. O que poderíamos usar dizendo
isso seria não as sentanças propriamente, mas expressões para
nos referir a elas; por exemplo, nomes para elas (tais como re-
26 Os alicerces

sultam por se colocar as sentenças entre aspas).4 Os conectivos


sentenciais [conectivos lógicos] entretanto, tais como 'Se, . . . en-
tão', posicionam-se entre as sentenças, e não entre os nomes das
sentenças. Por esta razão unicamente, na lógica sentencial [cál-
culo proposicional] não podemos substituir a expressão 'Se, . . .
então ' pelo termo 'implica'.[Rog71, p. 6].

Várias outras interpretações podem ser dadas para o termo 'implicação',


como aquelas mostradas por J. Corcoran em [Cor73]. Um conceito de `im-
plicação física' será visto abaixo.
Importante é tomar conhecimento dos modos alternativos úteis de nos
referirmos ao condicional Se A, então B são:

(1) A só (ou somente ) se B

(2) A é condição suciente de (ou para ) B

(3) B é condição necessária de (ou para ) A

(4) B , se A

(5) A implica materialmente B

O bicondicional Um bicondicional é uma expressão da forma


A se e somente se B.

O bicondicional é considerado verdadeiro quando A e B assume o mesmo


valor-verdade, e é falso em caso contrário. Assim, temos a seguinte tabela:

A B A se e somente se B
1 1 1
1 0 0
0 1 0
0 0 1
4Écomum em alguns contextos distinguir entre o uso de uma expressão e a sua menção.
Por exemplo, se digo que 'Pedro tem 5 letras', isso é falso, pois a pessoa Pedro não tem
cinco letras, mas o seu nome. Para distinguir isso, escrevemos ' 'Pedro' tem cinco letras'.
Ou seja, as aspas indicam o nome da expressão entre elas; 'Pedro' é o nome de Pedro.
Simbologia 27

Observações similares àquelas feitas anteriormente com respeito ao condi-


cional aplicam-se aqui: dizendo que A se e somente se B é verdadeira, não
estamos querendo dizer que A e B são logicamente equivalentes, uma vez que
o conceito de equivalência lógica ainda não está sendo considerado.
É comum, quando é o caso de A se e somente se B , dizermos que A
é condição necessária e suciente de (ou para) B . Do mesmo modo, B é
condição necessária e suciente de (ou para) A.
Assim, levando em conta o que se viu acima sobre as formas alternaticas
de nos referirmos ao condicional, pode-se entender porque, nas demonstrações
de um bicondicional (uma equivalência) A se e somente se B , os matemáticos
costumam decompô-lo em duas partes: prova da condição necessária (oun
seja, a prova de que Se A, então B ) e prova da condição suciente (a prova
de Se B , então A).5

Exercício 2.1.3 Procure em textos de matemática casos que ilustrem o que


foi dito sobre condições necessárias, sucientes e necessárias e sucientes.

2.2 Simbologia
Várias questões relacionadas aos conectivos, como por exemplo as relações
que há entre eles, podem ser melhor apreciadas se introduzirmos alguma
notação simbólica. O uso do simbolismo aqui facilita enormemente, estando
em pé de igualdade com o que ocorre em matemática; pense por exemplo
em se dizer que a diferença entre os quadrados de dois números é igual ao
produto de sua soma pela sua diferença na ordem em que a diferença dos
quadrados é tomada. Não seria muito mas fácil escrevermos simplesmente
'a2 − b2 = (a + b)(a − b)' ? O mesmo vai ocorrer aqui.
Assim, usaremos o símbolo ∧ para escrevermos as conjunções (abaixo,
há uma tabela que indica algumas das variações usadas na literatura); ∨
indica a disjunção, ¬ a negação, → a implicação material (o condicional) e
↔ o bicondicional. Assim, temos as seguintes expressões e suas repectivas
tabelas-verdade:

5 Obviamente que poderíamos ter chamado de condição necessária (suciente) o condi-


cional Se B , então A (respect., Se A, então B ). O importante é que apareçam ambas as
deomonstrações.
28 A base intuitiva da Lógica clássica

A ¬A
1 0
0 1

A B A∧B A∨B A→B A↔B


1 1 1 1 1 1
1 0 0 1 0 0
0 1 0 1 1 0
0 0 0 0 1 1

Exercício 2.2.1 Mostre que os seguintes pares de proposições são equiva-


lentes (têm a mesma tabela-verdade): (1) A → B e (¬A) ∨ B ; (2) A ∧ B e
¬(¬A ∨ ¬B); (3) A ↔ B e (A → B) ∧ (B → A). Outros exemplos virão
oportunamente.

2.3 Contextos Extensionais


Os conectivos lógicos (ou sentenciais) introduzidos acima são extensionais
no seguinte sentido: o valor-verdade de uma proposição que contenha esses
conectivos depende única e exclusivamente dos valores-verdade das proposições
que as compõem, não dependendo do sentido ou signicado dessas proposições
componentes. Chama-se Princípio de Substituição à seguinte regra ([Rog71,
pp. 9-10]):6 para quaisquer fórmulas (ou proposições) α, β , γ e δ , se δ resulta
de γ pela substuição de uma ou mais ocorrências de α por β , então se α
e β têm o mesmo valor-verdade, resulta que γ e δ também terão o mesmo
valor-verdade.
Assim, se em uma proposição dada sustituirmos (pelo menos algumas
das) as letras que nela guram por outras designando proposições com o
mesmo valor-verdade que as substituídas, a proposição resultante terá o
mesmo valor-verdade da inicial.
Um exemplo de contexto não-extensional é aquele envolvendo expressões
como necessariamente, deve ser, acredito, dentre outras que são comuns na
linguagem natural. Tome a seguinte armativa: João acredita que a es-
trela vespertina é idêntica à estrela vespertina, que podemos aceitar como
verdadeira em virtude de João supostamente conhecer o princípio da identi-
dade. Ora, apesar de que a estrela vespertina é idêntica à estrela matutina,
6 Ver também a Proposição 1.3 de [Men87, p. 19].
Dedução 29

mediante uma substituição, obtemos a sentença João acredita que a estrela


vespertina é idêntica à estrela matutina, que pode não ser o caso, se João
não tem conhecimentos de astronomia.
Assim, se tivermos um operador A tal que A(X) signica que acreditamos
em X , então mesmo que X e Y tenham o mesmo valor-verdade, A(X) pode
não ter o mesmo valor-verdade que A(Y ). O mesmo acontece em outros
contextos como os mencionados.

Exercício 2.3.1 Encontre outros exemplos de situações que não são exten-
sionais. Uma dica: nas lógicas modais usuais, analise a este respeito a ex-
pressão ¤α, que se lê 'necessário α'.

2.4 Regras clássicas de dedução


Nesta seção, iremos dar uma série de exemplos de regras de inferência e
de deduções formais e informais visando familiarizar o leitor com as regras
básicas da lógica clássica (proposicional) e dos modos usuais de se realizar
demonstrações simples. Reservaremos a palavra 'prova' para representar uma
derivação denida acima (ver a denição à página 11), e a palavra 'demon-
stração' para denotar uma derivação informal (ou metamatemática), na qual
nem todas as passagens são explicitadas, e em geral realizada na linguagem
natural adequadamente enriquecida com alguma simbologia. Em geral, nas
derivações informais, como aquelas que aparecem nos livros de matemática,
as regras lógicas, como as que estaremos vendo nesta seção, são deixadas im-
plícitas, e somente aquelas passagens que fazem uso de resultados especícos
da teoria que se está considerando, como a aritmética, são explicitadas. Este
procedimento, adotado em geral nos textos matemáticos, mostra bem a im-
portância de conhecermos as regras lógicas de inferência; é evidente que, pelo
menos em princípio, devemos saber o que está sendo omitido e sub-entendido
nas demonstrações.
Tendo em vista o exposto acima, para que esta seção seja proveitosa de-
vemos aceitar que a lógica proposicional clássica pode ser apresentada como
um sistema formal (como faremos no capítulo 4), cujas regras de inferência
estão entre as dadas abaixo. Na verdade, não precisamos usar como primiti-
vas de todas as regras dadas abaixo, já que, assumindo um certo grupo delas,
as demais podem ser derivadas; na nossa apresentação, usaremos apenas
uma dessas regras (Modus Ponens), já que procederemos axiomaticamente.
30 A base intuitiva da Lógica clássica

Porém, a nalidade aqui é dupla: (1) aprender mais sobre 'provas' em sis-
temas formais e sobre 'demonstrações' em geral e (2) começar a praticar com
as regras básicas da lógica clássica.
Nos exemplos, muitas vezes faremos uso de suposições que pertencem a
outras teorias, como a aritmética, mas o leitor deve aceitar o fato de que
estas partes da matemática também podem ser devidamente formalizadas
(tratadas via sistemas formais).
A lógica proposicional, cálculo proposicional ou ainda lógica sentencial é
o ramo da lógica que se ocupa das propriedades lógicas das sentenças obtidas
mediante a aplicação dos conectivos lógicos a sentenças mais elementares (que
podemos chamar de 'proposições'). Os conectivos lógicos que consideraremos
são a conjunção (∧), a disjunção (∨), a negação (¬), o condicional (→) e o
bi-condicional (↔).
Algumas das principais regras da lógica proposicional clássica são as
seguintes:

Modus Ponens (MP)


α, α → β
β
Modus Tollens (MT)
¬β, α → β
¬α
Dupla Negação (DN)
α ¬¬α
,
¬¬α α
Introdução do ∧ (I∧)
α, β
α∧β
Eliminação do ∧, ou Separação (E∧)
α∧β α∧β
,
α β

Tollendo Ponens (TP)


α ∨ β, ¬α α ∨ β, ¬β
,
β α
Dedução 31

Introdução do ∨ (I∨)
α β
,
α∨β α∨β

Simplicação Disjuntiva (SimDis), ou Contração

α∨α
α
Leis Comutativas (Com)

α∧β α∨β
,
β∧α β∨α
Leis Associativas (Ass)
α ∧ (β ∧ γ) (α ∧ β) ∧ γ α ∨ (β ∨ γ) (α ∨ β) ∨ γ
, , ,
(α ∧ β) ∧ γ α ∧ (β ∧ γ) (α ∨ β) ∨ γ α ∨ (β ∨ γ)

Bicondicional (Bi)
α ↔ β α ↔ β α → β, β → α
, ,
α→β β→α α↔β

Autodedutibilidade (Au)
α
α
Leis de De Morgan (DM)
α∨β α∧β ¬(α ∨ β) ¬(α ∧ β)
, , ,
¬(¬α ∧ ¬β) ¬(¬α ∨ ¬β) ¬α ∧ ¬β ¬α ∨ ¬β

Silogismo Disjuntivo (SiDis)


α∨β, α→γ, β →δ
γ∨δ

Contraposição (C)
α → β ¬α → ¬β
,
¬β → ¬α β → α

Redução ao Absurdo (RA)


32 A base intuitiva da Lógica clássica

Clássica
¬α → ¬β, ¬α → β
α
Intuicionista
α → β, α → ¬β
¬α
Princípio de Saccheri
¬α → α
α
Forma Simples
α → ¬α
¬α
Substituição por equivalentes (Taut)

Γ, α ` β, α ↔ γ
Γ, γ ` β

Nos exemplos e exercícios abaixo, que sugerimos sejam acompanhados


cuidadosamente, solicitaremos que seja deduzida uma determinada proposição
β a partir de certas premissas α1 , . . . , αn . Isso será algumas vezes indicado
simplesmente pedindo que se mostre que α1 , . . . , αn ` β . Por vezes usaremos
letras latinas maiúsculas para denotar proposições, como nos casos a seguir.

Exemplo 2.4.1
(1) Deduzir R a partir das premissas P , P → Q e Q → R

Solução: Consiste em exibir uma seqüência de fórmulas, cada uma das quais
sendo uma premissa ou conseqüência de precedentes da seqüência por uma
das regras de inferência vistas acima, de forma que a última fórmula seja a
que se quer demonstrar. Neste exemplo, somente Modus Ponens é usada.
A dedução pode ser a seguinte:7

1. P Premissa

2. P → Q Premissa
7 Emgeral, nos casos mais complexos, não há uma única dedução possível. A cria-
tividade e a intuição valem bastante aqui, e a maior ou menor destreza em se obter as
derivações depende quase que geralmente do treino.
Dedução 33

3. Q → R Premissa

4. Q 1, 2, MP

5. R 3, 4, MP

(2)Verique que P → (Q → R), P, ¬R ` ¬Q


Solução:

1. P → (Q → R) Premissa

2. P Premissa

3. ¬R Premissa

4. Q → R 1, 2, MP

5. ¬Q 3, 4, MT

Exemplo 2.4.2 (A → B) ∧ (C → D), B ∨ D → E, ¬E ` ¬(A ∨ C)


Solução:

1. (A → B) ∧ (C → D) Premissa

2. B ∨ D → E Premissa

3. ¬E Premissa

4. ¬(B ∨ D) 2,3,Com

5. ¬B ∧ ¬D 4, DM

6. ¬B 5, E∧

7. ¬D 5, E∧

8. (¬A ∨ B) ∧ (¬C ∨ D) 1, Taut

9. ¬A ∨ B) 8, E∧

10. ¬C ∨ D 8, E∧

11. ¬A 8, 9, SD
34 A base intuitiva da Lógica clássica

12. ¬C) 7, 10, SD

13. ¬A ∧ ¬C 11,12,I∧

14. ¬(A ∨ C) 12, DM

Exercício 2.4.1 Nestes exercícios, além de MP e MT, lembre-se de usar


DN.
1. Provar que P → ¬Q, Q ` ¬P
2. Idem para ¬P → Q, ¬Q ` P
3. Idem para ¬P, R → P, ¬R → S ` S
4. Idem para P → ¬Q, Q, ¬P → R ∧ S ` R ∧ S
5. Idem para S → ¬R, R ` ¬S
6. Demonstrar x 6= 0 a partir das premissas seguintes: x = y → x = z ,
x = z → x = 1, x = 0 → x 6= 1 e x = y .
7. Demonstrar x 6= y a partir de x = y → y = x, y = z → y = w,
y = w → y = 1 e y 6= 1.

Exercício 2.4.2 Nos três primeiros exercícios, use I∧ e E∧ (além das regras
usadas acima); nos dois últimos, use TP:
1. Deduza ¬S a partir de ¬R ∧ T e S → R.
2. Mostre que B ∧ C, B → D ` B ∧ D
3. Idem para ¬S → Q, ¬(T ∧ R), S → T ∧ R ` ¬S ∧ Q
4. Idem para P ∨ Q , ¬T , Q → T ` P
5. Idem para B , B → ¬D , A ∨ D ` A ∧ B

2.4.1 Prova de um condicional (PC)


Um condicional α → β usualmente é demonstrado (prova direta) do seguinte
modo:8 assume-se α como premissa e obtém-se, de α e eventualmente de
outras premissas, uma derivação de β . Isso posto, aplicamos a regra PC e
dizemos que obtivemos uma derivação de α → β . Mais tarde, veremos uma
justicativa para este procedimento, o chamado Teorema da Dedução.
Por exemplo, se um matemático deseja provar que, sendo x um número
natural ímpar, então x + 1 é par, ele inicia assumindo a hipótese de que
x é ímpar, e mediante as leis da aritmética, mostra que x + 1 é par. Isso
posto, como aceita a regra PC, ele tem condições de armar que obteve uma
8 Note que este procedimento já foi usado no teorema 1.1.
Dedução 35

prova do condicional: Se x é ímpar, então x + 1 é par". A prova informal


é a seguinte: se x é ímpar, é da forma x = 2k + 1 para algum natural k .
Portanto x + 1 = (2k + 1) + 1 = 2(k + 1), ou seja, x + 1 é um múltiplo de 2,
e portanto é par.
Se você acompanhou a prova informal dada acima, está começando a
perceber porque em geral não se encontram provas formais, como foram
denidas anteriormente, nos textos de matemática. Seria extremamente labo-
rioso exibir todos os passos das derivações, ou todos os pré-requisitos para que
ela possa ser realizada. Obviamente, o que estamos fazendo com a denição
de prova dada anteriomente, é entender como funcionam as demonstrações.
De maneira geral, o esquema da prova direta de um condicional é a
seguinte:
[Regra PC] Se a derivação de alguma proposição β depende, como uma das
premissas, de uma proposição α, então a regra PC permite que derivemos
o condicional α → β a partir das outras premissas (se houver alguma). O
esquema é:

Assumimos α como premissa.


..
.
Derivamos β , usando α
Logo, α → β por PC

Outros exemplos:
1. P → Q ` ¬Q → ¬P

1. P →Q P
2. ¬Q P
3. ¬P 1,2, MT
4. ¬Q → ¬P 2,3,PC

Note que a premissa ¬Q (passo 2) 'sumiu', sendo incorporada como an-


tecedente de um condicional (passo 4). Conseqüentemente, a única premissa
que restou foi P → Q. Isso deve sempre ocorrer; na derivação de uma
proposição, eventualmente usa-se alguma outra premissa além das dadas em
princípio, o que constitui passo lícito. Mas, na conclusão nal, não devem
36 A base intuitiva da Lógica clássica

'restar' outras que as assumidas em princípio. Todas as restantes devem ter


sido 'eliminadas', como se deu acima. Vejamos outro exemplo:
2. P → (Q → R) ` Q → (P → R)

1. P → (Q → R) P
2. Q P
3. P P
4. Q→R 1,3,MP
5. R 2,4,MP
6. P →R 3,5,PC
7. Q → (P → R) 2,6,PC

Note que as linhas 2 e 3 'sumiram' como antecedentes dos condicionais


em 6 e 7 respectivamente, restando ao nal a única premissa dada (linha 1).
Mais um exemplo:
3. Q → R ` (¬Q → ¬P ) → (P → R)

1. Q → R) P
2. ¬Q → ¬P P
3. P P
4. ¬¬P 3,4,DN
5. ¬¬Q 2,4,MT
6. Q 5,DN
7. R 1,6,MP
8. P →R 3,7,PC
9. (¬Q → ¬P ) → (P → R) 2,8,PC

Exercício 2.4.3 Qual a justicativa que você daria para o seguinte argu-
mento? Pedro está ensinando a Paulo que se x é ímpar, então x + 1 é par
(como vimos há pouco). Mas Paulo retruca: Mas, se x = 6, então x + 1 não
á par, pois x + 1 = 7, que é ímpar". O que há de errado com o raciocínio de
Paulo?
Dedução 37

2.4.2 Mais sobre o condicional


O condicional  Se, . . . então " demanda atenção especial. Tomando o último
exercício acima, o que Pedro está querendo dizer a Paulo é que se um número
natural for ímpar, então o seu sucessor será par, e ele está preocupado com
a asserção condicional, e não com o fato particular de se saber se um dado
número é ímpar ou não. É precisamente isso que um condicional ajuda a
exprimir: a única possibilidade do condicional ser falso é α ser o caso, mas β
não ser, logo, sendo o condicional verdadeiro, se α for o caso, então β será o
caso, e a questão de se saber se α é ou não o caso independe da lógica.
Cabe ressaltar que, para garantir a sua armativa, Pedro não poderia se
valer de alguns casos particulares, 'mostrando' a Paulo que eles satisfazem a
proposição dada, como por exemplo, raciocinando da seguinte forma: Veja,
Paulo: 5 é ímpar, e 6 = 5 + 1 é par, e o mesmo ocorre com 1, com 7 ou
com qualquer número ímpar que você tomar". Se Paulo tiver uma mente
matemática, ele requererá de Pedro uma demonstração deste fato, que valha
para todos os números naturais ímpares e, como há uma innidade deles, de
nada adiantaria Pedro car listando caso a caso. Ao matemático interessam
provas (demonstrações), e por isso a nossa insistência em que você deve
entender em que elas consistem.9
Um dos mais célebres problemas em matemática é conhecido como 'con-
jectura de Riemann', que pode ser assim descrita de forma simplicada: há
uma certa função a variáveis complexas, chamada de 'função zeta de Rie-
mann', da qual interessa conhecer certas coisas sobre as raízes (valores que
a anulam). B. Riemann (1826-1866) conjecturou que a parte real das raízes
da função zeta, que são números complexos, estão na reta real x = 1/2.
Presentemente, com o auxílio de computadores, chegou-se a algo em torno
de 1.500.000 raízes da função zeta, todas com parte real na reta x = 1/2.
Isso no entanto não permite ao matemático inferir que todas elas tenham
essa característica. Tal forma de raciocínio indutivo não pode ser feito aqui.
Demonstrar este fato (ou refutá-lo ) é a grande questão.
Há ainda que se explicar o que em matemática entende-se por um contra-
exemplo. Suponha que Pedro, no exemplo acima, zesse a seguinte ar-
mativa: Se um número natural é ímpar, então o seu sucessor é ímpar".
9A discussão losóca sobre o signicado das demonstrações é vasta. Recentemente, as
chamadas 'provas por computador' trouxeram ainda mais indagações, como a de se saber
se pode ser aceita uma 'prova' realizada com o auxílio de um computador. Um exemplo
de vários artigos importantes pode ser visto em [Tym86].
38 A base intuitiva da Lógica clássica

Paulo, com sua mentalidade matemática, poderia argumentar dizendo que


isso é falso, e para provar que tem razão, bastaria que exibisse um 'contra-
exemplo'. Veja, Pedro, poderia dizer ele, se tomarmos x = 9, que é ímpar, o
seu sucessor será x + 1 = 10, que não é ímpar. Isso destrói a sua conjectura".
Neste caso, para refutar uma conjectura, um contra-exemplo basta. Por ex-
emplo, se for encontrada uma (uma basta!) raiz da função zeta de Riemann
cuja parte real não esteja na reta x = 1/2, a conjectura estará refutada, não
obstante a quantidade enorme de casos corroboradores que apresenta.
A justicativa completa deste fato exige que falemos em quanticadores,
que estão para além do alcance destas notas. Porém, informalmente, pode-
mos dizer que o argumento de Paulo, para persistir no exemplo, se baseia no
fato de que para provar que a armativa de Pedro é falsa (ela seria equiva-
lente à seguinte: Para qualquer número natural x, se x é ímpar, então x + 1
é ímpar"), bastaria mostrar que a sua negativa é verdadeira, a qual equivale
a Existe pelo menos um número natural ímpar cujo sucessor não é ímpar",
e isso pode ser visto por meio do caso escolhido, x = 9.

Exercício 2.4.4 Mostre que a armativa: Todo número par é maior do que
4" é falsa. Justique sua resposta.

2.4.3 Prova por contraposição


Muitas vezes, para provar o condicional α → β , fazemos uso do fato de ele
ser equivalente ao condicional ¬β → ¬α, que é dito ser sua contrapositiva.
Deste modo, em vez de provar 'diretamente' α → β , obtemos uma prova
(pelo procedimento anterior) de ¬β → ¬α. O esquema é:

Assumimos ¬β
..
.
Derivamos ¬α
Logo, ¬β → ¬α
Portanto, α → β

Exemplo 2.4.3 Provar que se m é um natural qualquer, então se m2 é


ímpar, resulta que m é impar. A prova informal é a seguinte: Suponha que
m é par (isto é, ¬β ). Então m2 = (2k)2 = 4k 2 = 2(2k 2 ). Logo m2 é o dobro
de um natural e é portanto par (ou seja, deduzimos ¬α). Portanto, se m é
Dedução 39

par, então m2 é par. Por contraposição, vem que se m2 é ímpar, então m é


ímpar.

Exercício 2.4.5 Use Bi (Regra do Bicondicional) para encontrar uma prova


(ainda que informal) para o fato de que se ∆ é um triângulo de lados a, b
e hipotenusa c, então c2 = a2 + b2 . (Dica: use a Lei dos Cossenos: sendo
θ o ângulo (interno) entre os lados a e b, temos a2 + b2 = c2 − 2ab cos θ.
Então, (aqui estamos obtendo uma prova da chamada 'condição necessária'
α → β ) se ∆ é retângulo e a hipotenusa é c, tem-se que θ = 90o e portanto
c2 = a2 + b2 . Reciprocamente (agora vem a prova da condição suciente
β → α), se c2 = a2 + b2 , então θ = 90o e o triângulo é retângulo com
hipotenusa c.)

2.4.4 Redução ao Absurdo


Na página 31, listamos na forma de regras algumas formas de raciocínio
associadas ao que se denomina de Redução ao Absurdo (RAA).10 Aqui é
conveniente sabermos que as expressões seguintes são 'verdades lógicas' (da
lógica clássica), que correspondem às regras vistas à página 31:

RAA Clássica (¬α → ¬β) → ((¬α → β) → α)


RAA Intuicionista (α → β) → ((α → ¬β) → ¬α)
Princípio de Saccheri (¬α → α) → α
RAA, Forma Simples (α → ¬α) → ¬α

As diferenças entre elas carão claras com um pouco mais de conteúdo.


Por ora, vamos aprender como são usadas.
Uma contradição é uma expressão da forma β ∧¬β , onde β é uma fórmula
qualquer. Uma prova por redução ao absurdo 'clássica' (a mais geral, na
lógica clássica) consiste em, querendo provar α, assumir ¬α como premissa
e, por seu intermédio (eventualmente juntamente com outras premissas),
derivar uma contradição. Isso posto, o princípio permite derivar α como
conclusão das demais premissas (se houver alguma). O esquema é o seguinte;
para provar A, agimos assim:
10 Estetipo de argumento remonta aos antigos gregos; para informações históricas, con-
sultar [KneKne80].
40 A base intuitiva da Lógica clássica

Assumimos ¬A como premissa.


..
.
Derivamos B ∧ ¬B por seu intermédio.
Portanto, A por RA.

Por exemplo, considere a seguinte derivação: P → Q , P → ¬Q ` ¬P

1. P →Q Premissa
2. P → ¬Q Premissa
3. P Premissa (negação da tese)
4. Q 1,3,MP
5. ¬Q 2,3,MP
6. Q ∧ ¬Q 4,5, I∧
7. ¬P 1,6,RA

Exemplo 2.4.4 Vamos agora usar a forma simples da redução ao absurdo


vista acima. Suponha que desejamos provar, na aritmética, que não há
número menor do que ele mesmo, ou seja, para todo x, tem-se x 6< x. Pro-
cedemos (informalmente), como segue.11 Suponha que nossa conjectura seja
falsa, ou seja, que exista um número natural x tal que x < x (chamemos
esta hipótese se (1)). Um dos teoremas da aritmética (que supomos haver
sido provado previamente) diz que para quaisquer números x e y , se x < y ,
então y 6< x. Como este teorema se refere a números arbitrários, que não
necessitam ser distintos, permanecerá válido se substituirmos y por x, e então
obtemos o seguinte: se x < x, então x 6< x. Ora, deste resultado e de (1),
obtemos por Modus Ponens x 6< x, que contraria (1). Devemos portanto re-
jeitar a hipótese inicial e obtemos o que queríamos demonstrar. Bom, esta foi
a prova informal, como usualmente feita nos manuais de matemática. Vamos
ver agora a prova (quase) completa.
Para tanto, recorremos à lei da redução ao absurdo na forma simples
(α → ¬α) → ¬α, que informalmente diz que toda proposição que implica
a sua própria negação tem que ser falsa.12 Substituindo x por x < x nesta
11 Este exemplo é tomado de [Tar66, pp. 157-158].
12 Para obter esta forma de RA da página 31, veja o teorema 4.0.2 dado à frente.
Dedução 41

expressão, obtemos (x < x → x 6< x) → x 6< x (chamemos esta expressão de


(2)), e da expressão do teorema acima, obtemos, como zemos anteriormente,
x < x → x 6< x, que se torna o antecedente de (2). Por Modus Ponens,
obtemos o seu conseqüente, ou seja, x 6< x.

Exemplo 2.4.5 Em uma das formulações possíveis do chamado Paradoxo de


Richard, originalmente publicado em 1905, pode-se ver um exemplo de uma
prova por redução ao absurdo. Trata-se do seguinte. Há números naturais
que podem ser descritos por sentenças contendo não mais do que 100 letras.
Por exemplo, 25 pode ser descrito por a metade de cinqüenta"ou por quatro
vezes cinco", ambas com menos do que 100 letras. Não importa que há mais
de um modo de descrever um número. Vamos agora dividir o conjunto dos
números naturais em duas partes disjuntas (sem elemento em comum) do
seguinte modo: na primeira, cam aqueles números que podem ser descritos
de algum modo por sentenças com um máximo de 100 letras; no outro, cam
os demais. Antes de prosseguir, devemos provar que este segundo conjunto
não é vazio, o que fará uso da redução ao absurdo. O argumento é o seguinte.
Suponha, por absurdo, que este segundo conjunto, que chamaremos de B , não
tenha elementos (que é a negação do que queremos estabelecer). Então todos
os números naturais terão que ser descritos por sentenças com no máximo 100
palavras. Mas como o nosso alfabeto tem 23 letras, há não mais do que 23
elevado a 100 possíveis expressões com 100 palavras ou menos para descrever
números naturais (lembre dos arranjos com repetição que aprendeu no ensino
secundário). Como há mais do que isso de números naturais (sabe dizer por
quê?), nosso conjunto B não pode ser vazio, contra a hipótese feita acima.
A prova está concluída. (Como exercício, elabore-a em detalhes). Voltemos
ao paradoxo para satisfazer nossa curiosidade. Ora, se B não é vazio, há
um menor elemento que pertence a B (note que todo conjunto não vazio de
números naturais tem um menor elemento: diz-se que os naturais são 'bem-
ordenados', o que não acontece por exemplo com o conjunto dos números
inteiros, sempre com a ordem usual). Seja p este elemento. Mas então, este
número natural p, que pertence a B por denição, pode ser denido por uma
sentença com menos de 100 letras, a saber, o menor número natural não
denível por uma sentença com não mais de 100 letras", e portanto não pode
pertencer a B . Contradição.

Exemplo 2.4.6 Girolamo Saccheri, padre jesuíta (1667-1733), é consider-


ado o primeiro a exibir uma tentativa séria de mostrar que o postulado das
42 A base intuitiva da Lógica clássica

C ¦ §D

¡
¡
¡
¡ ¡
¡
¡
¡
A B

Figura 2.1: O birretângulo de Saccheri

paralelas de Euclides podia ser derivado dos demais. Seus resultados foram
publicados em um livro intitulado Euclides ab omni naevo vindicatus, publi-
cado em Milão em 1733, algo como 'Euclides livre de qualquer defeito'. Em
seu trabalho, Saccheri utiliza uma forma equivalente daquilo que acima de-
nominamos de princípio de Saccheri. Segundo R. Bonola, o seu raciocínio
consistia em mostrar que assumindo como hipótese a falsidade da proposição
que se pretende demonstrar, chega-se a concluir que ela é falsa [Bon06, p.
20].
Saccheri aceita as primeiras 28 proposições (teoremas) dos Elementos de
Euclides, as quais não requerem o postulado das paralelas para suas demon-
strações. Com a ajuda dessas proposições, estuda o caso de um quadrilátero
birretângulo isósceles (veja a gura 2.1), ou seja, um quadrilátero ABCD,
no qual AC = BD e os ângulos A e B são retos. Traçando as diagonais AD
e BC , e usando resultados simples acerca de congruências (que estão entre
as 28 proposições aceitas), Saccheri mostra que os ângulos C e D são iguais.
No entanto, nada pode ser dito acerca da medida desses ângulos. Ele formula
então três hipóteses, dependendo do que podem ser estes ângulos: a do ân-
gulo reto, a do ângulo obtuso e a do ângulo agudo. O seu objetivo é afastar
as duas últimas, mostrando que, assumindo-as, somos conduzidos a absur-
dos. Assim, segundo ele, teríamos que car com a primeira, que equivale ao
quinto postulado de Euclides.
Assumindo a hipótese do ângulo obtuso (que é uma forma de negar o
quinto postulado), ele engenhosamente mostra que ela implica o quinto pos-
tulado, que por sua vez implica que a soma dos ângulos internos de um
Dedução 43

triângulo qualquer é igual a dois retos, o que contraria a hipótese do ângulo


obtuso (com ela, prova-se que a soma dos ângulos internos de um triângulo
é maior do que dois retos). Ou seja, o que é usado é algo que equivale ao
nosso princípio (¬α → α) → α, sendo α representativa do quinto postulado
(ou de algo que lhe seja equivalente).
Quanto à hipótese do ângulo agudo, ela é bem mais trabalhosa, mas o
sábio italiano igualmente dela deriva alguns 'absurdos', como a de que exis-
tem duas retas que, quando prolongadas ao innito, encontram-se e mesmo
assim têm uma perpendicular em comum [Eve90, pp. 54ss]. Como comenta
Eves, se Saccheri não estivesse tão hávido em exibir uma contradição mas
tivesse admitido sua inabilidade de encontrar uma, inquestionavelmente seria
hoje considerado o criador da geometria não-euclidiana (ibid., p. 58).

Exercício 2.4.6 Um exemplo clássico: provar (informalmente) que 2 é ir-
racional. Listar todos os princípios e resultados, da lógica e da aritmética,
que são utilizados nesta prova. Assuma os resultados aritméticos como pos-
tulados e exiba uma prova formal do mesmo resultado.

Exercício 2.4.7 Ver a demonstração de Euclides de que existem innitos


números primos, feita por redução ao absurdo. Nos Elementos, há várias
demonstrações que usam este procedimento; encontre mais algumas.

Exercício 2.4.8 Fazer um estudo do 'argumento diagonal' de Cantor, e


mostrar como ele é usado para se demonstrar que o conjunto dos números
reais não é enumerável (ou seja, não pode ser colocado em correspondência
um a um com o conjunto dos números naturais.

Quando se fala em assumir certos resultados, como no exercício 2.4.6


acima, isso pode ser entendido da seguinte maneira. Podemos reformular a
forma 'clássica' da redução ao absurdo também assim:
[Redução ao Absurdo Clássica, forma alternativa]

(α ∧ ((α ∧ ¬β) → γ) ∧ ((α ∧ ¬β) → ¬γ))) → β.

Podemos ler isto do seguinte modo: se α é 'verdadeira' (α pode ser en-


tendida como a conjunção dos axiomas da teoria que estamos usando, ou de
seus axiomas e dos teoremas já demonstrados) e β é o que queremos provar,
então se α e ¬β implicam tanto γ quanto ¬γ , β deve ser verdadeira. Assim,
a prova de β consiste em assumir α e ¬β (ou seja, aceitamos a teoria em
44 A base intuitiva da Lógica clássica

questão juntamente com a hipótese de que β é falsa). Disso, mostramos que


se pode derivar duas proposições contraditórias. Portanto β não pode ser
falsa, logo β .

2.4.5 Validade de argumentos, I


O método dedutivo exposto acima pode ser utilizado para analisarmos se
um dado argumento é ou não válido. Grosso modo, um argumento é um
conjunto de sentenças de uma determinada linguagem, de forma que uma
delas é dita ser a conclusão do argumento, enquanto que as demais são as
suas premissas. O que objetivamos é vericar se a conclusão se seque (é
conseqüência) das premissas. O essencial é caracterizar o sentido desse 'se
segue'. Se estivermos no âmbito do que podemos chamar de 'modo clássico
de argumentar', é de se supor que a conclusão se siga das premissas por
meio de deduções realizadas tendo em vista as regras 'clássicas' vistas acima.
Assim, diremos que um argumento é válido se pudermos derivar a conclusão
a partir das premissas do argumento, e que não é válido em caso contrário.
Mais tarde, quando tivermos introduzido o conceito de verdade, veremos um
outro critério (seção 3.8).
Tomemos então um exemplo simples. Considere o seguinte argumento.

Se Antonio ganhar o primeiro prêmio, então Pedro ganhará o


segundo. Mas Pedro não ganhará o segundo prêmio. Ou Antonio
ganhará o primeiro prêmio, ou José ganhará o terceiro prêmio.
Se Roberto ganhar o segundo prêmio, então José não ganhará
o terceiro prêmio. Portanto, Roberto não ganhará o segundo
prêmio.

Simbolizando as sentenças convenientemente, temos as seguintes premis-


sas: A → P , ¬P , A ∨ J , R → ¬J e a conclusão ¬R. É bem fácil ver que o
argumento é válido, deduzindo-se a conclusão a partir das premissas.

Exercício 2.4.9 Sejam A, B e C ângulos de um triângulo qualquer. Ver-


ique se o seguinte argumento é válido. Se A = B , então B = 45o . Se
B = 45o , então γ = 90o . Mas B = 90o ou B 6= 90o . Portanto, A =
6 B.

Exercício 2.4.10 Justique porque a seguinte regra, conhecida na literatura


como 'Modus Moron', MM (algo como 'modo tolo de raciocinar'), não é uma
Dedução 45

regra válida na lógica clássica:

α → β, β
(M M ).
α
Um exemplo de Modus Moron é o seguinte raciocínio: Se o governo é bom,
então o povo admira o Presidente. O povo admira o Presidente. Portanto, o
governo é bom. Você pode encontrar outros exemplos.

Importante salientar que a validade de um argumento depende essen-


cialmente da lógica que se está considerando. Na lógica intuicionista, que
veremos no Apêndice C, não se admite como lícita a lei do terceiro excluído.
Assim, uma argumentação indireta, por meio da redução ao absurdo, não
pode ser considerada aceitável. Ou seja, os matemáticos intuicionistas não
aceitam demonstrações por redução ao absurdo da forma como exempli-
camos acima.

2.4.6 Os paradoxos da implicação material


O modo usual de se ler Se A, então B como A implica B , na medida em
que substituímos as variáveis A e B por sentenças da linguagem natural,
mesmo em teoremas do cálculo C , muitas vezes ocasiona situações em que as
sentenças resultantes parecem falsas, ou pelo menos estanhas, soando como
'paradoxais'.
Casos célebres advêm das tautologias α → (β → α), α → (¬α → β) e
(α → β) ∨ (β → α). Após algumas substituições simples, podemos obter
coisas como: Se um pato é um avião, então (se dois mais dois é quatro,
então um pato é um avião). Da segunda tautologia, vem Se está nevando,
então (se não está nevando, então Florianópolis ca no Caribe) e da última,
vem o caso mais estranho: (Se José não deu calote na banca da esquina,
então José é desonesto) ou (se José é desonesto, então José não deu calote
na banca da esquina).
As explicações para esses fatos são variadas, mas deve-se notar que tais
'paradoxos' residem no fato de que, de acordo com o teorema da completude,
que veremos à frente, um modelo adequado para o cálculo C é uma álgebra
de Boole (ver o Apêndice A), e então uma interpretação para as variáveis
proposicionais deve ser dada em termos de elementos desta álgebra, e não
usar frases da linguagem coloquial. Ou seja, a interpretação dos conectivos
46 A base intuitiva da lógica clássica

lógicos deve ser em termos de operações booleanas, e não como 'conectivos'


da linguagem natural, que têm signicado por vezes impreciso.
Este fato nos alerta para as deciências do seguinte hábito, muito comum
em textos introdutórios de lógica. É comum trabalhar-se com 'exercícios'
que, para garantir motivação à turma, tentam 'traduzir' frases ou textos da
linguagem natural para a simbologia do cálculo proposicional e daí tirar con-
seqüências. Muitos professores divertem seus alunos com isso. Não queremos
dizer que isso não possa ser feito, mas é preciso cautela, pois nem sempre os
resultados obtidos serão éis à grande capacidade expressiva da linguagem
natural, podendo eventualmente mudar o discurso original. Os 'paradoxos'
surgem somente quando interpretações 'lógicas' inapropriadas são dadas aos
termos envolvidos.

2.5 Teorias
Nesta seção, vamos assumir que S é um sistema formal, como na seção 1.2.

Denição 2.1 Seja Γ ⊆ F . Chamamos de conjunto das conseqüências de


Γ, denotado Cn(Γ), ao conjunto seguinte:

Cn(Γ) =def {β ∈ F : Γ ` β}.

Teorema 2.1 É imediato que resultam válidos os seguintes fatos:13


(i) Γ ⊆ Cn(Γ) ⊆ F (Autodedutibilidade)

(ii) Se Γ ⊆ ∆, então Cn(Γ) ⊆ Cn(∆) (Monotonicidade)

(iii) Cn(Cn(Γ)) ⊆ Cn(Γ) (Idempotência)


T
(iv) Cn(Γ) ⊆ {Cn(∆) : ∆ ∈ F in(Γ)}, onde F in(Γ) denota a coleção dos
subconjuntos nitos de Γ (Finitude);

(v) Existe uma fórmula α ∈ F tal que Cn({α}) = F (Trivialização).

Exercício 2.5.1 Faça a demonstração do teorema precedente.


13 Estabelecidos por Tarski [Tar83a].
Teorias 47

Cn pode ser visto como um operador que atua sobre conjuntos de fór-
mulas, que caracteriza a noção de dedutibilidade (como fez Tarski, [Tar83],
[Tar83a]), ou seja, Cn (que é dito 'operador de conseqüência') é uma apli-
cação de P(F) em P(F), que associa conjuntos de fórmulas a conjuntos de
fórmulas, satisfazendo os postulados do teorema anterior. Deste modo, isto
é, a partir de Cn dado axiomaticamente, podemos denir o conceito de de-
dutibilidade ` facilmente, pondo Γ ` α see α ∈ Cn(Γ). Qualquer uma das
abordagens é lícita.

Denição 2.2 Uma teoria (Tarski chamava de 'sistema dedutivo', [Tar83, p.


40]) é um conjunto de fórmulas que é fechado para a relação de dedutibilidade.
Ou seja, é um conjunto Γ ⊆ F tal que Cn(Γ) = Γ.

Em outras palavras, isso signica que todas as deduções obtidas a par-


tir das fórmulas de Γ ainda estão em Γ. Um dos modos de se especicar
uma teoria é justamente pelo uso do método axiomático, descrevendo de que
modo, a partir de um conjunto básico de fórmulas Γ (que constitui o conjunto
dos postulados ou axiomas da teoria), dene-se a noção de dedutibilidade,
o que pode ser feito por meio de um sistema formal, como vimos. Ou seja,
dando-se umaa linguagem, especicando-se o conjunto das fórmulas, listando
os postulados e as regras de inferência, caracterizamos a noção de dedutibili-
dade `. Esta técnica é dita 'método postulacional' ou Frege-Hilbertiano, que
adotaremos aqui doravante (veja no entanto as observações feitas na seção
seguinte).
Importante salientar que aqui a palavra 'teoria' difere do uso coloquial do
termo, por exemplo quando se fala das teorias da evolução, da relatividade
ou do comportamento social. Nesses casos, utiliza-se uma teminologia que
se impôs naturalmente, mas essas 'teorias' não cabem na denição acima,
pois não têm (em geral) seus fundamentos bem delineados, de forma que
não sabemos ao certo qual a sua linguagem, axiomas, regras de inferên-
cia etc. Teremos uma teoria na acepção acima somente na medida em que
esses domínios forem axiomatizados (ou formalizados), mas aí entram outras
questões de natureza losóca, como a de se saber se a versão axiomática que
se formulou de fato reete a concepção informal que se tinha antes. Sobre
isso, ver o capítulo 6 de [Kra02].
48 A base intuitiva da lógica clássica

2.5.1 O que é uma lógica?


De um ponto de vista abstrato, uma lógica é um par ordenado

L = hF, `F i,

onde F é um conjunto, dito domínio da lógica L, cujos elementos são de-


nominados de fórmulas e `F é uma relação sobre P(F) × F , dita relação
de dedutibilidade, ou relação de conseqüência (que será denotada por ` so-
mente). O que importa é que tenhamos condições de caracterizar o que se
deve entender por uma fórmula (elemento de F ) ser dedutível a partir de um
conjunto de fórmulas. O modo pelo qual se especica isso é, em essência, o
que distingue um sistema lógico de outro.14
Em suma, o modo de se caracterizar uma lógica depende de como se de-
ne o operador de conseqüência. Ainda que não exploremos este ponto aqui,
talvez importe ao leitor saber que os modos mais comuns são o 'médodo das
provas' (proof-theoretical method ), o 'método dos modelos' (model-theoretical
method ), o 'médodo do operador de conseqüência' (consequence operator
method ) e os métodos de Gentzen' (e aqui incluímos a chamada 'dedução
natural'), cada um deles comportando vários sub-métodos. O método que
estamos adotando neste texto é o método das provas, também dito método
ao 'estilo-Hilbert'. O método dos modelos, essencialmente devido a Tarski
(ver [Tar83], [Tar83a]), usa a denição de dedutibilidade seguinte (trata-se
de uma denição 'semântica', como a própria palavra 'modelo' sugere): α
é dedutível de Γ se e somente se todo modelo de Γ é modelo de α (este é
um dos sentidos da palavra implicação visto anteriormente). O método do
operador de conseqüência para a lógica clássica introduz o operador Cn do
modo como vimos (ou de forma equivalente), enquanto que os métodos de
Gentzen baseiam-se na noção de seqüentes, que não comentaremos aqui.15
Neste contexto, uma lei lógica é simplesmente uma condição que se dá so-
bre o operador de dedutibilidade. Por exemplo, as leis dadas acima para o
operador Cn são leis lógicas.
Se tivéssemos caracterizado o operador de dedutibilidade `, como zemos
anteriormente por meio de axiomas e da noção de detutibilidade, podemos
reobter facilmente o operador Cn do seguinte modo: para X ⊆ F , colocamos
14 Este procedimento permite uma abordagem muito geral à lógica; os autores estão
escrevendo um livro a respeito.
15 Para uma exposição introdutória da dedução natural, ver [Mor01, Cap. 14], ou [?].
O que é uma lógica ? 49

X ` β para abreviar hX, βi ∈ `, e denimos Cn(X) =def {β ∈ F : X ` β},


que tem as propriedades indicadas acima, como se pode mostrar facilmente.

Exercício 2.5.2 Refazer em detalhes o que acabamos de dizer.

Como se pode perceber, o importante é, uma vez dado F , caracterizar


`, e há vários modos de se fazer isso. As leis lógicas que impusermos carac-
terizarão a particular lógica com a qual estaremos operando. O estudo geral
dos sistemas lógicos desta forma constitui tópico relevante e atual. Para os
leitores interessados, indicamos [CosBez94].
50 A base intuitiva da lógica clássica
Capítulo 3
O Cálculo Proposicional Clássico

A presentaremos agora um sistema formal que chamaremos de Cál-


culo Proposicional Clássico. Os objetos estudados por meio deste cálculo
são denominados de proposições, e o que (informalmente) importa é que,
intuitivamente falando, cada uma é verdadeira ou falsa, mas não ambas as
coisas. O sentido das palavras `verdade' e `falsidade' será esclarecido à frente.
No Cálculo Proposicional, representamos as proposições de um certo modo
mesmo sem nos ocuparmos com o seu signicado losóco e então nos ocu-
paremos de combinar as proposições visando obter outras proposições mais
complexas por meio dos chamados conectivos lógicos : a negação (simbolizada
por ¬), a conjunção (∧), a disjunção (∨), o condicional (→) e a equivalência
(↔). Como veremos na seqüência, não é necessário tomar todos os conectivos
como primitivos; escolheremos dois deles, e os demais poderão ser introduzi-
dos por denição. Um conceito importante nesse Cálculo é que a verdade
(ou `valor-verdade'), que no caso de uma proposição complexa depende dos
valores-verdade das proposições atômicas que a compõem, fato esse que é
conhecido como Princípio de Frege . O adjetivo `clássico' usado acima para
designar o sistema em estudo refere-se à lógica clássica , em contraposição às
lógicas não-clássicas às quais faremos referência oportunamente.

3.1 O cálculo C
Chamaremos de C a teoria formal que corresponderá ao Cálculo Proposi-
cional Clássico. A linguagem de C será denotada por L. Conforme o que se
estabeleceu no capítulo anterior, iniciaremos descrevendo o alfabeto básico

51
52 O Cálculo Proposicional Clássico

de L. Os símbolos primitivos desta linguagem são os seguintes:

(i) Conectivos primitivos: ¬ e →

(ii) Variáveis proposicionais: A, B, C, . . .

(iii) Símbolos auxiliares: (, ) (parênteses)

Dar o alfabeto de L é semelhante a dizer quais símbolos deverão constar


do teclado de um computador com o qual desejamos escrever (em princípio)
matemática. No entanto, não basta dispormos do alfabeto; uma criança
não alfabetizada, com um teclado à disposição, pouco fará, pelo menos em
tempo hábil.1 É preciso aprender a escrever, ou seja, conhecer as regras
gramaticais da linguagem. No nosso caso, elas serão dadas abaixo. Antes,
um esclarecimento.
Na apresentação de uma teoria formal, nada é dito acerca do signicado
de seus símbolos básicos (o que caracteriza a teoria como 'formal'), isso vindo
posteriormente quando se associa à sua linguagem uma interpretação . No
entanto, tendemos a raciocinar intuitivamente, carregando a simbologia com
signicados, como por exemplo quando armamos acima que ¬ representava
a negação. Não há problema quanto a isso, desde que não nos prendamos
ao signicado intuitivo dos símbolos que usamos, que têm somente papel
secundário de guiar a nossa intuição. O verdadeiro signicado (operacional)
desses conceitos é xado pelos axiomas que escolhermos, como se verá. No
caso particular dos símbolos listados acima, como dito, geralmente lemos
¬ como negação e → como implicação, mas principalmente quanto a este
último deveremos tomar algum cuidado, como já insistimos anteriormente.

A palavra 'implicar', de novo. Já vimos na seção 2.1 que há impor-


tantes distinções a serem consideradas no que diz respeito à palavra 'im-
plicar'. Como vimos, na linguagem usual geralmente entendemos 'implicar'
no sentido de 'acarretar'. Assim, por exemplo, não estudar o suciente geral-
mente acarreta (implica) problemas com a aprovação. Apesar desta arma-
tiva ser em geral verdadeira, reecordemos que não é este o signicado da
implicação usada quando queremos falar agora da 'implicação material'. O
símbolo 0 →' representará formalmente o condicional material 'Se . . ., então ',
1 Cogita-se
em alguns contextos que, com tempo suciente (muito tempo), um macaco
poderia (teclando a esmo) reproduzir até mesmo as obras de Shakespeare.
O cálculo C 53

e seu caráter operacional será especicado pelos axiomas que virão, os quais
procurarão reetir o que na lógica tradicional (aristotélica) é conhecido como
'condicional de Filo', atribuído a Filo de Mégara, como veremos abaixo (à
frente, veremos uma outra forma de caracterizar os conectivos, fazendo uso
de 'matrizes lógicas').
Uma vez descrito o alfabeto básico de nossa linguagem, passaremos ao
segundo passo na descrição de uma teoria formal, qual seja, o de 'aprender
a escrever' com a linguagem L, ou seja, denir as expressões bem formadas
(ou fórmulas ) de L. Lembremos que uma expressão é uma seqüência nita
de símbolos da linguagem. No nosso caso, exemplos de expressões são:

¬¬(((→→ ABA((¬

→→→ AAA)))¬)¬

(A → (A → ¬B))

A denição de fórmula de L é a seguinte, dada indutivamente:2

(i) Uma variável proposicional é uma fórmula.

(ii) Se α e β são fórmulas, então (¬α) e (α → β) são fórmulas. Nesta


fórmula, α é dito ser o antecendente, e β o conseqüente do condicional.

(iii) Uma expressão é uma fórmula se e somente se for obtida por uma das
duas cláusulas precedentes.

Exemplos de fórmulas são as seguintes expressões:

A, B, (A → (A → (¬B))) e

(((¬B) → (¬A)) → (((¬B) → A) → B)).


2 Sobre este tipo de denição, ver o Apêndice B.
54 O Cálculo Proposicional Clássico

Linguagem e Metalinguagem Denotaremos por F o conjunto das fór-


mulas de L. Note que α e β , que aparecem na denição precedente, não fazem
parte de nosso alfabeto primitivo. Letras gregas minúsculas são usadas aqui
como metavariáveis para fórmulas, ou seja, são símbolos da metalinguagem
que denotam fórmulas. A distinção entre linguagem e metalinguagem é im-
portante; você pode pensar como se estivesse aprendendo uma nova língua,
como o inglês. Assim, a professora entra na sala e diz:
Peguem uma folha de papel e escrevam a seguinte sentença curta: John
is smart."
Note que há duas línguas envolvidas, o inglês, que estamos aprendendo (a
chamada linguagem objeto ), e o português, que usamos como metalinguagem,
com a qual exprimimos asserções sobre a linguagem objeto, por exemplo que
uma certa sentença é curta, como fez a professora.
No nosso caso, a línguagem objeto é L e a metalinguagem é ainda o por-
tuguês, suplementado com símbolos adicionais, como letras gregas e outros
símbolos convenientes, como `, =def , ∧ etc.
A m de simplicarmos a escrita, introduzimos algumas convenções e
denições, como segue. Inicialmente, adotamos uma convenção para a elimi-
nação de parênteses: parênteses externos não serão escritos; assim, excrever-
emos ¬α em vez de (¬α) e α → β em vez de (α → β). Depois, adotamos
a convenção de que ¬ se aplica à fórmula 'mais curta' imediatamente à sua
direita. Deste modo, ¬α → β abrevia ((¬α) → β), e não (¬(α → β)).
Ademais, supomos que ∧ e ∨ têm preferência sobre → e ↔, no seguinte sen-
tido: α ∨ β → γ abrevia ((α → β) → γ). Se há conectivos de 'igual força',
convenciona-se a associação à esquerda; por exemplo, α ∧ β ∨ γ e α → β → γ
abreviam respectivamente ((α ∧ β) ∨ γ) e (α → β) → γ). Quando quisermos
escrever algo como α → (β → γ) ou α ∨ (β ∧ γ), parênteses são necessários.3
Finalmente, e já adotando a convenção acima, denimos:

α ∧ β =def ¬(α → ¬β)


α ∨ β =def ¬α → β
α ↔ β =def (α → β) ∧ (β → α)

Note que tampouco ∧, ∨ e ↔ fazem parte do alfabeto básico de L.


3 Os lógicos poloneses, no entanto, utilizam uma notação que prescinde o uso de parên-
teses.
O cálculo C 55

3.1.1 Digressão: Denições


Vimos acima que a denião de fórmula de L é uma denição indutiva, como
explicado no Apêndice B. Acima, no entanto, foi usada uma outra forma de
denição. Nela, o símbolo =def deve ser entendido como um sinal metalin-
guístico que signica 'igual por denição'. Formas alternativas de escrita são
def
encontradas com freqüência, como =D , := ou = , dentre outros. Este tipo de
denição é chamada de denição nominal ou abreviativa, e tem a seguinte
forma geral:

DEFINIENDUM =def DEFINIENS.

O deniendum contém um símbolo novo, que não faz parte da linguagem


objeto, mas é usado para que a expressão do deniendum abrevie (daí o nome
desse tipo de denição) a expressão do deniens, essa sim uma fórmula da
linguagem objeto. Este tipo de denição é muito comum em matemática,
por exemplo quando introduzimos o conceito de subconjunto, escrevendo
A ⊆ B para abreviar ∀x(x ∈ A → x ∈ B), ou limx→a f (x) = l para abreviar
∀²∃δ(0 < |x − a| < δ → |f (x) − l| < ²). Há modos de de acrescentar
símbolos à linguagem objeto, obtendo-se o que se denomina de 'extrensões
por denições', mas certas condições devem ser obedecidas, de modo que
os novos símbolos não criem monstros em locais indesejados e possam ser
eliminados se necessário. Para detalhes sobre isso, ver o Capítulo 8 do livro
[Sup59], ou o capítulo 4 de [Sho67].

O segundo ítem da denição de uma teoria formal exige que explicitemos


algumas fórmulas que serão os axiomas do cálculo C . Faremos isso à frente;
no momento, vejamos como se pode interpretar a linguagem L.

3.1.2 Observação sobre a notação


Os símbolos que estamos empregando (como '¬' e '→') não são usados por
todos os autores. Na verdade, não há notação padrão em lógica. A tabela
abaixo, basedada em [Kne63, p. 87] mostra bem isso ('Whit/Russ' representa
a notação de Whitehead e Russell, 'Hilbert' a de Hilbert e escola):
56 O Cálculo Proposicional Clássico

Conceito Whit/Russ Hilbert Outros


não X ∼X X, + X N X , ¬X
A ou B A∨B A∨B AAB
A e B A¦B & K AB , A ∧ B
A se, então B A⊃B A→B C AB
A se e só se B A≡B A ∼ B, A ↔ B E AB

3.2 Semântica
Seja V um conjunto qualquer de variáveis para proposições. Chamamos de
valoração , ou interpretação de V a uma aplicação v de V no conjunto {0, 1}.4
O valor v(X), para X ∈ V é dito valor-verdade de X . Se V (X) = 1, dizemos
que X é verdadeira com respeito à valoração v , e que é falsa em caso contrário
(ou seja, se v(X) = 0).
Se V 0 é o conjunto das fórmulas de L gerado a partir das fórmulas do
conjunto V mediante a denição acima (isto é, aplicando-se os conectivos
lógicos),5 então podemos denir uma aplicação v 0 de V 0 em 2 = {0, 1} do
seguinte modo:6

(1) Se X ∈ V , então v 0 (X) = v(X)

(2) Para todas α e β em V 0 , tem-se que:

(i) v 0 ((¬α)) = (v 0 (α))∗ , onde x∗ denota o complemento de x na álgebra


de Boole 2.
(ii) v 0 ((α → β)) = (v 0 (α))∗ t v 0 (β).

Pode-se provar que há uma única v que preenche as condições acima.7


Se v 0 (α) = 1, dizemos que a valoração v satisfaz a fórmula α, e escrevemos
4 Na
verdade, o contra-domínio de v é a álgebra de Boole 2 (sobre reticulados e álgebras
de Boole, ver o Apêndice A). A escolha de tal álgebra caracteriza nossa lógica 'a dois val-
ores'; poderíamos ter escolhido outro conjunto imagem (outra álgebra de Boole completa),
mesmo uma contendo uma innidade de valores.
5 Para detalhes, ver o Apêndice B.
6 Se o leitor ainda não leu o Apêndice A, ou se não conhece as álgebras de Boole, pode
raciocinar como segue: pense que os valores de v(α) e de v 0 (α), para α qualquer, são
sempre 0 ou 1. Isso posto, x∗ = 0 se e somente se x = 1, x t y é o maior dentre os valores
de x e y , enquanto que x u y é o maior dentre os valores de x e y .
7 A prova é feita fazendo-se uso do chamado Teorema da Recursão. Ver o Apêndice B.
Semântica 57

v sat α, e que v nsat α em caso contrário. Ainda, se Γ é um conjunto de


fórmulas, então escrevemos v sat Γ se v sat α para toda α de Γ. Neste caso,
dizemos que v é um modelo de Γ. O conceito de v nsat Γ é introduzido de
modo óbvio (existe pelo menos uma fórmula α de Γ tal que v nsat α).
Tendo em vista a denição acima dos conectivos ∧, ∨ e ↔, resulta que:
v 0 (α ∧ β) = v 0 (α) u v 0 (β)
v 0 (α ∨ β) = v 0 (α) t v 0 (β)
v 0 (α ↔ β) = ((v 0 (α))∗ t v 0 (β)) u (v 0 (α) t (v 0 (β))∗ )
Denição 3.1 Uma fórmula α é consequência tautológica de um conjunto
Γ de fórmulas, e escrevemos
Γ |= α
se toda valoração (denida no conjunto das variáveis proposicionais que ocor-
rem nas fórmulas de Γ) que satisfaz as fórmulas de Γ, satisfaz α.
Em outras palavras, todo modelo de Γ é modelo de α. Se Γ = {α1 , . . . , αn }
e Γ |= α, escreveremos alternativamente
α1 , . . . , αn |= β.
No caso particular de Γ = ∅, então ∅ |= α, que escrevemos simplesmente
|= α
o que quer dizer que toda valoração satisfaz α. Neste caso, dizemos que α é
uma tautologia . Outro caso de interesse é quando nenhuma valoração satisfaz
Γ; neste caso, Γ |= α para toda α. Por exemplo, tomemos Γ = {β, ¬β}, que
não é satisfeito por nenhuma valoração (este resultado tem uma contraparte
sintática que será vista no teorema 4.0.4). Se α não é satisfeita por nenhuma
valoração, então α é uma contradição , como por exemplo β ∧ ¬β .
Escrevemos α |= β para denotar que {α} |= β , e diremos que α implica
tautologicamente β . Se α |= β e β |= α, então α e β são tautologicamente
equivalentes .
Exercício 3.2.1 Prove que ¬(α ∧ β) e ¬α ∨ ¬β são tautologicamente equiv-
alentes.
Exercício 3.2.2 Verique se o conjuntos de fórmulas seguinte tem modelo
(mais tarde veremos que isso implicará que o referido conjunto é consistente ):
Γ = {α → ¬β , ¬β → γ , γ ∨ ¬δ → β}.
58 O Cálculo Proposicional Clássico

3.3 Validade: Tabelas-Verdade


Mediante o conceito de valoração visto anteriormente, pode-se provar a ex-
istência de um procedimento efetivo (um algoritmo) para se saber, dados um
conjunto Γ = {α1 , . . . , αn } de fórmulas e uma fórmula β , se

α1 , . . . , αn |= β

ou não. Em particular, tomando Γ = ∅, tal algoritmo servirá para que


possamos determinar se uma dada fórmula é ou não uma tautologia. O
método que empregaremos é o das tabelas-verdade . Comecemos com um
exemplo, a saber, mostrar que

¬A ∨ B |= A → B.

Para tanto, considera-se todas as possíveis valorações com domínio {A, B}


(note que A e B são variáveis proposicionais; se fossem fórmulas molecu-
lares, o domínio deveria ser o conjunto de todas as variáveis proposicionais
que ocorressem nas fórmulas envolvidas, conforme a denição vista de `val-
oração'). Obviamente, há 4 funções possíveis de tal conjunto em {0, 1}, que
chamaremos de vi , i = 1, . . . , 4.
As valorações podem ser dispostas numa tabela como a abaixo, cada linha
representando as imagens vi (A) e vi (B) de cada valoração:

A B
v1 1 1
v2 1 0
v3 0 1
v4 0 0

Esta tabela pode ser ampliada de sorte a incluir as fórmulas ¬A ∨ B e


A → B . Abaixo de cada uma delas, são indicados os valores que assumem
para cada uma das possíveis valorações. Tais valores são obtidos, como já se
viu anteriormente, do modo seguinte (indicaremos alguns casos, chamando
de vi (i = 1, . . . , 4) respectivamente as valorações descritas pelas linhas da
tabela acima):
Tem-se portanto, para v1 :
Validade: Tabelas-Verdade 59

v1 (¬A ∨ B) = v1 (¬A) t v1 (B)


= (v1 (A))∗ t v1 (B)
= 1∗ t 1
= 0t1
= 1

De modo similar, e omitindo alguns detalhes óbvios,

v2 (¬A ∨ B) = v2 (A) t v2 (B)


= 0t0
= 0

É fácil ver que obtém-se a tabela seguinte, onde as linhas de 1 a 4 denotam


os valores das fórmulas correspondentes para as valorações v1 , . . . v4 :

A B ¬A ∨ B A→B
1 1 1 1
1 0 0 0
0 1 1 1
0 0 1 1

O que resulta é que ¬A ∨ B e A → B têm 'a mesma tabela', ou seja,


toda valoração que satisfaz uma delas também satisfaz a outra. Em outras
palavras, as fórmulas em questão são logicamente equivalentes e resulta o
que se queria demonstrar.
Perceba que, por denição, uma fórmula tem sempre um número nito de
letras proposicionais, de sorte que as tabelas-verdade (como são denominadas
as tabelas como as acima) terão sempre um número nito de linhas.8
Se atentarmos para a denição precendente, podemos obter facilmente
as tabelas-verdade (cada linha representa uma valoração diferente, ou um
mundo possível):

8 Por
indução, é fácil mostrar que se há n variáveis proposicionais envolvidas, haverá
2 valorações possíveis, logo, 2n linhas na tabela-verdade.
n
60 O Cálculo Proposicional Clássico

A ¬A
1 0
0 1

A B A∧B A∨B A→B A↔B


1 1 1 1 1 1
1 0 0 1 0 0
0 1 0 1 1 0
0 0 0 0 1 1

A tabela do condicional A → B expressa bem o que foi dito acima sobre


a distinção desta forma de 'implica' e a noção intuitiva de 'acarreta'. Com
efeito, o condicional material que estamos usando capta a seguinte noção,
atribuída a Filo, que segundo consta dizia que um verdadeiro condicional
é aquele que não tem um antecendente verdadeiro e um conseqüente falso
[Mat65, p. 203]. Assim, a sentença usada anteriormente Se 1 + 1 = 5, então
Florianópolis é a capital da Paraíba"é verdadeira em virtude do antecedente
ser falso (linha 3 da tabela).

3.4 Decidibilidade
Acima, vimos o conceito de sistema formal decidível. Por um método de
decisão para um sistema formal F entende-se, grosso modo, um método por
meio do qual podemos decidir em um número nito de passos se uma dada
fórmula é ou não um teorema de F. O chamado problema de decisão de F é
encontrar um tal método, ou provar que ele não existe. O problema reside em
que é preciso denir de modo sensato o que signica ter-se um método , o que
se faz com o auxílio da Teoria da Recursão, uma das mais importantes áreas
da lógica atual, mas que não abordaremos aqui;9 em vez disso, suporemos
que os conceitos acima são intuitivamente claros, e o que interessa enfatizar
é que as tabelas-verdade fornecem um método de decisão para o Cálculo
Proposicional Clássico.
Observa-se que esse resultado se assenta no fato de que mediante o uso de
tabelas-verdade podemos determinar (em um número nito de passos, pois
9 Isso
daria signicado preciso ao acima referido 'número nito de passos'. Informal-
mente, iso quer dizer algo como que o resultado pode ser alcançado com o uso de um
computador.
`Implicação Física' 61

a tabela tem um número nito de linhas) se uma dada fórmula é ou não


uma tautologia; basta que obtenhamos a sua tabela-verdade (ver exemplo
abaixo). Se a fórmula assumir valor-verdade 1 para toda valoração (ou seja,
a sua tabela-verdade só contém 1's), então ela é uma tautologia; se só contiver
zeros, é uma contradição (e, tendo zeros e uns, é dita ser uma contingência ).
Isso posto, o que se disse é resultado de um teorema, conhecido como Teorema
da Completude (para o cálculo em questão), que assevera que toda tautologia
é um teorema deste cálculo (vale também a a recíproca, conhecida como
Teorema da Correção). Esse teorema será comentado posteriormente. Logo,
determinando as tautologias, estamos determinando os teoremas do Cálculo
Proposicional.

Exercício 3.4.1 (Importante) Mostre que para toda valoração v 0 como


denida acima para as fórmulas do cálculo C é tal que, para toda fórmula α,
tem-se que v 0 (α) 6= v 0 (¬α). Este resultado será usado abaixo.

3.5 Digressão: 'Implicação Física'


Para o contexto das ciências físicas, convém explorarmos um pouco o condi-
cional material visto acima. Como vimos, este condicional é tal que α → β é
verdadeiro se '¬α∨β ' o é (ou, equivalentemente, se '¬(α∧¬β)' é verdadeiro).
No entanto, '¬α ∨ β ' é verdadeiro em qualquer um dos seguintes casos: (1) α
é verdadeiro e β é verdadeiro; (2) α é falso e β é verdadeiro, e (3) α é falso e
β é falso. Examinando esses casos, vericamos que se α é falso, não importa
o que β seja: o condicional α → β será verdadeiro. Logo, somos levados a
pensar que uma proposição falsa pode implicar qualquer proposição, e que
qualquer proposição implica uma proposição verdadeira, como já deve ter
cado claro.
Tais situações, os paradoxos da implicação material vistos acima, são con-
tornadas quando se percebe que a proposição α → β é formada usando-se
as proposições α e β , mas não diz respeito a elas individualmente, devendo
ser lida 'como um todo', sem que se estabeleça um vínculo entre elas. Em
seu livro Survey of Symbolic Logic , de 1918, C. I. Lewis introduziu um outro
tipo de implicação, dita 'implicação estrita', representada aqui por ';'; in-
tuitivamente, α ; β signica que é impossível que α seja verdadeira e β
seja falsa. Desse modo, expressa-se, contrariamente ao caso da implicação
material, uma relação entre α e β . Os sistemas modais de Lewis permitem
62 O Cálculo Proposicional Clássico

tratar de situações envolvendo os conceitos de possibilidade e necessidade,


contrariamente à lógica clássica. Usando-se o símbolo 3 para exprimir a
possibilidade, então α ; β denota ¬3(α ∧ ¬β).
Em física, no entanto, parece ser importante um outro tipo de consid-
eração.10 Suponha que seja dada a seguinte proposição condicional: Se eu
jogo minha caneta do alto da Ponte Hercílio Luz às 8:00:00 h, então minha
caneta chega à água às 8:00:05 h. Simbolizando tal proposição por α → β
em sentido óbvio, a implicação material nos diz (em outras palavras) que se
α é verdadeira em uma situação física s, então β o será em s. Essa maneira
de entender o condicional, no entanto, não resulta conveniente para todas
as situações, posto que não reete um modo adequado de representar cer-
tas situações físicas. Com efeito, admita que eu tenha jogado minha caneta
do alto da Ponte Hercílio Luz não às 8:00:00, mas às 9:00:00. Neste caso,
ambas as proposições Se eu jogo minha caneta do alto da Ponte Hercílio
Luz às 8:00:00, então minha caneta chega à água às 8:00:05 e Se eu jogo
minha caneta do alto da Ponte Hercílio Luz às 8:00:00, então minha caneta
chega à água às 7:00:00 serão verdadeiras, posto que o antecedente de cada
uma é falso. Em outras palavras, apesar de serem verdadeiras as duas úl-
timas proposições, elas não reetem a 'situação física' ocorrida, em nada
contribuindo para o seu estudo. Como diz a nossa autora, praticamente
todas as leis físicas interessantes, que estão na forma condicional, não corre-
spondem a implicações lógicas (implicação material). No seu artigo, Dalla
Chiara apresenta um estudo da `implicação física', que segundo ela é mais
adequada para os propósitos dessa disciplina.
A importância do condicional material em matemática vem do fato que
ele permite que cheguemos a conclusões do tipo Se x pertence ao conjunto
vazio, então x pertence a B , qualquer que seja o conjunto B . Como nada
pertence ao vazio, o antecedente do condicional é falso e, conseqüentemente, o
condicional é verdadeiro, o que implica (aqui sim no sentido de acarretar) que
o conjunto vazio é subconjunto de qualquer conjunto, fato este desejável em
matemática (se necessário, reveja a denição de inclusão dada à página 53).
Vários lógicos tentaram superar objeções como as acima relacionadas com
a implicação material. O condicional estrito de Lewis não é o único; a im-
plicação relevante , que fundamenta as chamadas 'lógicas relevantes, objetiva
estabelecer uma maneira sensata de se formalizar α ⇒ β (a implicação rel-
evante é simbolizada por ⇒) como exprimindo, caso seja verdadeiro, que α
10 Adaptaremos o exemplo dado por Dalla Chiara em [Dal83].
`Implicação Física' 63

impõe (entails ) β , no sentido de acarretar. Para uma idéia acerca de tais


lógicas, veja [Cos94, pp. 152ss].
Por outro lado, o exemplo acima do condicional em física traz outras
questões losocamente relevantes, ainda que aqui meramente mencionadas
para despertar a curiosidade do leitor. Trata-se da aplicabilidade da matemática
(e da lógica) padrão a física. Se, como argumentado acima, o condicional
material não reete totalmente certas situações desejáveis em física, porque
ele ainda assim é tão amplamente utilizado? A mesma questão pode ser
colocada de outra forma e de maneira mais ampla: quanto da matemática
clássica é necessária em física? Precisa-se por exemplo de cardinais grandes
(trata-se de um certo tipo de cardinal que aparece nos contextos da teoria
de conjuntos)? Usa-se o axioma da escolha em sua forma mais ampla ou
alguma forma particular mais fraca seria suciente? Vários lósofos se ocu-
param desses temas, como Quine e Putnam e, mais recentemente, E. Scheibe
(ver [Col03] e [Sch01]). A questão é atual e ainda bastante perseguida na
literatura losóca, com variadas respostas.
Da mesma forma pode-se questionar a aplicabilidade da lógica clássica à
ciência, em particular na física. Há os que podem ser chamados de monistas
lógicos, que sustentam haver uma única lógica lícita (em geral, a clássica),
todas as demais não passando de possibilidades matemáticas, e há os plu-
ralistas, dentre os quais os que sustentam, como é o nosso caso, que não
há em princípio nada que imponha um sistema sobre os demais, a não ser
critérios de ordem pragmática, como a simplicidade, capacidade de expressão
ou desejo particular de exprimir esse ou aquele conceito ou forma de pensar.
Com efeito, a lógica pode ser tida como algo que lida com as estruturas de
inferência subjacentes aos campos particulares do interesse cientíco, ou das
teorias cientícas. Em alguns deles, o entanto, a intuição de alguns cientistas
pode vir a sugerir que a lógica a ser usada deva ser distinta da clássica.
Um exemplo clássico é o da mecânica quântica, que segundo Birkho e von
Neumann demandaria uma lógica distinta da usual (veja o Apêndice A).
Porém, a possibilidade de se usar uma lógica distinta da clássica não
implica que esta esteja errada. A lógica clássica continuará a ser utilizada
nos domínios particulares onde se mostra mais adequada. Para resumir,
insistimos que não há uma 'lógica verdadeira'. Os variados domínios podem
ganhar em muito com o uso de lógicas alternativas; somos portanto a favor de
um pluralismo lógico e metodológico em ciência, mesmo nas ciências formais.
64 O Cálculo Proposicional C'lassico

3.6 Conectivos adequados


Voltemos agora aos assuntos relacionados à lógica proposicional clássica.
Uma função booleana n-ária é uma aplicação de {0, 1}n em {0, 1} (dotado
de uma estrutura de álgebra de Boole). Se α é uma fórmula cujas variáveis
proposicionais ocorrem entre A1 , . . . , An , seja v valoração tal que v(Ai ) = xi ,
xi ∈ {0, 1}, i = 1, . . . , n. A partir de α podemos denir uma função booleana
fα n-ária pondo
fα (x1 , . . . , xn ) = v(α)

Exemplo 3.6.1
Para xi ∈ {0, 1}, i = 1, . . . , n, denimos Iin (x1 , . . . , xn ) = xi .

Seja α a fórmula ¬A. Então pomos fα : {0, 1} → {0, 1} como fα (xi ) =


v(α) = v(¬A) = (v(A))∗ (na álgebra de Boole). Em palavras, fα `troca' o
valor-verdade que v assinala a A.

Seja α a fórmula β → γ . Denimos fα : {0, 1}2 → {0, 1} pondo fα (x1 , x2 ) =


(I12 (x1 , x2 ))∗ t I22 (x1 , x2 ).

Neste último caso, note que se x1 e x2 denotam os valores-verdade de β


e γ respectivamente, então a tabela abaixo (de fα ) reproduz elmente a de
β → γ:

x1 x2 (I12 (x1 , x2 ))∗ t I22 (x1 , x2 )


1 1 1
1 0 0
0 1 1
0 0 1

Exercício 3.6.1 Usando as denições conhecidas de ∧, ∨ e ↔ a partir de


¬ e →, obter funções boolenas que representem as tabelas de β ∧ γ , β ∨ γ e
β ↔ γ.

Nota-se por outro lado que dar uma função booleana n-ária é nada mais
do que dar uma tabela-verdade com n linhas. Por exemplo, a tabela seguinte
dene uma função booleana ternária:
O Teorema de Post 65

x1 x2 x3 f (x1 , x2 , x3 )
1 1 1 0
1 1 0 1
1 0 1 1
1 0 0 0
0 1 1 1
0 1 0 1
0 0 1 0
0 0 0 1
O problema interessante é estabelecer o inverso: dada uma tabela, achar
uma fórmula que tenha tal tabela como tabela-verdade. Essa questão foi
resolvida por E. Post em 1921, e será visto abaixo.

3.6.1 O Teorema de Post


Vimos acima que era pertinente indagar, dada uma tabela-verdade, ou seja,
dada uma função booleana, se é possível encontrar uma fórmula que tenha
tal tabela como tabela-verdade. O teorema seguinte soluciona essa questão.
Metateorema 3.1 (Teorema de Post) Seja f uma função booleana. En-
tão existe uma fórmula α tal que f = fα .
Demonstração: Se Img(f ) = {0}, basta tomar α como sendo qualquer con-
tradição, por exemplo, ¬A ∧ A. Se Img(f ) 6= {0}, admita que f seja n-ária.
Para cada 1 ≤ i ≤ 2n , seja li a conjunção U1i ∧ . . . ∧ Uni , onde Uji é Aj se na
i-ésima linha da tabela de f a variável xj assume valor-verdade 1, e Uji é ¬Aj
em caso contrário. Por exemplo, para a função f da tabela precedente (ver
parte nal da Nota 2), temos:
L1 é A1 ∧ A2 ∧ A3
L2 é A1 ∧ A2 ∧ ¬A3
L3 é A1 ∧ ¬A2 ∧ A3
L4 é A1 ∧ ¬A2 ∧ ¬A3
L5 é ¬A1 ∧ A2 ∧ A3
L6 é ¬A1 ∧ A2 ∧ ¬A3
L7 é ¬A1 ∧ ¬A2 ∧ A3
L8 é ¬A1 ∧ ¬A2 ∧ ¬A3
66 O Cálculo Proposicional Clássico

Considere agora α como sendo a disjunção de todas as Lj que correspon-


dem a linhas nas quais f assume valor 1. No caso, α é L2 ∨ L3 ∨ L5 ∨ L6 ∨ L8 .
O que se arma é que α é precisamente a fórmula que tem a tabela-verdade
descrita por f . Com efeito, denida uma valoração v , ou seja, dada uma
atribuição de valores-verdade para Ai , i = 1, . . . , n, digamos que v corre-
sponda à linha j da tabela. Então v(Lj ) = 1, mas v(Li ) 6= 1 para todo
i 6= j . Se f assume valor 1 na linha j , então Lj é uma das disjunções de α,
logo v(α) = 1 em tal caso. Por outro lado, se f assume valor 0 na linha j ,
então Lj não é uma das disjunções de α, e então todas as Lk que compõem
α assumem o valor-verdade 0 para tal atribuição, logo v(α) = 0. Portanto,
α `gera' a tabela de f .
Um corolário importante é que α contém somente os conecticos lógicos
¬, ∧ e ∨. Tendo em vista a possibilidade de se denir os conectivos a partir
de outros, resulta imeditato o seguinte resultado:
Corolário 3.6.1 A qualquer função booleana corresponde uma fórmula cujos
únicos conectivos são ¬ e ∧, ou então somente ¬ e ∨ ou então somente ¬ e
→.
Os conjuntos {¬, ∧}, {¬, ∨} e {¬, →} dizem-se conjuntos adequados de
conectivos para o Cálculo Proposicional Clássico. Intuitivamente, a partir de
qualquer desses conjuntos podemos obter todos os demais conectivos.
Exercício 3.6.2 Justique esta última alrmativa. Mostre porque {¬, ↔}
não é um conjunto adequado de conectivos. Idem para {¬} (veja explicação
a seguir).
Mais formalmente, o que acontece é o seguinte (vamos exemplicar tomando
{¬, ∧} como conjunto básico). Chamando de 2 ao conjunto {0, 1}, a função
booleana ∗ é obviamente uma função de 2 em 2, como já se viu, ao passo que
u é uma função de 22 em 2. A denição de α ∨ β a partir de ¬ e ∧ usará
essas duas funções ∗ e u, como é se de esperar. A partir delas, denimos a
função t : 22 7→ 2 pondo t =def ∗ ◦ u ◦ ∗c , onde ◦ denota a usual composição
de funções e ∗c é a extensão canônica de ∗ ao conjunto 2 × 2.11
Assim, a partir de um elemento genérico (x, y) ∈ 2 × 2 (do domínio de t),
obtemos t(x, y) = ∗(u(∗c (x, y))) = ∗(u(∗(x), ∗(y))). A função t tem pre-
cisamente a tabela de A ∨ B , como se pode mostrar facilmente (exercício).12
11 Ver [Bou68, Cap. II, § 3, No. 9]. Ou seja, ∗c (x, y) = (∗(x), ∗(y))
12 Por exempo, t(1, 1) = ∗ ◦ u ◦ ∗c (1, 1) = ∗ ◦ u(0, 0) = ∗(0) = 1.
Conectivos de Sheer 67

De modo semelhante, denem-se funções adequadas para expressar A →


B e para A ↔ B e, daí, estendem-se tais funções para fórmulas mais gerais
α ∨ β , α → β e para α ↔ β . Para completar o exercício, podemos fazer
o mesmo partindo de outro conjunto básico, escolhido dentre os adequados.
No entanto, resultado importante é constatar que a partir de {¬, ↔} não
se pode obter os demais conectivos; em outras palavras, tal conjunto não é
adequado. A prova deste fato advém de que não se consegue denir funções
booleanas adequadas para espelhar os demais conectivos a partir daquelas
que caracterizam os conectivos ¬ e ↔. Com efeito, as únicas funções-verdade
que se pode obter a partir desses dois conectivos são as dadas pela tabela
abaixo, e se aplicarmos ¬ a qualquer delas ou ↔ a quaisquer duas delas,
resultará em uma das funções da tabela, como é fácil ver.13

A B ¬A ¬B A ↔ A A ↔ ¬A A↔B A ↔ ¬B
1 1 0 0 1 0 1 0
1 0 0 1 1 0 0 1
0 1 1 0 1 0 0 1
0 0 1 1 1 0 1 0

Analogamente, {¬} não é adequado pois as únicas funções de uma variável


deníveis a partir desse conjunto são a função identidade e a própria negação,
ao passo que uma função que assuma sempre valor 1 não pode ser denida.

3.6.2 Conectivos de Sheer


Caberia perguntar de não há conjunto contendo um só conectivo que seja
adequado para expressar todas as funções booleanas. A resposta é armativa;
tais conectivos são conhecidos como `conectivos de Sheer', simbolizados por
↓ e |. O primeiro deles, que pode ser denominado negação conjunta 14 , é
denido pela tabela seguinte:

13 Outra demonstração deste fato pode ser vista em [Men77, p. 31].


14 'Joint denial', cf. [Men87, p. 24].
68 O Cálculo Proposicional Clássico

A B A↓B
1 1 0
1 0 1
0 1 1
0 0 1

É fácil ver que ¬A ↔ (A ↓ A), e que A ∧ B ↔ ((A ↓ B) ↓ (B ↓ B)). Isso


posto, a adequação de {↓} segue do que foi exposto acima. Este conectivo
pode ser denido a partir dos nossos conhecidos do seguinte modo:

A ↓ B =def ¬(A ∧ B),

o que mostra porque A ↓ B é verdadeiro se e somente se nem A e nem B são


verdadeiros (é o 'oposto' de ∧). Uma frase típica que poderia ser traduzida
com o auxílio desse conectivo é Não ambos, João e Carlos, podem ocupar
a vaga na direção da revista". Claro está que a única situação em que ela
poderá ser falsa será no caso dos dois ocuparem o cargo.
O outro conectivo, dito negação alternativa ,15 é o 'oposto' do ∨, e expressa
o usual nem A e nem B "como em Nem Antonio e nem Carlos ocuparão a
direção da revista". Então, temos:

A B A|B
1 1 0
1 0 0
0 1 0
0 0 0

Analogamente, este conectivo pode ser denido assim:

A|B =def ¬(A ∨ B)).

Constata-se facilmente que são tautologias: ¬A ↔ (A|A), e que A ∨ B ↔


((A|B)|(B|B)), de sorte que a adequação de {|} ca também estabelecida.

Exercício 3.6.3 Verique que ¬A ↔ (A|A), e A ∨ B ↔ ((A|B)|(B|B)) são


tautologias.
15 [Men87, Loc. cit.]
Tautologias 69

O resultado seguinte mostra que ↓ e | são os únicos conectivos que, soz-


inhos, são adequados:

Metateorema 3.2 Os únicos conectivos que, sozinhos, são adequados para


se obter todas as funções booleanas são ↓ e |.

Demonstração: Assuma que A¯B é um conectivo adequado. Se v(A¯B) = 1


para alguma valoração v , então a partir de ¯ não poderíamos obter ¬A,
pois se v(A) = 1, então nunca obteríamos um modo de denir ¬ a partir
de ¯ de sorte que v(¬A) = 0. Assim, necessariamente v(A ¯ B) = 0 se
v(A) = v(B) = 1. Analogamente, concluímos que deve ser v(A ¯ B) = 1 se
v(A) = v(B) = 0. Ficamos então som a seguinte tabela:

A B A¯B
1 1 0
1 0 a
0 1 b
0 0 1

Resta saber o que devem ser a e b. Se a e b são 0, 0 ou 1, 1, então ¯ seria ↓


ou | respectivamente. Se são 0, 1 ou 1, 0, então A ¯ B ↔ ¬B ou A ¯ B ↔ ¬A
respectivamente são tautologias, e em ambos os casos ¯ seria denível em
termos de ¬ somente. Mas já vimos que {¬} não é adequado, o que completa
a demonstração.

3.7 Tabela de tautologias


É útil a seguinte tabela de tautologias:

(1) Lei da Identidade: α → α (ou α ↔ α)

(2) Lei do Terceiro Excluído: α ∨ ¬α

(3) Lei da Contradição (ou da Não-Contradição): ¬(α ∧ ¬α)

(4) Lei da Dupla Negação: α ↔ ¬¬α

(5) Lei de Peirce: ((α → β) → α) → α (ou, equivalentemente, α ∨ (α →


β))
70 O Cálculo Proposicional Clássico

(6) Comutatividade de Disjunção: α∨β ↔β∨α

(7) Comutatividade da Conjunção: α∧β ↔β∧α

(8) Associatividade da Disjunção: α ∨ (β ∨ γ) ↔ (α ∨ β) ∨ γ

(9) Associatividade da Conjunção: α ∧ (β ∧ γ) ↔ (α ∧ β) ∧ γ

(10) Lei da Contraposição: (α → β) ↔ (¬β → ¬α)

(11) Leis de De Morgan: ¬(α ∧ β) ↔ (¬α ∨ ¬β), ¬(α ∨ β) ↔ (¬α ∧ ¬β)

(12) Leis Distributivas: α ∧ (β ∨ γ) ↔ (α ∧ β) ∨ (α ∧ γ), α ∨ (β ∧ γ) ↔


(α ∨ β) ∧ (α ∨ γ).

(13) Lei do Destacamento (Modus Ponens): α ∧ (α → β) → β

(14) Modus Tollens: ¬β ∧ (α → β) → ¬α

(15) Tollendo Ponens: (α ∨ β) ∧ ¬α → β

(16) Silogismo Hipotético: (α → β) ∧ (β → γ) → (α → γ)

(17) Silogismo Disjuntivo: (α ∨ β) ∧ (α → γ) ∧ (β → δ) → (γ ∨ δ)

(18) Paradoxos da Implicação Material: α → (β → α), ¬α → (α → β),


(α → β) ∨ (β → α)

(19) Regra de Duns Scotus: α ∧ ¬α → β

(20) Forma Implicacional da Lei de Duns Scottus: α → (¬α → β))

(21) Lei da Comutação ou de Permutação de Premissas: (α → (β → γ)) →


(β → (α → γ))

(22) Redução ao Absurdo, forma simples (qualquer proposição implica ela


mesma; logo, se a negação de uma proposição também a implica, ela é
sempre verdadeira): (¬α → α) → α)

(23) Lei da Simplicação (qualquer proposição implica uma proposição ver-


dadeira): α → (β → α)

Exercício 3.7.1 Encontre outras tautologias.


Tautologias 71

3.8 Validade de argumentos, II


Na página 44, dissemos que veríamos um outro modo para vericar se um
dado argumento é ou não válido. Com o uso das tabelas de verdade e dos
conceitos semânticos vistos acima, é bem fácil ver como isso pode ser feito:
um argumento é válido se a conclusão for verdadeira sempre que as premissas
o forem. Em outras palavras, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão
o será necessariamente. Por 'premissas serem verdadeiras' obviamente quere-
mos dizer que todas elas o são, ou seja, a sua conjunção é verdadeira. Assim,
sendo α1 , . . . , αn as premissas de um argumento e β a sua conclusão, então
ele será válido se e somente se α1 , . . . , αn → β for uma tautologia. Por exem-
plo, mostre usando este procedimento que o argumento visto na página 44 é
válido.

Exercício 3.8.1 Esboce uma justicativa com os detalhes do que se disse


acima: um argumento com premissas α1 , . . . , αn e conclusão α é válido se e
somente se α1 , . . . , αn → α é uma tautologia.
72 O Cálculo Proposicional Clássico
Capítulo 4
Axiomatização do Cálculo
Proposicional Clássico

N esta seção erigiremos uma teoria formal para o Cálculo Proposicional


Clássico, a qual chamaremos de C . Anteriormente, já apresentamos a lin-
guagem L de C , que contém os conectivos lógicos ¬ e →, além de variáveis
para proposições A, B, . . . e parênteses. Também vimos como selecionar, den-
tre o conjunto das expressões da linguagem (seqüências nitas de símbolos),
as fórmulas de L. Desse modo, preenchemos dois dos quesitos para se eri-
gir uma teoria formal. Resta portanto explicitar os axiomas e as regras de
inferência de C , o que faremos no que segue.
Postulados de C
Sendo α, β e γ fórmulas quaisquer de L, então as expressões como as
abaixo são axiomas de C :
(A1) α → (β → α)
(A2) (α → (β → γ) → ((α → β) → (α → γ))
(A3) (¬β → ¬α) → ((¬β → α) → β)
A única regra de inferência é Modus (Ponendo) Ponens, abreviadamente
MP, também dita Regra do Destacamento :
(MP) De α e de α → β , inferimos β . Como é usual, representamos
este fato escrevendo:
α, α → β
β

73
74 O Cálculo Proposicional Clássico

Este sistema é apresentado por E. Mendelson [Men87] (original de 1964).


Como já se viu anteriormente, as regras de inferência (ou de derivação) dizem
de que modo podemos derivar (ou demonstrar ) certas proposições a partir de
premissas assumidas ou de outras proposições já demonstradas, tratando-se
de algo diverso de uma fórmula, como uma tautologia por exemplo. Assim,
Modus Ponens (a regra) difere da tautologia de mesmo nome listada no capí-
tulo anterior. Como vimos no capítulo precedente, uma regra (de inferência)
pode ser vista como um par ordenado cujo primeiro elemento é um conjunto
de fórmulas (as premissas da regra), enquanto que o segundo elemento é uma
fórmula, a conclusão da regra. As regras são fundamentais para a noção de
derivabilidade, já introduzida antes.
Na regra MP acima, assim como nos axiomas, empregamos variáveis sin-
táticas (metavariáveis ) para fórmulas: α, β , . . .. Note que tais letras gregas
não fazem parte do vocabuário básico de L. O uso de variáveis sintáticas na
formulação de (A1)(A3) acima faz com que tais espressões constituam esque-
mas de axiomas, ou seja, tais expressões dão o 'formato' de certas fórmulas
(os `verdadeiros' axiomas), já que as letras gregas representam fórmulas de
L (obtidas empregando-se os símbolos do vocabulário básico). Por exemplo,
é um axioma de C a seguinte fórmula, que é uma 'instância' de (A1):

(A → B) → ((C ∨ ¬D) → (A → B))

Do mesmo modo, para α e β fórmulas quaiquer, são axiomas de C as fórmulas


seguintes, que são também instâncias de (A1):

β → (β → β)
α → ((α → α) → α)
Se tivéssemos empregado símbolos básicos de L na formulação dos ax-
iomas, por exemplo escrevendo A → (B → A) para (A1), e fazendo coisa
análoga com os demais axiomas, teríamos que introduzir uma outra regra
de inferência, dita Regra de Substituição (ou da Extensionalidade ), a qual
assevera que 'se em uma proposição válida algumas ocorrências de uma dada
variável proposicional forem substituídas por uma mesma fórmula, o que se
obtém é ainda uma proposição válida'.1 Contextos nos quais uma tal regra
é válida são denominados de truth-functional (ou `extensionais'). Já vimos
1 Esta
formulação não é muito precisa, mas serve aos nosso propósitos. Para mais
detalhes, consultar [Tar66, p. 47].
Axiomatização 75

que na linguagem natural é fácil dar exemplo de contextos que não são es-
tensionais nesta acepção. Vemos mais um caso: considere uma proposição
da forma Os medievais acreditavam que a Terra é plana, que é verdadeira
(feitas algumas restrições óbvias); substitua agora a proposição 'a Terra é
plana' por 'o poder de Deus não está acima do poder dos homens', que para
eles era falsa (restrições idem).
Os conceitos de teorema , de conseqüência de um conjunto de premissas
etc. aplicam-se aqui da mesma forma como introduzidos anteriormente. Ve-
jamos alguns exemplos mas, antes, insistamos na distinção fundamental entre
teorema do Cálculo Proposicional e de teorema sobre o Cálculo Proposicional,
ou seja, entre teorema e metateoremas. O contexto deixa clara a diferença
entre eles, mas é interessante que percebamos a sua distinção no caso partic-
ular do cálculo em estudo.

Teorema 4.0.1 ` α → α
Prova:
1. α → ((α → α) → α) (A1)
2. (α → ((α → α) → α)) → ((α → (α → α)) → (α → α)) (A2)
3. (α → (α → α)) → (α → α) 1, 2, MP
4. α → (α → α) (A1)
5. α → α 3, 4, MP

Observe que o símbolo ` usado no enunciado do teorema está indicando


que α → α é um teorema (formal) de C , ou seja, pode ser derivado a partir dos
axiomas deste cálculo somente, sem o uso e quaisquer premissas. Ademais,
note que cada uma das fórmulas acima é um axioma ou é conseqüência de
fórmulas precedentes da seqüência por Modus Ponens, exatamente de acordo
com a denição do que é uma prova , dada anteriormente.
Um teorema já demonstrado, como o acima, pode ser usado em uma
outra prova, e sua inserção em uma das linhas de tal prova simplesmente
signica que se está substituindo toda uma derivação já feita anteriormente.
Por exemplo,

Teorema 4.0.2 ` (¬α → α) → α


Prova:
76 O Cálculo Proposicional Clássico

1. (¬α → ¬α) → ((¬α → α) → α) (A3)


2. ¬α → ¬α Teo. 4.0.1
3. (¬α → α) → α 1, 2, MP

Assim, na segunda linha, a introdução de ¬α → ¬α evita que se precise


acrescentar outras 5 linhas à prova (conforme Teorema 4.0.1). O leitor pode
notar que o teorema anterior exibe uma das formas de redução ao absurdo
já utilizada anteriormente.
Vejamos agora alguns exemplos de derivações a partir de conjuntos de
premissas.

Teorema 4.0.3 α → (β → γ), β ` α → γ

Prova:

1. α → (β → γ) Premissa
2. β Premissa
3. (α → (β → γ) → ((α → β) → (α → γ)) (A2)
4. (α → β) → (α → γ) 1, 2, MP
5. β → (α → β) (A1)
6. α → β 2, 5, MP
7. α → γ 4, 6, MP

Na verdade, chamar o resultado precedente de 'teorema' é contrariar a


denição de teorema (formal) dada anteriormente. No entanto, seguiremos a
prática matemática usual de considerar como teoremas de uma teoria tam-
bém aquelas proposições que são derivadas em seu escopo a partir de pre-
missas.

Exercício 4.0.2 Mostre o seguinte: (Pode usar os teoremas já provados)


(1) α → β, β → γ ` α → γ

(2) α → (β → γ) ` β → (α → γ)

(3) ¬¬α ↔ α
Axiomatização 77

Faremos agora uma constatação que é típica não só da lógica clássica,


mas da maioria dos sistemas, como a lógica intuicionista ou as lógicas po-
livalentes. Esse resultado pode ser assim enunciado: De uma contradição,
tudo se segue (ex falso sequitur quodtlibed ). A importância desse resultado
será comentada à frente.
Teorema 4.0.4 [Regra de Scotus] α, ¬α ` β
Prova:
1. α Premissa
2. ¬α Premissa
3. α → (¬β → α) (A1)
4. ¬α → (¬β → ¬α) (A1)
5. ¬β → ¬α 2, 4, MP
6. ¬β → α 1, 3, MP
7. (¬β → ¬α) → ((¬β → α) → β (A3)
8. (¬β → α) → β 5, 7, MP
9. β 6, 8, MP
Em outras palavras, se tivéssemos obtido α e ¬α de algum modo, poderíamos
então derivar β , qualquer que seja β . Voltaremos a este ponto abaixo (ver a
seção 5.1).
No momento, observe que o teorema acima está formulado na metalin-
guagem de C . Em palavras, diz que Se tivermos α e ¬α, então podemos
derivar β . Com o auxílio do Teorema da Dedução, que veremos à frente,
podemos derivar como teorema de C a fórmula α → (¬α → β) ou, equiva-
lentemente, (α ∧ ¬α) → β , que reete o que se disse no interior do nosso
cálculo.2
Exercício 4.0.3 Como exercício, vamos derivar a forma simples da redução
ao absurdo, vista à página 31, a partir da forma geral (dita RAA Clássica).
Os passos são os seguintes:
1. α ∨ α → α Teorema supostamente já derivado (exercício)
2. ¬α ∨ ¬α → ¬α Substituindo α por ¬α
3. (α → ¬α) → ¬α Equivalências tautológicas
2A derivação desse resultado pode ser feita sem o auxílio do Teorema de Dedução.
78 O Cálculo Proposicional Clássico

4.1 O Teorema da Dedução


O resultado seguinte, denominado Teorema da Dedução (na realidade, um
metateorema acerca do cálculo C ), justica a prática matemática usual de se
obter uma prova de α → β assumindo-se o antecedente α como hipótese e,
com o seu auxíio, derivando β .
Metateorema 4.1 (Teorema da Dedução) Sejam Γ um conjunto de fór-
mulas, α e β fórmulas quaisquer. Então, se Γ, α ` β , tem-se que Γ ` α → β .
Demonstração: Vamos chamar de (*) a constatação seguinte: o axioma (A1)
e a regra Modus Ponens implicam que se podemos deduzir β a partir de
α e de qualquer conjunto de hipóteses (como Γ), então podemos deduzir
α → β a partir desse conjunto de hipóteses. Agora, vamos admitir que
haja uma derivação de β a partir de Γ, α, e procederemos por indução sobre
o comprimento desta derivação, ou seja, sobre o número de fórmulas que
aparece na seqüência. Se há somente uma fórmula na prova, então esta
linha terá que ser β . Mas β é um axioma, um elemento de Γ ou é α. Nos
dois primeiros casos, a hipótese α não é usada, assim podemos nos valer da
observação (*) acima, que se aplica. Se por outro lado β é α, então, como já
provamos que β → β , teremos o que desejamos. Se a prova tem mais de uma
fórmula, assuma que o resultado do teorema vale para provas mais curtas
(hipótese de indução).3 Se β é um axioma ou um elemento de Γ ∪ {α},
então a dedução de β poderia ser obtida em um único passo, caso que já
comentamos. Assim, suponhamos que β é deduzida de γ e de γ → α por
MP, e que essas duas fórmulas ocorrem em etapas anteriores da seqüência,
sendo portanto derivadas em etapas mais curtas que β . Assim, pela hipótese
de indição, ambas α → γ e α → (γ → β) podem ser derivadas de Γ. Agoras
usamos (A2) e MP duas vezes. .
Exercício 4.1.1 Complete os detalhes da demonstração do teorema da de-
dução.
Exercício 4.1.2 Mostre usando o teorema da dedução que ¬α → (α → β))
é um teorema deduzindo α → β do conjunto Γ = {¬α} e aplicando o teorema.
3 Esta
é a chamada 'segunda forma' do Princípio da Indução, ou Princípio de Indução
Completa; para provarmos que uma proposição P é verdadeira para todos os naturais até
n, mostramos que o fato de P ser verdadeira para todos naturais m tais que m < n implica
que ela é verdadeira para n. Então, se n denota um 'natuara arbitrário', resulta que P
vale para todo número natural.
O Teorema da Dedução 79

Exercício 4.1.3 Prove que ` (α → β) → (¬β → ¬α)


O Teorema da Dedução (TD) facilita em muito algumas provas em C .
Observa-se que ele não é algo como que uma `regra de inferência', que permita
fazer deduções, mas tão somente algo que permite 'economizar' em deduções
no seguinte sentido: se podemos obter uma prova de β a partir de Γ e de α,
então há uma prova de α → β a partir de Γ. É isso que ele nos diz, sem que
tenhamos necessariamente que obter esta última derivação. Vejamos alguns
exemplos, iniciando com um resultado já obtidodo anteriormente (página 74)
sem o TD. Usaremos a denominação 'Hipótese do TD' para enfatizar o que
será assumido como hipótese conforme enunciado do TD.

Teorema 4.1.1 α → (β → γ), β ` α → γ


Prova:
1. α → (β → γ) Premissa
2. β Premissa
3. α Hipótese do TD
4. β → γ 1, 3, MP
5. γ 2, 4, MP
6. α → γ 15, TD

Repare que 15 nos deu α → β, β → γ, α ` γ . A aplicação do TD


levou-nos então a α → β, β → γ ` α → γ .
O teorema seguinte mostra de que modo hipóteses feitas ad hoc podem
ser 'eliminadas' pelo teorema da dedução.

Teorema 4.1.2 ` (β → γ) → ((¬β → γ) → γ)


Prova:
1. β → γ Premissa
2. ¬β → γ Premissa
3. (β → γ) → (¬γ → ¬β) Exercício4.1.3
4. ¬γ → β 1, 3, MP
5. (¬β → γ) → (¬γ → ¬¬β) Exercício4.1.3
80 O Cálculo Proposicional Clássico

6. ¬γ → ¬¬β 2, 5, MP
7. (¬γ → ¬¬β) → ((¬γ → ¬β) → γ) Axioma A3
8. (¬γ → ¬β) → γ 6, 7, MP
9. γ 4, 8, MP
10. β → γ, ¬β → γ ` γ 19
11. β → γ ` (¬β → γ) → γ 10, TD
12. ` (β → γ) → ((¬β → γ) → γ) 11, TD.

4.2 Correção e Completude


Veremos agora alguns resultados metamatemáticos importantes acerca do
cálculo C .

Metateorema 4.2 (Correção) Todo teorema de C é uma tautologia. Ou


seja, se ` α, então |= α.

Demonstração: A demonstração é feita por indução sobre teoremas, téc-


nica já explicada antes. Retomando a idéia básica, isso consiste no seguinte:
para provarmos que todos os teoremas de um sistema formal têm uma certa
propriedade (no caso, ser uma tautologia), incialmente provamos que os ax-
iomas têm esta propriedade, e depois que se as premissas de uma regra de
inferência têm a propriedade, a sua conclusão também a tem. No presente
caso, basta vericar que os axiomas (A1)-(A3) são tautologias e constatar
que se α e α → β são tautologias, então β é uma tautologia (ou seja, a regra
de inferência Modus Ponens leva de tautologias a tautologias). O primeiro
ponto ca proposto como exercício; quanto ao segundo, raciocinemos por
absurdo. Note que se α e se α → β são tautologias, então não pode ser o
caso de que β não seja tautologia, pois se para alguma valoração v tivéssemos
que v(α) = v(α → β) = 1 mas v(β) = 0 então, como v(α) = 1, teríamos
que v(α → β) deveria ser 0, contrariando a hipótese de que α → β é uma
tautologia. Assim, v(β) = 1 para toda valoração v .

Exercício 4.2.1 Mostrar que os axiomas (A1)(A3) são tautologias.


Corolário 4.2.1 Sendo Γ um conjunto qualquer de fórmulas, então, se Γ `
α, vem que Γ |= α.
Correção e Completude 81

Outro teorema importante é o Teorema da Compacidade. Para demonstrá-


lo, vamos considerar alguns Lemas, usando notação óbvia.

Lema 4.2.1 Γ |= β se e somente se Γ ∪ {¬β} não tem modelo.


Demonstração: Suponha que Γ |= β e, por absurdo, que haja uma valoração
v 0 que seja modelo para Γ ∪ {¬β}. Então, v 0 (Γ) = 1 e v 0 (¬β) = 1. Mas
como Γ |= β , devemos ter v 0 (β) = 1, o que contraria o resultado mostrado
no exercício (3.4.1). Reciprocamente, assuma que Γ ∪ {¬β} não tem modelo.
Seja v 0 valoração que seja modelo de Γ. Objetivamos mostrar que v 0 (β) = 1.
Como Γ ∪ {¬β} não tem modelo, v 0 não pode ser modelo para este conjunto
de fórmulas, logo, como no entanto é modelo de Γ, segue-se que v 0 (¬β) = 0,
e do exercício (3.4.1) vem que v 0 (β) = 1, como queríamos provar.
Um outro resultado importante, também conhecido como Teorema da
Compacidade, será usado abaixo, porém aqui somente enunciado. Diz ele o
seguinte:

Metateorema 4.3 (Compacidade, I) Se todo subconjunto nito de Γ tem


modelo (ou seja, existe uma valoração v tal que v(α) = 1 para toda fórmula
α ∈ X com X ⊆ Γ nito), então Γ tem modelo.

Metateorema 4.4 (Compacidade, II) Se Γ |= β , existe um subconjunto


nito ∆ ⊆ Γ tal que ∆ |= β .

Demonstração: Assuma que Γ |= β . Então pelo Lema acima Γ ∪ {¬β} não


tem modelo. Pelo Teorema da Compacidade I, há um subconjunto nito
∆0 ⊆ Γ ∪ {β} que não tem modelo. Seja ∆ =def {α : α ∈ Γ ∧ α ∈ ∆0 }.
Então ∆ é um subconjunto nito de Γ e ∆ ∪ {¬β} não tem modelo. Segue-se
portanto do Lema acima que ∆ |= β , como queríamos demonstrar.

Lema 4.2.2 Sejam β1 , . . . , βn as variáveis proposicionais que ocorrem em


uma certa fórmula α. Dada uma valoração v , denamos Bi0 como sendo
Bi (i = 1, . . . , n) se v(Bi ) = 1 e Bi0 é ¬Bi em caso contrário. Denamos
ainda α0 como sendo α se v(α) = 1 e α0 é ¬α em caso contrário. Então
β10 , . . . , βn0 ` α0 .

A demonstração deste lema não é essencial para o que desejamos. O leitor


interessado pode consultar [Men87, p. 41]. No entanto, ele auxilia a prova
do seguinte importante teorema:
82 O Cálculo Proposicional Clássico

Metateorema 4.5 (Completude) Toda tautologia é um teorema de C , ou


seja, se |= α, então ` α.

Demonstração: Assuma que α é uma tautologia e que β1 , . . . , βn são as


variáveis proposicionais que ocorrem em α. Para qualquer atribuição de
valores-verdade para as βj , pelo Lema anterior temos que β1 , . . . , βn ` α
(aqui, α0 é α pois, sendo uma tautologia, α assume sempre o valor 1). Quando
βn assume o valor 1, temos β10 , . . . , βn−1
0
, βn ` α e, quando βn assume o valor 0,
temos β1 , . . . , βn−1 , ¬βn ` α. Então, pelo teorema da dedução, β10 , . . . , βn−1
0 0 0
`
βn → α e β10 , . . . , βn−10
` ¬βn → α. Assim, pelo teorema 4.1.2 e Modus
Ponens, temos β10 , . . . , βn−1
0
` α. Similarmente, βn−1 pode assumir os valores
1 ou 0, de modo que pode ser eliminada como foi βn . Prosseguindo deste
modo, obtemos ` α.
O método de prova do teorema acima é efetivo ; intuitivamente, isso sig-
nica que ele pode proporcionar um modo de se denir um algoritmo para
se obter uma prova de uma tautologia qualquer.

Exercício 4.2.2 Usando o método da prova precedente, achar uma prova


para a tautologia β → (β ∨ γ).

Corolário 4.2.2 Se Γ |= α, então Γ ` α.


Corolário 4.2.3 Se Γ é uma classe de teorias de C e se Γ |= α, então α é
teorema de C .

Importante conseqüência do teorema acima é a prova da consistência


do nosso cálculo C . Lembremos que uma teoria formal T cuja linguagem
contenha um símbolo de negação ¬ é consistente se não houver fórmula α tal
que α e ¬α sejam ambas teoremas de T . Em outras palavras, tem-se, para
cada fórmula α, que T 6` α ou T 6` ¬α. Caso isso não ocorra, T é dita ser
inconsistente. Temos então:

Corolário 4.2.4 (Consistência) O cálculo C é consistente.


Demonstração: Pelo teorema da correção, todo teorema é uma tautologia.
Como a negação de uma tautologia não pode ser uma tautologia, é impossível
que haja uma α tal que ambas, α e ¬α sejam teoremas de C .

Corolário 4.2.5 Há fórmulas de C que não são teoremas deste cálculo.


O método das matrizes 83

Este resultado é muitas vezes tomado como denição de consistência (sin-


tática) em sistemas formais em geral.

Exercício 4.2.3 Mostre que α ∨ β não é teorema de C . (Basta mostrar que


não é uma tautologia)

Metateorema 4.6 (Decidibilidade) (Post 1921) A classe de teoremas de


C é decidível.

A decidibilidade da classe de teoremas de C signica que há um procedi-


mento efetivo para se determinar se uma dada fórmula é ou não um teorema.
No caso de C , tudo o que precisamos fazer é construir uma tabela-verdade
e vericar se a dada fórmula é uma tautologia. Se tratarmos o 'método
das tabelas-verdade' adequadamente, poderemos constatar que ele é 'efe-
tivo'; grosso modo, pode-se elaborar um programa de computador tal que,
entrando-se com uma fórmula do cálculo C como input, o programa dá como
output um SIM ou um NÃO, dependendo se a fórmula é ou não um teorema.
Em suma, o que o programa vai fazer é a tabela-verdade correspondente
e vericar se dá uma tautologia (porém, esses detalhes extrapolam nossos
objetivos).

4.3 O método das matrizes


Nos capítulos anteriores, caracterizamos o calculo C por meio de um sis-
tema axiomático, contendo axiomas (na verdade, no nosso caso, esquemas
de axiomas) e regras de inferência. Há um outro modo de caracterizar um
sistema proposicional de lógica, conhecido como método das matrizes (lógi-
cas), bastante desenvolvido e explorado por Tarski (ainda que ele remeta a
origem deste método a C. S. Peirce; ver [Tar83a]). O método as matrizes,
ou semântico, pode ser generalizado para um número maior de conectivos de
diversas pesos, mas aqui seguiremos Tarski apresentando um caso particular
dirigido para a lógica proposicional clássica; ele dá as seguintes denições,
aqui exibidas com alguma alteração na notação:

Denição 4.1 Uma matriz (lógica) é uma quádrupla ordenada

M = hA, B, f, gi,
84 O Cálculo Proposicional Clássico

onde: (a) A e B são conjuntos disjuntos quaisquer; (b) f é uma função de


duas variáveis e g uma função de uma variável, ambas de A ∪ B em A ∪ B .
Os elementos de B são chamados de designados (ou distinguidos).4

Denição 4.2 Uma função h é uma valoração da matriz M se satisfaz as


condições seguintes: (a) h é uma função do conjunto F das fórmulas de
um sistema formal S em A ∪ B , ou seja, para cada α ∈ M, tem-se que
h(α) ∈ A ∪ B ; (b) se α e β estão em F , então h(α → β) = f (h(α), h(β)),
e (c) se α ∈ F , então h(¬α) = g(h(α)). A fórmula α é satisfeita (ou
vericada) pela matriz M se h(α) ∈ B para cada valoração h.

Um sistema para o cálculo proposicional clássico pode ser construído por


uma matriz adequadal, do seguinte modo: tome A = {0} e B = {1}. Dena
f e g do seguinte modo: f (0, 0) = f (0, 1) = f (1, 1) = 1 e f (1, 0) = 0, e
g(0) = 1, g(1) = 0. Então, 1 é o valor designado (para denotar 'verdadeiro').
Note que as funções f e g reproduzem as tabelas-verdade da implicação e
da negação respectivamente. É fácil perceber que os axiomas de C têm valor
designado por qualquer valoração h, e que Modus Ponens 'preserva' valores
designados, ou seja, se ambas α e α → β têm valor designado, então β o
terá. Assim, pode-se demonstrar que o sistema formal M assim caracteri-
zado é consistente e completo. Aqui, 'consistência' signica que nunca uma
fórmula e sua negação terão valores designados por uma mesma valoração, e
'completude' signica que uma delas terá valor designado.

Exercício 4.3.1 Justique em detalhes o que foi dito acima acerca da con-
sistência e da completude do cálculo C por meio do método das matrizes.

Como dito anteriormente, a noção de matriz lógica dada acima pode ser
generalizada para quando utilizam-se outros conectivos lógicos como prim-
itivos, bastando que se denam outras funções nos moldes de f e g . Das
mesma forma, muitas vezes não se exige que A e B sejam disjuntos, mas
que B seja um subconjunto próprio de A; por exemplo, na matriz acima,
poderíamos ter colocado A = {0, 1} e B = {1}, adaptando-se conveniente-
mente os demais conceitos.
4 Segundo Tarski, esta terminologia se deve a Paul Bernays.
O método das matrizes 85

4.3.1 Lógicas polivalentes


A técnica das matrizes é muito útil para de caracterizar sistemas poliva-
lentes, ou seja, lógicas tais que os valores-verdade não se resumam a dois
('verdadeiro' e 'falso'). Assim, a lógica trivalente de Šukasiewicz pode ser
denida do modo dado abaixo (de forma resumida) por meio de matrizes.
O sistema do sábio polonês é considerado como a primeira formulação de
uma lógica não-crisipiana, alusão à lógica clássica (e à maioria das lógicas
em geral), que admitem apenas dois valores de verdade.5
Para entender melhor o método das matrizes e saber um pouco sobre
lógicas polivalentes, vamos denir o sistema de Šukasiewicz considerando a
matriz seguinte:
L = hA, B, f, gi,
onde A = {0, 1/2, 1}, B = {1} e f e g são dadas pelas tabelas abaixo, na
qual escrevemos αCp e N α para f (α, β) e g(α) respectivamente.

α 1 1/2 0
Nα 0 1/2 1

α 1 1 1 1/2 1/2 1/2 0 0 0


β 1 1/2 0 1 1/2 0 1 1/2 0
αCβ 1 1/2 0 1 1 1/2 1 1 1

Pode-se então denir α O β (correspondendo a α ou β ) como (αCβ)Cβ ,


αAβ (para α e β ) como N (N αON β), e a equivalência, αEβ de maneira
óbvia. Nesta lógica, contrariamente ao sistema clássico, no qual α ∨ ¬α toma
sempre o valor 1, aqui para α assumindo o valor 1/2 temos αON α assumindo
o valor 1/2, como é fácil ver. Assim, a lei do terceiro excluído não vale (posto
que há uma terceira possibilidade). Cabe comentar que Šukasiewicz gener-
alizou seu sistema para lógicas a innitos valores de verdade. Seu sistema
foi aplicado à física quântica, mas este é outro assunto (o leitor interessado
pode consultar o capítulo 8 de [Jam74]).
A área da lógica conhecida como lógica polivalente é extremamente deen-
volvida hoje em dia, e constitui uma de suas mais importantes vertentes.
5 Como já vimos anteriormente à página 21.
86 O Cálculo Proposicional Clássico

4.3.2 Independência de axiomas


As lógicas polivalentes caracterizadas por meio de matrizes têm ainda uma
outra utilidade. Podem ser usadas para a prova da independência de axiomas
de um determinado cálculo. Não desenvolveremos este tópico aqui (o leitor
curioso pode ver [Men87, pp. 43ss]), mas daremos apenas a intuição básica.
Para mostrar que um axioma de um sistema formal S é independente dos de-
mais, selecionamos um número natural n e chamamos os números 0, 1, . . . , n
de 'valores-verdade'. Estes formam o conjunto A da seção anterior; a seguir,
escolhemos um número 0 ≤ m < n e formamos o conjunto B de valores
distinguidos (aqui estamos supondo que B é subconjunto de A) com esses
elementos. Denimos então matrizes (tabelas-verdade), que são funções de
Ak em A, para cada um dos conectivos primitivos adotados na axiomatiza-
ção. Usando esses conectivos e variáveis proposicionais, podemos construir
'fórmulas' e cada uma delas, contendo t variáveis, deteminará uma 'função-
verdade' (valoração, na seção anterior) de At em A. Aquela que tomar valor
em B será dita distinguida. Um sistema formal S cuja linguagem é formada
por variáveis proposicionais e conectivos denidos por uma e matriz M é ad-
equado para a matriz se e somente se os seus teoremas são todos adequados
(tomam valores distinguidos).
Por exemplo, tomemos o nosso cálculo C axiomatizado como indicado na
página 71. Vamos mostrar que (A1) é independente dos demais. Para isso,
tomemos n = 3 e m = 1. Assim, A = {0, 1, 2} e escolhemos B = {0}, ou
seja, 0 é o (único) valor distinguido. Como os conectivos primitivos são ¬ e
→, denimos as matrizes abaixo:

A 0 1 2
¬A 1 1 0

A 0 1 2 0 1 2 0 1 2
B 0 0 0 1 1 1 2 2 2
A→B 0 2 0 2 2 0 2 0 0

Agora, basta ver que os axiomas (A2) e (A3) tomam sempre valor distin-
guido (0) independentemente dos valores assumidos pelas variáveis proposi-
cionais que os compõem, e que Modus Ponens preserva os valores distingui-
dos, mas (A1) não assume valor distinguido.
Outras axiomatizações 87

Para provar por este processo que (A2) e (A3) são independentes dos
demais, outras matrizes precisam ser denidas (ver [Men87, loc. cit.]). A
denição das matrizes depende muito da engenhosidade dos lógicos. No
capítulo seguinte, esta técnica será utilizada para provarmos que algumas
fórmulas não são teoremas de certos cálculos, e que outras são.

4.4 Outras axiomatizações


Pode-se apresentar outras axiomáticas para o Cálculo Proposicional Clássico,
equivalentes àquela vista acima (no sentido de que seus axiomas dão a mesma
classe de teoremas). Na verdade, foram apresentadas várias delas ao longo
do século XX. Como algumas dessas axiomáticas são freqüentemente usadas
em vários contextos, é conveniente que travemos contato, ainda que por alto,
com algumas das principais.

4.4.1 Axiomática a la Whitehead-Russell


O sistema abaixo baseia-se naquele proposto originalmente por Whitehead
e Russell na primeira edição dos Principia Mathematica (1910), e tem como
conectivos primitivos ¬ e vee; a expres são α → β é usada para abreviar
¬α → β . Os axiomas são os seguintes, na forma que posteriormente lhes
deram Hilbert e Ackermann, ainda que aqui usemos esquemas de axiomas; a
única regra é Modus Ponens:

(1) α ∨ α → α

(2) α → α ∨ β

(3) α ∨ β → β ∨ α

(4) (α → β) → (γ ∨ α → γ ∨ β)

Na verdade, Whitehead e Russell usaram ainda um quinto axioma, a


saber, α ∨ (β ∨ γ) → β ∨ (α ∨ γ), que no entanto foi mostrado ser redundante
por Paul Bernays em 1926 (ou seja, ele pode ser derivado a partir dos demais).
88 O Cálculo Proposicional Clássico

4.4.2 Axiomática e la Frege-Šukasiewicz


O sistema proposto originalmente por G. Frege em seu Begrisschrift (ex-
ceto pela notação) tem os conectivos ¬ e → como primitivos, e os seguintes
axiomas (a única regra é Modus Ponens) (ver [Tar83, p. 43]):

(1) α → (β → α)

(2) (α → (β → γ)) → (α → β) → (α → γ))

(3) (α → (β → γ)) → (β → (α → γ))

(4) (α → β) → (¬β → ¬α)

(5) ¬¬α → α

(6) α → ¬¬α

Posteriormente, Jean Šukasiewicz mostrou que esta axiomática é redun-


dante (os axiomas não são independentes), pois o terceiro deles pode ser
derivado dos dois precedentes. Além disso, ainda mostrou que os últimos
três podem ser substituídos por um único axioma, cando-se com a seguinte
axiomática:

(1) (α → β) → ((β → γ) → (α → γ))

(2) ¬¬α → α

(3) α → (¬α → β)

4.4.3 Axiomática de Kleene


O sistema apresentado por S. C. Kleene em 1952 tem os seguintes conectivos
primitivos: ∨, ∧, → e ¬, e a única regra é Modus Ponens. Os axiomas são:

(1) α → (β → α)

(2) (α → (β → γ)) → (α → β) → (α → γ))

(3) α ∧ β → α

(4) α ∧ β → β
Outras axiomatizações 89

(5) α → (β → (α ∧ β))

(6) α → α ∨ β

(7) β → α ∧ β

(8) (α → γ) → ((β → γ) → (α ∨ β → γ))

(9) (α → β) → ((α → ¬β) → ¬α)

(10) ¬¬α → α

4.4.4 Sistemas com um único axioma


Usando-se os conectivos de Sheer vistos acima, pode-se apresentar sistemas
de axiomas para o cálculo proposicional com um único axioma. Por exemplo,
Nicod apresentou em 1917 a seguinte axiomática, que tem | como único
conectivo lógico:

(A|(β|γ))|((δ|(δ|δ))|((²|β)|((α|²)|(α|²))))

A única regra de inferência é a seguinte: γ segue de α de de α|(β|γ).


Se usarmos ¬ e → como primitivos, podemos ter um sistema com um
único axioma, a saber (Meredith, 1953), cuja única regra de inferência é
Modus Ponens:

((((α → β) → (¬γ → ¬δ)) → γ) → ²) → ((² → α) → (δ → α))

Exercício 4.4.1 Dizer em que sentido os sistemas acima são equivalentes.

Exercício 4.4.2 Assuma o sistema a la Whitehead e Russell acima. A partir


dos seus axiomas, mostre que as seguintes expressões são teoremas desse
sistema: (1) (β → γ) → ((α → β) → (α → γ)); (2) α → (α ∨ α); (3) α → α;
(4) ¬α ∨ α; (5) α ∨ ¬α; (6) (α → ¬α) → ¬α; (7) α → ¬¬α; (8) α ∨ ¬¬¬α;
(9) ¬¬α → α; (10) (α → ¬¬α) ∧ (¬¬α → α)
90 O Cálculo Proposicional Clássico
Capítulo 5
O Cálculo Proposicional
Paraconsistente

5.1 Paraconsistência
Vamos iniciar comentando dois fatos importantes. O primeiro é que, em
1997, realizou-se em Gent, na Bélgica, o Primeiro Congresso Mundial sobre
Paraconsistência. O segundo congresso foi realizado em São Sebastião, São
Paulo, em Maio de 2000 e o terceiro em Toulouse, França, em Julho de 2003,
cada um deles atraindo um número maior de pesquisadores e demais inter-
essados no 'fenômeno da paraconsistência'; um quarto congresso está sendo
programado para a Austrália em futuro breve.1 O outro fato está ligado ao
célebre periódico Mathematical Reviews. A partir de 1991, esta publicação
mensal da American Mathematical Society, que traz resenhas (descritivas ou
críticas) de artigos das mais importantes publicações (revistas, livros, atas de
congressos) do que se considera matemática presentemente, e que apresenta
uma detalhada subdivisão da matemática nas suas diversas áreas,2 passou
a contar com a seção sobre lógica paraconsistente. Após 2000, a referida
seção foi incorporada a uma mais ampla, intitulada Lógicas admitindo incon-
sistências (lógicas paraconsistentes, lógica discussiva etc.)", agregando uma
variedade maior de sistemas. Cabe esclarecer que mudanças deste tipo são
comuns; de tempos em tempos, o comitê editorial de Mathematical Reviews
1O leitor interessado pode consultar o endereço www.cle.unicamp.br/wcp3/ do Ter-
ceiro Congresso, no qual há rotas para as páginas dos demais.
2 Para ver as diversas áreas da matemática contemporânea, consultar www.ams.org/msc.

91
92 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

(e de sua similar alemã Zentralblatt für Mathematik ) revisa as subdivisões do


que se poderia chamar de matemática do nosso tempo, acomodando temas,
suprimindo assuntos ou acrescentando outros que se evidenciaram como im-
portantes.
Ressalte-se que o que é ou deixa de ser parte de uma disciplina como a
matemática depende de vários fatores, e muda com o tempo. Por exemplo,
no século XVII a astrologia era parte da matemática, o que não mais ocorre
hoje em dia. No livro A Experiência Matemática, os autores mencionam
algumas classicações da matemática: em 1868, havia 12 categorias e trinta
e oito subcategorias; em 1979, há muito mais categorias e cerca de 3400
subcategorias! [DavHer85, pp. 55-56].
Voltando ao assunto, o que a referência explícita às lógicas paracon-
sistentes em uma seção de um veículo tão importante como Mathematical
Reviews e a realização dos mencionados congressos mundiais sobre paracon-
sistência signicam? A resposta é que, em termos de ciência, e em especial da
ciência brasileira, isso representa muito. Por um lado, as lógicas paraconsis-
tentes passaram a constituir tópico ocial da matemática de hoje. De outro
lado, os desenvolvimentos subseqüentes, o reconhecimento da importância
e possibilidade de aplicações as mais variadas dessas lógicas, fez o assunto
constituir-se num campo extremamente amplo e fértil em aplicações, o que
de certo modo justica os mencionados congressos mundiais.
A importância disso para nós é que um dos passos decisivos para a cri-
ação das lógicas paraconsistentes foi dado no Brasil, mais especicamente em
Curitiba, a partir das décadas de 50 e 60. Para apreciarmos o que se passa, é
conveniente levar em conta algumas noções básicas acerca das lógicas para-
consistentes, ainda que façamos isso sem muito rigor.
Aristóteles (384-322 a.C.) apresentou a primeira sistematização da lógica
da qual se tem notícia. Não obstante alguns desenvolvimentos posteriores,
pouco conhecidos até perto do início do século XX, os princípios básicos da
lógica de tradição aristotélica permaneceram incólumes, sem alterações sig-
nicativas, até o século XIX. O lósofo Immanuel Kant (1724-1804) chegou
mesmo a dizer que, em matéria de lógica, nada mais poderia ser acrescen-
tado ao que fez Aristóteles. A partir de meados do século XIX, no entanto,
matemáticos como George Boole (1815-1864), Gottlob Frege (1848-1925) e
Giuseppe Peano (1858-1932) deram contribuições signicativas para a criação
daquilo que cou conhecido como lógica matemática. Por seu intermédio, a
lógica tornou-se uma disciplina com características matemáticas, tendo al-
cançado um desenvolvimento extraordinário, com implicações as mais vari-
Paraconsistência 93

adas em praticamente todos os campos do saber. Entre os princípios básicos


da lógica hoje dita 'clássica', de tradição aristotélica, gura o princípio da
contradição, ou da não-contradição, como preferem alguns, como já vimos
anteriormente. O princípio da contradição pode ser formulado de vários mo-
dos, os quais não são entre si equivalentes. Em um deles, diz que dentre duas
proposições contraditórias, isto é, tais que uma delas seja a negação da outra,
uma delas deve ser falsa. Por exemplo, dado um certo número natural n, en-
tão, dentre as duas proposições O número n é par e O número n não é
par, uma delas deve ser falsa. Em outros termos, proposições contraditórias
não podem ser verdadeiras simultaneamente; assim, uma contradição, ou
seja, uma proposição que é a conjunção de duas proposições contraditórias,
como por exemplo o número n é par e o número n não é par", não pode
nunca ser verdadeira.
Há no entanto um outro forte motivo para se evitar proposições contra-
ditórias e contradições. Como vimos anteriormente (ver o o teorema 4.0.4),
em um sistema dedutivo baseado na lógica clássica, ou mesmo na maioria
dos sistemas lógicos conhecidos, como a lógica intuicionista, se há dois teo-
remas contraditórios (ou se for derivada uma contradição), então todas as
expressões bem formadas de sua linguagem (as fórmulas"da linguagem) po-
dem ser demonstradas.
Em resumo, em um tal sistema, prova-se tudo (exprimível em sua lin-
guagem). Um sistema deste tipo é dito ser trivial. Assim, se α e se ¬α (a
negação de α) forem ambos teoremas de um sistema dedutivo S fundamen-
tado na lógica clássica, então toda fórmula da linguagem de S é teorema de
S . Entre 1910 e 1913, o lógico polonês Jean Šukasiewicz (1876-1956) e o
lógico russo Nicolai Vasiliev (1880-1940) chamaram a atenção, de forma in-
dependente, para o fato de que, similarmente ao que se deu com os axiomas
da geometria euclidiana, alguns princípios da lógica aristotélica poderiam
ser revisados, inclusive o princípio da contradição. Como se sabe, o ques-
tionamento do chamado quinto postulado de Euclides, o famoso 'postulado
das paralelas', mostrou que ele era independente dos demais axiomas da
geometria euclidiana, podendo portanto ser substituído por alguma forma
de negação. Isso deu origem às chamadas geometrias não-euclidianas, de
extrema importância inclusive em física. No campo da lógica, Šukasiewicz
restringiu-se a análises críticas do princípio da contradição, enquanto que
Vasiliev chegou a desenvolver uma silogística que limitava o uso do referido
princípio.
Foi no entanto um discípulo de Šukasiewicz, S. Ja±kowski (1906-1965),
94 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

quem apresentou em 1948 uma lógica que poderia ser aplicada a sistemas
envolvendo contradições, mas sem ser trivial. O sistema de Ja±kowski, con-
hecido como lógica discussiva, ou discursiva, limitou-se a uma parte da lóg-
ica, que tecnicamente se denomina de cálculo proposicional, não tendo ele se
ocupado da elaboração de lógicas paraconsistentes em sentido forte (envol-
vendo quanticação, por exemplo). Um dos autores deste trabalho (Newton
da Costa), então professor da Universidade Federal do Paraná foi quem, in-
dependentemente de Ja±kowski (cujos trabalhos haviam saído em polonês
em uma publicação sem circulação internacional), iniciou a partir da dé-
cada de 50 estudos no sentido de desenvolver sistemas lógicos que pudessem
envolver contradições, motivado por questões de natureza tanto losócas
quanto matemáticas. Os sistemas de da Costa (ele deniu uma hierarquia
com uma innidade de sistemas, as 'logicas-C ') se estenderam muito além do
nível proposicional. Foram desenvolvidos cálculos proposicionais, de predica-
dos com e sem igualdade, cálculos com descrições, teorias de conjuntos (mais
tarde desenvolveu vários outros sistemas), e é reconhecido internacionalmente
como o criador das lógicas paraconsistentes (aliás, o termo paraconsistente,
que literalmente signica ao lado da consistência, foi cunhado pelo lósofo
peruano Francisco Miró Quesada em 1976, em uma correspondência com da
Costa).
Dito de modo não muito rigoroso, uma lógica é paraconsistente se pode
fundamentar sistemas dedutivos inconsistentes (ou seja, que admitam teses
contraditórias, e em particular uma contradição) mas que não sejam triviais,
no sentido de que nem todas as fórmulas (expressões bem formadas de sua
linguagem) sejam teoremas do sistema. Em um sistema dedutivo S baseado
em uma lógica paraconsistente, pode haver dois teoremas da forma α e ¬α,
sem que com isso toda fórmula da linguagem de S seja derivada como teorema
do sistema. Como campo de pesquisa, a lógica paraconsistente desenvolveu-
se extraordinariamente a partir de então, tendo atraído a atenção de um
grande número de pensadores em todo o mundo. No Brasil, originou-se uma
forte escola de lógica, inicialmente em São Paulo e Campinas, mas hoje se
estendendo por quase todo o país, havendo surgido lógicos que granjearam
reputação internacional. Nos anos 50, da Costa era o único lógico brasileiro
que publicava em revistas internacionais; hoje, estima-se que há perto de
150 pesquisadores ativos nas várias áreas da lógica. Presentemente, a lógica
paraconsistente constitui tema obrigatório de estudo de qualquer estudante
de lógica, losoa ou ciência da computação; devido às aplicações recentes
cada vez mais interessantes que tem encontrado, interessa também a estu-
Paraconsistência 95

dantes de física e engenharia, além de matemática, obviamente.


Importante salientar que sistemas distintos dos de da Costa, igualmente
envolvendo inconsistências, foram elaborados posteriormente, principalmente
devido a pesquisadores australianos, belgas, norte-americanos, japoneses,
italianos e também brasileiros. Alguns cultores desses sistemas alterna-
tivos proclamam que a lógica clássica deve ser substituída pelos sistemas
que propõem, mais ou menos como no caso do grande matemático holandês
Brouwer, que no início do século XX sustentava que a matemática tradicional
deveria ser substituída pela intuicionista, que ele e colaboradores haviam de-
senvolvido (ver o Apêndice C). Esta não é a opinião que gostaríamos de
expressar aqui. Com efeito, a lógica clássica, pode ser vista como a 'mãe de
todas as lógicas', tendo valor eterno em seu particular campo de aplicação,
e não tem porque ser substituída nesses domínios. Assim, outras lógicas,
como as paraconsistentes, podem ser úteis para se alcançar um melhor en-
tendimento ou tratamento de certos fenômenos ou áreas do saber, mas não
há porque se pretender, por seu intermédio, desbancar a lógica tradicional.
Um exemplo de aplicação teórica das lógicas paraconsistentes vem com
a análise do chamado 'conjunto de Russell'. Em linhas gerais, este conjunto
tem como elementos aquelas coleções que não pertencem a si mesmas, como
a coleção de todos os homens, que por não ser homem, não pertence a si
mesma. Chamando de R a este conjunto, é fácil ver que R pertence a si
próprio se e somente se não pertence a si próprio, o que origina o célebre
Paradoxo de Russell (ver [Kra02, Cap. 3]). Nas formulações clássicas da teo-
ria de conjuntos, evita-se a formação de 'conjuntos' como R, que no entanto
'existem' em algumas teorias paraconsistentes de conjuntos. Assim, as lógicas
paraconsistentes prestaram-se, dentre outras coisas, para termos uma visão
mais clara do signicado da negação, bem como para conhecermos melhor o
status de entidades como o conjunto de Russell. Com o seu recurso, podemos
entender melhor a possibilidade de se sistematizar de modo rigoroso teorias
envolvendo a noção de complementaridade (proposições complementares são
aquelas que, se tomadas em conjunto, acarretam uma contradição)3 ou a teo-
ria do átomo de Bohr, que combina sistemas incompatíveis, como a mecânica
Newtoniana, a teoria eletromagnética de Maxwell e a quantização, bem como
para sistematizar sistemas envolvendo vagueza e mesmo contradições estrito

3 Sobre este tema, ver [?].


96 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

senso.4
As aplicações da lógica paraconsistente não se limitam a aspectos teóri-
cos ou losócos. Um dos campos mais férteis de aplicações tem sido a
ciência da computação e, hoje, a engenharia e mesmo a medicina. Por ex-
emplo, em Inteligência Articial, essas lógicas foram usadas na década de 80
por V. S. Subrahmanian (da Universidade de Siracusa, nos Estados Unidos)
e colaboradores na elaboração de sistemas especialistas para serem usados
especialmente em medicina. Simplicando, pode-se imaginar situações em
que um paciente pode 'entrevista-se' com um computador e, mediante per-
guntas e respostas, o computador pode chegar a diagnosticar e até mesmo
medicar o paciente, ou remetê-lo ao médico nos casos mais sérios (isso pode-
ria reduzir consideravelmente as las nos postos de saúde). O fato é que, na
elaboração de tais sistemas, que devem ser erigidos em linguagens nas quais
se possa fazer determinadas inferências (em suma, tirar conclusões a partir
de certas premissas), os cientistas em geral entrevistam vários especialistas
(médicos). O que acontece é que, para o programa funcionar, cria-se um
banco de dados contendo as opiniões dos diversos médicos entrevistados, e é
a partir desse banco de dados que o sistema vai tirar conclusões, valendo-se
das regras de alguma lógica. Porém, como se sabe, devido principalmente à
grande complexidade envolvida com a ciência médica, os médicos podem ter
opiniões divergentes (e mesmo contraditórias) sobre um certo assunto ou so-
bre a causa de um certo mal. Logo, se no banco de dados há duas informações
que se contradigam, reetindo opiniões contraditórias de dois especialistas,
se o sistema operar com a lógica clássica, pode ocorrer a dedução de uma
contradição, o que inviabiliza (tornando trivial) o sistema como um todo.
Para se poder considerar bancos de dados amplos, eventualmente contendo
informações contraditórias e sem que se corra o risco de trivialização, a lógica
a ser utilizada deve ser uma lógica paraconsistente.
Pode-se ainda demonstrar que as lógicas paraconsistentes (na verdade,
certas teorias de conjuntos que delas se originam) generalizam a teoria de
conjuntos nebulosos (fuzzy sets ). Isso traz uma outra variedade de apli-
cações, permitindo que se construam mecanismos (para-analisadores e para-
processadores) que permitem considerar uma variedade de comandos muito
mais abrangentes do que 'sim' e 'não'. A partir disso, têm sido feitos ensaios
de aplicações (principalmente por cientistas brasileiros e japoneses) ao con-

4 Um
tratamento detalhado das inconsistências em ciência pode ser visto em [?], espe-
cialmente no capítulo 5.
Paraconsistência 97

trole de qualidade, à robótica, aos raciocínios não-monotônicos e default, ao


controle de tráfego urbano e aéreo e, mais recentemente, a várias questões em
medicina. Um exemplo simples é o seguinte: um robô pode estar equipado
com vários tipos de sensores, e tais sensores poderiam gerar informações
contraditórias: um dos casos mais simples é o de um visor ótico, que pode-
ria não detectar uma parede de vidro, dizendo 'posso passar', enquanto que
um sonar a detectaria, dizendo 'não posso passar'. Um robô 'clássico', com
ambos os sensores, na presença de uma contradição, terá diculdades ób-
vias, que parecem poder ser mais facilmente superadas com o uso das lógicas
paraconsistentes (na verdade, usa-se nesses casos um tipo particular dessas
lógicas, conhecidas como lógicas anotadas; os detalhes são bastante técnicos
e os exemplos usados são bem mais sosticados). Em suma, as lógicas para-
consistentes auxiliam a enfrentar situações onde a vaguidade, dubiedade ou
mesmo a contraditoriedade de armações tenham que ser levadas em conta.
Vários outros assuntos relacionados às lógicas paraconsistentes poderiam
ser ainda mencionados, como a aplicação das lógicas paraconsistentes deônti-
cas à ciência do Direito, de relevância patente. Nas lógicas deônticas, noções
como 'obrigatório' e 'permitido' podem ser tratadas formalmente por meio
de certos operadores, e esses operadores podem ser interpretados como obri-
gatoriedade ou permissividade perante a lei, ou em conformidade com algum
sistema ético. O desenvolvimento recente de lógicas quânticas paraconsis-
tentes, a análise de questões envolvendo crença e a aceitabilidade de crenças
ou de teorias, dentre outros, constituem exemplos importantes de usos dessas
lógicas. Importa ainda mencionar que têm sido desenvolvidas as bases de
uma 'matemática paraconsistente', ainda a ser devidamente explorada. Tais
estudos acham-se por ora enquadrados no campo da matemática pura, mas
o tema é promissor e, com toda certeza, não desconsiderando o seu valor
como atividade teórica, alcançará mais destaque no meio cientíco na me-
dida em que forem sendo encontradas mais aplicações relevantes, como as
mencionadas acima.
A 'paraconsistência', como os congressos mencionados atestam, tornou-se
um amplo domínio de investigação, com implicações as mais variadas. Nas
seções seguintes, esboçaremos os cálculos de da Costa, apresentando algumas
de suas principais características. Essas seções exigirão mais do leitor do
que os capítulos anteriores, mas é hora de entrar em algo mais 'pesado'.
Anal, parodiando Keith Devlin, podemos dizer que se os objetos de nossos
interesses não fossem difíceis de estudar, nada nos diferenciaria das rochas e
dos vegetais [Dev97, p. ix].
98 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

5.2 Os Cálculos Proposicionais Cn


Vamos agora desenvolver alguns cálculos proposicionais (na verdade, uma
innidade deles) que podem fundamentar teorias inconsistentes porém não
triviais.
Recordamos que uma teoria T , cuja lógica subjacente é L e cuja linguagem
é L é inconsistente se há uma fórmula α de L tal que tanto α quanto ¬α
(a negação de α) sejam teoremas de T ; caso contrário, T é consistente. T
é trivial se todas as fórmulas de L são teoremas de T ; caso contrário, T is
não-trivial. L é paraconsistente se pode ser a lógica subjacente de teorias
inconsistentes porém não triviais.
Uma expressão da forma α ∧ ¬α, onde ∧ é o símbolo da conjunção, é
chamada de contradição. Em geral, se uma teoria é inconsistente, sua lóg-
ica subjacente permite-nos derivar, para uma fórmula qualquer α, uma con-
tradição α ∧ ¬α a partir de α e de ¬α (ver o teorema 4.0.4); do mesmo modo,
de α ∧ ¬α podemos deduzir tanto α quanto ¬α. Assim, é usual chamar as
teorias triviais de contraditórias, o que signica que em tais teorias há con-
tradições como teoremas (teoremas auto-contraditórios).
Iniciaremos apresentando o cálculo proposicional C1 . Parece natural que
sua linguagem contenha os conectivos usuais: → (implicação), ∧ (conjunção),
∨ (disjunção), e ¬ (negação); equivalencia (↔) é denida como usual (veja
abaixo a denição 5.1). Além do mais, parece natural que C1 contenha
os esquemas e regras válidos da lógica clássica, obedecendo as condições
seguintes:5 Evidentemente, poderíamos ter escolhido um conjunto adequado
de conectivos, mas essas questões serão doravante consideradas já entendidas
pelo leitor.
(I) Em C1 não deve ser válido em geral o Princípio da Con-
tradição (ou Não-Contradição).
(II) De duas proposições contradítórias, isto é, uma das quais
sendo a negação da outra, não deve ser possível deduzir uma
proposição qualquer.
A linguagem L of C1 contém os seguintes símbolos primitivos:6 (i) var-
5 Até
a seção ??, validade signica validade sintática: uma fórmula é válida em um
cálculo se ela tem uma prova em tal cálculo, ou seja, se é um teorema desse cálculo (ver a
seção 1.2.1.
6 O leitor deve perceber que partimos da axiomática de Kleene para a lógica proposi-
cional clássica; ver a seção 4.4.3.
Os cálculos Cn 99

iáveis proposicionais: uma conjunto (innito) enumerável de variáveis proposi-


cionais (fórmulas que não são analisadas ao nível proposicional); (ii) connec-
tivos: →, ∧, ∨ e ¬; (iii) parenteses.
As fórmulas são denidas como segue: (i) uma variável proposicional é
uma fórmula; (ii) se α and β são fórmulas, então (α → β), (α ∧ β), (α ∨ β)
e ¬α são fórmulas; (iii) as únicas fórmulas são as obtidas pelas cláusulas (i)
e (ii).
Para facilitar a leitura, adotaremos algumas convenções: (a) o símbolo
→ é mais forte do que os demais; (b) ∧ e ∨ são mais fortes que ¬; (c) os
parênteses externos podem ser dispensados.

Denição 5.1 α ↔ β =def (α → β) ∧ (β → α)


Apresentaremos agora os postulados (axiomas e regras primitivas de in-
ferência) de C1 . Para começar, assumiremos os postulados da chamada lógica
proposicional positiva intuicionista :7

1. α → (β → α)

2. (α → β) → ((α → (β → γ)) → (α → γ))

3. α ∧ β → α

4. α ∧ β → β

5. α → (β → α ∧ β)

6. α → (α ∨ β)

7. β → (α ∨ β)

8. (α → γ) → ((β → γ) → (α ∨ β → γ))

9. α, α → β β

Consideremos agora a negação. Poderíamos pensar em acrescentar ao


sistema acima os postulados característicos da negação tomados do cálculo
minimal (Cf. Apêndice C, ou seja, a nossa já vista redução ao absurdo intu-
icionista),
7 Ver também o Apêndice C, onde são dadas algumas explicações sobre a lógica intu-
icionista.
100 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

(α → β) → ((α → ¬β) → ¬α), (5.1)


no entanto isso não é conveniente, pois dos postulados 17 acima e de (5.1),
podemos deduzir (veja o exercício abaixo)
¬(α ∧ ¬α),
que reete o Princípio da Contradição, o qual por (I) acima (veja à página 96)
deveria não ser universalmente válido em C1 . Além do mais, no cálculo
minimal é possível provar que de uma contradição a negação de qualquer
proposição pode ser derivada, ainda que não a proposição propriamente dita,
o que igualmente não seria conveniente.
Na verdade, no cálculo minimal temos (usando (5.1))
α, ¬α, β ` α e α, ¬α, β ` ¬α,
portanto
α, ¬α ` β,
assim
` α → (¬α → β),
aplicando duas vezes o teorema da dedução, que é conseqüência dos postu-
lados para a implicação do cálculo minimal.
No entanto, parece interessante aceitar (5.1), desde que tenhamos, para
uma β qualquer,
¬(β ∧ ¬β),
isto é, interessa-nos o esquema
¬(β ∧ ¬β) → ((α → β) → ((α¬β) → ¬α)).
Uma vez que (em princípio) toda proposição é verdadeira ou falsa, ainda
que, dentro do espírito da paraconsistência, a possibilidade de haver sentenças
que tanto elas quanto suas negações sejam ambas verdadeiras não tenha sido
excluída a priori, parece conveniente supor ainda que o seguinte esquema
deva ser aceito:
α ∨ ¬α.
A possibilidade de aceitarmos ¬(α ∧ ¬α) signica que α satisfaz a Lei da
Contradição, isto é, α é bem-comportada (denotaremos isso escrevendo 'αo ').
Se este não é o caso, isto é, se α ∧ ¬α vale, então α é mal-comportada. Então,
temos a seguinte denição:
Os cálculos Cn 101

Denição 5.2 αo =def ¬(α ∧ ¬α).

O próximo passo é discutir o esquema

¬¬α → α. (5.2)
Podemos raciocinar heuristicamente como segue: se α é bem-comportada,
supomos que obedece à lógica clássica e assim (5.2) vale; se α é mal-comportada,
então tanto α quanto ¬α são verdadeiras e então, pelos postulados da impli-
cação segue que qualquer proposição implica α, em particular ¬¬α. Assim,
(5.2) deve ser aceita.
Finalmente, levando em conta o que se disse acima, adotamos o pressu-
posto de que as fórmulas obtidas (pelas regras gramaticais especicadas) a
partir de fórmulas bem-comportadas são também bem-comportadas, isto é,

αo ∧ β o → (α ∧ β)o , αo ∧ β o → (α ∨ β)o , αo ∧ β o → (α → β)o .

Estes novos postulados podem ser escritos da forma seguinte:

αo ∧ β o → (α ∧ β)o ∧ (α ∨ β)o ∧ (α → β)o .

Disso, podemos deduzir

αo ∧ β o → (α ↔ β)o .

Não há necessidade de assumir que

αo → (¬α)o ,

uma vez que isso pode ser provado dos postulados acima. Assim, temos os
seguintes postulados para C1 :
[Postulados de C1 ]:

(→1 ) α → (β → α)

(→2 ) (α → β) → ((α → (β → γ)) → (α → γ))

(→3 ) α, α → β β

(∧ 1 ) α ∧ β → α
102 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

(∧ 2 ) α ∧ β → β

(∧3 ) α → (β → α ∧ β)

(∨1 ) α → (α ∨ β)

(∨2 ) β → (α ∨ β)

(∨3 ) (α → γ) → ((β → γ) → (α ∨ β → γ))

(¬1 ) β o → ((α → β) → ((α → ¬β) → ¬α))

(¬2 ) αo ∧ β o → (α ∧ β)o ∧ (α ∨ β)o ∧ (α → β)o

(¬3 ) α ∨ ¬α

(¬4 ) ¬¬α → α.

Pode-se mostrar que C1 possui uma semântica bivalente, masi isso não
será apresentado aqui (veja-se no entanto as referências). No que se segue,
exploraremos algumas das principais propriedades de C1 .
O conceito de dedução (formal) a partir de um conjunto de premissas, bem
como o de prova, são os usuais; usando a notação padrão, Γ ` α signica que
α é conseqüência sintática das fórmulas de Γ. As demais notações seguem o
que foi introduzido nos capítulos anteriores. Assim, temos em C1 :

Metateorema 5.1
(a) α ` α,

(b) Γ ` α implica Γ ∪ ∆ ` α,

(c) se Γ ` γ para qualquer γ ∈ ∆ e ∆ ` α, então Γ ` α.

Demonstração: Imediata.
Aqui, como na lógica clássica, dizemos também que α é um teorema
de C1 see ` α e, como usual, ` α signica ∅ ` α. Os símbolos ⇒ e ⇔
são abreviações metalingüísticas para a implicação e para a bi-implicação
respectivamente.

Metateorema 5.2 Em C1 , temos:


Os cálculos Cn 103

(a) [Teorema da Dedução] Γ, α ` β ⇒ Γ ` α → β

(b) [Modus Ponens] α, α → β ` β

(c) α, β ` α ∧ β ; α, β ` α; α, β ` β

(d) α ` α ∨ β ; β ` α ∨ β

(e) [Prova por Casos] Γ, α ` γ e Γ, β ` γ ⇒ Γ, α ∨ β ` γ

(f) [Redução ao Absurdo Paraconsistente] Γ ` β o , Γ, α ` β e Γ, α ` ¬β ⇒


Γ ` ¬α

(g) [Eliminação da Dupla Negação] ¬¬α ` α.

Demonstração: Procede-se como na lógica clássica, exceto no que diz respeito


à última regra derivada (para detalhes, ver [?], [?]). A redução ao absurdo
paraconsistente é derivada com o auxílio das regras para a implicação e o
esquema (¬1 ).
O próximo resultado é importante porque prova que as condições (I) e
(II) da página 96, as quais C1 deve obedecer, são de fato vericadas.

Metateorema 5.3 Em C1 , os seguintes esquemas não são válidos:


1. ¬α → (α → β)

2. ¬α → (α → ¬β)

3. α → (¬α → β)

4. α → (¬α → ¬β)

5. α ∧ ¬α → β

6. α ∧ ¬α → ¬β

7. (α → β) → ((α → β) → ¬α)

9. α → ¬¬α

10. (α ↔ ¬α) → β

11. (α ↔ ¬α) → ¬β
104 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

12. ¬(α ∧ ¬α)

13. α ∧ ¬α → ¬(α ∧ ¬α)

Demonstração: Usando as tábuas abaixo, com 1 e 2 como valores distingui-


dos:8

α β α→β α∧β α∨β


1 1 1 1 1
2 1 1 1 1
3 1 1 3 1 α ¬α
1 2 1 1 1 1 3
2 2 1 1 1 2 1
3 2 1 3 1 3 1
1 3 3 3 1
2 3 3 3 1
3 3 1 3 3

Então, em C1 os seguintes princípios, que desempenham papel importante


na derivação de paradoxos, levando à trivialização sistemas baseados na lógica
clássica, não são válidos:

¬α → (α → β), ¬α → (α → ¬β), α ∧ ¬α → β, α ∧ ¬α → ¬β. (5.3)

Exercício 5.2.1 Faça os detalhes da demonstração do teorema acima.

Exercício 5.2.2 Mostre que os esquemas acima (veja 5.3) não valem em C1 .

Exercício 5.2.3 Mostre que no cálculo minimal é possível provar que de


uma contradição a negação de qualquer proposição pode ser derivada, ainda
que não a proposição propriamente dita.

Metateorema 5.4 Em C1 , vale a seguite versão da Redução ao Absurdo:


Γ ` β o ; Γ, α ` β; Γ, α ` ¬β ⇒ Γ ` ¬α.

Demonstração: Aplicando-se o teorema da dedução e (¬1 ).


8O leitor deve recordar aqui a técnica explanada na seção 4.3.2.
Os cálculos Cn 105

Corolário 5.2.1 Em C1 , as seguintes regras são válidas:


Γ, α ` β o ; Γ, α ` β; Γ, α ` ¬β ⇒ Γ ` ¬α,

Γ, ¬α ` β o ; Γ, ¬α ` β; Γ, ¬α ` ¬β ⇒ Γ ` ¬α.

Demonstração: Do metateorema precedente e do fato de que em C1 temos


que ` α ∨ ¬α e ` ¬¬α → α.

Metateorema 5.5 Se acrescentarmos aos postulados de C1 o Princípio da


Contradição ¬(α ∧ ¬α), obtemos o Cálculo Proposicional Clássico.

Demonstração: De fato, assim procedendo obtemos ` (α → β) → ((α →


¬β) → ¬α), e então resultam os postulados de Kleene (ver a seção 4.4.3).

Metateorema 5.6 Em C1 , temos:


1. α → α

2. α ↔ α

3. α → β, β → γ ` α → γ

4. α → (β → γ) ` β → (α → γ)

5. α → (β → γ) ` α ∧ β → γ

6. α ∧ β → γ ` α → (β → γ)

7. α → β ` (β → γ) → (α → γ)

8. α → β ` (γ → α) → (γ → β)

9. α → β ` α ∧ γ → β ∧ γ

10. α → β ` γ ∧ α → γ ∧ β

11. α → β ` α ∨ γ → β ∨ γ

12. α → β ` γ ∨ α → γ ∨ β

13. α ↔ β ` β ↔ α

14. α ↔ β, β ↔ γ, γ ` α ↔ γ
106 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

15. ` (α ↔ β) ↔ (β ↔ α)

16. ` (α → (α → β)) → (α → β)

17. ` (α → (α → (α → β))) → (α → (α → β))

18. ` (α → . . . (α → β) . . .) → (α → . . . (α → β) . . .)
| {z } | {z }
n+1 vezes n vezes

Demonstração: Conseqüência imediata do modo como C1 foi construído,


contendo os postulados da lógica positiva intuicionista.

Metateorema 5.7 A lógica positiva intuicionista está contida em C1 .

Demonstração: Com efeito, esta lógica é caracterizada pelos postulados (¬1 )


a (∨3 ).

Metateorema 5.8 Em C1 , temos:


1. β o , α → β ` ¬β → ¬α

2. β o , α → ¬β ` β → ¬α

3. β o , ¬α → β ` ¬β → α

4. β o , ¬α → ¬β ` β → α

5. (α → ¬α) → ¬α

6. (¬α → α) → α

Demonstração: Provaremos 3. Temos: β o , ¬α → β, ¬α ` β o ; β o , ¬α →


β, ¬β, ¬α ` ¬β ; β o , ¬α → β, ¬β, ¬α ` β . Portanto, β o , ¬α → β, ¬β ` ¬¬α,
assim, β o , ¬α → β, ¬β ` α. Logo, β o , ¬α → β ` ¬β → α.
Nota Uma vez que C1 tem todas as propriedades relevantes da lógica proposi-
cional clássica, podemos provar em C1 vários outros esquemas que são de-
dutíveis nesta lógica, como é fácil perceber.

Metateorema 5.9 C1 é um sub-cálculo do cálculo proposicional clássico.


Os cálculos Cn 107

Demonstração: Todos os postulados de C1 são válidos no cálculo proposi-


cional clássico. Além disso, o teorema (5.3) mostra que há esquemas que são
válidos neste último cálculo e que no entanto não valem em C1 .

Metateorema 5.10 Em C1 , os seguintes esquemas não são válidos:


(α ∧ β) ∧ ¬α → β and α ∨ β → (¬α → β).

Demonstração: Se esses esquemas fossem válidos em C1 , usando o teorema


da dedução, modus ponens e o esquema α → α ∨ β , derivaríamos em C1 o
esquema α → (¬α → β), o que é um absurdo.

Corolário 5.2.2 As regras seguintes (silogismos disjuntivos) não valem em


C1
α ∨ β, ¬α ¬α ∨ β, α
e .
β β

Metateorema 5.11 Se α1 , . . . , αn são os componentes primos de uma fór-


mula α,9 então uma condição necessária e suciente para que ` α no cálculo
proposicional clássico é que α1o , . . . , αno ` α em C1 .

Demonstração: Se α1o , . . . , αno ` α em C1 , então ` α no cálculo proposicional


clássico, uma vez que β o é uma abreviação de ¬(β ∧¬β) e C1 é um sub-cálculo
do clássico. Se ` α no cálculo clássico, então existe uma prova (vamos chamá-
la de 'P') de α em tal cálculo, na qual aparecem unicamente aquelas fórmulas
cujos componentes primos (variáveis proposicionais) estão entre α1 , . . . , αn .
Assim, se k é uma das fórmulas na prova P, devido ao postulado (¬ ), teremos
que α1o , . . . , αno ` k o em C1 e portanto, em C1 , temos α1o , . . . , αno ` (γ → δ) →
((γ → ¬δ) → ¬γ), com as restrições usuais. Mas, uma vez que qualquer
postulado do cálculo proposicional clássico é válico em C1 , com exceção de
(θ → π) → ((θ → ¬π) → ¬θ), podemos ver que P pode ser transformada
em uma dedução, em C1 , de α a partir de α1 , . . . , αn ou, o que é o mesmo, a
partir de α1o ∧ . . . ∧ αno .

Teorema 5.1 Se α1 , . . . , αn são os componentes primos das fórmulas de Γ


e de uma fórmula α, então uma condição necessária e suciente para Γ ` α
no cálculo proposicional clássico é que Γ, α1o , . . . , αno ` α em C1 .
9 Os
componentes primos de uma fórmula α são sub-fórmulas de α que não são da forma
β → γ , β ∧ γ , β ∨ γ ou ¬β , onde β e γ são fórmulas ([?, p. 111]).
108 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

Demonstração: Análoga à anterior.

Teorema 5.2 (A. I. Arruda) 10


Em C1 , temos ` αoo .

Demonstração: ` αoo signica ¬(αo ∧ ¬αo ), isto é, ¬(αo ∧ ¬¬(α ∧ ¬α)). Mas
αo ∧ ¬¬(α ∧ ¬α) ` αo e αo ∧ ¬¬(α ∧ ¬α) ` α ∧ ¬α, portanto ` ¬(αo ∧ ¬¬(α ∧
¬α)), isto é, ` αoo .

Teorema 5.3 Em C1 , temos ` αo → (¬α)o .

Demonstração: Temos: αo , ¬α ∧ ¬¬α ` α e αo , ¬α ∧ ¬¬α ` ¬α, assim como


αo , ¬α ∧ ¬¬α ` αo , portanto αo ` ¬(¬α ∧ ¬¬α), assim αo ` (¬α)o . Então,
` αo → (¬α)o .

Denição 5.3 (Negação Forte) ¬? α =def ¬α ∧ αo

Teorema 5.4 Em C1 , ` (α → β) → ((α → ¬? β) → ¬? α)

Demonstração: Temos

α → β, α → ¬? β, αo ` ¬? α, mas (1)

α → β, α → ¬? β, ¬αo ` α ∧ ¬α. Mas

α → β, α → ¬? β, α ∧ ¬α ` β,

α → β, α → ¬? β, α ∧ ¬α ` ¬β e

α → β, α → ¬? β ` αo . Então,

α → β, α → ¬? β, ¬αo ` α,

α → β, α → ¬? β, ¬αo ` ¬α,

α → β, α → ¬? β, ¬αo ` αo , e
10 Ayda Ignes Arruda foi uma das primeiras pesquisadoras a se dedicar à lógica paracon-
sistente, quando ainda era professora da Universidade Federal do Paraná, na década de
1960, como orientada, colega e colaboradora do primeiro autor deste livro. Posteriormente
transferiu-se para a Universidade Estadual de Campinas. Lá, foi uma das fundadoras do
Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), tendo sido sua Coorde-
nadora. Presidiu ainda a Sociedade Brasileira de Lógica e contribuiu signicativamente
para o desenvolvimento e divulgação dessas lógicas. Faleceu em 1983.
Os cálculos Cn 109

α → β, α → ¬? β, ¬αo ` ¬? α. (2)

De (1) e(2), usando prova por casos e o princípio do terceiro excluído, temos

α → β, α → ¬? β ` ¬? α, portanto

` (α → β) → ((α → ¬? β) → ¬? α).

Teorema 5.5 ` α → (¬? α → β)

Demonstração: Temos:

α, ¬α ∧ αo , ¬β ` α,

α, ¬α ∧ αo , ¬β ` ¬α,

α, ¬α ∧ αo , ¬β ` αo , então

α, ¬α ∧ αo ` ¬¬β,

α, ¬α ∧ αo ` β e α, ¬? α ` β. Assim,

` α → (¬? α → β).

Teorema 5.6 ` α ∨ ¬? α

Demonstração: Temos:

` (α ∨ ¬? α) ↔ α ∨ (¬α ∧ αo ),

` (α ∨ ¬? α) ↔ (α ∨ ¬α) ∧ (α ∨ αo ), e

` (α ∨ ¬? α) ↔ (α ∨ αo ).

Mas i) αo ` α ∨ αo and ii) ¬αo ` α ∧ ¬α ` α ` α ∨ αo . Assim, de i) e ii)


segue ` α ∨ αo , portanto ` α ∨ ¬? α.

Teorema 5.7 Os conectivos →, ∧, ∨ e ¬? , em C1 , satisfazem todos os es-


quemas e regras do cálculo proposicional clássico.

Demonstração: Em C1 são válidos os seguintes esquemas:

(α → β) → ((α → ¬? β) → ¬? α),
110 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

α → (¬? α → β) e

α ∨ ¬? α.

Se acrescentarmos a esses esquemas os postulados (→1 ) to (∨3 ) acima, obte-


mos os postulados do cálculo proposicional clássico.

Teorema 5.8 Em C1 , a lei de Peirce é válida, isto é,


` ((α → β) → α) → α.

Demonstração: No cálculo proposicional clássico, a Lei de Peirce é uma tese.


Assim, pelo teorema anterior, o é também em C1 .

Teorema 5.9 Em C1 , temos: ` α ∨ (α → β).

Demonstração: ` α ∨ (α → β) é válida no cálculo proposicional clássico.


Os resultados anteriores mostram que o cálculo proposicional clássico está,
de certo modo, contido em C1 , ainda que C1 seja um sub-cálculo do cálculo
proposicional clássico. Isto é o que anteriormente, na seção 1.3.3, queríamos
dizer com o fato da lógica tradicional ainda persistir de certo modo na maioria
dos sistemas não-clássicos, como na lógica paraconsistente.

Denição 5.4 Um esquema ou fórmula α trivializa um sistema S quando,


juntando-se α aos axiomas de S , o novo sistema é trivial, isto é, todas as
suas fórmulas são teoremas.

Teorema 5.10 Qualquer fórmula da forma α ∧ ¬? α trivializa C1 .

Demonstração: Pelos resultados anteriores, podemos ver que ¬? funciona


como a negação clássica, logo α∧¬? α implica qualquer, isto é, ` α∧¬? α → β .

Teorema 5.11 O esquema α ↔ (α → β), onde β é uma fórmula qualquer,


trivializa C1 .

Demonstração: Em C1 , temos (i) ` α ∨ (α → β). Portanto, de α e de


α ↔ (α → β), deduzimos β . Mas de α → β e de α ↔ (α → β), deduzimos
β novamente. Assim, de (i), ` β .
A hierarquia Cn 111

Uma vez que em C1 ` α ∨ (α → (α → . . . (α → β) . . .), então o esquema


| {z }
n ocorrências de α

α ↔ α ∨ (α → (α → . . . (α → β) . . .),

onde β é uma fórmula qualquer, também trivializa C1 .

Teorema 5.12 Em C1 ,

0 (α ↔ (α ∨ α)) ↔ (¬α ↔ (¬(α ∨ α)).

Demonstração: Usando as tabelas do teorema 5.3, fazendo α assumir o valor


2.

Teorema 5.13 Em C1 , não são válidos os seguintes esquemas e regras:


α↔β
(α ↔ β) → ((¬α ↔ ¬β), .
¬α ↔ ¬β

Demonstração: Consequência imediata do teorema anterior.

5.2.1 A hierarquia Cn , 0 ≤ n ≤ ω
O cálculo C1 não é o único que satisfaz as condições I e II acima (página
96). Entre outras oluçõe spossíveis, indicaremos uma hierarquia de cálculos
que satisfazem tais condições, com a exceção do primeiro deles, o qual por
simplicidade será tomado como sendo o cálculo proposicional clássico. A
hierarquia é a seguinte:

C0 , C1 , C2 , . . . , Cn , . . . , Cω , (5.4)
onde C0 é o cálculo proposicional clássico e os restantes são caracterizados
somo segue.

Denição 5.5
(i) α(1) =def αo

(ii) α(n) =def αn−1 ∧ (α(n−1) )o , 2 ≤ n ≤ ω.


112 O Cálculo Proposicional Paraconsistente

Então, o cálculo Cn (0 < n < ω ) é individualizado pelos postulados (→1


até (∨3 ) acima, mais α ∨ ¬α e ¬¬α → α e os postulados seguintes:

(n1 ) β (n) → ((α → β) → ((α → ¬β) → ¬α)

(n2 ) α(n) ∧ β (n) → ((α → β)(n) ∧ (α ∧ β)(n) ∧ (α ∨ β)(n) ).

Cω tem como postulados (→1 ) até (∨3 ) acima, mais α ∨ ¬α e ¬¬α → α.


Podemos ver que, em Cn , 1 ≤ n ≤ ω , pode-se substituir o esquema β (n) ∧
β ∧ ¬β → γ pelo postulado (n1 ). É também fácil ver que os resultados
acima, válidos para C1 , com modicações adequadas, são igualmente válidos
para Cn , n = 2, 3, . . .. A propósito, vários desses resultados valem também
para Cω .

Teorema 5.14 Cada um dos cálculos da hierarquia (5.4) é estritamente


mais forte que o seguinte.

Demonstração: [A. I. Arruda] As tabelas apresentadas no teorema [?], as


quais denotaremos aqui por T1 , mostram que C0 contém propriamente C1 .
Com o obbjetivo de provar que Ci contém propriamente Ci+1 , i = 1, 2, . . .,
denimos as tabelas T2 , T3 , . . . como segue, com exceção das tabelas para a
negação, que serão denidas separadamente. T2 é obtida de T1 (como na
prova do teorema 5.3) pela adição de um novo valor, 4, que será o único
não designado; obtemos Tn de Tn−1 adicionando um novo valor n + 2, que
será o único não designado, etc.. As tabelas Tn são então obtidas a partir de
Tn−1 , n = 2, 3, . . . como segue (as regras abaixo referem-se a novos arranjos
de valores os quais resultam da adição dos novos valores sem modicações
nas novas tabelas além daquelas já obtidas das tabelas de ordem n − 1):
(1) conjunção : se as componentes têm valores diferentes, a conjunção terá
o maior valor entre aqueles das suas componentes; se os valores são iguais,
será este o valor da conjunção. (2) disjunção : se as componentes têm valores
diferentes, a disjunção terá o menor valor entre aqueles das suas componentes;
se os valores são iguais, será este o valor da disjunção.(3) implicação : se as
componentes têm valores diferentes, a implicação terá o valor do consequente;
se os valores são iguais, a implicação terá o valor 1. Para a negação relativa
a Tn , temos a seguinte tabela:
α 1 2 3 ··· n n+1 n+2
¬α n+2 1 2 ··· n-1 n 1
Teorias paraconsistentes 113

Para n = 1, 2, . . . , n, n + 1 como valores designados e n + 2 o único não


designado, as tabelas Tn mostram que Cn−1 contém estritamente Cn , pois por
exemplo o postulado β (n−1) → ((α → β) → ((α → ¬β) → ¬α)) e o esquema
α(n−1) → (¬α)(n−1) não são válidos em Cn , o que pode ser visto com algum
trabalho duro (para n > 1). Além do mais, Cω é estritamente mais fraco do
que qualquer outro cálculo da hierarquia.

5.2.2 Teorias paraconsistentes


Nesta seção, faremos referência ao cálculo C1 , ainda que os resultados aqui
expostos possam ser estendidos para todos os cálculos Cn , 0 ≤ n ≤ ω .

Denição 5.6 ∆ =def {α : ∆ ` α}

O leitor deve notar que estamos fazendo uso de uma notação algo distinta
para o conjunto das conseqüências de um conjunto de fórmulas, já introduzido
antes na seção2.5, onde escrevíamos Cn(∆) em vez de ∆. Obviamente, é
apenas uma questão de notação.

Teorema 5.15
(i) ∆ ⊆ ∆

(ii) ∆ ⊆ Γ ⇒ ∆ ⊆ Γ

(iii) ∆ ⊆ ∆

Já sabemos da seção2.5 que ∆ é uma teoria se e somente se ∆ = ∆.


Assim, retomando alguns conceitos já introduzidos anteriormente, temos:

Denição 5.7 Seja Υ o conjunto de fórmulas de C1 . Então ∆ é inconsis-


tente se há uma fórmula α tal que ∆ ` α e ∆ ` ¬α; caso contrário ∆ é
consistente. Γ é trivial se Γ = Υ; caso contrário, Γ é não-trivial. Um con-
junto inconsistente de fórmulas é também chamado de contraditório. uma
teoria ∆ é paraconsistente se é inconsistente mas não-trivial.

Denição 5.8 Expressões da forma α ∧ ¬α or ¬α ∧ α são chamadas con-


tradições.
114 O cálculo proposicional paraconsistente

Exercício 5.2.4 Mostre que ∆ é inconsistente se e somente se ∆ ` α ∧ ¬α


para alguma fórmula α.

Teorema 5.16 C1 pode ser usado como lógica subjacente de teorias paracon-
sistentes.

Demonstração: É suciente considerar a teoria {α ∧ ¬α}, onde α é uma


variável proposicional e aplicar as tabelas do teorema 5.3.

Denição 5.9 Um sistema (cálculo) S é dito ser nitamente trivializável se


existe uma fórmula α que o trivializa.

Lembremos que α trivializar S signica que, juntando-se α aos postulados


de S como um novo axioma, o sistema resultante é trivial.

Exercício 5.2.5 Verique que o cálculo implicativo proposicional intuicionista


(ver o Apéndice C) ou o cálculo implicativo clássico e o cálculo proposicional
positivo clássico não são nitamente trivializáveis, enquanto que o cálculo
proposicional clássico é.

Teorema 5.17 Uma fórmula da forma α∧¬α∧α(n) trivializa Cn , ) ≤ n < ω .

Exercício 5.2.6 Prove o teorema anterior.

Teorema 5.18 Cω não é nitamente trivializável.

Demonstração: Consideremos a seguinte matriz M , onde 1 é o valor desig-


nado:
α β α→β α∧β α∨β
0 0 1 0 0
1 0 0 0 1
0 1 1 0 1
1 1 1 1 1

Se α não começa com o símbolo ¬, então:

1) Se o valor de α é 1, então o valor de ¬n α é 1, onde ¬n =def ¬¬ . . . ¬, (¬


repetido n vezes, n ≥ 1).
Teorias paraconsistentes 115

2) Se o valor de α é 0, então o valor de ¬2k α é 0, e o valor de ¬2k+1 α é 1,


para todo k = 0, 1, 2, . . ..

M is adequada para Cω , como é fácil vericar (veja exercício abaixo). Por


indução sobre o comprimento das fórmulas, podemos mostrar que nenhuma
fórmula assume o valor 0. Assim, não há fórmuula γ tal que γ ` α (ou
` γ → α), para qualquer fórmula α de Cω .

Exercício 5.2.7 Mostre que a matriz M acima é adequada para Cω .

Os seguintes resultados podem ser estabelecidos sem diculdade:

Teorema 5.19 Os cálculos Cn , 0 < n < ω , com um número nito de var-


iáveis proposicionais, podem ser nitamente trivializados por fórmulas do
tipo α ∧ ¬α ∧ α(n) .

Teorema 5.20 Cω , com um número nito de variáveis proposicionais, não


pode ser nitamente trivializado.

Esses resultados têm conseqüências interessantes, que veremos na seção


seguinte.

Teorema 5.21 (A. I. Arruda) Em Cn , 1 ≤ n ≤ ω , não há redução de


negações, isto é, expressões como ¬p α ↔ ¬q α, para p 6= q (p, q = 0, 1, 2, . . .),
as quais não são válidas nesses cálculos.

Demonstração: É suciente que utilizemos as seguintes tabelas de verdade:


os valores das tabelas são os naturais ≥ 1 e o único valor designado é 1. Se
d signica 'designado' e v(α) é o valor de α, então as tabelas de →, ∧, ∨ e ¬
são as seguintes:

→: v(α → β) = 1 i v(α) = d e v(β) = 1; v(α → β) = 2 caso


contrário.

∧: v(α ∧ β) = 2 see v(α) = d e v(β) = d, e v(α ∧ β) = 1 caso


contrário.

∨: v(α ∨ β) = 1 see v(α) = 1 e v(β) = 1, e v(α ∨ β) = 2 caso


contrário.
116 O cálculo proposicional paraconsistente

¬: v(¬α) = 2 see v(α) = 1 e v(¬α) = 1 caso contrário.

Corolário 5.2.3 (A. I. Arruda) Os cálculos Cn , 1 ≤ n ≤ ω não possuem


matrizes características nitas, istomé, tabelas nitas tais que a condição
necessária e suciente para que α seja um teorema é que assuma unicamente
valores designados nessas tabelas.

Demonstração: Da hipótese do corolário, é fácil ver que se tais cálculos


tivessem matrizes características nitas, haveria redução de negações.

O perigo da trivialização
É interessante observarmos o seguinte. Pelo que se viu acima, se funda-
mentamos uma teoria tendo Cn por lógica subjacente, haverá maior risco de
trivialização do que se usarmos Cn+1 . O 'máximo de segurança' em se evitar
a trivialização em alguma teoria seria alcançado de usássemos Cω como sua
lógica subjacente mas, como vimos acima, na medida em que a avançamos
na hierarquia dos cálculos paraconsistentes, obtemos cálculos cada vez mais
fracos. Assim, ainda que dito aqui de forma imprecisa, concluímos que, na
medida em que vamos aumentando nossa capacidade dedutiva, mais próxi-
mos da trivialização vamos cando.

Exercício 5.2.8 Revise o signicado dos teoremas 5.19 e 5.20 e explique


com suas palavras o 'perigo da trivialização'.

Exercício 5.2.9 Assuma a linguagem e os axiomas do cálculo proposicional


clássico, mas dena a noção de dedução assim: dizemos que α é para-dedutível
de um conjunto Γ de fórmulas, e escrevemos Γ `P α, se existe um subconjunto
∆ de Γ, consistente no sentido usual da lógica clássica (ou seja, não existe
β tal que ∆ ` β e ∆ ` ¬β , onde ` o símbolo de dedução clássico), tal que
∆ ` α. Caso contrário, α não é para-dedutível de Γ (Γ 6`P α). Mostre que
uma lógica com a noção de para-dedutibilidade é paraconsistente (dita lógica
paraclássica ). (para detalhes sobre essas lógicas, ver [CosKra04]).
Apêndice A
Reticulados e Álgebras de Boole

Q uando vimos a semântica do Cálculo Proposicional, usamos o conceito


de Álgebra de Boole. Como tais álgebras têm uma importância geral, é con-
veniente que vejamos sua denição, e isso será aqui feito a partir da denição
de reticulado. Novas analogias com a física poderão então ser introduzidas.

Denição 5.2.1 Um reticulado é uma estrutura R = hX, u, ti, sendo:


(1) X um conjunto não vazio;

(2) u e t operações binárias sobre X ;11

(3) Para todos x, y e z de X tem-se:

(i) x u y = y u x e x t y = y t x (comutatividade)
(ii) x u (y u z) = (x u y) u z e x t (y t z) = (x t y) t z
(associatividade)
(iii) x u x = x e x t x = x (idempotência)
(iv) x u (x t y) = x e x t (x u y)x (absorção)

Como ocorre normalmente, ao invés de nos referirmos à estrutura R, é


comum dizer que X é um reticulado (referido-nos, deste modo, somente ao
conjunto em consideração). Por vezes, procederemos deste modo. O elemento
11 Uma operação binária sobre X é uma aplicação de X × X em X . Se ∗ denota uma
tal operação, a imagem do par hx, yi pela aplicação ∗ é em geral denotado por x ∗ y ;
seguiremos este procedimento. Por exemplo, na denição em questão as notações x u y e
x t y são as imagems de hx, yi por u e t respectivamente.

117
118 Apêndice A

xuy (xty ) é dito produto , ínmo , encontro (respect., soma , supremo , junção )
de x e y . Os termos `produto' e `soma' serão usados alternativamente para
denotar tais elementos, no que se segue.
Pode-se mostrar que qualquer conjunto nito x1 , . . . , xn de elementos
Wn de
X tem uma soma e um produto, denotados respectivamente por i=1 xi e
V n
i=1 xi .

Exemplo 5.2.1 Seja Y conjunto qualquer e considere X = P(Y ). Então,


para x e y em X , poe-se: x u y =def x ∩ y e x t y =def x ∪ y . É facil ver que
a estrutura que daí resulta é um reticulado (veja exercício abaixo).

Exemplo 5.2.2 Tome X como sendo o conjunto dos números naturais não
nulos 1, 2, . . . e dena x u y =def mdc(x, y) e x t y =def mmc(x, y) para
quaisquer x e y em tal conjunto.12 Neste caso, também resulta que a estrutura
assim obtida é um reticulado (exerçícios).

Observação: Um conjunto parcialmente ordenado (poset) é um par hX, Ri


constituído por um conjunto não vazio X e uma relação de ordem parcial R
sobre X , ou seja, uma relação binária sobre X que é reexiva, anti-simétrica
e transitiva. Em geral, ao invés de xRy , escreve-se x ≤ y para se designat
que o par hx, yi está na relação R, mas observa-se que nem sempre ≤ denota
a conhecida relação de `menor ou igual que' entre números. Nessa situação,

Denição 5.2.2 Seja R um reticulado. Sobre X denimos a relação seguinte,


para todos x e y de X :

x ≤ y see x u y = x see x t y = y

Considerando o primeiro exemplo dado acima, nota-se que a ≤ b se e


somente se a ⊆ b, ou seja, se a for subconjunto de b. No segundo exemplo,
repare que, por exemplo, 1 ≤ 3, 3 ≤ 9, mas ¬(2 ≤ 3) pois o mmc entre 2 e 3
não é 3 (nem o mdc entre eles é 2).
É imediato provar que ≤ é uma ordem parcial sobre X .

Exercício 5.2.10 Conrme o que se disse nos exemplos 1.1 e 1.2 acerca das
estruturas em questão serem reticulados. Prove que a relação ≤, tal como
denida no parágrafo precedente, é de fato uma relação de ordem parcial
sobre X .
12 Usaremos p símbolo `=def ' para denotar `igual por denição'.
Reticulados como Sistemas Ordenados 119

5.3 Reticulados como sistemas ordenados


A denição acima estabeleceu um reticulado como uma `estrutura algébrica',
ou seja, como um certo conjunto dotado de operações e relações entre seus el-
ementos satisfazendo determinadas propriedades. No entanto, um reticulado
é uma estrutura tão peculiar que também pode ser visto como uma `estru-
tura de ordem'.13 Para tanto, admita que, ao invés de partirmos do conjunto
X munido das duas operações binárias referidas na denição acima, através
das quais pudemos denir a ordem parcial como zemos, partíssemos de um
sistema parcialmente ordenado hX, ≤i (ou seja, de um conjunto X dotado
de uma ordem parcial ≤).
Então, munidos tão somente da ordem parcial sobre X , poderíamos denir
as operações u e t como se segue: para quaisquer x e y de X , x u y é tomado
como o ínmo do conjunto {x, y}, ou seja, aquele elemento elemento i ∈ X
tal que (1) i ≤ x u i ≤ y para todos x e y de X e (2) se a ≤ x u a ≤ y para
algum a ∈ X , então a ≤ i. Analogamente, x t y será o supremo de {x, y},
ou seja, aquele elemento s ∈ X tal que (1) x ≤ s u y ≤ s para todos x, y ∈ X
e (2) se x ≤ a u y ≤ a, então s ≤ a.
Nada garante que, num sistema ordenado hX, ≤i, exista o supremo ou
o ínmo de dois de seus elementos (na verdade, deveríamos dizer `supremo
e ínmo do conjunto formado pelos dois elementos'); mas, no entanto, se
tais elementos existirem, resultam válidas as condições da denição dada de
reticulado, de sorte que se pode estabelecer a seguinte denição.

Denição 5.3.1 Um reticulado é um conjunto parcialmente ordenado X tal


que qualquer subconjunto de X que tenha apenas dois elementos tem supremo
e ínmo.

Ou seja, dados quaisquer x e y em X , existem o supremo e o ínmo de x


e y (ou melhor, do conjunto {x, y}).

Denição 5.3.2 Um reticulado é completo se todo subconjunto de X tem


supremo e ínmo, em particular o próprio X . Em um reticulado completo,
o ínmo de X é denominado zero do reticulado, enquanto que o supremo
13 Essadistinção é fundamental para certos propósitos. Para Bourbaki, as estruturas da
matemática usual são certas combinações de estruturas de três tipos básicos: algébricas, de
ordem e topológicas; por exemplo, os números reais são caracterizados como constituindo
um `corpo (estrutura algébrica) ordenado (ordem) completo (estrutura topológica).
120 Apêndice A

de X é denominado um (ou unidade) do reticulado. Esses elementos são


denotados 0 e 1 respectivamente. No caso, tais elementos coincidem com o
menor e com o maior elementos de X respectivamente.14

É imediato provar que todo reticulado nito (i.e., tal que X é um conjunto
nito) é completo.

Denição 5.3.3 Um reticulado X com 0 e 1 é complementado se para


cada x ∈ X existe um elemento x0 ∈ X (dito complemento de x) tal que
sup({x, x0 }) = 1 (ou seja, xtx0 = 1) e inf ({x, x0 }) = 0 (ou seja, xux0 = 0).

O elemento x0 da denição precedente é dito complemento de x.


Para um reticulado qualquer X , tem-se o seguinte teorema, sendo x, y, z
elementos arbitrários de X :

Teorema 5.3.1
(i) (x u y) t (x u z) ≤ x u (y t z)

(ii) x t (y u z) ≤ (x t y) u (x t z)

Ou seja, em geral não valem as Leis Distributivas. Quando isso acontece,


o reticulado é dito distributivo.

Exemplo 5.3.1 Para qualquer conjunto X , hP(X), ⊆i é um reticulado com-


pleto complementado tal que 0 = ∅ e 1 = X . O complemento de A ∈ P(X)
é o conjunto A0 = X − A. Este reticulado é distributivo.

Daremos agora um exemplo importante de um reticulado que não é dis-


tributivo. Lembremos que um espaço de Hilbert é um espaço vetorial V com
produto interno h | i que é completo em relação
p à norma induzida pelo pro-
duto interno (ou seja, à norma ||α|| =def hα|αi; para detalhes, veja por
exemplo [Hal78, Apêndice]. Para os propósitos deste exemplo, basta tomar
V como um espaço vetorial nito com produto interno, que resulta completo,
como se pode mostrar.
14 Seja
hX, ≤i um sistema parcialmente ordenado e Y ⊆ X . Um elemento a ∈ Y é menor
elemento (mínimo, primeiro) de Y se a ≤ x para todo x ∈ Y . Analogamente, um elemento
b ∈ Y é maior elemento (máximo, último) elemento de Y se x ≤ b para todo x ∈ Y .
Álgebras de Boole 121

Seja então V um espaço de Hilbert e seja X como o conjunto dos sube-


spaços vetoriais de V , e seja U ⊥ o complemento ortogonal de U ∈ X , ou seja,
o subsepaço U ⊥ = {α ∈ V : hα|βi, ∀β ∈ U }.
Dados U e W em X , denimos U u W como sendo a interseção U ∩ W , e
U t W como sendo o subespaço gerado por U ∪ W . A razão de se proceder
deste modo é que nem sempre a união de subespaços é um subsepaço vetorial,
como se sabe. Isso posto, é fácil perceber que tais operações satisfazem os
axiomas correspondentes da denição de reticulado, e além disso o subsepaço
trivial O (cujo único elemento é o vetor nulo de V ) e o próprio V desempenham
o papel dos elementos zero e um de um reticulado, respectivamente.
Note agora que a operação de associar a cada subsepaço de V o seu com-
plemento ortogonal satisfaz as operações de complementação em um retic-
ulado. Desse modo, pode-se perceber que temos às mãos um reticulado
complementado. No entanto, ele não é distributivo. Com efeito, basta tomar
V como o espaço euclidiano <2 munido do produto interno canônico,15 U , V
e W subsepaços denidos respectivamente (e adequadamente) como corre-
spondendo intuitivamente aos eixos OX , OY e à reta x = y . Nota-se então
que X t (Y u Z) = X , ao passo que (X t Y ) u (X t Z) = <2 .

5.4 Álgebras de Boole


Denição 5.4.1 Uma Álgebra de Boole ou um reticulado booleano é um
reticulado complementado e distributivo.

Exercício 5.4.1 Mostre que para qualquer conjunto X , o conjunto P(X)


munido da relação ⊆ é uma álgebra de Boole.

As álgebras de Boole podem, alternativamente, ser caracterizadas do


modo seguinte:

Denição 5.4.2 Uma Álgebra de Boole é uma sextupla ordenada


B = hB, t, u, ∗, 0, 1i

na qual:

(i) B é um conjunto não vazio


15 Ou seja, para (x1 , x2 ), (y1 , y2 ) ∈ <2 , tem-se h(x1 , x2 )|(y1 , y2 ) =def x1 y1 + x2 y2 .
122 Apêndice A

(ii) t e u são operações binárias sobre B ; usaremos a notação ha-


bitual x u y e x t y em sentido óbvio.

(iii) ∗ é uma operação unária sobre B . Do mesmo modo que no ítem


anterior, escreveremos x∗ para denotar a imagem do elemento x ∈ B
pela função *.

(iv) 0 e 1 pertencem a B

Ademais, para quaisquer x, y e z em B , os seguintes axiomas são satisfeitos:

(i) x t y = y t x e x u y = y u x (comutatividade)

(ii) x t (y t z) = (x t y) t z e x u (y u z) = (x u y) u z (associatividade)

(iii) x t (y u z) = (x t y) u (x t z) e x u (y t z) = (x u y) t (x u z)
(distributividade)

(iv) (x t y) u x = y e (x u y) t x = x (absorção)

(v) x u x = x e x t x = x (idempotência)

(vi) x u x∗ = 0 e x t x∗ = 1 (complementaridade)

(vii) x t 1 = 1, x u 1 = x, x t 0 = x e x u 0 = 0

A álgebra é dita degenerada se contém um só elemento.


Como é comum, abusaremos da notação e denotaremos uma tal álgebra
simplesmente por B , fazendo referência tão somente ao conjunto em questão.
Numa álgebra de Boole B , denimos uma relação de ordem do mesmo
modo como zemos para reticulados: para todos x e y em B ,

x≤y ↔xuy =x

ou equivalentemente
x≤y ↔xty =y
É de fácil vericação que para todo x ∈ B tem-se que x ≤ 1, que 0 ≤ x
e que x ≤ y see x u y ∗ = 0, ou seja, 0 e 1 tornam-se ínmo e supremo de B
respectivamente.
Álgebras de Boole 123

Exemplo 5.4.1 Sejam X um conjunto qualquer e P(X) o conjunto potên-


cia de X . Então, tomando t, u, *, 0 e 1 respectivamente como ∪, ∩, 0
(complemento de um subconjunto de X relativo a X ), ∅ e X , então P(X) é
uma álgebra de Boole.

Exemplo 5.4.2 Seja hX, τ i um espaço topológico tal que x denota o fecho de
x ⊆ X e xo denota o interior de x. Um conjunto x ⊆ X é uma aberto regular
se x = (x)o (ou seja, x é um aberto `sem buracos'). Denotando por Ro(X) o
conjunto de todos os abertos regulares de X , denimos sobre este conjunto
as operações seguintes, para todos u e v em Ro(X): u t v =def (u ∪ v)o ,
u u v =def u ∩ v , u∗ =D X − u. Isto posto, consideramos ainda 0 =D ∅ e
1 =D X . Basta agora comprovar (exercício) que Ro(X) é uma álgebra de
Boole completa.

Exemplo 5.4.3 A álgebra de Boole 2 é denida do seguinte modo. O


domínio é o conjnto {0, 1}, u e t são denidas como x u y =def ínf{x, y}
e x t y =def máx{x, y} respcetivamente. Ademais, 0∗ = 1 e 1∗ = 0.

Exemplo 5.4.4 Exemplo importante de uma álgebra de Boole é dada na


axiomatização de W. Noll para a mecânica do contínuo.16 Noll toma um
conjunto Ω de `corpos' (físicos) e uma ordem parcial ≺ sobre Ω. Se a ≺ b,
diz-se que o corpo a é parte de b. Denindo então 0 como aquele corpo
que é parte de todo corpo e ∞ como o corpo do qual todo corpo é parte
(admitidos existirem), seja Ω = Ω ∪ {0, ∞}. Pondo a u b =def inf {a, b} e
a t b =def sup{a, b}, é fácil ver que a estrutura resultante é uma álgebra de
Boole. Aliás, os seis primeiros axiomas de Noll (na versão de Truesdell) são
precisamente aqueles que dotam o conjunto Ω de uma estrutura de álgebra
de Boole.

Exemplo 5.4.5 [O reticulado subjacente à Mecânica Clássica] Seja σ um


sistema físico (no domínio do discurso da Mecânica Clássica (MC)). Por
exemplo, σ pode ser uma partícula clássica. De acordo com o formalismo
matemático standard da MC, podemos associar a σ uma `representação
matemática', um espaço de fase Γ, que é identicado com o conjunto de
todas as sextuplas de números reais hx1 , . . . , x6 i, onde x1 , x2 e x3 são as
coordenadas de posição e x4 , x5 e x6 são as coordenadas de momento de σ .
16 Descrita no livro de Truesdell [Tru77, Cap. 1].
124 Apêndice A

Ademais, assume-se que qualquer elemento p ∈ Γ representa um estado puro


que σ pode assumir (os elementos de Γ são denominados `pontos').
Uma variável dinâmica (um observável ) Q que pode ser medida sobre σ é
representada por uma função Q de Γ no conjunto dos reais. O real associado
é interpretado como sendo o valor da medida do observável Q para σ em um
determinado estado puro. Uma proposição expressando o resultado de uma
medida do observável Q para σ num estado p ∈ Γ diz em qual subconjunto
X ⊆ Γ o objeto ponto p é encontrado com certeza.
Desse modo, a cada proposição associa-se um elemento de P(Γ), o con-
junto potência de Γ, que pode então ser visto como o sistema de todas as
propriedades possíveis dos estados puros de Γ. Ou seja, X ∈ P(Γ) representa
a extensão de uma proposição P que pode ser verdadeira ou falsa para cada
estado puro p ∈ Γ: P será verdadeira para p se p ∈ X , e falsa se p ∈
/ X , ou
seja, se p pertencer ao complemento de X relativo a Γ.

Observação: Nota-se aqui uma sutileza importante, que terá consequências


relevantes no contexto da física quântica. Trata-se a hipótese acima assum-
ida de que, a cada propriedade P , acha-se associado um conjunto X , dito
`extensão de P ', constituído por aqueles objetos do domínio que têm a pro-
priedade P ou que, como se diz usualmente, `caem' sob o conceito expresso
por P . Essa hipótese é conhecida por Princípio de Frege. Falaremos mais
sobre isso oportunamente, mas repare no pressuposto de se considerar `con-
juntos' como sendo as extensões dos predicados. A diculdade mencionada
relativamente à física quântica, vem do fato de que esta disciplina apresenta-
nos casos de predicados que não têm uma extensão bem denida. Dito de
modo breve: se conciderarmos o predicado ter spin UP na direção X (veja
abaixo, ond se fala mais sobre o spin), que pode ser aplicada a uma certa
coleção de elétrons, então podemos determinar experientalmente quantos são
os elétrons da coleção que têm tal propriedade, mas nunca quais são eles. As-
sim, a extensão do predicado não ca bem caracterizada. Tal assunto, no
entanto, foge aos objetivos desta Nota.

Feita a convenção acima de que as proposições acerca do estado de um


sistema mecânico clássico podem ser feitas por referência a um espaço de
fase Γ adequado no qual cada estado é representado por um `ponto' P . Uma
proposição expressando o resultado de uma medida estabelece em qual dos
subconjuntos S ⊆ Γ o ponto P pode ser encontrado. Assim, cada proposição
p que possa ser associada a uma medição experimental corresponde a um
Álgebras de Boole 125

subconjunto Sp de Γ e será verdadeira se o ponto P que representa o estado


a que p diz respeito está em Sp e falsa em caso contrário. A conjunção p u q
(ou a disjunção p t q ) de duas proposições p e q é verdadeira se pertence à
interseção Sp ∩ Sq (respectivamente, pertence à união Sp ∪ Sq ). Por outro
lado, o complemento p∗ simplesmente diz que p ∈ / Sp . Se sempre que p é
verdadeira q também é verdadeira, então Sp ⊆ Sq ; este fato é escrito p ≤ q
e diz-se que p implica q . É fácil ver que esta relação é uma ordem parcial;
assim, pode-se dizer que p e q são equivalentes, e escrever p = q se p ≤ q e
q ≤ p.
Isto posto, uma quantidade física é denida como sendo a coleção de todas
as proposições `experimentais' equivalentes (no sentido acima) a uma dada
proposição; em símbolos, [p] = {q : q = p}, para dada p.17 Então, a ordem
parcial acima permite denir uma orem parcial (como se pode provar) sobre
tais coleções, pondo [p] ≤ [q] see p ≤ q , o que mostra que as qualidades físicas
atribuíveis a um sistema físico (clássico) formam um sistema parcialmente
ordenado e, como vale a distributividade e as demais propriedades relevantes,
a conclusão de Birkho e von Neumann é que o cálculo proposicional da
mecânica clássica é uma álgebra de Boole. Para maiores detalhes, consultar
o livro de Jauch [Jau68] e [Jam74, loc. cit.].

Exemplo 5.4.6 [O reticulado subjacente à Mecânica Quântica] Daremos


aqui apenas idéias bastante gerais, seguindo um exemplo informal que fornece
argumentos para que se entenda porque a lógica subjacente à mecânica quân-
tica não seria clássica. Este argumento, no entanto, tem sofrido objeções
por parts dos físicos, como se pode vericar em [Pes99]. No entanto, essas
objeções não comprometem o que estamos descrevendo aqui, de forma que
acreditamos ser lícito mater o exemplo. Para detalhes mais precisos, ver as
obras citadas acima.
Em física, há certas grandezas que podem ser medidas. Um exemplo
é o spin de uma determinada partícula, digamos um elétron, que pode ser
avaliada segundo uma direção determinada. É um fato da física que o spin de
um elétron pode assumir apenas um dentres dois valores : 1/2 ou -1/2 (que
vamos denotar simplesmente por + e -). Consequentemente, chamando de
sxe o spin do elétron e na direção x, então obviamente, em virtude do que se
disse acima, sxe = + ∨ sxe = −. Outro fato aceito pala mecânica quântica é o
Princípio de Heisenberg (para spin), que asserta que o spin de uma partícula
17 Esta denição foi dada por Birkho e von Neuman; o aqui exposto segue [Jam74, p.
247].
126 Apêndice A

não pode ser medido simultaneamente em duas direções distintas. Suponha


agora que x e y sejam duas direções distintas e que obtivemos sye = +. Então,
podemos dizer que
sye = + ∧ (sxe = + ∨ sxe = −)

Mas então, usando a lógica proposicional (em especial, a Lei Distributiva


α ∧ (β ∨ γ) ↔ (α ∧ β) ∨ (α ∧ γ)), obtemos:

(sye = + ∧ sxe = +) ∨ (sye = + ∧ sxe = −).

No entanto, qualquer uma das espressões dessa disjunção ou é falsa ou


sem sentido, em virtude do que se disse acima. Em outras palavras, a Lei Dis-
tributiva, uma das mais fundamentais da lógica tradicional, falha no contexto
da mecânica quântica. Este fato foi o ponto de partida para uma das mais im-
portantes abordagens lógico-matemáticas que se fez à física feita neste século,
devida a J. von Neumamm e G. Birkho, na década de 30. Em resumo, eles
vericaram que o reticulado subjacente às proposições da mecânica quântica
não era uma Álgebra de Boole, como ocorre no caso da MC, em virtude da
falha da Lei Distributiva. Na verdade, a estrutura algébrica que se usa é o
que se denomina um reticulado modular ortocomplementado. Os detalhes
devem ser vistos nos livros acima mencionados.

5.5 Álgebra de Lindenbaum associada ao Cál-


culo Proposicional Clássico
Dito de modo geral, uma álgebra de Lindenbaum, ou de Lindenbaum-Tarski,
é um conjunto de classes de equivalência obtidas a partir de uma relação
de equivalência (desejável que seja ainda uma congruência) denida sobre o
conjunto de fórmulas de uma certa lógica. Veremos de que forma se obtém
a álgebra de Lindenbaum associada ao cálculo proposicional clássico.
Seja F o conjunto das fórmulas do cálculo proposicional clássico, o qual
denotaremos por L. Para fórmulas A e B em F , denimos a relação seguinte:

A ≡ B see ` A ↔ B

Exercício 5.5.1 Prove que ≡ é uma relação de equivalência sobre F .


Álgebra de Lindenbaum 127

Denotaremos as classes de equivalência obtidas como acima por [A], para


A ∈ F , de sorte que temos o conjunto quociente

F/≡ = {[A] : A ∈ F}

Denimos agora
[A] ≤ [B] see ` A → B

Exercício 5.5.2 Mostre que a denição de ≤ independe da escolha das fór-


mulas de F usadas para dení-la e que ≤ é uma relação de ordem parcial
sobre F .

Teorema 5.5.1 C = hF/≡ , ≤i é uma álgebra de Boole.

5.6 Digressão: Sobre a algebrização da lógica


O exemplo dado acima da álgebra de Lindenbaum associada ao cálculo
proposicional clássico mostra algo deveras importante. No estudo dos sis-
temas lógicos, aparece, de modo natural, uma grande variedade de estruturas
matemáticas, em particular de sistemas algébricos.18 O resultado acima evi-
dencia que, do ponto de vista álgébrico, o cálculo proposicional clássico nada
mais é do que uma álgebra de Boole. Se fossemos considerar a quanticação
(o que faremos no segundo volume), entrariam em cena estruturas como as
álgebras monádicas e poliádicas de Halmos [Hal62] e as álgebras cilíndricas
de Tarski.
A 'algebrização da lógica' não é fenômeno novo, tendo antecedentes em
Leibniz, De Morgan e, principalmente, George Boole (para detelhes históri-
cos, recomendamos [KneKne80]), mas foi durante o século XX que um novo
ramo da lógica, denominado de 'lógica algébrica', se consolidou. Em geral,
as estruturas algébricas que ocorrem na grande parte dos sistemas lógicos,
como o cálculo proposicional clássico, advêm de certas passagens ao quo-
ciente, como feito acima para se obter o conjunto F/≡ . Em linhas gerais,
tendo-se um sistema lógico, deve-se procurar uma relação de equivalência
adequada, compatível com as noções lógicas do sistema em consideração e,
18 Falando por alto, um sistema algébrico é constituído por conjuntos e por relações
e funções envolvendo esses conjuntos. Por exemplo, álgebras de Boole e reticulados são
sistemas algébricos. Outras estruturas, como as de espaço topológico, aparecem igualmente
relacionadas a sistemas dedutivos, mas não estenderemos este ponto aqui.
128 Apêndice A

por meio de uma adequada passagem ao quociente, obtém-se o sistema que


algebriza a lógica em estudo. Assim, por exemplo, pode-se mostrar que para
a lógica intuicionista de Brouwer-Heyting (ver o Apêndice C), obtém-se uma
estrutura que é denominada de 'álgebra de Heyting' (uma exposição intro-
dutória acha-se em [Mir87]).
Assim, passa-se a trabalhar de um ponto de vista segundo o qual o estudo
teórico das linguagens formais pode ser feita de um ponto de vista algébrico,
de forma que os conceitos lógicos adquirem uma signicação algébrica. Por
exemplo, uma teoria torna-se um ltro ; uma teoria consistente torna-se um
ltro próprio, e uma teoria completa torna-se um ultra-ltro.19 Resultados
sobre os sistemas lógicos adquirem uma versão algébrica; por exemplo, o
primeiro terema de incompletude de Gödel, na versão algébrica, diz haver
certos ltros próprios que não são ultra-ltros. Um livro clássico sobre lógica
algébrica é [Hal62]; modernos tratamentos de sistemas lógicos (incluindo não
clássicos) pode ser acompanhado em [Cig94].
No tocante aos sistemas não-clássicos, no entanto, nem sempre o método
acima de se achar uma relação de equivalência funciona adequadamente, pois
o sistema em estudo pode não apresentar uma relação de congruência signi-
cativa para tais propósitos, como sucede, por exemplo, com certos cálculos
paraconsistentes. Mesmo no escopo da lógica clássica, porém, a passagem
ao quociente pode não permitir um tratamento algébrico adequado de certos
conceitos lógicos, como ocorre com o conceito de tableaux de Smullyam e de
conjunto de Hintikka do cálculo proposicional clássico.
Em virtude disso, usam-se muitas vezes as chamadas pré-álgebras, por ex-
emplo quando: (a) não se tem ou não se conhece uma relação de congruência
adequada, (b) a passagem ao quociente 'esconde' fatos signicativos acerca
do sistema em apreço. No primeiro caso, surgem certas estruturas conhecidas
como álgebras de Curry, introduzidas pelo primeiro autor deste trabalho e,
no segundo caso, aparecem as pré-álgebras propriamente ditas.
A noção de álgebra de Curry foi introduzida para sistematizar uma teoria
geral da algebrização dos sistemas lógicos. adaptando-se adequadamente o
conceito, obtém-se casos particulares tais como o de matriz lógica, modelo
de Kripke e de estrutura da teoria usual de modelos, as quais não estão no
entanto diretamente vinculadas ao problema da algebrização.

19 Nãodaremos todas as denições dos conceitos utilizados aqui. O leitor pode encontrar
as denições pertinentes nos bons livros de álgebra.
Apêndice B
Indução e Recursão

5.7 Indução
Um tipo de construção muito útil em lógica e em matemática é aquela que nos
permite 'construir' um certo subconjunto de um dado conjunto X partindo
de um elemento qualquer de X (ou de alguns elementos) e, aplicando certas
operações, exprimir a idéia do "e assim por diante". O conjunto procurado
é o 'menor' conjunto que contém o(s) elemento(s) destacado(s) e é fechado
para as operações em questão. Qualquer elemento deste subconjunto será
um elemento de X que pode ser obtido a partir do(s) elemento(s) inicial(ais)
pela aplicação das operações em selecionadas um número nito de vezes.
Por simplicidade, consideremos um caso particular no qual há conjunto
inicial
B⊆X
e uma classe F de funções com pelo menos dois elementos f e g , sendo

f : X × X 7→ X e g : X 7→ X.

Sendo a, b ∈ B , o conjunto procurado, que vamos chamar de C , conterá por


exemplo

b, f (b, b), g(a), f (g(a), f (a, b)), 'e assim por diante '

Dizemos que S ⊆ X é indutivo se B ⊆ S e S é fechado para as operações


f e g . Seja C a interseção de todos os subconjuntos indutivos de X ; é fácil
ver que C é indutivo e que é o 'menor' conjunto indutivo, no sentido de estar
contido em todos os outros. Este C é dito gerado por B mediante f e g .
Vem então o seguinte

129
130 Apêndice B

Princípio de Indução Suponhamos que C seja gerado por B por meio


das funções em F . Se S é um subconjunto de C que inclui B e é fechado
relativamente às operações de F , então C = S .

Como obter este conunto C ? Um modo de gerar C a partir de B ⊆ X por


meio de funções em F é o seguinte. Chamamos de seqüência de formação
uma seqüência nita
hx0 , . . . , xn i
de elementos de X tais que, para cada i ≤ n,

xi ∈ B ou

xi = f (xj , xk ), com j, k < i ou

xi = g(xj ), com j < i.

Assim, C será o conjunto de todos os x que são o último elemento de uma


seqüência de formação. Para obtê-lo, basta consider Cn como o conjunto de
todos os x cujas seqüências têm comprimento n. Então vem que
[
C1 = B e C = Cn .
n

Um exemplo importante, que explica o próprio sentido da palavra 'in-


dução' (nita) em matemática é o seguinte.20 Suponha que X é o conjunto
dos números naturais, que chamaremos, como é usual, de N. Sejam ainda
B = {0} e f : N 7→ N a única função em F , dita 'função sucessor', denida
assim: para cada x ∈ N, f (x) = x+1. Deste modo, as seqüências hx0 , . . . , xn i
cam:

h0i

h0, 1i

h0, 1, 2i
20 A palavra 'nita' foi colocada aqui entre parênteses porque há outras formas de indução
distintas da que estamos considerando, como a indução transnita.
Indução 131

..
.
Então, sendo Cn como acima para n ∈ N, temos que o conjunto resultante
C é o próprio conjunto N, ou seja,
[
C= Cn = N.
n

Em outras palavras, N é o 'menor' conjunto indutivo gerado a partir do


zero (na verdade, a partir do conjunto cujo único elemento é o zero) por
meio da função sucessor. Em outras palavras, como C é o 'menor' conjunto
indutivo, então N é o 'menor' conjunto de números naturais que contém
o zero e o sucessor de cada um de seus elementos, ou, como expressamos
informalmente,
N = {0, 1, 2, . . .}.
Vejamos um outro exemplo utilzando aquilo que já aprendemos antes.
Aqui, X é o conjunto de todas as expressões da linguagem do Cálculo Proposi-
cional Clássico estudado anteriormente. Queremos caracterizar o conjunto
C de suas fórmulas. Para isso, vamos considerar um conjunto inicial B de
todas as variáveis proposicionais A, B, C, . . . (que, como você deve lembrar,
são fórmulas). Então, para F tomamos o conjunto cujos elementos são as
funções abaixo denidas, para α e β fórmulas quaisquer:

ξ¬ (α) = ¬α

ξ∧ (α, β) = α ∧ β

ξ∨ (α, β) = α ∨ β

ξ→ (α, β) = α → β

ξ↔ (α, β) = α ↔ β

Tomamos agora todas as seqüências nitas hx0 , . . . , xn i com x0 ∈ B (ou


seja, x0 é uma variável proposicional) e para cada xi restante, ou xi = ξ¬ (xj ),
com j < i ou xi = ξ∗ (xj , xk ), com j, k < i e ∗ ∈ {∧, ∨, →, ↔}. O conjunto
de todos os xn assim obtidos é precisamente o conjunto das fórmulas de
nosso cálculo. O Princípio da Indução vai dizer que esse conjunto é o menor
conjunto que contém todas as fórmulas.
132 Apêndice B

5.8 Recursão
Como anteriormente, são dados X e B ⊆ X , além de duas funções f e g como
acima (como acima, caremos restritos a este caso particular mais simples).
Seja C o conjunto gerado por B a partir de f e g . O problema agora é denir
uma função h sobre C qua aja resursivamente. Intuitivamente, isso funciona
do seguinte modo: supomos que seja dados

1. Regras para computar h(x), para cada x ∈ B

2. Regras para computar h(f (x, y)), fazendo uso de h(x) e de h(y)

3. Regras para computar h(g(x)), usando-se h(x).

Tomemos um exemplo. Seja B um conjunto qualquer de variáveis proposi-


cionais do nosso cálculo. Vimos que uma valoração é uma aplicação v : B 7→
2; como anteriormente, se v(P ) = 1, dizemos que P é verdadeira para a
valoração dada, e P será falsa se v(P ) = 0. Seja agora o conjunto C gerado
por B a partir das funções ξ¬ , ξ∧ , ξ∨ , ξ→ e ξ↔ acima.
Vamos agora denir, para cada valoração v , uma aplicação v 0 : C 7→ 2
como zemos na seção3.2, ou seja:

(a) Para cada P ∈ B , v 0 (P ) = v(P )

(b) v 0 (¬α) = (v 0 (α))∗ , onde x∗ denota o complemento de x na álgebra


de Boole 2

(c) v 0 ((α → β)) = (v 0 (α))∗ t v 0 (β), etc.

Como dito naquela oportunidade, a questão agora é provar que há uma


única v que preenche as condições acima. O que garante isso é o Teorema da
Recursão visto a seguir.

5.9 O Teorema da Recursão


Como deve ter cado claro acima, a idéia intuitiva da indução é a de, por
assim dizer, legitimar o `e assim por diante'. Ou seja, admita que iniciamos
com um certo elemento a (em algum conjunto X ) e, mediante alguma função
h denida sobre X , obtemos h(a), h(h(a)), `e assim por diante'. Ou seja,
O Teorema da Recursão 133

a função h, tomada reiteradamente, fornece algum modo de `passar de um


elemento de X para outro', e deste para outro ainda, e assim por diante.
A partir dessa função h denimos então uma outra função f : N → X
pondo f (0) = a, f (1) = h(a) = h(f (0)), f (2) = h(1) = h(f (1)), e (de
novo!!) assim por diante. A função f provê então a idéia de que formamos
uma sequência21 mediante os valores sucessivos da função h; o `e assim por
diante' seria justicado se conseguirmos explicar adequadamente o processo
de indução. O artifício da indução (i.e., a sua `descrição precisa') teria que
dizer que faz sentido haver uma função como a f acima, denível a partir de
uma tal h. Mas, será que há mesmo uma tal função? A garantia desse fato
vem do teorema abaixo.

Teorema 5.22 (Recursão) Seja P um sistema de Peano e X um conjunto


qualquer tal que a ∈ X . Ademais, seja h : X → X uma função. Então existe
uma única função f : N → X tal que:

f (0) = a
f (Sn) = h(f (n)), para todo n ∈ N

Demonstração: Uma função de N em X é um certo conjunto de pares ordena-


dos da forma hn, xi, com n ∈ N e x ∈ X . Chamemos de C a coleção de todos
os subconjuntos A de N × X para os quais h0, ai ∈ A e que hSn, h(x)i ∈ A
sempre que hn, xi ∈ A. Evidentemente esta coleção não é vazia, posto que ao
menos N × X tem estas propriedades. Seja f a interseção de todos os conjun-
tos desta coleção, a qual pertence a C , ou seja, tem também as propriedades
desejadas. Se mostrarmos que f é uma função, teremos obtido o que solicita
o teorema. Faremos a prova por indução, olhando-a do seguinte modo: o que
estamos tentando provar é que se hn, xi ∈ f e se hn, yi ∈ f , então x = y .
Ou seja, a `propriedade' (vamos designá-la `P ') de números naturais a ser
investigada ser uma propriedade de todos os números naturais é a seguinte:
para cada n ∈ N existe um único x tal que hn, xi ∈ f . Inicialmente veremos
que 0 tem esta propriedade. Já temos que h0, ai ∈ f por denição de f ; resta
provar que não há outro b 6= a tal que h0, bi ∈ f . Com efeito, se há um tal b,
podemos considerar o conjunto f −{h0, bi}, que ainda contém h0, ai e contém
hSn, h(x)i se contém hn, xi; con efeito, como para todo n tem-se que Sn 6= 0,
então h0, bi 6= hSn, h(n)i, ou seja, o elemento eliminado de f não é por certo
21 Uma sequência de elementos de um conjunto X nada mais é do que uma função de N
(o conjunto dos números naturais) em X .
134 Apêndice B

hSn, h(x)i. Consequentemente, o conjunto f − {h0, bi} pertence à coleção C


denida acima. mas então há um `menor' conjunto (a saber, f −{h0, bi}) que
pertence à coleção e tem as propriedades requeridas para f , e f não poderia
ser o `menor' deles (a interseção de todos os conjuntos da coleção C ). Logo
não pode haver tal b e portanto 0 tem a propriedade acima mencionada.
Suponhamos agora que n tem a propriedade P (hipótese de indução). Quer-
emos mostrar que Sn também tem a propriedade P . Para tanto, note que
a hipótese de indução indica que existe um único x ∈ X tal que hn, xi ∈ f .
Mas então (por denição de f ), temos que hSn, h(x)i ∈ f . Se fosse o caso
de Sn 6∈ f (isto é, se Sn não tem a propriedade P ), então hSn, yi ∈ f para
algum y 6= h(x). Formemos, em analogia como o que zemos acima, o con-
junto f − {hSn, y}, o qual contém h0, ai como elemento, posto que 0 6= Sn
para todo n e que conjunto diminuído contém hSm, h(t)i sempre que con-
tém hm, ti. Então, das duas uma: m = n ou m 6= n. No primeiro caso, o
conjunto diminuído contém hn, h(x)i posto que h(x0 6= y pela imposição que
zemos acima. Se por outro lado m 6= n, então como Sm 6= Sn (a função
sucessor é injetiva), vem que o conjunto diminuído contém hSm, h(t)i. Em
outras palavras, o `conjunto diminuído' acima pertenceria à família C e seria
`menor' que f , contra a hipótese. Logo, Sn tem que ter a propriedade P e f
é de fato uma função, como queríamos demonstrar.
Apêndice C
Uma visão geral de alguns
sistemas proposicionais

N este Apêndice, exibiremos alguns dos principais cálculos proposicionais,


alguns dos quais foram mencionados no corpo do livro. Em especial, falare-
mos um pouco sobre a lógica intuicionista, que acima desempenhou um papel
secundário porém relevante na formulação dos cálculos que apresentamos.
Nos sistemas fundamentados na lógica clássica, como por exemplo aqueles
típicos da matemática padrão, um dos procedimentos de prova mais comuns
é a redução ao absurdo. Assim, por exemplo para provarmos que existe um
certo objeto matemático (digamos, um número real) satisfazendo uma certa
propriedade, podemos (à luz da lógica clássica) raciocinar 'indiretamente'
do seguinte modo: assumimos que não há tal número (ou seja, admitimos a
negação daquilo que desejamos demonstrar) e mostramos (usando o aparato
dedutivo da lógica subjacente à teoria que estamos considerando) que esta
hipótese conduz a uma contradição. Isso posto, podemos inferir por redução
ao absurdo que a nossa proposição original é verdadeira.
Para o matemático holandês L. E. J. Brouwer, o pai do intuicionismo,
este procedimento seria insensato, pois admite que a totalidade dos números
(de acordo com o nosso exemplo) já esteja constituída de alguma forma,
deste modo pressupondo uma espécie de platonismo.22 Para Brouwer, não
se pode assumir a totalidade dos números, ou seja, uma coleção innita
como algo acabado (innito 'atual'); para provar que há um certo número
satisfazendo uma dada propriedade, devemos ser capazes de exibir alguma
forma de construção mental que nos permita obter este número. Grosso
22 O leitor interessado em mais detalhes sobre esses temas pode consultar [BenPut96].

135
136 Apêndice C

modo, para Brouwer 'existir' em matemática signica 'ser construído pela


mente humana'. Assim, a noção de conjunto innito (como uma totalidade
acabada) seria ilusória; totalidades innitas só existiriam em potência (in-
nito 'potencial').
Para o matemático holandês, temos a intuição do número 1, como quando
armamos que há um objeto assim e assim, e igualmente do que seja 2,
quando repetimos a nossa intuição básica do um, etc.. Deste modo, pode-
mos construir quantos objetos quisermos, mas nunca uma totalidade innita.
Para Brouwer, se não aceitarmos isso, caímos no domínio da metafísica, es-
tando portanto fora da ciência propriamente dita. Na matemática clássica,
no entanto, isso não é assim.
Consideremos um exemplo curioso. Admita a seguinte armação: Ex-
istem números irracionais a e b tais que ab é racional.√ Sabemos que todo
número real é racional ou irracional. Tomemos a √ = b = 2. Ora, pelo princí-
√ 2
pio do terceiro excluído (α ∨ ¬α, lembremos) 2 é racional ou é irracional
(não-racional). Se for racional, a armação ca demonstrada, e os números
√ √ √2
são exatamente
√ iguais a 2. Se for irracional, façamos então a = 2
e b = 2. Assim, obviamente b
a = 2 que é racional, e então os números
√ √2 √
procurados são a = 2 e b = 2, ambos irracionais.
De acordo com a matemática clássica, fundada na lógica clássica, não há
qualquer problema com essa prova, ainda que nunca venhamos a saber se
√ √2
2 é ou não racional. Para um intuicionista como Brouwer, uma prova
desse tipo não é aceitável. Para ele, algo é falso se a suposição de sua ex-
istência (ou seja, de que há uma construção mental que permita obter o
dito objeto) leva a um absurdo. Assim, sustentava, a lógica clássica tem
suposições erradas, como a admissibilidade do princípio do terceiro excluído.
Os princípios clássicos, erigidos para se tratar de totalidades nitas, con-
duziriam a erros quando usados com totalidades innitas. Para Brouwer,
a matemática é uma ciência radical; se falamos que para basear o cálculo
proposicional clássico podemos usar dois conectivos (como zemos), isso pres-
supõe a aritmética, em particular o número dois. A matemática, assim, não
pode estar baseada em nada mais fundamental, em especial em nenhuma lóg-
ica. O próprio estabelecimento de uma linguagem, nos moldes como zemos
no texto, pressupõe a matemática, de acordo com o matemático holandês.
Para ele, somente a intuição poderia justicar as passagens que realizamos
em matemática. Há algumas leis que vericamos serem lícitas, como por
Sistemas Proposicionais 137

exemplo a seguinte: se provamos (por meio de uma construção mental) α


e provamos β , então provamos α ∧ β . As demais regras básicas (ainda que
não todas) são obtidas deste modo. Ou seja, a lógica seria um produto sub-
sidiário da atividade matemática, enquanto que a linguagem seria algo como
que o estudo de certos invariantes lingüísticos, igualmente pressupondo a
matemática, assim como toda atividade intelectual. A matemática, em espe-
cial a aritmética, seria a única atividade que não pressuporia qualquer outra:
seria autosuciente.
Para edicar a matemática, Brouwer parte da intuição que temos do
número 1. Posso repetir a operação mental de criação da unidade (um ob-
jeto) e obter o número 2, mas não posso construir deste modo todo o conjunto
dos números naturais. Para ele, 'conjunto' é apenas uma façon de parler,
chegando a substituir o conceito por algo como a noção de espécie.23 Falamos
de conjuntos innitos, mas na verdade isso não existe (não há processo men-
tal que permita construí-los temporalmente). A partir dos números naturais,
procede então para os inteiros, os racionais e assim por diante, de um modo
similar ao que se faz na matemática clássica (veja [Dev93]), chegando in-
clusive àquilo que chama de números reais. A matemática intuicionista, no
entanto, tem propriedades interessantes; por exemplo, toda função de reais
(a la Brouwer) em reais é contínua, o que não se dá com as funções reais de
variável real 'clássicas'. No entanto, não prosseguiremos com a matemática
intuiocionista aqui (ver [BenPut96]).
O que nos interessa é que, para os intuicionistas, uma proposição não é
algo que seja verdadeira ou falsa, mas uma suposição que pode ou não ser
provada ou refutada por uma construção mental. Se α, β , . . . são suposições,
então α ∧ β é uma suposição que é verdadeira se e somente se ambas forem
verdadeiras (na acepção de Brouwer, ou seja, algo como 'construtivamente
verdadeira'). O mesmo vai se dar para α ∨ β , α → β , α ↔ β e ¬α. Se α
é verdadeira nesta acepção, vamos escrever Cα , o 0 C 0 vindo de 'construtivo'.
Assim, Cα→β se, tendo-se Cα , pode-se obter Cβ , ao passo que C¬α se Cα
conduz a um absurdo (algo como Cβ∧¬β ).
Assim, a redução ao absurdo não pode ser usada, pois admita que a
hipótese H implica a tese T (H → T ) e que queremos provar isso. Pelo
método usual, acrescentamos à hipótese H a negação de T , mostrando que

23 O leitor deve atentar para o caráter de resumo do que estamos armando. A losoa
do intuicionismo é por demais complexa para ser explanada em espaço tão restrito; assim,
algumas imprecisões de nossa parte devem ser toleradas pelo leitor criterioso.
138 Apêndice C

H, ¬T ` β ∧ ¬β (implica uma contradição). Assim, como vimos, por redução


ao absurdo, obtemos H → T . Para os intuicionistas, juntar ¬T a H é um
absurdo, uma conguração impossível.
Em 1925, A. Kolmogorov axiomatizou parte do que seria a lógica do
intuicionismo de Brouwer, procurando a rejeição das provas indiretas. Para
vindicar essa idéia, era preciso rejeitar princípios que valem na lógica clássica,
como as leis da dupla negação (α ↔ ¬¬α) e do terceiro excluído (α ∨ ¬α).
A lógica intuicionista (ao nível do cálculo de predicados de primeira ordem),
foi axiomatizada pela primeira vez por Heyting na década de 1930, contrar-
iando Brouwer, o criador do intuicionismo, para quem como vimos a lógica
é posterior à matemática (mas depois a lógica de Heyting foi aceita por ele).
Posteriormente, I. Johansson tratou do cálculo elaborado por Kolmogorov,
denindo de vez a lógica que cou, desde então, conhecida como lógica intu-
icionista minimal.
Ainda que não estejamos fazendo uma apanhado detalhado, podemos ter
uma idéia dessas lógicas considerando os seguintes esquemas e regras, que
podem ser devidamente formalizados em adequados sistemas formais S no
sentido dos capítulos anteriores. Os diferentes cálculos originar-se-ão a partir
de quais esquemas e regras adotarmos como postulados.

1. α → (β → α)

2. (α → β) → ((α → (β → γ)) → (α → γ))

Até aqui, acrescentando-se (MP), tem-se a Lógica Proposicional Im-


plicativa Intuicionista

3. α ∧ β → α

4. α ∧ β → β

5. α → (β → α ∧ β)

6. α → (α ∨ β)

7. β → (α ∨ β)

8. (α → γ) → ((β → γ) → (α ∨ β → γ))

Até aqui, acrescentando-se (MP), tem-se a Lógica Proposicional Pos-


itiva Intuicionista
Sistemas Proposicionais 139

9. (α → β) → ((α → ¬β) → ¬α)

Até aqui, com (MP), tem-se a Lógica Proposicional Intuicionista


Minimal, ou lógica de Kolmogorov-Johansonn. O postulado 9 chama-
se Redução ao Absurdo Intuicionista.

10. α → (¬α → β), ou α ∧ ¬α → β

De 1 a 10, mais (MP), tem-se a Lógica Proposicional Intuicionista


de Brouwer-Heyting.

11. α ∨ ¬α

(MP) α, α → β β

Os postulados 1 a 11, mais (MP), caracterizam a Lógica Proposi-


cional Clássica.

5.10 A lógica intuicionista e a física atual


Cabe aqui um comentário que certamente vai chamar a atenção do leitor.
Boa parte da física de hoje anda à procura de uma teoria unicadora, que
possa tratar conjuntamente de duas teorias fundamentais, porém incom-
patíveis: a física quântica e a relatividade geral. Uma das mais recentes
propostsa neste sentido é denominada de 'gravitação quântica em loop '. O
tema é por demais complexo para ser exposto aqui, mas pode-se falar de uma
de suas caracterpisticas mais interessantes para o tema deste livro. Fotini
Markopoulou-Kalamara, uma das pesquisadoras mais proeminentes na área,
usou em seus trabalhos uma teoria matemática denominada de teoria de cat-
egorias, e mostrou que os observáveis que considera satisfazem uma estrutura
matemática que se denomina de topos. O interessante é que a 'lógica interna'
a um topos é a uma álgebra de Heyting e não uma álgebra de Boole. Em out-
ras palavras, e simplicando o assunto, isso quer dizer que, estando ela certa,
a 'lógica interna' ao universo físico (o cone de luz) é a lógica intuicionista, e
não a lógica clássica. As álgebras de Heyting constituem a 'versão algébrica'
da lógica de Brouwer-Heyting que mencionamos acima, do mesmo modo que
a álgebra de Boole expressa a contraparte algébrica da lógica proposicional
clássica [Mir87]. Esses resultados são, como dissemos, ainda muito novos
140 Bibliograa

mas, se forem sedimentados, trarão perspectivas interessantes também para


a losoa da ciência.
Isso mostra que as lógicas não-clássicas, em especial a lógica intuicionista,
aparecem de modo essencial nos fundamentos da física cosmológica moderna.
Sugerimos ao leitor curioso alguns textos introdutórios como a revista Sci-
entic American Brasil de Fevereiro de 2004, que contém um artigo de Lee
Smolim, outro dos mais importantes cientistas que trabalham com a gravi-
tação quântica em loop, bem como o livro de divulgação deste mesmo autor,
Três Caminhos para a Gravitação Quântica (Editora Rocco, 2002), espe-
cialmente o capítulo 2. Para um trabalho mais técnico de Kalamara, ver
[Kal98]; outras informações sobre ela e seus trabalhos podem ser facilmente
encontrados pela Internet.
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