De que maneira as novas tecnologias transformam a relação entre produção e consumo de filmes,
músicas e histórias? Até que ponto os pesquisadores da mídia devem repensar a relação do
público com a cultura pop para dar conta das práticas surgidas no meio digital? O pesquisador
americano Henry Jenkins, da Universidade da Carolina do Sul, tem se dedicado, nas últimas
décadas, a pensar essas questões. E são estas e outras questões que envolvem o tema
do Seminário Internacional Regiões Narrativas, que acontece nos dias 24 e 25 de agosto no
Rio de Janeiro, com o apoio do Globo Universidade. Em virtude da proximidade entre os temas,
o Globo Universidade republica entrevista com Henry Jenkins concebida pelo pesquisador
durante o V Seminário Internacional Obitel, realizado em agosto de 2010.
Em entrevista, Henry Jenkins discute os conflitos decorrentes das novas relações criativas
(Foto: Renato Velasco)
Globo Universidade - Em seu site, você recorda que, ao entrar na pós-graduação, sua
primeira impressão foi de que a abordagem usual da cultura pop diferia muito da sua
experiência pessoal como fã de filmes e séries. Quando encontrou um caminho para afinal
estudar o que amava?
Henry Jenkins - Duas coisas me levaram à pós-graduação: ser um cinéfilo e um fã da mídia.
Ambos moldaram minha paixão. Mas, quando cheguei lá, a primeira experiência que tive de
estudos de cinema era baseada em muita hostilidade em relação à cultura pop. Acreditava-se num
controle do sentido a partir do topo, uma visão quase conspiratória sobre a dominação dos
espectadores pela indústria. Fiquei muito frustrado com isso, a ponto de quase desistir do curso,
até que conheci John Fiske [pesquisador e acadêmico especialista em cultura pop]. Ele tinha
acabado de chegar da Austrália, estava no pico de sua carreira e levava a sério tanto os textos
quanto o público. Ele pensava esta área como um conjunto de recursos por meio dos quais damos
sentido a nossas vidas e ao mundo, e entendia o papel criativo do público na reação àquilo que
ele consumia. Nas aulas de Fiske, fui introduzido a essas abordagens e encorajado a explorar
meu interesse. Ele foi a figura chave que abriu caminho para meu trabalho e para toda uma
geração de pesquisadores nos EUA.
GU - Como era, na época, a situação das linhas de pesquisa associadas aos Estudos
Culturais nos EUA?
HJ - Bem, adoraria contar uma história de luta e superação, mas a verdade é que tive um enorme
apoio da Universidade de Iowa e da Universidade de Winsconsin. Eram centros que queriam
explorar novos métodos. Tive sorte de Fiske vir aos EUA no momento em que os Estudos
Culturais estavam decolando globalmente como forma de pensar a mídia. E tive sorte também de
ser contratado pelo departamento de Literatura do Massachusetts Institute of Technology (MIT)
para dar aulas. Embora às vezes sentisse hostilidade de colegas, institucionalmente recebi um
apoio sólido para desenvolver meu trabalho.
GU - Suas pesquisas nessa época sobre comunidades online foram seu primeiro
contato com a produção dos fãs da cultura pop?
HJ - Eu vinha lendo ficção de fãs (fan fiction) dez anos antes de começar minha pós-
graduação. Os zines eram parte do meu mundo, o que moldou muito meu pensamento
sobre o público da cultura pop. Essas eram pessoas que não apenas estavam
engajadas criticamente com o que consumiam, mas que estavam ativamente
reescrevendo e tomando para si esses textos. Eu procurava uma linguagem teórica
que me permitisse falar sobre isso. Quando mudei para o digital, foram as listas de
discussão de programas de TV que me interessaram. O primeiro artigo que escrevi
sobre fãs digitais foi a respeito de Twin Peaks e as especulações sobre quem matara
Laura Palmer. Os antigos zines eram feitos a partir das contribuições enviadas por
cartas. Nessa época, o processo todo levava três ou quatro meses para ser concluído.
Era possível ler criações feitas a partir de episódios exibidos meses antes. Nas
comunidades online, as reações vêm cinco minutos após o fim do episódio, se tanto.