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ENSAIOS BIBLIOGRÁFICOS

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 301-318 OUT. 2009

HISTÓRIA INTELECTUAL E TEORIA POLÍTICA

Ricardo Silva

RESUMO

O ensaio procura apresentar e analisar três empreendimentos teóricos, no campo da História Intelectual,
que vêm contribuindo para alimentar os prospectos de uma Teoria Política historicamente informada.
Independentemente de Koselleck, Skinner e Bevir discordarem quanto ao objeto específico da História
Intelectual (conceitos, atos lingüísticos e crenças expressas, respectivamente), depreende-se das formula-
ções dos três autores subsídios para a formulação de um tipo de teorização política mais sensível à
temporalidade e à contingência da vida política.
PALAVRAS-CHAVE: História dos Conceitos; contextualismo lingüístico; novo intencionalismo; Reinhart
Koselleck; Quentin Skinner; Mark Bevir.

BEVIR, Mark. 2008. A lógica da História das Idéias. Bauru : USC.

KOSELLECK, Reinhart. 2006. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. São Pau-
lo : Contraponto.
SKINNER, Quentin. 2005. Visões da política : sobre os métodos históricos. Algés : Difel.

I. INTRODUÇÃO de um momento em que os teóricos pareciam con-


vencidos do contrário. Nas décadas que se segui-
Nos últimos anos, vem-se observando uma
ram ao segundo pós-guerra, o lugar do conheci-
revitalização de estilos de teorização política in-
mento do passado das idéias políticas para a ela-
formados pelo conhecimento histórico. As abor-
boração da Teoria Política contemporânea encon-
dagens historicistas da Teoria Política vêm-se apre-
trava-se sob dupla ameaça: a primeira era prove-
sentando como alternativas à polarização entre as
niente do campo acadêmico da Ciência Política; a
modalidades de teorização de natureza estritamente
segunda, do campo acadêmico da historiografia.
instrumental, em que a teoria desempenha o papel
subordinado de simples meio para o balizamento No campo da Ciência Política, já no começo
de pesquisas empíricas, e as modalidades estrita- da década de 1950 expoentes da “revolução
mente filosófico-normativas, em que a teoria des- behaviorista” passaram a lamentar o fato de que a
tina-se à afirmação de modelos ideais de socieda- Teoria Política então praticada encontrava-se
de e de ordens jurídico-políticas. complemente desarmada para impulsionar a evo-
lução do conhecimento empírico da política. Con-
Uma característica central das vertentes
forme David Easton, um dos principais protago-
historicistas da Teoria Política reside na ênfase
nistas do movimento comportamentalista, o modo
dada à História Intelectual, especialmente à histó-
como então se formulava a Teoria Política teria
ria do pensamento político, como o insumo bási-
ajudado “a desviar a atenção e as energias dos
co da produção teórica. O estudo de crenças, con-
teóricos políticos da tarefa de construir uma teo-
ceitos, discursos, ideologias ou ações lingüísticas
ria sistemática sobre o comportamento político e
do passado é o que geralmente está em foco no
a operação das instituições políticas” (EASTON,
trabalho de especialistas interessados em salientar
1951, p. 37). Tal “empobrecimento” da Teoria Po-
a natureza histórica da Teoria Política.
lítica seria decorrente da predominância da “abor-
Os atuais esforços de justificação da dagem histórica”, que orientava os esforços dos
indispensabilidade do conhecimento histórico para teóricos para o exame e o reexame das obras dos
a teorização política são produtos da superação autores clássicos, inibindo assim uma preocupa-

Recebido em 16 de julho de 2009.


Aprovado em 30 de julho de 2009.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 34, p. 301-318, out. 2009
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ção mais voltada para os problemas empíricos do As recentes publicações em língua portuguesa
presente. Esse tipo de historicismo, com seu an- dos principais estudos teóricos e metodológicos
seio de indicar como “a desejada ordem social de Quentin Skinner e Reinhart Koselleck devem
deveria ser organizada” (idem, p. 38), nada acres- contribuir para a difusão dos debates acerca das
centaria ao nosso conhecimento do que o mundo abordagens historicistas da Teoria Política nas
da política é de fato. comunidades acadêmicas lusófonas. Ao longo das
últimas três ou quatro décadas, Skinner e
No âmbito da atividade historiográfica, a ame-
Koselleck vêm-se consolidando como os mais in-
aça materializava-se nos prospectos de uma com-
fluentes autores a estimularem essa inflexão
pleta absorção da História Intelectual no campo
historicista na Teoria Política. Ao lado das edições
mais vasto da História Social. No começo dos anos
dos estudos desses dois clássicos contemporâne-
1970, o historiador das idéias Felix Gilbert pro-
os, é também oportuna a publicação em portugu-
testava contra a então difundida assertiva de que
ês do livro do filósofo e politólogo inglês Mark
“somente a História Social é verdadeira história”
Bevir, um dos principais autores da geração mais
(GILBERT, 1971, p. 94). Havia razões para tal
recente de teóricos historicistas da política. Os
protesto. No final da mesma década, Robert
livros dos três autores (SKINNER, 2005;
Darnton (1980) realizou uma survey sobre a evo-
KOSELLECK, 2006; BEVIR, 2008) oferecem uma
lução comparada da produção de livros, artigos,
valiosa oportunidade para um apanhado dos prin-
cursos e dissertações em História Intelectual e
cipais temas suscitados no âmbito dos esforços
História Social nos Estados Unidos. A pesquisa,
de historicização da Teoria Social e Política.
abrangendo dados de três décadas (1948-1978),
confirmava os receios de muitos historiadores das Koselleck, Skinner e Bevir compartilham de
idéias, revelando uma impressionante explosão da vários pontos de vista. Os três desenvolvem suas
produção no campo da História Social, a qual du- teorias da história sob a influência do movimento
plicou de volume entre 1968 e 1978. Por outro intelectual mais amplo da “virada lingüística” nas
lado, no mesmo período, a participação da produ- Ciências Humanas. Os três rejeitam o
ção em História Intelectual permaneceu pratica- epifenomenalismo, que considera o universo da
mente estagnada no conjunto da atividade linguagem como mero reflexo, mais ou menos
historiográfica. direto, da realidade material. Além disso, os auto-
res têm em comum o interesse em problemas te-
Como uma espécie de reação a essa dupla
óricos e metodológicos da história do pensamen-
ameaça, os primeiros sinais de revitalização do in-
to social e político. Suas formulações põem em
teresse na História Intelectual e no estilo de
destaque os efeitos do tempo e a presença da con-
teorização política a ela associado começaram a
tingência na constituição e na transformação dos
esboçar-se já em meados da década de 1960, quan-
conceitos políticos. Cada um a seu modo, os três
do importantes programas de pesquisa emergiram
oferecem elementos para a compreensão da Teo-
em diferentes contextos nacionais. Particularmente
ria Política como uma arena de disputas em torno
relevantes no tocante ao papel da História Intelec-
do significado de crenças, conceitos e ações lin-
tual na crítica e na reformulação da Teoria Políti-
güísticas.
ca foram as abordagens desenvolvidas a partir das
tradições historiográficas inglesa e alemã. Na In- Mas as diferenças entre suas abordagens tam-
glaterra, a chamada Escola de Cambridge de his- bém são instrutivas. Enquanto Koselleck, com sua
tória do pensamento político, com Quentin Skinner Begriffsgeschichte, focaliza o conteúdo semânti-
e John Pocock à frente, passou a propugnar o co dos conceitos sociais e políticos, a metodologia
estudo das idéias políticas mediante a aplicação contextualista de Skinner concentra-se no estudo
de uma rigorosa metodologia contextualista base- da dimensão pragmática do discurso político. Para
ada no pressuposto da irredutibilidade do contex- Skinner, os conceitos só adquirem significado his-
to lingüístico ao contexto social. Na Alemanha, tórico quando são compreendidos como atos
assistia-se ao aperfeiçoamento da tradição da his- lingüísticos. Mark Bevir, por seu turno, argumen-
tória dos conceitos (Begriffsgeschichte), ta que o objeto por excelência da História das Idéias
consubstanciada no imenso esforço de Reinhart são as crenças expressas por agentes no passado,
Koselleck e seus colaboradores. sejam tais crenças sinceras, conscientes e racio-

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nais, sejam elas crenças distorcidas pela impostu- uma abordagem teórica para a investigação do tem-
ra, pela pressão do inconsciente e/ou pela po histórico decorre do fato de que “os testemu-
irracionalidade. Esses três caminhos para a defi- nhos da tradição e do passado têm-se mostrado
nição do objeto da História Intelectual são justifi- insuficientes” (idem, p. 11).
cáveis, embora a eficácia de cada um deles de-
De modo a demonstrar sua hipótese para o
penda muito mais dos interesses do historiador
surgimento do tempo histórico, Koselleck empre-
do que de qualquer indisputável superioridade de
ga uma metodologia centrada na investigação da
uma das perspectivas sobre as demais.
semântica dos conceitos que “plasmaram a expe-
II. KOSELLECK E A HISTÓRIA DOS CONCEI- riência histórica do tempo” (idem, p. 16). Con-
TOS ceitos como os de “revolução”, “modernidade”,
“progresso”, “prognóstico” e o próprio conceito
Os ensaios reunidos por Reinhart Koselleck em
de “história” são minuciosamente examinados.
Futuro passado foram originalmente publicados
Mas o livro também apresenta breves e densas
separadamente de meados dos anos 1960 a mea-
incursões na história de conceitos de movimento
dos da década seguinte. A publicação da coletânea
do campo político-constitucional, tais como
ocorreu, na Alemanha, em 1979, quando já estava
“republicanismo” e “democracia”. Para isso, o
em pleno andamento o projeto editorial de maior
autor lança mão das mais variadas fontes, desde
envergadura vinculado à perspectiva da história
que estas ofereçam “testemunhos das relações
dos conceitos. Koselleck – em companhia de Otto
entre determinado passado e determinado futu-
Brunner e Werner Conze – coordenou a empreita-
ro”. Assim, são investigados textos filosóficos,
da coletiva que procurava mapear os conceitos
políticos, teológicos, poéticos, “mas também
fundamentais empregados na linguagem social e
manuscritos de autoria desconhecida, provérbios
política na Alemanha de 1750 a 1850, período de
e enciclopédias, quadros e sonhos” (idem, p. 15).
intensos conflitos e transformações, que Koselleck
A diversidade das fontes encontra paralelo na
denominou de Sattelzeit. O projeto cristalizou-se
amplitude das épocas históricas mencionadas, que
em um imenso dicionário, publicado entre 1972 e
trazem exemplos que vão desde a Antigüidade Clás-
1997, com nove volumes (dois somente com ín-
sica até o período do III Reich. Não obstante,
dices) e mais de uma centena de entradas. À dife-
Koselleck concentra o principal de sua atenção no
rença da maioria dos dicionários, o Geschichtliche
período que vai da Revolução Francesa a meados
Grundbegriffe: Historisches Lexikon der politisch-
do século XIX, justamente por julgar que foi nes-
sozialen Sprache in Deutschland faz de seus ver-
se período que se desenrolou o processo de con-
betes motivos de extensas monografias, com mais
solidação da modernidade e do tempo histórico.
de 50 páginas em média, algumas ultrapassando
as 100 páginas. Conforme observou Koselleck no No ensaio em que Koselleck trata da mudança
prefácio de Futuro passado, “a maior parte dos semântica experimentada pelo conceito de “histó-
ensaios foi concebida em estreita associação com ria”, tem-se um dos mais acabados exemplos da
o planejamento e a elaboração do dicionário” aplicação do método da história dos conceitos a
(KOSELLECK, 2006, p. 18). Os ensaios conti- serviço da demonstração das teses substantivas
dos no livro exploram as dimensões teórica e mais importantes do autor. Registra-se aí o pro-
metodológica da prática historiográfica cesso de temporalização do conceito de história,
consubstanciada na feitura do dicionário. evidenciando-se a profunda alteração do signifi-
cado semântico desse conceito, decorrente da dis-
O objetivo central de Koselleck é o exame do
solução do antigo topos da história magistra vitæ1
processo de constituição do “tempo histórico”,
e da concomitante afirmação da concepção mo-
um produto da modernidade ocidental. Sua hipó-
derna de história. As histórias de casos particula-
tese é a de que o tempo histórico surge “no pro-
res, exemplares para a orientação da conduta moral
cesso de determinação da distinção entre passado
dos homens, deram lugar, no Iluminismo, após
e futuro, ou, usando-se a terminologia antropoló-
longo processo de questionamento, à concepção
gica, entre experiência e expectativa” (idem, p.
da história em movimento, à “história em si”. O
16). O autor reconhece a dificuldade de alcançar
uma compreensão adequada do tempo histórico
no campo da historiografia. Daí a necessidade de
lançar-se mão da teoria da história. O recurso a 1 “Mestra da vida”, em latim (nota do revisor).

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abandono do vocábulo Historie em favor do ter- até então” (idem, p. 314). Ao lado do conceito de
mo Geschichte marca, na língua alemã, a consci- Geschichte (a “história em si”), também é
ência da temporalização do conceito de história. A emblemático desta nova situação o conceito de
carga semântica do termo Geschichte é bem mai- “progresso”, que passa a reunir “experiências e
or que a do termo Historie, uma vez que este últi- expectativas afetadas por um coeficiente de vari-
mo refere-se apenas à dimensão do relato, da nar- ação temporal. Um grupo, um país, uma classe
rativa do acontecimento. Geschichte, por seu tur- social tinham consciência de estar à frente dos
no, refere-se não apenas ao relato do aconteci- outros ou então procuravam alcançar os outros
mento, como também e principalmente ao “acon- ou ultrapassá-los” (idem, p. 317).
tecimento em si”. A história deixa de ser compre-
A temporalização da experiência e o surgimento
endida como o acúmulo de relatos de experiênci-
do tempo histórico explicam não apenas a emer-
as idiossincráticas para ser compreendida como
gência da percepção da temporalidade dos con-
uma história universal, processo único que a to-
ceitos sociais e políticos, mas também o fenôme-
dos submete.
no da politização desses conceitos. Isso se obser-
As investigações conduzidas por Koselleck em va mais claramente na expressão lingüística dos
Futuro passado acerca da história de conceitos conceitos constitucionais, que “revela uma sepa-
específicos organizam-se mediante o recurso a ração consciente entre espaço de experiência e
duas categorias centrais da teoria da história: o horizonte de expectativa” (idem, p. 324). Um caso
“espaço de experiência” e o “horizonte de expec- exemplar é o surgimento do conceito de
tativas”. No último capítulo do livro, o autor dedi- “republicanismo”, que passou a emprestar um
ca-se à apresentação dessas duas categorias for- sentido de futuro à antiga expressão res publica.
mais da compreensão histórica, que representam Termo cunhado por Kant, o republicanismo “in-
uma espécie de pré-condição para todo conheci- dicava o princípio do movimento histórico e
mento histórico. A relação entre experiência e ex- impulsioná-lo era um mandamento da ação políti-
pectativa remete-nos à relação entre passado e ca”. Desse modo, o republicanismo “foi um con-
futuro. Para Koselleck, “experiência e expectati- ceito de movimento, que no espaço da ação polí-
va são duas categorias adequadas para nos ocu- tica permitiu realizar aquilo que o ‘progresso’ pro-
parmos com o tempo histórico, pois elas entrela- meteu cumprir na história como um todo” (idem,
çam passado e futuro. São adequadas também para p. 325).
se tentar descobrir o tempo histórico, pois,
A tese de Koselleck sobre a politização dos
enriquecidas em seu conteúdo, elas dirigem as
conceitos atravessa todo o livro, mas é no capítu-
ações concretas do movimento social e político”
lo 10 (“A semântica histórico-política dos concei-
(idem, p. 308). Se a experiência é o “passado atu-
tos antitéticos assimétricos”) que ela fica mais
al”, a expectativa é o “futuro presente” (idem, p.
explícita. O autor estuda aí a eficácia histórico-
310).
política de pares conceituais caracterizados pela
Uma das características mais marcantes da oposição e pela assimetria. São estudadas por
modernidade consiste justamente na progressiva Koselleck oposições como “helenos e bárbaros”,
separação entre o espaço de experiência e o hori- “cristãos e pagãos”, “homem e não-homem” ou
zonte de expectativa. De modo radicalmente dis- mesmo “super-homem e sub-homem”. Confor-
tinto das épocas anteriores, produz-se uma me resume o autor: “O que caracteriza os concei-
assimetria da qual resultam os “conceitos de mo- tos antitéticos desiguais é que eles determinam uma
vimento” que caracterizam a linguagem social e posição seguindo critérios tais que a posição
política moderna. As rápidas transformações téc- adversária, deles resultante, só pode ser recusa-
nicas e industriais conduzem a uma inédita acele- da” (idem, p. 195). Vê-se aqui mais do que um
ração do tempo. A distância entre experiências simples eco da oposição amigo-inimigo evocada
sucessivas comprime-se cada vez mais e o hori- por Carl Schmitt, pensador que, ao lado de
zonte de expectativa torna-se aberto, embora sus- Heidegger e Gadamer, representou uma das mais
cetível de controle e planejamento. Para o fortes influências na formação intelectual de
historiógrafo alemão, “só se pode conceber a Koselleck. Este julgava que a oposição elaborada
modernidade como um tempo novo a partir do por Schmitt estaria um passo adiante das oposi-
momento em que as expectativas passam a dis- ções assimétricas anteriores, uma vez que nela per-
tanciar-se cada vez mais das experiências feitas manece visível tão-somente a “estrutura básica

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das possíveis oposições”. O “par de conceitos ge quanto Gadamer quando este afirma, repetin-
‘amigo-inimigo’ destaca-se por seu caráter políti- do a fórmula de Heidegger, que “o ser que se pode
co formal, fornecendo uma rede de possíveis an- compreender é linguagem” (GADAMER, 2004, p.
títeses, sem, no entanto, denominá-las”. Koselleck 21). Não há dúvida de que Koselleck rejeita o tipo
reconhece ainda que, “independentemente da ma- de determinismo social que enxerga nos concei-
neira como Carl Schmitt, com sua própria toma- tos meros epifenômenos da realidade
da de partido, tenha posto em prática esta oposi- extralingüística. No entanto, contra as manifesta-
ção, ele criou uma fórmula insuperável como con- ções mais radicais da linguistic turn, ele mantém
dição para uma política possível” (idem, p. 231). a distinção entre o mundo dos conceitos e o mun-
do dos fatos, entre o mundo da linguagem e a
Um aspecto central da abordagem de Koselleck
esfera do conjunto da experiência vivida.
diz respeito ao modo como o autor compreende
as relações entre a história dos conceitos e a His- O conceito, essa unidade fundamental da aná-
tória Social. É no capítulo 5 de Futuro passado lise histórica, é apresentado em sua dupla função
que essa relação é estudada de modo sistemático. de “indicador” e “fator” das relações sociais
Afirmou-se mais acima que um dos pontos de (KOSELLECK, 1992). Ou seja, ao mesmo tempo
contato entre as abordagens de Koselleck, Skinner em que o conceito reflete lingüisticamente a reali-
e Bevir consiste no fato de que os três autores dade extralingüística, ele também opera no pró-
podem ser compreendidos no âmbito do movi- prio processo de constituição da realidade social e
mento que ficou conhecido como linguistic turn2 política. O fato é que “sem conceitos comuns não
na História Intelectual e no conjunto das Ciências pode haver uma sociedade e, sobretudo, não pode
Humanas. Enquanto os autores ingleses inscre- haver uma unidade de ação política”
vem-se nesse movimento sob a influência decla- (KOSELLECK, 2006, p. 98). Mas, assim como é
rada da obra do segundo Wittgenstein, o necessário distinguir o mundo da linguagem do
historiógrafo alemão inspira-se nas contribuições mundo dos fatos, também é importante que se
de Heidegger e, principalmente, Gadamer, filóso- opere a distinção entre palavra e conceito. “Todo
fos que puseram em destaque a natureza lingüís- conceito se prende a uma palavra, mas nem toda
tica de toda a experiência humana significativa. palavra é um conceito social e político. Conceitos
Todavia, diferentemente de Gadamer, que atacou sociais e políticos contêm uma exigência concre-
as pretensões metodológicas da Hermenêutica, ta de generalização, ao mesmo tempo em que são
Koselleck dedica grande esforço para mostrar que sempre polissêmicos” (idem, p. 108).
o tipo de compreensão que caracteriza a história
A ênfase na natureza polissêmica dos concei-
dos conceitos não somente valoriza, como até
tos sociais e políticos é uma das contribuições
mesmo requer, uma atenção especial à dimensão
mais relevantes da história dos conceitos de
do método investigativo.
Koselleck para a Teoria Política contemporânea.
Do ponto de vista metodológico, a história dos Essa maneira de conceber a natureza dos concei-
conceitos pode ser concebida, inicialmente, como tos é paralela às abordagens anglófonas que ad-
uma ferramenta, um instrumento indispensável vogam a natureza “essencialmente contestada” dos
para o aprimoramento da prática da História Soci- conceitos sociais e políticos (cf. GALLIE, 1956;
al. O destaque à função instrumental da história MACINTYRE; 1973; CONNOLLY, 1983;
dos conceitos para o aprimoramento disciplinar SWANTON, 1985; COLLIER, HIDALGO &
da História Social não implica aceitar que a pri- MACIUCEANU, 2006). A polissemia resultante da
meira possa ou deva ser absorvida pela segunda. disputa pela fixação de significados e a
A história dos conceitos assume o status de disci- temporalidade constitutivas dos conceitos sociais
plina independente, de tal forma que “suas exi- e políticos fazem deles matérias refratárias, no
gências metodológicas delimitam um campo par- campo da Teoria Política, a tentativas de defini-
ticular de estudos, que se encontra em estimulan- ções consensuais. Koselleck destaca a conhecida
te e recíproca relação de tensão frente à História afirmação de Nietzsche segundo a qual “todos os
Social” (idem, p. 104). Koselleck não vai tão lon- conceitos nos quais se concentra o desenrolar de
um processo de estabelecimento de sentido esca-
pam a definições. Só é passível de definição aqui-
2 “Virada (ou giro) lingüística(o)”, em inglês (N. R.). lo que não tem história” (Nietszche apud
KOSELLECK, 2006, p. 109).

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HISTÓRIA INTELECTUAL E TEORIA POLÍTICA

Durante certo tempo, o trabalho liderado por ceticismo acerca da possibilidade de compatibilizar
Koselleck e as teses dele próprio permaneceram tradições tão distintas quanto a britânica e a alemã
circunscritas ao universo acadêmico e lingüístico (ARMITAGE, 1999; SCHIMDT, 1999; BEVIR,
germânico. Isso começou a mudar quando o ci- 2000; POCOCK, 2006). O próprio Skinner, em
entista político norte-americano Melvin Richter entrevista recente, quando questionado sobre es-
publicou um importante estudo divulgando sua ses esforços de compatibilização, evidenciou a
interpretação da história dos conceitos (RICHTER, distância entre sua abordagem e a de Koselleck.
1995). Embora o apelo de Richter para que se Para o historiador inglês, é um equívoco supor
fizesse em língua inglesa algo semelhante ao dici- que Koselleck promova uma história dos concei-
onário alemão tenha encontrado pouco eco no tos. Antes, o que o historiógrafo alemão de fato
mundo acadêmico anglo-americano, sua contri- tem feito é “uma história das palavras”. Além dis-
buição vem servindo para despertar o interesse so, conforme declara Skinner acerca do projeto
pela história dos conceitos em vários outros paí- do dicionário coordenado por Koselleck, “I still
ses. A recepção da Begriffsgeschichte promovida feel that there is something unhistorical about the
por Richter é influenciada pelo cabedal intelectual lists of meanings and alleged changes of meaning
do autor. Formado em Harvard e Oxford, Richter that make up most of the entries. This approach
foi colaborador, além de amigo e colega, de John is insensitive to the fact that some concepts (or
Pocock e Quentin Skinner, de modo que seu es- rather, some terms used to express them) have
forço de inclusão da abordagem koselleckiana no gone in and out of use, and have been more or
contexto anglófono não dispensou uma compara- less widely used at different times. Koselleck’s
ção sistemática dessa abordagem com aquela approach is not well attuned to capturing such
advogada pelos membros da Escola de Cambridge. gaps and alterations of emphasis. More important,
Mais do que uma simples comparação, o esforço it is hard to gain any sense from these dictionary
de Richter voltava-se a “tentar colocar a tradição entries of why these concepts mattered at parti-
alemã e britânica no mesmo mapa” (RICHTER, cular periods, why they were discussed at all. This
2006, p. 121). Mais precisamente, tratava-se de is perhaps a roundabout way of saying, once again,
buscar uma espécie de combinação entre as duas that the properly historical task seems to me that
modalidades de História Intelectual. Com isso, of studying not the histories of words but the
Richter inaugurou uma crescente onda de estu- history of the uses to which these words were
dos destinados à elaboração de uma metodologia put at different times”3 (SKINNER, 2007, p. 114-
para a história dos conceitos situada “entre 115).
Cambridge e Heidelberg”, para usar a expressão
III. QUENTIN SKINNER E O CONTEXTUA-
de um protagonista holandês desse movimento de
LISMO LINGÜÍSTICO
fusão (VAN GELDEREN, 1998).
A exemplo de Futuro passado, os ensaios reu-
Um dos mais destacados estudiosos dedica-
nidos por Skinner em Visões da política: sobre os
dos a esse tipo de combinação entre a perspectiva
métodos históricos foram, em sua maior parte,
britânica e a alemã de História Intelectual é o teó-
rico político finlandês Kari Palonen. Ele advoga
3 “Ainda me parece que há algo de anistórico a respeito
que Koselleck e Skinner, além de exemplares his-
das listas de significados e de supostas mudanças de sig-
toriadores de conceitos, são também os mais ino-
nificados que se faz na maioria dos verbetes. Essa aborda-
vadores teóricos políticos contemporâneos. gem é insensível para o fato de que alguns conceitos (ou
Conforme Palonen, “a abordagem histórica do melhor, alguns termos usados para expressá-los) tiveram
estudo dos conceitos, como praticada por seu uso adotado e abandonado e que foram mais ou menos
Skinner e Koselleck, não é apenas uma fase pre- largamente usados em diferentes tempos. A abordagem de
liminar no processo de formulação da teoria. His- Koselleck não é bem ajustada para capturar tais lapsos e
alternâncias de ênfase. Mais importante, é difícil de obter
tórias conceituais [...] podem ser compreendi-
qualquer sentido desses verbetes de dicionário sobre o
das como estilos de teorização política em si porquê tais conceitos foram importantes em períodos par-
mesmas, embora de tipo indireto” (PALONEN, ticulares, por que eles foram discutidos, no mínimo. Tal-
2002, p. 102). vez essa seja um circunlóquio para dizer, mais uma vez,
que a tarefa propriamente histórica parece-me ser a de
Mas a aproximação entre essas duas modali- estudar não as histórias das palavras mas a história dos
dades de História Intelectual permanece matéria usos que foram feitos com essas palavras em diferentes
controversa. Inúmeros autores têm expressado tempos” (N. R.).

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originalmente publicados ao longo dos anos 1960 não história, mas “mitologias”. Dentre as princi-
e 1970. Mas os textos presentes no livro de Skinner pais mitologias denunciadas por Skinner encon-
foram consideravelmente revisados. Como escla- tram-se as seguintes:
rece o próprio autor, ao proceder à revisão dos
a) mitologia da doutrina (idem, p. 84-95) – os
artigos, chegou a reescrever alguns deles: “Mo-
enunciados dos autores clássicos, mesmo
derei o tom polêmico, de que outrora tanto gosta-
que esparsos e ocasionais, são forçosa e sis-
va [...] tentei melhorar meus argumentos [...].
tematicamente enquadrados em “doutrinas”,
Actualizei minhas reflexões em torno da biblio-
construções típico-ideais do próprio histo-
grafia secundária [...]. Respondi a alguns críticos
riador, que este atribui ao universo das cren-
sempre que me pareceu apropriado, umas vezes
ças do autor estudado;
reavaliando, outras modificando as minhas
conjecturas iniciais”. Não obstante tais modifica- b) mitologia da coerência (idem, p. 93-106)
ções, segundo o autor, seus “argumentos e con- – presume-se que o autor construiu (ou ao
clusões não sofreram mudanças significativas” menos tentou construir) sistemas intelec-
(SKINNER, 2005, p. XVII). tuais fechados, em que todos os seus enun-
ciados mantêm uma relação de coerência
Em comparação com a história conceitual de
com os demais, o que impede o historia-
Koselleck, que toma o significado semântico do
dor de perceber as contradições entre os
conceito como o objeto da investigação histórica,
enunciados de um autor ou suas mudan-
a abordagem skinneriana da História Intelectual
ças de concepção a respeito de certos te-
dirige seu foco para o siginificado dos textos his-
mas;
tóricos como manifestações de atos linguísticos
intencionais efetuados em determinados contex- c) mitologia da prolepse (idem, p. 103-112)
tos de convenções linguísticas e normativas. Ten- – confunde-se o significado dos enuncia-
do-se em mente esse traço mais geral, definidor dos para o historiador com o significado
do objeto da investigação histórica, pode-se per- para o autor, sendo este último negligen-
guntar sobre os principais contornos do método ciado. O enunciado só revelaria seu signi-
historiográfico de Skinner e também sobre a even- ficado no presente, conclusão que repou-
tual relevância desse método para a crítica e a sa sobre o contestável pressuposto
reformulação da Teoria Política. teleológico de que a ação lingüística pre-
cisaria esperar pelo futuro para revelar-
Embora Skinner tenha procurado evitar o “tom
se totalmente;
polêmico” na revisão dos textos publicados em
Visões da política, a compreensão dos contornos d) mitologia do paroquialismo (idem, p. 105-
de sua metodologia e do caráter inovador de sua 108) – seguindo padrões atuais de discrimi-
contribuição, quando de seu surgimento há qua- nação e classificação, o historiador, em face
tro décadas, deve ter como ponto de partida as de um mundo passado que lhe é estranho,
críticas do autor a duas modalidades alternativas constrói uma identidade entre o universo
de História Intelectual. mental do autor do passado e o seu próprio
universo atual de crenças, produzindo uma
Em primeiro lugar, Skinner censurava o pro-
falsa familiaridade entre culturas muito dis-
cedimento-padrão do “textualismo”, que consis-
tintas.
tia, em suas expressões mais caricaturais, em “ler
e reler” determinado texto até chegar-se a uma A característica comum a todas essas “mito-
compreensão correta de seu significado. O pres- logias” seria a produção de interpretações “ana-
suposto desse procedimento é que o texto é autô- crônicas”, mediante as quais são atribuídas a de-
nomo em relação ao contexto de seu surgimento, terminado autor idéias e intenções cujos recursos
o que é consistente com a crença de que determi- lingüístico-expressivos eram ainda indisponíveis
nados textos (aqueles dignos do interesse do his- no contexto histórico do proferimento.
toriador) contêm “elementos intemporais”, “idéi- Feita a invectiva contra a abordagem
as universais” e “uma sabedoria sem tempo” de “textualista”, Skinner dirige suas baterias contra
“aplicação universal” (idem, p. 81-82). os tipos de contextualismo que privilegiam o con-
Para Skinner, a abordagem dos textos clássi- texto social, em vez do contexto lingüístico, nas
cos por meio desse procedimento tendia a gerar estratégias de compreensão de determinado tex-

307
HISTÓRIA INTELECTUAL E TEORIA POLÍTICA

to. O contextualismo sociológico, tanto em sua Em diversas ocasiões, o autor explicita o pa-
vertente marxista quanto em sua “namierista”4, pel central da Filosofia da História de Robin G.
repousaria sobre a confusão entre dois procedi- Collingwood no movimento de afirmação do
mentos intelectuais inteiramente distintos: a de- contextualismo lingüístico (mais extensamente em
terminação causal de uma idéia e a sua compreen- Skinner (2001)). Collingwood partia do princípio
são propriamente dita. Não se trata de negar que de que somente conhecendo a si próprio poderia
as condições econômicas e sociais das socieda- o ser humano ter um conhecimento satisfatório
des em que os autores produzem seus textos pos- de outras coisas, sendo que tal conhecimento de
sam ser apresentadas como antecedentes causais si próprio refere-se ao “conhecimento de suas
contingentemente conectados com o conteúdo do faculdades de cognição, do seu pensamento ou
texto a ser compreendido. A determinação das de seu entendimento ou de sua razão”
causas externas à ação lingüística seria um pro- (COLLINGWOOD, s/d, p. 257). Ao transferir esse
cedimento relevante para a explicação da referida princípio epistemológico para sua teoria da inves-
ação. Todavia, isso estaria muito longe da exage- tigação histórica, Collingwood afirma que “toda
rada e errônea presunção de que “as idéias de um história é história do pensamento” (idem, p. 268).
dado texto devem ser compreendidas em termos Toda ação historicamente significativa deve ser
de seu contexto social” (SKINNER, 1988a, p. 59; reconstituída tendo em vista o pensamento do
grifos no original). A compreensão de uma idéia agente que a efetuou. Collingwood distingue en-
enquanto ação lingüística não deve confundir-se tre os aspectos externos (“eventos”) e os aspec-
com sua explicação causal. Ao fixar-se exclusiva- tos internos de um acontecimento5. Embora pos-
mente na determinação causal das idéias, perse- sa começar pela descoberta do exterior de um
guindo as conexões externas e contingentes das acontecimento, o trabalho do historiador só irá
idéias com fenômenos não-lingüísticos, parte da completar-se na medida em que ele consiga rela-
literatura contextualista reforçaria uma visão em cionar o evento descoberto com o interior do acon-
que o papel das idéias na sociedade e na política é tecimento. Para isso, o historiador “tem de recor-
desprovido de autonomia e eficácia. As idéias não dar-se sempre de que o acontecimento foi uma
seriam mais do que epifenômenos, expressões ou ação e que sua tarefa essencial é meter-se ele pró-
reflexos de uma “realidade material” prio no interior dessa ação, é discernir o pensa-
ontologicamente anterior ao – e determinante do mento do seu agente” (idem, p. 267).
– mundo da linguagem. Além de outras fragilida-
Embora Skinner tenha manifestado sua insa-
des, os métodos derivados dessa concepção esta-
tisfação com a “infeliz frase” em que Collingwood
riam desarmados para explicar, por exemplo, o
afirmava que o intérprete deveria “repensar” o
fato de um mesmo contexto social ser capaz de
pensamento do passado, não resta dúvida de que
abrigar, simultaneamente, idéias que expressam os
a arquitetura de seu projeto metodológico repou-
mais variados conteúdos lingüísticos e valorativos,
sa sobre fundações collingwoodianas. É o
além de autores que expressam as mais diversas
historicismo de Collingwood que está subjacente
intenções (idem, p. 62).
à convicção de Skinner de que a história do pen-
Para Skinner, a alternativa tanto ao textualismo samento político deve ater-se ao contexto imedia-
quanto ao contextualismo sociológico reside na re- to da produção dos textos cujos significados o
cuperação da tradição intencionalista da Filosofia historiador pretende compreender. A inexistência
da História e na aplicação de seus princípios na ela- de “idéias perenes” na história da Teoria Política
boração de uma metodologia voltada para a inter-
pretação de textos. No que diz respeito aos funda-
mentos filosóficos do método de Skinner, ele pode 5 “Por exterior do acontecimento entendo tudo o que lhe
ser caracterizado como um encontro da Filosofia pertence, mas que pode ser descrito em termos de corpos e
da História do R. G. Collingwood com o aparelho de seus movimentos: a passagem de César, acompanhado
analítico da Filosofia da Linguagem Ordinária. por certos homens, dum rio chamado Rubicão, em certa
data, ou o derramamento do seu sangue sobre o soalho do
Senado, noutra data. Por interior do acontecimento, enten-
do aquilo que nele só pode ser descrito em termos de pen-
4 Skinner refere-se a Lewis Namier, influente historiador samento: o desprezo de César pelas leis da República ou a
no contexto acadêmico britânico de meados do século XX divergência de política constitucional entre ele e os seus
e autor de extensa obra no campo da História Intelectual. assassinos” (Collingwood, s/d, p. 266).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 301-318 OUT. 2009

decorre do fato de que todo autor, por mais ino- proferimento que reside sua força enquanto ação,
vador que seja, está irremediavelmente situado em força que se identifica com a intenção do agente
um universo de convenções lingüísticas que são, ao dizer algo em determinado contexto de con-
ao menos em parte, exclusivas do contexto de venções lingüísticas. Se a intenção de alertar al-
enunciação. guém pode ser reconhecida como uma intenção
possível no âmbito das convenções disponíveis
Se Collingwood é a principal influência na vi-
ao agente na ocasião da emissão do ato de fala,
são de Skinner sobre a natureza do conhecimento
pouco importa o fato de que tal intenção resulte
histórico, é a filosofia do segundo Wittgenstein
nos efeitos desejados pelo emissor, uma vez que a
que permite ao historiador de Cambridge a elabo-
força ilocucionária de um ato de fala não se iden-
ração da noção crucial de “significado” (meaning).
tifica com seus efeitos perlocucionários (idem, p.
Skinner parte da célebre formulação de
110).
Wittgenstein de que “palavras também são atos”
(WITTGENSTEIN, 1958, p. 146), enquanto pro- A taxonomia dos atos de fala elaborada por
cura elaborar o princípio pragmático de que o sig- Austin é mobilizada sistematicamente por Skinner.
nificado dos atos lingüísticos depende de seus usos Em um primeiro momento, Skinner iguala a com-
em determinados jogos de linguagem. Era natural preensão do significado de um texto à
que Skinner recorresse às contribuições dos filó- reconstituição da intenção ilocucionária do autor.
sofos da linguagem que mobilizaram a noção Compreender o significado de um texto histórico
wittgensteiniana de significado para a elaboração seria o mesmo que revelar o que o autor do texto
da teoria dos atos de fala (speech acts theory). estava fazendo ao escrevê-lo. Para isso, dever-
Dentre tais contribuições, Skinner destaca as de se-ia estudar o modo como a intenção do autor
J. L. Austin, que desafiava a crença de que os inscreve-se no contexto de convenções lingüísti-
enunciados lingüísticos devem ser estudados ex- cas em que o texto foi produzido (SKINNER,
clusivamente a partir de suas funções 2005, p. 117). Em momento posterior, Skinner
“constatativas”, ou seja, a partir do que represen- passa a conceder que é possível distinguir entre
tam como descrição, que pode ser avaliada como três diferentes sentidos do termo. Primeiramente,
verdadeira ou falsa, de determinado estado de o autor refere-se ao meaning 1, significado que
coisas. Gramáticos e filósofos dessa orientação está em questão quando se faz uma pergunta do
convencional desconsiderariam o fato de que, além tipo: “o que é que certas palavras ou frases espe-
das sentenças constatativas, há toda uma classe cíficas significam num determinado texto?” (idem,
de enunciados lingüísticos dotados de uma força p. 128). Esse tipo de significado é capturado me-
que não pode ser julgada conforme os parâmetros diante o estudo da semântica e da sintaxe do tex-
de verdade ou falsidade. Tais enunciados são de- to, com o recurso a nosso conhecimento con-
finidos como “performativos”, justamente para vencional da linguagem codificado em livros de
indicar que “a emissão de um enunciado é a gramática e dicionários. Em seguida, Skinner re-
efetuação de uma ação” (AUSTIN, 1975, p. 6). fere-se ao meaning 2, associado à questão: “O
que este texto significa para mim?” (idem, p. 129).
Austin distingue três dimensões dos atos de
Trata-se aqui de entender o texto a partir de seus
fala: a dimensão locucionária, relativa ao conteú-
efeitos nos leitores, o que pode dar surgimento a
do proposicional do proferimento e manifesta no
uma história da recepção dos textos enquanto fe-
ato de dizer (of saying) algo; a dimensão
nômenos que transcendem o contexto e o mo-
ilocucionária, relativa ao que o agente está fazen-
mento de sua produção original. Por último, há o
do ao dizer (in saying) algo, e a dimensão
que Skinner denomina meaning 3, que está em
perlocucionária, relativa aos efeitos produzidos
jogo quando se pergunta: “O que é que um escri-
pelo ato de fala na audiência, aquilo que ocorre
tor quer dizer com aquilo que afirma num deter-
por dizer-se (by saying) algo (idem, p. 94-120).
minado texto?” (idem, p. 131).
O esforço do autor consiste em iluminar a dimen-
são ilocucionária dos atos de fala, pois é nela que Não obstante a concessão dessas distinções,
se concentra a característica negligenciada pelas Skinner reafirma o ponto central de sua
teorias convencionais do significado, as quais se metodologia ao defender a posição de que uma
atêm, principalmente, às dimensões locucionária interpretação comprometida com a recuperação
e, em menor medida, perlocucionária das senten- do significado histórico dos textos do passado
ças. É na dimensão ilocucionária de um exige que o historiador concentre-se na terceira

309
HISTÓRIA INTELECTUAL E TEORIA POLÍTICA

concepção de significado mencionada acima, a um texto não requer do intérprete a misteriosa


única conectada com a intenção autoral incorpo- habilidade de penetrar na mente do autor para re-
rada na escritura dos textos – conectada a ponto velar seus estados psíquicos interiorizados na for-
de poder-se falar em uma “equivalência” entre sig- ma de desejos, planos ou desígnios. Requer, sim,
nificado e intenção. Conforme o autor, “Se nos o procedimento muito mais prosaico – embora
concentrarmos no significado 3, é possível esta- necessariamente paciente e erudito – de situar o
belecer uma relação estreita entre as intenções dos texto em questão no contexto de convenções lin-
autores e os significados de seus textos. Na mi- güísticas e sociais que governam o tratamento dos
nha opinião, conhecer as intenções de um autor temas e problemas dos quais o texto ocupa-se.
no acto da escrita, no sentido que procurei defi-
A ênfase nas convenções lingüísticas para a
nir, é não somente relevante como também impli-
reconstituição das intenções autorais parte do pres-
ca descobrir o significado 3 do que ele escreveu”
suposto de que todo autor – especialmente o au-
(idem, p. 142).
tor de textos políticos – está envolvido em um ato
Neste ponto, Skinner sugere ainda uma outra de comunicação quando escreve ou publica seu
distinção estratégica para a defesa de sua texto. De modo a ser compreendido pelos leito-
metodologia. Uma coisa seria falar das intenções res, não lhe resta outra alternativa a não ser mobi-
de determinado autor incorporadas naquilo que lizar em seu discurso os padrões convencionais
escreveu e nas circunstâncias em que o fez. Ou- de comunicação acerca dos temas para os quais
tra, inteiramente distinta, seria considerar os “mo- deseja chamar a atenção. Isso é válido não so-
tivos” que conduziram o autor à escritura do tex- mente para os casos em que o autor tem a inten-
to. Os motivos de um autor podem ser examina- ção de seguir e reforçar as convenções existen-
dos como causas externas do enunciado lingüístico tes, mas também para aqueles casos em que sua
cristalizado no texto, causas que se conectam intenção é criticar ou subverter tais convenções.
apenas de modo contingente com tal enunciado. Mesmo os mais revolucionários e inovadores pen-
Por outro lado, sua intenção ao escrever o texto, sadores, aqueles desejosos de convencer seus lei-
intenção incorporada na própria ação lingüística, tores da necessidade de alteração do significado
não exterior a ela, “constituirá sempre uma con- de termos e conceitos de uso corrente ou do aban-
dição necessária para a compreensão do próprio dono de seus usos em favor da aquisição de no-
discurso” (idem, p. 160). Com base nessa distin- vos termos e conceitos, precisam recorrer à lin-
ção, o autor defende a possibilidade de uma expli- guagem convencional ou seus esforços de comu-
cação não causal da ação social. Esse tipo de ex- nicação serão inócuos.
plicação, estranho à tradição “naturalista” de ex-
As prescrições metodológicas formuladas por
plicação da ação social, teria como procedimen-
Skinner vêm sendo objeto de intensa controvérsia
to-padrão a redescrição da intenção ilocucionária
desde o começo dos anos 1970. Críticos das mais
do autor do texto (idem, cap. 7).
diversas vertentes têm invectivado contra as vári-
Mas não é somente contra o naturalismo que a as facetas de seu método, desde os compromis-
distinção entre motivos e intenções é mobilizada sos epistemológicos do método contextualista até
por Skinner. Ela também serve a seu esforço para suas supostas conseqüências políticas. Já no fi-
afastar-se do tipo de hermenêutica romântica que nal da década de 1980, Skinner começa seu mais
identifica a recuperação da intenção autoral com extenso texto de resposta a seus críticos, confes-
uma espécie de mergulho do intérprete na mens sando-se, em tom irônico, “perplexo por apren-
auctoris do passado. Skinner busca evitar o der” que é, ao mesmo tempo, “um idealista, um
subjetivismo subjacente a essa vertente materialista, um positivista, um relativista, um
intencionalista chamando a atenção para o caráter antiquário, um historicista e um mero metodólogo
“publicamente apreensível” das intenções autorais
(idem, p. 169)6. A compreensão do significado de que há determinados tipos de atos ilocucionários (oblí-
quos, não-sincrônicos etc.) que não somente não requerem
a declaração da intenção, como seriam mesmo prejudicados
6 Uma intenção “publicamente apreensível” não implica se tal declaração fosse explicitada na conversação. Esse é o
que o ato ilocucionário deva sempre se apresentar explícita caso típico de atos ilocucionários efetuados com a intenção
e declaradamente, recorrendo-se, por exemplo, ao uso de de ironizar ou ridicularizar uma determinada convenção ou
verbos performativos nas sentenças. Skinner argumenta curso de ação.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 301-318 OUT. 2009

com nada de substancial a dizer” (SKINNER, clássicos teriam contribuído decisivamente. O que
1988b, p. 231). Embora sua lista esteja incomple- pensamos e como pensamos são produtos de con-
ta, pois há ainda os que, mirando em seu pensa- flitos ideológicos cujos resultados poderiam (e
mento político, rotulem-no de “conservador” podem) ser diferentes do que são. Isso também
(SHAPIRO, 1982; KEANE, 1988), “pós-moder- vale para o passado, que é pleno de possibilidades
no” (LAMB, 2004), “ideólogo do republicanismo” não efetivadas, de idéias derrotadas, de projetos e
(URBINATI, 2005), “ironista liberal” (MANDELL, de valores esquecidos. Ao aprendermos que os
2000, p. 122) ou “republicano romântico” conceitos que herdamos do passado são resulta-
(PERREAU-SAUSSINE, 2007, p. 121), ela dá- dos contingentes de escolhas e conflitos, em que
nos uma idéia da multiplicidade de direções das também têm lugar a força, a habilidade retórica
reações às suas idéias. dos contendores e mesmo certa dose de acaso,
estaremos mais bem equipados para o necessário
Todavia, quando se tem em mente a eventual
e sempre difícil procedimento de
utilidade da abordagem historicista de Skinner para
“desnaturalização” de nossas crenças. O estudo
a crítica e a reformulação da Teoria Política con-
da história do pensamento político capacita nosso
temporânea, nenhuma acusação é tão perturbadora
esforço para escaparmos do “paroquialismo” de
quanto a de “antiquarismo”. Inúmeros críticos
nossos próprios valores.
argumentam que o contextualismo de Skinner ser-
viria de esteio a uma narrativa destinada a apre- Além disso, prossegue Skinner, o estudo das
sentar o passado como uma série de eventos sin- idéias do passado pode ajudar no desenvolvimen-
gulares e desconexos no curso do tempo. Porém, to de um “certo tipo de objetividade”, resultante
“se todos os eventos são sui generis, não pode- da contemplação de “sistemas rivais de pensamen-
mos escrever história; podemos apenas empilhar to”. Do mesmo modo, podemos atingir um “grau
documentos” (FEMIA, 1988, p. 127). Aponta-se maior de compreensão” e, portanto, maior “tole-
como uma ironia o fato de que Skinner, tão cioso rância” em relação a elementos de “diversidade
na denúncia de “mitologias”, teria sucumbido, ele cultural” (idem, p. 176). Por fim, o estudo da his-
próprio, a uma “mitologia da fragmentação” tória do pensamento político é relevante para o
(MINOGUE, 1988, p. 179), na qual própria idéia pensamento político do presente pois serve para
de processo histórico perderia completamente seu enriquecermos nossa percepção sobre conceitos
sentido. herdados do passado e usados de maneira
“empobrecida” na atualidade. Ou seja, “ao
É perceptível o desconforto que esse tipo de
retornarmos para olhar como esses conceitos eram
objeção causa ao autor. Skinner afirma, na intro-
mobilizados em tradições de pensamento passa-
dução de Visões da política, que teria “previsto
das, podemos encontrar uma discussão mais rica
essa objecção eminentemente filistina”, lamentan-
dos conceitos que continuamos a empregar”
do que sua resposta “estava longe de satisfazer
(SKINNER, 1997, p.74)7. Em suma, para Skinner,
meus detractores” (SKINNER, 2005, p. 7-8). O
“A história da filosofia, e talvez especialmente da
fato é que, em sua defesa, Skinner é forçado a
filosofia moral, social e política, está aí para nos
trilhar uma linha de reflexão que, para dizer o mí-
impedir de sermos muito facilmente enfeitiçados.
nimo, não estava contida em suas declarações
metodológicas iniciais. Afirma que o ceticismo em
relação à possibilidade do aprendizado de uma sa-
7 Exemplo disso, para Skinner, ocorre com o conceito de
bedoria universal e intemporal dos textos do pas-
“liberdade”. Ele identifica um empobrecimento no tratamen-
sado não significa que nada de
to contemporâneo desse conceito central da Teoria Política
contemporaneamente relevante possa-se aprender ocidental, uma vez que as discussões atuais reproduzem a
com o estudo da história. Uma das principais van- dicotomia entre liberdade positiva e liberdade negativa, tri-
tagens do estudo da história do pensamento para butária do pensamento liberal do século XIX. Skinner argu-
o entendimento do presente residiria no incremento menta que o conceito de liberdade recebera um tratamento
de nossa percepção da natureza contingente de mais elaborado no começo da era moderna. Inúmeros pensa-
dores associados à tradição republicana teriam operado com
nossas próprias crenças atuais. As idéias que cir-
uma idéia de liberdade que não pode ser compreendida em
culam no presente estão longe de representar o nenhum dos dois pólos da dicotomia de Berlin. Além disso,
coroamento de um processo racional de desen- o conceito de liberdade tem sido tema de inúmeras contribui-
volvimento ideológico, para o qual os pensadores ções de Skinner. Ver, a propósito, Silva (2008).

311
HISTÓRIA INTELECTUAL E TEORIA POLÍTICA

O historiador do pensamento político pode nos de uma lógica geral da história que recobre não
ajudar a apreciar até onde os valores incorpora- apenas idéias ou crenças mas também ações, ins-
dos em nosso modo atual de vida, e nossas atuais tituições e coisas que tais” (BEVIR, 2008, p. 394).
maneiras de pensar sobre esses valores, refletem Bevir favorece um tipo de justificação filosófica
uma série de escolhas feitas em épocas diferentes de inspiração histórica e interpretativa para as Ci-
entre diferentes mundos possíveis. Essa consci- ências Humanas. Contudo, assumindo uma posi-
ência pode ajudar a libertar-nos do domínio de ção própria no interior do amplo debate entre di-
qualquer uma das explicações hegemônicas des- ferentes perspectivas historicistas, ele define sua
ses valores e de como eles devem ser interpreta- filosofia como “pós-analítica”, “antifundacio-
dos e compreendidos. Munidos de uma possibili- nalista” e “intencionalista” (idem, p. 386).
dade mais ampla, podemos nos distanciar dos
Bevir toma como ponto de partida de sua re-
compromissos intelectuais herdados e exigir um
flexão o debate anglófono sobre “método” em
novo princípio de investigação sobre esses valo-
História Intelectual. Sua intenção declarada con-
res” (SKINNER, 1999, p. 93-94).
siste em afirmar uma nova perspectiva para a com-
IV. MARK BEVIR E O NOVO INTENCIONA- preensão do debate. Procura superar a preocupa-
LISMO ção “metodológica” para assumir uma abordagem
voltada para o estudo da “lógica” da História das
Diferentemente dos livros de Koselleck e
Idéias, entendendo essa lógica como uma “disci-
Skinner, que consistem na reunião de ensaios re-
plina de segunda ordem”, cujo intento é “o estudo
digidos em diferentes ocasiões, A lógica da His-
de segunda ordem do raciocínio adequado a uma
tória das Idéias, de Mark Bevir, reflete um esfor-
disciplina de primeira ordem” (idem, p. 45). Em
ço teórico mais sistemático em sua apresentação8.
uma formulação tributária de Wittgenstein, a lógi-
Conforme o autor, o livro resultou de um período
ca é definida como a “gramática dos conceitos”
de uma década de pesquisas realizadas para res-
que opera em disciplinas de primeira ordem. Bevir
ponder questões filosóficas surgidas em sua pes-
mobiliza o estilo e a herança da filosofia analítica,
quisa de doutorado, que se deteve na reconstru-
porém distancia-se das formulações convencio-
ção da História Intelectual da tradição socialista
nais dessa tradição filosófica, as quais repousam
britânica (BEVIR, 2005, p. 203). Publicado origi-
na distinção entre enunciados sintéticos e analíti-
nalmente em 1999, o livro tem sido objeto de inú-
cos. Prefere caracterizar sua filosofia como “pós-
meras apreciações críticas9. Mesmo os críticos
analítica”, posição derivada do holismo semânti-
mais severos reconhecem que “o livro contém uma
co propugnado por pensadores como Wittgenstein,
perspectiva original [...] bem como provê abor-
Quine e Davidson, críticos dos pressupostos da
dagens inovadoras para vários diferentes tópicos”
filosofia analítica tradicional.
(PALONEN, 2000, p. 301).
O próprio autor revela que seu interesse em
Além de tratar da lógica específica da História
Teoria da História foi despertado a partir de seu
das Idéias, como sugere o próprio título da obra,
contato com o debate em torno da metodologia
o autor também procura dar curso a uma ambi-
de Skinner e Pocock: “O que eu sei é que a obra
ção mais ampla: “Minha lógica fornece [...] a base
de Quentin Skinner, ela própria nitidamente influ-
enciada pela filosofia analítica, foi a primeira a
8 Esta seção baseia-se em artigo no qual comparei as abor- espicaçar minha curiosidade com respeito a pro-
dagens historicistas da Ciência Política em Kari Palonen e blemas afins da lógica da História das Idéias”
Mark Bevir (SILVA, 2009). (idem, p. 9). Bevir afirma estar de acordo com as
9 O livro foi objeto de números especiais e simpósios críticas dos membros da Escola de Cambridge a
organizados por vários periódicos nas áreas de Teoria da determinadas abordagens na História das Idéias:
História e Filosofia: Rethinking History (2000, p. 351-72), “Como Skinner, opus explicações da História das
Philosophical Books (2001, p. 64-86), History and Theory Idéias como o estudo seja de presenças eternas,
(2002, p. 198-217), History of European Ideas (2002, p. seja de uma tradição épica que incorpora cone-
1-117) e History of Human Sciences (2002, p. 102-125). xões lógicas, explicações que têm respectivamente
Essas publicações, além de trazerem as críticas formuladas
por autores representativos de diferentes disciplinas e ori-
uma aura demasiado platônica e demasiado
entações intelectuais, trazem as respostas de Bevir aos hegeliana” (idem, p. 392). Não obstante tal de-
seus críticos. monstração de simpatia, o impulso que move Bevir

312
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 301-318 OUT. 2009

ao encontro de Skinner e Pocock é principalmen- pel da intenção autoral para a compreensão do sig-
te crítico: “Embora os debates em torno da obra nificado de um texto interessa muito mais a Bevir
de Skinner, e também de J. G. A. Pocock, hajam do que a ênfase de Pocock nas propriedades
despertado inicialmente minha curiosidade com explicativas das linguagens como paradigmas.
respeito à lógica da História das Idéias, logo me vi Para Bevir, “contextualistas lingüísticos rigorosos,
distanciado de sua esfera” (idem, p. 10). A princi- como Pocock, permitem que os autores se deslo-
pal razão desse afastamento estaria no fato de que quem furtivamente para o palco histórico, mas
“Skinner e Pocock visam em primeiro lugar [a] apenas para restringi-los a papéis insignificantes
definir um método para a História das Idéias. Ten- como porta-vozes instrumentais daqueles
tam descrever a maneira correta de recuperar o paradigmas de roteiros constitutivos de seu
significado de um texto. São, pois, seus métodos arcabouço conceitual” (BEVIR, 1992, p. 278).
particulares que os habilitam a descartar outros
A proximidade de Bevir em relação à perspec-
recursos, sobretudo aqueles que negam a autono-
tiva de Skinner é, contudo, relativa. Embora o
mia da História das Idéias, enfatizam a coerência
intencionalismo seja um forte fator de união entre
dos textos ou levam em conta a pertinência con-
esses autores, é também um fator de afastamen-
temporânea desses mesmos textos. Eu, ao con-
to. No âmbito de um amplo projeto de reforma da
trário, concluí que nenhum método pode consti-
abordagem intencionalista na História Intelectual
tuir uma forma de justificação. Um método pode
e na Ciência Política, Mark Bevir distingue duas
desempenhar um papel heurístico útil, mas nunca
modalidades de intencionalismo: o “forte” e o “fra-
dar-nos uma garantia lógica da objetividade da
co”10. O intencionalismo skinneriano teria a van-
compreensão de uma obra” (ibidem).
tagem de evitar inconsistências do intencionalismo
Essa recusa em reduzir a objetividade do co- forte, que tende a reduzir as intenções do autor às
nhecimento histórico a uma questão de escolha suas motivações prévias e conscientes, o que su-
do método correto é apenas a objeção mais ampla gere um “conhecimento infalível” por parte do
de Bevir à Escola de Cambridge. Em uma série de autor acerca do significado de seus proferimentos.
artigos que antecederam a publicação de seu livro Isso deixa de lado, indevidamente, as intenções
sobre a lógica da História das Idéias, Bevir realiza (crenças) pré-conscientes ou inconscientes dos
um rigoroso escrutínio do método do autores, as quais não devem ser desprezadas na
“contextualismo lingüístico”, atribuído ao grupo tentativa de recuperação do significado histórico
de Cambridge (BEVIR, 1992; 1994; 1997). Co- (hermenêutico) do proferimento (BEVIR, 2008,
meça assinalando distinções entre a perspectiva p. 93).
metodológica de Pocock e a de Skinner, ao con-
Bevir reconhece que Skinner, mediante sua
trário da maioria dos críticos do contextualismo
distinção entre “motivos” e “intenções” autorais,
lingüístico, que tende a apresentar de modo ex-
procura distanciar-se da tendência a identificar a
cessivamente homogêneo as abordagens de am-
noção de intenção autoral com os propósitos ori-
bos. É verdade que tanto Pocock quanto Skinner
ginais dos autores, propósitos antecedentes ao –
estão comprometidos com um princípio
e contingentemente conectados com o – enuncia-
metodológico que advoga que a recuperação do
do. O erro de Skinner estaria na identificação do
significado de determinado texto na história só é
significado histórico de um texto com a força
possível quando o texto é situado no contexto
ilocucionária incorporada nos enunciados do tex-
lingüístico em que se origina. Todavia, para
to, o que o leva a enfatizar, no processo de com-
Pocock, esse contexto é tecido por “linguagens”
preensão, os “desejos” e as “pró-atitudes” de um
compreendidas como “paradigmas” que informam
dado autor, em vez das “crenças” que ele susten-
o significado do texto; já para Skinner o contexto
lingüístico é formado pelas convenções normativas
que governam o tratamento de temas sobre os
quais os autores pronunciam-se em determinada 10 Conforme esclarece o autor em relação à natureza
situação. Para Skinner, como vimos, a compre- de seu projeto, “ao distinguir entre duas variedades
ensão do significado de um texto depende da pos- de intencionalismo, portanto, quero menos distanciar-
sibilidade de reconstituir-se a intenção de seu au- me de outros intencionalistas do que desarmar os
tor no contexto de convenções lingüísticas em que críticos que compreenderam mal o intencionalismo”
tal intenção opera. Essa ênfase de Skinner no pa- (BEVIR, 2008, p. 93).

313
HISTÓRIA INTELECTUAL E TEORIA POLÍTICA

ta. Para Bevir, não se trata de “excluir todos os crença expressa por determinado indivíduo na rede
desejos do aspecto intencional da ação”, mas de de crenças (web of beliefs) desposada por tal in-
defender o ponto de vista de que tais desejos “não divíduo. Ancorado no holismo semântico, Bevir
penetram no significado de uma obra” (idem, p. assume que as crenças expressas não podem ser
95). A preocupação do intencionalismo fraco de- compreendidas separadamente, uma a uma, ou
veria ser mais com o universo de “crenças subs- cotejando-se cada uma delas com os “fatos pu-
tantivas” de determinado autor do que com dese- ros”: “Os argumentos dos holistas semânticos
jos e pró-atitudes contidos na intenção solapam as tentativas dos empiristas lógicos de
ilocucionária. Além disso, Skinner compartilharia construir lógicas de justificação e de refutação.
com o intencionalismo forte o equívoco de igno- Fazem-no, ademais, independentemente da análi-
rar o papel dos leitores na atribuição de significa- se precisa que damos ao estatuto epistemológico
do a um determinado texto, fazendo da intenção da lógica formal e do conhecimento filosófico. O
do autor o critério exclusivo de tal atribuição. De holismo semântico começa rejeitando a experiên-
acordo com Bevir, Skinner parece assumir que os cia pura e termina insistindo em que as crenças só
textos têm significados em si mesmos, não im- confrontam a realidade como redes interligadas”
portando o que seus intérpretes e leitores pensem (idem, p. 127).
a seu respeito. Do ponto de vista histórico, o sig-
Assim, o processo de interpretação obriga o
nificado que o texto carrega consigo teria sido
historiador a situar uma crença expressa na rede
determinado pela intenção de seu autor no con-
de crenças mais ampla do autor. Pode fazer isso,
texto original de sua produção. Bevir, por seu tur-
por exemplo, recorrendo a outros textos do mes-
no, argumenta que textos não têm significados
mo autor, além daqueles que constituem o foco
em si mesmos. Sem a intervenção humana, tex-
da sua atenção imediata. Mas isso não é tudo, pois
tos nada mais são do que marcas registradas em
embora Bevir favoreça um “individualismo
papel ou em outro meio físico. São os indivíduos
procedimental”, sua análise requer também a in-
(tanto autores quanto leitores), dotados de “capa-
serção das redes de crenças de indivíduos parti-
cidade de agência”, que atribuem significados aos
culares no âmbito das tradições intelectuais her-
textos que interpretam. Ou seja, a busca do signi-
dadas por esses indivíduos em seus processos de
ficado de um texto ou enunciado do passado deve
socialização. O conceito de “tradição” reveste-se
sempre ser acompanhada da pergunta sobre quem
de fundamental importância, uma vez que ele con-
(indivíduos ou grupos de indivíduos, autores ou
fere um patamar mais elevado de agregação à te-
leitores) sustentava tal significado. A partir dessa
oria de Bevir. É preciso frisar que, para Bevir, o
constatação, Bevir defende aquilo que ele define
conceito de tradição assume conotações muito
como um “individualismo procedimental” na His-
distintas daquelas encontradas na utilização mais
tória das Idéias.
corrente do conceito, presente sobretudo em au-
Bevir objetiva explicitar o que os historiadores tores vinculados a perspectivas conservadoras, tais
de fato fazem quando logram atribuir significados como Michael Oakeshott e Leo Strauss. Bevir
aos textos do passado. O significado histórico (ou defende um conceito dessubstancializado,
hermenêutico) está sempre conectado às crenças antiessencialista de tradição: “As tradições não são
de determinado indivíduo. Compreender a crença entidades fixas que desempenham um papel judici-
expressa por um indivíduo equivale a compreen- al na nossa compreensão. Não nos capacitam a
der a “intenção fraca” de tal indivíduo, o que, por avaliar redes de crença particulares contra uma rede
sua vez, equivale a compreender o significado his- de crenças supostamente privilegiada ou um con-
tórico ou hermenêutico do texto11. Assim, todo junto de experiências supostamente autêntico. São,
historiador interessado em textos como registros antes, entidades em evolução que desempenham
de crenças expressas deve primeiramente situar a um papel instrumental na nossa compreensão. Aju-

11 Bevir distingue três tipos de significado: o semântico, o re-se aos enunciados como expressões de crenças de indiví-
lingüístico e o hermenêutico. Enquanto o significado se- duos particulares em condições particulares. Bevir susten-
mântico atém-se à definição das condições de verdade dos ta que os significados semântico e lingüístico são sempre
enunciados e o significado lingüístico define-se pelas con- formas de abstração do significado hermenêutico e que os
venções estabelecidas cultural e socialmente para a com- historiadores devem tomar sempre este último como seu
preensão dos enunciados, o significado hermenêutico refe- objeto de inquirição (BEVIR, 2008, cap. 2).

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dam-nos a explicar o conteúdo de redes de crença pre que passamos a acreditar em algo novo, per-
particulares relacionando-as com as redes de cren- guntamos à rede de crenças que perfilhamos como
ça anteriores relevantes” (idem, p. 263). irá ela acomodar o recém-chegado” (idem, p. 291).
Na teoria de Bevir, o conceito de tradição subs- Um dos aspectos mais relevantes da teoria da
titui os conceitos de “estrutura”, “paradigma” ou história de Bevir encontra-se em seu tratamento
“episteme”, presentes em outras abordagens. O do problema da objetividade da validação do co-
autor argumenta que sua preferência pelo concei- nhecimento na História das Idéias. É possível
to de tradição decorre do fato de que os conceitos manter-se o compromisso com o ideal de objeti-
alternativos acabam sempre por dar excessiva vidade do conhecimento histórico? Como indica-
ênfase aos fatores que “determinam” ou “limitam” mos de passagem, o autor rejeita veementemente
Um destaque para o a agência individual. A tradição, por outro lado, o fundacionalismo comprometido com a fé na
individual. conforme concebida por Bevir, consiste sobretu- acessibilidade dos “fatos puros” e na existência
do em um recurso analítico, uma espécie de “pon- de uma “razão universal”. Nosso acesso aos fa-
to de partida” para a análise das crenças expres- tos é sempre parcialmente constituído pelas cren-
sas por indivíduos. A tradição fornece um ças que sustentamos e nossos padrões de
background contra o qual é possível começar o racionalidade são sempre localmente situados. Sem
processo de entendimento da crença. Todavia, dúvida, tal antifundacionalismo deve algo às abor-
embora a tradição possa “influenciar” o processo dagens pós-modernas contemporâneas na Histó-
de constituição da crença individual, ela não “de- ria e nas Humanidades. No entanto, Bevir não acei-
termina” e nem mesmo “limita” esse processo. ta o pacote completo oferecido por tais aborda-
Os indivíduos não absorvem passivamente os gens, por avaliar que elas incorrem em um equí-
ensinamentos de uma tradição supostamente cons- voco que é o oposto do dos fundacionalistas. Os
tante. O núcleo das proposições de Bevir sobre o teóricos pós-modernos padecem de um ceticis-
papel da tradição para a compreensão dos signifi- mo radical quanto às possibilidades de conheci-
cados das crenças expressas por indivíduos no mento objetivo da história e do mundo social e
passado reside na idéia de que as pessoas apropri- político, dando curso a um inaceitável relativismo
am-se seletivamente das tradições que interpretam. conceitual. Ou seja, Bevir apóia-se nos pós-mo-
E fazem-no porque são dotadas de “capacidade de dernos para sua crítica ao fundacionalismo, mas
agência”. Assim, “uma vez que as pessoas geral- afasta-se deles o bastante para continuar cultivan-
mente querem melhorar sua herança tornando-a do um ideal de objetividade como validação do
mais coerente, mais exata e mais relevante para conhecimento histórico. Se a objetividade não pode
questões contemporâneas, não raro elas respon- mais ser aferida com o apelo aos “fatos puros” e
dem seletivamente a tal herança. Aceitam algumas à “razão universal”, isso não impede que recorra-
partes dela, modificam outras e rejeitam outras. As mos a “fatos intersubjetivamente compartilhados”
tradições mudam na medida em que vão sendo e a uma forma de “racionalidade situada”. Mais:
transmitidas de pessoa para pessoa” (idem, p. 257). como a objetividade também não pode ser asse-
gurada pelo método empregado na interpretação,
Indivíduos modificam as tradições às quais
uma vez que um método sofisticado pode resultar
recorrem bem como as redes de crença que sus-
em uma interpretação pobre, o que importa para o
tentam sempre que se deparam com “dilemas”.
julgamento dos pleitos de objetividade de uma in-
Um dilema é definido como “uma crença nova
terpretação é seu resultado final. Mais exatamen-
que, meramente em virtude de ser adotada, ques-
te, a objetividade ampara-se na comparação entre
tiona a rede de crenças na qual foi inserida. Por-
interpretações rivais de um mesmo fenômeno. Tais
tanto, o dilema surge para os indivíduos toda vez
interpretações devem ser comparadas com base
que suas reflexões em torno de passadas experi-
em um conjunto de critérios conceituais. A objeti-
ências induzem-nos a reconhecer a autoridade de
vidade deve ser compreendida muito mais como
uma nova compreensão” (idem, p. 307). A noção
um conjunto de procedimentos do que como um
de dilema procura ser mais ampla que as noções
resultado final assegurado pela correta aplicação
de “anomalia” (Kuhn) e “problema” (Popper).
de um método, seja esse qual for. Conforme re-
Essas últimas surgiram do campo da epistemologia
sume o próprio autor: “Nossa lógica da compara-
e estão muito estritamente dirigidas para o estudo
ção contém uma forma de justificação apropriada
das mudanças das crenças científicas. Já a noção
à História das Idéias. Os historiadores podem jus-
de dilema tem uma conotação mais ampla. “Sem-

315
HISTÓRIA INTELECTUAL E TEORIA POLÍTICA

tificar suas teorias demonstrando que são objeti- Enquanto as conexões condicionais referem-
vas, ali onde a objetividade decorre não de um se às relações entre crenças dos agentes, tanto
método, nem de um teste contra fatos puros, mas sincronicamente na rede de crenças quanto
sim da comparação com teorias rivais, com crité- diacronicamente na tradição, as conexões volitivas
rios de exatidão, abrangência, consistência, pro- referem-se às relações entre pró-atitudes e ações.
gressão, fecundidade e abertura” (idem, p. 136). As conexões volitivas são construídas para a expli-
cação das distorções nas crenças dos agentes
Não é o momento de seguirmos adiante no exa-
provocadas pela operação da vontade. “As cone-
me do problema da objetividade do conhecimento
xões volitivas são aquilo que a vontade cria quando
em Bevir. Deixemos em suspenso, por exemplo, a
toma uma decisão e emite a ordem correspondente
análise do autor sobre o papel crucial da crítica e
de execução” (idem, p. 48-49). Enquanto as cone-
da “honestidade intelectual” na definição
xões condicionais referem-se às crenças racionais,
procedimental de objetividade (idem, p. 130-135).
sinceras e verdadeiras, as conexões volitivas refe-
Outro tópico de relevo na teoria de Bevir de- rem-se às formas distorcidas dessas crenças.
tém-se sobre a natureza do processo de produção
Podemos concluir questionando em que me-
do conhecimento na História Intelectual e no con-
dida a lógica da História das Idéias explicitada por
junto das ciências humanas. Trata-se de reconhe-
Bevir oferece subsídios para os recentes esforços
cer a especificidade do tipo de “explicação” ade-
de fundamentação da historicidade da Teoria Po-
quado aos objetos estudados por tais disciplinas.
lítica. Nesse ponto, Bevir, que é cientista político
Como Skinner, Bevir rejeita a possibilidade da ex-
além de teórico da História, procura estender a
plicação de tipo causal para as ciências humanas.
perspectiva historicista um passo além da posição
Nisso as disciplinas humanistas diferenciam-se das
de autores como Koselleck e Skinner, evidencian-
Ciências Naturais, nas quais o conceito de expli-
do que a virada histórica e interpretativa produz
cação refere-se à descoberta de leis causais que
conseqüências não apenas na formulação da Teo-
regem as relações entre objetos.
ria Política mas também na prática da Ciência
Qualquer forma de explicação funciona medi- Política empírica. O programa do autor para a fun-
ante a postulação de conexões entre objetos. Bevir damentação de uma “Ciência Política
advoga que a explicação racional não se acomoda interpretativa” parte do princípio de que a lógica
à concepção científica (naturalista) de causalida- dos estudos políticos apresenta-se de modo simi-
de, uma vez que as conexões entre os objetos do lar à lógica da História das Idéias. Práticas e insti-
interesse das Ciências Humanas não são conexões tuições políticas são objetos que devem ser estu-
necessárias, porém dos tipos “condicionais” e dados com referência às ações dos agentes políti-
“volitivas”. Uma conexão condicional indica que cos. As ações, contudo, são sempre informadas
a relação estabelecida entre objetos não é nem por crenças que indivíduos sustentam, sejam es-
necessária nem arbitrária. Conforme sintetiza sas crenças sinceras, conscientes e racionais, se-
Bevir, “As narrativas históricas não progridem ine- jam elas crenças distorcidas pela impostura, pela
vitavelmente de um objeto para outro com cada auto-impostura ou pela irracionalidade. Assim, a
ser necessitado por seu antecessor e tornando pedra de toque do processo de interpretação das
necessário o seu sucessor. E tampouco as narra- práticas e instituições políticas são as crenças que
tivas históricas passam casualmente de um objeto informam as ações dos agentes. O estudo dos
para outro sem nenhum objeto que mantenha uma acontecimentos do passado, especialmente das
relação significativa com os que lhe são adjacen- idéias do passado, e o estudo das práticas e insti-
tes. Pelo contrário, crenças, redes de crença, tra- tuições políticas contemporâneas devem partir
dições e dilemas estão ligados condicionalmente ambos da recuperação das crenças dos agentes
uns aos outros” (idem, p. 390-391). relevantes em seus contextos de ação.

Ricardo Silva (rsilva@cfh.ufsc.br) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campi-
nas (Unicamp), com pós-doutorado em Teoria Política pela Universidade da Califórnia, campus de
Berkeley (Estados Unidos), e Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34: 347-354 OUT. 2009
ABSTRACTS

INTELLECTUAL HISTORY AND POLITICAL THEORY


Ricardo V. Silva
This essay attempts to present and analyze three theoretical endeavors within the field of intellectual
history that have contributed to enriching the prospects for a historically informed political theory.
Regardless of the fact that Kosselleck, Skinner and Bevir disagree regarding the specific object of
intellectual history (concepts, linguistic acts and expressed beliefs, respectively), these three authors
can be seen as providing formulations of a type of political theorization that is sensitive to time and to
the contingencies of political life.
Keywords: History of Concepts; linguistic contextualism; new intentionalism; Reinhart Koselleck;
Quentin Skinner; Mark Bevir.
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34: 357-365 OUT. 2009
RÉSUMÉS

HISTOIRE INTELLECTUELLE ET THÉORIE POLITIQUE


Ricardo V. Silva
L’essai présente et analyse trois entreprises théoriques, dans le domaine de l’Histoire Intellectuelle,
qui contribuent à nourrir les perspectives d’une Théorie politique historiquement informée. Même si
Koselleck, Skinner et Bevir ne sont pas d’accord quant à l’objet spécifique de l’Histoire Intellectuelle
(concepts, actes langagiers et croyances manifestées, respectivement) il est possible de dégager des
formulations des trois auteurs des contributions pour formuler un type de théorisation politique plus
sensible à la temporalité et à la contingence de la vie politique.
MOTS-CLÉS : Histoire des Concepts ; contextualisme linguistique ; nouveau intentionnalisme ;
Reinhart Koselleck ; Quentin Skinner ; Mark Bevir.

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