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IDENTIDADE EM ADOLESCENTES: GRUPOS POPULARES 27

IDENTIDADE, FAMÍLIA E RELAÇÕES SOCIAIS EM


ADOLESCENTES DE GRUPOS POPULARES

IDENTITY, FAMILY AND SOCIAL RELATIONSHIPS IN


ADOLESCENTS FROM POPULAR GROUPS

Dra. Dorian Mônica ARPINI1


Dr. Alberto Manuel QUINTANA2

RESUMO

Partindo da concepção de adolescência como um processo do


desenvolvimento que apresenta transformações nos aspectos biológicos,
psicológicos e sociais, constituindo-se numa fase que marca um
importante período na vida dos sujeitos, este estudo faz uma reflexão
sobre a construção da identidade em adolescentes de grupos populares,
problematizando as noções de infância, família, maternidade e
paternidade, assim como as relações de exclusão e violência que têm
caracterizado a vivência dos adolescentes que integram o universo dos
grupos populares.
Palavras-chave: Adolescência – grupos populares – identidade.

ABSTRACT

Having as a starting point the concept that adolescence is a development


process which presents changes in biological, psychological and social
aspects, and is a phase which marks an important period of people’s life,
this study makes a reflection on the identity construction in adolescents
from popular groups. It also shows troubles on the conceptions of
childhood, family, maternity and paternity as well as the exclusion and
violence relationships which have characterized the life of adolescents
who belong to the universe of popular groups.
Key words: adolescence, popular groups, identity.

(1)
Departamento de Psicologia, UFSM.
(2)
Departamento de Psicologia, UFSM.
Apoio FAPERGS e CNPq
Endereço para correspondência: Rua Tiradentes 23 Apto 701 - Santa Maria – RS - CEP 97050-730 - Telefone:
(0XX55) 222-3444 E-mail: darpini@fatecnet.ufsm.br

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Pensar na construção da identidade, na Para pensar na situação atual dos


formação dos sujeitos do ponto de vista adolescentes de grupos populares, precisa-se
psicológico nos leva a pensar em suas relações refletir sobre o modo como se sentem em
familiares e com o meio social, bem como nas relação a si mesmos, quando olham para si ou
experiências vivenciadas por cada um. quando percebem que todos a sua volta os
Por meio da experiência de trabalho em desqualificam e os consideram indesejáveis,
projetos de Extensão e Pesquisa, vinculados marginais, futuros delinqüentes; segundo
à Universidade Federal de Santa Maria, junto Erikson (1987), Fraga (1996), Mello (1999),
a adolescentes de grupos populares e Zaluar (1994a) essa vivência tem marcado
adolescentes em situação de risco fortemente a trajetória desses adolescentes.
(adolescente que esteve ou está sob a proteção Isso leva a alguns questionamentos
dos Conselhos Tutelares), constatou-se a fundamentais: Como não acabar confirmando
distância entre o mundo desses adolescentes toda essa expectativa social? Como resistir a
e o mundo acadêmico, o que conduz à reflexão essa negatividade que os acompanha? Onde
sobre essa realidade e sobre a necessidade encontrar seus aspectos positivos, quando a
de repensar os referenciais e as possibilidades sociedade e, muitas vezes, a família já
de atuação junto a essa população. Portanto, perderam a esperança? Em resposta a essas
o interesse deste artigo resulta de inquietações questões, Mello (1999) adverte que é muito
originadas na prática, dos sentimentos ao difícil construir e manter representações
aproximar-se desses adolescentes e dos positivas de si mesmo, levando-se em
questionamentos em relação a suas vidas e a consideração que estas são sistematicamente
seus projetos futuros, partindo do princípio de depreciadas por toda a sociedade, uma vez
que é justamente na adolescência que essas que, ao serem assim identificados, essa
questões emergem. A adolescência, como representação já vem marcada pelo que esse
processo do desenvolvimento, apresenta imaginário significa para os outros.
transformações vividas nos aspectos Nesse sentido, problematiza-se o modo
biológicos, psicológicos e sociais. Essa fase como se constrói a identidade desses
marca um importante processo na vida dos adolescentes, tendo em vista que as condições
sujeitos, pois está diretamente ligada aos sociais de marginalidade em diferentes planos
aspectos da identidade. proporcionam bases muito frágeis para a
Lane (1989) observa que o indivíduo está construção de identidades positivas.
sempre inserido num contexto histórico, de Autores como Madeira (1997), Santos
maneira que suas relações seguem um modelo (1996), Spindel (1984) e Zaluar (1994a, 1994b)
que é desenvolvido por cada sociedade e pelo têm evidenciado que as perspectivas sociais
qual cada uma se orientam. Segundo a autora, são, para esses jovens, cada vez mais
é no contexto grupal que a pessoa se identifica empobrecidas; a escola é distante, ausente e
com o outro e ao mesmo tempo se diferencia carece de sentido; o trabalho, quando
dele, construindo assim a sua identidade. acontece, é sempre desqualificado socialmente
“Quando se procura resgatar a subjetivi- ou pouco prestigiado, oferecendo pouca ou
dade, esta implica necessariamente em nenhuma garantia de condições de vida dignas.
identidade, categoria que leva ao Seu universo de perspectivas futuras é, por
conhecimento da singularidade do isso, obscuro, o que necessariamente traz
indivíduo que se exprime em termos conseqüências para a natureza da
afetivos, motivacionais, através das representação que constroem de si mesmos,
relações com os outros – ou seja, na vida por meio da qual se pode entender suas
grupal” (Lane, 1996, p.31). identidades.

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Se voltarem o olhar para a vida de seus conseguirem dar conta daquilo que deles se
pais, novamente se depararão com uma esperaria como sujeitos, os pais vivem um
perspectiva empobrecida caracterizada pela sentimento de inferioridade social e uma
realização de trabalhos desvalorizados e mal sensação de fracasso pessoal, pelo qual se
remunerados, por uma vida sem conforto, acusam e são, ao mesmo tempo, acusados.
situação tal que culmina com a ausência de Esse processo de não reconhecimento
expectativa de mudança. social, que se traduz por uma representação
Segundo Guerra (1998), isso tem gerado de inutilidade aos olhos da sociedade de
uma crise na identidade dos pais, que se vêem produção, pode ser, segundo Carreteiro (1999),
enfraquecidos, em seu papel de sujeitos o resultado do receio de perder a condição de
capazes de se converterem em suporte “trabalhador”, cuja conseqüência seria a de
identificatório para seus filhos. Ao serem pertencer à esfera da inutilidade, podendo,
considerados insignificantes no trabalho, ainda, ser o fruto de uma prática de trabalhos
insignificantes no lar, esses pais acabam socialmente desvalorizados e fisicamente
tornando-se fragilizados como modelo de desgastantes. Soma-se a esse desgaste, o
identificação. fato de esses sujeitos experimentarem,
Nesse sentido, Costa (1989) refere a profissionalmente, uma vivência de relações
crise de identidade psicológica por que passam de submissão, humilhação e menosprezo cuja
os homens trabalhadores, a ponto de não natureza evidencia que tais trabalhos são
mais poderem dar conta de suas famílias, considerados de segunda categoria, isto é,
levando-os a enfrentar a própria acusação de são vistos como ofícios inferiores e pouco
serem fracassados, inferiores, incompetentes, qualificados.
incapazes de atender àqueles atributos que os Ainda segundo Giddens (1996), os “novos
tornariam homem, termo que traduz a condição pobres” são aqueles que se encontram em
de um trabalhador capaz de manter a casa e a uma situação frágil, ou de completa exclusão
família. Assim, parece que essa situação, em no mercado de trabalho, ou que foram
virtude de não ser assumida pela estrutura completamente excluídos dele.
social, passa a ser automaticamente Dentro desse panorama social, a
considerada um problema individual, perspectiva de futuro é, com certeza, muito
determinando que os pais por ela acometidos
difícil para esses adolescentes, os quais se
de fato não possam oferecer-se como suporte
encontram à margem das possibilidades mais
identificatório, devido à sua própria situação
positivas que a sociedade oferece; vivem
de precariedade e fragilidade como sujeitos
quotidianamente a exclusão e, concretamente,
sociais.
possuem poucas esperanças de se inserirem
O conceito de desqualificação social, dignamente no mundo do trabalho.
elaborado por Paugam (1999), permite entender
esse processo de enfraquecimento da Passam, então, a viver na periferia das
identidade paterna. Segundo o autor, a grandes dimensões institucionais de saúde,
experiência de desclassificação social é uma educação e trabalho, mantendo com estas
experiência humilhante que produz uma relações de muita fragilidade, o que permite
desestabilização nas relações com o outro e entender a situação de exclusão em que se
afeta as relações familiares, convertendo-se encontram e de acordo com a qual, ora são
muitas vezes num incremento ao sentimento mantidos fora da rede de suporte social, ora
de culpa experimentado pelos pais ao se são iludidos, pela própria sociedade, de que
depararem com a impossibilidade de vencer dela fazem parte em condições de igualdade
os obstáculos encontrados. Assim, ao não em relação aos demais.

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Portanto, ao referir esses aspectos, não Dessa maneira, quando um adolescente


se pode deixar de pensar nas relações entre é excluído do universo da escola, do trabalho,
identidade e estrutura social, pois, como ele está, nesse momento, sendo incluído no
observa Ciampa (1989, 1998), as identidades espaço social da marginalidade e da
refletem a estrutura social ao mesmo tempo delinqüência. A forma como a sociedade
que reagem sobre ela, conservando-a ou organiza as relações torna difícil fugir dessa
transformando-a. Assim, as diferentes lógica. Essa dificuldade é tão grande que as
possibilidades de configurações de identidade experiências empreendidas no sentido de
estão relacionadas às diferentes configurações romper com essa nítida separação encontram
da ordem social. dificuldades para flexibilizar o processo.
É nesse sentido que Erikson (1987) alerta Refere-se aqui, mais particularmente, à
que não se pode separar a crise de identidade experiência vivenciada por adolescentes em
na vida individual da crise contemporânea no projetos de extensão vinculados à Universidade
desenvolvimento histórico, pois uma ajuda a Federal de Santa Maria, contexto que, tendo
definir a outra e estão verdadeiramente em vista que abre suas portas a adolescentes
relacionadas entre si. de grupos populares, provoca os “estranha-
mentos” em relação a esse acesso,
Lane (1995) diz que a identidade é a
evidenciados em expressões como: “que faz
categoria-síntese na qual a mediação das
essa gente aqui?” Assim, a reação à inclusão
outras pessoas seria predominante, sendo
desses sujeitos nesse universo, do qual eles
constituída historicamente no conjunto das estariam logicamente excluídos, caracteriza-
relações sociais do indivíduo. Destaca-se,
se pela intolerância em relação a seus
porém, a importância de se considerar que
comportamentos e atitudes, bem como por
todas as categorias de afetividade, consciência
tentativas de barrá-los, reações manifestadas
e atividade mantêm mútua interdependência,
por todos os segmentos no interior da
estando umas imbricadas nas outras.
instituição. Isso permite entender que a
Vygotski observa que: reversão desse processo é um caminho difícil;
“Portanto, las estructuras de las funciones porém, ele é necessário ao processo de
psíquicas superiores vienen a ser la copia problematização das relações sociais
de las relaciones colectivas, sociales estabelecidas.
entre los hombres. Dichas estructuras Para entender os adolescentes aqui
no son más que las relaciones de orden referidos, faz-se necessário repensar conceitos
social, transladas al interior de la como: família, infância, adolescência,
personalidad que contituyen la base de sexualidade, que são determinantes na
la estructura social de la personalidad construção do sujeito, sobretudo quando se
humana. La naturaleza de la personalidad trata desses adolescentes.
es social” (1996, p.228). Estudos como os de Ariès (1981), Costa
Isso reforça a importância de pensar (1983) e Santos (1996) têm evidenciado as
dialeticamente para poder entender os transformações desses conceitos, ao longo
processos nos quais as identidades vão se dos tempos, nas diferentes sociedades.
construindo, o que significa, conforme Sawaia Mostrando que a infância, a adolescência e a
(1999), pensar na dialética da exclusão/ família são conceitos definidos e construídos
inclusão como relação entre categorias que historicamente, dando lugar a compreensão
não existem por si mesmas, mas que se histórico-social desses conceitos.
constituem na própria relação que mantêm “Parte-se, portanto, da idéia de que não
entre si. existe, histórica e antropologicamente

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falando, um modelo - padrão de restringindo o ambiente doméstico e intensifi-


organização familiar; não existe a família cando a relação entre pais e filhos-Costa
regular. Menos ainda que o padrão (1983). Segundo Violante (1994), o desejo
europeu de família patriarcal, do qual materno e paterno de ter filhos é o suporte de
deriva a família nuclear burguesa (que a qualquer dimensão identificatória. A ausência
moral vitoriana da sociedade inglesa no daquele coloca o bebê num vazio identificatório
século XIX atualizou historicamente para gerador de angústia.
os tempos modernos), seja a única Assim, segundo Winnicott (1996),
possibilidade histórica de organização estariam cobertas de razão as crianças que
familiar a orientar a vida cotidiana no cobram seus pais que, depois de as terem
caminho do progresso e da modernidade” trazido à existência, não lhes garantem as
(Neder, 1994, p.28). condições mínimas de acesso a ela, privando-
Segundo Giddens (1991), o casamento e as daquilo que, na visão do autor, é a base de
a família não seriam o que hoje são se não toda a construção do sujeito.
tivessem sido inteiramente “sociologizados” e Destaca-se que a ênfase na maternagem,
“psicologizados”. como elemento privilegiado na construção da
A infância, tendo em vista que ganha o identidade, é uma concepção contaminada
estatuto de idade privilegiada (Ariès, 1981), pela maneira como a sociedade concebe a
incrementa os estudos de ordem sociológica e infância. Os estudos anteriores de Ariès (1981),
psicológica, os quais, principalmente a partir Costa (1983) e Santos (1996) mostraram que,
do século XIX, vêm marcando as diretrizes do em outras épocas, a maternagem não teve
que se torna fundamental para o bom essa mesma importância.
desenvolvimento. De fato, houve uma grande Tal esclarecimento torna-se relevante no
mudança na compreensão desses conceitos, sentido de que não acreditem que essa
bem como na percepção da importância da concepção é hegemônica, universal e, portanto,
relação materna nos primeiros anos de vida. a única possibilidade de conceber a construção
As contribuições de Winnicott (1996) da infância e da adolescência dentro de uma
são fundamentais à compreensão do valor perspectiva satisfatória. Nesse sentido,
atribuído à relação inicial da criança com sua problematiza-se essa concepção na qual a
mãe e à relação da criança com seu ambiente família nuclear é tomada como o único modelo
familiar, onde deve receber afeto, proteção, adequado a um desenvolvimento saudável.
atenção e limites, fatores fundamentais à Dessa maneira, pode-se abordar melhor as
organização futura. Para o autor, o sentido de diferentes construções decorrentes de
identidade pessoal, aspecto essencial ao ser composições familiares diversas, pois isso
humano, está totalmente condicionado à exige a flexibilização das concepções antes
existência de uma maternagem satisfatória. mencionadas, de modo a entender, sem
Ainda segundo Winnicott (1995), é preciso preconceitos ou prejuízos, grande parcela da
que as crianças tenham vivenciado a população.
experiência de holding, pois disso deriva a
Atualmente muitas famílias são
confiança básica no mundo, expressão por
monoparentais, situação em que a mãe fica
excelência da nova subjetividade.
sendo a única responsável pela manutenção
É também por meio dessas abordagens da casa, devido à morte do marido, ou mesmo
médico-psicológicas que se pode perceber sua instabilidade ou ausência do lar. Segundo
alterações na dinâmica familiar, as quais Goldani (1994), além de haver crescido o
passa, então, a privilegiar a intimidade, número de crianças que vivem somente com a

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mãe, aumentou também o tempo que as Dessa forma, entende-se que o fato de a
mulheres, na condição de mãe, permanecem mãe assumir sozinha a manutenção da família
sem cônjuge e com filhos. a sobrecarrega muito, o que a deixa mais
“As taxas crescentes de famílias com volúvel, e reduz o tempo destinado a si e aos
chefes mulheres nas áreas urbanas filhos, trazendo-lhe mais preocupações e
assumem dimensões dramáticas quando angústias, situação que, sem dúvida, se reflete
se tem presente a associação entre em sua relação com os filhos.
famílias chefiadas por mulheres e pobreza Moura (1996) destaca a importância
urbana” (Goldani, 1994, p.118). dessa problemática, observando que a família
Alves-Mazzotti, ao falar sobre a situação apresenta cada vez mais uma estrutura
das famílias de meninos e meninas na rua, diz matrilinear, na qual cabe à mãe a responsa-
que: bilidade pelo crescimento econômico da família,
fato que vem modificando a dinâmica dos
“Dentre essas características, desta-
papéis familiares.
cam-se a extrema pobreza, a condição
de migrante e a desagregação familiar – ge- A experiência de trabalho junto a
ralmente representada pela ausência do adolescentes tem evidenciado essa realidade,
pai, transferindo à mãe o papel de chefe que pode ser exemplificada, por meio do
da família” (1996, p.118). depoimento da mãe de um dos adolescentes,
a qual atribui as falhas da educação dada ao
Nesse tipo de relação, a mãe é a figura de
filho ao fato de tê-lo criado sozinha, sem a
autoridade na casa, e o fato de ser, não raro,
importante figura do pai. Hoje, teme as atitudes
ainda bastante jovem, torna-lhe difícil o
do filho que, segundo relata, não consegue
gerenciamento de todos os problemas e
controlar. Esse aspecto é evidenciado por
dificuldades decorrentes de ser pobre, ter
Zaluar ao referir que:
muitos filhos e precisar mantê-los e, ao mesmo
tempo, garantir a manutenção da casa (Sarti, “A diminuição acentuada da presença
1994). O mecanismo de controle encontrado paterna, quer por abandono físico, quer
por essas mães no cumprimento de sua função por indiferença moral e psicológica,
doméstica é a imposição da violência; elas significou um acúmulo das funções
precisam “manter as rédeas”, pois temem maternas, agora também apontada como
que, na ausência de um “pai”, as filhas e os a responsável pela moralidade da família”
filhos não venham a respeitá-las e conhecer as (1994b, p.264).
noções de limites necessárias.
Percebe-se, nas palavras da mãe
Nesse sentido, a ausência da figura anteriormente citada, que ela sente que faltou
paterna acaba construindo uma relação a “figura forte” (Moura, 1996), aquela que se
diferente no conjunto da vida familiar, o que
reveste de autoridade e com a qual os filhos se
leva a mãe a ser mais “durona” na intenção de
identificam e respeitam; aquela pessoa que,
preencher o vazio deixado pelo pai na relação
de posse de autoridade, pode orientar e, enfim,
com os filhos. A família monoparental,
controlar. Tal figura, devido a sua condição de
matrilinear, coloca a mãe nessa dupla função
poder leva à incorporação das regras de
de mulher mãe e trabalhadora, de modo que
convivência, à internalização de valores e
ela passa a exercer parte da tradicional
normas na socialização dos integrantes da
autoridade masculina para evitar fragilizar ainda
mais sua família, uma vez que não há um família.
homem para prover teto, alimento e respeito, O que se pode constatar nessa situação
ficando por conta dela a economia da família é a presença de uma noção de disciplina
(Sarti, 1994). ligada à idéia de autoridade, de força, de

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violência. Para muitas mães, e mesmo pais, a presença de um forte preconceito em relação
forma de ensinar e disciplinar passa pela às famílias das classes populares e, por
violência física, pelo medo, de modo que bater conseqüência, ao seu modo de vida.
num filho é a forma de ensinar-lhe o que é certo Segundo Neder (1994), é possível
e bom. Trata-se sempre de um ato corretivo e identificar, ainda, a permanência do preconceito
preventivo de que as mães lançam mão para nas políticas públicas em relação às famílias
evitar que percam o controle da situação, e o populares, pois estas são ainda consideradas
qual reflete a necessidade de sentirem que bestiais/bestializadas.
dominam seus filhos, domínio esse que se
É preciso, sem dúvida, adotar um outro
exerce pela força, pela ameaça ao abandono
modo de conceber a relação família/pobreza,
como forma historicamente conhecida na
no sentido de afastar-se da idéia de que os
educação dos filhos (Fonseca, 1987).
pobres são desqualificados e que os pais
Moura (1996) descreve a “síndrome da pertencentes a esse grupo são incapazes de
casa vazia”, em que a ausência dos pais, de oferecer afeto, proteção e amor a seus filhos.
acordo com a necessidade de trabalhar para Precisa-se repensar essa institucionalização
manutenção e sobrevivência familiar, priva as da concepção de família, evitando reproduzir o
crianças de uma figura de referência na tipo de relação que a sociedade estabelece
organização de seu dia-a-dia, fazendo com com essa população e com as instituições
que essas se aproximem gradativamente do que a abrigam.
mundo da rua. Existe, segundo Moura (1996),
Entretanto, percebe-se que, além de não
algo que é muito significativo na vida da criança
proporcionar as condições consideradas
que não está dado apenas pela presença
física; faz-se necessário aquilo que o autor básicas para que esses grupos possam
chama de “presença psicológica”, a qual talvez enfrentar os desafios sociais, a sociedade,
possa garantir a essa criança melhores insistentemente, os culpa por sua situação de
condições de vida, sobretudo por meio da fracasso, desamparo e passividade. Ela
possibilidade de relações de solidariedade, de individualiza cada um sem, porém, conhecer a
afeto, de proteção. história que os une e os coloca na situação de
exclusão e risco em que se encontram,
Os adolescentes de grupos populares
processo que também é individualmente vivido
evidenciam carecer do aspecto teoricamente
por seus pais e suas famílias. Como observa
considerado fundamental à formação da
Erikson (1987), a mudança desejável é
identidade. Percebe-se, portanto, que esse
concebida como uma simples questão de boa
modelo familiar, esse mito familiar já não se
vontade ou de força de vontade, ao passo que
sustenta e, embora a sociedade crie alguns
espaços sociais para dar conta dos que não a resistência a tal mudança é percebida como
uma questão de má vontade, de inferioridade
podem viver em família, isso é feito a partir de
hereditária ou de outro tipo.
uma postura de descrédito em relação a essa
população, as quais são vistas como pessoas Nas palavras de Erikson:
de segunda categoria, que devem ser “E, com efeito, é o potencial ideológico
assistidas, mas de quem não se espera um de uma sociedade que fala mais
futuro promissor. Daí deriva a crença de que se claramente ao adolescente que está tão
trata de indivíduos em que não vale a pena ansioso por ser afirmado pelos seus
investir com seriedade, mas apenas o suficiente pares, confirmado pelos professores e
para prestar contas a uma sociedade que, em inspirado por “modos de vida” que valham
sua maioria, também não espera muito mais a pena ser vividos. Por outro lado, se
do que isso. Esse fenômeno evidencia a um jovem pressentir que o meio tenta

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privá-lo radicalmente de todas as formas estabelece uma diferenciação quando se trata


de expressão que lhe permitiriam de atender e dar oportunidades, pois neste
desenvolver e integrar o passo seguinte, último caso desaparece seu interesse em
ele poderá resistir com o vigor selvático generalizar a concepção mais moderna, o que
que se encontra nos animais que são demonstra que tal sociedade não considera
forçados, subitamente, a defender a todos como sujeitos da mesma ordem.
própria vida. Pois, de fato, na selva social É nesse sentido que este trabalho busca
da existência humana não existe contribuir, permitindo uma aproximação às
sentimento vivencial sem um sentimento dificuldades e conflitivas que decorrem da
de identidade” (1987, p.130). realidade na qual se encontram, evitando que
A psicologia, sobretudo os autores as práticas sejam discriminatórias e
ligados à infância - Santos (1996), Winnicott descontextualizadas e, portanto, inadequadas
(1995, 1996) -, tem se preocupado em definir à realidade desses adolescentes.
as especificidades da infância e da
adolescência, suas necessidades, suas
características e atributos fundamentais. O REFERÊNCIAS
que se problematiza é que muitas vezes essas
teorias se referem a um núcleo determinado de ALVES-MAZZOTTI, A. J. (1996). Meninos de
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essa fala a todos os demais. Isso é familiar. Em FAUSTO, Ayrton & CERVINI,
problemático, pois essa generalização sempre Ruben. (Orgs.) O trabalho e a rua: Crianças
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os generaliza, quando trata de estabelecer um e a história da Severina (6ª ed.). São Paulo:
Brasiliense.
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diferenciada ao considerar seus espaços e Familiar (2ª ed.). Rio de Janeiro: Edições
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formação e tratamento. Com isso, fica explícito COSTA, J. F. (1989). Psicanálise e Contexto
que a própria sociedade se contradiz ao exigir Cultural: Imaginário Psicanalítico, Grupos
uma aproximação quando se trata de avaliar e e Psicoterapias. Rio de Janeiro: Campus.

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