Resumo
Este trabalho trata da linhagem do índio Camarão, a qual adquiriu
importância a partir da necessidade de proteção da Colônia, tendo
em vista que a Coroa não pretendia arcar com os gastos para a
manutenção de uma tropa estacionada em território colonial. Diante
disso, a solução encontrada foi criar uma milícia local, liderada por
Camarão, que, aos poucos, adquiriu a confiança de Portugal, dando
à sua tropa uma importância até então negada a um grupo social
periférico. Nesse sentido, pudemos entender a relevância alcançada
por Filipe Camarão e seus descendentes, que mostraram uma outra
face da História do Brasil, colocando esses povos com um poder de
atuação que interferiu ativamente nos planos e projetos idealizados
pela Coroa destinados á Colônia.
1
Doutora em História pela UFPE. Professora do Departamento de Construção
Civil e Arquitetura, Centro de Tecnologia, UFPI.
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 9, vol. 16(2), 2005
Abstract
This paper is about the lineage of the Indian Camarão who obtained
importance because of the necessity to protect the colony, in view
of the Crown’s unwell to pay the costs for maintaining his own
troupes in colonial territory. In this situation the solution was to
create an indigenous militia guided by Camarão who gradually
gained Portugal’s confidence, conferring to his troupe an impor-
tance which has been denied to socially marginalized groups up to
that date. In this sense, we can understand the relevance achieved
by Filipe Camarão and his descendents who demonstrated another
facet of Brazil’s history, giving to these people the power for inter-
vening actively in the plans and projects idealized by the Crown for
the colony.
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LPEH - AHU. Papéis avulsos. Caixa 3. 24 de julho de 1650.
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[...] declara que o posto que Vossa Alteza lhe confirma de capitão
mor governador dos índios das capitanias de Pernambuco há desde
o Rio de São Francisco até a capitania do Seará em que se emcluem
as capitanias de Itamaracá Parahiba Rio Grande que são as em que
há índios para sugeitar a obediencia de Vossa Alteza e que nas
aldeias que houve destes índios como nas que agora se não ponhão
capitães por ter quiser para os governar por se engrade detrimento
dos ditos índios. (ibid.:83)
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Camarão, até a presente data, é objeto de estudo dos autores aqui no-
meados. Sem se chegar a uma conclusão satisfatória para o resgate da
história e cultura de toda uma gente.
O rei Filipe IV deu a Camarão o título de “Dom”. Ele também
recebeu o título de “Capitão-mor e Governador de todos os índios do
Brasil”, as comendas “Cavaleiro da Ordem de Cristo” e dos “Moinhos
de Saure e o Brasão das Armas” 4. As honrarias concedidas a Camarão
significaram o reconhecimento de seus méritos junto à Coroa, além de
ter um efeito devastador sobre a elite colonial local, que se viu impossi-
bilitada de oferecer qualquer resistência a um índio que alcançou títulos
desejados por todos. Tal situação representou, em última instância, não
apenas uma promoção militar, mas significou, sobretudo, um degrau a
mais no status social na Colônia junto aos demais pertencentes à elite.
Este aspecto relativo ao personagem em foco torna-se mais interessante
quando se constata que o nome Camarão tornou-se um título. Este foi
concedido pela nobreza real, que administrava a Colônia, a seus suces-
sores: “a todos governadores e capitães-mores dos índios que habitavam
a região do Rio São Francisco que tenham o seu último nome Cama-
rão”5. Sabe-se que o primeiro sucessor de D. Antônio Filipe Camarão era
filho de seu primo Francisco Pinheiro Camarão, cujo nome era dom
Diogo Pinheiro Camarão, e o filho deste último, dom Sebastião Pinheiro
Camarão, sucedeu a seu pai (Documentos 1937).
Segundo José Antônio, Camarão ter-se-ia destacado nas batalhas
ocorridas em Pernambuco, na guerra contra os holandeses em Pernam-
buco, fato que justificou as honrarias e títulos da Coroa portuguesa. A
partir daí, passou a ter visibilidade nas questões militares na Colônia.
4
LPEH – T.T. Livro 36, fls. 10/10v. Chancelaria da ordem de Cristo, carta da
comenda dos Moinhos de Soure Lisboa, 3 de março de 1641.
5
LPEH – AHU Cód. 1555, fls. 145. Carta de comenda do título de Dom
Camarão. Lisboa, 9 de julho de 1659.
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LPEH – AHU, Papéis Avulsos. Carta do Capitão Barbalho ao Conde da Torre.
Arraial do Bom Jesus, 26 de março de 1640.
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Nassau foi avisado de que “correm notícias de que ele se reconciliou com o ini-
migo” (Barléus 1974:349).
8
IAHGP – Or Livro 2a. fl. 14. Correspondência que trata das instruções sobre a
guerra contra os flamengos. Lisboa, 27 de fevereiro de 1638.
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IAHGP – Or Livro 2a. fl. 14. Correspondência que trata das instruções sobre a
guerra contra os flamengos. Lisboa, 27 de fevereiro de 1638, p. 39.
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LPEH – AHU. Papéis Avulsos. Caixa 6. Certidão datada do Arraial do Bom
Jesus, anexa a um requerimento de Antônio Pessoa. 23 de julho de 1642.
11 LPEH – AHU Papéis Avulsos, Caixa 6. Certidão real ao Governador Geral
do Brasil. Lisboa, 23 de julho de 1642.
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IAHGP – Or Livro 3o fls. 133/133v.; Freire (1891), Barléus (1974:83).
14
IAHGP – Or Livro 3o fl. 2. Pedido para a compra de cavalos para formação de
uma tropa de cavalaria. Lisboa, 25 de fevereiro de 1665.
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[...] com muita dor e sentimento, porém o temor que tinham dos
holandeses e índios, e o verem-se em liberdade, os fazia esquece-
rem-se dos bens e cômodos que deixavam; e assim todos se puse-
ram a caminho com suas famílias, uns a cavalo, outros a pé e outros
em carro, protegidos por Antonio Felippe Camarão.15
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Bibliografia
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