Camila Muhl1
As relações entre estigma e os transtornos mentais já foram amplamente discutidas, como nos
trabalhos de Nunes e Torronté (2009), Loch (2011) e Martins et al (2013), esse trabalho não
se dispõe, portanto, a esmiuçar ainda mais essa relação. O objetivo desse estudo é mostrar que
as pessoas com transtornos mentais são estigmatizadas, ou podem vir a ser, de maneira muito
particular em relação às outras pessoas com estigma e se, conforme nosso argumento, essas
pessoas são estigmatizadas de uma forma diferenciada, o método de investigar como ocorre
esse processo com as pessoas com transtornos mentais também precisa ser pensado nessa
particularidade. Para pensar esse processo de atribuição de um estigma e seu estudo posterior,
vamos voltar à obra de Goffman, e realizar uma análise teórica. Goffman (1988) entende que
um estigma surge de uma discrepância entre a identidade social virtual - as características que
imputamos a um indivíduo - e a identidade social real – as características que esse indivíduo
de fato apresenta: quando olhamos um estranho a nossa frente, e percebemos atributos que o
torna diferente dos outros, ele passa a ser incluído numa categoria menos desejável,
reduzindo-o a uma pessoa estragada, diminuída, o termo estigma então é usado em referência
a um atributo profundamente depreciativo, mas na realidade se trata apenas dos atributos
propriamente ditos, mas das relações, já que “Um atributo que estigmatiza alguém pode
confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem
desonroso” (GOFFMAN, 1988, p. 06). A partir da definição de estigma como a situação em
que o indivíduo está inabilitado para a aceitação social plena, Goffman (1988) separa as
pessoas com um estigma em duas categorias, por um lado, temos as pessoas desacreditadas,
aquelas em que o motivo de serem estigmatizadas fica visível em qualquer encontro face a
face, e de outro, temos as pessoas desacreditáveis, que apesar de terem um motivo para serem
estigmatizadas, esse não é aparente, e portanto, essas pessoas podem manipular a informação
a seu respeito, evitando que as outras pessoas descubram o seu atributo depreciativo. Todo o
trabalho que Goffman (1988) apresenta sobre o estigma tem como base essa divisão, como a
forma de resposta – os desacreditados precisam controlar a tensão enquanto os desacreditáveis
precisam manipular a informação – as estratégias utilizadas em relação ao estigma – os
desacreditáveis usam do “encobrimento” para que seu estigma passe despercebido enquanto
os desacreditados usam do “acobertamento” onde fazem grandes esforços para que seu
atributo depreciativo apareça menos – e mesmo a carreira moral e a metodologia de estudo
serão diferentes entre esses dois casos. Essa classificação parece não estar completamente
adequada as pessoas com transtornos mentais, pela intermitência destes: quando uma pessoa
está em surto o seu transtorno mental fica evidente em qualquer contato interpessoal, ela pode
ser classificada como desacreditada, mas se os sintomas estiverem em remissiva, o que é
habitual em alguns transtornos ou que pode ser efeito do uso de medicação adequada, o
transtorno mental já não é facilmente identificado, a pessoa assume o status de desacreditável,
e pode manipular a informação ao seu respeito, escondendo seu sofrimento psíquico,
possíveis internações em Instituições Psiquiátricas e seu atendimento na rede de atenção à
saúde mental. As pessoas com transtornos mentais podem assumir então os dois papéis, tanto
de desacreditadas como de desacreditáveis, possibilidade esta que não está prevista na obra de
1
Universidade Federal do Paraná
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. Lisboa: Texto & Grafia, 2008.
LOCH, Alexandre Andrade et al . O estigma atribuído pelos psiquiatras aos indivíduos com
esquizofrenia. Rev. psiquiatria clínica, São Paulo, v. 38, n. 5, 2011 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
60832011000500001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 Out. 2013.
NUNES, Mônica; TORRENTÈ, Maurice de. Estigma e violências no trato com a loucura:
narrativas de Centros de Atenção Psicossocial, Bahia e Sergipe. Rev. Saúde Pública, São
Paulo, v. 43, supl. 1, Agosto 2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
89102009000800015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 Out. 2013.