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Ação Direta de Inconstitucionalidade

Clèmerson Merlin Clève

Sumário
Introdução. 1. Primeiros apontamentos. 2.
Natureza, finalidade e procedimento. 3. Legiti-
midade processual ativa e passiva. 4. Participa-
ção dos amici curiae. 5. Os atos impugnáveis por
meio de ação direta genérica. 6. A declaração
de inconstitucionalidade e seus efeitos. Consi-
derações finais.

Introdução
Se, até o advento da Constituição Federal
de 1988, a via mais comum de manifestação
do controle da constitucionalidade brasileiro
era a difusa, a partir de então se destacou a
fiscalização abstrata. Isso pela previsão de
novas ações que desencadeiam a fiscalização
em tese1, pelo aumento do rol de legitimados
ativos e pela previsão de mecanismos que
potencializam o controle abstrato.
O número de ações diretas que tramitam
no STF é significativo2 e reflete não só o in-
1
Como mecanismo de controle abstrato, a Consti-
tuição de 1988 trouxe a ação direta de inconstituciona-
lidade por ação, a ação direta de inconstitucionalidade
por omissão e a argüição de descumprimento de pre-
ceito fundamental, prevendo também a representação
de inconstitucionalidade estadual. Com a Emenda
no 03/93, incorporou-se ao sistema constitucional a
ação declaratória da constitucionalidade.
2
Em 2006, foram distribuídas 192 ações diretas
de inconstitucionalidade no Supremo. Em 2007, 158
Com a colaboração das alunas do programa
e no corrente ano já constam 63 ações diretas distri-
de pós-graduação em Direito da UFPR Heloísa buídas (Relatório de atividades do Supremo Tribunal
da Silva Krol (doutoranda), Cláudia Honório e Federal–biênio 2006/2008. Disponível em: <www.stf.
Ana Lucia Pretto Pereira (mestrandas). gov.br>. Acesso em: 26 ago. 2008).

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cremento do controle abstrato, mas também ao momento de pontuar as tensões que o
da própria jurisdição constitucional brasi- crescimento da atividade judicial encerra
leira3. Com a Constituição de 1988, fez-se com os postulados democráticos5. Não se
valer a tese da força normativa das disposi- trata de defender uma postura deferente
ções constitucionais, o que acarretou maior da jurisdição constitucional em todos os
atuação da jurisdição constitucional4. momentos, mas, sim, de considerar que
Mas se, por um lado e em um primeiro a sua atuação pode ser problemática em
momento, a tônica do constitucionalismo um ambiente marcado pelo compromisso
brasileiro foi a efetividade das normas cons- democrático, sendo esse o pano de fundo
titucionais, aprendida essa lição, chega-se da presente abordagem.
3
Não só ocorreu o incremento da fiscalização abs-
trata, mas também se observa uma “abstrativização”
do controle concreto. Em decisões recentes, o Supremo 1. Primeiros apontamentos
aplicou a técnica da modulação de efeitos (natural do
controle abstrato) em sede de controle incidental (RE-
O constituinte de 1988 foi feliz nas ino-
AgR 516296, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 10-4-2007); vações que trouxe à fiscalização de cons-
conferiu efeitos gerais à decisão proferida no Mandado titucionalidade, atendendo ao espírito de
de Injunção no 670 (MI n. 670, rel. Min. Gilmar Mendes, uma Constituição democrática, igualitária e
25-10-2007, Informativo STF/485), instrumento que de-
sencadeia uma fiscalização incidental da constituciona-
pluralista. A partir da Carta de 1934, e até a
lidade. Inclusive, há uma tendência de reduzir o papel de 1946, havia um modelo difuso incidental
do Senado Federal (artigo 52, X, da CF) no controle de constitucionalidade das leis, fortemente
concreto da constitucionalidade. Na Reclamação no influenciado pelo constitucionalismo norte-
4335, discute-se afronta à decisão proferida pelo STF no
HC no 82.959, no qual se declarou incidentalmente a in- americano.
constitucionalidade do § 1o do art. 2o da Lei no 8072/90. A ação direta interventiva, embora
Na decisão, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes assen- prevista já na Constituição de 1934, inau-
tou que se alterou de forma radical a concepção sobre
gurou um controle direto, porém tendo
a divisão de poderes, tornando comum no sistema a
decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a em vista a análise de um caso concreto no
EC 16/65 e a CF 67/69. Assim, entende necessária a qual se alegava a violação de princípios
reinterpretação dos institutos vinculados ao controle constitucionais sensíveis (organização
incidental de inconstitucionalidade, notadamente o
da exigência da maioria absoluta para declaração de
federativa e republicana). Assim, além de
inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da ser um controle concentrado/concreto, a
lei pelo Senado Federal. Para o Ministro, a suspensão
de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito constitucionais têm normatividade e podem ser apli-
de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle cadas de forma imediata, embora, devido à natureza
incidental, declarar, definitivamente, que a lei é incons- principiológica de alguns dispositivos, admita-se a
titucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a ponderação e a restrição do âmbito de proteção no
comunicação àquela Casa legislativa para que publique caso concreto. Sobre o tema: (BARROSO, 2005, p. 61-
a decisão no Diário do Congresso. Concluiu que as de- 77; CLÈVE, SOUZA NETO, 2006. p. 1-18).
cisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram 5
Um dos principais debates no direito constitu-
a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão cional contemporâneo envolve a tensão entre demo-
do STF no HC 82959/SP. A questão não foi decidida cracia e constitucionalismo, que se manifesta de modo
ainda pelo STF, aguardando-se voto do Ministro Ricar- significativo quando os juízes e tribunais exercem a
do Lewandowski. O Ministro Eros Grau acompanhou jurisdição constitucional. Trata-se de discussão que
o relator, julgando procedente a reclamação. O então pode ser enfrentada com base em argumentos in-
Ministro Sepúlveda Pertence, por sua vez, votou pela tertemporais, na linha desenvolvida por John Elster
improcedência, porém concedendo habeas corpus de (2002. p. 115; ELSTER, 1999. p. 41); procedimentalistas,
ofício. O Ministro Joaquim Barbosa não conheceu da conforme faz Jürgen Habermas (1997), entre outros;
reclamação, mas se manifestou a favor da concessão ou substancialistas como John Rawls (2000. p. 262-264,
ex officio do habeas corpus (Rcl 4.335, rel. Min. Gilmar 281-290). Devido à complexidade do tema, faz-se aqui
Mendes, 19-04-2007, Informativo STF/463). apenas o registro do debate, observando que nenhuma
4
A doutrina brasileira da efetividade valeu-se de discussão séria sobre a fiscalização da constituciona-
uma pedagogia constitucional para assentar, no âm- lidade pode ignorar a tensão imanente e constitutiva
bito acadêmico e jurisprudencial, que as disposições do Estado Democrático de Direito.

142 Revista de Informação Legislativa


parametricidade da ação interventiva era 2. Natureza, finalidade e procedimento
restrita6.
A ADI configura verdadeira ação. En-
A Emenda Constitucional n o 16/65
volve inauguração de processo objetivo, por
trouxe o embrião da ação direta de in-
prestar-se à defesa da ordem constitucional
constitucionalidade – a representação de
objetiva, sem a existência de lide, controvér-
inconstitucionalidade –, podendo ser aforada
sia subjetiva e partes (entendidas no sentido
apenas pelo Procurador-Geral da República
material7) que lhe componham o fundo. Daí
perante o STF, para impugnar ato norma-
ser instrumento de verificação da validade
tivo federal ou estadual que ofendesse a
de norma em tese ou em abstrato8. Por ser
Constituição (incluindo seus princípios
processo especial, constitucional, admite,
implícitos). Houve, portanto, significativa
com cautela, a recepção de normas da le-
ampliação do âmbito material de contro-
gislação processual subjetiva9.
le. O que se incorporou no ordenamento
O parâmetro de controle da fiscalização
foi um mecanismo de controle abstrato
abstrata é amplo, compreendendo toda
e concentrado de constitucionalidade. A
a Constituição, independentemente das
Constituição de 1988 transforma a antiga
normas apontadas pelo requerente10. Isso
representação de inconstitucionalidade na
porque o STF vincula-se, apenas, ao pedido
ação direta de inconstitucionalidade, além de
declaratório da ADI, e não à causa de pedir
manter o controle difuso incidental.
(CLÈVE, 2000, p. 154-155). Afinal, a Cons-
O elastecimento do âmbito material
tituição há de ser interpretada em seu
da ADI veio acompanhado da ampliação
todo, sistematicamente, e não em tiras11.
do rol de legitimados ativos. Apesar de
Nesse ponto, observe-se que a jurispru-
serem pontos positivos, é verdade que o
dência do Supremo incorreu em pequena
incremento do controle abstrato principal
flexibilização, ao estender a declaração de
pode significar a compressão do controle
inconstitucionalidade a dispositivos não
difuso incidental. A Constituição de 1988,
impugnados na ADI, quando a decisão
ao trazer, ao lado da ADI, a ADPF, e a cria-
implicar o esvaziamento da lei em tese. É
ção da ADC, por meio da Emenda Cons-
a inconstitucionalidade por arrastamento12,
titucional no 3, continua essa tendência. O
que não configura, registre-se, espécie de
processo de concentração avança ainda
mais com a Emenda Constitucional no 45, 7
“Natureza objetiva dos processos de controle
que institui a súmula vinculante e traz nova abstrato de normas. Não identificação de réus ou de
normatividade para o Recurso Extraordi- partes contrárias. Os eventuais requerentes atuam no
nário (a repercussão geral). Tais inovações interesse da preservação da segurança jurídica e não
na defesa de um interesse próprio” (ADI 2.982-ED,
demonstram a verticalização dos órgãos
rel. Min. Gilmar Mendes, DJ, 22-9-2006).
jurisdicionais no exercício da jurisdição 8
ADI 1.552-MC, rel. Min. Celso de Mello, decisão
constitucional, caracterizando-se o siste- monocrática, DJ, 7-3-2002.
ma brasileiro pela tendencial concentração.
9
Exemplos de não recepção das regras processuais
comuns: ADI 2.130-AgR, rel. Min. Celso de Mello, DJ,
Enquanto se comprime o controle difuso 14-12-2001, AI 646.265 e AI 639.017.
incidental, amplia-se o controle abstrato 10
AI 413.210-AgR-ED-ED, rel. Min. Ellen Gracie,
principal. DJ, 10-12-2004.
11
Cf. GRAU, 2007.
6
Peculiaridade da ação direta interventiva é a na- 12
ADI 2.982-ED, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ
tureza da decisão proferida pelo STF, que não nulifica 22-9-2006. Também: ADI 1.144. Situação diversa é
o ato impugnado, mas se limita a declarar a inconstitu- a hipótese de inconstitucionalidade reflexa, quando,
cionalidade sem pronúncia de nulidade. Portanto, há realmente, o parâmetro de controle é legal, e não
muito tempo o sistema brasileiro conhece essa técnica constitucional, no que se afasta, pois, a competência
de decisão. Sobre o tema: (BARROSO, 2004. p. 251; do Supremo. Cf. ADI 2.535-MC, Rel. Min. Sepúlveda
CLÈVE, 2000. p. 125; MENDES, 2007. p. 370). Pertence, DJ, 21-11-2003.

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inconstitucionalidade conseqüente13, tam- nada, pelo relator, audiência pública para
pouco ampliação do pedido, mas, simples- a oitiva de expertos na matéria discutida
mente, resultado que decorre do próprio (art. 9o, §1o). Depois disso, havendo medida
conteúdo veiculado pela norma atacada. cautelar, esta será decidida pela maioria
Passados onze anos da promulgação absoluta dos membros da Corte (art. 10),
da Constituição, o processo e julgamento ou, em caso de relevância da matéria e
das ações direta de inconstitucionalidade e especial significado para a ordem social e
declaratória de ADI e ADC recebem regula- a segurança jurídica, o processo poderá ser
mentação (ora específica, ora compartilha- diretamente submetido a julgamento (art.
da14), com a Lei no 9.868/99. No que toca à 12). Tocante à decisão de mérito, o quorum
ação direta, temos na referida lei a previsão qualificado para instalação da sessão (art.
de um procedimento abreviado, em virtude 22) bem como a maioria qualificada exigida
da natureza objetiva da ação: apresenta-se para a decisão (art. 23) refletem a importân-
petição inicial, fundamentada, sob pena de cia que assume a decisão definitiva sobre a
inépcia15 (art. 3o); em seguida, são prestadas adequação do ato normativo à Constituição.
as informações pelos órgãos ou autoridades Será, afinal, uma decisão irrecorrível (art.
requeridos (art. 6o), quando, então, poderão 26)16, irrescindível (art. 26)17, com eficácia
ser ouvidos outros órgãos ou entidades, em contra todos e efeito vinculante (art. 28,
virtude da relevância da matéria (art. 7o, § parágrafo único), podendo, nada obstante,
2o); na seqüência, são ouvidos o AGU e o ter seus efeitos manipulados quando pre-
PGR (art. 8o), podendo, ainda, ser desig- sentes razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social (art. 27).
13
Consoante José Manuel M. Cardoso da Costa
(apud CLÈVE, 2000, p. 155), ao afirmar que, “se o
Tribunal concluir pela inconstitucionalidade de 3. Legitimidade processual ativa e passiva
uma dessas normas, nem por isso pode declarar a
inconstitucionalidade por identidade de razão, ou A maior alteração da ADI, em relação
sequer a inconstitucionalidade conseqüente, de outras à antiga representação de inconstituciona-
normas do mesmo diploma que o requerente não haja lidade, é a ampliação do leque dos legiti-
nomeado”. mados para sua propositura18. Trata-se de
14
No ponto, é interessante observar que, em sua
origem, a representação interventiva poderia ser entendi- novo estatuto voltado à garantia dos direi-
da como ação de caráter ambivalente, porque eficaz tanto tos das minorias. Não se chegou, contudo,
como ação direta de inconstitucionalidade, quanto a configurar a ADI como actio popularis. O
como ação declaratória de constitucionalidade. É o que
o Supremo Tribunal Federal deu a entender quando 16
Salvo a possibilidade de interposição de em-
julgou procedentes embargos infringentes opostos bargos de declaração, opostos, somente, em face de
pelo próprio Procurador-Geral da República, contra decisão colegiada do Tribunal, consoante art. 337 do
decisão procedente sobre representação de inconstitu- Regimento Interno do STF.
cionalidade por ele movida (MENDES, 2007, p. 183). 17
O Supremo já teve oportunidade de manifestar-se
Todavia, embora definidas, na Constituição, como ações sobre a constitucionalidade do art. 26 da Lei no 9.868/99,
distintas, em recentes julgados o STF tem manifestado quando, então, afastou a alegação de ofensa ao princípio
o antigo entendimento, admitindo ADI e a ADC en- da inafastabilidade da jurisdição, decorrente, em tese, da
quanto ações iguais, porém, “com sinal trocado”, por: a) vedação à propositura de ação rescisória sobre decisão
guardarem objeto semelhante, que é a decisão definitiva no âmbito da ação direta. ADI 2.154 e ADI 2.258, rel. Min.
sobre a conformidade do ato normativo em relação à Sepúlveda Pertence, j. 14-2-2007, Informativo 456.
Constituição da República; e b) surtirem o mesmo efeito 18
No regime anterior, como visto, apenas o
vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e Procurador-Geral da República tinha legitimidade
da administração pública direta e indireta. RE 431.715- para desencadear a fiscalização abstrata, mas o artigo
AgR, Rcl 2.256 e Rcl 1.880-AgR. 103 da Constituição trouxe um rol muito maior de
15
Na ADI 1.775, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 18- legitimados, o que a doutrina identifica como uma
5-2001, a petição inicial foi considerada inepta por ter democratização do controle abstrato, não obstante a
sido indicada genérica e abstratamente a ofensa da lei não-atribuição de legitimidade a qualquer cidadão. A
à Constituição, restando ausentes os fatos e os funda- respeito do tema: CLEVE, 2007, p. 88-90; FERRARI,
mentos jurídicos do pedido, com suas especificações. 2004. p. 97-103; MENDES, 2007, p. 86-87.

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controle difuso, em alguma medida, supre Governadores de Estado ou do Distrito
essa lacuna19. Federal26 e Mesa de Assembléia Legislativa
A ampliação do rol de legitimados à do Estado ou da Câmara Legislativa do
argüição abstrata de inconstitucionalida- Distrito Federal. A partir disso, é possível
de, somada ao que se chamou de inflação distinguir os legitimados especiais – de quem
legislativa20, acarretou um aumento signi- o Supremo tem exigido a comprovação do
ficativo do volume de demandas. Assim, requisito da pertinência temática como
o Tribunal foi levado a criar mecanismos condição de admissibilidade da ação – dos
para restringir o número de ações diretas21. legitimados universais (o Presidente da Re-
Um exemplo é o requisito da pertinência pública, a Mesa do Senado Federal, a Mesa
temática22, exigido, inicialmente, apenas das da Câmara dos Deputados, o Procurador-
entidades de classe de âmbito nacional23, Geral da República e o Conselho Federal
sendo estendido, em seguida, às confede- da OAB). Esse é, portanto, o conjunto dos
rações sindicais24, aos partidos políticos25, legitimados ativos.
Os legitimados passivos da ADI são os
19
A admissibilidade da ADI não está condicionada órgãos legislativos ou autoridades respon-
à inviabilidade do controle difuso (ADI 3.205). Por sáveis pela edição do ato impugnado, sem
sua vez, o debate constitucional em sede de controle olvidar que, uma vez que se trata de proces-
difuso, em princípio, é obstado em razão de decisão
já proferida em sede de ação direta, salvo a discussão
so objetivo, a demanda não se volta contra
de questões eminentemente singulares, relacionadas alguém, e sim se dirige contra ato normativo
ao caso concreto em exame. ilegítimo do ponto de vista constitucional.
20
Uma breve comparação quanto ao número Questão que merece atenção diz respei-
de ações de inconstitucionalidade ajuizadas antes
e depois da Constituição de 1988, bem como notas
to à participação obrigatória do Advogado-
acerca da inflação legislativa podem ser consultadas Geral da União na defesa do ato impug-
em nosso A Fiscalização..., p. 161-162. nado. Embora o STF já tenha pacificado
21
O que deve ser visto com certa cautela, sob o entendimento de que a defesa do ato
pena de serem criadas restrições não autorizadas pela
impugnado, pelo AGU, é compulsória27, é
Constituição, incompatíveis não apenas com o sistema
normativo, mas também com o caráter democrático importante salientar, como já dissemos em
que deve permear a jurisdição. outra oportunidade (CLÉVE, 2001, p. 180-
22
Que nada mais é do que a congruência temática 181), a posição difícil do Advogado-Geral
entre as finalidades estatutárias ou os interesses da
da União, ao vincular-se à propositura da
unidade federativa e o conteúdo da norma impug-
nada. Cf. ADI 2.618-AgR-AgR, ADI 2.656, ADI 2.747 ADI, na qualidade de assessor jurídico
e ADI 3.059-MC. da Presidência, e ao vincular-se à defesa
23
Exceção à interpretação restritiva conferida pelo do ato por ela impugnado, na qualidade
STF é a mudança de entendimento com relação à ile- de curador especial da norma. Reitera-se
gitimidade ativa das entidades de classe de segundo
grau, também chamadas associações de associações. a desnecessidade de curador especial em
Com efeito, entendia o Supremo que tais entidades processo objetivo. Ademais, as informações
não representavam, diretamente, interesses de seus prestadas pelos legitimados passivos asse-
associados como pessoas físicas, e, sim, das pessoas
jurídicas associadas. O posicionamento foi revisto, anterior: Cf. ADI 3.867, rel. Min. Cármen Lúcia, deci-
admitindo-se a legitimidade ativa dessas entidades. são monocrática, DJE, 29-2-2008.
Cf. ADI 3.153-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 26
O STF já se manifestou pela necessidade da per-
DJ, 9-9-2005; ADI 2.797 e ADI 2.860, rel. Min. Sepúl- tinência temática em ADI proposta pelo Governador
veda Pertence, DJ, 19-12-2006. do Distrito Federal, tal como entende em relação aos
24
Ressalte-se que os sindicatos e federações não Governadores de Estados, consoante se extrai do voto
possuem legitimidade para suscitar o controle con- do Min. Eros Grau, relator da ADI 3.312.
centrado de constitucionalidade. Cf. ADI 1.599-MC, 27
Cf. ADI 1.350, ADI 72-QO, ADI 1.434-MC, ADI
rel. Min. Maurício Corrêa, DJ, 18-5-2001. 1.254-AgR e ADI 242. Exceto, contudo, quando a
25
Mesmo que tenham perdido sua representação Corte já tenha firmado posicionamento sobre a tese
no Congresso Nacional após a propositura da ADI. É a ser defendida, quando, então, o Advogado-Geral é
o que tem entendido o STF, revendo posicionamento dispensado da defesa: ADI 1.616.

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guram não só o contraditório, mas ampla de controle abstrato da constitucionalidade
cognição da matéria. ao favorecer sua democratização. A partici-
pação enriquece o processo com elementos
4. Participação dos amici curiae de informação e a experiência que o amicus
curiae pode transmitir à Corte. Considerando
As decisões da Corte podem apresen- que do controle abstrato de constitucionali-
tar menor legitimidade caso a discussão dade decorrem implicações políticas, sociais,
restrinja-se aos argumentos do legitimado econômicas, jurídicas e culturais, a abertura
ativo, do Procurador-Geral da República, do
da discussão adquire grande significado32.
Advogado-Geral da União e do órgão que
Com o veto ao § 1o do art. 7o da Lei no
produziu o ato normativo. Questões rele-
9.868/99, ficou indefinido o prazo para a
vantes podem não ser suscitadas pelos par-
manifestação dos órgãos e entidades. O
tícipes do processo. Por essa razão, apesar
STF entende que o pedido de admissão
de o caput do art. 7o da Lei no 9.868/99 vedar
deve ser formulado no prazo de que dis-
a intervenção de terceiros no processo de
põem as autoridades das quais emanou o
ação direta de inconstitucionalidade28 (pois
ato impugnado para prestar informações.
se trata de processo de natureza objetiva),
Todavia, é possível cogitar a admissão de
o seu § 2o consagra29, excepcionalmente, a
intervenção de quaisquer órgãos e entidades amicus curiae fora desse prazo, consideran-
no processo30. Para tanto, devem ser atendi- do a relevância do caso ou a notória con-
dos, conforme apreciação do relator, os re- tribuição que a manifestação possa trazer
quisitos (i) da relevância da matéria discuti- para o julgamento da causa33. Há sempre o
da (pertinência com os interesses protegidos cuidado de impedir transtornos ao proce-
por aquele que pretende ingressar no feito) dimento, o que pode suceder, por exemplo,
e (ii) da representatividade do postulante31. quando o pedido de intervenção ocorrer na
A idéia é de que todos são intérpretes da 32
Sobre a importância da intervenção dos amici
Constituição (HABERLE, 1997). curiae, conferir o pronunciamento marcante do Min.
A participação dos interessados – os amici Celso de Mello na ADI-MC no 2130/SC. Citem-se tam-
curiae, amicus curiae, no singular (instituto bém: ADI 3.921, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ, 31-10-
2007; ADI 3.819-ED, rel. Min. Eros Grau, DJ, 13-6-2007;
originário do direito anglo-saxão) – qualifi- ADI 3.620, rel. Min. Marco Aurélio, DJ, 8-5-2007; ADI
ca-se como fator de legitimação das decisões 3.494, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ, de 8-3-2006; ADI
da Suprema Corte, aperfeiçoando o sistema 2.321-MC, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 10-6-2005; ADI-
MC no 2130/SC, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 02-2-2001.
28
Desde a Emenda Regimental no 2, de 1985, edita- Não se olvide, contudo, que, apesar de a participação
da pelo STF, não mais foi admitida a presença de assis- dos amici curiae ser saudável para a democratização
tente na via direta de controle de constitucionalidade. do controle abstrato de constitucionalidade, a sua
29
Utiliza-se o verbo “consagrar” pelo fato de o participação não elide a dificuldade do Judiciário em
STF ter admitido a manifestação de interessados na lidar com temas técnicos ou específicos, nem supre o
ação direta mesmo antes da norma autorizadora. Cf deficit de legitimidade de suas decisões.
ADI-AgR  748/RS, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 18- 33
ADC 18, rel. Min. Menezes Direito, DJE, 2-5-
11-1994, p. 31392. 2008; ADI 3.725, rel. Min. Menezes Direito, DJE, 7-8-
30
Discute-se a natureza jurídica da intervenção do 2008. Tal entendimento se coaduna com o disposto no
amicus curiae. Gustavo Binenbojm e Antonio do Passo art. 9o, § 1o, da Lei no 9.868/99: “Art. 9o Vencidos os
Cabral (2003, p. 119-123) sustentam ser um terceiro prazos do artigo anterior, o relator lançará o relatório,
especial; Edgard Bueno Filho entende se tratar de com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para
assistente qualificado. julgamento. § 1o Em caso de necessidade de escla-
31
“Art. 7 o – Não se admitirá intervenção de recimento de matéria ou circunstância de fato ou de
terceiros no processo de ação direta de inconstitucio- notória insuficiência das informações existentes nos
nalidade. § 2o O relator, considerando a relevância autos, poderá o relator requisitar informações adicio-
da matéria e a representatividade dos postulantes, nais, designar perito ou comissão de peritos para que
poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em
o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com
de outros órgãos ou entidades”. experiência e autoridade na matéria”.

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véspera da sessão de julgamento34 ou após de peritos, nos termos do art. 9o, § 1o, da
terem sido prolatados votos35. Uma vez Lei no 9.868/99.
admitido o ingresso no feito, o requerente
terá o prazo de trinta dias para apresentar
5. Os atos impugnáveis por
suas razões36. Ressalte-se que os “amigos da
corte” não têm legitimidade para recorrer meio de ação direta genérica
de qualquer decisão proferida em processo Impugna-se por meio de ação direta de
de ação direta, com exceção daquela que inconstitucionalidade lei ou ato normativo
indeferiu sua intervenção na causa37. federal ou estadual. Excluem-se do campo da
Por fim, saliente-se que a salutar per- ação direta, portanto, os atos municipais39 e
meabilidade aos fatos e a democratização distritais editados no exercício de compe-
do controle concentrado de constituciona- tência legislativa municipal40.
lidade têm sido fortalecidas também pela Defende-se que todo ato com forma de
possibilidade de realização de audiências lei (espécies do art. 59 da CF41) pode de-
públicas38 e pelo acolhimento de pareceres safiar o controle abstrato. Não obstante, o
STF, de modo criticável42, entende que atos
34
ADI 4.001, rel. Min. Eros Grau, DJE 21-5-2008. editados sob a forma de lei mas não dota-
35
ADI 1.923, rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, decisão
proferida pela Min. Ellen Gracie no exercício da Pre- dos de coeficiente mínimo de abstração ou
sidência, DJ, 1o-8-2007. generalidade (ou seja, lei de efeitos concre-
36
A manifestação não se restringe à apresentação
de razões por escrito. Em 26-11-2003, na ADI 2.777, rel. 39
ADI 1.268-AgR, rel. Min. Carlos Velloso, DJ,
Min. Cezar Peluso, foi decidida questão de ordem a de  20-10-1995. Os atos municipais poderão ter sua
fim de permitir a sustentação oral na ação direta de constitucionalidade questionada diretamente perante
inconstitucionalidade dos amici curiae. Em 30-3-2004, o Supremo Tribunal Federal por meio de argüição de
o STF, por meio da Emenda Regimental no 15, acres- descumprimento de preceito fundamental.
centou o § 3o ao art. 131 do Regimento Interno, no 40
Súmula 642, STF: “Não cabe ação direta de in-
seguinte sentido: “Admitida a intervenção de terceiros constitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada
no processo de controle concentrado de constituciona- da sua competência legislativa municipal”. Nesse caso,
lidade, fica-lhes facultado produzir sustentação oral, estar-se-á diante da ausência de uma das condições da
aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2o do ação: a possibilidade jurídica do pedido.
artigo 132 deste Regimento”. 41
A doutrina distingue lei formal e lei material.
37
ADI 4.022, rel. Min. Marco Aurélio, decisão Se o ato normativo é genérico, não importa de onde
monocrática, DJE, 25-4-2008; ADI 2.591-ED, rel. provenha, então é identificado como lei material.
Min. Eros Grau, DJ, 13-4-2007. Em sentido contrário: Se contiver preceitos concretos, será lei meramente
Gustavo Binenbojm (2005, p. 92), sustentando-se nos formal. Todavia, a Constituição brasileira não adota
princípios do contraditório, da ampla defesa e do o conceito material de lei.
devido processo legal defende ser “lícito ao amicus 42
Quanto aos atos editados sob a forma de lei e
curiae interpor qualquer recurso cabível, de acordo a que o STF tem rejeitado o controle por via direta
com a legislação processual”. alegando que o ato gera efeitos concretos, afirma
38
A primeira audiência pública da história do Gilmar Ferreira Mendes (2007, p. 1061-1062): “Ora,
Supremo Tribunal Federal foi instalada em 20 de se a Constituição submete a lei ao processo de con-
abril de 2007, no curso da ADI no 3.510, em que se trole de constitucionalidade abstrato, até por ser este
questionava a constitucionalidade de dispositivos da o meio próprio de inovação na ordem jurídica e o
Lei no 11.105/05 (Lei de Biossegurança), que permi- instrumento adequado de concretização da ordem
tiam a pesquisa com células-tronco embrionárias. Na constitucional, não parece admissível que o intérprete
audiência, houve amplo debate, com a participação debilite essa garantia da Constituição, isentando um
de cientistas, estudiosos e personalidades autoriza- número elevado de atos aprovados sob a forma de
dos no tema. O julgamento definitivo ocorreu em lei do controle abstrato de normas e, muito provavel-
29 de maio de 2008, quando, então, a maioria de seis mente, de qualquer forma de controle. É que muitos
ministros decidiu pela constitucionalidade das pes- desses atos, por não envolverem situações subjetivas,
quisas. O julgamento é histórico não só por marcar dificilmente poderão ser submetidos a um controle
a ampla participação da sociedade civil na formação de legitimidade no âmbito da legislação ordinária”.
do convencimento do Supremo, como, também, por Também José Afonso da Silva (2005, p. 541) afirma
ter permitido profunda discussão acerca da proteção que “o ‘abstrato’ refere-se ao processo de controle, e
constitucional da dignidade humana. não ao objeto a ser controlado”.

Brasília a. 45 n. 179 jul./set. 2008 147


tos) não são passíveis de questionamento que parlamentares impetrem mandado
por ADI43. Apesar do entendimento, cabe de segurança para coibir a aprovação de
apontar decisão recente em que o STF, ao leis e emendas constitucionais que não se
analisar a constitucionalidade de disposi- compatibilizam com o processo legislativo
tivo de lei orçamentária anual (tradicional- constitucional48.
mente tida como lei de efeitos concretos44), Caso o ato questionado seja revogado
considerou que a norma impugnada possui no curso da ação direta, o feito será julgado
caráter geral e abstrato suficientes para ser prejudicado pela perda superveniente do
objeto do controle abstrato45. objeto49. Em agosto de 2008, em pronun-
Ainda, apenas os atos do Poder Público ciamento ímpar, o STF entendeu que a
cujo processo legislativo tenha sido con- revogação da lei impugnada, quando já em
cluído46 podem ser questionados por meio pauta a ação direta, não subtrai à Corte a
de ADI. Assim, projetos de lei não podem competência para examinar a constitucio-
ser questionados por ação direta (não se nalidade da norma até então vigente e suas
exclui a hipótese de questionar a proposta conseqüências50.
de emenda constitucional que viole cláu- Em relação às espécies normativas que
sula pétrea47). Por outro lado, o STF admite podem ser objeto de ADI, diga-se já ser
pacífico que as emendas à Constituição (inclu-
43
ADI-MC-QO 1937/PI, rel. Min. Sepúlveda Per-
tence, DJ, 31-8-2007, p. 29. Cf. também ADI-MC 2333/
sive decorrentes da revisão constitucional)
AL, rel. Min. Marco Aurélio, DJ, 06-5-2005, p. 6. sujeitam-se à fiscalização abstrata da consti-
44
ADI 4.041, rel. Min. Menezes Direito, decisão tucionalidade51, tendo como parâmetro ex-
monocrática, DJE, de 27-3-2008. clusicamente as cláusulas pétreas. Quanto
45
ADI 3.949-MC, rel. Min. Gilmar Mendes, j.
14-8-2008.
às leis delegadas, a fiscalização pode incidir
46
ADI 466/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 10- tanto sobre a lei delegante (resolução) quan-
5-1991, p. 5929. Não se exige que a norma esteja em to sobre a lei delegada propriamente dita.
vigor. Ainda sobre o tema, cite-se a ADI 3367/DF, em O controle jurisdicional das medidas
que foi acatado o controle de emenda constitucional
provisórias, no Brasil, pode ocorrer em três
publicada apenas no curso da ação direta, antes da
prolação da sentença. “Devendo as condições da ação níveis: (i) quanto à presença dos pressupos-
coexistir à data da sentença, considera-se presente o tos habilitadores (relevância e urgência);
interesse processual, ou de agir, em ação direta de (ii) quanto à matéria tratada (se suporta
inconstitucionalidade de Emenda Constitucional que
regramento legislativo provisório ou não);
só foi publicada, oficialmente, no curso do processo,
mas antes da sentença” (ADI 3367/DF, rel. Min. Cezar (iii) quanto à constitucionalidade da maté-
Peluso, DJ, 17-3-2006, p. 4). ria propriamente dita (se atende, não sob a
47
Tendo em conta que o art. 60, § 4o, da Lei Fun- ótica formal, mas substantiva, as normas e
damental dispõe que “não será objeto de deliberação a princípios adotados pelo Constituinte). Em
proposta de emenda tendente a abolir” qualquer uma
das cláusulas pétreas, parece legítimo admitir-se que aí relação à última dimensão da fiscalização, o
residiria a única hipótese de fiscalização jurisdicional Judiciário vem exercendo plenamente a sua
abstrata preventiva entre nós. Se a proposta não pode atividade. Quanto às primeiras dimensões,
ser objeto de deliberação, a impugnação seria legítima
mesmo antes da deliberação, promulgação ou publi- a fiscalização preventiva parece justificada (além de
cação da Emenda Constitucional. O STF, entretanto, autorizada pelo texto constitucional quando interpre-
preferiu, nessa matéria, manter mais uma restrição tado de modo ajustado).
à utilização da ação direta de inconstitucionalidade. 48
MS 24642/DF, rel. Min. Carlos Velloso, DJ, 18-
Embora seu posicionamento seja pela impossibilidade 6-2004, p. 45.
de controle abstrato preventivo da constitucionalidade 49
ADI 3778/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ, 18-
(ADI 466/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 10-5-1991, 4-2008. ADI  1442/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ,
p. 5929), cabe sustentar que a deliberação de propostas 29-4-05, p. 7.
tendentes a abolir as “cláusulas pétreas”, pelo risco 50
ADI 3232/TO, 3983/TO e 3990/TO, rel. Min.
evidente de quebra da “identidade” da Lei Funda- Cezar Peluso, j. 14-8-2008.
mental, é de tal gravidade, dando margem, no caso 51
ADI 2024/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ,
de aprovação, a situações políticas de tal ordem, que 22-6-2007, p. 16.

148 Revista de Informação Legislativa


o controle tem estado aquém do necessário. O STF não admite ação direta de in-
Vale referir que certo número de medidas constitucionalidade contra regulamentos ou
provisórias veicula dispositivos concretos, quaisquer atos normativos que desbordam
tendo em vista a própria função assumida dos parâmetros da lei, pois são hipóteses de
pelo Poder Executivo no Estado contem- ilegalidade54. Excetuam-se, porém, os regu-
porâneo, o que excluiria a possibilidade de lamentos autônomos, quando invadem esfera
ADI, conforme entendimento do Supremo. reservada à lei55. A posição da Corte desafia
No entanto, a recente decisão proferida pelo questionamento, pois o regulamento pode
Min. Gilmar Mendes na ADI 4.048/DF, em ofender a Constituição não apenas na hipó-
sede de medida cautelar, possibilitou o tese de edição de normativa autônoma, mas
controle, suspendendo temporariamente a também quando o exercente da atribuição
eficácia da MP no 405/07, que abria créditos regulamentar atue inobservando os princí-
extraordinários. pios da reserva legal, da supremacia da lei
Os atos próprios das Casas Legislativas, e, mesmo, o da separação dos poderes.
como os decretos legislativos e as resoluções, Quanto aos regimentos dos tribunais,
desde que veiculem atos normativos, estão podem ser objeto de fiscalização abstrata
sujeitos à fiscalização abstrata da constitu- de constitucionalidade caso ofendam di-
cionalidade52. retamente a Constituição 56.
Os tratados internacionais regularmente Em relação às súmulas vinculantes,
incorporados ao direito interno assumem, considerando seu caráter normativo 57,
na óptica do STF, o status de lei ordinária poderiam ser objeto de ADI. Entretanto, a
federal, podendo ter sua constitucionali- ação direta é considerada via inadequada,
dade discutida em ADI53. Em relação aos tendo em vista a existência de específicos
tratados de direitos humanos, assumindo instrumentos para a revisão do ato do or-
forma de emenda constitucional, podem denamento jurídico – o cancelamento e a
igualmente ser objeto de ADI. Ressalte- anulação, operados de ofício ou mediante
se, no entanto, que, sendo ato bilateral pedido dos mesmos legitimados da ação
ou multilateral de direito internacional, a direta58, entre outros. Ademais, haveria pro-
declaração de inconstitucionalidade não 54
ADI 2.714, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ, 27-2-
implicará a nulidade do tratado, do ponto 2004. ADI 2.862, rel. Min. Cármen Lúcia, DJE, 9-5-2008.
de vista do direito internacional. ADI-AgR 2792/MG, rel. Min. Carlos Velloso, DJ, 12-
Embora atos normativos estrangeiros não 3-2004, p. 36. ADI-AgR 2426/PR, rel. Min. Maurício
possam ser objeto de fiscalização abstrata Corrêa, DJ, 11-10-2001, p. 7.
55
Na ADin 1396-SC (Rel. Min. Marco Aurélio, j.
da constitucionalidade, sua aplicação pode 08-06-1998), o Supremo declarou a inconstitucionali-
ser recusada por ofender a ordem pública, dade de decreto estadual, por violação ao princípio da
em sede de controle concreto. divisão funcional do poder, uma vez que a matéria por
ele disciplinada reservava-se à atuação institucional
52
ADI-MC  3929/DF, rel. Min. Ellen Gracie, DJ, do Poder Legislativo, nos termos do inc. XI do art.
11-10-2007, p. 38. 37 da CF.
53
O Congresso Nacional aprova o tratado me- 56
ADI 2970/DF, rel. Min. Ellen Gracie, DJ, 12-5-
diante edição de decreto legislativo (art. 49, inc. I, 2006, p. 4.
da CF). “Esse modelo permite a propositura da ação 57
“A súmula, porque não apresenta as caracte-
direta para aferição da constitucionalidade do decreto rísticas de ato normativo, não está sujeita à jurisdição
legislativo, possibilitando que a ratificação e, portanto, constitucional concentrada” (ADI 594, rel. Min. Carlos
a recepção do tratado na ordem jurídica interna ainda Velloso, DJ de 15-4-1994). O entendimento não pode
sejam obstadas. É dispensável, pois, qualquer esforço ser aplicado à súmula vinculante, considerando que
com vistas a conferir caráter preventivo ao controle possui caráter normativo.
abstrato de normas na hipótese. É possível, igual- 58
CF/88: “Art. 103-A. § 2o Sem prejuízo do que
mente, utilizar-se da medida cautelar para retardar vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou
ou suspender a ratificação dos tratados até a decisão cancelamento de súmula poderá ser provocada por
final” (MENDES, 2007. p. 1065). aqueles que podem propor a ação direta de inconsti-

Brasília a. 45 n. 179 jul./set. 2008 149


blema de legitimidade em o STF controlar da presunção de constitucionalidade dos
a constitucionalidade de ato emanado pelo atos estatais.
próprio tribunal. Conforme o STF, somente aquele que
Por sua vez, as sentenças normativas instaura o processo de controle normativo
proferidas pela Justiça do Trabalho não abstrato dispõe de legitimidade para re-
constituem objeto da fiscalização abstrata querer a concessão de medida de cautelar61.
da constitucionalidade, desafiando apenas Para a concessão da medida, devem ser sa-
os recursos normalmente oferecidos. tisfeitos os requisitos que se expressam “(a)
Em relação aos atos normativos anteriores na plausibilidade jurídica da tese exposta
à Constituição, entende o STF que a hipótese (fumus boni juris),62 (b) na possibilidade de
é de revogação, e não de inconstitucionali- prejuízo decorrente do retardamento da
dade, razão pela qual não cabe ADI59. Tais decisão postulada (periculum in mora),63 (c)
atos, contudo, podem ser questionados na irreparabilidade ou insuportabilidade
mediante o aforamento de ADPF, meio que dos danos emergentes dos próprios atos im-
supriu a criticável lacuna da ação direta pugnados; e (d) na necessidade de garantir
em relação ao controle das normas pré- a ulterior eficácia da decisão”.64
constitucionais60. A competência para a concessão de me-
dida cautelar é do Plenário (voto da maioria
absoluta). Todavia, em casos urgentes – e
6. A declaração de
sempre ad referendum desse órgão do tri-
inconstitucionalidade e seus efeitos bunal –, o presidente ou o relator podem
Inicialmente, afirma-se a possibilidade conceder a medida 65. A apreciação do
de providência cautelar na ADI, com fulcro 61
ADinQO 807-2, rel. Min. Celso de Mello, DJU,
no art. 102, I, p, da CF, no art. 10 da Lei 11-6-1993.
no 9.868/99 e no art. 170, § 1o, do RISTF. 62
Plausibilidade: demonstração da “forte suspeita
Trata-se de medida excepcional, em face de inconstitucionalidade” do ato impugnado (ADI-MC
1465/DF, rel. Min. Moreira Alves, DJU, 19-12-1996).
tucionalidade”. A lei no 11.417/06, que regulamenta 63
Nos casos em que já decorreu grande período de
o instituto da súmula vinculante, em seu artigo 3o, tempo entre a edição da norma impugnada e a instau-
enumera os legitimados a propor a edição, a revisão ração da verificação abstrata de constitucionalidade,
ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante. o Supremo entende que o requisito do periculum in
Além daqueles já legitimados para propor ADI, são mora pode ser substituído pelo da conveniência na
partes legítimas também o Defensor Público-Geral concessão da liminar. ADI 1.857-MC, rel. Min. Moreira
da União e os Tribunais Superiores, os Tribunais de Alves, DJ, de 23-10-1998.
Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, 64
RDA, índice analítico, p. 9. Também RTJ 101:928
os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais e 102:480. Na ADI-MC 1770/DF (rel. Min. Moreira
do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Alves, j. 14-5-1998), o Supremo entendeu pela “conve-
Tribunais Militares. Ademais, o § 1o do referido art. 3o niência da suspensão cautelar da norma impugnada
possibilita a Município propor, incidentalmente ao cur- pelas repercussões sociais dela decorrentes”.
so de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou 65
ADI 3.929-MC-QO, rel. Min. Ellen Gracie, DJ,
o cancelamento de enunciado de súmula vinculante. 11-10-2007. ADI 3.376-MC, rel. Min. Eros Grau, decisão
59
O controle de constitucionalidade de atos nor- monocrática, DJ, 1o-2-2005. ADI 2.244, rel. Min. Marco
mativos anteriores à Constituição foi debatido já na Aurélio, decisão monocrática proferida pelo Min.
ADI 2, em que restou assentado que a questão é de Carlos Velloso, DJ, 1o-8-2000. MS 25.024-MC, rel. Min.
direito intertemporal, resolvendo-se pela revogação. Eros Grau, decisão monocrática proferida pelo Min.
O entendimento permanece na Corte. Cf. ADI 888, rel. Nelson Jobim, DJ, de 23-8-2004.
Min. Eros Grau, DJ, 10-6-2005. Não parece ser compatível com o disposto no art.
60
Na ADPF 130/DF, em 21-2-2008, foi concedida 97 da Constituição Federal a concessão de medida
medida cautelar a fim de determinar que juízes e liminar em ação direta de inconstitucionalidade por
tribunais suspendam o andamento de processos e decisão monocrática. Assim como o ato normativo do
os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra Poder Público somente pode ser declarado inconsti-
medida que verse sobre dispositivos da Lei no 5.250/67 tucional com a manifestação da maioria absoluta dos
(Lei de Imprensa). CF. ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos membros do STF, a concessão da liminar, que implica
Britto, DJE, 26-2-2008. a sustação dos efeitos prospectivos da normativa

150 Revista de Informação Legislativa


pedido de cautelar será (salvo excepcional de processo que envolva a aplicação da nor-
urgência66) antecedida da audiência (i) dos ma. A decisão que indefere o pedido não
órgãos ou autoridades dos quais emanou o é dotada desse mesmo efeito72, podendo
ato normativo impugnado e, (ii) caso indis- ser reiterado o pedido em caso de novas
pensável, do Advogado-Geral da União e circunstâncias que justifiquem a medida.
do Procurador-Geral da República. Quanto à decisão final de mérito, diga-
A decisão que concede a medida cau- se que os efeitos erga omnes são ínsitos à
telar tem validade erga omnes67 e efeitos, decisão proferida na ação direta de in-
em regra, ex nunc68 e repristinatórios, sal- constitucionalidade73, conforme expressa
vo expressa manifestação em contrário69. disposição constitucional (art. 102, §2o).
Ainda, é dotada de efeito vinculante70, Assim, prescinde-se da manifestação do
considerando que suspende a execução do Senado Federal para que a decisão opere
ato normativo impugnado71 e o julgamento efeitos gerais.
Além de efeitos gerais, a decisão produz
impugnada, deve seguir a mesma sistemática. Não
parece ser razoável a concessão de liminar, por um efeitos vinculantes em relação aos demais
único Ministro do STF, sustando os efeitos de lei órgãos do Judiciário e à Administração
aprovada por mais de quinhentos deputados, mais Pública74, questão pacificada com o advento
de oitenta senadores e sancionada pelo Presidente da Lei no 9.868/99 e constitucionalizada
da República. É evidente que a possibilidade de
concessão de liminares por um único Ministro pode Mendes, DJ, 17-10-2003. No entender de Gilmar
dar lugar a abusos, bem como a atritos desnecessários Mendes (2006. p. 319), “a medida cautelar deferida em
entre os Poderes da República, quando não a crises processo de controle de normas opera não só no plano
de natureza política. estrito da eficácia, mas também no plano da própria
66
ADI 3.578-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, vigência da norma”.
DJ, 24-2-2006. 72
Rcl-AgR 3424/SP, rel. Min. Carlos Britto, DJE
67
Rcl 2.256, voto do Min. Gilmar Mendes, DJ, 142, 1-8-2008. Rcl-MC  2585/MG, rel.  Min. Marco
30-4-2004. Aurélio, DJ, 22-4-2004, p. 09.
68
Lei no 9.868/99: “Art. 11. § 1o A medida cautelar, 73
Os efeitos erga omnes já caracterizavam a re-
dotada de eficácia contra todos, será concedida com presentação de inconstitucionalidade, nos termos da
efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva Emenda no 16/65.
conceder-lhe eficácia retroativa.” Como exemplos de 74
O STF já assentou que os efeitos vinculantes não
atribuição de efeitos ex tunc à medida cautelar, citem- alcançam o exercício da função legislativa, podendo-se
se: Rcl 2.256-MC, rel. Min. Gilmar Mendes, decisão editar ato de conteúdo idêntico ao declarado incons-
monocrática, DJ, 22-4-2003. ADI 2.105-MC, rel. Min. titucional (Rcl 5.442-MC, rel. Min. Celso de Mello,
Celso de Mello, DJ, 28-4-2000. ADI 2.661-MC, rel. Min. decisão monocrática, DJ, 6-9-2007). Todavia, sendo
Celso de Mello, DJ, 23-8-2002. comuns os casos de normas idênticas em diferentes
69
Lei no 9.868/99: “Art. 11. § 2o A concessão da unidades da federação, tem-se que a declaração de
medida cautelar torna aplicável a legislação anterior inconstitucionalidade de uma dessas normas atingirá
acaso existente, salvo expressa manifestação em de algum modo as demais, principalmente se forem
sentido contrário”. Esse dispositivo teve sua consti- questionadas judicialmente. Nesse sentido, cite-se a
tucionalidade afirmada na ADI 2.154 e ADI 2.258, rel. ADI 1.662, em que o STF entendeu, com efeitos gerais
Min. Sepúlveda Pertence, j. 14-2-2007, Informativo e vinculantes, que a Instrução Normativa no 11/97
456. Rcl 2.256-MC, rel. Min. Gilmar Mendes, decisão do TST era inconstitucional. Aforada a Reclamação
monocrática, DJ, 22-4-2003. 1.987, o STF, considerando os fundamentos da decisão
70
Rcl 2256/RN, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ, 30-4- proferida na ADI, atribuiu efeito transcendente ao jul-
2004, p. 34. Rcl 935/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ, gado, de modo a abarcar normas idênticas prolatadas
17-10-2003, p. 14. Rcl 899/RJ, rel. Min. Celso de Mello, posteriormente, como um ato produzido pelo TRT de
DJ 20-9-2002, p. 90. No âmbito da ação declaratória São Paulo (Rcl 1.987/DF, rel. Min. Maurício Corrêa,
de constitucionalidade, em entendimento aplicável à DJ, 21-5-2004, p. 33). Situação semelhante ocorre na
ADI: Rcl-AgR-AgR 4903/SE, rel. Min. Ricardo Lewan- Reclamação 4.219/SP, pendente de julgamento, em
dowski, DJE 147, 08-8-2008. O art. 21 da Lei no 9.868/99 que se sustenta que decisão da 11a Vara da Fazenda
explicita o efeito vinculante da medida cautelar profe- Pública de SP desrespeitou o entendimento fixado na
rida em ADC. A doutrina é pacífica quanto à extensão ADI 2.602 (inaplicabilidade de lei do Estado de Minas
desse efeito para a cautelar concedida em ADI. Gerais de idêntico conteúdo). Embora a admissão da
71
Rcl 2.653-MC, rel. Min. Cezar Peluso, decisão transcendência dos motivos determinantes da declara-
monocrática, j. 30-6-2004. Rcl 935, rel. Min. Gilmar ção de inconstitucionalidade ainda não seja pacífica na

Brasília a. 45 n. 179 jul./set. 2008 151


pela Emenda no 45/0475. Assim, não obs- natureza declaratória da decisão que reco-
tante divergência anterior, pode-se valer nhece a inconstitucionalidade.
da reclamação constitucional para que se De fato, o Supremo já tem temperado
observe a decisão proferida em sede de ação o dogma da nulidade da lei inconstitucio-
direta de inconstitucionalidade76. nal em alguns momentos77, mas a Lei no
Nesse ponto, uma das grandes po- 9.868/99 trouxe expressamente a possibi-
lêmicas existentes é quanto aos efeitos lidade de modular os efeitos da decisão,
retroativos da decisão. Por muito tempo, possibilitando que, mediante o voto de dois
entendeu-se que a nulidade das normas in- terços dos membros, por razões de seguran-
constitucionais constitui princípio implícito ça jurídica ou excepcional interesse social, o
no ordenamento brasileiro (CLÉVE, 2000, Supremo restrinja os efeitos da declaração
p. 243; MENDES, 2007, p. 249; SARMEN- de inconstitucionalidade ou decida por
TO, 2001. p. 10). Com base nessa premissa, sua eficácia ex nunc, incidindo a partir do
justificam-se os efeitos repristinatórios da trânsito em julgado ou momento posterior
declaração de inconstitucionalidade, pois (eficácia pro futuro da decisão)78.
algo nulo não teria o condão nem mesmo de Sustenta-se que a premissa da nulidade
revogar a legislação anterior. Contudo, com da lei inconstitucional não pode ser afas-
o advento da Lei no 9.868/99, em especial tada pela consagração da modulação dos
do seu artigo 27, passou-se a questionar a efeitos no direito brasileiro. Antes da auto-
rização legislativa, o Supremo já admitia a
Corte, defende-se que a declaração produzirá algum mitigação dos efeitos retroativos, mas como
efeito sobre atos de idêntico conteúdo. exceção à regra que consagra a eficácia ex
75
Inicialmente, previam-se expressamente os
efeitos vinculantes apenas em relação à ADC. Com
tunc da declaração de inconstitucionalida-
a Lei no 9.868/99, consagrou-se no âmbito legislativo de. E persiste como exceção, o que confirma
que os efeitos vinculantes referem-se também à ADI. a regra da nulidade da lei inconstitucional
Afinal, a ação declaratória de constitucionalidade (BINENBOJM, 2004, p. 198; SARMENTO,
configura-se uma “ação direta de inconstitucionalida-
de com sinal trocado” e não faz sentido o tratamento 77
Valendo-se da teoria da aparência, o STF deixou
distinto (MENDES, 2007, p. 1227). A Emenda no 45/04 de invalidar os atos de funcionário público cuja nome-
constitucionalizou o entendimento. ação se deu por lei declarada inconstitucional (STF,
76
Em um primeiro momento, o STF entendia RE 78.533/SP, Rel. Ministro Firmino Paz, julgado em
que não era cabível a reclamação na hipótese de 13/11/1981, publicação DJ 26.02.1982). Outro exemplo
descumprimento de decisão tomada em sede de é o Recurso Extraordinário no 122.202/MG, no qual o
controle concentrado de constitucionalidade, devido STF entendeu que a retribuição declarada inconstitu-
à natureza eminentemente objetiva do processo (Rcl cional não deve ser devolvida no período de validade
no 354/AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 28-6- da lei declarada inconstitucional (STF, RE 122.202/MG,
1991). Os pressupostos da reclamação eram dois: i) Rel. Ministro Francisco Rezek, julgado em 10.08.1993,
existência de uma relação processual em curso e ii) publicação DJ 08.04.1994). Sobre o tema: CLÈVE, 2000,
um ato que se coloque contra a competência do STF p. 251-252. SARMENTO, 2001, p. 21-22.
ou contrarie decisão desse proferida na mesma relação 78
Critica-se a possibilidade de conferir eficácia
processual ou em relação processual que daquela pro futuro à decisão. Segundo Daniel Sarmento
seja dependente. Posteriormente, o STF abrandou (2001, p. 33), é censurável a amplitude com que se
tal interpretação, admitindo a reclamação desde que admitiu essa eficácia, sem baliza temporal. Todavia,
interposta pelos órgãos legitimados para instaurar o o STF se vale da técnica há tempos. Por exemplo, ao
controle abstrato da constitucionalidade (Rcl no 397/ considerar a regra do art. 68 do Código de Processo
MC-QO/RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 21-5-1992). Penal uma norma constitucional com trânsito para
No entanto, abrandou-se ainda mais o entendimento inconstitucionalidade. Até que se implemente de for-
inicial, estabelecendo-se que qualquer particular pode ma condizente a estrutura das Defensorias Públicas
propor reclamação desde que venha a ser atingido por no Brasil, é constitucional a previsão de legitimidade
decisão judicial contrária a entendimento fixado, em ativa do Ministério Público para a ação civil de repa-
caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal ração dos danos. Contudo, o dispositivo tornar-se-á
(AgRg na Rcl no 2.143, rel. Min. Celso de Mello, DJ, inconstitucional por ocasião da estruturação completa
6-6-2003). No mesmo sentido: Rcl 4.971-MC, rel. Min. das Defensorias (RE 147.776/SP, rel. Min. Sepúlveda
Celso de Mello, decisão monocrática, DJ, 18-4-2007. Pertence, DJ, 19-6-2006.

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2001, p. 29). Por fim, verifica-se que não se da Constituição. Se é certo que algumas
trata de uma prerrogativa da fiscalização decisões podem ser questionadas, talvez
abstrata. A modulação de efeitos é aplicável por denunciarem certo ativismo, não se
em sede de fiscalização incidental, confor- pode negar o importante serviço prestado
me já decidiu o próprio Supremo Tribunal pelo STF nos últimos anos, inclusive por
Federal79. meio do julgamento de ações diretas de
inconstitucionalidade.
Considerações finais
Os vinte anos da democrática Consti-
tuição da República Federativa do Brasil Referências
de 1988 autorizam reflexões que vão mui- Barroso, Luís Roberto. O controle de constitucio-
to além das considerações aqui trazidas. nalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da
Procurou-se mostrar, nessas breves linhas, doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo:
que o instituto da ADI orienta-se ao fim saraiva, 2004.
elementar a que se destina o Estado Demo- ______. A Doutrina brasileira da efetividade. In:
crático de Direito: a realização dos direitos ______. Temas de Direito constitucional. t.2. Rio de
fundamentais. Janeiro: Renovar, 2005.
A certeza de que o papel do Estado BINEBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional
encontra-se vinculado, sob pena de des- brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de
legitimação do poder político, à satisfação realização. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
dos direitos fundamentais substancia im- ______. A dimensão do amicus curiae no processo cons-
portante conquista. E tal fato tem exigido titucional brasileiro: requisitos, poderes processuais e
uma releitura do direito, das categorias aplicabilidade no âmbito estadual. In: A & C, Revista
de Direito Administrativo e Constitucional. ano 5, n.19.
jurídicas e, também, um outro modo de
Belo Horizonte, jan./mar. 2005.
praticar as profissões jurídicas. Nesse sen-
tido, com a Constituição de 1988, o Judici- CABRAL, Antônio de Passo. Pelas asas de Hermes: a
intervenção do amicus curiae, um terceiro especial.
ário renovou-se de modo impressionante,
Revista de Direito Administrativo. n. 234, out./dez.
estando fortemente comprometido com 2003.
a Constituição. Se, por um lado, há uma
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Controle de constitucio-
explosão de litigiosidade, por outro, tem-se nalidade e democracia. In: MAUÉS, Antônio Moreira
a emergência da descoberta, pelo cidadão, (Org.). Constituição e democracia. São Paulo: Max Li-
de que seus direitos podem ser reclamados monad, 2001.
no Judiciário. Pouco a pouco, soluções vão ______. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no
sendo buscadas para que se atenda de direito brasileiro. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
modo satisfatório ao grande número de nais, 2000.
feitos aforados todos os anos. ELSTER, John. Introduccion. In: ______. SLAGSTAD,
O importante é realçar que o Judiciário Rune (Org.). Constitucionalismo y democracia. Tradução
vem-se debruçando sobre a Constituição. de Mônica Utrilla de Neira. México: Fondo de cultura
Vem exercendo, particularmente o Supre- econômica, 1999.
mo Tribunal Federal, o papel de guardião ______. Ulises desatado: estúdios sobre la racionalidad,
precompromisso y restricciones. Tradução de Jordi
79
No julgamento do Recurso Extraordinário no Mundo. Barcelona: Gedisa, 2002.
197.917/SP, o STF declarou inconstitucional a lei or-
gânica do Município de Mira Estrela que estabelecia FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da decla-
número desproporcional de vereadores, mas conferiu ração de inconstitucionalidade. 5.ed. São Paulo: Revista
efeitos pro futuro à decisão por razões de segurança dos Tribunais, 2004.
jurídica (RE 197.917/SP, rel. Min. Maurício Correa,
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição
DJ 7-5-2004). A respeito do tema: (MENDES, 2004,
de 1998. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 294).

Brasília a. 45 n. 179 jul./set. 2008 153


HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. a socie- RAWLS, Jonh. O liberalismo político. Tradução de Re-
dade aberta de intérpretes da constituição: contribui- nah de Abreu Azevedo. 2 ed. São Paulo: Ática, 2000.
ção para a interpretação pluralista e procedimental
SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões
da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris,
no controle de constitucionalidade. In: CRUZ, Álvaro
1997.
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HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre a factici- (Coord.). Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo
dade e a validade. Tradução de Flávio Beno Siebneichler. Horizonte: Del Rey, 2001.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual á
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.
controle de constitucionalidade: estudos de direito cons-
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria Consti-
titucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
tucional e democracia deliberativa: um estudo sobre o
______. Jurisdição constitucional: o controle abstrato papel do direito na garantia das condições para a co-
de normas no Brasil e na Alemanha. 5 ed. São Paulo: operação da deliberação democrática. Rio de Janeiro:
Saraiva, 2007. Renovar, 2006.
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Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2007.

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