1
Departamento de Análises Clínicas (ACL), Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Unitermos
Analisou-se a presença de formas transmissíveis de enteroparasitas
• Hortaliças
em hortaliças consumidas cruas na cidade de Florianópolis,SC, • Parasitas intestinas
no período de junho de 2003 a maio de 2004. Foram estudadas • Contaminação de alimentos
amostras alface (Lactuca sativa), agrião (Nasturtium officinale) e
rúcula (Chicarium sp), num total de 750, provenientes do comércio
(“sacolões”, supermercados e feiras livres). Tais amostras foram
lavadas e submetidas ao método de sedimentação espontânea em
água por 24 horas. Todas as variedades de hortaliças examinadas
apresentaram elevados percentuais de contaminação, porém com
maior freqüência no agrião. Observou-se uma grande variedade
de protozoários, responsáveis pela transmissão elevada de
enfermidades intestinais, na população da região metropolitana
*Correspondência:
G. A. Cantos de Florianópolis. Ressalta-se a importância das hortaliças na
Departamento de Análises Clínicas, transmissão de enfermidades intestinais, havendo conseqüen-
Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) - Trindade
temente necessidade de medidas que propiciem uma melhoria na
88090-100 - Florianópolis, SC, Brasil qualidade higiênico-sanitária destas.
Email: geny@ccs.ufsc.br
enteroparasitas. A alface apresenta folhas largas, firme- Na tabela I pode-se notar também que, nas 750
mente justapostas, o que dificulta a aderência dos cis- amostras analisadas, o percentual de contaminação por
tos de protozoários, ovos e larvas de helminto. Outra hi- cistos de protozoários, ovos e larvas de helmintos va-
pótese é que muitos ovos de helmintos podem sobrevi- riou de 38% a 82% de contaminação; percentuais con-
ver por períodos de tempo mais prolongados no meio, siderados elevados, quando comparados a outros traba-
o que poderia justificar as freqüências superiores en- lhos como de o Silva et al. (1995), no Rio de Janeiro
contradas no agrião, cujo cultivo exige terrenos perma- (21,4%), e o de Guilherme et al. (1999), em Maringá -
nentemente úmidos (Oliveira, Germano, 1992). É pos- PR (16,6%). A maior taxa registrada em nosso trabalho
sível ainda que o maior parasitismo encontrado no poderia ser por conseqüência das más condições de
agrião deve-se em parte pela forma como este é aduba- transporte e acondicionamento das hortaliças, das bai-
do. De fato, informações obtidas junto aos agricultores xas condições higiênico-sanitárias dos que manipulam
que forneciam hortaliças para os “sacolões” e super- alimentos, da água de irrigação, e talvez de outras con-
mercados mostraram que o agrião sofria, uma vez por dições de cultivo.
semana, o processo chamado “chuva de adubo”, que é Notou-se, por exemplo, que a maioria dos produto-
a utilização de estrume de gado dissolvidos na água de res que forneciam hortaliças para os “sacolões” não usa-
irrigação. Isto pode explicar por que os valores obtidos vam luvas durante a coleta, nem todas as verduras eram
no agrião mostraram-se significantemente maiores do embaladas em sacos plásticos, o transporte destas, na sua
que os encontrados nas outras hortaliças. maioria, era feito em caminhão aberto, e as propriedades
rurais desses produtores, em grande parte, não possuíam
alvará da prefeitura.
De fato, as hortaliças oriundas dos “sacolões” 1 e
2 foram mais contaminadas que as dos supermercados e
feira-livre; embora considerando o NT, a diferença foi
somente significativa entre “sacolões” e feira livre
(p=0,0454) (Tabela II). Levando em conta as freqüências
de parasitas encontradas nas hortaliças, houve diferenças
significativas entre “sacolões” e feira livre (p<0,001) e
entre supermercado e feira livre (p=0,432).
O maior parasitismo encontrado nas hortaliças
dos “sacolões” pode ser atribuído a vários fatores. Um
deles poderia ser a água de irrigação utilizada pelos
FIGURA 1 - Porcentagem de unidades contaminadas por produtores que forneciam hortaliças para os
enteroparasitas em função do tipo de hortaliça. “sacolões”. Essa água é obtida do rio Rachadel, en-
TABELA I - Resultado das análises parasitológicas de 750 hortaliças (das espécies alface, agrião e rúcula),
comercializadas na cidade de Florianópolis, no período de junho de 2003 a maio de 2004
quanto a água utilizada pelos produtores que forneciam A tabela III mostra que houve uma maior contami-
hortaliças para os supermercados era proveniente de nação parasitária de cistos de protozoários do que por ovos
córregos naturais. Já os agricultores da feira livre foram e larvas de helmintos; diferença extremamente significa-
os únicos que não possuíam na propriedade sistema de tiva (p<0.010). É possível atribuir esse elevado percentual
irrigação, sendo esta feita manualmente. É possível que de protozoários em hortaliças com base no trabalho com
as águas de córregos naturais recebam menos esgoto manipuladores de alimentos, realizado por Nolla e Cantos
domiciliar e, conseqüentemente, suas águas estejam (2005), em Florianópolis, onde os autores verificaram
menos contaminadas. uma prevalência significativa de protozooses em relação
Os menores percentuais de contaminação, obser- às helmintoses. Embora os riscos de contaminação depen-
vados nas amostras oriundas da feira livre, podem ser dam de muitas variáveis, os autores sugerem que a popu-
atribuídos, entre outros fatores, às suas melhores con- lação esteja realizando uma automedicação para
dições de cultivo, pois estas hortaliças recebem cuida- helmintos, o que deve contribuir também para a compre-
dos mais adequados por parte dos horticultores, que, ensão das variáveis desta pesquisa.
por exemplo, no processo de cultivo, usavam como Por outro lado, é preciso considerar que a varia-
adubo apenas o esterco de galinha e não o agrotóxico. ção no tipo e freqüência de enteroparasitas registrados
Já os produtores que forneciam hortaliças para os su- neste trabalho deve-se em parte à localidade e à
permercados e “sacolões” usavam alternativamente metodologia utilizada. Foi dado ênfase aos níveis de
esterco de galinha e esterco de boi e agrotóxico. Essa contaminação, de forma que não foi utilizado um mé-
hipótese reflete o fato de que foram encontrados ovos todo específico para identificação de parasitas como os
de Trichostrongylus spp, um parasita de ruminantes e coccídeos. Assim, a freqüência desses e/ou outros pa-
pouco comum em humanos, somente em hortaliças rasitas pode estar sendo substimada. No entanto, inde-
oriundas de supermercados e “sacolões”. Assim, é ne- pendente de suas freqüências, os parasitas encontrados
cessário que os serviços de extensão rural orientem os nas hortaliças comercializadas na Grande Florianópolis
agricultores para manejarem adequadamente o estrume, não diferiram substancialmente de outros descritos na
focalizando os cuidados domésticos no preparo e con- literatura (Guimarães et.al., 2003).
sumo dos alimentos. Neste estudo houve uma ocorrência expressiva de
Com relação às variações entre as freqüências espe- ovos de Toxocara sp nas amostras de rúculas (5,2%). A
cíficas dos protozoários (tabela III), pode-se notar que ocorrência dos ovos deste parasita nas hortaliças está di-
Entamoeba spp. tiveram freqüências mais expressivas retamente ligada à presença de cães ou gatos parasitados.
(76%), seguido de Blastocystis hominis (20,8%), De fato, esses animais domésticos foram observados jun-
Endolimax nana (14,%) e Giardia spp. (12,4%). Uma to a todos fornecedores das hortaliças comercializadas
pesquisa realizada com manipuladores de alimentos, na em Florianópolis.
cidade de Florianópolis, mostrou que estes mesmos Com relação às variações entre as freqüências es-
protozoários estavam presentes naquela população, o que pecíficas dos demais helmintos, este efeito parece ter
sugere que esses indivíduos desempenhavam um papel sido discreto. Apesar de os ovos de Ascaris
importante na transmissão de doenças veiculadas por ali- lumbricoides apresentarem uma grande resistência no
mentos (Nolla, Cantos , 2005).Este trabalho reforça, pois, solo, suas prevalências nos inquéritos parasitológicos
esta hipótese. no Sul do país têm se mostrado relativamente baixas.
TABELA II - Análise estatística e médias do número total de cistos de protozoários, ovos e larvas de helmintos por 100
g de amostra nas 750 amostras analisadas, (das espécies alface, agrião e rúcula), oriundas de diferentes estabelecimentos,
no período de junho de 2003 a maio de 2004
TABELA III - Distribuição de protozoários e helmintos em 750 hortaliças (das espécies alface, agrião e rúcula)
examinadas em Florianópolis, no período de maio de 2003 a junho 2004
Em Itajaí, a ocorrência foi de 3,8% (Blatt, Cantos, pontos de venda analisados na cidade de Florianópolis têm
2003); e, em Florianópolis, com manipuladores de ali- destaque na transmissão das enteroparasitoses, havendo
mentos, este percentual foi de 1,65% (Nolla, Cantos, necessidade de medidas profiláticas no sentido de melho-
2005). Considerando que este parasita é estenoxeno do rar a qualidade higiênica destas.
homem, provavelmente os resultados registrados nes-
ta pesquisa sejam também o reflexo dessa parasitose em ABSTRACT
humanos.
Contudo, é de salientar que as fontes de contami- Detection of parasitic structures in vegetables
nação das hortaliças são amplas, incluindo diversos commercialized in the city of Florianópolis, SC,
vetores como insetos e roedores, o tipo de água e adu- Brazil
bos utilizados, o meio de transporte das hortaliças e
também manipuladores de alimentos (Coelho et al., The presence of transmissible forms of enteroparasites
2001; Carvalho et al., 2003). A boa higiene é medida in vegetables consumed raw in Florianópolis city was
protetora fundamental contra doenças de origem ali- evaluated in the period concerned between June 2003
mentar, e o indivíduo que fornece, prepara e serve o and May 2004. A total of 750 samples, including lettuce
alimento deve construir barreiras sanitárias entre este e (Lactuva sativa), watercress (Nasturtium officinale)
seus consumidores, de forma que as pessoas que os and of rocket (Chicarium sp), commercially available
manipulem sejam selecionadas e tenham conhecimen- from street markets and supermarkets, were analyzed.
tos e atitudes para operação de um sistema de prepara- All samples were washed and submitted to the
ção de alimentos. O desenvolvimento de postura críti- sedimentation method. Elevated degrees of
ca como consumidor também é fundamental para atin- contamination were found in all samples analyzed, with
gir a produção de alimentos seguros, e depende funda- higher frequencies being found in the watercress
mentalmente de investimentos em educação. samples. A large variety of protozoans were detected,
Conclui-se que as verduras comercializadas nos the levels of which are compatible with the elevated
460 B. Soares, G. A. Cantos
frequency of occurrence in the population of the GUIMARÃES, A.M.; ALVES E.G.L.; FIGUEIREDO,
metropolitan region of the city of Florianópolis. H.C.P; COSTA, G.M; RODRIGUES, L.S. Freqüência de
Therefore, the importance of the vegetables in the enteroparasitas em amostras de alface (Lactuca sativa)
transmission of intestinal diseases is emphasized, comercializadas em Lavras, Minas Gerais. Rev. Soc.
which requires adequate measurements to be taken in Bras. Med. Trop., v.36, n. 5, p.621-623, 2003.
order to provide an improvement in the hygienic-
sanitary quality of the vegetables. MESQUITA, V.C.C.; SERRA, C.M.B.; BASTOS, O.M.P.;
UCHÔA, C.M.A. Contaminação por enteroparasitas em
UNITERMS: Vegetables. Intestinal parasites. hortaliças comercializadas nas cidades de Niterói e Rio
Contamination of food. de Janeiro, Brasil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.34, n.4,
p.189-194, 1999.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NOLLA, A.C.; CANTOS, G.A. Relação entre ocorrência de
enteroparasitoses em manipuladores de alimentos e
BLATT, J.M.; CANTOS, G.A. Evaluation of techniques for aspectos epidemiológicos em Florianópolis-SC. Cad.
diagnosis of Strongyloides stercoralis in human Saúde Pública, v. 21, p.109 -118, 2005.
immunodeficiency virus (HIV) positive and HIV
negative individuals in the city of Itajaí, Brazil. Bras. J. OLIVEIRA, C.A.F.; GERMANO, P.M.L. Estudo da
Infect. Dis., v.7, p. 402-408, 2003. ocorrência de enteroparasitas em hortaliças
comercializadas na região metropolitana de São Paulo-
CARVALHO, J.B.; NASCIMENTO, E.R.; NETO, J.F.N.; SP, Brasil. I- Pesquisa de helmintos. Rev. Saúde Pública,
CARVALHO, I.S.; CARVALHO, L.S.; CARVALHO v.26, n.4, p. 283-289, 1992.
J.S. Presença de helmintos em hortaliças fertilizadas com
lodo de lagoa de estabilização. Rev. Bras. Anal. Clin Rev., ROBERTSON, L.J.; GJERDE, B. Ocurrence of parasites on
v.35, n. 2, p. 101-103, 2003. fruits and vegetables in Norway. J. Food Protection, v.64,
p.1793-1798, 2001.
COELHO, L.P.S.; OLIVEIRA, S.M.; MILMAN, M.H.A.
Detecção de formas transmissíveis de enteroparasitas na SILVA, J.P.; MARZOCHI, M.C.A.; CAMILO-COURA, L.
água e nas hortaliças consumidas em comunidades Estudo da contaminação por enteroparasitas em
escolares de Sorocaba, São Paulo, Brasil. Rev. Soc. Bras. hortaliças comercializadas nos supermercados da cidade
Med. Trop., v.34, n.5, p. 479-482, 2001. do Rio de Janeiro. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.28, n.3,
p. 237-341, 1995.
FERANADEZ, A.A.; MARTINEZ, H.E.P.; PEREIRA,
P.R.G.; FONSECA, M.C.M. Produtividade, acúmulo de SIMÕES, M.; PISANI, B.; MARQUES, E.G.L.; PRANDI,
nitrato e estado nutricional de cultivos de alface, em M.A.G.; MARTINI, M.H.; CHIARINI, P.F. Hygienic-
hidropônia, em função de fontes de nutrientes. Hortic. sanitary conditions of vegetables and irrigation water
Bras., v.2, n.2, p:195-200, 2002. from kitchen gardens in the municipality of Campinas,
SP. Braz. J. Microb., v.32, n.4, p. 331-333, 2001.
GUILHERME, A.L.F.; ARAÚJO, S.M.; FALAVIGNA,
D.L.M.; PUPULIM A.R.; DIAS, M.L.; OLIVEIRA, Recebido para publicação em 21 de dezembro de 2005.
H.S. Prevalência de enteroparasitas em horticultures e Aceito para publicação em 04 de agosto de 2006.
hortaliças da Feira de Maringá, Paraná. Rev. Soc. Bras.
Med. Trop., v.32, n. 4, p.405-411, 1999.