Flávia Valente
Aspectos Linguísticos
da Libras
ISBN: 978-85-387-1870-3
CDD 415
Flávia Valente
Apontamentos úteis
ao cotidiano do tradutor-intérprete.................................203
O uso do espaço.......................................................................................................................203
A gestualidade na Libras.......................................................................................................213
Norma culta e padrão: níveis de (in)formalidade.........................................................215
Neste curso, caro estudante, você terá a oportunidade de refletir sobre uma
das características que separa o ser humano de qualquer outra espécie animal:
a língua. Perceberá, ao longo das discussões, que existe um fenômeno, chamado
linguagem, no qual as línguas se inserem. Entre as várias línguas existentes, há
similaridades e singularidades, o que se depreende, por exemplo, das inúmeras
comparações entre a Libras e a língua portuguesa durante o desenvolvimento
das aulas-texto contidas no seu material impresso.
Estar a par das diferenças e semelhanças entre as línguas citadas acima é uma
condição necessária para que a Libras seja respeitada quanto ao seu estatuto de
língua independente, o que lhe atribui a possibilidade de ser estudada sob um
ponto de vista científico, de modo a desmistificar quaisquer mitos ainda existen-
tes em relação a ela. Além disso, aos que pretendem se tornar usuários fluentes
dessa língua visual, é imprescindível conhecer as particularidades da Libras, as-
sunto do qual esta disciplina também se ocupa.
As autoras
Essa capacidade inata apontada pelo autor leva também à diferença entre
competência linguística e desempenho linguístico. A primeira diz respeito ao
conhecimento do sistema linguístico que o falante tem de sua língua e que lhe
permite produzir o conjunto de sentenças da mesma. É um conjunto de regras
que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade inata
para a aquisição da língua que ouviu desde a infância. O desempenho é o com-
portamento linguístico resultante daquelas regras aliadas a outras variantes:
convenções sociais, crenças, atitudes emocionais do falante quanto ao que diz,
pressupostos sobre as atitudes do interlocutor, condições fisiológicas (de fona-
ção) etc. A competência é o que o falante, inconscientemente, sabe sobre sua
língua; o desempenho é o uso, ou melhor, é o resultado do uso que ele faz desse
saber, conhecimento. Para Chomsky, o desempenho pressupõe a competência,
mas a competência não pressupõe o desempenho.
Para encerrar essa seção, é possível dizer, com base no exposto, que as lín-
guas naturais, em número muito diversificado, são manifestações de algo mais
geral, a linguagem, e que as línguas são um meio de interpretar, organizar e
categorizar o mundo, atribuir sentido ao que está ao nosso redor, sendo que
cada língua pode focar ou realçar partes diferentes de uma mesma realidade.
Por exemplo, em países em que a ocorrência de neve é constante, os falantes
possuem, muitas vezes, palavras específicas para certos tipos de neve, o que não
é muito comum em países em que a neve não faz parte do cotidiano dos falan-
tes, os quais acabam empregando apenas uma palavra ou um menor número
de palavras relacionadas ao conceito de “neve”. Essa capacidade de interpretar
e fazer um recorte do mundo é, aliás, disponível apenas para os seres humanos,
como será visto a seguir.
Embora seja bem preciso, o sistema de comunicação das abelhas não consti-
tui uma linguagem no sentido em que o termo é empregado quando se trata de
linguagem humana. Isso por que existem diferenças entre o sistema de comuni-
cação das abelhas e a linguagem humana que coloca aquele em posição muito
distante do que pode ser considerado uma língua. Primeiramente, a mensagem
da abelha não provoca uma resposta, apenas uma conduta, portanto, não há
diálogo. Aliás, o tipo de conduta resultante – a busca pelo alimento – é sempre
a mesma. No caso da espécie humana, as respostas e condutas possíveis após
a recepção de uma mensagem são inúmeras e imprevisíveis. Essa não possibi-
lidade de mudança de conduta, em certa medida, tem relação com o fato de
que a comunicação da abelha se refere apenas a um dado objetivo, fruto da
experiência. A abelha não constrói uma mensagem a partir de outra mensagem.
A linguagem humana caracteriza-se por oferecer um substituto à experiência,
apto a ser transmitido infinitamente no tempo e espaço.
Com isso, pode-se concluir, sem medo de errar, que a comunicação das abe-
lhas não é linguagem no sentido em que se fala de uma linguagem humana.
Alguns de vocês podem estar considerando a comparação com as abelhas um
tanto “injusta”, principalmente se se lembraram dos papagaios. A essa altura,
a pergunta que alguns gostariam de fazer é: Mas e o caso dos papagaios, que
falam?
O prédio queimou.
Pelo fato de que uma estrutura depende da outra é que conseguimos en-
tender os enunciados acima. Como bons usuários do português, enten-
demos que “da esquina” está vinculado ao prédio da mesma forma que
“eu vi construir” e “quando era jovem”, sendo que isso não impede que o
conteúdo fundamental – “o prédio queimou” – seja compreendido.
Outro ponto a ser visitado se trata das funções da linguagem, ou seja, para
que empregamos a língua, assunto tratado na próxima seção.
Funções da linguagem
Quanto à característica da versatilidade das línguas naturais vista na seção
anterior, cabe um aprofundamento no que diz respeito às funções da lingua-
gem, isto é, os usos que podem ser feitos da linguagem verbal – língua. Quem
muito contribuiu para o estabelecimento das funções da linguagem foi Roman
Jakobson (1896-1982), que acreditava que a linguagem deve ser examinada
em toda variedade de suas funções. Para apontar as diferentes funções, o autor
levou em conta em que elemento (remetente, destinatário, referente, mensa-
gem, contato e código) do processo comunicativo por ele proposto estaria cen-
trada a comunicação:
Fonética e fonologia
A fonética e fonologia são dois níveis cuja análise se entrecruza, trabalhando
a partir de um “mesmo” ponto de partida, o som. A fonética é a área da Linguísti-
ca que se ocupa da descrição e análise da massa amorfa (sem forma, que não se
distingue, indecifrável) fônica. Seu objeto de estudo é o som, como ele é produ-
zido, quais as características dos sons da fala (fones), língua, que os diferencia de
outros sons (música, barulhos, grunhidos etc.). Nesse nível não há preocupação
com significado, com o valor dos sons para uma língua em particular, apenas com
características físicas, acústicas e articulatórias da fonação (emissão dos sons da
fala). A fonologia, por outro lado, trabalha com sons, mas não apenas isso, não
apenas o som em si mesmo. Antes, está preocupada em descrever o valor de
determinados sons para línguas em particular. Na fonologia, então, estuda-se o
caráter propriamente linguístico desses sons. Isso significa que os sons são ana-
lisados em termos das relações que eles estabelecem entre si, e dos valores que
eles têm dentro de um determinado sistema linguístico.
Morfologia
Acima dos níveis fonético e fonológico, há o morfológico, tradicionalmente
identificado como a área responsável pelo estudo da palavra. Nesse nível, a aten-
ção recai para como os fonemas se combinam para formar morfemas e como
estes formam as palavras.
Para uma melhor compreensão, é preciso que se tenha em mente que o mor-
fema é a menor unidade significativa linguística, ou seja, uma função que une
um significante a um significado. Não esqueça de que o fonema distingue sig-
nificados, mas ele mesmo não carrega significado. Uma palavra do português
como “sim”, por exemplo, é um morfema. Ela não pode ser dividida em unidades
menores, que tenham significante e significado. Já uma palavra como “cozinhei-
ro” é composta por três morfemas: [cozinh–], [–eir–], e [–o]. Cada um desses mor-
femas apresenta um significante (a forma, o próprio morfema) e um significado
(o conceito, ideia veiculada pelo morfema): [cozinh–] significa um local em que
se cozinha; [–eir–] significa, entre outras coisas, alguém que trabalha com um
determinado objeto ou em uma dada área; e [–o] é o morfema que significa o
gênero masculino.
Sintaxe
No nível de análise sintático, o objetivo é descobrir as regras internas da
língua que regem a estruturação dos enunciados, isto é, como as palavras se
organizam para formar sentenças. Note que não se está falando das regras da
Semântica e Pragmática
A formação de palavras, bem como a formação de sentenças, implica na vei-
culação de significados. Estes são objeto de estudo da Semântica. O problema é
que não é fácil definir o conceito de “significado”. Além disso, como a questão do
significado está fortemente ligada à do conhecimento, outro problema que se
levanta é o da relação entre linguagem e mundo, e de que forma o conhecimen-
to se torna possível. Como não há consenso entre os linguistas sobre essas ques-
tões, há várias semânticas. Cada uma, consequentemente, elege a sua noção de
significado, responde diferentemente à questão da relação entre linguagem e
mundo e constitui, até certo ponto, uma teoria fechada, incomunicável com as
outras. Muitos linguistas gostam de fazer uma separação entre Semântica e Prag-
mática. De maneira geral, para eles, a Semântica trata da significação linguística
independentemente do uso que se faz da língua. A Pragmática, por outro lado,
teria como objeto o estudo da significação construída a partir do momento em
que a língua é posta em uso, ou seja, em uma determinada situação de fala.
Outros linguistas preferem não estabelecer uma distinção tão clara entre as duas
áreas de pesquisa, na medida em que acreditam que a significação das expres-
sões linguísticas só se constrói por inteiro quando a língua é posta em uso.
Texto complementar
E se... o mundo falasse a mesma língua
(ALMEIDA, 2002)
Mas uma língua unificada teria vida breve. Em pouco tempo, cada grupo
selecionaria os termos adequados ao seu ambiente e à sua cultura, diferen-
ciando novamente as linguagens. Enquanto os idiomas têm entre 2 000 e
20 000 palavras, uma língua mundial precisaria de mais de 25 000 termos,
para absorver, por exemplo, as 40 palavras que os esquimós dão para a cor
branca. No Saara, essas palavras seriam abandonadas em breve. “O latim era
uma língua unificada, mas dele saíram 10 ou 12 línguas latinas”, diz o profes-
sor de Filologia Românica da USP, Bruno Fregni Bassetto. É o que explica as
diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal.
A difusão dessa língua mundial seria delicada. E, com certeza, não have-
ria mistura com os idiomas locais. Onde houvesse resistência, a linguagem
original simplesmente predominaria. Trata-se de uma verdade histórica: as
línguas nunca se fundem – uma sempre predomina e a outra desaparece. Foi
o que houve na Gália, terra de Asterix e Obelix, onde viviam os celtas, com
sua própria língua. Quando os romanos conquistaram a região, impuseram o
latim, que foi adotado. Com mudanças de pronúncia e enxertos de palavras,
mas ainda latim.
Frase
Dicas de estudo
Crônica: “Estudo científico das línguas?”, de Sírio Possenti, em A Cor da Lín-
gua, 2002, p. 33-35.
Por ser uma crônica, o texto promove, numa linguagem acessível a leigos
no assunto, discussões em torno do fazer do linguista, tentando esclarecer
qual a sua tarefa e no que ela se diferencia em relação ao trabalho do gra-
mático.
Filme: Nell (1995), dirigido por Michael Apted.
O filme narra a história de uma jovem encontrada morando sozinha, dis-
tante do contato de qualquer outra pessoa que não fosse sua mãe, que
falecera. Entre outras coisas, aponta o choque entre o encontro de uma
pessoa “não civilizada” com o mundo “civilizado”.
O interesse particular quanto à questão da linguagem e língua recaí no
fato de que Nell, ao ser encontrada, apresenta uma linguagem verbal
muito diferente da falada pelas pessoas que a encontraram (o inglês). No
decorrer da história, o médico e a psicóloga que lidam com Nell acabam
por concluir que a linguagem que ela apresenta é, na verdade, uma “va-
riedade” do inglês, e que todas as características que atribuíam uma na-
tureza distinta do inglês falado pelos dois se devia a fatores como Nell ter
convivido apenas com sua mãe e irmã – ambas já mortas no momento em
que ela é descoberta –, à mãe de Nell ter um problema de fala ocasionado
por paralisia facial, o que acabou se refletindo na fala das filhas, e por Nell,
como é comum a muitas crianças, ter criado uma forma distinta de co-
municação que apenas ela e sua irmã conheciam, o que também acabou
sendo transportado para a sua fala, já que sua convivência se limitava a
sua mãe e irmã. O filme nos leva à reflexão, por um meio palpável, sobre
o que é uma língua, como identificá-la e como ela interfere na construção
do entendimento do mundo e cultura ao nosso redor.
Artigo: “Fonética”, de Raquel Santana Santos e Paulo Chagas de Souza, do
livro Introdução à Linguística II, de José Luiz Fiorin, editora Contexto, 2003.
Este artigo é muito interessante para se ter uma noção introdutória a res-
peito dos aspectos próprios à Fonética tanto de línguas orais como da lín-
gua de sinais. Além desse artigo inicial há os demais que constituem uma
fonte segura da qual o aluno pode incrementar seu conhecimento sobre
as demais áreas da Linguística.
Atividades
1. Discuta, definindo e dando exemplos, a propriedade de dupla articulação da
linguagem e por que ela gera economia para as línguas.
Referências
ALMEIDA, Lizandra Magon de Almeida. E se... o mundo falasse a mesma língua.
Superinteressante, ed. 177, jun./2002. Disponível em: <http://super.abril.com.
br/cultura/se-mundo-falasse-mesma-lingua-443082.shtml>. Acesso em: 23 ago.
2010.
BARROS, Diana Pessoa de. A comunicação humana. In: FIORIN, José Luiz (Org.).
Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN, José Luiz (Org.).
Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar que a dupla articulação da língua é um
fator de economia, pois permite que com um número limitado de fonemas
sejam construídos um número ilimitado de morfemas, material com o qual
as palavras são formadas. Deve atentar também para o fato de que a primei-
ra articulação, a morfológica, está no plano do conteúdo, posto que veicula
significado, já a segunda articulação, a fonológica, está no plano da forma, já
que não veicula significado.
Por ser uma língua ágrafa, não há registro da origem da língua de sinais,
mas, possivelmente, ela se desenvolveu na mesma época que a língua
oral. Diz a lenda que os surdos eram adorados no Egito, como se fossem
deuses, porque serviam de mediadores entre os Faraós e os deuses, já que
eram tidos como seres místicos. As primeiras referências aos surdos apa-
recem na época da Lei Hebraica. Na China, os surdos eram lançados ao
mar; os gauleses os sacrificavam aos deuses Teutates; em Esparta, eram
lançados do alto dos rochedos. Na Grécia, os surdos eram encarados como
deficientes mentais e muitas vezes eram condenados à morte. Os roma-
nos viam os surdos como seres imperfeitos, e assim lançavam as crianças
surdas no rio. Mais tarde, Santo Agostinho defendia que os surdos podiam
se comunicar por meio de gestos, contudo, acreditava que os pais esta-
vam pagando por algum pecado. Até a Idade Média, a Igreja Católica acre-
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O status de língua da Libras
resultado, poderiam, então, ser expostos à língua gestual. Durante o século XVIII,
na Europa, surgem duas tendências adversas na educação dos surdos antes do
Congresso de Milão: o método francês, chamado de gestualismo, e o oralismo,
ou método alemão. Em 1880, houve um momento obscuro na história da educa-
ção dos surdos. Foi durante o famoso congresso de Milão, com duração de três
dias, quando um grupo de ouvintes resolveu que a língua de sinais deveria ser
excluída do ensino dos surdos, sendo substituída pelo oralismo. Durante o fim do
século XIX e grande parte do século XX, o oralismo foi a técnica preferida na edu-
cação dos surdos, sendo que a luta entre o oralismo e a língua de sinais continua
até os nossos dias, o que se depreende da afirmação de Quadros (1997), em seu
livro sobre a educação de surdos e aquisição da língua de sinais, segundo a qual
a permissão ou não permissão para o uso de línguas espaciais-visuais interferiu
no processo histórico e na vida das pessoas pertencentes a comunidades surdas.
A Libras teve sua origem na Língua de Sinais Francesa por influência de Hernest
Huet, surdo francês, que chegou ao Brasil em 1856, a convite de D. Pedro II, para
fundar a primeira escola para meninos surdos, o Instituto Nacional de Educação
de Surdos (INES), que foi inaugurado no dia 26 de setembro de 1857, o qual rece-
beu o nome de Imperial Instituto de Surdos-Mudos, com o propósito de desen-
volver a educação dos surdos brasileiros. Hernest, o professor surdo, negociava
a criação do instituto de surdos através de cartas com o imperador D. Pedro II,
as quais encontram-se no Museu Imperial de Petrópolis (RJ). Aconteceu com a
Libras um processo de colonização de língua, tal como se deu entre o portu-
guês para os brasileiros. Nesse sentido, quando os portugueses vieram colonizar
o Brasil, se depararam com uma série de línguas indígenas, e mais especifica-
mente uma língua geral, usada para negociações entre as diferentes tribos. Ao
longo dos anos, por uma série de fatores que não cabe explicar neste momento,
o português de Portugal foi se mesclando a essa língua geral e, posteriormente,
recebeu influências de outras línguas como o italiano, o francês e o árabe, resul-
tando no português que hoje se fala no Brasil, o qual difere em muitos aspectos
da língua que lhe deu origem. Portanto, quando Huet chegou ao Brasil os surdos
já deviam possuir um sistema de comunicação, que se mesclou à língua france-
sa de sinais, originando a Língua Brasileira de Sinais, a qual também difere em
muitos aspectos da língua que lhe deu origem.
Como visto, a Libras tem uma história de evolução ao longo dos anos, como
qualquer outra língua natural. Assim como as línguas orais, as línguas de sinais
nascem para suprir uma necessidade de comunicação. A diferença reside no
canal de recepção e nos meios de produção, pois, devido à impossibilidade de
ouvirem uma língua falada, os surdos desenvolvem a habilidade linguística de
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O status de língua da Libras
outra maneira, fazendo uso do espaço e da visão. Então, uma língua de nature-
za espaço-visual não se configura como uma barreira perceptual no processo
de aquisição dos surdos, já que essa é a língua natural dos surdos. Todavia,
nem sempre essa condição de língua natural foi aceita em relação às línguas
de sinais. Não há muito tempo, as línguas de sinais eram vistas apenas como
gestos, mímica, um sistema de comunicação inferior, pobre, sem gramática,
cujo único proveito era expressar conceitos concretos. Essa visão só começou a
ser superada a partir da década de 1960, com a publicação, nos Estados Unidos,
do primeiro trabalho conhecido sobre línguas de sinais, por William Stokoe.
A questão da forma e do significado referido por ela, aliás, traz à tona a des-
continuidade: pequenas diferenças na forma das palavras, por exemplo, podem
gerar grandes diferenças no significado. Na Libras, os sinais são formados por
meio de cinco parâmetros: configuração de mão (CM), ponto de articulação (PA),
movimento (M), orientação (O) e expressão facial-corporal (EFC). A alteração de
um dos parâmetros na formação de um dado sinal resulta num sinal diferente
ou, às vezes, num sinal inexistente. Isso significa que pequenas alterações na
formação de um sinal levam a significados diferentes. Assim, os sinais APRENDER
e SÁBADO apresentam em comum CM, M, O, sendo que o parâmetro EFC não é
determinante na constituição desses dois sinais, estando a diferença apenas no
PA. O sinal de aprender é articulado em frente à testa, e o sinal de sábado, em
frente à boca do sinalizador.
Além de a Libras permitir ao seu usuário falar sobre o assunto de seu desejo,
ela fornece inúmeras possibilidades de transferência para uma mesma informa-
ção, já que a partir de um número finito de elementos combináveis e recombi-
náveis por meio de regras também finitas, é possível elaborar um número de
sentenças infinitas. Isso é possível, inclusive, mesmo quando o usuário nunca
se deparou com uma estrutura em particular. A essa propriedade se dá o nome
de produtividade/criatividade. Desse modo, estruturas como J-O-Ã-O GOSTAR
M-A-R-I-A PORQUE ELA EDUCADA podem ser produzidas através do aprendi-
zado adquirido de outras estruturas: EU GOSTAR ELA; EDUCADA ELA; J-O-Ã-O
ESTUDARmuito PORQUE ELE INTELIGENTE.
A B C D E F
G H I J K L
M N O P Q R
S T U V W X
Y Z 1 2 3 4
5 6 7 8 9 0
Esse primeiro mito, línguas visuais serem apenas gesto e mímica, leva ao
segundo. Posto que gestos não são arbitrários, são icônicos – isto é, sua forma
tem relação direta com aquilo a que se referem –, muitos acreditam na existên-
cia de uma única língua de sinais, falada por todos os surdos. Porém, estudos
linguísticos comprovaram que as línguas de sinais são diferentes entre si, cada
comunidade surda de um dado país apresenta vocabulário e regras gramaticais
próprias. Algumas línguas de sinais são aparentadas, têm uma origem comum,
como a Libras e a ASL, que nasceram a partir da língua de sinais francesa. Mas
isso também se verifica em línguas como o português e o italiano, originadas
do latim. Assim, ASL e Libras, como também português e italiano, compartilham
características em comum, mas em hipótese alguma seus usuários podem trocar
informações como se elas fossem a mesma língua.
Por fim, para finalizar a análise de alguns mitos apontados por Quadros e
Karnopp (2004, p. 31-37), muitas pessoas pensam, por se tratarem de línguas
visuais, articuladas espacialmente, que a localização da língua de sinais no cé-
rebro deve ser do lado direito, responsável pelo processamento de informação
espacial, e não do lado esquerdo, próprio da linguagem. Essa ideia, contudo, é
derrubada por pesquisas envolvendo surdos com lesões em um dos hemisférios.
Os resultados apontam que danos no lado direito prejudicam o processamento
de informações puramente espaciais. Nesse caso, se for solicitado ao surdo, em
uma sala qualquer, que se encaminhe para o lado esquerdo da porta de saída
da sala, ele compreenderá o que deve fazer, mas não poderá executar a tarefa
por não conseguir identificar qual seria o lado esquerdo da porta. Já lesões no
lado esquerdo do cérebro afetam a produção e compreensão da língua, deixan-
do intactas as informações puramente espaciais. Nesse caso, se fosse solicitado
ao surdo a mesma tarefa, ele não a poderia executar por não compreender no
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O status de língua da Libras
que ela consiste. Não se pode esquecer, todavia, que tanto em línguas visuais
como orais essa questão de localização da língua é bem complexa, pois lesões
em áreas muito semelhantes nem sempre acarretam nos mesmos danos. Não
bastando isso, a literatura cognitiva aponta casos de pessoas que, afetadas por
lesões no hemisfério esquerdo na infância, especializaram o lado direito do cére-
bro para desenvolver também a função linguística, fato creditado à plasticidade
cerebral, responsável por desenvolver mecanismos compensatórios quando há
condição para tal.
No entanto, neste ponto, você deve estar pensando, “Mas eu já sei essa língua,
eu uso essa língua, se eu não a soubesse, aí sim deveria estudá-la.” Acontece que
saber uma língua com base em seu uso não é condição suficiente para ser intér-
prete. Paralelamente, é possível fazer a seguinte reflexão. Uma pessoa que fala
a língua do país onde vive, o português, por exemplo, não pode ser considera-
da apta a ensinar essa língua se não empreendeu estudos específicos para isso.
Ser usuário de uma língua dá ao indivíduo um conhecimento intuitivo sobre
ela, conhecimento muito importante e útil, é verdade, mas que, sozinho, não é
suficiente para exercer funções, como tradutor, intérprete, professor de língua,
que exigem um conhecimento técnico, consciente e sistemático da língua a ser
traduzida, interpretada ou ensinada.
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O status de língua da Libras
Para os objetivos deste curso, você vai aprender a lidar com o Sistema de No-
tação por Palavras, criado e desenvolvido pela pesquisadora da Língua Brasileira
de Sinais Tânia Amaro Felipe, no ano de 1998. Pela clareza da transcrição, o sis-
tema foi muito aceito, não só por pesquisadores brasileiros que atuavam nesse
período, mas também por outros que desenvolviam trabalhos com línguas de
sinais. Assim, ao longo do curso, sempre que útil às discussões, a transcrição por
notação será empregada. A seguir, há um quadro com exemplos de notações e
a convenção subjacente a cada um.
Essas são as principais notações que lhe serão úteis ao longo do curso. Agora
que você sabe um pouco mais sobre os recursos empregados no estudo da
Libras, acompanhe abaixo o relato do pesquisador sobre a experiência dele na
aquisição da Língua Brasileira de Sinais como segunda língua. Boa leitura!
Texto complementar
tes veiculadas por esse canal. Com o tempo, observei que os surdos agiam
de maneira distinta, focalizando predominantemente o rosto e só desvian-
do o foco visual para as mãos em algumas poucas ocasiões (e.g. em alguns
casos de soletração manual). A dificuldade de acompanhar a sinalização se
agravava em contextos informais, nos quais dois ou mais surdos interagiam
ao mesmo tempo. Minha impressão era a de que os surdos acompanhavam
esse tipo de conversa sem a necessidade de redirecionamentos da cabeça e
do olhar tão frequentes e/ou intensos quanto os meus. Se esse refinamento
visual de fato existe – como alguns pesquisadores têm argumentado (e.g.
SWISHER et al., 1989) – seria fundamental que os cursos de Libras como se-
gunda língua procurassem desenvolver essa habilidade nos alunos ouvintes,
o que não ocorreu em minha experiência.
dores” – um aspecto das línguas de sinais que, segundo Jacobs, é de difícil as-
similação pelos ouvintes. Embora o termo classificador seja corrente entre os
professores de Libras, bem como entre muitos pesquisadores da área, vejo
hoje que ele era utilizado nas aulas como um “termo guarda-chuva” para uma
série de fenômenos da produção em línguas de sinais ainda pouco compre-
endidos. Sem uma base teórica sólida sobre a qual pudessem se apoiar, os
professores acabavam dando explicações muito pouco claras sobre o que
seriam os “classificadores”; e as atividades que supostamente deveriam tra-
balhar essa parte da gramática acabavam envolvendo produções que, para
mim, ora se assemelhavam a uma pantomima, ora pouco diferiam de sinais
convencionais da Libras.
na experiência com a língua oral – embora não ausente (e.g. QUEK et al., 2002)
– entendo que a exploração do espaço poderia ter sido mais enfatizada em
atividades com a Libras.
Dicas de estudo
Artigo intitulado “Poesia em língua de sinais: traços da identidade surda”,
de Ronice Müller de Quadros e Rachel Sutton-Spence, do livro Estudos Sur-
dos I, organizado por Ronice Müller de Quadros, editora Arara Azul, 2006.
Esse texto permite ao leitor ter uma boa ideia da complexidade de usos
que a Libras pode desempenhar, bem como introduz o leitor no desco-
nhecido mundo da poesia surda, posto que sobre ela muito se fala generi-
camente, mas estudos, como estes, são raros. As autoras analisam compa-
rativamente duas poesias. Uma de um poeta surdo britânico, na língua de
sinais própria desse país, a outra de um poeta surdo brasileiro. Por meio de
tal comparação, as autoras evidenciam a riqueza linguística e cultural do
surdo, apontando o importante papel da língua de sinais na constituição
da identidade do sujeito surdo.
Atividades
1. Discuta a propriedade da arbitrariedade na Libras por meio dos sinais FAMÍ-
LIA, SOFRER e TEORIA.
Referências
LEITE, Tarcísio de Arantes; MCCLEARY, Leland. Aspectos relevantes na aprendi-
zagem de Libras como segunda língua por um adulto ouvinte. In: QUADROS,
Ronice Müller de; STUMPF, Marianne Rossi (Orgs.). Estudos Surdos IV. Petrópo-
lis: Arara Azul, 2009. p. 249-253.
Gabarito
1. A resposta deve versar sobre o fato de que não é possível fazer relação direta
entre os sinais e seus significados, daí a característica da arbitrariedade.
2. Aqui o esperado é que o aluno argumente que a Libras tem sua própria es-
trutura, expressa os significados e conceitos que o usuário quiser, não sendo,
portanto, dependente de línguas orais. Pode, inclusive, apresentar como ar-
gumento o fato de que Brasil e Portugal possuem línguas de sinais diferen-
tes, considerando que, se a língua de sinais fosse dependente realmente das
línguas orais, elas deveriam ser iguais.
3. Aqui é importante que o aluno faça um exercício de autorreflexão, chegan-
do ao ponto em que perceba que o estudo dessa língua é não só útil como
requisito necessário ao desempenho da função de intérprete de Libras.
O que é fonologia?
As línguas orais – o português, por exemplo – se manifestam por meio de
sons, não todo e qualquer som, mas apenas aqueles relacionados à fala. Há duas
perspectivas de estudos sobre os sons das línguas: a fonética e a fonológica. Na
primeira perspectiva, são privilegiadas as características físicas e fisiológicas da
produção do som, sem se ater à questão se esses sons são distintivos. Assim, por
exemplo, interessa à fonética descrever do ponto de vista acústico, articulatório
etc. a diferença entre os fones [d] e [d], mas não é de sua alçada discutir se
estes fones são distintivos em português. Essa última tarefa é responsabilida-
de da perspectiva fonológica, que aponta entre os inúmeros sons produzidos
no ato de fala aqueles “que a língua usa para diferenciar palavras” (MAIA, 1991,
p. 19), ou seja, os fonemas. Resumidamente, então, o objeto de estudo da fonéti-
ca é o fone e o da fonologia, o fonema. Para clarificar a distinção entre esses dois
objetos, é útil considerar o excerto abaixo:
Há várias definições de fonema [...]. O que todas elas têm em comum é ver o fonema como
uma abstração, uma entidade que se manifesta através de segmentos fonéticos mas não é
necessariamente idêntica a eles. Assim, podemos dizer que em português /t/ e /d/ são fonemas
que se realizam foneticamente como [t] ou [t] e [d] ou [d], respectivamente. (MAIA, 1991, p. 19)
Pelo citado acima, pode-se entender que os fones são as manifestações con-
cretas dos fonemas, sendo que um fonema pode ter mais de uma manifestação
fonética. Dessa forma, ao adquirir sua língua materna, uma das primeiras tarefas
da criança é aprender quais os fonemas de sua língua, ou seja, quais sons impli-
cam em palavras diferentes. E ela o faz com grande sucesso, dos dois aos quatro
anos de idade se apropria do acervo fonológico de sua língua, não importando
quão sofisticado ele seja. Pelo excerto acima, você deve entender que o trabalho
da criança, embora natural, não é exatamente fácil. Afinal, o que ela ouve todos os
dias, de seus pais, parentes, e tantas outras pessoas que a circundam, não são os
fonemas, mas sim os fones. Para ilustrar, considere palavras como julho, tomate e
toalha, que são pronunciadas de maneiras diferentes a depender de pessoa para
pessoa: [ → (julhu) → (juliu) → (tomate) →
(tomatchi) → (tumatchi) → (toalha) →
(toalia)] → (tualha) → (tualia).
Isso significa que de todas as pronúncias que ouve, a criança deve distinguir
quais implicam em significado diferente, em que posição da palavra e a partir
disso depreender quais os fonemas de sua língua, isto é, quais as formas subja-
centes por trás dos fones. Assim, uma criança aprende, inconscientemente, que
Isso pode ser feito por meio da troca de um som por outro dentro de um
mesmo contexto, se o resultado for a mudança de significado da palavra, trata-se
de um fonema. Caso contrário, não havendo mudança de significado com a
troca do som num mesmo contexto, está-se diante de um fone. Assim, a troca
de /p/ por /b/ em /porrada/ leva a /borrada/, sendo que a mudança de significa-
do revela que /p/ e /b/ são fonemas. Agora, na palavra bichano, a depender da
região do Brasil ou de pessoa para pessoa, o /i/ pode ser pronunciado como [e]
ou como [respectivamentesem que haja mudança de
significado, tratando-se, portanto, de fones e não fonemas.Daqui por diante,
no estudo da fonologia da Libras, esse será o critério adotado para determinar
o que se encontra no campo fonológico e o que pertence ao fonético. Desse
modo, se a mudança de um elemento na composição de um sinal levar à mu-
dança de significado, esse elemento será tomado como um segmento fonológi-
co, senão, como uma realização fonética. Provavelmente, neste ponto, você deve
estar pensando: “Mas fonologia e fonética não estudam o som? Como analisar
a Libras, uma língua visual, nesses termos?”. Esse questionamento, estudante,
é uma preocupação válida, por isso é abordado na próxima seção, onde você
conhecerá a organização fonológica da Libras.
1
KLIMA, E.; BELLUGI, U. The Signs of Language. Cambridge: Harvard University, 1979.
2
WILBUR, R. American Sign Language: linguistic and applied dimensions. San Diego, California: College Hill Press, 1987.
3
HULST, H. V. D. Units in the analysis of signs. In: Phonology 10. Cambridge: Cambridge University, 1993.
(FELIPE, 2005)
1 2 3 4 5 6 7 8a
8b 9 10 11 12 13 14 15
22b 23 24 25 26 27 28 29a
36 37a 37b 38 39 40 41 42
43 44 45 46a 46b 47 48 49
56 57 58 59a 59b 60 61 62
63 64
O segundo parâmetro tem a ver com o espaço onde o sinal será realizado, po-
dendo ser no próprio corpo do sinalizador ou no espaço neutro (espaço “vazio”
em frente ao corpo do sinalizador, precisamente entre a cabeça e o quadril) e
pode ser chamado de ponto de articulação (PA) ou locação (L). O movimento
(M) realizado no sinal é o terceiro parâmetro, há inúmeros tipos de movimento,
alguns serão tratados na próxima seção, quando da análise de configurações
de mão. O quarto parâmetro concerne à orientação (O) da palma da mão na
realização do sinal. Ela pode estar voltada para cima, para baixo ou para o corpo
de quem sinaliza, para fora, para a esquerda e para a direita. O último parâme-
tro trata-se da expressão facial e corporal (EFC) que acompanha o sinal. Todos
esses parâmetros, sozinhos, não significam nada, são apenas distintivos entre si.
Porém, ao se combinarem, formam sinais. Sob essa perspectiva, o sinal de sauda-
de é realizado com uma mão, que assume a CM número 1 do quadro apresenta-
do por Felipe (2005). O PA é o peito do sinalizante, o M é circular, a O é da palma
para dentro e a EFC é a de uma pessoa sentindo saudade. Veja o sinal:
PAÍS.
FRIO. RESTAURANTE.
INTELIGENTE. PEIXE.
MAR. ÓLEO.
Movimento circular
Movimento angular
IESDE Brasil S.A.
AEROPORTO.
ANO.
Os sinais produzidos com duas mãos devem respeitar, para serem considera-
dos sinais bem formados, isto é, de acordo com as regras internas da língua, duas
restrições fonológicas. A primeira restrição envolve a produção de sinais em que
as duas mãos são ativas, isto é, se movimentam. Nesse caso, a CM deve ser a
mesma para ambas as mãos, o ponto de articulação também deve ser o mesmo
4
BATTISON, R. Lexical Borrowing in American Sign Language. Silver Springs, MD: Linstok, 1978.
REUNIÃO.
Texto complementar
ao corpo, ao seu formato e sua direção (ISHAI et al., 2000; KANWISHER et al.,
1997; MAUNSELL et al., 1995; NAKAMURA et al., 2000; O’CRAVEN et al., 2000;
RIESENHUBER et al., 1999; YOUNG, 1995; EMMOREY et al., 2001). Essas áreas
se acham distribuídas no córtex temporal bilateralmente. [...]
Dicas de estudo
Descrição Fonético-Fonológica dos Sinais da Língua de Sinais Brasileira (Li-
bras), de André Nogueira Xavier. Dissertação (Mestrado) – Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/
disponiveis/8/8139/tde-18122007-135347/>.
Atividades
1. A fonologia é um ramo da Linguística criado para o estudo dos sons da fala.
Discuta, então, como é possível o estudo do nível fonológico na Libras.
FALAR.
Referências
FELIPE, Tanya. Dicionário da Libras. 2005. Versão atualizada. Disponível em:
<www.acessobrasil.org.br/libras/>. Acesso em: 8 ago. 2010.
Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar o fato de que a Libras, na sua condição
de língua natural, apresenta elementos básicos, usados na composição dos
sinais, que são distinguíveis entre si e, embora não possuam significado iso-
ladamente, podem levar à mudança de significado quando alterados num
mesmo contexto, tal como são os sons para as línguas orais.
2. O aluno deve nortear sua explicação com base nas restrições para a forma-
ção de sinais com duas mãos, reconhecendo que o sinal proposto pelo gru-
po desrespeita a Condição de Dominância, posto que ela estabelece que as
duas mãos não podem ser ativas na execução de um sinal que envolve con-
figurações de mão diferentes. Segundo essa condição, o sinal proposto deve
ter uma mão ativa, a que executa o movimento, e uma mão passiva, que
serve de ponto de articulação para a mão ativa.
Até aqui, estudante, você já aprendeu que a Libras é uma língua natu-
ral, como qualquer língua oral, e que ela apresenta níveis de análise. Dessa
forma, o nível fonológico da Libras, assim como nas línguas orais, é com-
posto pelas menores unidades sem significado da língua, mas distintivas
entre si, sendo que a junção desses elementos menores sem significado
resulta nos morfemas, o objeto de estudo desta aula. Comparativamente
ao nível fonológico, o estudo do nível morfológico na Libras apresenta
menos material linguístico para análise. Segundo Leite (2008, p. 26), “ao
passo que a fonologia das línguas de sinais parece se constituir como um
de seus níveis mais poderosos [...], a morfologia, diferentemente, parece
ser um nível de análise significativamente limitado quando comparado
com línguas como o português”.
Essa limitação de que fala Leite é natural, não deve ser entendida de
modo negativo. Trata-se apenas da diferença entre como cada língua se
organiza. A morfologia do português, por exemplo, se comparada à do
latim, é considerada limitada, tendo em vista a riqueza morfológica dessa
língua. Todavia, se comparada à morfologia do chinês, a do português é
riquíssima, uma vez que a língua dos chineses é monomorfêmica, isto é,
todas as palavras são constituídas de um único morfema, não podem ser
segmentadas em elementos menores.
Esclarecido isso, a proposta para esta aula é que você conheça o nível
de análise morfológico de forma geral, compreenda o conceito de palavra
e se aproprie dos processos de formação de palavras na Língua Brasileira
de Sinais. Tudo isso será trabalhado com o intuito de que o conhecimento
dos fundamentos morfológicos aqui apresentados contribuam para o en-
riquecimento e emprego adequado do vocabulário da Libras.
O que é morfologia?
Geralmente, ouve-se falar de morfologia já na escola, no Ensino Funda-
mental. Nas aulas sobre gramática, a morfologia é definida como o campo
de estudo que aborda a estrutura interna das palavras, ou, simplesmente, o campo
responsável por estudar como as palavras são formadas e quais suas classes. Em
linhas gerais, essa concepção de morfologia não está errada, pois é verdade que
o limite do universo de análise da morfologia é a palavra. Todavia, se não houver
clareza sobre o que é uma palavra, sobre como identificá-la, essa definição de
morfologia como o estudo da formação e classificação de palavras cai por terra.
Segundo Sandalo, identificar as palavras com o seu significado não ajuda, pois
construtor e aquele que constrói apresentam o mesmo significado, entretanto, o
primeiro se trata de uma palavra e o segundo de uma sentença. A autora argu-
menta que critérios fonológicos também não resolvem o problema de identificar
palavras, pois é “impossível elaborar um teste baseado em critérios fonológicos
que possa ser categoricamente aplicado para qualquer língua para sabermos se
estamos lidando com uma palavra ou frase” (SANDALO, 2001, p. 182).
Maçã.
A tarefa agora é entender o que a autora quer dizer sobre “unidade mínima
que carrega significado”, para que você possa, de fato, operar com o conceito de
morfema. Para tanto, observe os exemplos abaixo:
No caso de (7a), é possível saber que foi João quem perdeu a carteira por
conta da concordância, no masculino, apresentada pelo pronome dele, em que
o -e marca o gênero masculino, ligando a carteira perdida ao João. Em (7b), pela
presença do -a no pronome possessivo, marcando gênero feminino, é possível
saber que a carteira perdida foi a de Maria. No exemplo (8), na primeira senten-
ça, tem-se a forma um acompanhando o substantivo masculino lugar quanto ao
gênero, o que muda ao se trocar lugar por cadeira, substantivo feminino que acar-
reta, por uma questão de concordância nominal, o acréscimo de -a, morfema de
gênero feminino, ao artigo indefinido um. Em (9a), o verbo estávamos concorda
com o sujeito da sentença (João e eu = nós) por meio do morfema -mos, sendo
ele o pedaço do verbo responsável por fazer a ligação gramatical entre o sujei-
to e o verbo. É por conta também dessa ligação que é possível identificar em
(9a) que o bolo foi levado por João, haja vista que o verbo levar concorda com
o sujeito de terceira pessoa do singular (João). Em (9b), os morfemas também
não assuma que todos os significados expressos por morfemas em sua lín-
gua nativa serão expressos em outra língua por um morfema específico;
não assuma que sua língua nativa apresenta todos os contrastes morfoló-
gicos possíveis universalmente (SANDALO, 2001, p. 185).
Morfologia derivacional
e morfologia flexional: um panorama
Segundo Sandalo (2001), a morfologia derivacional tem a característica de
alterar a categoria gramatical de uma palavra, criando uma nova palavra perten-
cente a outra classe de palavras. Considere o exemplo:
Nacional – adjetivo
1
Morfologia isolante diz respeito a línguas em que as palavras são formadas por um único morfema, não podendo, portanto, serem decompostas
em unidades significativas menores. Cada palavra corresponde a um morfema. O chinês é um exemplo de língua isolante.
Nacionalizar – verbo
Nacionalização – substantivo
A morfologia flexional, por sua vez, não altera categorias, apenas fornece
formas diferentes de uma mesma palavra. A tarefa do morfema flexional é esta-
belecer ligações entre as palavras na sentença. Assim, na frase nós estudamos o
morfema -mos indica que o sujeito da frase é a primeira pessoa do plural (nós).
A morfologia derivacional, como visto no parágrafo anterior, cria novas palavras,
novos lexemas. A morfologia flexional apenas muda as formas das palavras.
Analise:
Árabe/Incorporação Português/Aglutinação
Distinção de processos de
aglutinação e de incorporação Kataba Ele escreveu
Kutib Estava escrito
pense que isso se deva ao fato de você, provavelmente, não conhecer a língua
árabe. Todavia, isso não é determinante, basta pensar no caso das formas taked
(tomou) e taken (tomado) do inglês, mesmo que não se conheça a língua inglesa
é possível perceber que elas foram formadas a partir do acréscimo de “d” e “n” à
forma take (tomar). O que ocorre no árabe, na verdade, é que apenas as conso-
antes permanecem as mesmas (k, t, b) e que é a troca das vogais, no interior da
palavra, que determina o tempo verbal expresso.
SENTAR. CADEIRA.
TELEFONAR. TELEFONE.
UM-MÊS. DOIS-MESES.
IESDE Brasil S.A.
TRÊS-MESES. QUATRO-MESES.
QUERER. NÃO-QUERER.
IGREJA.
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O nível morfológico
BOA-NOITE.
No caso do sinal BOA-NOITE, é fácil entender por que ele é composto, já que
se podem distinguir muito bem o sinal BOM e o sinal NOITE. Já em relação aos
compostos ACREDITAR (em português se trata de uma palavra simples) e NÃO-
-ENTENDER (em português equivale a uma frase) “enxergar” os sinais que os
compõem não é tão simples. Assim, repare na ilustração que o sinal ACREDITAR
é composto pelos sinais SABER + ESTUDAR e o sinal NÃO-ENTENDER é formado
pela união de SABER e NADA.
ÁRVORE.
IESDE Brasil S.A.
ÁRVORES.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 91
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O nível morfológico
CASA LONGE.
O léxico da Libras
Após tudo o que estudou nesta aula até aqui, você pode, estudante, ter con-
cluído que a estrutura dos sinais da Libras é complexa, por vezes compartilhando
características com as línguas orais e por vezes apresentando características que
lhe são específicas. E é isso mesmo! Agora, resta expor como se acredita que esteja
organizado o léxico da Libras. Mais uma vez um estudo desenvolvido sobre a ASL
serve de base para reflexões sobre a Língua Brasileira de Sinais na obra de Quadros
e Karnopp (2004), a qual é tomada como referência aqui também.
DIAFRAGMA.
Sobre o léxico não nativo, as autoras indicam, ainda, que ele contém também
palavras do português que são soletradas manualmente. Como no caso de:
D-I-A-F-R-A-G-M-A.
Texto complementar
A morfologia no Brasil: indicadores e questões
(BASILIO, 1999, p. 53-57)
Dicas de estudo
Capítulo “Formação de Palavras: as várias abordagens”, do livro Teoria Lexi-
cal, de Margarida Basilio, 8. ed., São Paulo: Ática, 2007.
Este artigo apresenta uma discussão aprofundada daquele que parece ser o
processo de formação de palavras mais recorrente na Libras: a composição.
Noções preliminares sobre morfologia são revistas, para o desenvolvimento
do trabalho, sob a óptica da Teoria Gerativa com base no português. É um
texto de leitura mais exigente, os não iniciados no assunto podem sentir a
necessidade de recorrer a outras fontes, mas vale a pena pelo rigor meto-
dológico e pela forte reflexão sobre se certos processos morfológicos são
realmente encontrados na Libras como se costuma apontar.
Atividades
1. Tomando por base a exposição sobre como identificar palavras, discuta se as
formas antiético, ético e anti são palavras da língua portuguesa.
TELEFONE. TELEFONAR.
Não assuma que sua língua nativa apresenta todos os contrastes mor-
fológicos possíveis universalmente.
Referências
BASILIO, Margarida Maria de Paula. A morfologia no Brasil: indicadores e questões.
DELTA., v. 15, n.º especial, p. 53-70, 1999. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0102-44501999000300003>. Acesso em: 22 set. 2010.
FERNANDES, E. Linguagem e Surdez. Porto Alegre: ArtMed, 2003.
FERREIRA-BRITO, L. Por uma Gramática das Línguas de Sinais. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, UFRJ, 1995.
FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina; SELL, Fabíola Ferreia Sucupira. Algumas Notas
sobre Compostos em Português e em Libras. Disponível em: <www.fflch.usp.
br/dl/tardes_de_ling/FIGUEIREDOSILVA-SELL.pdf>. Acesso em: 17 set. 2010.
LEITE, Tarcísio de Arantes. A Segmentação da Língua de Sinais Brasileira
(Libras): um estudo linguístico descritivo a partir da conversação espontânea
entre surdos. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
LIDDELL, Scott K. Think and believe: sequentiality in American Sign Language.
Language 60, p. 372-399, 1984.
PETTER, Margarida Maria Taddoni. Morfologia. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Intro-
dução à Linguística II: princípios de análise. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir. Língua de Sinais Brasileira:
estudos linguísticos. Porto Alegre: ArtMed, 2004.
SANDALO, Filomena. Morfologia. In: MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Anna Christi-
na. Introdução à Linguística. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
Gabarito
1. O esperado é que o aluno aplique os critérios sintáticos apontados com base em
Sandalo (2001) para identificar quais dessas formas são efetivamente palavras.
O resultado a que deve chegar é que antiético e ético se tratam de palavras da
língua portuguesa, pois servem de resposta mínima a uma pergunta e podem
ocorrer em várias posições sintáticas. Já anti não se trata de uma palavra, pois
não serve de resposta mínima a uma pergunta e não pode ocorrer em várias po-
sições sintáticas. Pode ocorrer de os alunos argumentarem que anti pode ocor-
rer como resposta mínima a uma pergunta como “Você é anti ou pró-governo?”.
Caso em que o aluno não se dá conta de que está fazendo uma elipse, omitindo
governo (antigoverno) e usando o prefixo como se ele fosse a palavra contra.
Além disso, é preciso que, para ser considerado palavra, o item possa ocorrer
com certa liberdade na estrutura de uma sentença, o que não ocorre com anti.
2. Em primeiro lugar, espera-se que o estudante seja capaz de reconhecer nos pa-
res fornecidos os exemplos dos processos a serem definidos. Assim, o par SABER/
NÃO-SABER é um exemplo de incorporação, processo morfológico que consiste
em incorporar à palavra ou sinal elementos em seu interior, mas não da mesma
forma como ocorre na derivação, em que se vê um acréscimo de material à base
de uma palavra para criar outra, sendo possível delimitar na palavra ou sinal de-
rivado a base da palavra ou sinal primitivo. Esse acréscimo, com possibilidade de
identificação da base, é o que se vê no par TELEFONAR/TELEFONE, exemplo de
derivação na Libras, em que por meio da repetição do parâmetro movimento do
sinal de TELEFONAR surge o derivado TELEFONE, uma nova palavra com catego-
ria gramatical alterada, o que caracteriza o processo de derivação.
3. Resposta mínima deve versar em algum momento sobre o fato de que não se
pode estudar uma língua com preconceito, minimizando-a ou supervalorizan-
do-a por conta de sua morfologia ser próxima ou distante à da língua nativa do
pesquisador. Do ponto de vista linguístico, cada língua escolhe os recursos que
julga melhor para expressar dados conteúdos ou funções, e se não há uniformi-
dade entre as línguas isso deve ser encarado como uma prova da diversidade
linguística e respeitado enquanto característica própria, e não ser visto como
uma deficiência da língua.
O que é sintaxe?
Na visão da Gramática Tradicional, conforme Berlinck, Augusto e Scher
(2003), o termo sintaxe remete à parte da gramática dedicada à descri-
ção do modo como as palavras são combinadas para compor sentenças,
sendo essa descrição organizada sob a forma de regras. Estas são obtidas
por meio do arrolamento de um grande número de autores consagrados,
a partir dos quais são listadas, sob a denominação de regras, as formas
empregadas por eles para combinar e organizar as palavras em sentenças
e as sentenças em texto. Algumas dessas regras, inclusive, são bem co-
nhecidas. Pense no caso da regra que estabelece a ordem direta (sujeito-
-verbo-complementos) para a organização dos constituintes da sentença.
qualquer língua natural tem um conhecimento inato sobre como os itens lexi-
cais de sua língua se organizam para formar expressões mais e mais complexas,
até chegar ao nível da sentença” (NEGRÃO; SCHER; VIOTTI, 2007b, p. 81). É nesse
conhecimento inato, como ele se organiza e como organiza a língua, que o ge-
rativismo está interessado.
A sintaxe espacial
Ao tratar da análise linguística da sintaxe da Libras, Quadros e Karnopp (2004,
p. 127) advertem que para cumprir tal tarefa é preciso que o interessado “enxer-
gue” “esse sistema que é visual-espacial e não oral-auditivo.” Em relação a isso, as
autoras argumentam: “[d]e certa forma, tal desafio apresenta certo grau de difi-
culdade aos linguistas; no entanto, abre portas para as investigações no campo
da Teoria da Gramática enquanto manifestação possível da capacidade da lin-
guagem humana” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 127).
Por ser uma língua espaço-visual, a Libras “monta” suas sentenças distribuin-
do os constituintes (sinais) de uma determinada maneira no espaço, sendo que
relações espaciais específicas são empregadas para desempenhar variados
papéis gramaticais. Um exemplo é o de identificação de referentes no discurso.
Na Libras, os referentes (eu, ele, você, nós, eles, relações anafóricas etc.), presen-
tes fisicamente ou não, são identificados por sua associação a uma localização
no espaço, sendo que diferentes recursos podem ser empregados. A seguir, são
ilustradas as possibilidades apresentadas pelas autoras:
IX (Casa).
X (Casa) NOVA.
2
Provavelmente, por óbvia as autoras querem significar que a referência é do conhecimento dos envolvidos na situação de comunicação, isto é, faz
parte do conhecimento compartilhado dos indivíduos em interação.
(eu) IR (casa).
Marca de concordância verbal por meio da direção dos olhos – notação < >do.
< > n.
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O nível sintático I
3
Diz respeito às perguntas feitas com pronome interrogativo (que, quem, quando e onde), por exemplo: “O que João comprou?”, “Quem não foi
para a aula ontem?” e “Onde estão meus livros?”.
Marca de interrogativa do tipo S/N (cuja resposta só pode ser sim ou não)
– notação < >sn.
Agora que você já conhece um pouco mais do uso do espaço e outros recur-
sos para estabelecer relações sintáticas na Libras, pode se dedicar, com menos
dificuldade, à compreensão da ordem sintática nessa língua, tema da próxima
seção.
(1a) Eu, por acaso, encontrei a pessoa que você procurava. (S-Adj-V-O)
4
O símbolo IX representa a incorporação do referente no espaço, significa, então, que um referente como “ele” foi sinalizado pelo recurso de esta-
belecer um ponto específico no espaço para fazer menção a esse referente.
EU LIVRO <PERDER>mc
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5
Nesse caso, um dos objetos internos da sentença (Maria) foi movido para antes do verbo, motivo pelo qual as autoras identificam essa estrutura
como SOV.
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O nível sintático I
Para facilitar a análise, já que ela será feita de forma linear, é bom colocar os
constituintes na ordem direta (sujeito, verbo, objeto e adjuntos):
6
Aqui se está empregando uma representação da estrutura diferente do sistema de representação arbórea proposto pela Gramática Gerativa, a
intenção é facilitar a sua compreensão, já que para dominar a representação gerativa de uma sentença são requeridos muitos pressupostos teóricos
que não cabem para o momento.
Texto complementar
Sintaxe
(LEITE, 2008, p. 28-30)
Em Liddell (1978), uma história repleta de personagens sem nome foi ela-
borada a fim de se verificar como orações relativas eram produzidas na ASL.
Foi solicitado a alguns surdos que lessem e memorizassem a história para, em
seguida, recontá-la em ASL. Ao notar que as expressões faciais dos narradores
pareciam estar desempenhando um papel importante, Liddell tirou fotos da
tela do televisor em cada sinal isolado. Com isso ele pôde constatar que os
sinalizadores mantinham uma expressão facial em uma posição de cabeça
particular durante todo o período em que realizavam os sinais relacionados
à relativa, configuração essa que mudava tão logo um nova predicação era
iniciada, como mostra a figura abaixo – reproduzida de Liddell (2003a, p. 54).
IESDE Brasil S.A.
R
RECENTE CACHORR@ PERSEGUIR GAT@ VIR CASA
Dicas de estudo
Artigo científico, “O empreendimento Gerativo”, de José Borges Neto, do
livro Introdução à Linguística: fundamentos epistemológicos, de Fernanda
Mussalim e Ana Cristina Bentes. São Paulo: Cortez, 2004. v. 3.
Atividades
1. Explane sobre a diferença entre a análise linguística da Gramática Tradicional
e da Gramática Gerativa.
Referências
BERLINCK, R. de A.; AUGUSTO, M. R. A.; SCHER, A.P. Sintaxe. In: MUSSALIN, Fernan-
da; BENTES, Ana Cristina (Orgs.) Introdução à Linguística: domínios e fronteiras.
3. ed. São Paulo: Cortez, 2003. v.1.
FELIPE, Tanya Amara. A estrutura frasal na LSCB. In: Anais do IV Encontro Nacio-
nal da ANPOLL, Recife, 1989.
NEGRÃO, Esmeralda Vailati; SCHER, Ana Paula; VIOTTI, Evani de Carvalho. A com-
petência linguistica. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística I: ob-
jetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007a.
______. Sintaxe: explorando a estrutura da sentença. In: FIORIN, José Luiz (Org.).
Introdução à Linguística II: princípios de análise. 4. ed. São Paulo: Contexto,
2007b.
Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar o fato de que a Gramática Normativa es-
tabelece o que é sintaxe e como se estruturam as sentenças de uma língua a
partir da elaboração de regras do bem falar e do bem escrever com base na
análise de como escritores consagrados empregam as estruturas sintáticas
da língua. A Gramática Gerativa, por sua vez, está interessada na sintaxe en-
quanto representação mental das estruturas linguísticas. Assim, na Gramáti-
ca Gerativa, interessa a análise de estruturas sintáticas tal como se acredita
que elas estejam organizadas na mente do falante.
3. A descoberta dos sinais não manuais foi o fenômeno que levou à revisão da
ideia de que a ordem dos constituintes das sentenças na ASL seria livre. Isso
ocorreu pois estudos evidenciaram que os sinais não manuais são empre-
gados para marcar estruturas sintáticas e relações entre os constituintes nas
sentenças. Desse modo, o uso de determinados sinais não manuais acarreta
ordens específicas dos constituintes.
a) Verbos modais
EU PODER IR <PODER>mc
b) Quantificadores
EU TER DOIS CARROS <DOIS>mc
IESDE Brasil S.A.
c) Verbos
d) Pronomes interrogativos
e) Negação
g) EU PODER IR <PODER>mc
Além disso, nas construções com foco, este recai sobre o núcleo do sintagma.
Assim, em G, o foco tomou o núcleo do sintagma verbal. O sintagma verbal é
“poder ir”, e o seu núcleo é “poder”. Resumindo, então, o foco envolve elementos
linguísticos que são núcleos de sintagmas. Eles podem aparecer duplicados ou
não e são acompanhados por marcação não manual.
1
Em Pizzio, Rezende e Quadros (2009) há a menção de que esse tipo de construção se chama de foco de ênfase, podendo ser construído também
com o apagamento do primeiro elemento duplicado, o que é tratado logo em seguida, no mesmo parágrafo.
Vale a pena citar também, com base em Pizzio, Rezende e Quadros (2009), os
casos de foco contrastivo, em que duas informações, dadas como novas e des-
conhecidas, são colocadas em contraste:
2
ROSS, J. R. Constrains on Variables in Syntax. Cambridge. Massachusetts. MIT, Doctoral Dissertation, 1967.
<FRANÇA>t EU VOU
Estruturas negativas
A negação em Libras, de acordo com Pizzio, Rezende e Quadros (2009), pode
ser realizada por elementos manuais, NÃO, NADA, NUNCA. A negação pode, ainda,
estar incorporada aos sinais (NÃO-TER, NÃO-GOSTAR) ou ser expressa apenas por
meio da marcação não manual. Esta última, alvo de interesse nesta seção.
Arrotéia (2005, apud PIZZIO; REZENDE; QUADROS, 2009) observa que, no in-
terior da sentença, a distribuição da marca de negação com a cabeça é mais
ampla do que as expressões faciais, já que o movimento com a cabeça pode
ser realizado apenas ao lado do “não”, ou acompanhando o sintagma verbal, ou
junto com a sentença toda ou, ainda, pode ultrapassar o limite do último sinal
empregado:
3
ARROTÉIA, J. O Papel da Marcação Não Manual nas Sentenças Negativas em Língua de Sinais Brasileira (LSB). Dissertação (Mestrado) – Uni-
versidade de Campinas, 2005.
Uma vez que a autora lida com dois tipos de marcação não manual de nega-
ção, para organizar a análise das sentenças, a mesma optou por representar a
abrangência das marcas não manuais com linhas horizontais, acima e abaixo da
sentença, sendo que a sigla “mc” indica movimento de cabeça e a sigla “ef” indica
expressão facial. De posse dessa informação, você pode comparar os exemplos
fornecidos acima, extraídos de Pizzio, Rezende e Quadros (2009, p. 9), com os
exemplos abaixo, que evidenciam que a distribuição da marca de negação por
expressões faciais apresenta uma distribuição mais restrita, já que “elas necessa-
riamente devem coocorrer junto a todo o sintagma verbal” (PIZZIO; REZENDE;
QUADROS, 2009, p. 10):
Estruturas interrogativas
A Libras compreende três formas distintas de formular perguntas, havendo,
portanto, uma marcação não manual diferente para cada tipo de pergunta. A
seguir, você pode acompanhar, com fundamentação na exposição de Pizzio, Re-
zende e Quadros (2009), cada tipo de estrutura interrogativa e suas respectivas
marcações não manuais:
Como você já deve ter percebido, algumas estruturas são marcadas por ele-
mentos manuais e não manuais – o caso das perguntas Qu – ou apenas pelas
marcas não manuais – as interrogativas S/N e de dúvida. Na próxima seção, há a
discussão sobre um outro tipo de sentença, as condicionais, cuja formulação se
estabelece pela união de marcações manuais e não manuais.
Estruturas condicionais
A partir desta seção, para que você possa acompanhar a exposição sobre
estruturas condicionais e relativas na Libras, é necessário que os conceitos de
oração principal e oração subordinada sejam compreendidos, posto que por seu
intermédio é que se obtêm as estruturas citadas. Para facilitar a discussão de tais
conceitos, a explanação toma como base, primeiramente, a língua portuguesa
e, a seguir, a Libras.
Toda essa digressão foi feita com o intuito de que se compreenda adequada-
mente o que são estruturas condicionais, pois elas são construídas por meio do
recurso de subordinação. Considere:
O exemplo acima apresenta duas orações (fizer, vamos), sendo que a primeira
delas, “se fizer sol”, exprime a condição mediante a qual “vamos à praia”. Trata-se
de oração subordinada dita condicional porque exprime uma condição, a qual
poderia ser substituída por “com sol”4. Assim, a língua portuguesa apresenta ele-
mentos e estruturas sintáticas que marcam a presença da oração condicional,
a saber: o pronome “se” e a forma do subjuntivo “fizer”. Ora, a Libras também
possui seus recursos para marcar estruturas condicionais. No caso de se traduzir
o enunciado D para a Libras, o pronome condicional “se” tem um sinal equiva-
lente na Libras e a oração condicional também recebe marcas não manuais que
a identificam como tal. Observe a sinalização a seguir:
4
Caro estudante, este é um subterfúgio para ilustrar que a oração “se fizer sol” pode ser substituída por um constituinte menor que uma oração
“com sol”. Contudo, há que se fazer duas considerações sobre isso. Primeiro, nem todas as orações subordinadas podem ser substituídas por ele-
mentos menores. Segundo, “com sol”, no enunciado ofertado como exemplo, pode significar uma condição, mas também uma causa, ou seja, a ida
à praia é motivada pelo sol, bem como pode indicar outras circunstâncias, bastando que se crie contexto para as mesmas. Isso prova que, mesmo
quando possíveis, as substituições nem sempre são equivalentes em termos de significado.
Estruturas relativas
As estruturas relativas também se tratam de orações subordinadas. Diz-se
delas que cumprem função equivalente a dos adjuntos adnominais. Isso signifi-
ca dizer que elas acompanham um substantivo atribuindo-lhe características ou
explicando algo em relação a ele. Considere:
A Libras também apresenta estruturas relativas, sendo que realiza tal constru-
ção não com o uso do pronome relativo, mas por meio de marcação não manual.
As evidências para isso advêm de um estudo realizado por Liddell (1978, apud
LEITE, 2008) em que uma história foi montada com personagens sem nomes,
sendo necessário identificá-los por intermédio de estruturas relativas. A inten-
ção de Liddell (1978) foi estudar, por meio da tradução que os surdos fizeram
dessa história, como são produzidas as orações relativas na língua de sinais ame-
ricana (ASL). Dessa forma, o autor descobriu que os surdos, ao sinalizarem os
sinais relacionados à oração relativa, mantinham uma expressão facial e posição
de cabeça particulares que se modificavam assim que uma nova oração era ini-
ciada. Isso fica evidente por meio da figura a seguir, retirada de Leite (2008), que
a reproduziu de Liddell (2003a, p. 54):
IESDE Brasil S.A.
R
RECENTE CACHORR@ PERSEGUIR GAT@ VIR CASA
5
No nível morfológico, “mentirosas” é adjetivo; no nível sintático, ele é adjunto adnominal, visto que acompanha o substantivo (nome).
As informações que você obteve nesta aula sobre algumas estruturas sintá-
ticas da Libras só se tornaram conhecidas devido aos esforços de pesquisa de
linguistas e outros pesquisadores interessados em descrever o funcionamento
da ASL, Libras e outras línguas de sinais. Por essa razão, para complementar o
estudo desta aula, adiante você encontra um texto que versa sobre o início e
evolução do interesse em se estudar as línguas de sinais cientificamente, bem
como os fatores culturais, sociais e, mesmo teóricos, que ora alavancaram e ora
atravancaram o caminho de produção de conhecimento sobre essas línguas.
Boa leitura!
Texto complementar
As línguas de sinais
(PIZZIO, 2006, p. 4-7)
Conforme Bellugi et al. (1989), este uso do espaço para indicar referentes,
verbos com concordância e relações gramaticais é, claramente, propriedade
única de um sistema visual-gestual, ou seja, específico das línguas de sinais.
Esta diferença na forma de superfície entre línguas de sinais faladas possibi-
lita novas investigações acerca da percepção e produção da linguagem.
Estes são aspectos gerais comuns à estrutura das línguas de sinais. En-
tretanto, cada língua de sinais pode apresentar suas próprias regras, dife-
renciando-se em alguns parâmetros fonológicos, morfológicos e sintáticos
específicos, assim como as línguas faladas também se diferenciam nestes
aspectos.
Dicas de estudo
Capítulo “As marcações não manuais” da dissertação: As Marcações Lin-
guísticas Não Manuais na Aquisição da Língua de Sinais Brasileira
(LSB): um estudo de caso longitudinal, de Gisele Landra Pessini Anater.
Disponível em: <www.tede.ufsc.br/teses/PLLG0436-D.pdf>.
A leitura deste capítulo é recomendada para uma visão mais ampla dos
usos dos marcadores não manuais nas línguas de sinais, como se mani-
festam, quais funções desempenham, entre outras particularidades desse
recurso linguístico das línguas de sinais.
Atividades
1. Discuta a noção de oração principal e subordinada.
3. É correto afirmar que certas estruturas sintáticas na Libras podem ser iden-
tificadas tanto por elementos manuais e não manuais quanto apenas por
elementos não manuais? Justifique sua resposta.
Referências
LEITE, Tarcísio de Arantes. . A Segmentação da Língua de Sinais Brasileira
(Libras): um estudo linguístico descritivo a partir da conversação espontânea
entre surdos. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
PIZZIO, Aline Lemos; REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira; QUADROS, Ronice Müller
de. Língua Brasileira de Sinais II. Material didático do curso de Letras Libras a
Distância. Florianópolis: UFSC, 2009.
RAMOS, Clélia Regina. Libras: a língua de sinais dos surdos brasileiros. 2003(?).
Disponível em: <www.editora-arara-azul.com.br/pdf/artigo2.pdf>. Acesso em:
18 nov. 2010.
Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar que orações subordinadas são aquelas
que desempenham funções sintáticas de nível menor que o de uma oração,
enquanto as orações principais são as que apresentam uma de suas funções
sintáticas preenchida pela oração subordinada.
O que é semântica?
Oliveira (2001) explica que definir o objeto de estudo da semântica
não é fácil. Uma resposta possível é que essa área dos estudos linguísticos
trata da investigação do significado. Contudo, segundo a autora, não há
consenso entre os próprios linguistas sobre o que significa o significado.
Além disso, como a questão do significado está fortemente ligada à ques-
tão do conhecimento. Outro problema que se levanta é o da relação entre
linguagem e mundo e de que forma o conhecimento se torna possível.
Não havendo acordo sobre as questões levantadas, há várias semânticas.
E cada uma elege a sua noção de significado, respondendo diferentemen-
te à questão da relação entre linguagem e mundo, constituindo, até certo
ponto, um modelo fechado, incomunicável com os outros. Essa visão é
corroborada no excerto a seguir:
A definição de Semântica como área da Linguística que estuda o significado das línguas
naturais é bastante consensual. Essa definição é, no entanto, pouco esclarecedora, porque,
para entendê-la, precisamos definir, antes, o que é significado. E essa é uma tarefa árdua!
Especialmente porque os semanticistas têm diferentes visões a respeito do que seja o
significado e a significação. É por isso que podemos dizer que há semântica de todo tipo.
Há semântica textual, semântica cognitiva, semântica lexical. Há semântica argumentativa,
semântica discursiva... Todas elas estudam o significado, cada uma do seu jeito. (MÜLLER;
VIOTTI, 2007, p. 137)
Tanto para Oliveira (2001) quanto para Müller e Viotti (2007) o objeto de
estudo da semântica, o significado, carece de uma definição única, aplicável
a todos os fenômenos linguísticos que se pretenda analisar semanticamente,
motivo pelo qual os semanticistas precisam optar por qual visão de significa-
do se orientar. Para os objetivos desta aula, assume-se que “a Semântica estuda
os conceitos que construímos em nossas mentes quando estamos diante de um
signo linguístico, seja ele uma palavra, uma sentença ou um texto” (MCCLEARY;
VIOTTI, 2009, p. 4).
Sinônimos e antônimos
De acordo com Pietroforte e Lopes (2007), dois termos são sinônimos quando
são intercambiáveis em determinado contexto. Para esclarecer, os autores de-
monstram que “novo” é sinônimo de “jovem” pois são intercambiáveis, um pode
ocupar o lugar do outro, no contexto “homem novo”. Porém, os autores chamam
a atenção para o fato de que não existem sinônimos perfeitos, mesmo quando
um termo pode substituir o outro no mesmo contexto. Isso porque cada termo
apresenta valores discursivos distintos:
[...] um apresenta mais intensidade do que o outro (por exemplo: adorar/amar); um implica
aprovação ou censura, enquanto o outro é neutro (por exemplo: beato/religioso) [...] um
pertence a uma variedade de língua antiga ou muito nova e outro não (por exemplo: avença/
acordo); um pertence a um falar regional e outro não (por exemplo: fifó/lamparina); um
pertence à linguagem técnica, enquanto outro pertence à fala geral (por exemplo: escabiose/
sarna); um pertence à fala coloquial e outro não (por exemplo: jamegão/assinatura); um
é considerado de um nível de língua mais elevado do que o outro (por exemplo: rórido/
orvalhado) etc. (PIETROFORTE; LOPES, 2007, p. 126)
1
TELES, Antônio Xavier. Introdução ao Estudo da Filosofia. São Paulo: Ática, 1974.
GORDO. OBESO.
Os antônimos, por sua vez, funcionam de modo inverso aos sinônimos, uma
vez que aqueles expressam significados contrários, como novo versus velho, alto
versus baixo, rico versus pobre. Os autores observam que, assim como os sinôni-
mos, não há oposição total de significado entre antônimos. Sob essa perspecti-
va, palavras diferentes, mas com pelo menos um significado em comum, podem
ter o mesmo antônimo:
[...] “fresco” e “jovem” têm o antônimo “velho”, porque “fresco” significa, quando se refere a
alimentos, “que acabou de ser preparado, novo”. Por isso, usam-se as expressões pão fresco e pão
velho. Uma só e mesma palavra pode ter tantos antônimos quantos forem seus significados:
“preto” opõe-se a “colorido” em TV em branco e preto, a “mais claro em seu gênero” em pão
preto, “a limpo” em tinha as unhas pretas [...]. (PIETROFORTE; LOPES, 2007, p. 127)
Ainda há, de acordo com Pietroforte e Lopes (2007), antônimos que expres-
sam oposições gradativas e há antônimos que expressam oposições polares.
Assim, morto versus vivo representa uma oposição polar, já pequeno versus
grande representa uma oposição gradativa, posto que sua aplicação depende
do ponto de vista de quem os emprega e do recorte que fará do contínuo dos
limites que separam esses conceitos, o que também pode ser dito sobre a Libras.
Com isso, fica claro que, apesar de os dicionários trazerem listas de sinônimos e
antônimos, essas relações só ficam suficientemente claras no contexto e que é
preciso ter cuidado ao se empregar esses recursos semânticos.
Hiponímia e hiperonímia
As noções de hiponímia e hiperonímia tratam das relações semânticas que
podem ser estabelecidas entre dois conceitos, um mais restrito, específico, do-
minado por outro, mais geral:
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 167
mais informações www.iesde.com.br
Tópicos em semântica aplicados à Libras
Conhecer um fenômeno como esse faz parte das exigências para que alguém
possa se considerar fluente numa dada língua e, além do mais, é uma boa fer-
ramenta para auxiliar intérpretes, durante interpretações simultâneas ou con-
secutivas, já que abre a possibilidade de o intérprete explorar o recurso de em-
pregar conceitos mais genéricos em lugar de longas listas de termos específicos
que nem sempre são necessários. Por exemplo, imagine as seguintes situações.
Primeiro, numa conferência sobre bem-estar e saúde, o conferencista diz que
é importante primar pela ingestão de fibras, comendo maçã, banana, laranja,
goiaba, abacaxi, alface, couve-manteiga, almeirão etc. Segundo, numa conferên-
cia sobre emagrecimento, o palestrante explica que a banana e o abacate não
beneficiam uma dieta de emagrecimento. No primeiro caso, o intérprete pode,
pois não há perda de conteúdo, substituir a lista enumerada pelo palestrante por
conceitos mais gerais: frutas e verduras. Já no segundo exemplo, essa troca não
pode ser feita, pois afetaria todo o conteúdo da mensagem, passando uma infor-
mação errônea.
Ambiguidade
Grosso modo, a ambiguidade pode ser definida como o efeito de sentido
causado por expressões linguísticas que apresentam mais de um sentido, ela
pode ser causada por fatores sintáticos ou semânticos. Observe:
Essa sentença, assim, sem contexto, apresenta pelo menos duas interpreta-
ções: (i) o vândalo bateu numa velha que estava de bengala e (ii) o vândalo bateu
com a bengala na velha. Essa é uma ambiguidade sintática – daí o desinteresse
da Semântica por esse tipo de ambiguidade –, posto que os sentidos possíveis
168 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
Tópicos em semântica aplicados à Libras
Sem contexto, essa sentença também apresenta duas leituras, tendo em vista
que em português a palavra rede pode apresentar variados significados:
1. Instrumento de pesca de malhas. 2. Tecido fino de malha, com que as mulheres envolvem
o cabelo; redinha. 3. Artefato para descansar ou dormir, preso pelas duas extremidades em
árvores etc. 4. Por ext. Conjunto de cabos telefônicos ou elétricos de uma cidade. 5. Por ext. A
canalização de água, esgoto, gás etc. 6. Por ext. O conjunto de estabelecimentos, agências etc.,
para atender ao público. (MELHORAMENTOS, 2005, p. 438)
João combinou de ir ao jogo com Pedro, mas ele não disse se gostou do jogo.
Homonímia
A homonímia tem a ver com a coincidência que há na forma de algumas
palavras, as quais apresentam significado distinto. Nesse caso, elas podem ter
a mesma escrita e/ou pronúncia, mas os significados a que remetem são dife-
rentes. Esse fenômeno é geralmente explicado diacronicamente, isto é, olhando
para o passado da língua, investigando de onde essas palavras se originaram,
o que revela, muitas vezes, que nas línguas de onde se originaram elas tinham
formas e significados distintos, mas ao se incluírem numa nova língua, no pro-
cesso de evolução desta, acabam ficando com a mesma forma, como demonstra
o caso indicado abaixo:
A manga da camisa tem sua origem no latim manica, que quer dizer “parte da vestimenta que
recobre os braços”, já manga fruta tem sua origem no tâmul mankay, que quer dizer “fruto
da mangueira”. Ambas têm origem distintas, com significado2 e significantes3 diferentes. No
entanto, a partir de uma sonorização que transforma o fonema /k/ em /g/, em português elas
passam a ter significantes idênticos. (PIETROFORTE; LOPES, 2007, p. 129)
2
Equivale a dizer conceito.
3
Equivale a dizer a forma como o conceito é expresso, sequência de sons ou sinais.
PIADA. ENGRAÇADO.
Polissemia
Um outro fenômeno linguístico que está relacionado à ambiguidade semân-
tica é a polissemia, que pode ser definida tal como segue:
Na polissemia, a um único significante correspondem vários significados: por exemplo, ao
significante vela correspondem os significados “objeto para iluminação formado de um pavio
constituído de fios entrelaçados, recoberto de cera ou estearina”; “peça que causa a ignição
dos motores”; “pano que, com o vento, impele as embarcações etc. (PIETROFORTE; LOPES,
2007, p. 131)
Nos enunciados (1) e (2), o sinal FRACO pode substituir a palavra fraco, o
mesmo não ocorre no enunciado (3). Nele a palavra fraca daria a noção de ruim
e não de que a sopa em questão tem carência de vitaminas, o que seria um caso
a se pensar se ainda se trata de polissemia ou um uso inadequado de sinais.
Mesmo assim, o significado de FRACO em (1) e (2) demonstra que na Libras esse
sinal é polissêmico, posto que pode apresentar mais de um significado depen-
dendo do seu contexto de uso.
Texto complementar
A análise dessas unidades evidencia que vários desses itens e/ou fraseo-
logismos da LSB têm fraseologismos equivalentes na LP e, especialmente
aqueles mais idiomáticos, cuja metáfora é semelhante nas duas línguas em
questão, apontam para empréstimos da LP à LSB.
Uma vez que esses verbos abarcam um conceito geral, amplo, que se
aproxima de uma ideia, talvez fosse possível falar em “categoria ideativa”.
Por outro lado, os itens em questão podem simplesmente ser tratados como
meros itens léxico-gramaticais de uma língua sintética, cuja modalidade per-
mite sobrepor estruturas complexas, conceptualizadas e/ou metaforizadas
no espaço, em contraste com uma língua mais analítica como é o caso da
LP. Embora a maioria dos dados gerados se referirem diretamente a um item
lexical, também foram encontrados alguns fraseologismos que representam
uma formação relativamente estável em LSB. Para sustentar a hipótese que
ora se elege, esses itens ideativos com representação fraseológica podem ser
transitórios, por estarem no nível do discurso e, ainda, não lexicalizados. Todas
essas hipóteses emergentes das reflexões a respeito do corpus, carecem de
estudo mais aprofundado para que possam ser confirmadas ou refutadas.
Dicas de estudo
Dissertação de mestrado, “A metáfora na LSB e a construção dos sentidos
no desenvolvimento da competência comunicativa de alunos surdos”, de
Sandra Patrícia Farias.
Atividades
1. Discuta a definição de semântica.
Referências
FARIAS, Sandra Patrícia de. Metáfora na LSB: debaixo dos panos ou a um palmo
de nosso nariz? ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v. 7, n. 2, p. 179-
199, jun. 2006.
MÜLLER, Ana Lúcia de Paula; VIOTTI, Evani de Carvalho. Semântica formal. In:
FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística II: princípios de análise. 4. ed.
São Paulo: Contexto, 2007.
Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar que embora não exista consenso sobre
o que seja o significado, é comum identificar a semântica como a área da
linguística dedicada ao estudo do significado.
3. Como resposta mínima o aluno deve reconhecer que em sua pesquisa Farias
encontrou construções metafóricas legitimamente geradas na LSB, que se
diferenciam consideravelmente daquelas construídas por ouvintes, falantes
nativos de LP, e que são tomadas por empréstimo, fenômeno que ocorre en-
tre quaisquer línguas em contato.
O que é tempo?
Para entender a categoria de tempo, é preciso, em primeiro lugar,
deixar bem claro que ela tem a ver com o tempo físico – sucessão dos dias,
das horas, dos anos –, mas não é o tempo físico. Não se trata, portanto, de
falar da indicação de datas, anos e horas, mas sim sobre como os usuários
de uma dada língua organizam a sucessão dos fatos, situações dentro de
seu discurso. Observe uma estrofe da música a seguir:
1
O que equivale ao popular “Parece que foi ontem”, empregado pelos usuários do português para expressar que fatos do passado ainda estão bem
nítidos em sua memória.
O que é aspecto?
Embora relacionados à codificação linguística de um mesmo fenômeno físico,
aspecto e tempo se distinguem pelos significados que expressam. O aspecto,
conforme Comrie (1976), Costa (2002), Corôa (2005) e Travaglia (2006), é respon-
sável pela expressão do tempo interno ao fato, enquanto o tempo é responsável
pela expressão do tempo externo ao fato. Por tempo externo ao fato, deve-se
compreender a propriedade linguística de localizar as situações em relação ao
momento de fala, assim, elas são anteriores (passado), simultâneas (presente) ou
posteriores (futuro) ao momento de fala. O tempo interno, por conseguinte, não
orienta a localização da situação no eixo do tempo (passado-presente-futuro)
com base em uma referência exterior à situação (o momento de enunciação),
antes, preocupa-se em olhar para como o tempo decorre no interior da situação.
Observe algumas definições de aspecto segundo os autores mencionados no
início do parágrafo:
2
A descrição da codificação linguística do tempo por meio desses três momentos foi elaborada por Reichenbach (1947).
3
Categorias dêiticas são aquelas cujo significado só pode ser determinado se tomado o momento da fala e quem fala como pontos de partida para
a interpretação. Pense, por exemplo, no pronome eu. Para determinar a quem, de fato, o pronome se refere, é preciso saber quem o pronunciou. Da
mesma forma, a palavra “aqui” muda de referente conforme o lugar onde está a pessoa que a pronuncia, motivo pelo qual o “aqui” das autoras desta
aula no momento de sua escrita não é o mesmo “aqui” de cada estudante durante a leitura da mesma.
Aspecto é uma categoria [...] através da qual se marca a duração da situação e/ou suas fases, sendo
que estas podem ser consideradas sob diferentes pontos de vista, a saber: o do desenvolvimento,
o do completamento e o da realização da situação. (TRAVAGLIA, 2006, p. 40)
[...] o aspecto verbal é uma propriedade da predicação que consiste em representar os graus
do desenvolvimento do estado de coisas aí codificado, ou, por outras palavras, as fases que ele
pode compreender. (CASTILHO, 2002, p. 83)
ambas, assim como a Libras, de acordo com Finau (2004, 2008). Frente a isso, a
pergunta que se coloca é o que considerar na análise? Aspecto ou Aktionsart? A
resposta para isso deve ser determinada pelo objeto e os objetivos da análise,
razão pela qual há trabalhos que se ocupam apenas em discutir a caracterização
aspectual dos morfemas ou apenas a caracterização de advérbios e lexemas ver-
bais e há aqueles que se concentram no estudo da interação entre esses objetos,
numa análise chamada de composicional, haja vista que se preocupam como a
língua compõe os valores aspectuais que descrevem como o tempo decorre no
interior das situações. As considerações sobre a categoria de aspecto na Libras
encontradas nesta aula trabalham com a perspectiva composicional de análise,
sendo que se considerada como oposição básica da categoria de aspecto os
valores:
Perfectivo – apresenta a situação com limite inicial e final, sendo, por isso,
percebido como um todo fechado em si mesmo, sem possibilidade de refe-
rir desenvolvimento interno, fases ou duração de uma situação (Maria amou
João, Pedro chegou tarde, João segurou o cachorro quando viu o gato invadir
o pátio);
mas não necessariamente para trás do corpo ou para a frente do corpo. Já o tempo presente é
denotado por realizações próximas ao tronco ou pela ausência de movimentos cujas direções
sejam essas para passado e futuro. (FINAU, 2008, p. 261)
com a autora, para expressar iteratividade (a situação se repete com muita fre-
quência, em oposição a situações semelfactivas4), o sinal pode ser realizado com
as duas mãos, no mesmo lugar, mas sem intensificar a expressão facial, tal como
representado abaixo a partir de Finau (2008, p. 264):
Por fim, ao terminar sua exposição sobre os sinais de tempo na Libras, a autora
avalia que:
Os exemplos apresentados até aqui, neste capítulo, já seriam suficientes, pelo menos, para
repensar a ideia de que a Libras tem um número reduzido de sinais para expressar tempo –
geralmente, os sinais PASSADO, PRESENTE e FUTURO. Como demonstrado com esse grupo de
advérbios e expressões adverbiais, já é possível perceber que o emprego desses elementos
dá conta não só das leituras temporais, mas também participam do arranjo aspectual nas
sentenças por meio da flexão morfológica. Além disso, esses exemplos ainda evidenciam que a
observação da direção do movimento pode ser uma proposta mais adequada para descrever a
referência temporal na Libras do que apenas a hipótese da linha imaginária de tempo. (FINAU,
2008, p. 267)
A marcação pode ocorrer ainda por meio de advérbios e, até, por adjetivos e
substantivos, que também sofrem alteração no seu padrão de movimento. A
título de ilustração apresentamos, a seguir, exemplos desses recursos emprega-
dos para a marcação dos valores aspectuais expostos anteriormente:
Iterativo – para este valor, os sinais têm realização mais rápida e ocorrem
com mais modificações do parâmetro configuração de mãos e articulação
de braços. A alteração da direção do sinal, de reto para semiarco, também
é frequente. Não há marca para pontuar a finalização da repetição da si-
tuação, a não ser que ela seja devidamente quantizada, pela composição
sentencial.
Em (4), explica a autora, como o predicado FALAR se refere a uma situação an-
terior ao momento de enunciação, já que o predicado é delimitado pelos opera-
dores EX e ANTES, a princípio, ele é visto como um predicado fechado, perfectivo.
Contudo, durante a sinalização, esse predicado recebe uma flexão, que se trata de
uma flexão imperfectiva, razão pela qual a sentença tem interpretação imperfectiva.
Frente a isso, Finau (2004) avalia que para a análise da marcação do aspecto
na Libras deve-se considerar: a quantização dos argumentos verbais, valores se-
mânticos temporais e aspectuais dos verbos e flexões gramaticais (movimentos,
configuração de mão, expressões faciais, articulação de braço), o que se consti-
tui numa análise composicional, conforme discutido na seção sobre categoria
aspectual.
Como visto ao longo desta aula, tempo e aspecto são categorias linguísticas
com as quais organizamos o tempo físico. Saber empregá-las é de suma impor-
tância para ser compreendido pelos usuários da Libras e também para, se for
o caso, realizar traduções adequadas da Libras para o português e vice-versa.
Então, no texto complementar desta aula, você encontra um relato de pesquisa
sobre o uso de marcas aspectuais imperfectivas na interpretação de uma narra-
tiva do português para a Libras e uma análise sobre em que medida elas foram
empregadas adequadamente. Boa leitura!
Texto complementar
Marcas aspectuais na interpretação simultânea:
um problema de percepção?
(SILVA; RODRIGUES, 2010, p. 101-104)
Muitas podem ser as respostas. Uma hipótese é o fator tempo, pois como
o processo interpretativo é dinâmico e acelerado, o profissional acaba esco-
lhendo fazer menção à essência da fala em detrimento aos detalhes que a
perfaz. No entanto, isso não dissolve a indagação a respeito do grau de per-
cepção dos intérpretes quanto a sua própria língua materna. O que nos faz
pensar se havendo oportunidade de ter acesso com antecedência ao texto,
estudando-o e preparando-se para a interpretação, qual seria a sinalização?
Haveria marcação aspectual? Ou os intérpretes continuariam entendendo
que seguiam acenando é sinônimo de acenaram?
Outra sentença analisada foi sempre com o sol batendo forte em sua cabeça,
aqui a intenção era verificar se o intérprete percebe a presença e importância
do advérbio sempre nesta frase, já que ele é o responsável pelo caráter imper-
fectivo (durativo) do enunciado. Dos sete participantes, apenas dois usaram
o sinal de sempre, os demais atentaram apenas para a situação em si, des-
considerando sua duração. Diferente do primeiro caso, aqui dois intérpretes
marcaram o aspecto, então a reflexão a ser feita é por que os demais não o
fizeram? Atrevemo-nos, em nossa hipótese, a pensar que os intermediadores
do processo comunicativo estão selecionando o que avaliam ser relevante
do discurso do outro. Então, o questionamento que ora se propõe é: quais
critérios estão sendo empregados para decisão de que categorias gramati-
cais importantes da língua-alvo possam ser omitidas da língua fonte?
Dicas de estudo
Livro O Aspecto em Português, de Sônia Bastos Borba Costa, Editora Con-
texto.
Atividades
1. Discorra sobre a diferença entre as categorias de tempo e aspecto.
Referências
CASTILHO, A. Aspecto verbal no português falado. In: ABAURRE, Maria Bernarde-
te; RODRIGUES. Angela (Orgs.). Gramática do Português Falado – novos rumos.
Campinas: Unicamp, 2002. p. 83-121. v. VIII.
Gabarito
1. Resposta mínima deve compreender que ambas as categorias estão relacio-
nadas à codificação do tempo físico, mas se diferenciam pelo fato de que o
tempo expressa o tempo externo ao fato, localizando as situações no eixo
temporal de acordo com o momento de fala. Já o aspecto expressa o tempo
interno ao fato, dando conta sobre se as situações se desenvolveram ao lon-
go do tempo ou não.
3. O aluno deve reconhecer que a questão solicita que ele identifique o uso dos
sinais PASSADO e FUTURO, cuja realização é efetuada conforme uma linha
vertical imaginária que atravessa o tronco do sinalizador. Se o sinal é o de
PASSADO, ele será produzido para trás da linha tronco, se o sinal for FUTU-
RO, ele será produzido adiante da linha tronco, sendo que a centralização do
tronco durante a sinalização veicula noções temporais presentes.
O uso do espaço
Por serem línguas espaço-visuais, os usuários das línguas de sinais em-
pregam o espaço linguisticamente. Por meio dele, relações fonológicas,
morfológicas, sintáticas e semânticas podem ser estabelecidas. Contu-
do, esse espaço de que se fala não é todo e qualquer espaço, mas sim o
espaço empregado para a articulação dos sinais, o qual compreende uma
área definida à frente do corpo, que se estende do topo da cabeça do sina-
lizador até o seu quadril, como representado na ilustração a seguir:
100
y
-100 100
80
No nível fonológico, tal como afirmam Pizzio et al. (2010), os sinais podem
ser articulados em diferentes espaços, seja no corpo do sinalizador, seja no
espaço neutro em frente ao seu tronco. Cada espaço empregado na articula-
ção de um determinado sinal precisa ser mantido, posto que, às vezes, mesmo
diferenças mínimas na porção de espaço comumente empregada para um
dado sinal podem levar à mudança do sinal pretendido. Um exemplo disso é
a diferença entre os sinais de TRABALHAR e PRIMO. O primeiro é realizado no
espaço neutro em frente ao sinalizador, na altura do peito, o segundo é reali-
zado no corpo, na altura da cintura, porém, como envolvem a mesma configu-
ração de mão e o mesmo tipo de movimento, há que se ter cuidado para não
realizar o sinal TRABALHAR no espaço determinado para PRIMO, e vice-versa.
Abaixo você pode constatar a diferença no espaço de sinalização dos sinais cita-
dos a ser respeitada:
1
BELLUGI, U. et al. The acquisition of syntax and space in young deaf signers. In: Language Development in Exceptional Circumstances. Churchill
Livingston, 1988.
2
BELLUGI, U.; KLIMA, E. S. The acquisition of three morphological systems in American Sign Language. Papers and Reports on Child Language
Development 21, 1-35.a Palo Alto, CA: Stanford University Press, 1982.
Os nominais de que as autoras falam são o que você, estudante, deve conhe-
cer por substantivo. O termo nominais é empregado porque é isso que esses
elementos são – nomes. Pense nas palavras casa, gato, time, Curitiba, João, morte,
vida, todas elas nomeiam algo – seja objeto, ser, lugar ou evento da natureza.
Na Libras, quando um nominal é introduzido no discurso, por exemplo, casa, ele é
introduzido num ponto específico do espaço determinado pelo sinalizador. Es-
tabelecida essa relação com um ponto no espaço, toda vez que o sinalizador
quiser se referir a esse mesmo nominal introduzido anteriormente no discurso,
ele empregará a apontação para o espaço que havia determinado para tal refe-
rente, como no exemplo abaixo:
CASA. IX (casa).
Receptor Receptor
Receptor
3
Embora as gramáticas tradicionais indiquem o você como pronome de tratamento – e não como pronome pessoal –, que corresponde à forma de
terceira pessoa (o verbo concorda no singular – você vai), no português do Brasil ele é usado como pronome pessoal de segunda pessoa em muitas
variedades linguísticas regionais, como na variedade de Curitiba, São Paulo, Mato Grosso do Sul etc. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, o
que se observa é a convivência entre as duas formas (tu/você), sendo que alguns falantes desses estados ainda fazem diferenciação entre o uso de
você como pronome pessoal e como pronome de tratamento.
4
Op cit. 1-35.
1 Palo Alto, CA: Stanford University Press.
5
PETITTO, L. On the autonomy of language and gesture: evidence from the acquisition of personal pronouns in American sign language. In: Cog-
nition. Elsevier Science Publisher B.V.V.27. 1987. p. 1-52.
6
LOEW, R. Roles and Reference in American Sign Language: a development perspective. University of Minnesota: Doctoral Thesis. 1984.
João Maria
Receptor
Figura 3 – Pronomes usados com referentes ausentes.
Observe que “João” e “Maria” não estão presentes durante a conversa entre in-
terlocutor e receptor. Então, para se referir a eles, o sinalizador escolhe um ponto
no espaço à sua direita para fazer menção a “João” e um ponto à sua esquerda
para fazer menção a “Maria”. Nesse caso, a escolha do local para apontação é
arbitrária, isto é, não há uma causa que motive o uso do espaço à direita para
referir “João” e à esquerda para referir “Maria”. Todavia, daí não se deve concluir
que os pontos associados aos referentes não presentes são distribuídos aleato-
riamente no espaço:
Conforme Loew (1984:15), um sinalizante não distribui os pontos aleatoriamente no espaço,
pois existem restrições na seleção do local. Raramente os pontos são estabelecidos de forma
arbitrária, pois o sinalizante sempre procurará associar o local real do referente ao local no
espaço. Os pontos serão arbitrários com referentes abstratos. Podem também ser para
referentes descritos individualmente não interagindo com outros. Os pontos arbitrários
também são usados se o sinalizante desconhecer a relação espacial real relevante para falar
sobre alguém ou alguma coisa. Os pontos arbitrários são estabelecidos em um local neutro do
espaço da sinalização e, em geral, são distribuídos no espaço de forma a serem amplamente
diferenciados. Os pontos podem estar acima ou abaixo do espaço neutro relacionados com a
localização “real” dos referentes. Veja que este “real” depende sempre da perspectiva de quem
está produzindo e vendo os sinais. (QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2010, p. 5)
C B
Sinalizante
Sinalizante Sinalizante
Figura 5 – Pronome de terceira pessoa (ele/ela). Figura 6 – Pronome de segunda pessoa (tu/
você).
A
IESDE Brasil S.A. Adaptado.
C B
Sinalizante
Figura 7 – Pronome de primeira pessoa do
plural (nós).
Sinalizante
Figura 8 – Representação de referentes com localização desconhecida
por meio do padrão alternado.
Ref. 1
Sinalizante
Figura 9 – Representação de referentes com localização desconhecida por
meio do uso do lado oposto.
Ainda com relação ao uso do espaço para referentes, Quadros, Pizzio e Rezen-
de (2010) apresentam a proposta de Liddell (2000), que apresenta três tipos de
usos do espaço nas línguas de sinais:
(ii) espaço token – o referente que se pretende representar diz respeito à ter-
ceira pessoa, são referentes não presentes na situação de comunicação,
representados sob a forma de um ponto fixo no espaço físico;
(iii) espaço sub-rogado – o referente tem relação com uma cena de evento
que já tenha acontecido ou está por acontecer, sendo representado visu-
almente por uma espécie de encenação.
De acordo com Quadros, Pizzio e Rezende (2010, p. 14), como exemplo desse
tipo de verbo na Libras pode-se citar ENTREGAR. A concordância, assim como a
indicação de referentes, excetuando a primeira pessoa (que é fixa), pode tomar
diversas possibilidades de localização no espaço. Considere, a seguir, os exem-
plos fornecidos pelas autoras a partir da concordância do verbo ENTREGAR:
A seguir, você encontra o uso dos gestos nas línguas de sinais como recurso
linguístico. Como você poderá constatar, entrecruzam-se aí também a questão
do espaço e da apontação, a qual é um gesto.
A gestualidade na Libras
Os gestos não são uma particularidade das línguas de sinais, haja vista que
nas línguas orais os gestos também são empregados durante a produção da fala.
Todavia, apenas nas línguas de sinais se pode dizer que os gestos ganham estatu-
to linguístico, enquanto nas línguas orais eles apenas acompanham o conteúdo
verbal do que está sendo dito. Nas línguas de sinais também há gestos sem valor
linguístico, que apenas acompanham, como se fossem um complemento, o con-
teúdo verbal sinalizado. Para exemplificar este emprego, relembre a discussão
sobre o estabelecimento dos pronomes pessoais na Libras, realizado por meio do
gesto de apontação. Esse é um caso em que o gesto não acompanha o conteúdo
verbal, ele é o conteúdo verbal, e, nesse caso, ele deixa de ser um gesto e passa a
ser encarado como um sinal, um signo linguístico próprio das línguas de sinais.
uma representação visual de objetos e ações de forma quase que transparente, embora
apresente características convencionadas de forma arbitrária. Parece que houve um processo
do gestual para o gramatical, mantendo algumas das características do primeiro e tornando-se
parte do sistema linguístico das línguas de sinais. (QUADROS; PIZZIO, REZENDE; 2009, p. 15)
Claro que com os avanços do surdo e dos usuários da Libras nos mais diversos
campos do saber e de atuação política, artística etc. uma norma culta da Libras
se encontra em processo de formação, a qual espera-se, num futuro não muito
distante, seja registrada. Mas, se não há ainda um instrumento a consultar que
seja o exemplo de norma culta a ser seguido ou não – isso depende das circuns-
tâncias em que se dá a comunicação –, como os usuários da Libras, descritos
anteriormente, julgam a formalidade ou informalidade de um discurso?
ficar da norma culta da língua passa por fatores como: com quem se fala, onde se
fala, o que se fala e quais os objetivos a serem alcançados na conversa, se é uma
situação de comunicação que se pretende perene ou não, entre outros.
Texto complementar
Gestualidade
(LEITE, 2008, p. 33-41)
Pode-se dizer que esse esforço não foi em vão e que, hoje, o estatu-
to linguístico das LSs já se mostra amplamente aceito, pelo menos dentro
da comunidade linguística. Como visto nas seções acima, que trazem uma
amostra pequena porém ilustrativa do que tem sido feito na área, os pesqui-
sadores das LSs foram capazes de demostrar de que maneira os diferentes
níveis de análise que integram o estudo das LOs podem se manifestar em
línguas de modalidade distinta. Tal demonstração, contudo, não esteve livre
de excessos. No esforço de conferir estatuto científico às LSs, algumas carac-
terísticas patentes do uso dos sinais, tais como a gradiência, a iconicidade e
a motivação foram varridas para debaixo do tapete, em favor de análises que
valorizavam a discrição e a arbitrariedade típicas das gramáticas normativas
e descritivas tradicionais das LOs.
Das próprias LOs, em análises sobre a relação entre língua e gesto (e.g.
Kendon, 1980; McNeill, 1992) e língua e cognição (e.g. Langacker, 1987, 1991;
Lakoff; e Johnson, 1980; Lakoff, 1987; Fauconnier, 1985). Dessas teorias emer-
gem algumas lições que tiveram um impacto profundo sobre os estudos das
LSs: a) a gestualidade é parte integrante do uso vivo da língua e revela-se
intimamente relacionada aos aspectos prosódicos e semânticos da fala; b)
a arbitrariedade do signo não implica uma ausência de motivação, mas sim
o papel da convenção sempre seletiva que cada comunidade linguística faz
de sua experiência; e c) todo o nosso conhecimento abstrato (incluindo o
gramatical) é construído sobre um conhecimento mais primitivo e concreto
que, por sua vez, é construído a partir de nossa interação corporal e social
com o mundo.
FATIAR.
[...]
Segundo Liddell, cada verbo desse tipo carrega, como parte de sua especifica-
ção lexical, uma determinada altura em relação ao corpo do falante de onde
ele deve partir, e uma determinada altura no corpo do interlocutor para onde
deve apontar. Em situações enunciativas concretas, portanto, cada sinal deverá
ser apontado de maneira gradiente no espaço com a altura dos interlocutores
presentes – ou mesmo dos interlocutores que, embora ausentes, estejam re-
presentados no espaço imediato.
[...]
Dicas de estudo
Capítulo da “A linguagem verbal e a linguagem cinésica na comunicação
humana”. da dissertação: A Complementaridade entre Língua e Gestos nas
Narrativas de Sujeitos Surdos, de R. C. Correa. Disponível em: <www.tede.
ufsc.br/teses/PLLG0299-D.pdf>.
Com a leitura desse texto, o aluno interessado poderá se aprofundar na
relação entre elementos gestuais e linguísticos nas línguas de sinais e tam-
bém nas línguas orais.
Atividades
1. Em relação ao uso do espaço como recurso linguístico, qual fenômeno da Li-
bras, construído por meio do espaço, está na base da constituição do sistema
pronominal e da concordância verbal. Exemplifique.
Referências
ANATER, Gisele Iandra Pessine. As Marcações Linguísticas Não Manuais na
Aquisição da Língua de Sinais Brasileira (LSB): um estudo de caso longitudi-
nal. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianó-
polis, 2009. 160 p.
PIZZIO, Aline Lemos; REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira; QUADROS, Ronice Müller
de. Língua Brasileira de Sinais II. Material didático do curso de Letras Libras a
Distância. Florianópolis: UFSC, 2009.
SILVA, Lídia da; RODRIGUES, Cristiane Seimetz; LIMA, Keila Valério de. Níveis de
(in)formalidade na Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis, 2008. Anais do II
Sinpel. Disponível em: <http://sinpel.pbwiki.com>. Acesso em: 17 ago. 2010.
Gabarito
1. Trata-se dos elementos dêiticos, que são construídos pela apontação para
lugares específicos no espaço, os quais remetem a referentes diferentes. As-
sim, apontar para si mesmo resulta no uso do pronome EU, apontar para
o receptor da mensagem resulta no uso do pronome de segunda pessoa,
apontar para quem ou o que é objeto da conversa entre sinalizador e re-
ceptor implica no uso do pronome de terceira pessoa. Da mesma forma, em
verbos direcionais (com concordância) a direção de realização do sinal indica
o sujeito e o objeto do verbo. Como exemplo, pode-se citar a concordância
de ENTREGAR em que o sujeito é a terceira pessoa (El@) – o sinal parte do
ponto estabelecido como referente a terceira pessoa – e o objeto indireto
a segunda pessoa (tu/você) – o sinal culmina no ponto do espaço em que o
receptor se encontra.
Essa definição, observa a autora, menciona apenas uma família de língua como
exemplo e não esclarece que tipo de afixo pode ser um classificador. Motivo pelo
qual a autora recorre ao estudo de Allan (1977) para determinar a natureza dos
classificadores, o qual emprega dois critérios para identificar classificadores:
1
DUBOIS, J. et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 1993.
2
Estrutura de superfície é um termo específico à teoria da Gramática Gerativa. Para efeitos práticos, considere que se trata da sentença pronunciada
pelo falante.
3. l ínguas de classificador predicativo – são línguas que possuem verbos classificadores que
variam seu radical de acordo com as características das entidades que participam enquanto
argumentos do verbo como, por exemplo, os verbos de movimento/localização em Navajo,
Hoijer (1945), e verbos classificadores em outras línguas athapaskan;
4. l ínguas de classificador intralocativo – são línguas nas quais classificadores nominais são
embutidos em expressões locativas que obrigatoriamente acompanham nomes em muitos
contextos. Existem apenas três línguas: toba, uma língua sul-americana, eskimo e dyirbal,
uma língua do noroeste da Austrália. (FELIPE, 2002, p. 3)
Tipos de classificadores
Nesta seção, são apresentadas duas propostas de tipologia de classificadores
nas línguas de sinais. A primeira é a de Supalla (1986)3 encontrada no texto de
Felipe (2002) e a segunda é uma adaptação/melhoramento da primeira, encon-
trada em Pizzio et al. (2010).
3
SUPALLA, T. The Classifier System in American Sign Language. Offprint from Colette Grai (ed.) Noun Classes and Categorization. Typology Stu-
dies in Language 7. Philadelphia: John Benjamins Publishing Co., 1986.
Supalla (1986, apud FELIPE, 2002, p. 7-8) estabelece como tipos de classifi-
cadores:
BOLA DE FUTEBOL.
SIM.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 233
mais informações www.iesde.com.br
Classificadores
Observe que o último tipo proposto por Supalla (1986, apud FELIPE, 2002)
é uma espécie de “conglomerado”, pois aí entra o que sobrou e que é de difícil
classificação, definição.
Configurações de Mão
8 9 10 11 12 13 14
15 16 17 18 19 20 21
22 23 24 25 26 27 28
29 30 31 32 33 34 35
36 37 38 39 40 41 42
43 44 45 46 47 48 49
50 51 52 53 54 55 56
57 58 59 60 61
COMER PIPOCA.
IESDE Brasil S.A.
Por fim, as autoras citam as diferenças efetuadas pelo emprego dos classifica-
dores no nível morfológico:
posição desse sinal são tomados, em boa parte das pesquisas sobre línguas de
sinais, como morfemas classificadores:
A configuração de mão em “V2”, da mão direita, seria um morfema para seres animados,
como humanos e animais; a configuração da mão em “5”, da mão esquerda, um morfema para
objetos compridos verticais, como árvores; o movimento de cima para baixo, um morfema
para movimento descendente; o movimento interno de alternância dos dedos – que pode ser
mais bem observado no vídeo –, um morfema para o tipo de movimento ao descer da árvore;
os pontos de articulação inicial e final da mão direita (quadro 1 e 4), outros morfemas para o
local inicial e final da ação realizada; e assim por diante. (LEITE, 2008, p. 42)
Não é exagero dizer que o uso dos classificadores é um dos aspectos linguísti-
cos mais empregados por surdos e usuários fluentes da Libras para avaliar quão
fluente outra pessoa é nessa língua. Nesta aula, a intenção foi expor a você, caro
aluno, o fundamental sobre o uso dos classificadores, a base a partir da qual você
poderá desenvolver novos conhecimentos, teóricos e, principalmente, práticos.
Aproveite, sempre que possível, o contato com surdos e usuários fluentes da
língua para desenvolver esse importante recurso linguístico, que lhe será útil
em inúmeras situações comunicativas. À frente, você encontra, no texto com-
plementar, o emprego de classificadores como marcadores de gênero no siste-
ma de flexão dos verbos da Libras, numa interface entre os níveis morfológico e
sintático. Boa leitura!
Texto complementar
Sistema de flexão verbal na Libras:
os classificadores enquanto
marcadores de flexão de gênero
(FELIPE, 2002, p. 12-14)
[...]
Nesta flexão para pessoa do discurso, pode-se dizer que a desinência que
concorda com o sujeito e o objeto é simultânea à raiz-M verbal porque este
tipo de flexão é expresso pela direcionalidade (caminho “path”) da Raiz-Movi-
mento, mas há também uma sequencialidade, já que sempre o ponto inicial
concorda com o sujeito agente e o final com o objeto-objetivo. Exemplos:
Exemplos:
8. coisa-fina-e-longaCAIR; (10);
G L L L O
V X 1 3 3
4 5 5 5
Dicas de estudo
Artigo científico de Zilda Gesueli: “A narrativa em língua de sinais: um olhar
sobre classificadores”, do livro Estudos Surdos IV. Organizado por Ronice
Müller de Quadros e Marianne Rossi Stumpf. Petrópolis: Arara Azul, 2009.
Atividades
1. Discorra sobre os quatro tipos de línguas classificadoras estabelecidas por
Allan (1977) e de que forma ele chegou a esse quadro.
Referências
ALLAN, K. Classifiers. Language, 53: 285-311, 1977.
PIMENTA, N.; QUADROS, R. M. Curso de Libras 1. 2. ed. Rio de Janeiro: LSB Vídeo,
2007.
SUPALLA, T. The Classifier System in American Sign Language. In: Grai, C. Noun
Classes and Categorization. Typology Studies in Language 7. Philadelphia:
John Benjamins Publishing Co., 1986.
Gabarito
1. Para chegar à sua classificação de quatro tipos de línguas classificadoras,
Allan (1977) analisou mais de cinquenta línguas e, por meio das regularida-
des encontradas, agrupou essas línguas em quatro grupos distintos:
3. Resposta mínima deve contemplar que é possível, sim, a interação entre di-
ferentes classificadores num mesmo sinal. É desejável que o estudante se
utilize do comentário do autor, citado na aula, sobre o exemplo para elencar
pelo menos dois usos diferentes de classificador na realização de um mesmo
sinal.