A polémica começou no dia em que a França ganhou o Mundial. Nas redes sociais
discutia-se quem tinha dado a vitória a França, já que a equipa era maioritariamente
composta por jogadores negros. Das respostas, vinham comentários como "quem diz
que os jogadores são africanos é racista", "quem nega a africanidade dos jogadores é
racista".
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A piada incendiou os ânimos e levou o embaixador francês nos Estados Unidos, Gerard
Araud, a emitir um comunicado divulgado na quarta-feira, onde acusava Trevor Noah
de “negar o ‘francesismo’ dos jogadores”: “Ouvi as suas palavras sobre a ‘vitória
africana’ e nada podia ser menos verdade”, afirmou. “Legitima a ideologia racista que
defende que a branquitude é a única definição de se ser francês.”
Na sua resposta, Gerard Araud diz que 21 dos 23 jogadores nasceram em França,
embora alguns sejam filhos de pais “que podem ter vindo de outro país”. “Foram
educados em França, aprenderam a jogar em França e são cidadãos franceses. Têm
orgulho no seu país, França." Mas o embaixador não se ficou por aqui, aproveitou para
criticar os Estados Unidos dizendo que França “não se refere aos cidadãos com base na
origem racial, étnica ou religiosa”. E acrescentou: "Para nós não há identidades
hifenizadas, as origens são uma realidade individual.”
A resposta do comediante, galardoado com um Emmy, foi rápida — e bem mais longa
do que a piada. Lendo parte da carta com um sotaque afrancesado, Trevor Noah
comenta a passagem em que o embaixador refere que a origem dos jogadores é um
reflexo da diversidade francesa: “Não quero ser um idiota mas acho que é mais um
reflexo do colonialismo francês.” Gargalhada.
Trevor Noah
Afirma que percebe que em França "muitos nazis usam as origens dos jogadores" para
dizer que não são franceses e mandá-los para “a sua terra”. “Vindo de África, sei que os
negros em todo o mundo estavam a celebrar a africanidade dos jogadores franceses num
sentido positivo.” E que houve críticas a quem os chamou de africanos: “Mas por que é
que não podem ser as duas coisas?”, interroga o comediante. “O que se quer dizer é que,
para se ser francês, tem que se eliminar tudo o que é africano?”
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Trevor Noah deixa um recado para quem o acusa de racismo: “O contexto é tudo. Há
coisas que algumas pessoas podem dizer. Há uma grande diferença entre eu dizer
‘então, preto?’ e um branco dizer ‘então, preto?’ Quando digo que eles são africanos
não o estou a fazer para excluir mas para os incluir na minha africanidade. Digo: ‘estou
a ver-te, meu irmão, como alguém de ascendência africana'. Por isso vou continuar a
celebrá-los como africanos porque acredito que os pais são de África e podem ser
franceses ao mesmo tempo. Se os franceses dizem que eles não podem ser as duas
coisas, então eles têm um problema, não eu.”
Com a polémica, até o filósofo camaronês Achille Mbembe escreveu sobre o assunto
num texto intitulado Tributo negro à França. Partilhou-o no Facebook, num post que
introduziu dizendo que "os africanos ou África não ganharam o Mundial", mas sim a
França. "As vitórias não se partilham", afirmou. "Na equipa há jogadores franceses de
origem ou ascendência africana (...). É preciso reafirmar: estes jogadores de ascendência
africana são franceses de corpo inteiro." Mbembe citou também Barack Obama que, em
Joanesburgo, congratulou a vitória celebrando a diversidade da equipa.
No texto, Mbembe explicava: não vou fingir que "a nossa" presença na selecção não
significa nada ou que não tem impacto nas grandes lutas simbólicas e políticas actuais.
"Franceses de nascimento ou de aquisição, a maioria está consciente do facto de ser a
manifestação viva de uma contradição da sociedade de consumo, que anseia o seu
enriquecimento repentino mas não hesita em estigmatizá-los." E acrescenta: "Sabem
que, de cada vez que vestem a camisola da selecção, por muito que cantem
a Marseillaise até ficarem roucos, uma boa fatia da opinião — não necessariamente
francesa — fará sempre a pergunta sobre de onde vêm e o que fazem ali; perguntará
como é que uma nação tão civilizada pode fazer-se representar no mundo por tantos
vagabundos disfarçados."
"Para cada Pogba que joga pela França, há milhares de 'Moussas' indesejados, há
dezenas de políticas viradas não só contra esses grupos como também contra quem
acredita na ideia da Europa e procura refúgio lá."