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Língua, Linguagem e Discurso
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Noções Introdutórias

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Marco Antonio VILLARTA-NEDER

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LÍNGUA, LINGUAGEM E DISCURSO

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Marco Antonio VILLARTA-NEDER


Universidade Federal de Lavras

Introdução

O objetivo deste texto é apresentar, de maneira bastante rápida e numa

linguagem acessível ao aluno do Ensino Médio, noções elementares sobre linguagem,

língua e discurso. Tarefa desafiadora, mas necessária, para dar condições de trabalho e

discussão tanto em contextos de sala de aula, quanto em orientações de Iniciação

Científica, uma vez que se torna cada vez mais comum que essa atividade seja iniciada

já no Ensino Médio.
Capítulo 1 – Começando a conversa

A primeira questão a ser apresentada é conceituar linguagem. Podemos dizer

que, num sentido bastante geral, linguagem representa uma troca de sinais organizados,

dentro de uma situação específica, para se atingir uma finalidade. Esse conceito

exageradamente amplo dá conta de relações entre seres em vivos em geral e, até mesmo,

de situações de comunicação entre máquinas.

No entanto, sempre que alguém se propõe a discutir linguagem/linguagens que

ocorre(m) entre seres humanos, acontece a necessidade de explicações mais detalhadas,

de conceitos mais aprofundados e mais específicos. Um primeiro aspecto a ser

considerado é que toda vez que nos propomos a formular (ou usar) um conceito sobre

qualquer coisa, qualquer processo, acontecimento, de qualquer natureza, precisamos

construir esse conceito de modo a dar conta das nossas necessidades. Isso tem dois

significados muito importantes. O primeiro, é que não existe conceito que dê conta de

qualquer coisa, em qualquer época. Os conceitos são construídos a partir do que

olhamos, do que sabemos e, principalmente, do que precisamos estudar naquilo que nos

interessa. O segundo significado disso é que, em vista de os conhecimentos e

necessidades mudarem de acordo com a sociedade, o grupo e a época (entre outras

coisas), pode haver diversos conceitos sobre um mesmo „assunto‟.

Linguagem, entre seres humanos, tem sido abordada, no correr dos séculos,

principalmente como expressão de ideias, pensamentos, emoções etc. A partir do século

XIX para cá, acrescentou-se um outro conceito: o de que a linguagem serve para

comunicar, que é um instrumento que torna possível a comunicação entre as pessoas.

Esses conceitos funcionam bem quando se quer analisar a pessoa que fala ou mensagens

entre máquinas, por exemplo. Entretanto, não dão conta quando queremos entender
mais profundamente o porquê uma mensagem foi recebida de uma maneira diferente da

esperada ou ainda por que épocas ou grupos diferentes entendem de maneira bastante

diversa um mesmo texto, de um mesmo autor.

Quando nos propomos a tentar entender e discutir processos como mal-

entendidos, ironias, mentiras, boatos, interpretações diferentes (e/ou estranhas, do nosso

ponto de vista), precisamos de um conceito de linguagem que preste mais atenção nos

aspectos sociais, culturais, históricos envolvidos.

Para se trabalhar com isso tudo, o conceito mais apropriado é o de linguagem

enquanto interação e o de linguagem enquanto trabalho, lembrando que essa

“interação” e esse “trabalho” nos fazem ser do jeito que somos e naquilo em que vamos

nos transformando. Faz parte de nós, seres humanos esse “fazer”, esse trabalho. E o que

significação “interação” ? Neste contexto, significa uma relação entre os elementos

envolvidos:

Quem diz

Para quem
Linguagem
se diz
Assim, esses três aspectos se relacionam uns com os outros sem que possamos

tirar um deles do jogo. Imagine, por exemplo, um jogo de futebol. Têm que existir

jogadores adversários e uma bola. Se tirarmos qualquer um desses elementos, deixa de

existir o jogo. Com a linguagem, ocorre algo parecido. Isso é interação. Ou melhor

ainda: inter-ação (ação entre os elementos envolvidos). Por meio desse raciocínio

podemos dizer que todos os elementos vão se (re)construindo continuamente durante o

processo.

Para entendermos isso melhor, vamos fazer uma pequena pausa e organizar

nossos termos. Vamos usar palavras para designar “quem diz” e “para quem diz”. Que

tal assim:

Quem diz • ENUNCIADOR

Para quem
se diz • ENUNCIATÁRIO

Esses são termos usados por alguns autores para facilitar – vamos dizer assim - a

conversa sobre linguagem.

Pois bem: vamos encerrar nossa pequena pausa e retomar o assunto. Estávamos

dizendo que linguagem, enunciador e enunciatário vão se (re)construindo

continuamente durante o processo. Isso significa que o enunciador entende melhor

quem é e quem é o enunciatário a partir do que diz, da maneira como diz, do que lhe
dizem e da maneira como lhe dizem. Porque acontece com a linguagem uma coisa muito

interessante (que, por exemplo, geralmente não acontece com o futebol). Num momento

qualquer um de nós é um enunciador, mas em outro momento e/ou situação somos

enunciatários. Às vezes falamos, escrevemos, desenhamos, fazemos gestos,

construímos; outras vezes, ouvimos, lemos, observamos, recebemos (no futebol, nem

sempre podemos ser ora atacantes, ora goleiros).

E o mais intrigante ainda: ao fazermos tudo isso, vamos continuamente

(re)criando a linguagem. Isso porque inventamos maneiras novas de interagir, usamos,

transformamos ou esquecemos algumas maneiras que já existem.

Qual a conseqüência mais importante disso tudo ? Linguagem está em

movimento, não é fixa. E isso nos dá identidades diferentes. Torna diferentes aqueles de

nós que moramos em lugares diferentes, que nascemos em épocas diferentes, que

pertencemos a partes da sociedade diferentes (se somos mais pobres ou mais ricos, se

pertencemos a essa ou aquela profissão, se convivemos com grupos de pessoas numa

igreja, num clube, numa tarefa específica).

Não falamos, dançamos, nos vestimos da mesma forma. E isso SEMPRE está

dentro da interação. Ao vestir essa ou aquela roupa, somos Enunciadores que, por meio

dessa linguagem, entramos em contato com Enunciatários. As mudanças ou não

mudanças em nossas roupas são a linguagem em construção. E o que pensamos e

sentimos por usar ou não usar essa ou aquela roupa ou pelas reações dos outros a

usarmos ou não usarmos essa ou aquela roupa, vão construindo uma maneira de pensar,

sentir e agir em relação a nós mesmos (manter, transformar, romper – por essa ou

aquela razão em função do que achamos, acreditamos), aos outros (para agradar, passar

despercebido, chocar – em função do que pensamos deles) e em relação à própria

linguagem (o que é vestir ou não vestir uma roupa; o que isso tem a ver com a gente e
com os outros). Dou aqui o exemplo da roupa (que é uma linguagem), mas isso pode

valer para a fala, a escrita, a dança, a pintura, o cinema, para qualquer linguagem.

Outra conseqüência fundamental de se pensar a linguagem a partir do conceito

de interação e de trabalho, é que se a linguagem é dinâmica, muda, se transforma, e

enunciador e enunciatário se transformam junto, então enunciador e enunciatário

mudam de maneira de agir, de utilizar a linguagem, de acordo com a situação (costuma-

se usar o termo CONTEXTO).

Isso significa que, em cada contexto, enunciador e enunciatário vivem

experiências diferentes (consigo mesmos, com o outro e com a linguagem), que, por um

lado se relacionam com as experiências anteriores e, por outro, representam uma

situação ainda não vivenciada. Nesse contexto novo, as atitudes e as conseqüências com

relação ao enunciador, enunciatário e à linguagem são modificadas.


Capítulo 2 – Lingua(gem)

O título deste capítulo pretende colocar um pouco de mistério nessa discussão.

Tratamos da linguagem em geral, mas o que dizer a respeito da língua ?

Uma das primeiras surpresas que temos quando nos aprofundamos num assunto,

é que parece que as respostas vão escorregando pelos vãos dos dedos. De certa forma, é

assim mesmo que acontece. Diria até que é um bom sinal. Estamos então condenados a

viver na dúvida ?

É importante esclarecer que a dúvida é o motor da construção dos

conhecimentos. Sem ela, em primeiro lugar, não teríamos o que procurar. E,

principalmente, sem ela não conseguiríamos pôr em prova aquilo que achamos. Será

que nossos achados respondem às perguntas que nós fizemos ? Isso nos obriga sempre

a pensar (1) se fizemos as perguntas certas; (2) se, mesmo corretas, as perguntas foram

feitas de uma maneira eficiente. Essa explicação inicial é importante para entendermos

as diversas respostas que existem à pergunta: “O que é uma língua ?”.

Da mesma maneira como discutimos linguagem, não há um único conceito de

língua. Um língua envolve muitos processos, muitos aspectos da vida individual e

social. Precisamos, então, tomar uma primeira decisão sobre o que vamos querer

enxergar num conceito de língua. O título deste capítulo sugere um jogo de palavras em

que língua e linguagem parecem semelhantes. Em que aspectos língua e linguagem

podem ser entendidas da mesma maneira ?

Para começar a resolver o “mistério”, podemos dizer que língua é uma

linguagem, assim como a pintura, a fotografia, a dança, a arquitetura, a música etc. Por

isso, o conceito que adotarmos de linguagem vai influenciar na maneira como vamos
enxergar e analisar a língua. Então, se aqui aceitamos o conceito de linguagem como

“interação”, vamos entender língua também desse ponto de vista: quem diz

(enunciador), para quem se diz (enunciatário) e a própria língua (como qualquer outra

linguagem), se modificam e (re)constroem constantemente. Esse “trabalho” constante,

de que participam o enunciador e o enunciatário reconstroi a si mesmos e à própria

língua.
Capítulo 3 – Desenrolando o novelo da língua

(O que pode ser língua, afinal ?)

Vamos iniciar com alguns pontos importantes. A discussão sobre o que é ou para

que serve a língua já tem muito tempo (mais de 2500 anos !!!). O resultado disso é um

emaranhado de noções, de natureza diferente e contraditórias entre elas.

Algumas coisas já sabemos de maneira bastante concreta sobre a língua. A

primeira delas é que uma língua pode ser basicamente de duas naturezas: natural ou

artificial. A diferença fundamental, nesse caso, é que as línguas naturais (aquelas que

aprendemos pela convivência com outros seres humanos, e que são utilizadas nessa

convivência) nascem da fala, da oralidade. Já as línguas artificiais (esperanto,

LIBRAS), surgem primeiro na escrita ou na representação gráfica para depois serem

usadas na fala1.

As línguas naturais surgem sempre na fala, na oralidade. E, no caso das línguas

maternas, é importante lembrarmos que a(s) aprendemos quando somos bebês. Pode

parecer estranho, mas a verdade é, nos lugares em que existe escrita, aprendemos uma

língua materna na condição de analfabetos. Porém é sempre bom lembrar que ainda

existem muitos povos que não usam escrita e que têm língua(s). Essas línguas têm

organização gramatical2, vocabulário, diferenças de tratamento para funções diferentes

em cada sociedade que as fala.

1
O caso de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), utilizadas por pessoas portadoras de deficiência
auditiva, é peculiar. Ela pode ser uma língua natural, à medida em que pais surdos se comuniquem com
seus filhos recém-nascidos nessa língua.
2
É bom lembrar que, cientificamente, gramática é o conjunto de regras que compõe uma língua. O que
acontece, porém, é que essas regras não precisam estar escritas. Quem “inventou” formas verbais, orações
subordinadas, por exemplo, não foram os gramáticos ou linguistas, mas sim os próprios falantes da língua
ou da língua anterior que deu origem à atual (e sempre, analfabetos). O que um gramático ou linguista
faz é (tentar) identificar essas regras e dar nomes a elas e a seus elementos.
Portanto, uma primeira lição:

Para existir uma língua natural,


é preciso haver ORALIDADE.

Ou seja: PODE EXISTIR LÍNGUA SEM ESCRITA.

E o significa dizer que uma língua existe a partir da ORALIDADE ?

Que ela é composta por sons especiais, chamados FONEMAS. Esses sons são

especiais porque sozinhos não significam nada [imagine um som de /s/ (imagine

somente um sopro, e não o nome da letra), de /a/ ou de /e/], mas em cada língua, em

relações entre si, estabelecem diferentes significados.

Assim, se pegarmos as palavras “SALA” e “SELA”, teremos palavras bastante

diferentes, embora com a mudança de um único “som”, na verdade, de um único

fonema. Esses fonemas vão se juntando e formando palavras, que passam a ter outro

tipo de organização (formas características de verbo, advérbio ou nome; marca de plural

etc.).

Esses sons são produzidos por músculos que movimentam os órgãos do nosso

corpo que usamos para podermos falar (pulmões, laringe, língua etc.) e por partes fixas
do corpo, por onde o ar passa e muda as características do som (lábios, dentes, “céu da

boca3” etc.)

Isso nós sabemos sobre a língua atualmente. Portanto, ao falarmos, estamos

fazendo movimentos com nosso corpo e produzindo sons que têm o comportamento

físico de qualquer outra onda sonora. A diferença é que os sons da fala têm esse “algo

mais” que é essa maneira complexa e interessante de se combinarem. Esses sons têm

que chegar ao ouvido do outro, do enunciatário, ir ao cérebro dele e serem

compreendidos. Rapidamente, é assim que funciona.

Portanto, não temos como pensar em detalhes em cada som que produzimos.

Eles são sempre um pouco diferentes, mas o nosso cérebro “faz de conta” que são

sempre a mesma coisa, desde que sejam aproximados (isso vale tanto para aquele que

está falando, que pensa sempre estar produzindo os sons “iguaizinhos”, quanto para

quem ouve, que pensa estar ouvindo sempre os sons da mesma forma).

O que isso significa ? Que língua muda sempre, está mudando a cada vez que

falamos com alguém. Não muda porque estamos “estragando” a língua; muda porque os

sons mudam sempre (um pouquinho de cada vez, mas mudam). E muda porque, em

cada contexto, em cada experiência, as pessoas que falam (enunciador e enunciatário)

estão um pouco diferentes.

Imagine, por exemplo, a primeira vez em que você conversou com alguém que

gosta muito. O nervosismo, a ansiedade, a escolha das palavras foi muito diferente das

vezes seguintes, em que o contato já tinha sido criado. Linguagem não acontece fora da

vida real das pessoas. Nenhuma. Muito menos a língua. Ao falarmos nossa língua

materna, por exemplo, pensamos nela, sentimos nela, sonhamos nela. Se nossa língua

materna, no caso, é o português, devemos entender que Língua Portuguesa não é aquela

3
Tecnicamente chamado de palato.
lista de nomes esquisitos aprendidos na escola (muitas vezes sem sabermos exatamente

o porquê deles). É língua em que sentimos as melhores e piores coisas de nossas vidas;

é a língua em que pensamos, em que sonhamos, em que planejamos nossas vidas. Em

que cantamos, contamos piadas, xingamos, rezamos, namoramos. É a língua que nos

torna formados em alguma profissão, casados ou separados. Aquela em que assumimos

ou não assumimos compromissos ao aceitar ou recusar um convite, prometer ou não

prometer algo. E daí por diante. Em todos os momentos das nossas vidas.

E quando uma língua tem uma ESCRITA ?

Nesse caso (e estamos nele, já que o Português tem uma escrita), além das

situações em que usamos a ORALIDADE (a fala), temos aquelas em que utilizamos a

escrita.

Existem formas e situações que só existem na FALA; outras que são comuns à

FALA e à ESCRITA, e outras que são próprias da ESCRITA. Basta saber quando e

como usar cada uma delas:

FALA ESCRITA

Se lembrarmos que essas questões todas estão ligadas àquele conceito de

linguagem que estamos usando (inter-ação), podemos entender que uma língua é “lugar

de encontro” entre enunciador e enunciatário. Quando encontramos alguém num lugar e


esse encontro é importante (por boas ou más razões), o próprio lugar influencia o

encontro e, por outro lado, o resultado do encontro vai nos fazer lembrar desse lugar

dessa ou daquela maneira. E as pessoas que se encontram também vão sair diferentes.

Assim, os fonemas ou as letras que se organizam em palavras e as palavras em textos

vão estar nessa mesma relação dinâmica que qualquer outra linguagem possui: todos

vão se (re)construindo continuamente.


Capítulo 4 – Preparando o terreno do discurso

Tudo o que foi dito até agora sobre linguagem e língua pode ser encaminhado

para uma palavra-chave: USO. Também existem dezenas de conceitos sobre discurso,

no decorrer dos séculos (Pois é... novamente, duas coisas que se repetem: tudo isso vem

de há muito tempo e tem muitas maneiras de se entender). No entanto, podemos

simplificar e identificar um ponto em comum entre todos eles. Toda vez que se está

falando (ou escrevendo) sobre discurso, de alguma forma, trata-se de discutir a

linguagem em uso. Não dá para se estudar discurso e pensar exclusivamente na forma,

na estrutura. Não se pode jogar fora, mas o ponto inicial para desenrolar o novelo, será

sempre o como a linguagem faz.

Neste material, a noção de discurso introduzida será a da Análise do Discurso de

linha francesa e da Análise do Discurso do Brasil, que é um desdobramento da primeira.

Vamos chamar as duas simplesmente de AD (análise do discurso).

Vamos fazer aqui um caminho para mostrar alguns horizontes e despertar a

curiosidade para leituras mais profundas, para viagens mais surpreendentes. Desde

sempre, estudar o discurso significa ter que recorrer a várias áreas do conhecimento

humano, pois tentar enxergar a língua(gem) em uso compreende pensar em pessoas em

contextos de vida real, no mundo em que vivem, em suas relações históricas, políticas,

sociais, culturais.

Então, aí vai uma primeira pitada para começar a temperar a nossa viagem. A

partir de um conjunto de leituras (que depois vamos saber por alto), há um autor que se

arriscou a construir um conceito de discurso que tem muito a ver com a maneira como
estamos tratando da lingua(gem) aqui: “Discurso é efeito de sentidos entre

interlocutores4.”

O que são interlocutores ? São aqueles que participam de cada situação de

linguagem, da interação que a caracteriza. Para usar os termos que adotamos aqui, o

enunciador (aquele que diz) e o enunciatário (aquele para quem se diz).

Então, o que está querendo dizer esse conceito ?

De uma primeira maneira, bem elementar, podemos entender que esses

interlocutores, ao interagirem, produzem sentidos. Ou seja: cada coisa que um diz (ou

deixa de dizer) vai ser interpretada pelo outro interlocutor. Assim como estar ouvindo

ou não, lendo ou não, esperando ou não uma resposta. Nada escapa de ser interpretado.

E quando uso o termo interpretar aqui, não significa que a gente sempre interprete

conscientemente. Quando algum de nós reage a uma atitude do outro, estamos

interpretando essa atitude. Mesmo que seja pela alegria, indignação, indiferença. Cada

resposta dessa nasceu de uma interpretação que pode ter sido não-consciente, quase

instantânea.

Esses sentidos vão ser interpretados de acordo com o ponto de vista do outro.

Dependendo do “lugar” em que está, ele vai interpretar de maneira diferente, vai

enxergar de maneira diferente. Assim como acontece com nossa visão física.

Dependendo do lugar em que estamos num espaço físico, enxergamos ângulos

diferentes do ambiente.

Daí podermos dizer que a “posição” em que alguém se encontra vai fazer com

que esses sentidos produzam efeitos diferentes. É de se esperar que numa situação em

que alguém concorda com que a gente está dizendo/fazendo, a interpretação

4
PÊCHEUX, Michel (1969: 82)
concordante se traduza em palavras afirmativas, em formas de dizer que vão na mesma

direção e que são reconhecidas por aqueles que acreditam nas mesmas coisas.

Esse mesmo autor, que praticamente criou a AD (um francês chamado Michel

Pêcheux), num de seus textos, diz que “o discurso é sustentado por um jogo de

imagens5.” Este é um conceito muito importante. O que ele tem a ver com o que

estamos discutindo ?

Quando o enunciador diz alguma coisa, faz isso em função do que acha da

maneira como

o enunciatário vê o enunciador

o enunciatário vê a situação que vive com o enunciador

o próprio enunciatário se vê

o próprio enunciador se vê

o próprio enunciador vê o enunciatário

o próprio enunciador vê a situação que vive com o enunciatário

Essas “maneiras de ver” podem ser mais bem entendidas em questões do seguinte tipo:

 o que o enunciatário pensa do enunciador para dizer isso dessa maneira ?

 o que o enunciador pensa do enunciatário para dizer isso dessa maneira ?

 o que o enunciador pensa da situação para dizer isso dessa maneira ?

 o que o enunciatário pensa da situação para dizer isso dessa maneira ?

OU:

 quem o enunciador pensa que é para dizer isso (dessa maneira) ?

5
PÊCHEUX, 1969.
 quem o enunciador pensa que o enunciatário é para dizer isso (dessa maneira) ?

E assim por diante...

Essas imagens (no sentido do que um imagina do outro e da situação em que

estão) vão direcionando esses efeitos de sentido. Se o enunciador imagina que o

enunciatário já conhece o assunto do conversa, pode ir direto a uma dúvida ou queixa,

por exemplo. Pode ser que o enunciatário já conheça, mas pode ser, por outro lado, que

o enunciador se engane e o enunciatário não conheça. Então, nesse caso, a interpretação

do enunciatário sobre o que vai dizer o enunciador e sobre o porquê estão naquela

situação vai ser muito diferente daquilo que o enunciador espera. Entre as muitas coisas

que podem acontecer, uma delas, neste caso, é um mal-entendido.

Usar a noção de discurso torna mais fácil analisar acontecimentos como esses,

mais complexos, em que uma coisa interfere na outra (enunciador, enunciatário e

situação). No caso, todos os elementos da situação que participam da construção dos

sentidos são chamados de condições de produção do discurso.


Capítulo 5 – Enfrentando a fera: algumas noções de AD

No capítulo anterior vimos que quando tomamos a linguagem como uso,

estamos adotando um conceito de discurso. E como os efeitos de sentido acontecem ?

Para entendermos isso, é importante retomar que, dependendo da posição que o

enunciador/enunciatário ocupa, o sentido será diferente. O que isso quer dizer ?

Isso quer dizer que quando alguém vive no mundo, vê as coisas de uma

determinada maneira. Essa forma de ver o mundo não é puramente individual. Vemos o

mundo a partir das condições econômicas, sociais, culturais e históricas em que

estamos. E como há outras pessoas no mundo que também têm condições econômicas

(classe social), sociais, culturais e históricas parecidas com as nossas, mesmo que isso

não seja percebido, formamos um grupo com elas. Formamos esse grupo no sentido que

somos vários pensando e agindo de maneira muito parecida. Mesmo que os membros

desse grupo invisível não se conheçam, não saibam da existência concreta dos outros.

Esse grupo invisível costuma ser chamado de formação social. Aqueles de nós

com as mesmas características sociais, culturais e históricas pertencem a uma mesma

formação social. Cada formação social corresponde, igualmente a um “modo de ver o

mundo” que parece, para os seus membros, a única maneira possível de as coisas serem.

Essa “forma de ver o mundo”, com essas características e que desenvolvemos por

aceitação ou oposição às ideias veiculadas na família, escola, igreja etc. pode ser

chamada de ideologia. Cada formação social apresenta um ideologia que lhe é própria.

Por isso, costumamos dizer que os membros de uma formação social também pertencem

a uma mesma formação ideológica (compartilham um “modo de ver o mundo” que vem

de seu modo de vida – econômico, social, cultural e histórico -; que se constroem pela
aceitação ou negação dos valores veiculados pela família, escola, igreja etc. e que dão a

esse grupo uma identidade própria). Portanto, a ideologia não é individual. E não existe

uma formação discursiva para cada pessoa. A formação ideológica não é de alguém.

Alguém pertence a essa ou aquela formação ideológica, porque pertence a essa ou

aquela formação social.

Aí entra um outro ponto importante: cada grupo desse, com sua identidade social

e ideológica, tem um modo de dizer as coisas, que lhe é característico. Tem um

repertório de palavras que usa, que usa de uma determinada maneira, como também tem

um repertório de palavras que nunca usa (porque são de outro grupo). Esse modo de

dizer característico dessas formações sociais e ideológicas é chamado de formação

discursiva.

Vamos dar um exemplo (que, por sinal é bastante usado nessas discussões).

Vamos imaginar um conflito entre um proprietário rural e um grupo de sem-terras. Para

o proprietário, na visão de mundo do grupo a que pertence, a terra é um propriedade

individual, independente de ser produtiva ou não e qualquer intromissão nessa posse é

uma invasão. Já para os sem-terra na visão do grupo a que pertencem, a propriedade

rural tem que estar a serviço do ser humano e pode ser individual, mas teria que ser

preferencialmente coletiva. Para esse ponto de vista, qualquer intervenção na terra para

que ela seja (re)distribuída é uma ocupação.

Neste exemplo, podemos ver que o grupo a que cada segmento pertence

(proprietários rurais = ruralistas; sem-terras = movimento em defesa da reforma agrária)

corresponde a formações sociais diferentes, opostas. Cada um desses grupos apresenta

uma visão de mundo decorrente de suas condições econômicias, históricas, sociais e

culturais, que corresponde a diferentes formações ideológicas. E, por fim, cada grupo

tem uma forma de dizer característica. Podemos dizer que, para o acontecimento
“presença da terra”, o grupo de proprietários, se esta terra for propriedade de algum

deles, vai usar o termo invasão, enquanto, para o mesmo acontecimento, os sem-terra

usarão o termo ocupação. Portanto, não puramente uma diferença de vocabulário. É

uma forma de dizer que corresponde à formação social e à formação ideológica daquele

grupo. Essa forma de dizer é a formação discursiva.

Nesse caso, o uso do termo invasão é característico da formação discursiva a

que pertence o grupo de proprietários rurais, enquanto o termo ocupação é

característico da formação discursiva do grupo de sem-terras.

Que conseqüências isso tudo tem para se fazer uma análise ? Muitas

conseqüências. E muito importantes.

A principal é que para se analisar um texto, não é suficiente nos determos nas

palavras desse texto. Precisamos descobrir quem disse, para quem disse, por que disse

dessa maneira e não de outra, em que situação disse. Analisar o que foi dito em

conjunto com suas condições de produção. Identificar o jogo de imagens e as formações

ideológicas e discursivas. Tanto faz se num discurso político, numa história em

quadrinhos, como em tantas outras situações.


Capítulo 6 – Embaralhando as cartas: e quando um tenta tomar o

discurso do outro ?

Há ainda um outro ponto importante. O capítulo anterior pode dar a sensação de

que todos os problemas estão resolvidos. Basta prestar atenção nas formações

discursivas, em sua relação com as outras formações, ligar com as demais condições de

produção, redesenhar o jogo de imagens entre enunciador e enunciatário. É isso

mesmo ? Não. Ainda falta algo muito importante.

É muito comum que um enunciador tente se fazer parecer por outro, em outra

formação social, ideológica e discursiva. Um exemplo bastante comum: campanhas

políticas no Brasil. A impressão que temos, nas campanhas políticas é que todos os

candidatos e partidos são iguais. Todos eles dizem coisas muito, muito parecidas

mesmo.

Por esse dado, poderíamos entender que todos pertencem à mesma formação

discursiva e, portanto, à mesma formação social e formação ideológica. Certo ?

ERRADO.

É diferente quando um enunciador usa palavras, termos, formas de dizer

características realmente da formação discursiva a que pertence, de quando usa

elementos de outra formação discursiva, oposta ou diferente à formação discursiva a

que está filiado. Por isso, neste caso, por meio de uma análise das condições de

produção e do jogo de imagens é possível perceber os desvios, esquecimentos, ênfases

excessivas e toda sorte de mecanismos que estabelecem essas diferenças.

Um exemplo disso seria um candidato que nunca acreditou em participação

popular propor, em seu programa de governo, decisões tiradas desse tipo de


participação. Em primeiro lugar, essa idéia na boca de alguém que nunca acreditou

nisso, pode soar estranha (aí basta saber do passado político do candidato e se ela diz

alguma coisa sobre o porquê teria mudado de ideia. E se ele mudou de ideia e continua

no mesmo partido, junto a outros que acreditam nas suas ideias antigas, não há algo

estranho nisso ?) Por esse caminho, estaríamos analisando as formações sociais e

ideológicas a que ele pertence.

O interessante é que se prestarmos bem a atenção, esse candidato provavelmente

mencionaria a participação popular para depois “ele” agir, governar. Se compararmos

com um candidato que sempre defendeu a participação popular, provavelmente

observaríamos expressões como “a decisão popular será respeitada”, “a voz dos

segmentos sociais diversos vai ser ouvida”. Ou seja, pela comparação entre formações

discursivas diferentes, mas com as mesmas palavras (“participação popular”), pode-se

verificar, neste caso, que o primeiro político usa a própria ideia de participação como

pretexto para continuar tomando decisões centralizadas, sendo ele mesmo o centro de

tudo. Já o segundo político, que acredita realmente em participação popular, vê as

decisões como “trabalho de equipe”.

O exemplo acima pode dar uma noção da importância de se trabalhar com

análises fundamentadas no discurso.

Essa relação dinâmica entre formações discursivas, tal como foi exemplificado

acima, estabelecem um processo de diálogo entre discursos, em que os sentidos se

produzem de acordo com a identidade daquele grupo, mas, muitas vezes, disfarçados

com formas de OUTROS discursos. Esse mecanismo de diálogo entre discursos é

chamado de Interdiscurso.

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