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Língua, Linguagem e Discurso
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Noções Introdutórias
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Marco Antonio VILLARTA-NEDER
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LÍNGUA, LINGUAGEM E DISCURSO
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Introdução
língua e discurso. Tarefa desafiadora, mas necessária, para dar condições de trabalho e
Científica, uma vez que se torna cada vez mais comum que essa atividade seja iniciada
já no Ensino Médio.
Capítulo 1 – Começando a conversa
que, num sentido bastante geral, linguagem representa uma troca de sinais organizados,
dentro de uma situação específica, para se atingir uma finalidade. Esse conceito
exageradamente amplo dá conta de relações entre seres em vivos em geral e, até mesmo,
considerado é que toda vez que nos propomos a formular (ou usar) um conceito sobre
construir esse conceito de modo a dar conta das nossas necessidades. Isso tem dois
significados muito importantes. O primeiro, é que não existe conceito que dê conta de
olhamos, do que sabemos e, principalmente, do que precisamos estudar naquilo que nos
Linguagem, entre seres humanos, tem sido abordada, no correr dos séculos,
XIX para cá, acrescentou-se um outro conceito: o de que a linguagem serve para
Esses conceitos funcionam bem quando se quer analisar a pessoa que fala ou mensagens
entre máquinas, por exemplo. Entretanto, não dão conta quando queremos entender
mais profundamente o porquê uma mensagem foi recebida de uma maneira diferente da
esperada ou ainda por que épocas ou grupos diferentes entendem de maneira bastante
ponto de vista), precisamos de um conceito de linguagem que preste mais atenção nos
“interação” e esse “trabalho” nos fazem ser do jeito que somos e naquilo em que vamos
nos transformando. Faz parte de nós, seres humanos esse “fazer”, esse trabalho. E o que
envolvidos:
Quem diz
Para quem
Linguagem
se diz
Assim, esses três aspectos se relacionam uns com os outros sem que possamos
tirar um deles do jogo. Imagine, por exemplo, um jogo de futebol. Têm que existir
existir o jogo. Com a linguagem, ocorre algo parecido. Isso é interação. Ou melhor
ainda: inter-ação (ação entre os elementos envolvidos). Por meio desse raciocínio
processo.
Para entendermos isso melhor, vamos fazer uma pequena pausa e organizar
nossos termos. Vamos usar palavras para designar “quem diz” e “para quem diz”. Que
tal assim:
Para quem
se diz • ENUNCIATÁRIO
Esses são termos usados por alguns autores para facilitar – vamos dizer assim - a
Pois bem: vamos encerrar nossa pequena pausa e retomar o assunto. Estávamos
quem é e quem é o enunciatário a partir do que diz, da maneira como diz, do que lhe
dizem e da maneira como lhe dizem. Porque acontece com a linguagem uma coisa muito
interessante (que, por exemplo, geralmente não acontece com o futebol). Num momento
construímos; outras vezes, ouvimos, lemos, observamos, recebemos (no futebol, nem
movimento, não é fixa. E isso nos dá identidades diferentes. Torna diferentes aqueles de
nós que moramos em lugares diferentes, que nascemos em épocas diferentes, que
pertencemos a partes da sociedade diferentes (se somos mais pobres ou mais ricos, se
Não falamos, dançamos, nos vestimos da mesma forma. E isso SEMPRE está
dentro da interação. Ao vestir essa ou aquela roupa, somos Enunciadores que, por meio
sentimos por usar ou não usar essa ou aquela roupa ou pelas reações dos outros a
usarmos ou não usarmos essa ou aquela roupa, vão construindo uma maneira de pensar,
sentir e agir em relação a nós mesmos (manter, transformar, romper – por essa ou
aquela razão em função do que achamos, acreditamos), aos outros (para agradar, passar
linguagem (o que é vestir ou não vestir uma roupa; o que isso tem a ver com a gente e
com os outros). Dou aqui o exemplo da roupa (que é uma linguagem), mas isso pode
valer para a fala, a escrita, a dança, a pintura, o cinema, para qualquer linguagem.
experiências diferentes (consigo mesmos, com o outro e com a linguagem), que, por um
situação ainda não vivenciada. Nesse contexto novo, as atitudes e as conseqüências com
Uma das primeiras surpresas que temos quando nos aprofundamos num assunto,
é que parece que as respostas vão escorregando pelos vãos dos dedos. De certa forma, é
assim mesmo que acontece. Diria até que é um bom sinal. Estamos então condenados a
viver na dúvida ?
principalmente, sem ela não conseguiríamos pôr em prova aquilo que achamos. Será
que nossos achados respondem às perguntas que nós fizemos ? Isso nos obriga sempre
a pensar (1) se fizemos as perguntas certas; (2) se, mesmo corretas, as perguntas foram
feitas de uma maneira eficiente. Essa explicação inicial é importante para entendermos
social. Precisamos, então, tomar uma primeira decisão sobre o que vamos querer
enxergar num conceito de língua. O título deste capítulo sugere um jogo de palavras em
linguagem, assim como a pintura, a fotografia, a dança, a arquitetura, a música etc. Por
isso, o conceito que adotarmos de linguagem vai influenciar na maneira como vamos
enxergar e analisar a língua. Então, se aqui aceitamos o conceito de linguagem como
“interação”, vamos entender língua também desse ponto de vista: quem diz
(enunciador), para quem se diz (enunciatário) e a própria língua (como qualquer outra
língua.
Capítulo 3 – Desenrolando o novelo da língua
Vamos iniciar com alguns pontos importantes. A discussão sobre o que é ou para
que serve a língua já tem muito tempo (mais de 2500 anos !!!). O resultado disso é um
primeira delas é que uma língua pode ser basicamente de duas naturezas: natural ou
artificial. A diferença fundamental, nesse caso, é que as línguas naturais (aquelas que
aprendemos pela convivência com outros seres humanos, e que são utilizadas nessa
usadas na fala1.
maternas, é importante lembrarmos que a(s) aprendemos quando somos bebês. Pode
parecer estranho, mas a verdade é, nos lugares em que existe escrita, aprendemos uma
língua materna na condição de analfabetos. Porém é sempre bom lembrar que ainda
existem muitos povos que não usam escrita e que têm língua(s). Essas línguas têm
1
O caso de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), utilizadas por pessoas portadoras de deficiência
auditiva, é peculiar. Ela pode ser uma língua natural, à medida em que pais surdos se comuniquem com
seus filhos recém-nascidos nessa língua.
2
É bom lembrar que, cientificamente, gramática é o conjunto de regras que compõe uma língua. O que
acontece, porém, é que essas regras não precisam estar escritas. Quem “inventou” formas verbais, orações
subordinadas, por exemplo, não foram os gramáticos ou linguistas, mas sim os próprios falantes da língua
ou da língua anterior que deu origem à atual (e sempre, analfabetos). O que um gramático ou linguista
faz é (tentar) identificar essas regras e dar nomes a elas e a seus elementos.
Portanto, uma primeira lição:
Que ela é composta por sons especiais, chamados FONEMAS. Esses sons são
especiais porque sozinhos não significam nada [imagine um som de /s/ (imagine
somente um sopro, e não o nome da letra), de /a/ ou de /e/], mas em cada língua, em
fonema. Esses fonemas vão se juntando e formando palavras, que passam a ter outro
etc.).
Esses sons são produzidos por músculos que movimentam os órgãos do nosso
corpo que usamos para podermos falar (pulmões, laringe, língua etc.) e por partes fixas
do corpo, por onde o ar passa e muda as características do som (lábios, dentes, “céu da
boca3” etc.)
fazendo movimentos com nosso corpo e produzindo sons que têm o comportamento
físico de qualquer outra onda sonora. A diferença é que os sons da fala têm esse “algo
mais” que é essa maneira complexa e interessante de se combinarem. Esses sons têm
Portanto, não temos como pensar em detalhes em cada som que produzimos.
Eles são sempre um pouco diferentes, mas o nosso cérebro “faz de conta” que são
sempre a mesma coisa, desde que sejam aproximados (isso vale tanto para aquele que
está falando, que pensa sempre estar produzindo os sons “iguaizinhos”, quanto para
quem ouve, que pensa estar ouvindo sempre os sons da mesma forma).
O que isso significa ? Que língua muda sempre, está mudando a cada vez que
falamos com alguém. Não muda porque estamos “estragando” a língua; muda porque os
sons mudam sempre (um pouquinho de cada vez, mas mudam). E muda porque, em
Imagine, por exemplo, a primeira vez em que você conversou com alguém que
gosta muito. O nervosismo, a ansiedade, a escolha das palavras foi muito diferente das
vezes seguintes, em que o contato já tinha sido criado. Linguagem não acontece fora da
vida real das pessoas. Nenhuma. Muito menos a língua. Ao falarmos nossa língua
materna, por exemplo, pensamos nela, sentimos nela, sonhamos nela. Se nossa língua
materna, no caso, é o português, devemos entender que Língua Portuguesa não é aquela
3
Tecnicamente chamado de palato.
lista de nomes esquisitos aprendidos na escola (muitas vezes sem sabermos exatamente
o porquê deles). É língua em que sentimos as melhores e piores coisas de nossas vidas;
que cantamos, contamos piadas, xingamos, rezamos, namoramos. É a língua que nos
prometer algo. E daí por diante. Em todos os momentos das nossas vidas.
Nesse caso (e estamos nele, já que o Português tem uma escrita), além das
escrita.
Existem formas e situações que só existem na FALA; outras que são comuns à
FALA e à ESCRITA, e outras que são próprias da ESCRITA. Basta saber quando e
FALA ESCRITA
linguagem que estamos usando (inter-ação), podemos entender que uma língua é “lugar
encontro e, por outro lado, o resultado do encontro vai nos fazer lembrar desse lugar
dessa ou daquela maneira. E as pessoas que se encontram também vão sair diferentes.
vão estar nessa mesma relação dinâmica que qualquer outra linguagem possui: todos
Tudo o que foi dito até agora sobre linguagem e língua pode ser encaminhado
para uma palavra-chave: USO. Também existem dezenas de conceitos sobre discurso,
no decorrer dos séculos (Pois é... novamente, duas coisas que se repetem: tudo isso vem
simplificar e identificar um ponto em comum entre todos eles. Toda vez que se está
na estrutura. Não se pode jogar fora, mas o ponto inicial para desenrolar o novelo, será
curiosidade para leituras mais profundas, para viagens mais surpreendentes. Desde
sempre, estudar o discurso significa ter que recorrer a várias áreas do conhecimento
contextos de vida real, no mundo em que vivem, em suas relações históricas, políticas,
sociais, culturais.
Então, aí vai uma primeira pitada para começar a temperar a nossa viagem. A
partir de um conjunto de leituras (que depois vamos saber por alto), há um autor que se
arriscou a construir um conceito de discurso que tem muito a ver com a maneira como
estamos tratando da lingua(gem) aqui: “Discurso é efeito de sentidos entre
interlocutores4.”
linguagem, da interação que a caracteriza. Para usar os termos que adotamos aqui, o
interlocutores, ao interagirem, produzem sentidos. Ou seja: cada coisa que um diz (ou
deixa de dizer) vai ser interpretada pelo outro interlocutor. Assim como estar ouvindo
ou não, lendo ou não, esperando ou não uma resposta. Nada escapa de ser interpretado.
E quando uso o termo interpretar aqui, não significa que a gente sempre interprete
interpretando essa atitude. Mesmo que seja pela alegria, indignação, indiferença. Cada
resposta dessa nasceu de uma interpretação que pode ter sido não-consciente, quase
instantânea.
Esses sentidos vão ser interpretados de acordo com o ponto de vista do outro.
Dependendo do “lugar” em que está, ele vai interpretar de maneira diferente, vai
enxergar de maneira diferente. Assim como acontece com nossa visão física.
diferentes do ambiente.
Daí podermos dizer que a “posição” em que alguém se encontra vai fazer com
que esses sentidos produzam efeitos diferentes. É de se esperar que numa situação em
4
PÊCHEUX, Michel (1969: 82)
concordante se traduza em palavras afirmativas, em formas de dizer que vão na mesma
direção e que são reconhecidas por aqueles que acreditam nas mesmas coisas.
Esse mesmo autor, que praticamente criou a AD (um francês chamado Michel
Pêcheux), num de seus textos, diz que “o discurso é sustentado por um jogo de
imagens5.” Este é um conceito muito importante. O que ele tem a ver com o que
estamos discutindo ?
Quando o enunciador diz alguma coisa, faz isso em função do que acha da
maneira como
o enunciatário vê o enunciador
o próprio enunciatário se vê
o próprio enunciador se vê
Essas “maneiras de ver” podem ser mais bem entendidas em questões do seguinte tipo:
OU:
5
PÊCHEUX, 1969.
quem o enunciador pensa que o enunciatário é para dizer isso (dessa maneira) ?
por exemplo. Pode ser que o enunciatário já conheça, mas pode ser, por outro lado, que
do enunciatário sobre o que vai dizer o enunciador e sobre o porquê estão naquela
situação vai ser muito diferente daquilo que o enunciador espera. Entre as muitas coisas
Usar a noção de discurso torna mais fácil analisar acontecimentos como esses,
Isso quer dizer que quando alguém vive no mundo, vê as coisas de uma
determinada maneira. Essa forma de ver o mundo não é puramente individual. Vemos o
estamos. E como há outras pessoas no mundo que também têm condições econômicas
(classe social), sociais, culturais e históricas parecidas com as nossas, mesmo que isso
não seja percebido, formamos um grupo com elas. Formamos esse grupo no sentido que
somos vários pensando e agindo de maneira muito parecida. Mesmo que os membros
desse grupo invisível não se conheçam, não saibam da existência concreta dos outros.
Esse grupo invisível costuma ser chamado de formação social. Aqueles de nós
mundo” que parece, para os seus membros, a única maneira possível de as coisas serem.
Essa “forma de ver o mundo”, com essas características e que desenvolvemos por
aceitação ou oposição às ideias veiculadas na família, escola, igreja etc. pode ser
chamada de ideologia. Cada formação social apresenta um ideologia que lhe é própria.
Por isso, costumamos dizer que os membros de uma formação social também pertencem
a uma mesma formação ideológica (compartilham um “modo de ver o mundo” que vem
de seu modo de vida – econômico, social, cultural e histórico -; que se constroem pela
aceitação ou negação dos valores veiculados pela família, escola, igreja etc. e que dão a
esse grupo uma identidade própria). Portanto, a ideologia não é individual. E não existe
uma formação discursiva para cada pessoa. A formação ideológica não é de alguém.
Aí entra um outro ponto importante: cada grupo desse, com sua identidade social
repertório de palavras que usa, que usa de uma determinada maneira, como também tem
um repertório de palavras que nunca usa (porque são de outro grupo). Esse modo de
discursiva.
Vamos dar um exemplo (que, por sinal é bastante usado nessas discussões).
rural tem que estar a serviço do ser humano e pode ser individual, mas teria que ser
preferencialmente coletiva. Para esse ponto de vista, qualquer intervenção na terra para
Neste exemplo, podemos ver que o grupo a que cada segmento pertence
culturais, que corresponde a diferentes formações ideológicas. E, por fim, cada grupo
tem uma forma de dizer característica. Podemos dizer que, para o acontecimento
“presença da terra”, o grupo de proprietários, se esta terra for propriedade de algum
deles, vai usar o termo invasão, enquanto, para o mesmo acontecimento, os sem-terra
uma forma de dizer que corresponde à formação social e à formação ideológica daquele
Que conseqüências isso tudo tem para se fazer uma análise ? Muitas
A principal é que para se analisar um texto, não é suficiente nos determos nas
palavras desse texto. Precisamos descobrir quem disse, para quem disse, por que disse
dessa maneira e não de outra, em que situação disse. Analisar o que foi dito em
discurso do outro ?
que todos os problemas estão resolvidos. Basta prestar atenção nas formações
discursivas, em sua relação com as outras formações, ligar com as demais condições de
É muito comum que um enunciador tente se fazer parecer por outro, em outra
políticas no Brasil. A impressão que temos, nas campanhas políticas é que todos os
candidatos e partidos são iguais. Todos eles dizem coisas muito, muito parecidas
mesmo.
Por esse dado, poderíamos entender que todos pertencem à mesma formação
ERRADO.
que está filiado. Por isso, neste caso, por meio de uma análise das condições de
nisso, pode soar estranha (aí basta saber do passado político do candidato e se ela diz
alguma coisa sobre o porquê teria mudado de ideia. E se ele mudou de ideia e continua
no mesmo partido, junto a outros que acreditam nas suas ideias antigas, não há algo
segmentos sociais diversos vai ser ouvida”. Ou seja, pela comparação entre formações
verificar, neste caso, que o primeiro político usa a própria ideia de participação como
pretexto para continuar tomando decisões centralizadas, sendo ele mesmo o centro de
Essa relação dinâmica entre formações discursivas, tal como foi exemplificado
produzem de acordo com a identidade daquele grupo, mas, muitas vezes, disfarçados
chamado de Interdiscurso.