Anda di halaman 1dari 9

Ética das virtudes

Os conceitos de obrigação e dever (entendidos como obrigação moral e dever


moral), e do que é moralmente correto ou errado, e do sentido moral de «dever»,
deviam ser abandonados [...] Seria um grande progresso se, em vez de
«moralmente errado», falássemos sempre de um gênero como «falso»,
«promíscuo», «injusto».

G.E.M. ANSCOMBE, Modern Moral Philosophy (1958)

1. Ética das virtudes e Ética da ação correta

Ao pensar em qualquer assunto, faz muita diferença começar por uma ou por
outras questões. Na Ética a Nicômaco, de Aristóteles (cerca de 325 a.C.), as
questões centrais dizem respeito ao caráter. Aristóteles começa por perguntar: “Em
que consiste o bem para o homem?”. E a sua resposta é: “Uma atividade da alma
em conformidade com a virtude”.

Para entender a ética temos, portanto, de entender o que torna alguém uma
pessoa virtuosa, e Aristóteles, com olhar aguçado para os pormenores, dedica
muito tempo a discutir virtudes particulares como a coragem, o autodomínio, a
generosidade e a veracidade. Apesar desta forma de pensar sobre a ética estar
estreitamente identificada com Aristóteles, não foi exclusiva dele. Sócrates, Platão
e muitos outros pensadores antigos abordaram a ética perguntando: “Que traços
de caráter tornam alguém uma boa pessoa?”. Em resultado disto, “as virtudes”
desempenharam um papel central nas suas discussões. Os Gregos haviam
encarado a razão como fonte da sabedoria prática — a vida virtuosa era, para eles,
inseparável da vida racional. No entanto, com o correr do tempo, esta forma de
pensar acabou por ser negligenciada.

No Renascimento, a filosofia moral começou a ser secularizada, mas os filósofos


não regressaram à forma grega de pensar. Conceberam a lei moral (que brota da
razão humana) um sistema de regras que especificava quais as ações são corretas.
O nosso dever, como pessoas morais, é seguir as suas diretivas. Assim, os filósofos
morais modernos abordavam o seu tema fazendo uma pergunta fundamentalmente
diferente da feita pelos Antigos. Em vez de perguntar: “Que traços de caráter
tornam uma pessoa boa?”, começavam por perguntar: “Qual é a coisa certa a
fazer?”. Isto os empurrou numa direção diferente. Os moralistas modernos
acabaram por não desenvolver uma teoria da virtude, mas do bem e obrigação
morais.

2. Devemos regressar à ética das virtudes?

Recentemente, alguns filósofos apresentaram uma idéia radical: defenderam que a


filosofia moral moderna está falida e que, de maneira a salvar a área, devemos
voltar à forma de pensar de Aristóteles.

Esta idéia foi avançada em 1958 quando Elizabeth Anscombe publicou um artigo
intitulado “Modern Moral Philosophy” na revista acadêmica Philosophy. Nesse
artigo, sugere que a filosofia moral moderna está errada porque se baseia na noção
incoerente de uma “lei” sem um legislador. Os próprios conceitos de obrigação,
dever e correção moral, nos quais os filósofos modernos se concentraram, estão
ligados a esta noção absurda. Logo, Anscombe defendeu que devemos deixar de
pensar sobre a obrigação, dever e correção moral e regressar à abordagem de
Aristóteles. As virtudes devem uma vez mais desempenhar um papel central.

1
Na seqüência do artigo de Anscombe surgiu um conjunto de livros e ensaios
discutindo as virtudes, e a teoria das virtudes tornou-se em breve uma das grandes
opções na filosofia moral contemporânea. Não há, no entanto, qualquer corpo
constituído de doutrina sobre o qual todos estes autores estejam de acordo.
Comparada com teorias como o utilitarismo, a teoria das virtudes encontra-se ainda
num estádio relativamente embrionário. Apesar disso, há um conjunto comum de
preocupações que motivam esta abordagem.

Nos pontos seguintes vamos ver primeiro o aspecto da teoria das virtudes. Depois
vamos examinar algumas das razões que têm sido avançadas para pensar que a
ética das virtudes é superior a outras formas mais modernas de abordar o assunto.
Por fim, vamos avaliar se um “regresso à ética das virtudes” é realmente uma
opção viável.

3. As virtudes

Uma teoria das virtudes deverá ter vários componentes.

[1] Primeiro, deverá haver uma explicação do que é a virtude.

[2] Segundo, deverá existir uma lista especificando os traços de caráter que são
virtudes.

[3] Terceiro, deverá haver uma explicação daquilo em que consistem essas
virtudes.

[4] Quarto, deverá existir uma explicação da razão pela qual é bom para uma
pessoa ter essas qualidades.

[5] Por fim, a teoria deverá dizer-nos se as virtudes são as mesmas para todas as
pessoas ou se diferem de pessoa para pessoa, ou de cultura para cultura.

3.1 O que é a virtude?

Aristóteles afirmou que a virtude é um traço de caráter manifestado no agir


habitual. O “habitual” é importante. A virtude da honestidade, por exemplo, não é
possuída por alguém que diz a verdade apenas ocasionalmente ou quando isso lhe
é vantajoso. A pessoa honesta é naturalmente veraz; as suas ações “brotam de um
caráter firme e inabalável”. Isto é um começo, mas não basta. Não distingue as
virtudes dos vícios, pois os vícios são também traços de caráter manifestados nas
ações habituais.

Edmund L Pincoffs, um filósofo que lecionou na Universidade do Texas, fez uma


sugestão que resolve este problema. Pincoffs sugeriu que as virtudes e os vícios
são qualidades a que nos referimos para decidir se alguém merece ser procurado
ou evitado. “Nós preferimos alguns tipos de pessoas, outros evitamo-los”, afirma.
“As particularidades na nossa lista [de virtudes e vícios] podem servir como razões
para preferir ou evitar pessoas”.

Procuramos pessoas por razões diferentes, e isto tem implicação nas virtudes
relevantes.

[1] Quando procuramos um mecânico de automóveis, queremos alguém habilidoso,


honesto e consciencioso;

[2] Ao procurar um professor, queremos alguém com conhecimentos, fluente e


paciente.

2
Assim, as virtudes associadas à reparação de automóveis são diferentes das
virtudes associadas ao ensino.

Mas também avaliamos as pessoas enquanto pessoas, de uma forma mais geral,
pelo que temos não apenas o conceito de um bom mecânico ou de um bom
professor, mas de uma boa pessoa.

As virtudes morais são as virtudes das pessoas enquanto pessoas. Aproveitando a


deixa de Pincoffs, podemos, pois, definir uma virtude como um traço de caráter,
manifestado nas ações habituais, que é bom uma pessoa possuir. E as virtudes
morais são as virtudes, que é bom todas as pessoas possuírem.

3.2 Quais são as virtudes?

Quais são, pois, as virtudes?

Quais os traços de caráter que devem ser desenvolvidos pelos seres humanos?

Não há uma resposta breve para isto, mas o que se segue é uma lista parcial:

Afabilidade, Autoconfiança, Autodisciplina, Benevolência, Compaixão, Civilidade,


Coragem, Cortesia, Equidade, Generosidade, Honestidade, Justiça, Lealdade,
Moderação, Paciência, Prudência, Ponderação, Sensatez, Tolerância.

A lista poderia, naturalmente, ser alargada, adicionando-se outros traços de


caráter. Mas isto é um ponto de partida razoável.

3.3 Em que consistem estas virtudes?

Uma coisa é afirmar que devemos ser conscienciosos, compassivos e tolerantes;


outra coisa é dizer exatamente em que consistem esses traços de caráter. Cada
uma destas virtudes tem as suas próprias características e levanta os seus próprios
problemas. Vamos dar uma olhada rápida em três delas.

Coragem

De acordo com Aristóteles, as virtudes são o meio termo entre extremos: a virtude
é “o meio termo por referência a dois vícios: um de excesso e outro de carência”.

A coragem é um meio termo entre os extremos da covardia e da temeridade — é


covarde fugir de um perigo; mas é temerário arriscar

em demasia.

Virtude – meio termo

Vício – Virtude – Vício

Excesso – Meio termo – Carência

Temeridade – Coragem – Covardia

Descreve-se por vezes a coragem como uma virtude militar por ser tão obviamente
necessária ao desempenho das funções dos soldados. Os soldados vão para as
batalhas; as batalhas estão cheias de perigos; logo, sem coragem perdem-se as
batalhas.

3
Mas os soldados não são os únicos que precisam de coragem. Qualquer pessoa
(que enfrente o perigo, e em alturas diferentes isso inclui-nos a todos) precisa de
coragem. Um estudioso que passa a sua vida, tímida e segura, a estudar literatura
medieval poderá parecer o exato oposto do soldado. No entanto, mesmo ele pode
adoecer e necessitar de coragem para enfrentar uma arriscada operação. Como
afirmou Peter Geach:

Coragem é o que todos precisamos no fim da vida, e é

constantemente necessária no decurso normal da vida: às mulheres grávidas, a


todos nós porque os nossos corpos são vulneráveis, aos mineiros e pescadores e
metalúrgicos e caminhoneiros.

Generosidade

A generosidade é a disponibilidade para gastar os nossos recursos no auxílio aos


outros. Aristóteles afirma que, como a coragem, é também um meio termo entre
dois extremos: situa-se algures entre a avareza e a extravagância.

Vício – Virtude – Vício

Excesso – Meio termo – Carência

Extravagância – Generosidade – Avareza

A pessoa avara dá muito pouco; a pessoa extravagante dá demais

Mas quanto é bastante?

Uma interpretação razoável das exigências da generosidade poderia ser, portanto,


algo como isto: devemos ser generosos com os nossos recursos até ao ponto
máximo conciliável com a possibilidade de vivermos as nossas vidas normais de
forma minimamente satisfatória.

Honestidade

A pessoa honesta é, antes de mais, alguém que não mente. Mas basta isso? Há,
além da mentira, outras maneiras de enganar as pessoas.

Geach relata a história de Santo Atanásio. Ele remava num rio quando os seus
perseguidores apareceram remando na direção contrária: “Onde está o traidor
Atanásio?” perguntaram eles. “Não está longe”, respondeu o santo bem-humorado,
e passou por eles sem levantar suspeitas.

Geach aprova o logro de Atanásio embora pense que teria sido errado dizer uma
mentira. Mentir, pensa Geach, é sempre proibido: uma pessoa detentora da virtude
da honestidade nem sequer pensará nisso. As pessoas honestas não mentem, e por
isso têm de descobrir outras formas de lidar com situações complicadas. Atanásio
foi suficientemente esperto para fazê-lo. Disse a verdade, embora de uma forma
enganadora.

Torna-se difícil perceber por que razão o logro de Atanásio não é igualmente
desonesto. Que princípio não arbitrário aprovaria o ato de enganar pessoas de uma
forma e não de outra? Mas, independentemente do que pensemos sobre isto, a
questão de fundo é saber se a virtude implica adesão a regras absolutas.

4
Relativamente à honestidade, poderemos distinguir duas perspectivas sobre o
assunto:

1. Uma pessoa honesta nunca mente;

2. E, uma pessoa honesta nunca mente, exceto nas raras circunstâncias em que
existem razões prementes para fazer.

Não há uma razão óbvia para aceitar a primeira perspectiva. Pelo contrário,
existem razões para favorecer a segunda. Para percebermos que mentir é uma
coisa má, podemos observar a seguinte explicação:

A nossa capacidade de viver em comunidades depende das nossas capacidades de


comunicação. Falamos uns com os outros, lemos os escritos uns dos outros,
trocamos informação e opiniões, exprimimos os nossos desejos uns aos outros,
fazemos promessas, perguntamos e respondemos a perguntas, e muito mais. Sem
estes tipos de intercâmbio, a vida social seria impossível. Mas de maneira a estes
intercâmbios serem bem sucedidos, temos de ser capazes de pressupor que há
certas regras em vigor: temos de poder confiar que todos falarão com honestidade.

Além disso, quando aceitamos a palavra de alguém, ficamos vulneráveis de uma


forma peculiar. Pela aceitação do que dizem e modificando de acordo com isso as
nossas crenças, colocamos o nosso bem-estar nas suas mãos.

Se falarem com veracidade, tudo está bem. Mas, se mentirem, acabamos com
falsas crenças; se agirmos segundo essas crenças, acabamos por fazer coisas
estúpidas. A culpa é deles. Confiamos neles, e eles não estiveram à altura. Isto
explica a razão por que ser enganado é tão particularmente ofensivo. E, no fundo,
uma violação da confiança. Explica ainda por que razão as mentiras e as “verdades
enganadoras” parecem moralmente indiscerníveis. Ambas podem violar a confiança
da mesma maneira.

Contudo, nada disto implica que a honestidade seja o único valor importante ou
que tenhamos de lidar honestamente com todos, independentemente de quem
sejam e do que pretendam. A autodefesa é igualmente uma questão importante,
especialmente face àqueles que nos fariam mal injustamente. Quando isto entra em
conflito com a regra proibindo a mentira, é razoável pensar que tenha prioridade.

Suponha que Santo Atanásio tivesse dito aos seus perseguidores “Não o conheço”,
e em conseqüência disso eles o procurariam em vão. Poderiam eles, mais tarde,
queixar-se que Santo Atanásio tinha violado a sua confiança? Parece natural pensar
que eles comprometeram qualquer direito que pudessem ter à verdade quando
iniciaram uma perseguição injusta.

4. Por que razão as virtudes são importantes?

Dissemos que as virtudes são características de caráter que é bom às pessoas


possuírem. Isto apenas levanta a questão adicional de saber porque razão as
virtudes são desejáveis. Por que razão é uma coisa boa que uma pessoa seja
corajosa, generosa ou honesta? A resposta é claro, pode variar dependendo da
virtude particular em questão. Assim:

• A coragem é uma coisa boa porque a vida está cheia de perigos e sem coragem
não seríamos capazes de lhes fazer frente;

• A generosidade é desejável porque algumas pessoas vivem necessariamente em


piores condições que outras e necessitam da nossa ajuda;

5
• A honestidade é necessária porque sem ela as relações entre as pessoas
correriam mal de múltiplas maneiras;

Olhando para esta lista parece que cada virtude tem valor por uma razão diferente.
Aristóteles pensava, no entanto, que é possível dar uma resposta mais geral à
nossa questão; nomeadamente, que as virtudes são importantes porque a pessoa
virtuosa terá uma vida melhor. A idéia não é que os virtuosos ficarão mais ricos —
isso não é obviamente assim, ou pelo menos não é sempre assim. A idéia é que as
virtudes são necessárias para orientarmos bem as nossas vidas.

Para ver o que Aristóteles pretende, considere-se o tipo de criaturas que somos e o
tipo de vida que levamos.

[1] A um nível mais geral, somos seres racionais e sociais que querem e precisam
da companhia de outras pessoas. Por isso vivemos em comunidades, entre amigos,
família e outros cidadãos. Neste cenário, qualidades como a lealdade, equidade e
honestidade são necessárias para interagir harmoniosamente com todas essas
outras pessoas. (Imagine as dificuldades que uma pessoa teria se manifestasse
habitualmente às qualidades opostas na sua vida social).

[2] A um nível mais individual, as nossas vidas podem incluir trabalhar num
determinado tipo de emprego e ter determinados interesses. Outras virtudes
poderão ser necessárias para fazer bem esse trabalho ou dedicar-se a esses
interesses — a perseverança e a diligência podem ser importantes. Uma vez mais,
é parte da nossa condição humana comum que por vezes enfrentemos perigos ou
tentações, pelo que a coragem e o autodomínio são necessários.

A conclusão é que, apesar das suas diferenças, as virtudes têm todas o mesmo tipo
geral de valor: são todas qualidades necessárias para uma vida humana bem
sucedida.

5. As virtudes são iguais para todos?

Podemos perguntar, por fim, se é desejável um único conjunto de características de


caráter para todas as pessoas. Devemos falar da pessoa moralmente boa, como se
todas as pessoas boas viessem de um só molde? Este pressuposto foi
freqüentemente contestado.

Friedrich Nietzsche, por exemplo, não pensava que existia apenas um tipo de
bondade humana. No seu estilo extravagante, Nietzsche afirma:

Consideremos, por fim, que ingenuidade é ainda afirmar:

”O homem deve ser assim e assado!” A realidade exibe uma riqueza surpreendente
de tipos, a exuberância de um pródigo jogo e mudança de formas; e qualquer
moralista insignificante se atreve a dizer: “Não, o homem deve ser de outro modo”.
Sabe muito bem como deve ser, este biltre e hipócrita; pinta-se a si na parede e
diz: “Ecce homo!”.

Há aqui algo de obviamente pertinente.

O acadêmico que dedica a sua vida a compreender a literatura medieval e o


soldado profissional são tipos muito diferentes de pessoas. Uma mulher vitoriana
que nunca mostrava um joelho em público e uma mulher moderna, numa praia,
têm padrões muito diferentes de recato.

6
Há, pois, um sentido óbvio no seio do qual se pode pensar que as virtudes diferem
de pessoa para pessoa. Uma vez que as pessoas têm tipos de vida diferentes,
personalidades de gêneros diferentes, e ocupam papéis sociais diferentes, as
qualidades de caráter que manifestam podem diferir.

É tentador ir ainda mais longe e afirmar que as virtudes diferem de sociedade para
sociedade. Afinal de contas, o tipo de vida que é possível para um indivíduo
dependerá da sociedade na qual vive. A vida de um acadêmico só é possível numa
sociedade que tem instituições, como as universidades, que definem e tornam
possível a vida de um acadêmico. O mesmo poderia dizer-se de um jogador de
futebol, um padre, uma gueixa ou um guerreiro samurai.

As sociedades fornecem sistemas de valores, instituições e modos de vida no seio


dos quais se moldam as vidas dos indivíduos. As características de caráter
necessárias para desempenhar estes papéis diferem, e por isso os traços
necessários para viver de forma bem sucedida diferem também. Assim, as virtudes
serão diferentes. Tendo tudo isto em conta, por que não afirmamos simplesmente
que a consideração de determinadas qualidades como virtudes depende das formas
de vida criadas e mantidas por determinadas sociedades?

A isto poderá contrapor-se a idéia de que há virtudes necessárias a todas as


pessoas em todas as épocas. Esta era a concepção de Aristóteles, e provavelmente
tinha razão.

Aristóteles pensava que, apesar das diferenças, todos nós temos muito em comum.
“Podemos observar”, afirmava, “quando viajamos para países distantes, os
sentimentos de identificação e filiação que ligam cada ser humano a todos os
outros seres humanos”. Mesmo nas sociedades mais díspares as pessoas enfrentam
os mesmos problemas fundamentais e têm as mesmas necessidades básicas.

Assim:

• Todos necessitam de coragem, porque ninguém (nem mesmo o acadêmico) está


tão seguro que possa evitar a ocorrência eventual de perigos;

• Em todas as sociedades há bens para gerir e decisões para tomar sobre o que
corresponde a quem, e em todas as sociedades há pessoas em piores condições
que outras; por isso, a generosidade é sempre um bem precioso;

• Falar com honestidade é sempre uma virtude porque nenhuma sociedade pode
existir sem comunicação entre os seus membros;

• Todos precisam de amigos, e para ter amigos temos de saber ser amigos; por
isso, todos precisamos de lealdade.

Este tipo de lista poderia prosseguir (e nas mãos de Aristóteles prossegue),


indefinidamente.

Em resumo, pode muito bem ser verdade que em diferentes sociedades as virtudes
recebam interpretações algo diversa, e diferentes tipos de ações sejam
contempladas para satisfazê-las; e pode ser verdade que algumas pessoas, por
viverem determinados tipos de vidas em determinados tipos de circunstâncias,
necessitem de virtudes mais do que outras.

Mas não pode ser correto dizer simplesmente que a determinação de um traço
particular de caráter como virtude nunca é mais do que uma questão de convenção

7
social. As virtudes essenciais não são prescritas por convenção social, mas por
fatos fundamentais sobre a nossa condição humana comum.

6. Algumas vantagens da Ética das Virtudes

Porque razão alguns filósofos pensam que uma ênfase nas virtudes é superior a
outras maneiras de pensar sobre ética? Sugeriu-se uma série de razões. Eis duas
das mais importantes.

6.1 Motivação moral

Primeiro, a ética das virtudes é apelativa porque fornece uma descrição atraente da
motivação moral. As outras teorias parecem deficientes neste campo. Considere-se
o seguinte:

O leitor está no hospital se recuperando de uma doença prolongada.

Está aborrecido e inquieto, e por isso fica encantado quando Smith chega para
visitá-lo. Passa um bom bocado à conversa com ele; a sua visita era justamente o
tônico de que precisava. Decorrido algum tempo, diz a Smith como a sua visita lhe
foi agradável — ele é mesmo um tipo excelente e um bom amigo, para se dar ao
trabalho de atravessar a cidade para vir vê-lo. Mas Smith objeta; confessa que está
apenas a cumprir o seu dever. A princípio o leitor pensa que ele está só a ser
modesto, mas quanto mais falam, mais claro se torna que ele está dizendo a
verdade. Não veio visitá-lo porque quis ou por gostar dele, mas apenas por pensar
que tem o dever de “fazer o que está certo”, e nessa ocasião decidiu que tinha o
dever de visitá-lo — talvez por não saber de alguém com mais necessidade de ser
animado ou de alguém mais próximo.

Este exemplo foi sugerido por Michael Stocker num artigo muito influente surgido
no Journal of Philosophy em 1976. Ele comenta que certamente o leitor ficaria
muito desiludido ao conhecer a motivação de Smith; a sua visita parece agora, fria
e calculista, e perde todo o valor para si. Pensava que ele era seu amigo, mas
verifica agora que isso não é verdade. Stocker afirma o seguinte sobre o
comportamento de Smith: “Há certamente alguma coisa que falha aqui — uma
falha de mérito ou valor moral”.

É claro que nada há de errado com o que Smith fez.

O problema é a sua motivação.

Valorizamos a amizade, o amor e o respeito, e queremos que as nossas relações


com as outras pessoas sejam baseadas em consideração mútua. Agir movido por
um sentido abstrato de dever, ou por um desejo de “fazer o que está certo”, não é
a mesma coisa. Não desejaríamos viver numa comunidade de pessoas que agissem
apenas por tais motivos, nem desejaríamos ser uma dessas pessoas. Logo,
prossegue o argumento, as teorias éticas que enfatizam apenas a correção da ação
nunca poderão fornecer uma explicação satisfatória da vida moral. Necessitamos
para isso de uma teoria que enfatize as qualidades pessoais como a amizade, o
amor e a lealdade — por outras palavras, uma teoria das virtudes.

6.2 Dúvidas sobre o “ideal” da imparcialidade

Um tema dominante da filosofia moral moderna tem sido a imparcialidade — a idéia


de que todas as pessoas são moralmente iguais, e de que ao decidirmos o que
fazer devemos tratar os interesses de todos como igualmente importantes.

8
John Stuart Mill colocou bem a questão ao escrever que o “Utilitarismo exige [que o
agente moral] seja tão estritamente imparcial como um espectador benévolo e
desinteressado”. (Este texto também trata a imparcialidade como um requisito
moral fundamental: a imparcialidade é parte da “concepção mínima” da
moralidade).

Pode duvidar-se, no entanto, que a imparcialidade seja realmente uma


característica assim tão importante da vida moral. Consideremos as nossas relações
com a família e os amigos. Seremos realmente imparciais no que respeita aos seus
interesses? E devemos sê-lo?

Uma mãe ama os seus filhos e cuida deles de um modo que não alarga a outras
crianças. E completamente parcial para com elas. Mas haverá algo de errado nisso?
Não é exatamente assim que uma mãe deve ser?

Além disso, amamos os nossos amigos e estamos dispostos a fazer por eles coisas
que não faríamos por qualquer outra pessoa. Haverá algo de errado nisso? Pelo
contrário, parece que o amor por familiares e amigos é uma característica
intransponível da vida moralmente boa. Qualquer teoria que releve a imparcialidade
terá dificuldade em dar conta disto.

Uma teoria moral que enfatize as virtudes pode, no entanto, justificar tudo isto sem
dificuldade. Algumas virtudes são parciais e outras não.

O amor e a amizade implicam parcialidade para com os entes queridos e os


amigos; a beneficência para com as pessoas em geral é também uma virtude, mas
é uma virtude de tipo diferente. O que é necessário não é qualquer tipo geral de
imparcialidade, mas uma compreensão da natureza destas diferentes virtudes e de
como se relacionam entre si.

Fonte
LEITE JUNIOR, P. G. da S. Ética das virtudes. Disponível em:
<http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/%C3%89tica-Das-
Virtudes/337268.html>. Acesso em: 03 dez. 2015.

Anda mungkin juga menyukai