“Pense-se na história que nós mesmos estamos vivendo: quem refletir sobre o
procedimento dos indivíduos e dos grupos humanos no nascimento do nacional-
socialismo da Alemanha, ou o procedimento dos diferentes povos e Estados antes e
durante a atual guerra (1942), sentirá como são dificilmente representáveis os objetos
históricos em geral, e como são impróprios para a lenda; o histórico contém em cada
indivíduo uma pletora de motivos contraditórios, em cada grupo uma vacilação e um
tatear ambíguo; só raramente (como agora, com a guerra) aparece uma situação
fortuitamente unívoca que pode ser descrita de maneira relativamente simples, mas
mesmo esta é subterraneamente graduada, e a sua univocidade está quase
constantemente em perigo, e os motivos de todos os participantes têm tantas camadas
que os slogans propagandísticos só chegam a existir graças à mais grosseira
simplificação — o que tem como consequência que amigos e inimigos possam |
empregar frequentemente os mesmos. Escrever história é tão difícil que a maioria dos
historiadores vê-se obrigada a fazer concessões à técnica do lendário.” (AUERBACH,
E. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 2. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1976, p. 16-17)
“Durante séculos, e, especialmente, depois do Romantismo, foi lida muita coisa na sua
[Cervantes] obra que ele nem pressentia ou tencionava. Tais reinterpretações e
hiperinterpretações de um velho texto são, amiúde, frutíferas: um livro como o Dom
Quixote solta-se da intenção do seu autor e vive uma vida independente; apresenta a
cada época que nele acha prazer um novo rosto. Mas para o historiador que procura
determinar o lugar de uma obra dentro de um processo histórico é, contudo, necessário,
na medida do possível, esclarecer o que significou a obra para o seu autor e para os seus
contemporâneos.” (AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura
ocidental. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 316)
“Na medida em que o realismo moderno sério não pode representar o homem a não ser
engastado numa realidade político-sócio-econômica de conjunto concreta e em
constante evolução — como ocorre agora em qualquer romance ou filme —, Stendhal é
o seu fundador.” (AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura
ocidental. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 414)
“Outro escritor da geração romântica, Balzac, que possuía tanta capacidade criadora e
muito maior proximidade do real, tomou a representação da vida contemporânea como
uma tarefa pessoal e pode ser considerado, juntamente com Stendhal, como o criador do
realismo moderno. É dezesseis anos mais novo do que este, mas os seus primeiros
romances característicos aparecem quase simultaneamente com os de Stendhal, isto é,
ao redor de 1830.” (AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura
ocidental. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 419)
“em segundo lugar, significa que considera [Balzac] o presente como história; isto é, o
presente é algo que ocorre surgindo da história. De fato, os seus homens e os seus
ambientes, por mais presentes que sejam, estão sempre representados como fenômenos
que emanaram dos acontecimentos e das forças históricas.” (AUERBACH, E. Mimesis:
a representação da realidade na literatura ocidental. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976,
p. 430)