RIO DE JANEIRO
2011
1
GUSTAVO FRANÇA GOMES
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
UNEB
______________________________________________
Prof. Dr. LUIS EDUARDO ACOSTA
UFRJ
Rio de Janeiro
2011
2
Às populações Jurunas, Xipaya, Arara, e Kayapó do rio Xingu
3
AGRADECIMENTOS
À Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social (PPGSS) pelo apoio e fomento a esta pesquisa.
Ao meu orientador José Paulo Netto pelo exemplo de intelectual e docente não
apenas para mim, mas para uma geração de estudantes. Agradeço também pelo
incentivo fundamental à continuação e aprofundamento do tema da gestão da água e
pela indicação do meu nome ao Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e
Sociedade (LIEAS-FE/UFRJ). Ao meu co-orientador Carlos Frederico Loureiro por
mudar minha perspectiva da questão ambiental, destacando a relevância das relações
entre homem e natureza para qualquer projeto de sociedade com justiça.
4
RESUMO
5
ABSTRACT
6
FIGURAS
7
ABREVIATURAS E SIGLAS
CF – Constituição Federal
8
CTCT – Câmara Técnica de Ciência e Tecnologia
DL – Decreto-lei
LI – Licença de Instalação
LO – Licença de Operação
LP – Licença Prévia
9
PAF – Plano de Ação Federal da Zona Costeira
10
―Embora a água que corre na fonte seja de todos,
quem poderia duvidar que na bilha está somente a
que pertence a quem recolheu? Pelo trabalho tirou-
a das mãos da natureza onde era comum e
pertencia igualmente a todos e, de tal forma, dela
se apropriou para si mesmo‖ (LOCKE, 1978, p. 46).
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 20
13
2.1.2.4.10. Outorga e princípio da informação ............................................................ 121
14
3.3. As Agências de Água .......................................................................................................... 165
4.3. O estudo de caso da privatização da água em Manaus e a questão socioambiental ........... 185
4.4. Novo marco regulatório do serviço público de distribuição de água ................................. 191
5.4. Movimentos civis ambientais pelo direito à água: o Movimento de Atingidos por
Barragens (MAB) ..................................................................................................................... 218
15
5.5. A Comissão Especial e o Relatório de Atingidos por Barragens ....................................... 221
16
6.3.1. Publicização dos recursos hídricos e o regime de gestão das águas
subterrâneas e minerais ......................................................................................................... 282
7.3. Princípios da gestão da zona costeira e das águas do mar .................................................. 312
17
7.3.4. Princípio da participação na gestão da zona costeira .................................................. 314
7.4. Objetivos e instrumentos da gestão da zona costeira e da orla marítima ........................... 315
18
7.7.3. Política Nacional de Recursos Hídricos, outorga de direito de uso dos
recursos hídricos e a água do mar ......................................................................................... 345
7.8. Proposta de integração entre a gestão das águas do mar e das águas doces ....................... 346
CONCLUSÕES............................................................................................................................. 352
19
INTRODUÇÃO
Solução efetiva, para uma gestão planejada e sustentável dos recursos naturais,
vai além do controle sobre o desperdício. Necessariamente, a sustentabilidade ambiental
passa pela mudança nas formas das relações de produção capitalista que consomem
quase a integralidade dos bens naturais do planeta. Para isso, no entanto, é fundamental
a superação metodológica das análises fragmentadas do meio ambiente com a sua
substituição por um método científico que leve em conta a totalidade das relações
econômico-ambientais.2
1
―Durante 15 minutos uma torneira meio aberta consome aproximadamente mais de 200 litros.
Se a torneira estiver fechada enquanto se ensaboa, diminuindo o tempo de ducha aberta para cinco
minutos, o consumo cai para 81 litros‖. Disponível em: <http://www.cedae.com.br/raiz/003004.asp>.
Acesso em: 22 out. 2011.
2
Luckács afirmou em ―História e Consciência de Classe‖ que o mais importante do método marxista é
justamente a totalidade das suas análises.
21
As atuais crises ambientais encontram raízes no modo de produção do capital
que, ao separar definitivamente o homem da natureza, através da expropriação dos
meios de produção, o aliena:
3
Altvater observa então que ―o dinheiro é introduzido como mediador entre o produtor e o homem com
necessidades‖ (ALTVATER, 2006, p. 330).
22
Essa redução dos preços das mercadorias, por sua vez, somente pode ser
compensada com o aumento, ainda maior, da produção para que a taxa de lucro se
preserve com a venda em grande escala. No entanto, novamente essa superprodução
acarreta em nova redução dos preços. Forma-se, assim, um ciclo que necessita de mais e
mais mercadorias e consequentemente de numerosos recursos naturais para alimentar a
produção.
4
Lênin caracterizou a fase imperialista do capitalismo, principalmente, pela concentração no capital
financeiro do capital industrial e bancário; pela exportação de capitais e pela importação de matérias-
primas (LENINE, 2005).
23
capitalistas de acumulação, pois sem estes a possibilidade da expansão capitalista e,
portanto, da própria subsistência do sistema seria inviável.5
5
Há, nesta perspectiva, margem para uma interpretação determinista ambiental da análise de Rosa
Luxemburgo, pois o ―mercado externo‖ consistiria em verdadeiro limite natural ao capitalismo. Talvez
esse seja, de fato, resquício da continuidade da tradição positivista que tanto influenciou o marxismo da II
Internacional Comunista. De qualquer modo, a gravidade da questão ambiental e suas crises levam
autores importantes como David Harvey a retomar esse conceito.
24
Ela espetaculariza essas tragédias de uma maneira que não ajuda as
pessoas entenderem que há uma manifestação das forças naturais aí e
que nós precisamos saber nos precaver. A maneira como a grande
imprensa trata estes acontecimentos (como vulcões, terremotos e
enchentes), ao invés de provocar uma reflexão sobre o nosso lugar na
natureza, traz apenas as imagens de algo que veio interromper o que
não poderia ser interrompido, a saber, a nossa rotina urbana. Essa
percepção de que nosso dia a dia não pode ser interrompido pela
manifestação das forças naturais está ligada à ideia de que somos
sobrenaturais, de que estamos para além da natureza.6
No entanto, grandes catástrofes ditas naturais, cada vez mais frequentes, como
terremotos, tsunamis e enchentes, somente são catástrofes porque também são sociais.
A crise ambiental é também uma crise do modo de produção capitalista que distribui a
população em áreas de risco, consome sem limites os recursos naturais e polui o meio
ambiente aquático e terrestre.
6
Entrevista do professor e geólogo Rualdo Menegat (UFRGS) à Revista Adverso em maio de 2010.
Disponível em: <http://www.adufrgs.org.br/conteudo/sec.asp>. Acesso em: 22 mar. 2011.
7
Marx quando confrontou os estudos econômicos de Ricardo e Adam Smith destacou justamente a
dissociabilidade entre a economia e a política. O mesmo pressuposto é hoje válido para a ecologia e os
demais ramos do conhecimento, em especial, as ciências econômicas e políticas.
25
E mais, cumpre ter presente que a humanidade, enquanto conceito,
não constitui unidade homogenia e que as condições decorrentes da
atuação humana no ambiente são definidas em função de cada modo
de vida social, em interação com as condições ecológicas de
sustentação. A visão que o marco teórico crítico tem da humanidade é
que esta é a unidade dialética com a natureza. Somos, portanto,
―humanamente naturais‖ e ―naturalmente humanos‖ (LOUREIRO,
2006, p. 48)
26
reduzidas à categoria de ciências aplicadas à consultoria ambiental
(VAINER, 2004, p. 2).
27
O Direito Ambiental não nasce, portanto, da ―evolução geral do espírito
humano‖ ambiental, mas, ao contrário, origina-se da necessidade do estabelecimento de
regras como forma de superação dos litígios, interclasses ou entreclasses, que envolvem
a utilização dos recursos naturais.
Desse modo, normas surgiram, ainda no âmbito do direito civil, para regulação
das relações urbanas entre vizinhos, das condições sanitárias entre outras matérias
ambientais. Igualmente, o aproveitamento industrial dos recursos naturais, foco
permanente de disputas, foi crescentemente regulamentado para evitar que sua
utilização inadequada por uma sociedade empresarial determinasse vantagens
concorrenciais indevidas ou mesmo escassez e contaminação para outra sociedade.
O consenso ocorre, assim, juntamente com a coerção, mas torna-se eficiente para
reduzir a necessidade do uso direto da força. Desse modo, uma análise histórica e
sociológica do Direito deve considerar também as suas funções regulatórias e
ideológicas. Essa foi a conclusão do historiador E.P. Thompson ao estudar a Lei Negra,
8
Carlos Nelson Coutinho afirma, no entanto, que ―o último Engels não abandona a antiga posição sua e
de Marx sobre a natureza de classe de todo o poder estatal (...). Mas ele vê agora que a dominação de
classe não se manifesta apenas através da coerção (como ―poder opressivo‖), mas resulta também de
mecanismos de legitimação que asseguram o consenso dos governados (ou seja, resulta também de um
pacto ou contrato)‖ (COUTINHO, 2008, p. 27).
29
na Inglaterra do início do século XVIII, que criminalizava com a pena de morte a
utilização dos recursos naturais da floresta de Windsor pelos súditos da monarquia:
Thompson observou, assim, que o regime monárquico muitas vezes foi obrigado
a exercer a repressão mesmo contra a lei. Verificava-se que os réus também citavam a
lei em sua defesa. Decisões judiciais favoráveis a estes ocorreram, constituindo-se em
importante fator em favor da resistência de costumes comuns relativos às relações
comunitárias com bens ambientais como a fauna e a flora da floresta.
30
e as pretensões do poder, é um erro temerário de abstração intelectual.
Mais que isso, é um erro que se reproduz e aumenta por si mesmo,
estimulando-nos a desistir da luta contra as más leis e procedimentos
classistas e a nos desarmar perante o poder (THOMPSON, 1997, p.
358).
31
Do direito de águas ao direito à água
33
A concepção positivista do Direito, que advogava a segregação epistemológica
da ciência jurídica diante da política, da ética, da história e da sociologia, foi então
intensamente criticada. Recrudescem, no direito internacional, tratados programáticos
em defesa dos direitos humanos e ambientais. As constituições nacionais do pós-guerra
também incluem em seus dispositivos valores e princípios fundamentais que passam a
ter efetividade normativa.
34
ameaçado, o que inevitavelmente afetará também o consenso que permite a sustentação
dos poderes constituídos.
Esses valores de justiça ambiental, porém, somente podem ser alcançados com o
aumento da democracia, da participação popular e do controle social sobre os bens
naturais. A proteção às águas no ordenamento jurídico brasileiro previu
institucionalmente o princípio da participação através das representações da sociedade
civil nos conselhos hídricos e comitês de bacias hidrográficas, nos conselhos estaduais e
municipais de gerenciamento costeiro e da orla marítima, na previsão da realização
prévia de audiências públicas para aprovação dos planos hídricos e como requisitos para
diversos atos deliberativos, na criação da Conferência Nacional de Águas entre outros
mecanismos de controle social das águas. Contudo, tais instrumentos serão inúteis sem
a difusão do conhecimento dos direitos das águas.
35
Há ainda uma imensa necessidade de sistematização do direito de águas na
literatura jurídica brasileira. Em que pese o vanguardismo e enciclopedismo de autores
consagrados como Paulo Affonso Leme Machado e Paulo Bessa Antunes para expandir
no Brasil os estudos sobre Direito Ambiental, há ainda muito o que fazer em matéria de
águas. Há uma burocracia técnica gestora das águas ainda em formação e inúmeros
movimentos socioambientais pelo direito à água demandado aprofundamento dos temas
causadores dos conflitos hídricos.
36
possível o estudo subsequente dessa gestão fundada em tais princípios. Os instrumentos
de gestão dos recursos hídricos, previstos na Lei 9.433/1997, são então analisados:
Planos de Recursos Hídricos; enquadramento dos corpos de água em classe; o Sistema
de Informações sobre Recursos Hídricos (SIRH); a outorga de direito do uso da água e a
cobrança pela água.
São ainda acrescidos dois mecanismos não elencados expressamente no rol dos
instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos. Primeiramente a Conferência
Nacional de Águas (CONAGUAS) criada, em 2010, por resolução do CNRH para
organizar o debate estratégico, entre os agentes do sistema, sobre a gestão das águas.
Por fim, incluem-se as infrações e penalidades tipificadas na Lei 9.433/1997 entre os
instrumentos de gestão dos recursos hídricos, pois o exercício do poder de polícia
ambiental é indiscutivelmente relevante para consecução dos objetivos e diretrizes
estabelecidas para água.
37
O objetivo da escolha desses conflitos para análise foi perceber qual a
efetividade social da legislação de águas para as sociedades empresariais, que utilizam-
se de recursos hídricos nas suas atividades econômicas, e também para a população que
mantém com a água relações tradicionais de subsistência. Igualmente, é pretensão do
estudo desses casos verificar a conduta do Estado e dos seus agentes em relação ao
direito das águas.
Para isso, foi utilizado, como fonte, o inédito Relatório da Comissão Especial de
―Atingidos por Barragens‖, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que
começou a ser divulgado no início de 2011. Foram então analisadas algumas das
principais questões jurídicas que o mesmo suscita: a desapropriação por utilidade
pública e a restrição aos direitos coletivos ambientais; a aplicação do princípio da
reparação e a abrangência do conceito de atingido por barragens; o Decreto 7.342/2010
e a criação do Cadastro de Atingidos por Barragens; vedação constitucional do
38
deslocamento indígena e o direito aos usos múltiplos da água na construção de
barragens.
Após o exame da gestão das águas doces interiores, o Capítulo VII destina-se ao
gerenciamento costeiro e o regime jurídico da proteção das águas do mar. Para isso, são
analisados a legislação e os principais conceitos pertinentes ao tema da proteção das
águas do mar brasileiro: zona costeira; orla marítima; mar territorial; zona contígua;
plataforma continental; zona econômica exclusiva e, por fim, o de praias. Desse modo,
destacam-se também os princípios e instrumentos peculiares ao gerenciamento da costa
do Brasil.
39
Contudo, para transformar o atual direito de águas em efetivo direito à água, é
necessário que os movimentos por justiça ambiental e pela água primeiramente sejam
capazes de defender os direitos já conquistados. No entanto, para defender os direitos de
águas, é essencial primeiro conhecê-los. Por enquanto, os direitos de águas ainda estão
dissociados dos homens como se obedecessem a uma racionalidade intrínseca de
autopreservação.
40
CAPÍTULO I
41
tem como consequência o acirramento das disputas socioambientais e o aumento das
lesões aos direitos fundamentais.
42
Atualmente, essa definição das águas como um bem de uso comum do povo é a
interpretação predominante, à luz da Carta Magna de 1988, sobre o novo regime
dominial da água, pois, como afirmou José Afonso da Silva, ―toda água, em verdade, é
um bem comum de todos‖ (SILVA, 2000, p.116).
43
O constituinte de 1988, ao optar pela dominialização das águas
subterrâneas rompeu com o sistema jurídico anterior e não é possível
sustentar que exista um direito adquirido em matéria de águas
subterrâneas particulares (SILVA, S. T., 2003, p. 174 e 175).
Outra contradição da classificação das águas como bem de uso comum do povo
é derivada justamente das consequências jurídicas desse enquadramento. Na definição
doutrinária tradicional, bens de uso comum do povo são aqueles que podem ser
livremente utilizados sem necessidade de prévia autorização pela Administração.
44
Evidentemente essa regra não se aplica a utilização das águas haja vista que
são os próprios defensores do processo de ―publicização‖ que destacam a necessidade
da devida outorga prévia para o uso de recursos hídricos conforme previsão da Lei
9.433/1997. Definir então as águas como bem de uso comum do povo implicaria em
dispensar a autorização administrativa para seu consumo, o que contraria a Lei Nacional
dos Recursos Hídricos.
Contudo, essa solução também não parece por fim ao problema. No exemplo
citado por Viegas, a exigência de prévia autorização para o uso particular da rua é uma
exceção. A regra é a utilização das vias públicas pela livre circulação de todos os
cidadãos sem prévio controle pela Administração Pública.
45
Ao transformar regra em exceção, desvirtua-se assim o próprio sentido do
instituto, imprimindo mais confusão e afastando-se a solução jurídica definitiva.
Procurando reduzir tais contradições, alguns autores vêm defendendo a superação da
dicotomia existente no direito positivo brasileiro expressa na classificação dos bens em
públicos ou privados. Ana Paula Bento Graf, por exemplo, sustenta uma terceira espécie
com o enquadramento da água como um ―bem ambiental‖:
46
Como bem ambiental que é, definida pelo art. 225 da Constituição
Federal, a água desde 1988 deixou portanto de ser considerada bem
público sendo incompatíveis com a Carta Magna os arts. 99, I, e 100
do novo Código Civil. (FIORILLO, 2003, 404)
Essa tutela especial, porém, somente poderá ser obtida com o estabelecimento
de regras e princípios garantidores da proteção constitucional ao meio ambiente
saudável e a preservação dos recursos naturais. Como enunciou Celso Antonio Bandeira
de Mello, ―toda e qualquer noção jurídica, (...) só tem préstimo e utilidade se
corresponder a um dado sistema de princípios e regras; isto é, a um regime, a uma
disciplina peculiar‖ (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 634).
47
Desse modo, tal qual na mitologia simbólica de Ouroboros, volta-se para o
ponto de partida da questão. Determinar a tutela especial destinada à proteção das águas
é estabelecer as regras e princípios aplicados a este bem natural. Estabelecer tais regras
e princípios, por sua vez, significa identificar o seu regime jurídico. Por fim, identificar
o regime jurídico de propriedade corresponde a definir a natureza jurídica da água. O
rompimento desse verdadeiro círculo vicioso, no entanto, não é possível apenas no
interior da ciência jurídica em perspectiva positivista que desconsidere a totalidade dos
fenômenos ambientais:
48
O problema filosófico dos direitos do homem não pode ser dissociado
do estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos,
inerentes a sua realização: o problema dos fins não pode ser
dissociado do problema dos meios. Isso significa que o filósofo já não
está sozinho (BOBBIO, 2004, p. 24).
49
Essa preocupante previsão foi apresentada na obra organizada pelo ex-diretor-
geral do Fundo Monetário Internacional Michel Camdessus e corroborado por inúmeros
estudiosos do tema. Nessa perspectiva, se as sociedades continuarem a tratar a água
como um bem infinito e renovável, em breve o planeta Terra entrará num período de
colapso hídrico. A solução encontrada por Camdessus e por outros especialistas em
matéria de água e de finanças internacionais aponta para a conscientização da população
e dos governos para o que eles denominam ―valor da água‖.
Essa solução para o problema da escassez dos recursos hídricos de fato tende a
predominar em todo o planeta. Dos países capitalistas centrais, passando pelos países
capitalistas emergentes, até os países periféricos na África, Ásia e América Latina, a
cobrança pela água está sendo implementada.
50
Durante a década de 1990 foi então marcante o avanço das multinacionais
sobre o antigo setor do serviço de distribuição de água e coleta de esgoto. Os
investimentos de capital eram recuperados através do retorno obtido principalmente
com as tarifas cobradas dos usuários.
No entanto, essa nova gestão da água encontrou obstáculos nas antigas relações
econômicas, políticas e culturais. A água ainda é utilizada para fins que vão desde o
mais elementar, para saciar a sede, até o uso místico em rituais religiosos como o
batismo. Na Índia, por exemplo, a atividade sagrada dos casamentos coletivos às
margens do rio Ganges, reúne uma multidão de mais de um milhão de pessoas.
Embora a água que corre na fonte seja de todos, quem poderia duvidar
que na bilha está somente a que pertence a quem recolheu? Pelo
trabalho tirou-a das mãos da natureza onde era comum e pertencia
igualmente a todos e, de tal forma, dela se apropriou para si mesmo
(LOCKE, 1978, p. 46).
51
Observa-se que, ao considerar a propriedade privada resultado da
transformação da natureza pelo trabalho humano, Locke não historiciza a natureza, mas,
ao contrário, naturaliza a propriedade. Essa particularização da natureza que permite a
sua apropriação individual está no cerne da fundamentação da propriedade privada e,
por conseguinte, das sociedades modernas.
Por fim, pode ser destacada a tentativa de superação através da Lei 9.433 de
1997 da dicotomia anteriormente estabelecida entre propriedade particular e
propriedade pública. O impreciso conceito de propriedade difusa procura acomodar
princípios e regras contraditórios dos regimes público e privado.
53
de um bem público, finito e de valor econômico‖ (FREITAS, 2001, p. 27). Em igual
sentido, Luciana Cordeiro de Souza conclui que
54
O que se nota é que em nível global, só um punhado de sociedades
domina o mercado e, frequentemente, são as filiais que são
contratadas para os trabalhos. Note-se que 70% do mercado privado
são dominados pelas firmas francesas Vivendi, Suez-Lyonnaise e
Saur/Bouygues; a alemã RWE e sua filial Times Water sendo pesos-
leves (BOUGUERRA, 2004, p. 145 e 146).
55
conjuntamente um volume de vendas que atingiu mais de 5 bilhões de dólares em 2005
e patrimônio líquido de cerca de 13 bilhões de dólares.
Essa disposição e outras, como liberdade para o uso pessoal das águas fluviais,
demonstram que, nesse primeiro momento, a propriedade privada da água associava-se
também à ideia de liberdade humana. O espaço privado era uma ―emanação espacial da
pessoa‖ e, como tal, a propriedade privada sobre este significava a preservação da
própria liberdade individual. A propriedade privada nessas primeiras codificações não
tinha como finalidade principal garantir a propriedade sobre uma mercadoria a ser
vendida.
Percebe-se, então, que para a água tornar-se uma mercadoria era necessário que
deixasse de ter apenas valor de uso. Era preciso que esta adquirisse também um valor na
troca no mercado. Contudo, se os indivíduos tinham garantido o livre acesso à água,
esta jamais seria trocada por outros produtos no mercado, pois cada cidadão poderia
adquiri-la gratuitamente em seus próprios poços, açudes ou mesmo se abastecer com as
águas públicas.
57
Inibida o uso direto da água para consumo próprio, dotando a água de valor
econômico, completa-se a sua transformação em mercadoria. Processo semelhante já
havia se verificado no Brasil em relação às propriedades imobiliárias. Em 1850, quando
entrou em vigor a Lei de Terras no Brasil houve também a expropriação das terras.
Maria Sylvia Di Pietro destacou que essa legislação tornou públicas todas as chamadas
terras devolutas, legitimou a propriedade privada da terra e instituiu o contrato de
compra e venda como única forma de alienação da propriedade da terra (DI PIETRO,
2005).
Tanto no caso das terras quanto no das águas, o Estado teve função de destaque
nessa espoliação. Sem o Estado seria impossível acabar com o direito à propriedade
privada sobre a água, que dava a cada indivíduo a garantia ao seu livre uso para
satisfação de suas necessidades essenciais. Em primeiro lugar, há que se indagar como
seria possível outorgar, por meio de autorização ou outro instituto, o uso da água às
grandes sociedades empresariais antes da Constituição de 1988, com a vigência do
Código de Águas que garantia a propriedade particular sobre esse recurso.
58
A proteção a esse direito inviabilizava completamente o negócio da água. Não
seria admitido que se fosse retirado o direito à propriedade da água dos particulares para
simultaneamente se outorgar esse bem a outro particular para que este, de forma
onerosa, auferisse lucros na revenda do produto para os mesmos particulares que
haviam sido expropriados. Conclui-se que a expropriação constitucional das águas
particulares sem o direito à indenização para todos os afetados pela perda da
propriedade, levada a cabo pelo poder constituinte, pode ser bastante conveniente para
os interesses dessas sociedades privadas.
Igualmente, a vedação do uso comunitário das águas subterrâneas dos poços,
com o estabelecimento de sanções fundamentadas na propriedade pública, pode
significar não apenas preocupação com a preservação e sustentabilidade dos recursos
hídricos, mas, sim, uma estratégia para majorar o lucro privado pelo serviço de
saneamento ao obrigar todos os cidadãos a consumirem a água-mercadoria dessas
sociedades empresariais titulares das outorgas e concessões.
59
A experiência nos países desenvolvidos, principalmente tem mostrado
que a parte mais sensível do corpo humano é o bolso, uma das
recomendações do Banco Mundial (BM) e da Organização das Nações
Unidas (ONU) para reduzir o desperdício e a degradação da qualidade
da gota d‘água disponível em níveis nunca imaginados, é considerá-la
como recurso natural de valor econômico, ou seja, uma mercadoria
com preço de mercado, como estabelece, aliás, o terceiro princípio da
Lei Federal no 9.433/97 (REBOUÇAS, 2003, p. 39).
9
O historiador E.P. Thompson, ao analisar a escassez do pão na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX,
demonstrou que o livre mercado foi capaz de gerar até a exportação de alimentos de região atingida por
calamidade devido à depreciação do poder de compra (T HOMPSON, 1998, p.222).
60
uso para manutenção da vida. Assim, insiste em manter com esse recurso natural uma
relação comunitária que constitui, na prática, um poderoso obstáculo ao comércio da
água.
Contudo, não percebem que não é a legislação que está contraditória mas, sim,
a explicação que vê nas razões ambientais o motor de todas as alterações legislativas.
Eduardo Viegas cita, como incorporação da preocupação ambiental, a Lei Estadual do
Rio Grande do Sul que obriga o consumo na rede pública de distribuição. Contudo, o
mesmo artigo, que veda o uso residencial das águas subterrâneas, autoriza o uso
industrial da mesma.
Todavia, os dados apontam para o uso industrial como sendo responsável por
grande parte do consumo, além de ser o principal poluidor junto com o agronegócio.
Nesse sentido, Eduardo Viegas considera as leis estaduais contraditórias com a
finalidade da racionalização do consumo através da cobrança pelo uso. Na análise da
legislação do Estado do Paraná percebe-se a mesma contradição aparente. A lei
paranaense, recentemente adaptada à Lei 9.433/97, assim dispõe:
Fica evidente então que a instituição da cobrança, ao menos no Paraná, não foi
pautada exclusivamente pela preocupação ecológica em preservar um recurso natural
limitado. O maior consumidor, o agronegócio, foi isentado do pagamento pelo uso
enquanto os usuários domésticos, responsáveis pelo menor percentual do consumo,
arcariam sozinhos com os custos da cobrança.
Conflitos sociais ambientais como estes têm sido comuns mesmo após o
processo de ―publicização‖ da água realizada pelo constituinte de 1988. O
reconhecimento da água como bem público ou bem ambiental, por enquanto, demonstra
ser insuficiente para assegurar a maioria da população o seu direito fundamental à água.
É urgente, portanto, a adequação do regime jurídico de propriedade da água aos direitos
fundamentais e seus princípios norteadores da Constituição.
62
1.3. Água: um bem jusfundamental
No entanto, o conceito de bem difuso ambiental se não for bem definido põem
em risco a própria proteção do direito fundamental de terceira dimensão ao meio
ambiente equilibrado. Por conseguinte, é vital o estabelecimento dos princípios e das
regras jurídicas, ou seja, do regime jurídico ao qual serão submetidos os denominados
bens difusos ambientais.
É por esses motivos que a classificação das águas como bem jusfundamental se
apresenta como mais adequada haja vista que ressalta a estreita vinculação do regime de
propriedade da água a alguns dos direitos fundamentais inscritos na Constituição de
1988. O interesse geral, manifesto pelo poder constituinte originário na preservação do
meio ambiente e da própria vida, legitimou a expropriação das águas particulares antes
asseguradas pelo Código Civil e pelo Código de Águas.
63
expressamente previsto como direito fundamental desses países
justamente porque é um direito fundamental (FACHIN, 2011, p.77).
10
Preferimos nos referir a ―direito inalienável‖ em vez de ―direito natural‖ por concordamos com a crítica
formulada por Bobbio à filosofia jusnaturalista do Direito que ignora a ―sociabilidade‖ de todos os
direitos. Desse modo, a colisão entre direitos morais fundamentais e a Constituição não é considerada um
problema de legalidade, mas sim de legitimidade democrática.
64
Desse modo, por exemplo, conclui-se que o uso prioritário da água será sempre
para o abastecimento humano e a dessedentalização dos animais, pois a preservação da
vida encontra-se em primeiro plano.
66
CAPÍTULO II
67
Conforme observou a autora, de fato a utilização da água para construção de
hidroelétricas era o centro não apenas da política hídrica brasileira como também
norteava as relações internacionais do Brasil sobre os usos das águas. O Tratado de
Itaipu de 1980, por exemplo, celebrado com o Paraguai para regular a utilização das
águas do Rio Paraná, é exclusivamente voltado para hidrelétrica de Itaipu, excluídos
do seu objeto usos importantes como o da navegação.
68
do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e por algumas resoluções de outros
órgãos e por leis esparsas específicas.
Não obstante o reconhecimento desse novo regime público das águas, ainda
prevaleceu na legislação uma divisão entre as águas interiores e as águas do mar o
que dificulta, como veremos em capítulo posterior, a aplicação para estas águas dos
princípios e regras referentes às águas interiores com consequências prejudiciais
para a preservação do meio ambiente.
69
Portanto, os princípios expressos em determinado dispositivo legal não são
apenas uma regra jurídica específica, mas correspondem a verdadeiras diretrizes
aplicadas a outras regras secundárias. Por exemplo, o princípio do uso prioritário da
água, evidenciado no art. 1o, III, da Lei 9.433/1997, não diz respeito apenas a uma única
hipótese particular e, por conseguinte, sua validade resistiria mesmo que não expresso
no citado artigo.
70
A Constituição de 1988, em seu artigo 225, estabelece assim que ―todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.‖
Sem água, não apenas a dignidade humana fica prejudicada, mas a própria
vida torna-se inviável. Basta a escassez de água para verifica-se a degradação da
vida humana. Por isso, a água foi protegida pelo constituinte de 1988 por um regime
jurídico especial, passando a dominialidade pública conforme explicitado pelo artigo
1o, I, da Lei 9.433/1997.
71
2.1.1.2. Princípio dos múltiplos usos da água
A Lei 9.433/1997 enumera diversos usos da água sujeitos a outorga que tem
como objetivo principal justamente preservar o uso múltiplo. Dentre os usos
destaca, assim, a derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo
de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de
processo produtivo; a extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final
ou insumo de processo produtivo; o lançamento em corpo de água de esgotos e
demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição,
transporte ou disposição final; o aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; e
outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em
um corpo de água.11
11
Artigos 12 e 13 da Lei 9.433 de 1997.
72
do sistema constituem-se para efetivar o princípio dos múltiplos usos da água.
Portanto, interpretações ou práticas dos dispositivos da Lei 9.433/1997, que excluam
demandas sociais de utilização da água para privilegiar monopólios de usos ou
usuários, contrariam a própria razão da existência do SNGRH. Nesse sentido, por
exemplo, se manifestou enfaticamente Paulo Leme Machado:
73
Nessa situação de escassez, não seria possível concretizar o objetivo da
Política Nacional de Recursos Hídricos de assegurar ―a necessária disponibilidade
de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos‖.12
12
Art. 2o, I, da Lei 9.433 de 1997.
74
Não parece haver margens para dúvidas quanto à aplicação do dispositivo.
Verificada a escassez, o princípio do uso prioritário impõe a suspensão dos demais
fornecimentos de água para atender as demandas essenciais. Não há, então, nessas
hipóteses, qualquer discricionariedade administrativa.
Importante ressaltar ainda que em relação aos demais usos que não sejam o
consumo humano e a dessedentação dos animais existe uma ordem de prioridades.
No entanto, esta hierarquia dos demais usos da água não guarda proteção especial
constitucional ou legal, portanto, pode ser estabelecida discricionariamente
conforme o interesse público previsto nos planos hidrográficos.
75
a água tem valor econômico em todos os seus usos e deve ser
reconhecida como bem econômico (...) A gestão da água como bem
econômico, é uma importante forma de atingir a eficiência e equidade
no seu uso e de promover a sua conservação e proteção.
76
esta fosse uma mercadoria; o que de fato ocorre é o fornecimento de água, bem
natural fora do comércio, insuscetível de circulação econômica à população
petropolitana.‖13
13
ADI 2.224-5/DF.
77
ambiental causado à sociedade, não permitindo assim que esta arque com o ônus
ambiental de atividade econômica particular:
14
Art. 1o, IV, da Lei 9.433 de 1997.
80
Ao optar pela bacia hidrográfica como unidade primordial de gestão, o
legislador consagrou a cooperação entre os entes da federação como método de
administração da água. Por conseguinte, o sistema nacional será gerido de acordo com a
repartição das águas já prevista na Constituição de 1988.
As águas encontram-se dispostas naturalmente pelo território nacional e
internacional sem respeitar as fronteiras políticas internas e externas. A escolha do
critério natural da bacia hidrográfica como unidade territorial obriga então a essa
articulação que preserve a autonomia dos Estados, Distrito Federal, Municípios e União,
mas que os integre numa gestão harmônica e unitária conforme preconiza o moderno
federalismo cooperativo:15
15
―O conceito de sistema hídrico é um imperativo da natureza, pois, os cursos de água, na maioria das
vezes, não terminam num Município ou num Estado ou, mesmo, num País. A Potamologia leva-nos ao
estudo de águas interligadas, e não de águas separadas, cuja gestão deva ser decidida isoladamente
(MACHADO, 2002, p. 94).
81
terceira dimensão, integrou-se as cartas constitucionais de diversos países em
decorrência da ascensão das pautas ambientais.
Nesse sentido, diversas normas procuram ampliar os canais para que a gestão
ambiental dos recursos hídricos possa ―contar com a participação do Poder Público,
dos usuários e das comunidades‖ conforme preceitua o artigo Art. 1o, VI, da Lei
9.433/1997. É exemplo dessa ampliação a obrigatoriedade da realização de
audiências públicas para validade de determinados atos de gestão. Para citarmos
uma hipótese, o Art. 7o, V, da Resolução 5/2000 do Conselho Nacional de Recursos
Hídricos determinou que cabem aos Comitês de Bacias Hidrográficas submeter,
obrigatoriamente, os planos de recursos hídricos da bacia hidrográfica à audiência
pública.
Igualmente, com a tutela pelo Poder Público dos interesses difusos coletivos
as organizações não governamentais, legitimadas a propor demandas ambientais aos
tribunais, ocuparam função ainda de maior relevo com o instrumento da ação civil
pública. O princípio da democracia participativa que deve permear a Política
Nacional de Recursos Hídricos também apresenta-se, por exemplo, na previsão da
representação das organizações civis de recursos hídricos (associações de usuários,
institutos de pesquisa, organizações não governamentais, entre outras) nos órgãos e
entidades que compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos.16 No Conselho Nacional de Recursos Hídricos, o poder executivo poderá
indicar no máximo a metade dos representantes com direito a voto.
16
As organizações civis de recursos hídricos estão elencadas no artigo 47 da Lei 9.433 de 1997.
82
Esses e outros mecanismos demonstram o escopo presente na política de
gerenciamento das águas no Brasil de promover o controle pela população dos
recursos hídricos. Recentemente foi criado por resolução do CNRH um novo
mecanismo de participação: a Conferência Nacional de Águas que deverá ocorrer
em 2011 com o objetivo de promover uma intensa participação e debate nacional
sobre a revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos.
83
funcionamento do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, o ―acesso aos
dados e informações garantido à toda a sociedade‖.
84
reparar os danos ocasionados pela atividade humana. Com isso, a ética da
sustentabilidade ganhou efetividade social ao ser respaldada pela lei.
17
Artigo 2o da Lei 9.433/1997
18 o
Artigo 5 da Lei 9.433 de 1997.
85
Desse modo, estabelece o art. 8o da Lei 9.433/1997 que os Planos de Recursos
Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o País. No entanto,
não nos seria absurda à luz dos princípios da política nacional de gerenciamento de
recursos hídricos, admitirmos a elaboração de um plano envolvendo mais de um dos
estados da federação.
Determina ainda o artigo 7o do referido diploma legal que para atender tais
objetivos os planos devam conter o seguinte conteúdo mínimo: ―I. diagnóstico da
situação atual dos recursos hídricos; II. análise de alternativas de crescimento
demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de
ocupação do solo; III. balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos
hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais; IV.
metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos
recursos hídricos disponíveis; V. medidas a serem tomadas, programas a serem
desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas;
VIII. prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos; IX. diretrizes e
critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e, por fim, X. propostas para a
criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos.
86
Há consequentemente uma estreita vinculação entre os planos de recursos
hídricos e o instrumento das outorgas, pois estas devem ser concedidas apenas se
atendidas as diretrizes, critério e prioridades de uso estabelecidas no plano das bacias
hidrográficas cujo uso das águas o outorgante está demandando.
87
O PNRH é então, no contexto desse diploma legal, um espaço de reflexão com
vistas à identificação de soluções de compromisso para os conflitos potenciais ou
manifestos, inerentes ao gerenciamento de recursos hídricos.19
19
Nota Técnica da CTPNRH de 13 de janeiro de 2006.
88
subterrâneas, quantitativas e qualitativas, bem como às demandas por recursos hídricos,
realizando-se um balanço hídrico ao final.
Por fim, com base nesses dados e projeções, foram elencadas na proposta para
elaboração do PNRH as diretrizes e plano de metas a serem alcançados para satisfação
das demandas por recursos hídricos no país durante o próximo período.
20 o
Art. 1 da Resolução CNRH 58 de 2006.
89
Na referida resolução, estabeleceu-se ainda a apresentação anual pela ANA do
Relatório denominado ―Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil‖ que é importante
documento para acompanhamento e fundamentação da gestão dos recursos hídricos
nacionais.
90
No entanto, os Planos de Bacias Hidrográficas assumem importância destacada
em relação aos demais haja vista que as bacias hidrográficas foram alçadas pela Lei
9.433/1997 a função de unidade territorial básica do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos.
21
Site do Instituto Mineiro de Gestão de Águas (http://www.igam.mg.gov.br/). Acesso em: 13 out. 2010.
91
Desse modo, ao autorizar os usos da água, as autoridades poderão estabelecer
também limites progressivos para cada parâmetro de qualidade de água e condições de
uso de acordo com o enquadramento das águas nas declarações de reserva de
disponibilidade hídrica ou nas outorgas de direito de uso de recursos hídricos.
A Lei 9.433/1997 não definiu a classificação das águas. O legislador optou por
deixar para regulamentação ambiental posterior essa classificação. Desse modo,
atualmente é a Resolução 357/2005 do CONAMA que estabelece procedimentos para o
enquadramento das águas superficiais em 13 classes distintas enquanto a Resolução
396/2008 estabeleceu em 5 classes as águas subterrâneas.
92
91/2008 do mesmo conselho que dispôs sobre procedimentos gerais para
enquadramento dos corpos tanto das águas superficiais quanto das subterrâneas.
93
Desse modo, de acordo com a salinidade verificada nos corpos de água,
classificam as águas do território nacional em três espécies: doces (salinidade igual ou
inferior a 0,50 %o), salobras (salinidade igual a 0,5 %o ou inferior a 30 %o) e salinas
(salinidade igual ou superior a 30 %o).
Essa proposta será elaborada pelas Agências de Águas ou, na sua ausência, pelos
consórcios ou associações intermunicipais de bacias hidrográficas. Posteriormente as
94
propostas de enquadramento serão encaminhadas aos seus respectivos Comitês de Bacia
Hidrográfica para análise e aprovação.
Há então duas alternativas para o enquadramento das águas que pode ser de
referência ou prospectivo. Na primeira hipótese, no enquadramento de referência, o
corpo de água é classificado conforme a realidade verificada com o objetivo de atender
de forma satisfatória aos usos atuais dos recursos hídricos na bacia hidrográfica.
22 o
Art. 3 da Resolução CNRH 91 de 2008.
95
localização dos usos e interferências que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade
da água existente em um corpo de água, destacando os usos preponderantes; a
identificação, localização e quantificação das cargas das fontes de poluição pontuais e
difusas atuais, oriundas de efluentes domiciliares, industriais, de atividades
agropecuárias e de outras fontes causadoras de degradação dos recursos hídricos
superficiais e subterrâneos; a disponibilidade, demanda e condições de qualidade das
águas superficiais e subterrâneas; a potencialidade e qualidade natural das águas
subterrâneas; o mapeamento das áreas vulneráveis e suscetíveis a riscos e efeitos de
poluição, contaminação, super-exploração, escassez de água, conflitos de uso, cheias,
erosão e subsidência, entre outros; a identificação das áreas reguladas por legislação
específica; o arcabouço legal e institucional pertinente; as políticas, planos e programas
locais e regionais existentes, especialmente os planos setoriais, de desenvolvimento
sócio-econômico, plurianuais governamentais, diretores dos municípios e ambientais e
os zoneamentos ecológico-econômico, industrial e agrícola; a caracterização
socioeconômica da bacia hidrográfica e, por fim, a capacidade de investimento em
ações de gestão de recursos hídricos.23
23 o
Art. 4 da Resolução CNRH 91de 2008.
24 o
Art. 5 da Resolução CNRH 91de 2008.
96
devem então indicar e executar o conjunto de medidas necessárias para tornar as águas
compatíveis com as metas ou objetivos do seu enquadramento.
25 o
Art. 3 da Resolução CNRH 91de 2008.
97
prazos de execução, os planos de investimentos e os instrumentos de compromisso que
compreendam, entre outros: recomendações para os órgãos gestores de recursos hídricos
e de meio ambiente que possam subsidiar a implementação, integração ou adequação de
seus respectivos instrumentos de gestão, de acordo com as metas estabelecidas,
especialmente a outorga de direito de uso de recursos hídricos e o licenciamento
ambiental; recomendações de ações educativas, preventivas e corretivas, de mobilização
social e de gestão, identificando-se os custos e as principais fontes de financiamento;
recomendações aos agentes públicos e privados envolvidos, para viabilizar o alcance
das metas e os mecanismos de formalização, indicando as atribuições e compromissos a
serem assumidos; propostas a serem apresentadas aos poderes públicos federal, estadual
e municipal para adequação dos respectivos planos, programas e projetos de
desenvolvimento e dos planos de uso e ocupação do solo às metas estabelecidas na
proposta de enquadramento além de subsídios técnicos e recomendações para a atuação
dos comitês de bacia hidrográfica.26
26 o
Art. 7 da Resolução CNRH 91de 2008.
27 o
Art. 13 da Resolução CNRH 91de 2008.
98
devidamente habilitado, acompanhada da respectiva Anotação de Responsabilidade
Técnica.28
Caso haja outros contaminantes não listados, mas passíveis de causar danos aos
seres vivos, é necessária a investigação por meio de ensaios ecotoxicológicos,
toxicológicos ou outros métodos cientificamente reconhecidos que serão custeados
pelos empreendedores identificados como causadores da contaminação. No entanto, em
regra, os custos dos estudos serão arcados pelo próprio Poder Público. O Poder Público
poderá também estabelecer restrições e medidas adicionais, de caráter excepcional e
temporário, quando a vazão do corpo de água estiver abaixo da vazão de referência.
28
Art. 46 da Resolução CONAMA 357 de 2005.
99
Os órgãos ambientais competentes podem, entretanto, ir além dos parâmetros já
regulamentados e, a qualquer momento, acrescentar outras condições, ou torná-los mais
restritivos, tendo em vista as condições locais, mediante fundamentação técnica.
Igualmente devem exigir a melhor tecnologia disponível para o tratamento dos
efluentes, compatível com as condições do respectivo curso de água superficial,
mediante fundamentação técnica. Foi também vedado, nos efluentes, o lançamento dos
Poluentes Orgânicos Persistentes – POPs mencionados na Convenção de Estocolmo,
ratificada pelo Decreto Legislativo n 204, de 7 de maio de 2004.29
Por fim, vale destacar ainda em relação às águas subterrâneas a criação das
denominadas Áreas de Proteção de Aquíferos e Perímetros de Proteção de Poços de
Abastecimento que visam proteger a qualidade da água subterrânea através da sua
implementação pelos órgãos ambientais gestores dos recursos hídricos.30
29
Artigos 24 e 27 da Resolução CONAMA 357 de 2005.
30
Artigos 20 e 33 da Resolução CONAMA 396 de 2008.
100
2.1.2.3. Compensação financeira
101
2.1.2.4. Outorga de direitos de uso de recursos hídricos
A exigência da outorga para o uso dos recursos hídricos não deve ser confundida
com um obstáculo para a satisfação das necessidades hídricas da população. Ao
contrário, a outorga deve ser compreendida como um instrumento da Política Nacional
de Recursos Hídricos cujo objetivo é justamente garantir às gerações presentes e futuras
o acesso à água conforme disposto expressamente no art. 11 da Lei 9.433/97. Não por
acaso, a legislação prevê também, como apresentaremos a seguir, a inexigibilidade da
outorga para usos insignificantes ou para o abastecimento de pequenos núcleos
populacionais rurais.
102
concessão desses serviços. Explicação idêntica se aplica a concessão dos serviços de
geração de enérgica elétrica através das barragens.
31
Art. 30 da Resolução CNRH 16 de 2001.
103
A Agência Nacional de Águas (ANA) tem competência para outorgar o direito
de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União. Portanto, no
âmbito federal, a Lei 9.984/2000, que instituiu a ANA, estabeleceu alguns
procedimentos para as outorgas dessas águas. No entanto, tais dispositivos não se
aplicam necessariamente as águas de dominialidade dos Estados e Distrito Federal.
32
Art. 12 da Resolução CNRH 16 de 2001.
33
Art. 14 da Resolução CNRH 16 de 2001.
104
O art. 13 da Resolução CNRH 16/2001 determina, ainda, que a emissão da
outorga obedecerá, no mínimo, como prioridades: o interesse público e a data da
protocolização do requerimento, ressalvada a complexidade de análise do uso ou
interferência pleiteado e a necessidade de complementação de informações. Observa-se
que o CNRH definiu a ordem cronológica do protocolo do pedido como critério para
concessão da outorga.
A própria Lei 9.433/1997, para definir algumas infrações, utiliza-se desse termo:
―implantar empreendimentos (...) sem autorização dos órgãos ou entidades
competentes‖ e na ―perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a
devida autorização‖ (art. 49, II e V, grifos meus). O Código de Águas de 1934 refere-
se às outorgas de recursos hídricos de duas formas: como concessões (art. 150) e como
autorizações (art.170). Sobre essas controvérsias, Paulo Bessa Antunes comentou que
105
a outorga do direito de uso é um instituto jurídico administrativo cujos
contornos ainda não estão muito bem definidos, em razão de sua
novidade em nosso sistema jurídico (...) A outorga deve ser tida como
um instituto jurídico administrativo intermédio entre a autorização e a
licença administrativa. Embora não seja concedida em caráter precário
também não o é, de forma definitiva (ANTUNES, 2009, p.741).
106
existência ou não do direito de uso dos recursos hídricos. O indeferimento do pedido da
outorga deve ser motivado e fundamentado no plano de recursos hídricos e no
enquadramento em classes das águas da respectiva bacia. Não há, portanto, como nas
autorizações, uma grande margem de discricionariedade que possibilite ao Poder
Público negar ou não o pedido segundo critério de conveniência e oportunidade pública.
Não nos parece, assim, adequado imaginar o mesmo regime jurídico para o porte
de armas e o uso de recursos hídricos. Considerando o princípio do acesso à água,
expressamente previsto no art. 11 da lei 9.433/1997 como objetivo da outorga, não há
que se cogitar na liberdade da administração em negá-la na hipótese de conformidade
do pedido às condições previstas no plano de recursos hídricos. A possibilidade de
suspensão ou revogação da outorga não descaracteriza a licença, pois nas demais
espécies de licença também existe esta possibilidade desde que motivada pelo interesse
público superveniente.
107
Outra questão interessante, porém pouco abordada, é a exigência de licitação
para outorgar o que corresponderia a um procedimento indutor de concorrência
obrigatória entre particulares para contratação de uso de recursos hídricos. A maioria
dos autores não cogita haver necessidade de licitação para outorgar o direito de uso das
águas. No entanto, em posição muito minoritária, Wellington Pacheco Barros, afirma
que ―sendo a outorga do direito de uso da água instrumentalizável através de contrato
administrativo sui generis, a licitação é a regra, como já referido‖ (BARROS, 2005, p.
89).
34
Art. 3, III, IV e V da Instrução Normativa CONAMA 4 de 2000.
109
que obrigou a outorga para qualquer uso que altere o regime, a quantidade ou a
qualidade da água existente em um corpo de água. Assim, a execução de obra hidráulica
exigiria a outorga por se enquadrar no inciso V e não por estar entre as hipóteses da IN
4/2000. Contudo, segue a indefinição sobre a legalidade, por exemplo, da outorga e
cobrança pela ―travessia em curso d‘água‖ que não altere a quantidade e qualidade dos
recursos hídricos.
A Resolução 16/2001, que poderia suprir essa lacuna, não o fez, pois no seu art.
5o, parágrafo único, definiu que ―os critérios específicos de vazões ou acumulações de
volumes de água consideradas insignificantes serão estabelecidos nos planos de
recursos hídricos, devidamente aprovados pelos correspondentes Comitês de Bacia
hidrográfica ou, na inexistência destes, pela autoridade outorgante‖. Assim, o Conselho
110
Nacional de Recursos Hídricos se escusou de estabelecer quais seriam os usos
considerados insignificantes.
111
A Lei da Agência Nacional de Águas, titular da competência de outorgar o
direito de uso das águas de domínio da União, institui também novos prazos para que o
outorgado inicie e conclua o projeto que envolve o uso de águas. Desse modo, o art. 5o
do referido diploma legal define em até 2 anos o prazo máximo para se iniciar o projeto
e até 6 anos para a conclusão do mesmo.
Destaca-se ainda que essa outorga para utilização de recursos hídricos para fins
de geração de energia elétrica estará subordinada ao Plano Nacional de Recursos
Hídricos e a legislação setorial específica conforme aponta o artigo 12, § 2o da Lei
9.433/1997. O art. 6o da Resolução 16/2001 não trouxe diferenças nos prazos
estabelecidos para duração e utilização da água nas outorgas estaduais e distrital.
35 o
Art. 24, § 2 , Resolução CNRH 16 de 2001.
112
outorgado dos termos da outorga; II. ausência de uso por três anos consecutivos; III.
necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as
decorrentes de condições climáticas adversas; IV. necessidade de se prevenir ou reverter
grave degradação ambiental; V. necessidade de se atender a usos prioritários, de
interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas e VI. necessidade
de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo de água.
36 o
Art. 24, § 1 da Resolução 16 de 2001.
37
Art. 26 da Resolução CNRH 16 de 2001.
114
2.1.2.4.7. Reserva hídrica, outorga preventiva e declaração de reserva de
disponibilidade hídrica para uso de potencial de energia hidráulica.
Para fins de estudo das condições para o uso de certa quantidade de recursos
hídricos, o pretenso usuário pode requerer à Administração a outorga preventiva. O art.
6o da Lei 9.984/2000, assim, determinou que a ANA poderá emitir outorgas preventivas
de uso de recursos hídricos, com a finalidade de declarar a disponibilidade de água para
os usos requeridos, com o prazo máximo de até 3 anos de acordo com a complexidade
do planejamento do empreendimento.
38 o
Art. 8 da Resolução 16 de 2001.
39 o o
Art. 7 , § 2 , da Lei 9.984/2000 e art. 11 da Resolução 16/2001.
116
localização geográfica do(s) ponto(s) característico(s) objeto do pleito de outorga,
incluindo nome do corpo de água e da bacia hidrográfica principal e c) especificação da
finalidade do uso da água.40
40
Art. 16 CNRH da Resolução 16/2001.
41
Art. 19 da Resolução CNRH 16 de 2001.
117
outorga poderá cessar seus efeitos legais, observada a legislação pertinente; e VI.
situações ou circunstâncias em que poderá ocorrer a suspensão da outorga.42
42
Art. 20 da Resolução CNRH 16 de 2001.
43
Art. 29 da Resolução CNRH 16 de 2001.
118
2.1.2.4.9. Outorga e licenciamento ambiental
Os recursos hídricos são parte integrante do meio ambiente e como tal estão
também protegidos pela legislação correspondente. No entanto, as peculiaridades dos
recursos hídricos e do seu regime de proteção estabelecido após a Constituição de 1988
levaram a construção setorial da Política Nacional de Recursos Hídricos encarregada de
estabelecer os objetivos e instrumentos capazes de garantir a sustentabilidade da gestão
das águas.
119
que também façam uso de recursos hídricos. Não estão, portanto, sujeitos a esta
regulamentação os usos de recursos hídricos que independam de outorga.44
44 o
Art. 7 da Resolução CNRH 65/2006.
45 o
Art. 4 da Resolução CNRH 65/2006.
46
Licença Prévia (LP) e Licença de Operação (LO) são institutos do licenciamento federal que
usualmente são adotados também pelos Estados e Distrito Federal mas nada impede a utilização de
terminologia distinta.
120
analises dos pedidos de licença ambiental ou outorga podem implicar em alterações ou
modificações na concepção do empreendimento.
Por fim, vale comentar a relação entre a outorga e a exigência do Estudo Prévio
de Impacto Ambiental. Embora a Resolução CNRH 65/2006 não faça menção a este
instituto, a articulação deste com o procedimento de outorga é recomendável. Inclusive,
o Conselho Nacional de Meio Ambiente já havia previsto, no art. 2, VII, da Resolução
CONAMA 1/86, a exigência do EPIA nas obras hidráulicas para exploração de recursos
hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos acima de 10 MW, de saneamento
ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de
cursos d‘água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques.
Comentando essa regulamentação Leme Machado sublinhou ainda que
Essas informações obtidas sobre todos os usos são obrigatórias e devem ser
constantemente atualizadas a cada emissão de nova outorga ou mesmo da paralisação
temporária de uso por período superior a seis meses. Esse cadastro integrará o Sistema
Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos.
47
Artigos 10 e 21 da Resolução CNRH 16 de 2001.
122
2.1.2.4.11. Infrações a outorga e penalidades
Ressalta-se ainda que cabe ação civil pública e ação popular para o cumprimento
de obrigações contra os usuários que, com a utilização indevida das água, ponham em
risco a sustentabilidade ambiental dos recursos hídricos de determinada região.
123
mineração foi uma das primeiras atividades econômicas relacionadas à água reguladas.
Em 1945, foi publicado o Código de Águas Mineral (Decreto-lei 7.841 de 1945) e,
posteriormente, o DL 227 de 1967. Já na década de 1990, foi aprovada a Lei 9.827 de
1999.
48 o
Art. 8 da Resolução CNRH 29 de 2002.
124
A mineração pelo uso intensivo de água altera a quantidade, a qualidade e o
regime dos corpos de água existentes. Por isso, o art. 2 o da Resolução 29/2002 exigiu a
outorga quando houver: a) captação de água subterrânea com a finalidade de
rebaixamento de nível de água; b) desvio, retificação e canalização de cursos de água
necessários às atividades de pesquisa e lavra; c) barramento para decantação e
contenção de finos em corpos de água; d) barramento para regularização de nível ou
vazão; e) sistemas de disposição de estéril e de rejeitos; f) aproveitamento de bens
minerais em corpos de água; e g) captação de água e lançamento de efluentes relativos
ao transporte de produtos minerários.
49 o
Art. 3 da Resolução CNRH 29 de 2002.
125
Quando o uso pretendido for para o aproveitamento minerário em leito de rios,
lagos, lagoas, reservatórios, integrantes de vias navegáveis, o requerente deverá também
apresentar à autoridade outorgante competente a consulta feita ao Departamento
Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT ou às autoridades estaduais de
transportes sobre a interferência nas vias navegáveis.
50 o o
Arts. 2 a 5 da Resolução CNRH 29 de 2002.
126
o outorgado responsável pelo empreendimento se comprometa em repor a água, em
condições de quantidade e qualidade adequadas aos usos
Desse modo, a outorga deverá ser solicitada à entidade de direito público que
tenha a titularidade do corpo hídrico e, assim, efetivar-se-á por ato da autoridade
competente federal, estadual ou distrital.
Esse dispositivo, porém, ficou inócuo com a Lei da Agência Nacional de Águas
que atribuiu à própria autarquia a competência para ―outorgar, por intermédio de
autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da
União (Art. 4, IV)‖. Se a única entidade competente para outorgar direito de uso sobre
as águas de domínio da União é a ANA, a delegação prevista na Política Nacional não é
possível.51
51 o
―Há, portanto, uma revogação implícita do artigo 14, § 1 da Lei 9.433/1997, pois o único órgão federal
que poderia fazer a delegação do poder de outorga está impedido, sabiamente, de fazê-lo‖ (MACHADO,
2010, p. 496).
127
2.1.2.4.14. Atual estágio da implantação do instrumento das outorgas no Brasil
52
Dados apontados pelo Relatório de Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: informe 2010 / Agência
Nacional de Águas (ANA). Brasília: ANA, 2010.
128
como na vazão outorgada aos usuários. Conforme demonstra o Relatório de Conjuntura
dos Recursos Hídricos no Brasil, somente entre 2007 e 2009 houve um acréscimo de
26.528 novas outorgas que correspondem a 19,5% de aumento no número de
autorizações ou a 1.558 m /s em termos de vazão de água outorgada.
3
As razões desse recrudescimento estão na adoção, cada vez maior, também nos
Estados desse instrumento e no aumento da demanda dos potenciais usuários de
recursos hídricos. Igualmente influenciou nesse resultado, a inclusão de dados no
Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos até então indisponíveis como,
por exemplo, os referentes às outorgas emitidas pelo Rio de Janeiro. Alguns usos
destacam-se entre as outorgas emitidas pela Agência Nacional de Águas:
Fonte: SOF/GEOUT/ANA
129
pelos usuários foi o industrial com 7,4% (330 outorgas) seguido pela aquicultura e a
mineração, ambas com 6,3% dos pedidos de outorgas deferidos.
131
financiamento dos programas e intervenções contemplados nos Planos de Recursos
Hídricos.53
53
Art. 19 da Resolução CNRH 48 de 2005.
132
Cid Tomanik Pompeu destaca assim a natureza extra-fiscal da cobrança pelo uso
dos recursos hídricos. Não obstante esse entendimento majoritário, a questão é mais
complexa do que aparenta, pois, para além do debate acadêmico conceitual, a definição
da cobrança remete a consequências práticas imediatas. Afastar o instrumento da
cobrança pelos usos dos recursos hídricos das espécies tributárias implica em reduzir a
aplicação do seu regime público tributário:
Essa interpretação, entretanto, não parece ser a mais adequada para a instituição
da cobrança pelo uso da água. Não há um contrato entre Estado e os usuários para
exploração dos recursos hídricos como, por exemplo, verifica-se na delegação, através
do contrato de concessão, dos serviços públicos de distribuição de água ou transporte.
Se assim considerarmos, indiscutível seria a exigência de licitação para outorga de uso
de recursos hídrico.
Por conseguinte, o valor arrecadado pela cobrança pela outorga de direito de uso
é devida não pela venda da água, mas sim pela necessidade de fiscalização e reparação
que a sua utilização gera. Portanto, a cobrança é decorrência do princípio do usuário-
pagador. A outorga assemelha-se então ao instituto da licença. Assim como verifica o
133
pedido do cidadão para construir um prédio, conduzir automóvel ou outras atividades
com impacto na sociedade, a Administração verifica também a adequação do pedido de
uso de recursos hídricos à legislação e aos planos de recursos hídricos.
135
2.1.2.5.2. Legislação referente à cobrança pelo uso
136
oriundas da cobrança pelo uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da
União.
O valor a ser cobrado pelo uso das águas do domínio da União será calculado
com base nos estudos realizados pela Agência Nacional de Águas. Contudo, a
aprovação definitiva desses valores, que serão cobrados dos usuários, é competência do
Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Igualmente, no âmbito dos Estados, as
agências e os comitês elaborarão estudos que instruirão a fixação dos valores cobrados
pelas águas de domínio estadual e distrital a serem aprovadas nos respectivos Conselhos
Regionais de Recursos Hídricos.
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos obrigatoriamente deve obedecer então
a algumas diretrizes fixadas na própria Lei 9.433/1997 e na regulamentação
administrativa subsequente. O art. 21 desta lei estabelece três critérios para instituição
da cobrança: o volume retirado ou lançado; as características físico-químicas e
biológicas das águas e, por fim, os volumes eventualmente lançados, assim como da
toxidade dos afluentes.
137
Esses critérios deverão ser observados não apenas pela União, mas também
pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Comitês de Bacia Hidrográfica na
elaboração dos respectivos atos normativos que disciplinem a cobrança pelo uso de
recursos hídricos. Não se trata da invasão da competência regional pelo Conselho
Nacional, pois cabe ao CNRH estabelecer normas gerais em matéria de águas também
para os demais entes federativos. Nesse sentido, o art. 7o da Resolução 48/2005 do
CNRH definiu os mecanismos que devem ser observados na fixação dos valores da
cobrança quanto aos seguintes aspectos:
138
localização do usuário na bacia; l) práticas de racionalização,
conservação, recuperação e manejo do solo e da água; m) grau de
comprometimento que as características físicas e os constituintes
químicos e biológicos dos efluentes podem causar ao corpo receptor;
n) vazões consideradas indisponíveis em função da diluição dos
constituintes químicos e biológicos e da equalização das
características físicas dos efluentes; o) redução da emissão de
efluentes em função de investimentos em despoluição; p) atendimento
das metas de despoluição programadas nos Planos de Recursos
Hídricos pelos Comitês de Bacia; q) redução efetiva da contaminação
hídrica; e r) sustentabilidade econômica da cobrança por parte dos
segmentos usuários.
139
os aspectos elencados na legislação. Esses critérios técnicos e operacionais, acordados
nos Comitês de Bacia Hidrográfica, órgãos entidades gestoras, serão então subsídios
necessários para definição da proposta do valor e do limite a serem cobrados pelo uso
de recursos hídricos.54
As outorgas que não observarem tais aspectos serão nulas e, portanto, passíveis
de extinção pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário. Contudo, constata-se
que diversos dos aspectos elencados, como a disponibilidade hídrica das bacias,
dependem de estudos e definições prévias. Consequentemente sem os planos de
recursos hídricos que mapeiam a qualidade, a quantidade, os usos e outros fatores
relevantes à gestão das águas de determinada região hidrográfica, é impossível a
avaliação da possibilidade ou não da concessão da outorga e da cobrança pelo uso dos
recursos hídricos:
Paulo Leme Machado destaca que, além da elaboração desses estudos prévios
com diagnósticos das bacias, é fundamental também o estabelecimento de um plano de
aplicação dos recursos obtidos com a cobrança que pode integrar o próprio plano diretor
da bacia ou constar em outro instrumento.
54 o o
Artigos 8 e 6 , parágrafo único, da Resolução CNRH 48 de 2005.
140
Conta Única do Tesouro. É imprescindível que esses recursos sejam identificados por
bacias haja vista que devem ser aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que
foram gerados e serão utilizados conforme determina a lei.
Apesar da vinculação das agências, dos comitês e dos conselhos aos parâmetros
de cobrança previstos na Lei 9.433/1997 e na Resolução 48/2005 CNRH, estes podem
propor e aprovar algumas diferenciações dos valores conforme as características dos
usuários, da atividade de exploração da água e das próprias bacias hidrográficas.
Igualmente, os comitês de bacia hidrográfica poderão instituir mecanismos de incentivo
e redução do valor a ser cobrado em razão de investimentos voluntários que resultem
em sustentabilidade ambiental da bacia.55
A liberdade para fixação de valores cobrados pelo uso dos recursos hídricos
conforme já destacado, não é ilimitada. É vedado também aos conselhos de recursos
hídricos aprovarem valores que firam a isonomia entre os usuários. Como já analisado,
a maioria dos estudiosos considera que a cobrança pela água não configura nenhuma
das espécies de tributo.
55 o o o
Artigo 7 , § 1 e § 2 da Resolução 48 de 2005.
141
fundamentado encaminhado ao respectivo comitê de bacia hidrográfica ou agência de
água competente.
56 o o
Art. 3 , § 2 , da Resolução CNRH 48 de 2005.
142
2.1.2.6. Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos (SIRH)
Para garantir sua eficácia, a lei determinou ainda que os dados produzidos pelos
órgãos e entidades, que compõem o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, fossem
encaminhados para o Sistema de Informação. O SIRH deve ainda garantir o acesso de
informações a toda a sociedade através da descentralização da obtenção e produção de
informações e da coordenação unificada do sistema
57
Art. 27 da Lei 9.433 de 1997.
143
Art. 44 Compete às Agências de Água, no âmbito de sua área de
atuação:
58 o
Art. 1 da Resolução CNRH 13 de 2000.
144
recomendável a celebração de acordos e parcerias entre os demais entes federativos e a
ANA para facilitar o alcance e a disponibilização das informações sobre as águas
necessárias para a efetiva participação da sociedade.
59
Art. 1, §3o da Resolução CNRH de 2010. À resolução em questão, não foi ainda atribuído o respectivo
número, pois a mesma aguarda publicação.
145
e pluralidade étnico-cultural; o respeito e valorização das múltiplas formas de relação da
sociedade com a água; respeito às diferenças e especificidades das Regiões
Hidrográficas; a ampliação do diálogo sobre a gestão das águas na sociedade brasileira;
a contribuição para a integração entre os entes do SINGREH e a colaboração com os
processos de revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos.
Embora não esteja elencada por lei como um dos instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos, o poder sancionador da Administração Pública também
insere-se entre os instrumentos que procuram garantir a preservação, em quantidade e
qualidade, das águas para a atual e futuras gerações.
146
I. derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a
respectiva outorga de direito de uso;
III. (VETADO)
147
cometida resultar em prejuízo a serviço público de abastecimento de água, riscos à
saúde ou à vida, perecimento de bens ou animais ou prejuízos de qualquer natureza a
terceiros.
Caso seja inviável o uso adequado das águas, o usuário deve ser penalizado com
a revogação da outorga através o embargo definitivo da mesma ―para repor incontinenti,
no seu antigo Estado, os recursos hídricos, leitos e margens, nos termos dos arts. 58 e 59
do Código de Águas ou tamponar os poços de extração de água subterrânea‖.60
60
Art. 50, IV, da Lei 9.433 de 1997.
148
CAPÍTULO III
Integram, por fim, o sistema as denominadas agências de águas que são entidades de
assessoramento e execução das atividades do Sistema. A Agência Nacional de Águas
(ANA) destaca-se, assim, como a principal agência de gestão dos recursos hídricos.
Existem ainda as organizações civis de águas que fazem às vezes a função das
agências de águas e, portanto, integrando também o sistema. Ressalva-se, por fim, que,
embora não mencionados pelos especialistas, os fundos estaduais de recursos hídricos
constituem parte importante do sistema.
O comitê de bacia pode abranger áreas distintas de uma única bacia hidrográfica,
ou seja, com competência territorial sobre sub-bacias ou mesmo grupo de bacias. Por
conseguinte, conforme previsto no artigo 37 do mesmo diploma legal, são possíveis
cinco espécies de comitês conforme a sua área de atuação: comitê de uma única bacia;
comitê de uma única sub-bacia; comitê de um grupo de bacias; comitê de grupo de sub-
bacias contíguas ou, ainda, comitê de curso principal de bacia ou tributário do principal
(MACHADO, 2002, p. 525).
61
―Os comitês de bacias hidrográficas são peças essenciais da tentativa valida e meritória de alargar a
participação da sociedade civil na gestão das águas. Colocar sua secretaria-executiva dentro do mais
poderoso órgão gestor das águas – a ANA – é domesticá-lo e cortar suas asas.‖ (MACHADO, 2010, p.
534).
151
II. arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos
relacionados aos recursos hídricos;
VII. (VETADO)
VIII. (VETADO)
62
Artigo 8o da Resolução CNRH 5/2000.
153
Ministério das Relações Exteriores na sua representação. Igualmente nos comitês que
abranjam território indígena, haverá necessariamente representação da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), como parte da representação da União e das comunidades
indígenas ali residentes ou com interesses na bacia.63
63 o o
Artigo 39, §§ 2 e 3 , da Lei 9.433 de 1997.
154
Para a instituição de um comitê de bacia hidrográfica federal, alguns requisitos
são necessários, conforme disposto no art. 9o da Resolução CNRH 5/2000: número
mínimo e qualificado de signatários, justificativa do pedido, caracterização da bacia
hidrográfica entre outros. A proposta então será submetida à aprovação do Conselho de
Recursos Hídricos que por decreto instituirá o comitê. Não poderá ser criado mais de
um comitê para a mesma área de atuação, pois, ao contrário das agências de águas, não
pode haver justaposição de competência entre os comitês de bacia hidrográfica.
64
Dados obtidos em http://www.cbh.gov.br/. Acesso em: 14 out. 2010.
155
mesmos. Para isso, exercerão as competências complementares e os instrumentos de
gestão previstos na lei.
65
Art. 35, incisos VI, VII e X, da Lei 9433/1997.
156
Outra função do Conselho Nacional de Recursos Hídricos é julgar
administrativamente conflitos envolvendo os usos da água no Brasil. Nesse sentido,
dispõe o art. 35, II, da Lei 9.433/1997, ser competência do CNRH arbitrar em última
instância administrativa os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos
Hídricos.
157
3.2.1.1. Câmaras Técnicas Permanentes do CNRH
160
mitigadoras e compensatórias além das competências constantes do Regimento Interno
do CNRH ou outras que vierem a ser delegadas pelo seu Plenário.
161
CÂMARA TÉCNICA PERMANENTE DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA – CTCT (RESOLUÇÃO
o
N 11/1999)
162
CÂMARA TÉCNICA DE EDUCAÇÃO, CAPACITAÇÃO, MOBILIZAÇÃO SOCIAL E
o
INFORMAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – CTEM (RESOLUÇÃO N 39/1999)
163
3.2.2. Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos
Entre essas competências está, conforme disposto no art. 38, V, da referida lei,
deliberar sobre as propostas, apresentadas pelos comitês de bacias, de ―acumulações,
derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da
obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os
domínios destes‖.
66
Art. 38, parágrafo único, e art. 35, IV, da Lei 9.433 de 1997.
164
mais comitês de bacias hidrográficas, e deliberação sobre as propostas de
enquadramento aprovadas pelos respectivos comitês de bacia hidrográfica.67
67
Art. 42 e 44, XI, da Lei 9.433/1997 e art. 8 da Resolução CNRH 91/2008.
165
I. manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos
em sua área de atuação;
68
Art. 43 da Lei 9.433 de 1997.
167
Para isso, inclusive editou a Lei 10.881/2004 que dispõe sobre ―os contratos de
gestão entre a Agência Nacional de Águas e entidades delegatárias das funções de
Agências de Águas relativas à gestão de recursos hídricos de domínio da União‖.
Não obstante tais delegações por contrato de gestão, a não criação de agências
de águas públicas podem acarretar em dificuldades ainda pouco percebidas entre os
especialistas como, por exemplo, o exercício de poderes públicos por pessoas privadas.
Os instrumentos da outorga de direito de uso dos recursos hídricos e do pagamento pelo
mesmo são institutos vinculados ao exercício do poder de polícia.
168
3.3.1. Agência Nacional de Águas (ANA)
A Agência Nacional de Águas foi instituída pela Lei 9.984/2000 com o objetivo
de não apenas implementar a política nacional de recursos hídricos mas também de
coordenar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos como ―braço
executivo‖ (MACHADO, 2010, p. 514) do CNRH.
III. (VETADO)
69
Art. 8o lei 9.984 de 2000.
171
distribuição e aplicação das receitas obtidas por esse instrumento. Na aplicação das
receitas arrecadadas na bacia, no máximo 7,5% pode ser direcionado para as despesas
com pessoal. Esses valores recebidos pelo uso da água deverão, ainda, ficar registrados
pela agência, pois obrigatoriamente serão aplicados nas bacias nas quais foram
arrecadados.70
Observa-se, por fim, que a Lei 10.8881/2004 dispõe apenas sobre os contratos de
gestão de recursos hídricos de domínio da União. Portanto, contratos de gestão entre
agências regionais de águas e entidades delegatárias poderão estabelecer regras distintas
desde que em conformidade com a legislação e os planos regionais.
70
Artigo 21, § 1o, da Lei 9.984 de 2000.
172
Art. 47. São consideradas, para os efeitos desta Lei, organizações civis
de recursos hídricos:
173
A Lei 10.881/2004 possibilita que as organizações civis celebrem contrato de
gestão tornando-se na realidade ―agências de águas‖. Embora permita a
descentralização administrativa da gestão dos recursos hídricos, há também como efeito
o desvio de funções das entidades instituídas para fiscalizar a gestão das águas para
funções como arrecadação e aplicação dos recursos oriundos das outorgas e cobranças
pelo direito de uso da água. Além da questionável legalidade da delegação do exercício
do poder de polícia para entidades privadas, pode haver o enfraquecimento do objetivo
fiscalizador da participação da comunidade.
II. as despesas previstas nas alíneas "b" e "c" , do inciso I deste artigo
estarão limitadas a 10% (dez por cento) do total arrecadado;
Esses recursos são utilizados para financiar estudos, projetos e obras incluídos
nos Planos de Bacia Hidrográfica, inclusive para proteção de mananciais ou aquíferos,
175
além de custear despesas de monitoramento da qualidade da água e de capacitação de
pessoal em gerenciamento de recursos hídricos.
176
CAPÍTULO IV
71
Podemos verificar esses dados econômicos apresentados pelos Relatórios de 1973-85 e o de 1986 da
Organização Europeia de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
177
investimentos em valores mobiliários de oitenta companhias de água na incrível soma
de 50 a 100 bilhões de dólares (BOUGUERRA, 2004).
Com essas iniciativas, concentrou-se ainda mais em poucas multinacionais a
partilha das reservas de água no mundo como a anglo-alemã RWE, a americana Bechtel
além das francesas Suex-Lyonnaise des Eaux, Vivendi-Génerale des Eaux e Saur-
Bouygues. Incluem-se ainda neste seleto grupo algumas companhias do ramo da água
engarrafada e do setor alimentício como a gigante suíça Nestlé e a francesa Danone.
Essa concentração deu origem a um grande oligopólio monopolista, sendo possível
afirmar que:
Não obstante a pressão do capital financeiro, a retomada dos serviços pelo poder
público tem sido uma exigência das populações de muitas cidades que sofrem com as
consequências da privatização. A Suez-Lyonnaise des Eaux, que, por meio de uma
72
Referências encontradas em Ricardo Petrella (2004, p. 109 e 110).
179
filial, explorava a distribuição da água nas comunas de Durance, Lubéron (Vaucluse) e
Cernay-la-Ville (Yvelines) na França, teve a sua concessão interrompida.
Em 1997, com o fim do contrato com essa multinacional, houve redução de 25%
a 30% na tarifa da água e de 25% a 50% no preço do saneamento. Igualmente, a
Vivendi-Génèrale des Eaux não teve os seus contratos renovados em diversos
municípios de Val-de-Marne. Em Athis-Mons, o contrato não foi renovado devido a um
estudo comparativo que comprovava que a fatura de água ficava 14% mais alta quando
a operadora era privada.73
73
Estas referências quanto a elevação dos valores das tarifas cobradas assim como os demais dados sobre
os problemas verificados em cidades que privatizaram os serviços de água foram extraídas da obra ―As
batalhas da água‖ (BOUGUERRA, 2004, p. 132 a 149).
180
contaminação da água que obrigou, em 1998, a população por vários dias a ferver a sua
própria água.
A Bechtel, ao pretender cobrar até pelas águas da chuva, foi expulsa da Bolívia.
Contudo, levou os seus lucros já realizados e deixou para a população somente dívidas,
procedimento comum nas relações entre as grandes multinacionais da água e as
populações locais. Ao menor sinal de riscos para os seus lucrativos negócios, há o
abandono das cidades pelas empresas.
181
4.2. Conflitos socioambientais e privatização da distribuição de água no
Brasil
CESAN 109,4
CAGEPA 80,7
Fonte: Revista Exame “Melhores e maiores: as 500 maiores empresas do Brasil. Editora Abril,
julho/2005.
183
Como demonstram os dados da tabela, há no setor de saneamento excelente
potencial para investimento de capitais excedentes. Os defensores da privatização do
saneamento básico denunciam que o Planasa está em crise devido a má gestão das
companhias estatais, pela burocracia pública e pela falta de recursos.
No entanto, tais causas não são fundamentos para se sugerir uma crise no
modelo. Ao contrário, o que se verificou no final da década de 1980 foi uma mudança
na política econômica que restringiu os investimentos estatais nos setores de serviço
público para abrir caminho para exploração privada desses serviços.
184
Na cidade de Betim, em Minas Gerais, a insatisfação da população, com os
inúmeros problemas da gestão privada, também se resolveu com a retomada dos
serviços de água e esgoto que estavam sendo prestados por uma operadora que atuava
sem licitação.74
74
CANÇADO, Vanessa Lucena; MAGELA, Geraldo. A política de saneamento básico: limites e
possibilidades de universalização. In: X Seminário sobre a Economia Mineira.
75
Jornal da ASEAC. Disponível em: <http://www.aseac.com.br/jorn16_6.htm>. Acesso em: 26 mar.
2011.
185
O Instituto Eqüit e a Fundação Henrich Böll com apoio do trabalho do Comitê
das Mulheres da Aliança Social Continental publicaram importante trabalho que avaliou
os conflitos socioambientais decorrentes da privatização.
76
Ver Castro (2008).
77
―As corporações Vivendi e Suez são as maiores do mundo, estando a primeira entre as 51 maiores
o
empresas, e a Suez no 99 lugar do mesmo ranking das 500 maiores fortunas do mundo. Juntas,
controlam e captam 40% das cotas existentes do mercado de água. Outras grandes corporações da Água
186
Assim como o ocorrido em Limeira (SP), a Suez-Lyonnaise des Eaux, junto com
a Odebrecht, outra administradora da Águas do Amazonas, majorou sucessivamente a
tarifa de água. Desse modo, em três anos, houve três aumentos de tarifa, sendo que o
último, no ano de 2003, significou reajuste de 31,5% no preço das contas de água e
esgoto dos cidadãos.
Esses aumentos abusivos colocaram em risco, ainda maior, o já precário acesso à
água potável à população pobre e originaram graves conflitos socioambientais entre a
empresa Águas do Amazonas e o cidadão, conforme evidenciado nas entrevistas
realizadas:
Então o pessoal não paga água aqui. A maioria não paga. É uma
decisão nossa. É uma decisão e também porque não tem água e não
tem como uma pessoa pagar R$ 140,00 de água sem ter tido água na
sua casa. Aí ela vai deixando, acumulando, e com isso vai crescendo,
vai virando uma bola de neve... com isso, as contas vão crescendo, e
todo tempo não baixa a água, é subindo mais, num mês vem 140,00,
no outro mês já vem 150,00, no outro mês já vem 180,00 reais. É
assim, tem conta que vem até 220,00, 230,00 reais por mês, sem ter
água. A nossa dificuldade é muito grande aqui de água e ainda tem
esse desaforo de cobrança (Dona Val – Valdeíza de Souza Ramos,
entrevistada no estudo de caso do Instituto Eqüit).
são a Bouygues/Saur, a U.S. Water e a Severn. A base de clientes dessas empresas regula um mercado em
torno de 50 milhões de consumidores de seus serviços‖ (C ASTRO, 2008, p. 27).
187
Não é normal, porque vem conta absurda, nessa reunião que nós
tivemos na Água do Amazonas, eu entreguei ao presidente, as contas
de moradores. Aqui, por exemplo, tem uma de R$ 41,00, mas nós
vamos encontrar por aqui de R$ 212,00. Tem também de R$ 400,00
aqui, de 160,00, de 213,00 e de R$ 344,00. Como é que pode? Eu
disse para o presidente ―eu conheço a casa dessa senhora, quem sabe
nós não vamos passar por lá, ela tem uma torneira e um camburão de
200 litros, como é que pode pagar R$ 400 reais e tanto de água no
mês? Isso é possível, se ela ganha um salário mínimo? Nem vendendo
a casa não paga a dívida. E agora como é que vai resolver? Então o
pessoal tá muito insatisfeito. (...) As pessoas não podem pagar, são
pessoas pobres, desempregadas... está aí o problema. Não sei se vai
anistiar, mas conta injusta é impossível. Uma vez veio uma senhora
aqui na minha casa: ―Ta vendo a minha conta de R$ 500? ...‘‘, 89m³
de água e a caixa d‘água de 1000 litros, é impossível alguém gastar
isso no mês, só uma indústria. Então é um absurdo! (Sr. Camilo –
Pres. do Fórum de Políticas Públicas, entrevistado no estudo de caso
do Instituto Eqüit).
188
bairro que é alta. Tem uma parte que sempre teve problema, é um
conjunto feito pelo governo, mas sempre teve problema de água.
Alguns não tem problemas, são os da turma do baixo pois tem a
cidade alta e a baixa... Tinha água antes lá, tinha sistema de água com
base em poço, era da Cosama, era público. Ai esses poços foram
vendidos, porque a gente tá vendo só... essa empresa Água do
Amazonas. A Santa Claudia também é uma empresa de poder muito
forte que vende água engarrafada, a garrafinha e o garrafão... existe
ainda a Iara e a Gelocrim. São águas minerais, mas não são da mesma
qualidade, há diferença da qualidade da água (Luzarina, do Zumbi dos
Palmares Movimento de Mulheres de Manaus, entrevistada no estudo
de caso do Instituto Eqüit, p. 53).
189
de Serviços Concedidos do Amazonas (Arsam). Após a audiência, foi decidida a
instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, denominada ―CPI das Águas‖,
para apurar o descumprimento do contrato admitido pelo próprio presidente da empresa
durante a audiência pública.
Como resultado da CPI, os parlamentares constataram que as metas de
universalização para cobertura de 99% nos serviços de água e 31% de rede de esgotos
até 2006 estavam mesmo longe de ser atingidas, o que significa que 355 mil pessoas
ainda não tinham acesso à água encanada e um milhão de pessoas sofria com o
abastecimento irregular.
Como consequência dessa ineficiência no cumprimento das cláusulas
contratuais, quase um terço da população é obrigada a recorrer a outras alternativas para
suprir a falta de água. Imensas filas se formam diariamente em diversos bairros diante
de torneiras públicas para recolher com latas um pouco de água necessária à
subsistência mínima. Igualmente, poços artesanais são perfurados em profundidade
inadequada para garantir a qualidade da água extraída, o que representa um custo social
gravíssimo não compatibilizado nas estatísticas oficiais do saneamento municipal.
Apesar dessa situação alarmante, nos três primeiros anos de concessão, a Água
do Amazonas manteve inalterado o atendimento nos bairros centrais em 70% de
cobertura enquanto em relação ao tratamento do esgoto nada foi realizado, com Manaus
permanecendo com apenas 5% de coleta de esgoto e consequentemente com os sérios
problemas decorrentes do lançamento inadequado dos efluentes no rio Negro (CASTRO,
200, p. 60 e 61).
O serviço de coleta e tratamento de esgoto foi um dos mais graves problemas
verificados pela Comissão Parlamentar de Inquérito que constatou, em visita de campo,
o não funcionamento das estações de tratamento de esgoto e dos elevatórios. Em
diligências à Estação de Esgotos e de Elevatórios do bairro de Educandos, os membros
da CPI comprovaram que faltavam bombas para o elevatório o lançamento in natura
dos esgotos nos igarapés e para o rio Negro.
Não obstante a não instalação adequada do sistema de coleta e tratamento de
esgoto, a Águas do Amazonas instituiu, com autorização da agência reguladora, a taxa
de cobrança pela ―utilização da rede de esgoto‖ conforme estabelecido no contrato que
190
também é objeto de controvérsias entre as concessionárias e o usuário de serviço
público.
191
investindo se não recebem o pagamento. E é preciso existir
oportunidades iguais entre concessionários privados e públicos.78
78
LEI do Saneamento tem que ser aperfeiçoada: legislação visa preencher o vácuo deixado pelo fim do
Planasa, que geraria recursos do governo para o setor. O Dia, Rio de Janeiro, 11 de abril. 2004. Painel de
Controle, p. 32.
192
Artigo 4o , parágrafo único. A utilização de recursos hídricos na
prestação de serviços públicos de saneamento básico, inclusive para
disposição ou diluição de esgotos e outros resíduos líquidos, é sujeita
a outorga de direito de uso, nos termos da Lei 9.433 de 8 de janeiro de
2007, de seus regulamentos e das legislações estaduais.
193
Por conseguinte, não restaram dúvidas quanto à submissão das atividades de
lançamento de esgotos e distribuição de água no saneamento à legislação e
regulamentação da Política Nacional de Recursos Hídricos. O contrário não seria
coerente com seus princípios haja vista a alteração evidente da qualidade da água com a
captação para distribuição de água e também lançamento de esgoto nos corpos hídricos.
194
Como verificado no estudo de caso da privatização em Manaus, assim, a
população pobre muitas vezes se recusava a pagar as altas tarifas cobradas, o que
deixava a suspensão do serviço como principal mecanismo de pressão da Águas do
Amazonas. As concessionárias alegavam que o artigo 6o, § 3o da Lei 8.987/1995
autorizava a interrupção do fornecimento de água aos cidadãos inadimplentes:
195
Observa-se que, nessa hipótese, há maior proteção legal aos consumidores do
que aos usuários de serviços públicos, o que, por si só, já aponta questões importantes a
serem compreendidas. Numa primeira impressão, seria de se supor que as relações de
consumo privadas são menos protegidas que as relações advindas da prestação de
serviços públicos, haja vista que estes estão atrelados justamente a interesses públicos
protegidos por um regime jurídico especial.
196
Com a interrupção do fornecimento de água, haveria também, nessa perspectiva,
uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado como
fundamento da República no artigo 1o, III, e também como finalidade da ordem
econômica no artigo 170, caput, da Constituição de 1988:
79
REsp 337.965/MG, rel. Min. Eliana Calmon, 2a Turma, voto Paulo Medina, DJ 23/06/2001.
80
Idem.
197
Outro argumento utilizado no Superior Tribunal de Justiça remete a uma
interpretação literal dos citados diplomas legais. Desse modo, observa-se que o artigo
22 do Código de Defesa do Consumidor faz referência aos ―serviços públicos
essenciais‖ enquanto o artigo 6o da Lei 8.987/95 menciona apenas ―serviço‖.
O artigo 7o da Lei 8.987/95 que determina que a aplicação dos dispositivos desta
lei deve se compatibilizar com o Código de Defesa do Consumidor. Portanto, o
legislador preocupara-se em inibir que possíveis interpretações daquela lei causem
prejuízos aos direitos e deveres dos consumidores desses serviços.
81
O ministro Paulo Medina cita o administrativista Marçal Justen Filho no seu referido voto: ―O primeiro
tópico a discutir-se refere-se à admissibilidade da vinculação das tarifas a circunstâncias subjetivas
patrimoniais dos usuários. Aplicar-se-ia uma modalidade do princípio da capacidade contributiva, de
molde a que os desvalidos do destino recebessem tratamento mais favorecido. Não parece questionável a
validade (aliás, obrigatoriedade) dessa solução, em face dos princípios constitucionais fundamentais. (...)
Aliás, muito ao contrário, a pobreza exige intervenção protetora do Estado e pressupõe necessidade muito
mais intensa de receber serviços aos quais o individuo não tem acesso por outra via‖.
198
desenvolvida pela ministra relatora Eliana Calmon que concluiu pela legalidade da
suspensão.
82
REsp 337.965/MG, rel. Min. Eliana Calmon, 2a Turma, DJ 23/06/2001.
199
V. inadimplemento do usuário do serviço de abastecimento de água,
do pagamento das tarifas, após ter sido formalmente notificado.
200
quanto à aplicação dos artigos 22 e 42 da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do
Consumidor).
A previsão do artigo 4o, caput, ao afirmar que os ―recursos hídricos não integram
os serviços públicos de saneamento básico‖ não pretendeu excluir o abastecimento da
política de recursos hídricos mas, ao contrário, procurou reforçar que o pagamento pelo
usuário é pelo serviço de distribuição e não pela água, pois esta é inalienável conforme
disposto no artigo 18 da Lei 9.433/1997 .
201
O lançamento de esgotos sanitários e de efluentes igualmente se adequará ao
estabelecido nos planos de bacias hidrográficas e, portanto, deverá atender aos padrões
das classes dos corpos hídricos em que forem lançados.83
83
Art. 44, § 2o da Lei 11.445/2007.
202
Desse modo, conclui-se que a suspensão da distribuição de água lesa valores
constitucionais como a preservação da vida e a dignidade da pessoa humana além de
princípios referentes ao regime jurídico público dos serviços essenciais como o da
continuidade do serviço público e da modicidade de suas tarifas. Ressalta-se que
igualmente a suspensão contraria os princípios também da política nacional de recursos
hídricos.
203
Jorge Teixeira, por exemplo, foram construídos inúmeros poços de 60 a 40 metros nos
quintais das casas.84
O sofrimento dessas comunidades com a falta de água é então amenizado através
desse costume comunitário. Em Santa Inês, o Grupo de Mulheres organizou um mutirão
para comprar a caixa d‘água, e pagar o almoço dos trabalhadores que, após concluída a
instalação, tinham direito a ligação até a sua casa (CASTRO, 2004, p. 54).
Observa-se que o crescimento dessa prática torna-se um obstáculo aos lucros das
concessionárias privadas. As concessionárias e agentes do Estado, com fundamento na
estatização das águas privadas pela Constituição de 1988, passaram a defender a
vedação desse uso das águas dos poços para o consumo humano:
84
―As famílias não têm renda para perfurar poços sozinhas pois, para obter água com qualidade, os poços
têm de ser profundos; nos poços com 80 metros a água ainda não é suficientemente de boa qualidade. Em
certas localidades, devido ao relevo do terreno e ao lençol freático, são necessários em torno de 110m a
150m de profundidade. Os poços da Águas do Amazonas têm cerca de 210m de profundidade‖ (CASTRO,
2004, p. 37 e 38).
204
1.953 km3 mas, deste total, apenas 2% foi consumido em uso doméstico enquanto 91%
desses recursos hídricos foram destinados às atividades agrícolas e industriais.85
Política de combate eficaz a escassez passa, por conseguinte, pelo controle
prioritário do uso agroindustrial. A perfuração de 8 a 10 mil poços por ano no país ainda
é majoritariamente destinada ao abastecimento de atividades industriais. Em Manaus,
97% das indústrias do distrito industrial, assim como grandes condomínios, hospitais e
shoppings, optaram por não receber água distribuída pela Águas do Amazonas e utilizar
sistema próprio de captação (CASTRO, 2008, p. 73).
No Estado de São Paulo, maior consumidor de água do Brasil, verifica-se que
90% das suas indústrias fazem uso, total ou parcial, das águas subterrâneas dos poços
(GRAF, 2001, p. 62 e 70). Esse consumo industrial, porém, muitas vezes não observa o
princípio do valor econômico da água ou do usuário-pagador.
No Rio Grande do Sul e no Paraná a legislação de recursos hídricos estadual
prevê respectivamente a isenção do pagamento pela água para o uso industrial e
agropecuário. Desse modo, a compatibilização entre a política nacional de recursos
hídricos e a política nacional de saneamento, previstas respectivamente nas leis
9.433/1997 e na 11.445/2007 fica incompleta e até mesmo contraditória, pois o
instrumento da outorga fica destituído de conteúdo.
Como já mencionado, a outorga e pagamento pelo uso de recursos hídricos são
instrumentos de controle administrativo sobre a quantidade e qualidade da utilização
dos recursos hídricos. Se o consumo que impõe mais impacto sobre as bacias
hidrográficas é isento do pagamento, não há sentido em impor o pagamento ao uso das
águas subterrâneas captadas em poços para suprir a necessidade básica de consumo
humano. Inclusive, é esse o sentido da Política Nacional de Recursos Hídricos que
prevê no artigo 12, § 1o, da Lei 9.433/1997 a inexigibilidade de outorga, e do
pagamento, para as hipóteses nas quais o consumo destina-se a manutenção das
atividades de subsistência:
85
Fonte: Water in Crisis, 1993. *estimativa
205
I. o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de
pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural;
II. as derivações, captações e lançamentos considerados
insignificantes;
III. as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes.
206
CAPÍTULO V
Esses impactos foram reconhecidos pela Organização das Nações Unidas que,
em 1998, constituiu a Comissão Mundial de Barragens (CMB) para estudar a
implantação de barragens e os conflitos desta decorrentes. Posteriormente, essa
iniciativa desdobrou-se na criação do Fórum Barragens e Desenvolvimento, com sede
em Nairóbi, no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. O
relatório final da comissão (World Commission on Dams, 2000), concluiu que, apesar
do desenvolvimento gerado, as barragens produzem significativos impactos negativos
207
sociais e ambientais. Igualmente, o relatório observou que a mitigação e reparação
desses impactos na maioria dos casos investigados demonstraram-se insuficientes.86
86
Relatório disponível em www.dams.org. Acesso em: 12 nov. 2010.
208
O uso das águas pelas barragens corresponde a uma das atividades humanas
mais graves e impactantes para o meio ambiente, pois cursos de rios são alterados,
milhares de hectares são inundados, cidades inteiras desaparecem; espécies são
exterminadas do seu habitat natural e milhares de pessoas são deslocadas, perdendo suas
moradias e laços sociais e culturais. A agressão ao ambiente é tamanha que seus efeitos
são difíceis de mensurar, prever e consequentemente de reparar.
209
dos conflitos socioambientais entre as empresas do setor elétrico e os atingidos pelos
impactos das barragens. Não obstante a atuação da ANA, ANEEL e órgãos dos
Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, proliferam no Brasil litígios
relacionados às hidrelétricas com os verificado em Acauã (Paraíba), Belo Monte (Pará),
Dardanelos (Mato Grosso), Emboque (Santa Catarina e Rio Grande do Sul), Murta
(Minas Gerais), Tucuruí (Pará) entre muitos outros que serão citados neste capítulo.
210
5.2. Legislação referente à construção de barragens
211
e aquedutos, na ampliação que realizou no rol dos usos de recursos hídricos sujeitos à
outorga.87
Nesse sentido, a ANA editou a Resolução 131/2003 que dispõe sobre a emissão
da declaração de reserva de disponibilidade hídrica e de outorga de direito de uso de
recursos hídricos, para uso de potencial de energia hidráulica superior a 1 MW em
corpo de água de domínio da União.
Por fim, embora não verse sobre as matérias relativas à água ou às hidrelétricas
faz-se mister mencionar o Decreto-lei 3.365/41 que fundamenta as desapropriações
pelas sociedades do setor elétrico haja vista que este instituto tornou-se um dos
principais instrumentos utilizados na implantação das obras de barragens e, nessa
condição, é objeto também de controvérsias.
87
Leme Machado questiona a legalidade da ampliação das hipóteses de outorga de uso dos recursos
hídricos por meio de instrução normativa, no entanto, essa controvérsia não cabe no caso em tela, pois o
aproveitamento dos potenciais hidrelétricos já fora expressamente incluído pela Lei 9.433 de 1997 (LEME
MACHADO, 2002, p. 61).
212
5.3. Barragens hidrelétricas e conflitos socioambientais no Brasil
Desse modo, observa-se que o uso da água para esses fins é responsável por
77,5% da energia produzida, o que implica na vinculação estreita entre a matriz
energética nacional e a gestão dos recursos hídricos. Essa relação tende inclusive a
aumentar na medida em que, segundo projeções da Empresa de Pesquisa Energética, o
planejamento prevê até 2019 uma expansão de 41,8% do total gerado hoje pelas
unidades e centrais hidrelétricas.89
88
Jornal Valor Econômico. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/impresso/primeira-
pagina/3021/362649/amazonia-deve-receber-mais-11-usinas-hidreletricas>. Acesso em: 21 abr. 2011
89
Plano Decenal de Expansão de Energia 2019, disponível no site da Empresa de Pesquisa Energética
(http://www.epe.gov.br/PDEE).
213
FIGURA 4 – Evolução capacidade produção de energia hidrelétrica
214
São, assim, cada vez mais frequentes os conflitos ocasionados pelos impactos
socioambientais da implantação de barragens hidrelétricas em diversas regiões do país
que são denunciados por organizações ambientalistas da sociedade civil e instituições de
ensino conforme ilustra a tabela a seguir:
ÁREA
BARRAGEM RIO INUNDADA
mais de 1.000
Balbina Uatumã km²
215
Irapé – Presidente Juscelino Kubitschek de
Oliveira Jequitinhonha 100 a 200 km²
mais de 1.000
Itaipu Paraná km²
mais de 1.000
Serra da Mesa Tocantins km²
mais de 1.000
Sobradinho São Francisco km²
mais de 1.000
Tucuruí Tocantins km²
216
Como demonstra a tabela, proliferaram-se litígios entre os empreendedores, a
população atingida pelas obras e associações defensoras do meio ambiente, o que
acarretou também na jurisdicionalização da implantação de hidrelétricas no Brasil.
90
É notória a utilização da anedota da ―perereca‖ pelo presidente Lula, ao longo do seu mandato, na qual
esse animal é apontado como responsável por paralisar diversas obras do Programa de Aceleração do
Crescimento – PAC (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/07/29/lula-volta-reclamar-da-perereca-que-
atrasa-obras-917272889.asp). Acesso em: 13/09/2010.
217
Essas deficiências institucionais ainda prejudicam uma solução negociada e
equilibrada que viabilize a construção sustentável e mais célere de novas hidrelétricas
sem desamparar as populações tradicionais.
219
atingidos vão tomando consciência de sua situação, participando
integralmente de sua organização e decidindo com responsabilidade
sobre o seu destino coletivo (MAB, MAB: uma história de lutas,
desafios e conquistas:5 apud VAINER, 2004, p. 19).
220
Nos últimos anos, o reconhecimento do papel do MAB na resistência à
instalação de hidrelétricas aproximou do movimento diversas ONGs ambientalistas,
nacionais e estrangeiras, que ajudam na captação de recursos para o movimento e
impulsionam a participação de representantes do MAB em atividades internacionais.
Assim, nesta última década, o movimento ganhou destaque internacional com realização
e participação de eventos como o I Encontro Nacional de Populações Atingidas por
Barragens em 1997, no Fórum Consultivo da Comissão Mundial de Barragens e no
International Committee on Dams, Rivers and Peoples.
221
aproveitamento dos potenciais hidrelétricos, em processos envolvendo o planejamento,
licenciamento, implantação e operação desses empreendimentos.91
Desse modo, a comissão foi instaurada em 2006 pela Resolução 26/2006 com os
objetivos de apurar as denúncias e elaborar propostas para ―prevenção, avaliação e
mitigação dos impactos sociais e ambientais da implementação dessas barragens, e a
preservação e reparação dos direitos das populações atingidas‖. Para isso, das 74
denúncias recebidas pela Comissão Especial, foram escolhidos para análise os seguintes
casos: Tucuruí (Pará), Acauã (Paraíba), Cana Brava (Goiás), Aimorés (Minas
Gerais/Espírito Santo), Emboque (Minas Gerais), Fumaça (Minas Gerais) e Foz do
Chapecó (Santa Catarina e Rio Grande do Sul).
91
Denúncia foi apresentada através do Relatório intitulado ―Criminalização contra os defensores de
direitos humanos na implantação de hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai‖, datado de dezembro de 2005.
222
construção de barragens. Da mesma forma, recomendou que fosse garantida a
participação nas audiências públicas dos licenciamentos e na discussão dos planos e
projetos do setor elétrico.
92
Deslocamento é definido aqui englobando tanto o ―deslocamento físico‖ quanto o ―deslocamento dos
modos de vida‖. (...) No caso de comunidades dependentes da terra e de recursos naturais, isso
frequentemente resulta na perda de acesso aos meios tradicionais de vida, incluindo a agricultura, a pesca,
a pecuária, extração vegetal, para falar de alguns. Isso provoca não apenas rupturas na economia local
como efetivamente desloca as populações – em um sentido mais amplo – do acesso a recursos naturais e
ambientais essenciais ao seu modo de vida. Essa forma de deslocamento priva as pessoas de seus meios
de produção e as desloca de seus modos de vida. Assim, o termo atingido, refere-se às populações que
enfrentam um ou outro tipo de deslocamento‖ (World Commission on Dams, Dams and Development,
2000).
224
que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem
culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos ―danos
causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade‖
(art. 14, §1o, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou
atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de
que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido
e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-
jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se
entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a
ação ou omissão e o dano (MACHADO, 2010, p. 361).
93
Relatório da Comissão Especial ―Atingidos por Barragens‖, 2011, p. 41.
226
coletivo, afetando a renda, a subsistência e o modo de vida de
populações; e
VII. prejuízos comprovados às atividades produtivas locais a jusante e
a montante do reservatório, afetando a renda, a subsistência e o modo
de vida de populações.
94
Art. 2o, parágrafo único, do Decreto 7.342/2010.
227
indicados pelo governo, sem a representação obrigatória dos atingidos e dos
empreendedores, o que certamente dificultará a negociação.95
95
O Comitê será composto por representantes dos Ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente, da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Desenvolvimento Agrário, da Pesca e Aquicultura e da
Secretaria-Geral da Presidência da República, cabendo ao Ministério de Minas e Energia a sua
coordenação. O Comitê será integrado, ainda, por representantes dos órgãos e entidades federais com
atribuições relativas à população atingida pelo empreendimento analisado, quanto aos impactos referidos
no art. 2o (Art. 3o, § 1o e § 2o do Decreto 7.342/2010).
228
Conclui-se, portanto, que, no cálculo de custo da política energética centrada na
construção de hidroelétricas, tem que ser incorporado os custos da precaução e
reparação integral dos danos materiais, sociais e morais de milhares de pessoas. A
viabilidade e atração econômica desses megaempreendimentos não pode se materializar
às custas da ignorância dos valores necessários para as indenizações e da violação aos
direitos humanos e ambientais.
O Estado não cumpre, assim, sua função regulatória do setor hidrelétrico, o que
em grande medida explica os problemas enfrentados. O Estado intervencionista e o
princípio da supremacia do interesse público, que são ferrenhamente questionados pelos
juristas contemporâneos, nos casos citados de instalação de hidrelétricas, não recebem
sequer uma critica quando favorecem as concessionárias com as desapropriações para
instalação de barragens.
230
O atual modelo de intervenção estatal no setor elétrico, com fundamento na
discricionariedade da declaração de utilidade pública para fins de desapropriação, é
causa de diversos conflitos por ser incompatível com a moderna vigência dos princípios
constitucionais. A opção pela moderna reflexividade administrativa pode reduzir os
conflitos ora verificados, aumentar a celeridade da instalação das hidrelétricas e garantir
o respeito aos direitos humanos e ambientais das comunidades afetadas pelas
construções de barragens.
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins
de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua
função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no
232
prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja
utilização será definida em lei.
233
g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de
saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;
h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros
públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do
solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica,
higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos
industriais;
j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;
k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e
artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem
como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos
mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e
locais particularmente dotados pela natureza;
l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e
outros bens moveis de valor histórico ou artístico;
m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e
cemitérios;
n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para
aeronaves;
o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica,
artística ou literária;
p) os demais casos previstos por leis especiais.
Independentemente desse rol ser taxativo ou não, o que se observa nesse elenco,
de hipóteses para desapropriação por utilidade pública, é a vinculação indispensável da
autorização da restrição estatal à consecução de um bem coletivo como a promoção da
saúde e dos esportes ou do desenvolvimento econômico, social e cultural.
234
pública ou utilidade pública. Desapropriar propriedade sem esse elemento finalístico é
incorrer em desvio de finalidade, passível de anulação pela própria administração ou
pelo judiciário.
Por outro lado, verifica-se ainda a presença dos interesses público secundário do
Estado em aproveitar os recursos hídricos para aumentar a geração de energia essencial
para o desenvolvimento econômico do país e para o aumento da arrecadação. Registra-
se que esse interesse é distinto do interesse privado da concessionária embora ambos
caminhem juntos através do procedimento da desapropriação que os efetiva. Por fim,
existe o direito público primário, ou difuso, que garante a esta e a futura geração o meio
ambiente saudável e sustentável.
Todos esses direitos têm sede constitucional e, portanto, não podem ser
desprezados nos procedimentos de decisão administrativa e no controle desses atos pelo
judiciário. Não há, por conseguinte, um interesse a priori que deva prevalecer
integralmente sobre os demais. Mesmo que considerássemos nessa hipótese a existência
da colisão apenas entre direito público e privado, o que não se verifica, pois há lesão à
coletividade e ao meio ambiente, o atual entendimento do princípio da supremacia do
interesse público sobre o privado não autorizaria essa interpretação:
236
possível. O instrumento deste raciocínio ponderativo é o postulado da
proporcionalidade (BINENBOJM, 2010, p. 169).
237
Nota-se, todavia, que nem sempre serviços de energia elétrica
autorizados são de interesse público, podendo sê-lo de interesse
exclusivo do autorizado (...) desapropriação só se faz em favor de um
interesse público. Segue-se que não pode haver desapropriação no
interesse exclusivo de ―autorizados‖ (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p.
812).
96
Artigos 7o e 15 do Decreto-Lei 3.365 de 1941.
238
do procedimento da desapropriação que, muitas vezes, são reparados os prejuízos dos
atingidos pelo empreendimento seja por acordo ou pela via judicial.97
Nota-se que a comissão, instituída por decreto do próprio governo, para apurar
denúncias quanto ao modo como são instaladas as hidrelétricas no Brasil, identificou no
procedimento de desapropriação um dos principais problemas enfrentados pela
população impactada pela construção de barragens.
O recrudescimento dos conflitos ambientais envolvendo a construção de
hidrelétricas exige então atenção ampliada do Direito como meio de solução dos litígios
97
A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco
anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará (Art. 10 do
Decreto-Lei 3.365 de 1941).
239
gerados pelo aumento da produção de energia elétrica através do aproveitamento do uso
dos corpos de água. Para que a discricionariedade administrativa não se transforme em
arbítrio, a ponderação de interesses e a reflexividade administrativa são alternativas para
que o direito se apresente como solução efetiva para os atuais conflitos socioambientais
na implantação de hidrelétricas no Brasil.
98
Art. 3o do Decreto-Lei 3.365 de 1941 – Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos
de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover
desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.
240
já estaria apontada na produção de energia elétrica essencial para o desenvolvimento
econômico.
241
o Licenciamento Ambiental é atividade diretamente relacionada ao
exercício de direitos constitucionalmente assegurados, tais como o
direito de propriedade e o direito de livre iniciativa econômica que
deverão ser exercidos com respeito ao meio ambiente. Assim,
indiscutivelmente o Alvará de Licença Ambiental servirá de limitador
concreto para o exercício da atividade econômica que somente será
lícita se respeitados os limites da licença ambiental concedida
(ANTUNES, 2010, p. 149).
O dano ambiental somente será lícito se o controle dos seus efeitos for
previamente submetido ao procedimento administrativo do licenciamento. Desse modo,
o artigo 225, § 1o, IV, CF/1988 incumbiu ao Poder Público:
242
Nacional de Meio Ambiente, foi então, por esse dispositivo, alçada à exigência
constitucional.99
o
Art. 3 . A licença ambiental para empreendimentos e atividades
consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa
degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental
e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA),
ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências
públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.
Observa-se então que a utilidade pública desses projetos não associa-se mais
exclusivamente ao aumento da produção de energia elétrica mas também a outros
fatores como, por exemplo, a preservação da biodiversidade, a melhoria da condição da
99
Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental –
RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter
supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: VII. Obras
hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de
o
10MW (Artigo 2 , VII, da Resolução 1/86 CONAMA).
243
população local, a manutenção das comunidades indígenas e dos múltiplos usos da
água.
Não seria inclusive exagero concluir pela falta de interesse de agir em ajuizar
ação de desapropriação antes do licenciamento ambiental da atividade. No mínimo, o
licenciamento ambiental deve ser considerado causa suspensiva do processo de
desapropriação haja vista que a utilidade pública ainda não está devidamente definida e
demonstrada pela própria Administração.
100
Art. 7o Declarada a utilidade pública, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos
prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força
policial.
244
crédito tributário do Estado estiver impugnado administrativamente, o Fisco não poderá
iniciar a execução fiscal do mesmo. Assim, a impugnação administrativa do lançamento
do crédito tributário é causa de suspensão da exigibilidade judicial desse mesmo
crédito.101
101
Art. 151, III, CTN – Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: as reclamações e os recursos, nos
termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo.
245
desapropriação perde o seu objeto. Igualmente, condições e alterações determinadas
durante o processo de licenciamento afetam a desapropriação, pois o licenciamento
ambiental objetiva justamente identificar a viabilidade ambiental do projeto, os
prováveis impactos ocasionados e aqueles atingidos pelo mesmo. O Poder Público pode,
por conseguinte, decidir com embasamento pela rejeição ou alteração do projeto além
de estabelecer medidas condicionantes, compensatórias ou mitigadoras na Licença de
Instalação.
102
Ação Civil Pública 2000.72.00.009825-0 (REZENDE, 2007, p. 119).
246
Nova e Guaraciaba, a população representada pela Associação de Moradores Atingidos
por Pilar (AMAP), em conjunto com uma instituição universitária, contestaram o
empreendimento da Alcan Alumínios e da Fiat, o que acabou impossibilitando a
Licença Prévia.
247
trabalhadores rurais, não receberam indenizações ou receberam indenizações
insuficientes pela desapropriação de seus imóveis.
248
agricultores, trabalhadores permanentes ou temporários, prestadores de serviços e
pequenos comerciantes que não foram indenizados devido ao não reconhecimento de
sua condição de atingido.
103
Apossamento administrativo ou desapropriação indireta corresponde ao ato da administração que
impede o direito à propriedade particular sobre imóvel mas sem o devido procedimento desapropriatório.
249
Por fim, vale ainda destacar uma última prejudicial ao transcurso da
desapropriação simultânea ao licenciamento. A natureza coletiva do impacto ambiental
colide com o processo individualizado da desapropriação por utilidade pública. O artigo
10 do Decreto 3.365/1941 estabelece que a ―desapropriação deverá efetivar-se mediante
acordo ou intentar-se judicialmente‖, no entanto, não prevê etapa para que este acordo
seja coletivo, o que seria mais adequado para reparação de grandes impactos ambientais.
250
A possibilidade de desapropriação por utilidade pública é utilizada pelos
empreendedores como meio para intimidar a população durante as negociações, o que
acarreta em desigualdade na celebração dos acordos e no desrespeito a vontade da
população local. As comunidades tradicionais, que raramente dispõe das informações e
da assessoria técnica necessárias para negociar com as concessionárias, ainda se veem
ameaçadas pela desapropriação dos seus lares sem uma imediata reparação.
104
Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF no site http://www.prpa.mpf.gov.br/news/2011.
252
exemplo, a desapropriação de terreno de um único proprietário, para passagem de
aqueduto com objetivo de abastecer uma cidade com água potável, com a
desapropriação de todos os imóveis da cidade que serão inundadas por obra hidrelétrica.
105
Relatório da Comissão Especial, 2011, p. 22.
253
ambientais envolvendo a construção de hidrelétricas exige do Direito mais eficácia para
solução dos litígios gerados pelo aumento da produção de energia hidrelétrica.
254
Na moderna teoria administrativa não é válida decisão administrativa que
suprima direitos individuais e coletivos sem a defesa prévia das partes interessadas ou
mesmo sem a obediência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade entre
os ônus gerados e os benefícios públicos conseguidos conforme apontou Binenbojm:
Desse modo, além da prévia e justa indenização, devem ser asseguradas aos
atingidos a possibilidade de defender seus interesses e opiniões sobre projeto que traga
considerável impacto ambiental como as barragens. O administrador ciente dos
interesses envolvidos decidirá através da ponderação desses interesses. Por isso, as
regras do licenciamento ambiental são importantes para preservar os interesses
ambientais difusos.
255
moradia, à saúde, ao meio ambiente saudável e a dignidade da pessoa humana. A
utilização do instituto da desapropriação por utilidade pública, previsto no Decreto-lei
3.365/41, acarreta então em inúmeros inconvenientes denunciados pelo Relatório da
Comissão Especial instituída pela Resolução 26/2006.
256
ameaça de desapropriação para forçar a aceitação da proposta inicial de reparação.
Aqueles atingidos que não concordaram com os valores oferecidos tiveram seus imóveis
desapropriados e não puderam entrar no programa de remanejamento.
257
5.7.4. Desapropriação por utilidade pública, Política Nacional de Recursos
Hídricos e outorga de direito de uso de recursos hídricos para aproveitamento dos
potenciais hidrelétricos
Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos
seguintes usos de recursos hídricos:
Esse procedimento para outorga de uso de recursos hídricos para fins de geração
de energia elétrica é obrigatório para todos os projetos cujos requerimentos foram
protocolados depois de 24 de junho de 2004, data da publicação desta Resolução do
CNRH.106 Embora esta resolução somente se aplique aos requerimentos posteriores a
esta data, não significa que estejam assim dispensadas das devidas outorgas os projetos
anteriores, pois a Lei 9.433/1997 já as exigia.
106
Art. 10. Esta Resolução se aplica aos requerimentos de outorga de recursos hídricos protocolizados a
partir da data de sua publicação.
258
prioridades de uso das águas na bacia do empreendimento, assim como a prioridade
para o consumo humano e dessedentação dos animais. A utilidade pública declarada
para fins de desapropriação não pode então ignorar o interesse público já determinado
pela própria Administração na gestão dos recursos hídricos.
259
Ainda na fase inicial de planejamento, o empreendedor deve requerer à
respectiva autoridade outorgante a relação de documentos e o conteúdo dos estudos
técnicos exigíveis para o seu projeto. De acordo com as características de cada projeto
apresentado, o órgão ou entidade outorgante definirá assim o conteúdo dos estudos
técnicos, considerando as fases de planejamento, construção e operação do
empreendimento, formulando termo de referência que considere as características
hidrológicas da bacia hidrográfica, porte da barragem, a finalidade da obra e do uso do
recurso hídrico conforme discriminado na resolução citada:
107
Art. 4o, III e IV da Resolução CNRH 37 de 2004.
260
Igualmente, os estudos técnicos têm que prever as possíveis alterações nos
regimes hidrológico e hidrogeológico e nos parâmetros de qualidade e quantidade dos
corpos de água decorrentes da operação das estruturas hidráulicas, assim como as
alternativas a serem implementadas para que os demais usos ou interferências,
outorgados na área de inundação do reservatório, não sejam prejudicados pela
implantação da barragem.
108 o o o
Art. 1 , V, e art. 3 , § 4 da Resolução CNRH 37 de 2004.
109
Art. 6o da Resolução CNRH 37 de 2004.
261
outorga de direito de uso de recursos hídricos para barragens destinadas ao uso de
potencial de energia hidráulica.110
110 o o o
Art. 7 , § 2 , da Lei 9.984/2000 e art. 9 da Resolução CNRH 37/2004.
111 o o o
Artigos 6 , 7 e 8 da Resolução CNRH 37/2004.
262
Desse modo, a Administração para verificação da utilidade pública da realização
da obra hidrelétrica não se restringirá ao licenciamento ambiental, mas se valerá
também do procedimento administrativo da outorga de uso de recursos hídricos,
instrumento previsto na Lei 9.433/1997.
263
qualquer ato administrativo, seja declaração de utilidade pública ou licença ambiental,
que esteja em desacordo com esses planos.
264
Congresso Nacional e ao posterior reassentamento dos índios em suas terras tradicionais
assim que cessarem as causas que acarretaram no deslocamento.
o
Art. 231, § 3 . O aproveitamento dos recursos hídricos, incluindo os
potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra em terras indígenas só
podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional,
ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada
participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
265
(desintrusão) de não índios das áreas demarcadas, entre outras, 18 não
foram realizadas e duas foram realizadas parcialmente. Sobre as
demais não há informações (Ação Civil Pública Ambiental MPF/PR).
266
6.040/2007 instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais para garantir os direitos dessa população tradicionais
afetadas diretamente ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos. O artigo
3o do referido decreto fixou, assim, como seus objetivos a garantia aos povos e
comunidades tradicionais de seus territórios além do acesso aos recursos naturais que
tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica.
A Lei 9.433/1997, em seu artigo 1o, VI, igualmente elege como um dos
principais princípios da política nacional dos recursos hídricos a participação ―dos
usuários e da comunidade‖ na gestão das águas. As Resoluções 12 e 17 do Conselho
Nacional de Recursos Hídrico estabelecem espaços para a participação respectivamente
no enquadramento dos corpos de água em classe e na elaboração dos planos de bacias
hidrográficas.
267
audiências públicas, convocadas com esta finalidade pelo Comitê de
Bacia Hidrográfica.
268
técnica, usuários da água, órgãos de governo e sociedade civil, de
forma a incorporar contribuições ao Plano.
112
Relatório da Comissão Especial, 2011, p. 14.
269
Se é que tem que construir uma barragem desta, a CIA tem que fazer
uma reunião com todo o mundo, sentar e dar prazo para as pessoas
consultar alguém. Eles não fazem isso. Não tem como acreditar nesse
processo. Tanto agride a natureza como o ser humano. A verdade
disto tudo é que eles não querem pagar (REZENDE, 2007, p. 165).
270
O Ministério de Minas e Energia, corroborando este argumento, apresentou
ressalvas às conclusões e recomendações finais da Comissão Especial de ―Atingidos por
Barragens‖ que imputou, como ônus do concessionário, custos sociais relacionados à
educação, saúde, transporte entre outros. Ao contrário, o órgão do governo considerou
―que os Concessionários de geração de energia hidrelétrica já pagam os eventuais custos
acrescidos decorrentes da implantação dos empreendimentos por meio da Compensação
Financeira pela utilização de recursos hídricos paga aos Estados e Municípios‖.113
113
Relatório da Comissão Especial de ―Atingidos por Barragens‖, 2011, p. 100 a 103.
271
Em recente reportagem, o jornal O Globo relatou que cerca de R$ 2 bilhões são
desperdiçados anualmente pelos 22 Estados e pelas 663 cidades que recebem a
compensação financeira com obras sem relação alguma com a reparação dos impactos
ambientais das hidrelétricas como, por exemplo, um Parque Aquático, de 21 milhões de
reais, em Itaipulândia (PR) e uma estátua de bronze de 25 metros do cristo, a maior da
América Latina, situada na pequena cidade de Santa Helena (PR).114
114
Jornal O Globo, A riqueza da água. Rios de dinheiro: cidades vivem com a fartura e o desperdício de
R$ 2 bilhões com royalties de hidrelétricas, dia 06/02/2011.
272
CAPÍTULO VI
Ambas as espécies de águas subterrâneas são fontes cada vez mais requisitadas
para uso no abastecimento urbano, na irrigação, no processo industrial e no comércio de
água engarrafada. Em especial, as águas minerais são ainda muito demandadas para
usos em fins medicinais ou turísticos.
115
Art. 1o, I, da Resolução CNRH 15 de 2001.
273
Como já analisado no Capítulo IV, também concessionárias privadas de
abastecimento disputam as águas subterrâneas com a população local através da
vedação à utilização das águas dos poços. Igualmente, como veremos no presente
capítulo, as águas subterrâneas minerais são exploradas por grandes multinacionais
privadas gerando prejuízos aos usos tradicionais medicinais e aos valores históricos,
culturais e turísticos das cidades do Circuito das Águas do Estado de Minas Gerais.
274
Esse crescimento da utilização da água subterrânea, mineral e potável de mesa, é
ainda mais expressivo quando observados os dados da sua utilização na composição de
produtos industrializados, tais como cervejas, refrigerantes e sucos, conforme aponta o
seguinte gráfico:
275
FIGURA 8 – Evolução da Produção das principais empresas produtoras
(em litros)
276
consumo, correspondente a 24 litros per capita, enquanto países como os EUA
apresentam consumo de 110 litros por habitante.116
Como consequência dessa demanda, o número de alvarás para concessão de
lavras para exploração das águas minerais, termais e de mesa, emitidos pelo
Departamento Nacional de Pesquisa Mineral, aumenta anualmente como demonstra o
gráfico seguinte:
116
Ata taquigrafada do depoimento de João César de Freitas Pinheiro – Diretor-Geral Adjunto do
Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, do Ministério de Minas e Energia, na Comissão
de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, 2004, p. 10.
277
Apesar da publicização das águas subterrâneas pelo constituinte de 1988, o
regime jurídico de proteção dessas águas segue indefinido. Há entendimento majoritário
no sentido da classificação das águas minerais entre os recursos minerais assim as
excluindo das regras de gestão dos recursos hídricos. Contudo, essa interpretação não
parece a mais adequada a atual proteção desses bens naturais conforme destacou
Bernson:
278
bens públicos da União, assegurada a participação financeira, através da CEFEM, no
resultado da exploração aos Estados e Municípios, nos termos da lei.
280
os interesses de forma a compatibilizar a distribuição das águas subterrâneas com a
manutenção das reservas hídricas.
117
Bergson Cardoso Guimarães relatou e analisou esses dois casos minuciosamente em seu livro
―Direitos coletivos ambientais e a exploração insustentável das águas minerais‖ (B ERGSON, 2009).
118
Parecer da CPRM citado por Bergson (2009, p. 116 e 117).
281
pública ambiental pedindo a suspensão da exploração pela Nestlé das fontes de águas
minerais no município de São Lourenço.
O artigo 36 do Decreto-lei 227 de 1967 (Código de Minas), por sua vez, prevê a
autorização pelo governo de lavra para aproveitamento industrial da jazida através da
extração até o seu beneficiamento. Portanto, não haveria impeditivo legal para a
utilização das águas minerais como insumo do processo produtivo de industrialização,
com a desmineralização e adição de sais, e seu posterior engarrafamento.
282
Contudo, essa interpretação acaba por desconsiderar a constitucionalização das
águas operada pelo constituinte de 1988 com a publicização da água que passou à
dominialidade do Estado:
283
Conclui-se que o termo ―águas potáveis de mesa‖ é sinônimo de água subterrânea,
ou seja, sem presença incomum de minérios em sua composição. O constituinte de 1988
atribuiu aos Estados federados a propriedade sobre as águas potáveis de mesa. Não há,
portanto, águas potáveis de mesa particulares. O artigo 4o, parágrafo único, que
determina ser o aproveitamento comercial das águas de mesa reservado aos
proprietários do solo, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
284
cria um conjunto de condicionamentos à sua exploração comercial,
que não pode ser esquecido.119
119
Ata do depoimento de Afrânio José Fonseca Nardy, como Assessor de Meio Ambiente da
Procuradoria do Ministério Público Federal de Minas Gerais, na audiência pública promovida, no dia
01/07/2004, pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, p. 4.
285
pertence aos Estados federados. Portanto, o uso das águas minerais deveria ser
precedido da respectiva outorga de uso dos recursos hídricos, prevista no artigo 12, II,
da Lei 9433/1997, para a ―extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final
ou insumo produtivo‖.
Não obstante outras causas possíveis para a diminuição das vazões, é evidente
que o recrudescimento desenfreado da captação das águas subterrâneas, ao menos
potencialmente, pode prejudicar as estâncias hidrominerais conforme constatado em
diversas fontes em São Lourenço como verificado na Vichy e na Alcalina.
Para atingir essa meta, o item 7.2.1 do edital exigia aumentar a produção do
volume de água mineral de 4 milhões de litros mensais, pressionando a concessionária
através da possibilidade da rescisão do contrato caso não atingisse esse objetivo.
287
Igualmente, o edital não apresentava limite para essa captação ou qualquer
estudo que impusesse condicionantes e evitasse impactos nas fontes hidrominerais.
Estimulava-se, assim, a uma exploração predatória e insustentável pelos concessionários
das lavras, o que causou na população local enormes preocupações quanto ao
rebaixamento dos aquíferos importantes para a cultura e o turismo da região.
As águas subterrâneas não minerais, como as potáveis de mesa, devem então ser
protegidas pela Lei 9.433/1997 que garante os múltiplos usos da água previstos nos
Planos de Recursos Hídricos nacional, estadual e da sua respectiva bacia hidrográfica.
289
A discricionariedade administrativa em relação aos recursos hídricos, incluindo
as águas minerais, foi reduzida pelo constituinte em relação à exploração das águas
subterrâneas e minerais. Portaria de Lavra do Departamento Nacional de Pesquisa
Mineral, edital estadual de concessão de uso de águas minerais ou a outorga da Agência
Nacional de Águas que autorizem a exploração predatória das águas subterrâneas são,
portanto, inconstitucionais e consequentemente nulas.
120
Ata da Audiência Pública, no dia 01/07/2004, da Comissão de Direito do Consumidor da Câmara dos
Deputados, p. 16 e 17.
291
Art. 25. Só será permitida a exploração comercial de água (mineral,
termal, gasosa, potável de mesa ou destinada a fins balneários) quando
previamente analisada no D.N.P.M. e após expedição do decreto de
autorização de lavra.
121
―A ausência de licenciamento ambiental, nesse quadrante, viciava de forma fulminante o edital
proposto pela empresa empreendedora e não foi observado pelas posteriores licitações em torno das águas
minerais‖. (BERGSON, 2009, p. 153).
292
6.3.4. Contaminação das águas subterrâneas e minerais
293
XI. Evitar poluição do ar, ou da água, que possa resultar dos trabalhos
de mineração;
O Código de Águas Minerais, em seu artigo 27, ainda determina que cada fonte
explorada seja periodicamente analisada quanto suas propriedades físicas e físico-
químicas com intervalo mínimo, de três em três anos, para uma análise completa de sua
composição.
Os usos dos recursos hídricos como já demonstrado são múltiplos, pois as águas
são utilizadas constantemente em diversas atividades humanas. Portanto, o
procedimento de outorga para atender a finalidade de assegurar o uso sustentável das
águas não pode ser idêntico para todas as demandas. Atento a esta questão, o Conselho
Nacional de Recursos Hídricos emitiu resoluções estabelecendo procedimentos de
outorga especiais para determinadas atividades.
Desse modo, os usos das águas subterrâneas também estão sujeitos a outorga
administrativa. Como a dominialidade das águas subterrâneas é estadual ou distrital, a
Resolução 16/2001 determina que essas Unidades da Federação, a quem compete a
emissão das outorgas dos recursos hídricos subterrâneos, deverão manter os serviços
indispensáveis à avaliação destes recursos, ao comportamento hidrológico dos aquíferos
e ao controle da sua qualidade e quantidade.122
122
Artigos 27 da Resolução 16 de 2001.
294
proteção e conservação das águas subterrâneas no território brasileiro‖. Desse modo, em
seu artigo 5o, enfatiza que o processo de análise e deferimento de outorga de direitos de
uso das águas subterrâneas deve considerar os estudos hidrogeológicos regionais que
delimitam as áreas de recarga dos aquíferos e definem suas zonas de proteção.
Após a publicização da água pelo constituinte de 1988, também não existe mais
o direito à propriedade privada sobre as águas minerais que passaram a integrar o
domínio dos Estados e do Distrito Federal conforme previsão do art. 26, I, CF/1988.
295
Desse modo, mesmo os proprietários de terrenos com águas subterrâneas minerais
necessitam da outorga de direito de uso, pois esse instrumento é o mais adequado para a
Administração verificar a adequação da utilização solicitada à sustentabilidade dessas
fontes:
123
Em 2008, foram arrecadados R$ 5.520.895 com a cobrança da Compensação Financeira pela
Exploração Mineral (CFEM) pela utilização das águas minerais (Fonte: DIPAR/DNPM).
296
CAPÍTULO VII
Certamente uma das principais razões para o esquecimento da água do mar nos
estudos dos recursos hídricos é a raridade do seu uso para o consumo humano e para as
atividades econômicas, industriais, agrícolas ou de geração de energia. Essa postura
atual em relação às águas do mar acaba por se refletir também na regulação jurídica da
124
Nesse sentido, afirma Fernando Quadros da Silva: ―Podemos encontrar água salgada, por exemplo, na
região do semi-árido nordestino ou num depósito subterrâneo da Região Sul ou Sudeste. A água salgada
não é sinônimo de água do mar‖ (S ILVA, 2000, p.174).
299
matéria a começar pela legislação internacional que também se ocupa da água do mar
prioritariamente como meio de transporte e fonte de alimentos e recursos minerais.
Atualmente ainda são poucos os estudos que versam sobre o tema. No entanto, a
maioria dos especialistas que aborda a questão considera que o legislador brasileiro ao
criar a política nacional de recursos hídricos excluiu a água do mar de seu objeto. Nesta
perspectiva, ao contrário do verificado em outros países, como a Alemanha, existiriam
dois sistemas reguladores da água no Brasil: um para as águas doces e outro para a água
do mar. Na prática é o que prevalece no ordenamento jurídico nacional com a lei
9.433/1997 normatizando o uso das águas doces e outra legislação específica, ancorada
nas convenções internacionais, dispondo sobre as águas dos mar.
Essa perspectiva acarreta em problemas para a gestão dos recursos hídricos que
clamam por uma revisão e integração futura dos dois sistemas. O aumento do uso do
processo de dessalinização da água para o consumo humano é um dos motivos que
levam a um novo olhar sobre as águas do mar, mas não é o único.125
As diversas atividades poluidoras das águas dos mares são outros fatores que
demonstram a necessidade de integração dos sistemas como bem observou Fernando
Quadros da Silva:
125
Dessalinização é ―processo de purificação das águas salinas ou salobras, superficiais ou subterrâneas,
que retira os sais nela existentes tornando-as próprias para o consumo humano ou para utilização na
indústria‖ (SILVA, 2000, p. 193).
300
rio, pois nesse caso estaria sujeita à obtenção da outorga, prevista na Lei
9.433/1997 e até o pagamento pelo uso da água (SILVA, 2000, p.196).
Enquanto o legislador não resolver tais questões, a gestão das águas do mar
seguirá regida pelas convenções internacionais e pela legislação interna que ainda
ocupa-se das águas do mar quase que exclusivamente como local de navegação, pesca e
fonte dos recursos minerais.
Desse modo, reforçou no Brasil um modelo dual de gestão das águas com
regulamentação específica para as águas doces e outra para as águas do mar. Ao contrário, por
exemplo, da lei de águas alemã que integrou no mesmo sistema jurídico todas as espécies de
águas, o legislador brasileiro não superou essa dicotomia que trás alguns problemas que tendem
301
a se agravar com o crescimento provável da utilização dos recursos hídricos marinhos. A
Agenda 21, Capítulo 18, por exemplo, já incluiu a dessalinização entre os mecanismos
de proteção ao abastecimento dos recursos hídricos que deveriam ser incentivados pelos
Estados.
O Brasil, assim, tem então como referencial normativo para gestão das águas do mar as
convenções internacionais e a legislação anterior a Constituição de 1988. A Convenção de
Genebra sobre o Alto-Mar (29.04.58) foi uma das primeiras que abordou o tema ao coibir
a poluição do mar, indo além das questões relativas apenas a pesca e a navegação.
Somente em 1967, o Brasil legislou nesse sentido ao aprovar a Lei 5.357/1967 que
disciplina a responsabilização por poluição marinha.
302
Desse modo, a Lei 7.661/1988 instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento
Costeiro regulamentado pelo Decreto 5.300/2004 através do estabelecimento de regras
para o uso e ocupação da zona costeira e de critérios para gestão da orla marítima. Os
planos nacionais de gerenciamento costeiro foram então aprovados por uma Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar. Por fim, vale ressaltar ainda a aplicação da
Lei 9.605/1998, dos crimes ambientais, também para a proteção das águas do mar.
Para isso, prevê alguns instrumentos específicos para proteção das águas do mar
e da costa brasileira tais como a elaboração de planos, o enquadramento da região em
tipos e classes, sistemas de informação e monitoramento entre outros. Em relação às
diferentes áreas marítimas, a legislação estabelece também limites para a soberania
nacional no que tange o poder normativo, de fiscalização e de exploração dos recursos
naturais.
303
7.2.1. Zona Costeira
Observa-se que o legislador não delimitou por lei a zona costeira, optando por
delegar para os instrumentos de gerenciamento costeiro a definição da faixa marítima e
da faixa terrestre que comporiam a sua área. Essa interação entre o mar e a faixa
terrestre é necessária, pois as atividades desenvolvidas no território têm evidentes
reflexos no mar territorial. A desconsideração dessas implicações levaria ao insucesso
da gestão sustentável da costa brasileira.
304
Outra mudança trazida pelo Decreto 5.300/2004 foi em relação aos limites da
faixa territorial da zona costeira brasileira que, pela Resolução 1/1990 da CIRM, eram
bem delimitados em 20 km. O decreto, porém, optou pela adoção de critérios variáveis
para a inclusão ou não das áreas terrestres na zona costeira. Assim, a extensão da faixa
terrestre vai depender das regiões cuja identificação da influência direta seja verificada
nos respectivos planos de gerenciamento costeiro.126
126
Leme Machado considera que enquanto não forem aprovados os limites da zona costeira pelos Planos
Estaduais prevalece a área prevista na Resolução CIRM 1/1990 (MACHADO, 2010, p. 959). No entanto,
neste questão, o Decreto 5.300/2004, com competência, já delimitou os critérios e a área de demarcação
da zona costeira.
305
O Decreto 5.300 de 07.12.2004, ao regulamentar a Lei
7.661/88, estabeleceu competências para os Estados (art. 13) e
para os Municípios (art. 14). Como é sabido, não cabe ao
decreto federal estabelecer atribuições aos entes federados. (...)
Contudo, cai o Decreto no mesmo equívoco já mencionado,
desobedecendo às normas fundamentais constitucionais do
federalismo (MACHADO, 2010, p. 963).
127 o
Art. 4 do Decreto 5.300/2004.
128
Artigo 22 do Decreto 5.300/2004.
306
O artigo 23 do Decreto 5.300/2004 estabeleceu então limites marítimos e
terrestres distintos para a orla marítima. Quanto ao limite terrestre, utilizou-se de
critérios socioambientais para sua demarcação na medida em que a variação ocorre
conforme a urbanização da área.
307
7.2.3. Mar territorial
129 o o
Artigos 1 e 2 da Lei 8.617 de 1993.
308
7.2.4. Zona Contígua
A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às
vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para
medir a largura do mar territorial.130
130 o
Artigo 4 da Lei 8.617 de 1993.
131 o
Artigo 11 da Lei 8.617 de 1993.
309
tais como os recursos minerais, os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias
e outros não vivos do leito do mar e subsolo.
132 o
Artigo 14 da Lei 8.617 de 1993.
133 o
Artigos 7 da Lei 8.617 de 1993.
310
Contudo, essa ampliação não conta com o aval da ONU que já havia rejeitado proposta
semelhante do Brasil.
7.2.7. Praias
O legislador optou por criar regras específicas para proteção das praias da zona
costeira brasileira. Em muitos trechos da orla marítima nacional verifica-se a
apropriação privada das praias através de construções que limitam ou impedem o acesso
e o uso dessas áreas muito procuradas pela população para o lazer.
134 o o o
Artigos 8 , 9 e 10 da Lei 8.617 de 1993.
311
Essa proteção constitucional às praias corresponde a um regime especial de
regras e princípios garantidores da sua preservação ambiental e da utilização equilibrada
e equitativa pelas diversas atividades a ela relacionadas como as hoteleiras, turísticas, de
pesca ou de lazer.
314
O artigo 5o, inciso IX, do Decreto 5.300/2004 adota claramente o princípio da
reparação ao determinar a preservação, conservação e controle de áreas que sejam
representativas dos ecossistemas da zona costeira e, principalmente, a recuperação e
reabilitação das áreas degradadas ou descaracterizadas.
135 o
Artigos 5 , inciso X, do Decreto 5.300/2004.
315
da costa brasileira.136 Um dos objetivos primordiais é controlar a degradação ambiental
que ameace a vida na zona costeira e contribuir para elevar a qualidade de vida de sua
população e a proteção de seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.
Para esse fim, acresce ainda outros objetivos como a promoção do ordenamento
do uso dos recursos naturais e da ocupação dos espaços costeiros, assim como a
incorporação da dimensão ambiental nas políticas setoriais voltadas à gestão integrada
dos ambientes costeiros e marinhos. No entanto, esses objetivos finais são almejados
através de procedimentos que também inserem-se nessa perspectiva como a gestão
integrada, descentralizada e participativa das atividades socioeconômicas e a produção e
difusão do conhecimento sobre a zona costeira.
136 o
Art. 6 do Decreto 5.300/2004.
316
7.5. Instrumentos da gestão da zona costeira
Para isso, o PNGC deve ser compatibilizado com os PEGCs e os PMGCs com a
devida articulação intersetorial e interinstitucional entre os órgãos e colegiados
existentes em âmbito federal, estadual e municipal, cujas competências tenham
vinculação com as atividades do PNGC.137 A entidade responsável pela execução e
compatibilização dessas ações do PNGC com as políticas públicas que incidem na zona
costeira é o IBAMA.138
318
construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das
características naturais da Zona Costeira. O IBAMA é a entidade competente para
conceder o licenciamento ambiental dos empreendimentos ou atividades de impacto
ambiental de âmbito regional ou nacional incidentes na zona costeira.
141
Art. 13 do Decreto 5.300/2004.
320
informações devem ser monitoradas e consolidadas periodicamente em RQA-ZC, tendo
como referências, no âmbito federal, o macrodiagnóstico da zona costeira e o PAF.
O artigo 5o, § 2o, da Lei 7.661/1988 estabeleceu que o Município, assim como os
demais entes federados, pode no PMGC estabelecer normas e diretrizes sobre o uso do
solo, do subsolo e das águas, bem como limitações e utilização de imóveis. Ressalva-se,
ainda, que o artigo determinou que prevalecerá sempre entre as diretrizes presentes nos
Planos de Gerenciamento Costeiro, Nacional, Estadual e Municipal, aquelas de natureza
mais restritiva.
142
Artigo 14 do Decreto 5.300/2004.
321
de informação de gerenciamento costeiro são igualmente atribuições dos entes
municipais.
Para isso, deve ser considerado o monitoramento do impacto das atividades dos
setores industrial, turístico, portuário, de transporte, de desenvolvimento urbano,
pesqueiro, aquicultura, indústria do petróleo entre outros. Os dados e as informações
resultantes do monitoramento exercido sob responsabilidade municipal, estadual ou
federal na Zona Costeira, conforme previsão do artigo 8o da Lei 7.661/1988, comporão
o Subsistema ―Gerenciamento Costeiro‖, integrante do Sistema Nacional de
Informações sobre o Meio Ambiente – SINIMA.
322
Portanto, os órgãos ambientais de todos os entes federativos devem, dentro de
sua competência, identificar as áreas estratégicas e prioritárias para acompanhamento da
dinâmica de usos e ocupação do território.
323
Ecológico-Econômico do território nacional, como mecanismo de apoio às ações de
monitoramento, licenciamento, fiscalização e gestão.
324
7.5.10. Unidades de Conservação da Zona Costeira
Portanto, apesar de não estarem no rol expresso dos instrumentos de gestão, é inegável
que essas unidades constituem importante mecanismo de gestão sustentável da zona
costeira.
143
Art. 12, X, Decreto 5.300/2004.
325
7.6.1. Plano de Intervenção
326
sociedade interessados, os colegiados municipais devem construir o seu Plano de
Intervenção.
Nas áreas nas quais os Planos de Intervenção ainda não foram elaborados, cabe
ao órgão ambiental requisitar estudos capazes de caracterizar e classificar a orla
marítima para o licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades.
327
I. Abrigada não urbanizada: ambiente protegido da ação direta das
ondas, ventos e correntes, com baixíssima ocupação, paisagens com
alto grau de originalidade natural e baixo potencial de poluição;
328
recente, paisagens parcialmente modificadas pela atividade humana e
médio potencial de poluição;
b) pesquisa científica;
330
Classe B: trecho da orla marítima com atividades compatíveis com a
conservação da qualidade ambiental ou baixo potencial de impacto,
possuindo correlação com os tipos que apresentam baixo a médio
adensamento de construções e população residente, com indícios de
ocupação recente, paisagens parcialmente modificadas pela atividade
humana e médio potencial de poluição. Nesta classe, são previstas
todas às formas de uso e ocupação constantes da classe A e ainda às
relativas as seguintes estratégias de ação de controle:
b) aquicultura;
f) militar;
h) turismo e lazer;
331
formas de uso e ocupação, já incluídas nas classes A e B, além das
seguintes especifica a este enquadramento:
332
―expulsão do pescador da beira do mar‖, a produção de esgoto, o
aterro de manguezais (―berço do mar‖), etc. (MORAES, 2004, p.27)
144
O Mapeamento dos Conflitos Sócio-Ambientais Relativos à Carcinicultura no Estado da Bahia foi
lançado em Salvador, em 28 de março, durante o Seminário de Justiça Ambiental pelas Águas,
promovido pela Superintendência de Recursos Hídricos – SRH, no Auditório do Ministério Público do
Estado da Bahia. Inspirado no Mapa dos Conflitos Ambientais do Estado do Rio de Janeiro, produzido
pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR-UFRJ) e a FASE – Federação de
Órgãos para Assistência Social e Educacional, o mapeamento é fruto de pesquisas da Rede MangueMar
Bahia – articulação entre comunidades, entidades de base, organizações não governamentais,
333
Tanques de camarões foram, assim, instalados sem o devido licenciamento
ambiental, estudos de impacto ambiental foram ignorados, áreas de preservação da
vegetação foram suprimidas, audiências públicas não se realizaram e houve captação de
água e lançamento de efluentes sem a outorga e o consequente pagamento pelo direito
de uso dos recursos hídricos.
335
Como apontado pelo relatório nas cidades de Santo Amaro, Canavieiras e
Valença, os próprios tanques foram construídos sobre manguezais e restingas. Em
Salinas da Margarida, igualmente os viveiros foram construídos em local inapropriado.
Desse modo, em 2001, os pescadores já alertavam para a escassez de peixe e do marisco
e para o desaparecimento do caranguejo nesses manguezais:
145
Mapeamento Socioambiental à Carcinicultura no Estado da Bahia, p. 3.
337
7.7.1. Direito à praia e a carcinicultura
A frequente apropriação privada das praias gerou diversos conflitos sociais nos
últimos anos. Assim, inúmeros litígios envolvendo o direito ao acesso às praias chegam
ao judiciário. Como forma de estabelecer um regime jurídico inibidor da sua
apropriação pelos particulares, o artigo 10, § 3o, da Lei 7.661/1988 definiu que as praias
são um bem público:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo
assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer
direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de
segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação
específica.
339
§ 2o. A regulamentação desta Lei determinará as características e as
modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do
mar.
340
Desse modo, no licenciamento municipal para obras próximas as praias devem
ser garantidas as condições de acesso para população. O dispositivo foi além ao
determinar ainda que as áreas já ocupadas por loteamentos à beira mar, sem acesso à
praia, sejam desobstruídas.
342
atividades que potencialmente possam também alterar as características da zona
costeira:
343
Para isso, outros instrumentos são importantes como o Zoneamento Ecológico-
Econômico Costeiro que estabelece os usos permitidos, proibidos ou estimulados nessa
região. Conforme previsto no artigo 9o do Decreto 5.300/2004, o ZEEC deve ser
elaborado de forma participativa abrangendo as interações entre as faixas terrestre e
marítima da zona costeira.
Outra vitória dos atingidos foi a multa imposta a Fazenda Ocean Produção
Aquática LTDA por não cumprir as condicionantes da licença além de ampliar a área de
construção na fazenda sem a prévia Licença Ambiental. A mobilização realizada em
Caravelas tornou-se um exemplo de resistência para as demais cidades da região.
344
7.7.3. Política Nacional de Recursos Hídricos, outorga de direito de uso de
recursos hídricos e as águas do mar
o
Art. 9 . O órgão licenciador deverá exigir obrigatoriamente no
licenciamento ou regularização de empreendimentos de carcinicultura
as outorgas de direito de uso dos recursos hídricos.
Essa inovação exige, então, para a carcinicultura que utiliza-se da água do mar, a
outorga de direito de uso de recursos hídricos que obedecerá ao procedimento e
requisitos previstos na Lei 9.433/1997 tais como a adequação aos planos de recursos
hídricos e o enquadramento do corpo de água em classes. O CONAMA, assim,
aumentou a fiscalização e o seu controle sobre as atividades de carcinicultura.
345
Por conseguinte, as fazendas de produção de camarão em cativeiro que, após
2002, não obtiveram junto à entidade competente a devida outorga de uso de recursos
hídricos estarão irregulares e deverão ser interditadas.
7.8. Proposta de integração entre a gestão das águas do mar e das águas
doces
Contudo, a escassez da água doce para consumo humano e o aumento do uso das
águas do mar pressupõe a necessidade do devido tratamento unificado pela legislação de
recursos hídricos. Por outro lado, a existência de diversas áreas comuns às políticas de
gerenciamento costeiro e a de recursos hídricos demanda uma gradativa integração
institucional, conforme concluiu Diane Rangel:
347
já são verificadas inclusive em virtude das demandas específicas abordadas nos Planos
de Gerenciamento Costeiro e nos Planos de Recursos Hídricos.
Outra iniciativa que no sentido da integração das gestões foi a criação no âmbito
do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, órgão superior da gestão das águas
interiores, de Câmara Técnica destinada a Zona Costeira. Assim, a Resolução CNRH
51/2005, com objetivo expresso de promover a integração da gestão das bacias
hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras, atribui as seguintes
competências para a esta Câmara Técnica:
146
―Carta de Fortaleza dos Povos das Águas‖. Seminário Manguezal e Vida Comunitária Os impactos
socioambientais da carcinicultura. 21 a 24 de agosto de 2006. Fortaleza-Ceará-Brasil.
http://www.terrazul.m2014.net/spip.php?article424. Acesso em: 4 jun. 2010.
348
Art. 2o São competências da Câmara Técnica:
349
III. Considerar a necessidade de integração dos instrumentos de gestão
costeira e de recursos hídricos, propõe-se a inserção nos Diagnósticos
e nos Planos de Bacia, de parâmetros oceanográficos que podem
subsidiar aos planos de ação para conservação dos recursos hídricos e
zona costeira contígua.
350
Costeira, portanto, haverá de ser completada com mecanismos
financeiros que possibilitarão aos Estados e Municípios bem
cumprirem suas obrigações ambientais e culturais no litoral
(MACHADO, 2010, p. 967).
351
CONCLUSÕES
A preservação da água é uma das questões que mais desperta preocupações nas
sociedades no início deste século XXI. Não obstante tamanho interesse, ainda é
incipiente o conjunto de pesquisas e estudos acadêmicos sobre o tema. Prevalece como
cerne do debate público certo senso comum ambiental que é largamente difundido pelos
meios de comunicação de massa como solução simplista para escassez da água no
planeta.
352
Igualmente, verificamos que uma das maiores fontes de riqueza do Brasil, as
águas subterrâneas e minerais, são também objeto de intensa disputa. Cidades do Estado
de Minas Gerais, célebres pela qualidade minerais de suas águas, foram palco de
conflito socioambiental entre a população local e a multinacional Nestlé que extraía de
forma predatória as águas minerais subterrâneas, a descaracterizando através da
desmineralização.
Contudo, essa tese não é apenas uma tese sociológica ou ambiental. É também
uma tese jurídica. Portanto, nesta tese, o Direito é igualmente analisado sem fetiches,
pois o mesmo encontra-se também imerso nas contradições sociais que criam interesses
antagônicos e disputas inevitáveis. Como coerção, o Direito cumpre função essencial na
reprodução das sociedades complexas contemporâneas ao submeter às vontades
particulares dos indivíduos, dos grupos e das classes a uma única solução.
Verifica-se então largo campo para interpretação dessas normas jurídicas que
permite a pluralidade de perspectivas presentes na sociedade civil disputarem seu
significado. Conforme destacou Thompson, o Direito surge como uma arena política
353
que expressa reciprocamente dominação e limites à dominação. Os conflitos e as lutas
sociais na sociedade civil são, assim, reabilitadas como fator de influência na definição
sobre o que é Direito.
Com essa perspectiva, a presente tese analisou a publicização das águas efetuada
na Constituição de 1988 e a decorrente Política Nacional de Recursos Hídricos
instituída na Lei 9.433/1997. O investimento público estatal foi essencial na década de
1980 para assegurar o crescimento econômico através da expansão dos serviços
públicos estatais de telecomunicações, energia elétrica, distribuição de água entre
outros.
Com a escassez hídrica, há uma proliferação das lutas cotidianas pelo direito à
água. Essas lutas incluem a atribuição de conteúdo e sentido à Lei de Águas e à própria
Constituição. Nesse sentido, a legislação pode ser percebida de forma contraditória.
Primeiramente, como instrumento de efetivação da transformação da água em
mercadoria, pois o art. 1o, II, da Lei 9.433/1997 afirma que ―a água é um recurso natural
limitado dotado de valor econômico‖ e o art. 5o, IV, institui ainda, como instrumento da
Política Nacional de Recursos Hídricos, ―a cobrança pelo uso‖ das águas.
todo volume de água reservado se torna objeto de fatura, seja qual for
o seu uso. Em termos práticos, há um hidrômetro em cada duto de
saída que mede os metros cúbicos utilizados. Uma tarifa é então
aplicada (CAMDESSUS, 2005, p. 121).
355
sentido da evolução da legislação de recursos hídricos no Brasil e em especial para a Lei
de Águas.
A Lei 9.433/1997 possui então este duplo caráter que ao mesmo tempo alberga o
valor econômico da água, como querem as multinacionais, e consagra a inalienabilidade
da água defendida pelos ambientalistas. Portanto, a interpretação mais adequada à
ordem constitucional é a que identifica o valor econômico com o princípio do usuário-
pagador, ou seja, um mecanismo de intervenção econômica na distribuição de água.
357
As hidrelétricas são construídas inviabilizando os demais usos na agricultura, na
pesca e na navegação. A população atingida muitas vezes enfrenta a escassez de água
até para o consumo próprio e o direito à informação e a participação da população não é
garantido.
358
Não obstante a inobservância em relação à legislação de águas e à Constituição
Federal, um dos principais institutos jurídicos utilizados nos projetos hidrelétricos é a
desapropriação por utilidade pública do Decreto-lei 3.365/1941. Nesse procedimento, o
interesse da concessionária de energia elétrica é identificado imediatamente com a
utilidade pública que justificaria a desapropriação.
Por fim, em relação ao estudo dos dois últimos casos analisados, a própria
aplicação da Lei 9.433/1997 é controvertida. No bojo dos conflitos socioambientais da
exploração das águas subterrâneas minerais no Circuito das Águas de Minas Gerais e da
expansão da carcinicultura na zona costeira do Ceará está a abrangência da Lei de
Águas. Por motivos distintos, considera-se que os instrumentos e princípios da Política
Nacional de Recursos Hídricos não se aplicam aos casos em questão.
Na captação das águas subterrâneas minerais de São Lourenço, pela Nestlé, para
desmineralização e engarrafamento, observou-se que a legislação de mineração
prevaleceu em detrimento das normas de recursos hídricos. Considerou-se, assim,
absurdamente que água mineral é mineral e não água.
As águas minerais são águas que merecem proteção inclusive superior as águas
comuns pelas características medicinais que possuem. Portanto, é despropositado
conferir regime menos restritivo às águas minerais do que às águas doces comuns.
Ademais, o art. 12, II, elenca, entre os usos sujeitos a outorga prevista na Lei de Águas,
a ―extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo
produtivo‖.
Dúvidas, portanto, não devem persistir quanto à classificação das águas minerais
como água subterrânea e, assim, também objeto da Política Nacional de Recursos
Hídricos. Desse modo, na exploração comercial das águas minerais devem ser
verificados os instrumentos da aprovação dos planos de recursos hídricos e da outorga,
assim como dos princípios da Lei 9.433/1997. No entanto, no caso abordado da
exploração das águas em Minas Gerais, não apenas a legislação de águas foi totalmente
negligenciada como a própria legislação de mineração foi violada.
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VILLIERS, Marq de. Água: como o uso deste precioso recurso natural poderá
acarretar a mais séria crise do século XXI. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
WORLD BANK BRAZIL. Regulations for better water and sewerage services. Report
18.568, The World Bank, Washington, 1999.
______. Private participation in the water sector: case studies, lessons and future
options, report. Report 19.896, The World Bank, Washington, 2000.
JORNAIS E PERIÓDICOS
a) Com autoria:
DA SILVA, Ricardo Almeida Ribeiro. Água: tributação oculta e ilegal. O Globo, Rio de
Janeiro, 9 de julho. 2006. Opinião, p. 7.
LOPES, Julio. Uma lei para evitar o desperdício de água. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 28 de março, 2006. Outras Opiniões. Caderno A1, p. A11.
375
TERRA, Rodrigo. A vida pelo ralo. O Globo, Rio de Janeiro, 8 de agosto. 2005.
Opinião, p. 7.
TERRA, Rodrigo. Cedae fora da lei. O Globo, Rio de Janeiro, 9 de janeiro. 2005.
Opinião, p. 7.
b) Sem autoria:
CUIDADOS para não pagar a mais pela água: clientes devem ficar atentos para o
sistema usado pela Cedae na fixação da tarifa, pois podem estar sendo prejudicados. O
Dia, Rio de Janeiro, 20 de fev. 2006. De olho para você, p. 12.
GOVERNO congela 84% da verba para saneamento: dos R$ 6,1 bi de recursos do FAT,
FGTS e aprovados no Orçamento, só R$ 988 milhões estão disponíveis. O Globo, Rio
de Janeiro, 3 de abr. 2005. Economia, p. 36.
LEI do Saneamento tem que ser aperfeiçoada: legislação visa preencher o vácuo
deixado pelo fim do Planasa, que geraria recursos do governo para o setor. O Dia, Rio
de Janeiro, 11 de abr. 2004. Painel de Controle, p. 32.
LIMINAR impede Cedae de cobrar pela média: decisão garante cobrança de água
baseada no hidrômetro. Extra. Rio de Janeiro, 15 de janeiro. 2006. Economia, p. 30.
O DESAFIO das PPPs: governo admite atrasos, mas mantém otimismo. Empresas
cobram garantias e regras claras. O Globo, Rio de Janeiro, 31 de maio. 2005. Caderno
Especial Parcerias Público-Privadas.
376
O PARADOXO da água: setenta por cento da superfície do planeta é coberta por água –
mas só 1% de todo esse enorme reservatório é próprio para o consumo do homem. O
desafio é evitar a poluição, o desperdício e distribuir melhor esses recursos hídricos.
Revista Veja, São Paulo, 12 de out. 2005. Especial, p. 89 a 92.
PLANO de Recursos Hídricos: meta é organizar e planejar a gestão da água no país para
os próximos 15 anos. O Fluminense. Rio de Janeiro, 14 de dez. 2005.
Nacional/Mundo,p.2.
PLANO Nacional de Águas: Brasil é um dos primeiros países com lei sobre recursos
hídricos. O Fluminense. Rio de Janeiro, 29 de dez. 2005. Nacional/Mundo, p.2.
SERVIÇO público, um problema essencial: setor responde por 30% das queixas que
chegam à seção. Telefonia recebe o maior volume de reclamações. O Globo, Rio de
Janeiro, 5 de jan. 2005. Economia/ Defesa do consumidor, p. 22.
377
LEGISLAÇÃO
Lei 4.132/1962 – Define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre
sua aplicação. Disponível em http://www.presidencia.gov.br.
Lei 8.617/1993 – Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica
exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências. Disponível em
http://www.presidencia.gov.br.
378
Lei 8.876/1994 – Autoriza o Poder Executivo a instituir como Autarquia o
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), e dá outras providências.
Disponível em http://www.presidencia.gov.br.
379
menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais. Disponível em
http://www.presidencia.gov.br.
380
Lei 11.182/2005 – Cria a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. Disponível em
http://www.presidencia.gov.br.
REGULAMENTAÇÃO
a) Decretos:
381
Decreto Federal 1.842/1996 – Institui o Comitê para a Integração da Bacia Hidrográfica
do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
382
Decreto 4.613/2003 – Regulamenta o Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
383
b) Resoluções:
384
Resolução CNRH 03/1999 Institui Grupo de Trabalho que tem por objetivo elaborar
propostas de criação de Câmaras Técnicas Permanentes e Provisórias. Disponível em
http://www.cnrh.gov.br.
385
Resolução CNRH 10/2000 – Institui a Câmara Técnica Permanente de Gestão dos
Recursos Hídricos Transfronteiriços. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 16/2001 – Estabelece critérios gerais para a outorga de direito de uso
de recursos hídricos. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
386
Resolução CONAMA 312/2002 – Dispõe sobre licenciamento ambiental dos
empreendimentos de carcinicultura na zona costeira. Disponível em
http://www.mma.gov.br/conama.
Resolução CNRH 19/2002 – Aprova o valor de cobrança pelo uso dos recursos hídricos
na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 22/2002 – Estabelece diretrizes para inserção das águas subterrâneas
no instrumento Planos de Recursos Hídricos. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
387
Resolução CNRH 27/2002 – Aprova os valores da cobrança para outros usos dos
recursos hídricos, na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Disponível em
http://www.cnrh.gov.br.
388
Resolução CNRH 34/2003 – Estabelece suplências para a composição das Câmaras
Técnicas do CNRH. (Revogada) Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
389
Resolução CNRH 42/2004 – Estabelece a composição e define suplências de Câmaras
Técnicas do CNRH; altera a redação das Resoluções CNRH nos 33 e 34. (Revogada)
Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 48/2005 – Estabelece critérios gerais para a cobrança pelo uso dos
recursos hídricos. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
390
Resolução CNRH 49/2005 – Estabelece as prioridades para aplicação dos recursos
provenientes da cobrança pelo uso de recursos hídricos, para o exercício de 2006, e dá
outras providências. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
391
Resolução CNRH 56/2005 – Estabelece a composição da Câmara Técnica de Integração
da Gestão das Bacias Hidrográficas e dos Sistemas Estuarinos e Zona Costeira.
Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
392
Resolução CNRH 64/2006 – Aprova os valores e mecanismos de cobrança pelo uso de
recursos hídricos de domínio da União da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul.
Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
393
de Bacia Hidrográfica, visando definir as prioridades de aplicação dos recursos
provenientes da cobrança pelo uso da água, referidos no inc. II do § 1º do art. 17 da Lei
nº 9.648, de 1998, com a redação dada pelo art. 28 da Lei nº 9.984, de 2000. Disponível
em http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 73/2007 – Altera o inciso III do artigo 2º da Resolução CNRH nº 10,
de 21 de junho de 2000. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 76/2007 – Estabelece diretrizes gerais para a integração entre a gestão
de recursos hídricos e a gestão de águas minerais, termais, gasosas, potáveis de mesa ou
destinadas a fins balneários. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
394
Resolução CNRH 77/2007 – Prorroga o prazo da delegação de competência ao
Consórcio Intermunicipal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e
Jundiaí para o exercício de funções e atividades inerentes à Agência de Água das Bacias
Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Disponível em
http://www.cnrh.gov.br.
395
Resolução CONAMA 396/2008 – Dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais
para o enquadramento das águas subterrâneas e dá outras providências. Disponível em
http://www.mma.gov.br/conama.
Resolução CNRH 84/2008 – Encaminha à Casa Civil proposta de Decreto que acresce
parágrafo único ao art. 1º do Decreto nº 1.842, de 22 de março de 1996, que institui
Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP.
Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 88/2008 – Encaminha à Casa Civil proposta de Decreto que altera a
ementa e o art. 1º do Decreto nº 1.842, de 22 de março de 1996, que institui Comitê para
Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP. Disponível em
http://www.cnrh.gov.br.
396
Resolução CNRH 90/2008 - Estabelece as prioridades para aplicação dos recursos
provenientes da cobrança pelo uso de recursos hídricos, referidos no inc. II do § 1º do
art. 17 da Lei no 9.648, de 1998, com a redação dada pelo art. 28 da Lei no 9.984, de
2000, para o exercício orçamentário de 2009. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
397
visando definir as prioridades de aplicação dos recursos provenientes da cobrança pelo
uso da água, referidos no inciso II do § 1º do art. 17 da Lei nº 9.648, de 27 de maio de
1998, com a redação dada pelo art. 28 da Lei nº 9.984, de 17 de junho de 2000‖.
Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
398
Resolução CNRH 103/2009 - Aprova o programa de trabalho e a respectiva proposta
orçamentária da Secretaria-Executiva do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, para
o exercício de 2010. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 104/2009 - Aprova proposta de Decreto que altera o parágrafo único
do art. 1o do Decreto de 25 de janeiro de 2002, que institui o Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio Doce, localizada nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo e dá
outras providências. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 108/2010 - Aprova os valores e mecanismos para a cobrança pelo uso
dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Disponível em
http://www.cnrh.gov.br.
399
complementares para a criação e acompanhamento dos comitês de bacia. Disponível em
http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH 113/2010 - Aprova os parâmetros para usos de pouca expressão para
isenção da obrigatoriedade da outorga de uso de recursos hídricos na Bacia Hidrográfica
do Rio São Francisco. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
400
Resolução CNRH 116/2010 - Estabelece composição e define suplências para a
CTPNRH, CTIL e CTEM , para o mandato de 1o de julho de 2010 a 30 de junho de
2012, para a CTCOB, para o mandato de 1o de agosto de 2010 a 31 de julho de 2012, e
dá outras providências. http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH s/nº 2010 – Estabelece composição e define suplências para a CTAP,
CTAS, CTCT, CTGRHT e CTPOAR, e dá outras providências. Disponível em
http://www.cnrh.gov.br.
Resolução CNRH s/nº 2010 – Estabelece diretrizes e critérios para a prática de reúso
direto não potável de água na modalidade agrícola e florestal, definida na Resolução
CNRH no 54, de 28 de novembro de 2005. Disponível em http://www.cnrh.gov.br.
401
c) Portarias e instruções normativas:
Portaria DNPM 222/1997 – Aprova o Regulamento Técnico nº 001/97 que dispõe sobre
as "Especificações Técnicas para o aproveitamento das Águas Minerais e Potáveis de
Mesa". Disponível em http://www.dnpm.gov.br.
Portaria DNPM 231/1998 – Regulamenta de acordo com o que estabelece o capítulo III,
artigos 12 a 18 do Código de Águas Minerais, as ações e procedimentos necessários à
definição de áreas de proteção das fontes, balneários e estâncias de águas minerais e
potáveis de mesa em todo o território nacional, objetivando sua preservação,
conservação e racionalização de uso. Disponível em http://www.dnpm.gov.br.
402