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ANO XXV - Junho 2018 - Nº 100

Coordenação Editorial:
Vicky Safra
Assistentes de Coordenação:
Morashá Clairy Dayan
Edição 100 Fortuna Djmal
Assessora Internacional:
Muriel Sutt Seligson
Supervisão Religiosa:
Rabino Y. David Weitman
Rabino Efraim Laniado
Rabino Avraham Cohen
Jornalista Responsável:
Desirée Nacson Suslick
MTb 13603
Colaboradores especiais:
Esther Chaya Levenstein
Jaime Spitzcovsky
Reuven Faingold
Tev Djmal
Zevi Ghivelder
Revisão e tradução de texto:
Lilia Wachsmann
Consultor:
Marcello Augusto Pinto
Coordenação de Marketing:
Hillel de Picciotto
Produção Gráfica:
Joel Rechtman
JR Graphiks - Tel: 3873 0300
Projeto Gráfico:
LEN - Tel: 3815 7393
Serviços Gráficos:
C&D Editora e Gráfica - Tel: 3862 8417
Tiragem: 28.750 exemplares

A distribuição é gratuíta sendo sua comercialização


expressamente proibida. Morashá significa Herança
Espiritual; contém termos sagrados. Por favor, trate-a
com o devido respeito. Os artigos assinados são de
inteira responsabilidade de seus autores, não refletindo
necessariamente a opinião da revista. É proibida a
reprodução dos artigos publicados nesta revista sem prévia
autorização do Instituto Morashá de Cultura.
www.morasha.com.br
morasha@uol.com.br

Rua Dr. Veiga Filho, 547


Tel: 11 2597 2812
01229 000 São Paulo SP
Carta ao leitor
Morashá comemora 25 anos, um quarto de século!  uma bolha em comparação aos judeus. Eles foram
  fonte de inspiração para três quartos do mundo e
Esta edição de nossa Revista é a 100ª desde que influenciaram as questões da humanidade com mais
começou a ser publicada. Nos últimos 25 anos, intensidade e sucesso do que qualquer outra nação,
Morashá atingiu centenas de milhares de pessoas, antiga ou moderna”.
no Brasil e em outros países.   
  Já se passaram 25 anos desde que Morashá
No judaísmo, os números são altamente publicou sua primeira edição. A Revista e o mundo
significativos. São 100 edições e este número, um mudaram muito neste quarto de século, como
múltiplo de 10, simboliza integridade e plenitude.  nossos leitores constatarão na linha do tempo
  que estamos publicando. Apesar dos desafios
Desde sua criação, o objetivo desta publicação enfrentados pelo Povo Judeu e o Estado de Israel
foi divulgar as muitas facetas do judaísmo e – conflitos e guerras, terrorismo e violência em
assuntos pertinentes ao Povo e ao Estado Judeu, nossa Terra e assimilação e o ressurgimento do
para que nossos leitores conheçam melhor a antissemitismo –, nas últimas décadas a luz do
religião judaica e a história e o legado de nosso judaísmo brilhou intensamente e o Estado
povo.  Os milhares de artigos trazidos ao de Israel se tornou mais forte e moderno. 
longo destes anos trataram de nosso enorme e  
infindável acervo: a Torá, as Festas Judaicas e datas Os sonhos milenares de um povo estão-
importantes em nosso calendário, a História do se realizando e Morashá os registrou para a
Povo Judeu e de comunidades judaicas ao redor posteridade.
do mundo, o Holocausto, o Estado de Israel,  
os Sábios e personalidades judaicas que são No judaísmo, o número 100 também significa
motivo de orgulho para nosso povo e tanto agradecimento: o 100º Salmo do Rei David
enriqueceram a humanidade. é o famoso Mizmor Le’Todá (um Salmo de
  Agradecimento). Assim sendo, agradecemos a
As contribuições do Povo de Israel à todos aqueles que patrocinaram, colaboraram e
humanidade são incomparáveis. O monoteísmo contribuíram para a nossa Morashá nos últimos
– a crença em um único D’us -, os 10 Mandamentos 25 anos, possibilitando a difusão do judaísmo.
e a Torá, base da ética e moralidade para a E nos comprometemos a continuar em nossa
Civilização Ocidental – são legados do missão sagrada de difundir os assuntos do nosso
judaísmo. Além disso, são notáveis os inúmeros povo, do Estado de Israel e dos judeus que
aportes de nosso povo aos mais diversos campos contribuem para o avanço da humanidade.
do conhecimento humano, cientifico e tecnológico.   
John Adams, o segundo presidente dos Estados Esperamos e rezamos para que D’us continue
Unidos, escreveu: “Os judeus contribuíram mais concedendo-nos esse privilégio e esta honra
para civilizar os homens do que qualquer outra LeOlam Vaed, por muitos e muitos anos.  
nação. Mesmo se eu fosse ateu e acreditasse em
um destino eterno cego, ainda assim acreditaria
que o destino havia ordenado que esse povo fosse
o instrumento mais essencial para civilizar as
nações.... Os romanos e seu império eram apenas
ÍNDICE

03 carta ao leitor 25 escola beit yaacov


4ª edição do Career Day

06 NOSSAS LEIS Justos entre as Nações
A Torá e os Profetas Uma luz em tempos de escuridão

14
personalidade
30 israel
Henry Kissinger,
Israel – 70 anos
um craque da diplomacia - A batalha pelo reconhecimento
22 Kissinger: a libertação de Ahlem por zevi ghivelder

4
REVISTA MORASHÁ i100

38
destaque 56
comunidades
Príncipe herdeiro sinaliza Judeus na Argélia
mudanças na Arábia Saudita sob domínio islâmico
por JAIME SPITZCOVSKy

66 israel
41 especial Melhorando a vida no planeta
Morashá, 25 anos
69
shoá
50 arte “A Lista de Schindler” celebra 25 anos
O “Caso Dreyfus” e Edgard Degas


por reuven faingold 75 cartas

5 junho 2018
nossas leis

A Torá e os Profetas

A Torá constitui a base do Judaísmo, sem a qual este não


existiria. Apesar da palavra ser usada, com frequência, em
referência a todo o corpo de textos judaicos sagrados
– o Talmud, o Midrash e as obras da Cabalá, sua definição
precisa é Chamishá Chumshei Torá – os Cinco Livros da Torá:
Bereshit (Gênesis), Shemot (Êxodo), Vaicrá (Levítico), Bamidbar
(Números) e Devarim (Deuteronômio).

U
m dos pilares do Judaísmo é o fato de Nem o próprio Mashiach terá igual grandeza profética.
D’us ter transmitido a Moshé cada uma A Revelação Divina vivenciada por Moshé foi única,
das letras dos Chamishá Chumshei Torá. em quantidade e qualidade. A Torá nos relata que
Segundo o Talmud, negar a origem Divina “Moshé, o homem, era muito humilde, mais que todos
de uma letra sequer dos Cinco Livros da os homens na face da Terra” (Números 12:3). Devido a
Torá equivale a rejeitar os princípios do judaísmo. essa humildade sem paralelo, ele foi o ser humano mais
dotado de espiritualidade, em todos os tempos, e fez uso
Os Chamishá Chumshei Torá se destacam em meio aos de seus dons espirituais para se anular completamente
demais livros sagrados do Judaísmo pelo fato de terem perante D’us. Como era um ser humano totalmente
sido os únicos não escritos por seres humanos, mas despido de ego, sua existência física não constituía
por D’us, Ele mesmo. Sendo assim, é um erro comum, barreira entre ele e o Altíssimo. Portanto, diferentemente
mas muito grave, acreditar que Moshé foi o autor dos dos profetas que o precederam e sucederam, ele
Cinco Livros da Torá. Como nos ensina o Talmud e vivenciou a experiência direta com a Revelação Divina.
também foi codificado por Maimônides, Moshé não Nossos Sábios ensinaram que enquanto todos os profetas
teve participação alguma na autoria da Torá; ele apenas “viam através de um vidro fosco, Moshé via através de
a transcreveu, como um secretário a quem é ditado um um vidro translúcido e brilhante”. Ao contrário dos
texto. A razão pela qual os Chamishá Chumshei Torá demais profetas, ele recebeu a Revelação Divina com
são comumente chamados de Torat Moshé – a Torá de total transparência – e não mascarada por simbolismos.
Moshé – é porque somente ele, entre todos os homens, D’us escreveu em Sua Torá: “Claramente falarei com ele
teve o mérito e a capacidade de recebê-los, letra por (Moshé), e com palavras claras, e não com enigmas...
letra, e transmiti-los e ensiná-los ao Povo Judeu. (Números 12:8).

Como ensina Maimônides, um dos pilares Diferente de outros profetas, que vivenciaram alguma
fundamentais do Judaísmo é o fato de Moshé ter sido forma de Revelação Divina em seu sono ou em estado
o maior dentre todos os profetas, passados e futuros. de semiconsciência, Moshé foi o único que pôde

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REVISTA MORASHÁ i 100

Festa da alegria da Torá na sinagoga de Livorno, 1850. Solomon Alexander Hart, óleo sobre tela

comunicar-se com D’us plenamente Egito e a Divisão do Mar de Juncos de que Moshé era o portador de
desperto e no pleno comando de – que julgamos que ele seja o maior Sua Palavra. Pois D’us disse a
seus sentidos. Pois D’us assim falou: profeta de todos os tempos. Mais Moshé: “Eis que Eu venho a ti,
“…. Se houver profeta entre vós, exatamente, cremos que as profecias na espessura da nuvem, para que
Eu, o Eterno, em visão a ele Me de Moshé não têm paralelo nem ouça o povo enquanto Eu falo
faço conhecer ou no sonho falo comparação com as demais porque contigo, e também em ti crerão para
com ele. Não é assim com Meu D’us, Ele Próprio, foi testemunha sempre” (Êxodo 19:9). Portanto,
servo Moshé…” (Números 12:6). E não acreditamos na veracidade
pelo fato de Moshé ter vivenciado da Torá graças a qualquer dos
a Revelação Divina plenamente milagres que Moshé realizou. Pois o
desperto, em plena consciência, e Judaísmo não se baseia em milagres
de forma clara e transparente, lhe ou nas habilidades sobrenaturais e
foi possível receber os Chamishá profecias de ninguém. Na verdade,
Chumshei Torá com absoluta precisão a própria Torá atesta o fato de
– cada uma de suas letras e palavras, que muitos seres humanos maus,
bem como a Torá Oral, que explica como os feiticeiros do Faraó e
e elucida o texto escrito e seus o famoso profeta de Midian,
mandamentos. Bilaam, conseguiram realizar feitos
sobrenaturais. A autoridade do
Como ensina Maimônides, é Judaísmo deriva exclusivamente
essencial saber que não é pelo fato da Revelação Divina no Monte
de Moshé ter sido o canal Divino Sinai, testemunhada por milhões de
para a realização dos milagres mais pessoas, que corroborou a origem
extraordinários – como as Dez Divina da Torá e o fato de Moshé
Pragas que se abateram sobre o ter falado em Nome de D’us.

7 junho 2018
nossas leis

Como os Chamishá Chumshei Torá transmitem muitas lições àquele que Shofar em Rosh Hashaná e jejuar em
são, literalmente, a Palavra de D’us deseja explorar suas profundezas. No Yom Kipur.
Infinito – tendo o Todo Poderoso, entanto, os Chamishá Chumshei Torá
Ele Próprio, escrito cada letra –, esses também são uma obra extremamente Como os Cinco Livros da Torá
Cinco Livros da Torá são imutáveis e hermética: ordenam ao Povo são uma obra de Autoria Divina,
eternos. Assim como D’us é perfeito, Judeu o cumprimento de uma eles contêm informações que
Sua Torá também o é. Assim como multiplicidade de mandamentos, apenas um Ser Onisciente poderia
D’us não se modifica nem envelhece, mas não explicam como cumprir a conhecer. Quem estuda esses
imutável também é a Sua Torá, grande maioria deles. Por exemplo, Cinco Livros com diligência e
que tampouco se torna anacrônica, ainda que nos ordenem “afligir- seriedade intelectual irá perceber
sob aspecto algum. Assim sendo, nos” em Yom Kipur, nada dizem que tais textos não podem ter sido
D’us nos impõe em Sua Torá: “Não sobre a obrigação de jejuar nesse concebidos por um ser humano.
acrescentareis sobre a coisa que dia. A chave para o entendimento A Divindade dos Chamishá
Eu vos ordeno, e não diminuireis dos Cinco Livros da Torá reside na Chumshei Torá é clara para aqueles
dela, para que guardeis os preceitos Torá Oral – ensinada por D’us a que se aprofundam nos mesmos.
do Eterno, vosso D’us, que Eu vos Moshé e transmitida de geração em Além disso, assim como D’us é
ordeno” (Deuteronômio 4:2). Isso geração. A Torá Oral, como indica Infinito, também o é a Sua Torá.
significa que nenhum mandamento seu nome, foi transmitida oralmente. Seu estudo, portanto, é uma tarefa
da Torá pode ser permanentemente Após a destruição do segundo sem fim, que requer uma devoção
anulado, modificado ou manipulado, Templo Sagrado de Jerusalém e o constante.
de forma alguma. exílio do Povo Judeu da Terra de
Israel, temia-se que a Torá Oral se Os Profetas
Como a Torá revela a Vontade perdesse. Assim sendo, foi transcrita,
e Sabedoria Divinas ao homem, constituindo o Talmud (Mishná e Um dos princípios fundamentais do
ela foi transmitida letra por letra Guemará), o Midrash e outros textos Judaísmo diz respeito à profecia. A
para evitar qualquer interpretação sagrados. É a Torá Oral que explica existência de profetas é um elemento
errônea. Assim sendo, qualquer e elucida os Chamishá Chumshei necessário no relacionamento entre
uma de suas frases, letras ou Torá e nos ensina como cumprir D’us e o ser humano, pois é por
palavras tem significado profundo. adequadamente suas leis e seus meio desses homens e mulheres
Mesmo seus versículos e passagens mandamentos, inclusive os mais que o Todo Poderoso se comunica
aparentemente irrelevantes básicos dentre eles, como ouvir o conosco. Na verdade, a Torá nos
ordena dar importância às palavras
dos verdadeiros profetas. Como
está escrito, “Profeta do meio de
ti, ... te fará surgir, o Eterno, em
todas as gerações; a ele ouvireis”
(Deuteronômio 18:15).

É importante observar que a


capacidade de um indivíduo de
enxergar o futuro com exatidão
ou de realizar milagres ou feitos
sobrenaturais não fazem dele,
necessariamente, um verdadeiro
profeta. Para sê-lo, é preciso
destacar-se em sabedoria,
conhecimento da Torá e devoção
a D’us. Ademais, para ser aceito
como verdadeiro profeta pelo Povo
Judeu, era necessário dar sinais
disso perante o Sanhedrin – a Corte

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REVISTA MORASHÁ i 100

Suprema Judaica –, sendo testado


por seus juízes, que eram peritos
em questão de profecia e capazes de
distinguir os verdadeiros profetas
dos falsos.

O ponto a seguir tem importância


crucial: a autoridade de todo profeta
deriva exclusivamente da Torá.
Isso significa que nenhum profeta
pode contradizer uma única de
suas palavras, independentemente
de quantos sinais ou maravilhas ele
produza. Portanto, se um profeta
tenta contradizer, de alguma
maneira, a Torá, ele não tem crédito;
é um falso profeta, ainda que realize
os milagres mais assombrosos.
É importante enfatizar que o falso
profeta não é, necessariamente,
impostor ou trapaceiro. Ele pode,
perfeitamente, prever o futuro e
realizar milagres com precisão.
É natural, então, que perguntemos
por que D’us permite a existência
de falsos profetas, concedendo-lhes
poderes sobrenaturais. Temos a
resposta na própria Torá: D’us nos
alerta que tais falsos profetas podem Rabino com a Torá, Marc Chagall
surgir para testar nossa lealdade a
Ele e à Sua Torá. Como está escrito,
“Se um profeta se levantar em teu As palavras do verdadeiro profeta Lei com fidelidade e honestidade,
meio, ou um sonhador, e te der um não podem contradizem a Torá e seguindo a Lei Oral ensinada por
sinal do céu ou um milagre da Terra, porque, como somente os Chamishá D’us a Moshé. Como está escrito, ...
e realizar-se o sinal ou o milagre Chumshei Torá foram escritos “Estes são os preceitos que ordenou
de que te falou, e te disser: ‘Vamos por D’us, eles são a única fonte o Eterno a Moshé, para os Filhos
atrás de outros deuses, que não verdadeira de Autoridade Divina de Israel, no Monte Sinai” (Levítico
conheceste, e sirvamo-los!’..., mesmo obrigatória por todo o sempre. 27:33). Em outras palavras, tudo
se o sinal ou milagre que ele previu Com a finalização da transcrição o que está escrito nos Chamishá
se concretizar, não obedecerás às dos Cinco Livros da Torá e a morte Chumshei Torá é intocável, como
palavras daquele profeta ou daquele de Moshé, nenhuma outra lei ou explica a Torá Oral. O máximo que
sonhador; porque o Eterno, teu mandamento bíblico novo pôde ser Profetas, Sábios e Rabinos podem
D’us, te está experimentando para introduzido por via profética. fazer é introduzir Leis Rabínicas,
saber se amas o Eterno, teu D’us, cujo único propósito é fortalecer o
com todo o teu coração e com toda Os Chamishá Chumshei Torá são a cumprimento das Leis dos Cinco
a tua alma” (Deuteronômio 13:2-4). Constituição do Povo Judeu, e seu Livros da Torá ou celebrar eventos
D’us permite a existência de falsos Autor, é o único Legislador. Os seres de importância histórica para o
profetas porque deseja testar se o humanos, ainda que sejam grandes Povo Judeu. Por exemplo, nossos
Povo Judeu permanecerá fiel a Ele profetas, nada podem fazer além de Sábios instituíram – por razões que
e à Sua Torá, ou se permitirá ser servir ao Legislador e Juiz Supremo, fogem ao escopo deste trabalho –
seduzido por milagreiros. interpretando e implementando Sua que os judeus na Diáspora devem

9 junho 2018
nossas leis

adicionar um dia às festas religiosas, falso profeta, nem mesmo pedir-


os Yamim Tovim. Contudo, jamais lhe um sinal. Se ele produzir um
ousariam anular um Yom Tov ou sinal por si só, é proibido acreditar
decretar que devem ser guardados nesse sinal ou lhe dar atenção. Pois
menos dias do que ordena a Torá. está escrito: “…não obedecerás às
Se um profeta contradissesse uma palavras daquele profeta ou sonhador”
única lei da Torá, mesmo que fosse (Deuteronômio 13:4).
uma aparentemente trivial, ele seria
considerado falso profeta. É importante observar que apesar da
capacidade dos profetas de receber
Deve, pois, ficar claro que o mensagens Divinas, eles não tinham
mandamento da Torá que reza que sequer a palavra final em questões
devemos obedecer às palavras de ligadas à interpretação da Lei da
um profeta não lhe dá autoridade Torá e suas aplicações. Em outras
de anular, inovar ou, de alguma palavras: ao dar a Torá ao Povo
maneira, manipular as leis e Judeu, D’us estabeleceu um meio de
mandamentos dos Chamishá autoridade baseado no julgamento
Chumshei Torá. Profeta algum tem e na razão humana. Está escrito:
autoridade para anular ou modificar “Porque este mandamento que
lei alguma da Torá, como as leis de Eu hoje te ordeno, ... não está nos
Tefilin, Cashrut (leis alimentares) Céus...” (Deuteronômio 30:11-12).
ou do Shabat. D’us prometeu nunca As leis referentes à idolatria, no As leis devem ser estabelecidas por
enviar um profeta verdadeiro para entanto, não podem ser revogadas juízes e especialistas na Lei da Torá
acrescentar, subtrair ou modificar nem por um instante sequer. por meio do exercício de raciocínio
qualquer mandamento da Torá. Assim, pois, se um profeta der uma intelectual, não pela capacidade de
Ademais, um verdadeiro profeta não instrução qualquer de adoração a um se comunicar com os Céus. Portanto,
interpretaria uma lei de maneira deus, ser humano, objeto ou imagem, nenhuma questão da Lei da Torá
diferente do que dispõe a Torá Oral. ou alegar ser mediador entre D’us e o pode ser decidida por profecias,
Assim, pois, qualquer profeta que homem, ainda que uma única vez, ele Inspiração Divina, vozes celestiais,
alegue fazer qualquer dessas ações é, não deve ser obedecido. Isso se aplica Urim v’Tumim, sonhos ou qualquer
por definição, um falso profeta. mesmo que ele realize milagres outro fenômeno sobrenatural. Em
e maravilhas para comprovar sua questões de Leis da Torá, o profeta
Bem verdade, a Torá permite, profecia. O profeta que tenta levar não é melhor nem pior que qualquer
em certos casos, que um profeta alguém à idolatria é culpado de um outro Sábio. Bem verdade, muitos
revogue, temporariamente, uma de delito capital. Pois a Torá ordena: profetas dirigiam o Sanhedrin ou
suas leis ou mandamentos. “E aquele profeta ou sonhador será serviam como seus membros. Nessa
No entanto, ele deve ter uma morto, porquanto pregou falsidade capacidade, tinham o direito de
razão irrefutável para fazê-lo. Por em Nome do Eterno, teu D’us” interpretar leis e iniciar legislação,
exemplo, se um profeta instruísse (Deuteronômio 13:6). mas na exata medida dos demais
o Povo Judeu a não jejuar durante juízes do Sanhedrin. Durante
determinado Yom Kipur, ele deveria Além disso, o profeta que alega longo período, os profetas foram os
ser obedecido. Na verdade, isso ser enviado por algum poder ou guardiães da Torá Oral; na verdade,
aconteceu uma só vez na História divindade além do Eterno, ainda muitas leis encontradas em seus
Judaica: quando foi inaugurado que em defesa da Torá, é culpado de escritos baseiam-se na Tradição
o Primeiro Templo de Jerusalém. pecado capital. Como está escrito, Oral dada por D’us a Moshé no
Mas, se o profeta alegar que “Mas o profeta que propositadamente Sinai. Mas, em caso algum, eles
recebeu uma Revelação Divina no falar alguma coisa em Meu Nome introduziram uma lei baseada apenas
sentido de que Yom Kipur não deve que não lhe ordenei falar ou que em profecia. Um profeta não pode
mais ser cumprido como tal, ele falar em nome de outros deuses, este alegar que seu dom profético o
estará anulando uma lei da Torá e, profeta morrerá” (Deuteronômio intitula a ditar questões sobre a Lei
definitivamente, é um falso profeta. 18:20). É proibido discutir com tal Judaica.

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REVISTA MORASHÁ i 100

À luz do que discutimos acima, deve


ficar claro que como os Chamishá
Chumshei Torá são exclusivamente
um trabalho de Autoria Divina, sua
autoridade é suprema e final. Isso
significa que nada que esteja escrito
em outros livros sagrados, como nos
Livros dos Profetas, pode suplantar
o que contêm os Cinco Livros que
D’us, Todo Poderoso, ditou a Moshé.
Através da História, muitos grupos
religiosos tentaram converter os
judeus tentando convencê-los de que
as leis dos Chamishá Chumshei Torá
já não se aplicavam. Em sua tentativa
de converter os judeus às suas
respectivas religiões, esses grupos
citavam versículos ou passagens dos
Livros dos Profetas, como a seguinte
citação do Livro de Jeremias:
“Aproximam-se os dias quando
estabelecerei um novo pacto com a
Casa de Israel” ... ( Jeremias 31:30).
Chamishá Chumshei Torá, assim versículos e passagens dos Livros
Independentemente de como se como profeta algum jamais teve dos Profetas. Apesar de servirem
quiser interpretar essa citação – e ou terá mais autoridade do que a diversos propósitos religiosos
outras semelhantes nos Livros dos Moshé. Unicamente os Cinco e serem, sem sombra de dúvida,
Profetas –, nada tem poder acima Livros da Torá são obra de pura sagrados, não constituem fonte da
dos mandamentos dos Chamishá Autoria Divina e, portanto, nenhum Lei da Torá e não podem anular ou
Chumshei Torá e da obrigação do outro livro pode a eles se comparar, modificar algo que esteja escrito nos
Povo Judeu de cumpri-los. Dentro desafiar ou contradizer, de maneira Chamishá Chumshei Torá.
de seu contexto, fica claro que esse alguma. As palavras dos Profetas
versículo do Livro de Jeremias não apenas fortalecem e corroboram É absurdo sugerir que um verdadeiro
fala de um novo testamento ou os ensinamentos dos Cinco Livros profeta contradiria ou buscaria
legislação que viria a substituir a da Torá, jamais a eles se opondo. anular uma única letra de um livro
Torá transmitida por D’us a Moshé, Portanto, nem é tão relevante a composto por D’us. Alguém que
mas sim, de uma renovação da maneira como se interpretam os alegue ser um profeta e critique ou
devoção a seus ensinamentos. O questione uma única letra dos Cinco
profeta Jeremias assim conclui, em Livros da Torá se está rebelando
nome de D’us, “Pois este é o pacto contra o Seu Mestre – e é, portanto,
que Eu farei com a Casa de Israel: e por definição, um falso profeta. A
farei com que internalizem Minha missão de vida do verdadeiro profeta
Torá em todo o seu ser e a gravarei é fortalecer o relacionamento do
em seu coração...” ( Jeremias 31:32). Povo Judeu com D’us e Sua Torá.
Quando alguém estuda os Livros
É nefasto usar os versículos dos dos Profetas com honestidade
Livros dos Profetas fora de contexto intelectual, sem subtrair versículos ou
na tentativa de convencer o Povo passagens de contexto, esse alguém
Judeu a abandonar a Torá. Além do percebe que a principal mensagem
mais, como vimos acima, profecia Coroa da Torá (Keter Torá), Veneza,
dos Profetas foi ordenar ao Povo
alguma pode anular as palavras dos c. 1740-50 Judeu que seguisse D’us com toda

11 junho 2018
nossas leis

a fé, mediante o cumprimento de Como mencionamos acima, O Livro de Josué foi escrito por
todos os mandamentos de Sua Torá. repetidamente, a Torá - os Chamishá ele. Contudo, os versículos que nos
Por exemplo, o Profeta Isaías falou Chumshei Torá – é singular, pois contam sua morte ( Josué 23:20-32),
não apenas de nossas obrigações foi composta por D’us e ditada bem como a morte de Elazar ( Josué
diante do fraco e do necessitado, a Moshé, que a transcreveu. Os 24:33) foram escritos por Pinchás.
mas também sobre a importância de Livros dos Profetas foram revelados
guardar o Shabat. É digno de nota – através de profecias. Os Escritos O Livro dos Juízes foi escrito pelo
e certamente não uma coincidência foram escritos por intermédio profeta Shmuel. A primeira parte
– que as últimas palavras de D’us ao de Inspiração Divina, sem visão do Livro de Shmuel até sua morte
último dos Profetas tivessem sido: profética. (Shmuel 1, 25:1) também foi escrita
“Lembrai-vos da Torá de Moshé, por ele. O restante de Shmuel 1 e
Meu servo, a quem ordenei, em Os Neviim (Livros dos Profetas) todo Shmuel 2 foram escritos pelos
Horev (Sinai) estatutos e preceitos consistem de oito livros, e são: profetas Gad e Natan. Como está
para todo Israel” (Malachi 3:22). Iehoshua ( Josué), Shoftim ( Juízes), escrito: “E os atos do Rei David…
Shmuel (Samuel 1 e 2), Melachim estão registrados nas Crônicas de
Os 24 Livros do (Reis 1 e 2), Ieshaiáhu (Isaías), Shmuel, o vidente, nas Crônicas do
Tanach e sua Autoria Irmiáhu ( Jeremias), Iechezkel profeta Natan e nas Crônicas de
(Ezequiel) e Trei Assar (Doze Gad, o vidente (Crônicas 1 – 29:29).
Ainda que tenham havido muitos Profetas Menores): Hoshêa, Ioel,
profetas na História do Povo Amós, Ovádia, Ioná, Michá, Os dois livros dos Reis foram
Judeu e muitas palavras de profecia Nachum, Chavacuc, Tsefaniá, Hagai, escritos pelo profeta Irmiáhu
tenham sido ditas e gravadas, Zehariá e Malachi. ( Jeremias), sendo que incluíam
apenas foram registradas no Tanach, também material escrito por profetas
a Bíblia Hebraica, aquelas que Os Ketuvim (Escritos) consistem de anteriores.
seriam necessárias para as futuras 11 livros: Tehilim (Salmos), Mishlê
gerações. O Tanach é dividido (Provérbios), Ióv ( Jó), Shir HaShirim O Livro de Isaías foi escrito pela
em três partes principais: a Torá (Cântico dos Cânticos), Ruth, Eichá Escola do Rei Ezequias. Era
(Chamishá Chumshei Torá), os Livros (Lamentações), Cohelet (Eclesiastes), costume os profetas registrarem suas
dos Profetas (Neviim) e os Escritos Esther, Daniel, Ezra e Neemias profecias pouco antes de sua morte.
(Ketuvim). A palavra Tanach é um (Ezra) e Divrei Haiamim (Crônicas, No entanto, suas profecias públicas
acrônimo dessas três palavras: Torá, 1 e 2). eram transmitidas ao Sanhedrin e
Neviim, Ketuvim. registradas por eles. Como Ieshaiáhu
(Isaías) foi morto pelo Rei Menashé,
Em sua forma final, o Tanach foi o rei david. MARC CHAGALL, 1951 ele não teve chance de deixar suas
composto pela Grande Assembleia profecias por escrito. Posteriormente,
(Anshei Knesset HaGuedolá), sob a isso foi feito pelo Sanhedrin.
liderança de Ezra, pouco antes de
deixarem de existir as profecias. A O Livro de Irmiáhu ( Jeremias) foi
Grande Assembleia era composta escrito por ele mesmo e terminado
por 120 anciãos, inclusive o último pela Grande Assembleia.
dos profetas (Malachi). Hoje, o
Tanach é um cânone pronto, ao Apesar de que, sob certas condições,
qual nada pode ser acrescentado ou revelações proféticas podiam ocorrer
subtraído. Como está escrito: “Cada fora da Terra de Israel, nenhuma
palavra de D’us é verdadeira ... Não profecia podia ser publicada fora
acrescentes nada às Suas palavras...” dela. Portanto, como o profeta
(Provérbios 30:5-6). Ezequiel vivia fora da Terra Santa,
ele não publicou suas profecias, que
O Tanach consiste de 24 livros. foram preservadas pelo Sanhedrin,
Destes, cinco estão na Torá, oito nos que finalmente as publicaram.
Profetas e 11 nos Escritos.

12
REVISTA MORASHÁ i 100

A Grande Assembleia publicou os


Trei Assar (Doze Profetas Menores),
primeiramente em um único rolo.
Individualmente, os livros eram tão
pequenos que se teriam perdido se
publicados em separado.

O Rei David publicou seus Salmos.


Contudo, alguns deles já tinham
sido compostos e transmitidos por
gerações anteriores.

O Livro dos Provérbios, o


Eclesiastes (Cohelet) e o Cântico
dos Cânticos (Shir haShirim) foram
escritos pelo Rei Salomão, filho do
Rei David. Mas, já no final de sua
vida, o Rei Salomão estava muito
envolvido com afazeres de seu reino
para poder publicá-los. Quem o
fez foi a Escola do Rei Ezequias.
Como está escrito, “Também estes
são os provérbios de Salomão,
copiados pelos homens de Hizquiá
(Ezequias), rei de Judá” (Provérbios
25:1).

O Livro de Jó foi escrito por Moshé.


O Livro de Ruth, que se lê durante
a festa de Shavuot, foi escrito
pelo profeta Shmuel. O Livro das Carregando os Rolos da Lei, 1867, Simeon Solomon. Aquarela e guache.
Lamentações (Eichá), lido em Tisha
b’Av, foi escrito pelo profeta Irmiahú
( Jeremias). publicadas de imediato. Por essa Judeu, hoje é aceito por grande parte
razão, o Livro de Daniel também foi da humanidade, constituindo uma
O Livro de Esther, que lemos em publicado pela Grande Assembleia. das bases da Civilização Ocidental.
Purim, foi escrito originalmente Ezra escreveu os Livros de Ezra e Portanto, D’us utiliza o Tanach
por Mordechai, como uma carta Neemias. para conduzir o mundo inteiro
às várias comunidades judaicas da em direção à verdade, preparando
época, contando-lhes acerca do O primeiro Livro de Crônicas e o a humanidade para a vinda do
milagre. Mas surgiu uma dúvida se segundo livro até o versículo 21:2 Mashiach.
essa carta deveria ou não ser incluída foram escritos por Ezra. O restante
no Tanach. Mesmo após se ter de Crônicas 2, por Neemias.
decidido incluí-la, havia a proibição
de publicá-la fora da Terra de Israel, Outros livros, como os Livros
até que acabou sendo publicada pela Apócrifos, também contêm BIBLIOGRAFIA
Grande Assembleia. sabedoria, mas não foram escritos Rabbi Kaplan, Aryeh - Handbook of
por Inspiração Divina, e, por isso, Jewish Thought - Maznaim Publishing
Corporation
As profecias de Daniel ocorreram não foram incluídos no Tanach. Rabbi Kaplan, Aryeh – Maimonides’
na Babilônia, não na Terra de Israel. Apesar de o Tanach ter sido dado, Principles: The Fundamentals of Jewish Faith
Sendo assim, não poderiam ser originalmente, apenas ao Povo - Mesorah Publications Ltd

13 junho 2018
personalidade

Henry Kissinger,
um craque da diplomacia

Ao completar 95 anos, o ganhador do Prêmio Nobel da Paz


de 1973 e ex- Secretário de Estado dos EUA é um ícone no
mundo da diplomacia; até hoje, um dos mais solicitados
observadores políticos do mundo. Ao colocar os interesses
americanos acima de tudo, Kissinger colecionou muitos
admiradores e muitos críticos.

d
e 1973 a 1975, os americanos responderam na Guerra do Vietnã. Naquele ano, o prêmio também
à pesquisa anual do Instituto Gallup, sobre deveria ser entregue ao político vietnamita Le Duc
qual o homem mais influente do país, Tho, por seu papel igualmente fundamental em busca
com um único nome: Henry Kissinger. da bandeira branca entre Estados Unidos e Vietnã, mas
Na década de 1980, o presidente Ronald Duc Tho recusou a honraria, alegando que a paz ainda
Reagan o convidou para presidir um painel sobre não reinava sobre o Vietnã – fato que se confirmou em
política na América Central; em 2001, após os ataques 1975, quando os ataques foram retomados.
terroristas às Torres Gêmeas, em Nova York, George
W. Bush o convocou para presidir uma comissão de Heinz Alfred Kissinger nasceu na Alemanha, em 27 de
inquérito. Em novembro de 2016, antes de assumir maio de 1923, na cidade de Fürth, vizinha a Nuremberg,
a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump se ao norte da Bavária. Seu pai, Louis, era judeu ortodoxo,
reuniu com ele para se aconselhar sobre a formação professor na escola local e valorizava os estudos, embora,
de sua equipe de governo. Nosso personagem está, para seu desespero, o pequeno Heinz (ele vai adotar o
também, entre os 195 judeus de um total de 900 nome Henry ao chegar nos Estados Unidos) preferisse
laureados com o Prêmio Nobel desde sua criação, o futebol aos livros. (E, aqui, abrimos um parêntese:
em 1901, até 2017. Uma das figuras mais brilhantes Talvez a sede de armar jogadas e driblar adversários o
e controversas da História Contemporânea, gênio tenha acompanhado do campo às mesas de negociação
político, peça-chave na política externa dos Estados com líderes de todo o mundo, durante sua carreira de
Unidos entre os anos 1968 e 1976, o diplomata diplomata, como veremos mais adiante...).
americano Henry Alfred Kissinger continua a exercer
influência no cenário político mundial até os dias de Voltemos à História: Kissinger cresceu em um lar
hoje, aos 95 anos. ortodoxo judaico, o que acarretou intenso estudo da
Torá e do Talmud. Em suas memórias, lembra-se
Kissinger recebeu o Nobel da Paz em 1973, em de ter sido alvo de antissemitismo. Em mais de uma
reconhecimento à sua atuação no acordo de cessar-fogo ocasião, apanhou dos guardas nos estádios por estar

14
REVISTA MORASHÁ i 100

Se você
não sabe
para onde
está indo,
qualquer
caminho
o levará
a lugar
nenhum

assistindo ilegalmente aos jogos e, judeus, ficou desempregado e perdeu e seu irmão mais novo, Walter –,
com frequência, teve de andar se seus direitos de cidadão alemão, da finalmente conseguiu, em 1938,
esgueirando pelas ruas de Fürth, mesma forma que todos os judeus o visto para entrar nos Estados
com cuidado, para evitar as primeiras do Terceiro Reich. Unidos, via Londres. Os Kissinger
gangues nazistas. Em suas memórias chegam a Nova York, onde se
da juventude, Kissinger escreve: À procura de um país que a estabeleceram em Washington
“Você não pode crescer como nós, acolhesse, a família – formada Heights, Manhattan, região que
judeus, na Alemanha, e permanecer pelos pais, Louis e Paula, Henry abrigava muitos outros judeus
intocado”. Surpreendentemente, ele refugiados da Alemanha.
não foi um ótimo aluno. Sonhava em
entrar no “Gymnasium” – o termo À época com 15 anos, Henry
alemão para o nosso Ensino Médio, entendeu que seria melhor abraçar
quando as futuras oportunidades os estudos e deixar a bola de lado.
profissionais são forjadas, e para Depois de um ano, os parcos
o qual a admissão depende do recursos da família acabaram
conjunto de matérias e sucesso forçando o jovem a trabalhar em
acadêmico na área pretendida. No uma fábrica de pincéis de barba.
entanto, quando ele chegou à idade Resultado: ele teve de se contentar
adequada, em fins da década de com a escola noturna. Depois de
1930, na Alemanha, o Gymnasium já completar o ensino médio, foi em
não aceitava candidatos judeus... busca de um diploma de contador no
City College de Nova York.
Com a ascensão de Adolf Hitler ao
poder, seu pai, Louis Kissinger, assim Em 1943, aos 20 anos, conseguiu sua
como centenas de milhares de outros Henry Kissinger ainda menino cidadania americana, época em que

15 junho 2018
personalidade

se alistou para servir na Depois de receber dispensa do problemas políticos. O livro é um


2a Guerra Mundial. E foi assim exército, foi estudar em Harvard. marco importante na formação de
que ele voltou à Alemanha, só que, Na renomada universidade cursou Kissinger como cientista político,
dessa vez, vestindo um uniforme História Política e Ciências especialista em política externa. Seus
militar americano. Juntou-se à Políticas, formando-se em 1950. argumentos continuam válidos e
84ª Infantaria. (Ver artigo) Foi ali No ano seguinte, Kissinger tornou- parte importante do pensamento
que um oficial superior, o também se Diretor do Departamento de dos estudiosos e praticantes da
refugiado alemão Fritz Kraemer, Pesquisa de Operações – centro de política externa da atualidade e pelas
ficou impressionado com o jovem pesquisa civil e militar criado pelo próximas décadas.
Kissinger e o designou para o Exército dos EUA em 1948, com
setor de inteligência militar de sua sede em Washington. Apesar da Em 1955, Kissinger passou a
divisão. Destemido, ele se ofereceu responsabilidade do cargo, conseguiu ser consultor no Conselho de
para inúmeras missões perigosas. se formar com o título de Mestrado, Coordenação de Operações, fundado
Durante uma das ações mais cruciais em 1951. No ano seguinte, foi pelo Presidente Eisenhower para
da Guerra, viu os combates de perto nomeado Diretor do Seminário implementar a integração das
e logo se voluntariou para servir Internacional de Harvard, posto informações de todas as agências
na Inteligência em Zonas de Risco onde permaneceria por sete anos. de segurança dos Estados Unidos.
na grande contraofensiva alemã, Contudo, por ter ganho uma cátedra
a Batalha das Ardenas (Bélgica). Dois anos mais tarde, ao concluir como professor em Harvard, nesse
A seguir, foi transferido para o seu doutorado, apresentou uma mesmo ano, ele julgou, então, que
970º Corpo de Contrainteligência, tese sobre a diplomacia da Europa se sentia mais confortável em um
onde chegou à patente de sargento. pós-napoleônica, período pelo qual ambiente mais teórico.
Em 1945 recebeu uma Estrela de sempre foi fascinado. Esse material
Bronze por caçar oficiais nazistas e lhe rendeu a base para seu primeiro Ainda que não tivesse tido cargos
colaboradores a serviço da Gestapo. livro, publicado em 1957, A World de relevância no Departamento de
Em 1946, ele já atingira o posto Restored: Metternich, Castlereagh and Estado durante a administração
de Capitão da Inteligência Militar the Problem of Peace, 1812-1822. Seu Kennedy e Johnson, ele serviu
da Reserva. Ao término da guerra, interesse nesse período da História como Assessor Especial dos dois
continuou na Europa servindo como ofereceu-lhe uma oportunidade de presidentes, nos sete anos seguintes.
instrutor na Escola de Inteligência mergulhar nos problemas e soluções
de Comando, em Oberammergau, adotadas no passado que seriam Com sua mente brilhante, acabou
no sul da Alemanha. oportunas para os então atuais chamando a atenção do magnata
Nelson Rockfeller e fez parte de
sua equipe, em três campanhas
presidenciais. Em 1968, Rockfeller,
então governador de Nova York,
disputou e perdeu as prévias do
Partido Republicano com Richard
Nixon. Fora da briga nas urnas,
Rockfeller sai de cena, enquanto
Kissinger é convidado a fazer parte
da equipe de Nixon logo que este
assume como 37º Presidente dos
Estados Unidos. Durante o jantar
do National Press Club, em 2001,
Kissinger ironizou essa situação:
“Então, quando vocês forem ler
sobre como planejei ‘cuidadosamente’
minha trajetória para me aproximar
Presidente Richard Nixon e Henry Kissinger, Secretário de Segurança Nacional e
de Nixon, e quiserem ensinar a seus
Secretário de Estado, na Casa Branca, out. 1973 filhos, digam: ‘Apoiem o oponente

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REVISTA MORASHÁ i 100

do homem para quem desejam pescoço na Guerra do Vietnã, desaparecidos na Indochina”. De


trabalhar’ ”. sem perspectiva alguma de carona na pretensa paz estabelecida,
chegar à paz. E com o agravante Nixon se elegeu para o segundo
Em 1973, Kissinger, que já era de que Nixon havia calcado sua mandato.
Conselheiro de Segurança Nacional, campanha sob o lema “Paz com
assume simultaneamente o posto Honra”. Ao assumir a presidência, Negócio da China
de Secretário de Estado americano, ele reduziu, aos
que, no Brasil, equivale ao cargo de poucos, o papel americano no Paralelamente ao conflito no
Ministro das Relações Exteriores. combate por terra, enquanto Vietnã, Kissinger tratou de
Era o primeiro judeu e o primeiro aumentava a campanha de atuar explorando as crescentes
imigrante naturalizado a se tornar bombardeio aéreo contra o Vietnã tensões entre as duas potências
Secretário de Estado. Até 1974 do Norte e ordenava incursões comunistas da época, a China e
ocupou o cargo no governo do ao vizinho Camboja, provocando a União Soviética. Nesse papel
presidente Richard Nixon, que fortes protestos em casa. Nesse de consultar uma das partes, nem
foi levado a renunciar depois do período, Kissinger se concentrava sempre voltando a Washington,
escândalo Watergate, e durante um nas negociações por um cessar- e consultar a outra (a tal shuttle
ano no governo de Gerald Ford fogo com o Vietnã do Norte. Em diplomacy), acabou atraindo para
(1974-1977). “Nunca antes ou agosto de 1969, Kissinger e Le si críticas tanto de conservadores
depois disso, as relações entre a Casa Duc Tho, membro do Politburo (que viam com desconfiança sua
Branca e o Departamento de Estado do Partido Comunista do Vietnã aproximação da China e da União
foram tão harmoniosas”, brincou do Norte, passaram a se encontrar Soviética) quanto de liberais (que
Kissinger, naquele mesmo jantar do secretamente em uma vila nos pediam uma retirada mais rápida
National Press Club. arredores de Paris, o que levou das tropas americanas do Vietnã).
ao acordo de janeiro de 1973, E Kissinger tinha consciência do
E foi no exercício do poder que estabelecendo o fim da guerra. terreno delicado por onde pisava.
Henry Kissinger se mostrou Esse esforço acabou rendendo- Prova disso está no seguinte
dono de uma personalidade forte, lhes o Nobel da Paz daquele diálogo que teve com o cantor e
determinada e polêmica. No mesmo ano. E enquanto Le Duc ator Frank Sinatra, durante um
futebol, poderia ser comparado a Tho não quis aceitar a honraria, jantar. Tomado por sua mania
um meio-campista, armador de Kissinger anunciou que doaria seu de perseguição, Sinatra disse a
jogadas arriscadas, geniais e que, na prêmio em dinheiro “para os filhos Kissinger: “Sabe, muitas pessoas
maioria das vezes, resultam em gols. de soldados americanos mortos ou dizem que tenho ligação com a
Seus estratagemas, frequentemente,
incluíam sentar-se à mesa com
inimigos passados, caso fosse preciso,
em prol dos interesses americanos.
“A América não tem amigos ou
inimigos eternos, apenas interesses”,
costumava dizer, referindo-se ao
método da mediação diplomática ao
qual deu origem – a famosa “shuttle
diplomacy” (ou diplomacia de “Ponte
Aérea” de Kissinger).

Muito dessa postura é notória na


própria época em que Kissinger
foi designado por Nixon para o
Conselho de Segurança Nacional,
em 1968. Naquele período,
os Estados Unidos estavam Kissinger aperta as mãos de Le Duc Tho após a assinatura dos Acordos de Paris,
literalmente enlameados até o em 23 de janeiro de 1973

17 junho 2018
personalidade

máfia, mas eu não tenho”. Ao que Guerra do Yom Kipur


Kissinger respondeu: “Que pena,
Frank! Precisava de alguém para A maior crise internacional
dar um fim aos meus inimigos...”. enfrentada por Kissinger no segundo
mandato de Nixon foi a Guerra
Em 1971, Kissinger fez uma do Yom Kipur, em 1973, em Israel.
viagem secreta à China e deu O conflito tinha como motivação
início ao pleno reconhecimento principal o desejo do Egito e da
diplomático entre os Estados Síria de recuperar seus territórios,
Unidos e o governo de Pequim, respectivamente, a Península do
levando à integração da China na Sinai e as Colinas de Golã, perdidos
economia global, no que seria o durante a Guerra dos Seis Dias,
embrião para o gigante econômico em 1967. A guerra ganhou este
em que o país se tornaria, anos nome porque Israel foi invadido – e
mais tarde. Também iniciou surpreendido – justamente durante
as negociações estratégicas de o Yom Kipur de 1973 (Ver artigos no
Presidente Nixon e Kissinger,
limitação de armas com a União de saída do anexo do Kremlin número 81 de Morashá)
Soviética, que resultaram no
Tratado de SALT (sigla para também chamada de Carcará), uma De um lado, estavam o Egito
Strategic Arms Limitation Talks, em aliança político-militar entre os e a Síria, que tinham o apoio e
tradução livre: Negociações sobre vários regimes militares da América armamentos da União Soviética.
Limitação de Armas Estratégicas) do Sul – Brasil, Argentina, Chile, Do outro, Israel, apadrinhado pelos
e no Tratado de Mísseis Bolívia, Paraguai e Uruguai – com Estados Unidos. Assim, o que
Antibalísticos. a CIA, serviço secreto dos Estados deveria ser um confronto regional
Unidos, levada a cabo nos anos 1970 poderia levar a um enfrentamento
Operação Condor e 1980. Seu objetivo era neutralizar militar entre as superpotências de
opositores dessas ditaduras nos então.
Também era alvo de críticas países do Cone Sul e reagir à OLAS
a posição de Kissinger em (Organização Latino-Americana A Guerra do Yom Kipur teve
relação às ditaduras que se de Solidariedade), criada por Fidel implicações profundas e provocou
instalavam na América do Sul, Castro. um rearranjo político-estratégico
nas décadas de 1970 e 1980,
com os golpes militares que
depuseram presidentes eleitos
democraticamente, como o
socialista Salvador Allende, no
Chile. Rapidamente, os governos
militares estabelecidos nesses países
foram reconhecidos pelos Estados
Unidos. Segundo Kissinger, era
melhor apoiar a estabilidade de
um governo anticomunista a um
governo instável e simpatizante
do comunismo. “Não vejo por que
temos de ficar parados enquanto
um país se torna comunista em
razão da irresponsabilidade de seu
povo”.

Ele é apontado como o mentor Após reunião bilateral, Presidente Gerald Ford e o Secretário Geral soviético,
Leonid Brezhnew, diante da embaixada americana em Helsinqui. Ladeando os
da “Operação Condor” (no Brasil, dois, Henry Kissinger e o Ministro do Exterior Andrei Gromyko

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REVISTA MORASHÁ i 100

na região, que repercute até os batalha e cercou o 3º Exército do no Oriente Médio, uma vez que em
dias de hoje. Tudo com a sagaz Egito, no Sinai. 1973 tinham, além de Israel, apenas
participação de Kissinger, que teve um amigo e aliado, o Rei Feisal, da
papel fundamental no acordo de Kissinger conseguiu, mais uma Arábia Saudita. Kissinger conseguiu
paz instituído entre Israel e o Egito, vez, tirar proveito de um cenário trazer o Egito para a órbita
no pós-guerra e a ida de Sadat a pós-conflito: como a guerra havia americana e, consequentemente, a
Jerusalém – mesmo que isso o tenha prejudicado a relação entre Egito total abertura e controle da região
levado a jogar para os dois times. e União Soviética, ele viu nisso a estratégica do Canal de Suez. Em
chance de o governo dos Estados 1977, Anwar Sadat visitou Israel,
Um exemplo de sua atuação é que, Unidos se aproximar do então abrindo caminho para as negociações
sob a orientação de Kissinger, os presidente do Egito, Anwar Sadat. que culminaram com o Acordo de
Estados Unidos fizeram a maior Os Estados Unidos queriam Paz de Camp David, residência de
ponte aérea militar da História melhorar sua posição de influência verão do presidente dos Estados
para entregar 22 mil toneladas de
equipamentos militares a Israel no
meio da guerra, em pleno campo
de batalha, atendendo pedido
alarmado da primeira-ministra
israelense Golda Meir, através de seu
embaixador em Washington, Simcha
Dinitz.

Em 22 de outubro, os Estados
Unidos e a União Soviética
negociaram um cessar-fogo, mas, nos
bastidores, Kissinger avisou a Golda
que o governo americano não se
importaria, pelo contrário, se Israel
continuasse com operações militares
antes do início da trégua. Resultado:
Israel avançou em várias frentes de KISSINGER E O Presidente Anuar Sadat do Egito, 1975

No centro do processo de paz, Kissinger e Yitzhak Rabin na assinatura do acordo interino com o Egito sobre o Sinai, 1975

19 junho 2018
personalidade

Unidos, em 1979, quando o Egito revelaram ser verdadeira a sua


reconheceu o Estado de Israel e oposição à lei, tendo ficado famosa
houve a devolução da Península do uma frase dita ao presidente, após
Sinai aos egípcios. encontro com Golda Meir, de que
“a emigração de judeus russos não
Judeus soviéticos era uma prioridade do governo
americano e que, se os russos
Uma grande polêmica na biografia colocassem os judeus em câmaras
de Kissinger é a questão da de gás, isso não seria um problema
imigração de judeus da então político. No máximo, humanitário...”.
União Soviética para Israel
e Estados Unidos, na década Em um artigo assinado por
de 1970. De 1972 a 1975, o Kissinger e publicado em 2010 no
Congresso Americano discutiu Como a emigração de judeus jornal The Washington Post, ele se
e articulou a criação de uma Lei soviéticos para Israel ia contra defendeu, afirmando que a frase foi
(que ficaria conhecida como os interesses dos países árabes, a exposta fora de contexto e que a
Emenda Federal Jackson-Vanik, medida do governo de Moscou era oposição pública à Emenda Jackson
em referência aos seus criadores) vista como um afago a seus aliados –Vanik era apenas uma estratégia
que iria impor fortes sanções de então: Egito, Síria e Cia. Durante para tirar o maior número possível
econômicas aos países do bloco todo o período de tramitação de judeus da então União Soviética
soviético que restringissem a da Emenda Jackson-Vanik, a sem publicidade e sem utilizar os
emigração e a livre circulação de administração Nixon, em especial imigrantes com objetivos político-
pessoas. o Secretário de Estado (leia-se eleitoreiros. “Para alguém que perdeu
Kissinger), trabalhou para derrubar muitos parentes próximos e cresceu
A medida era uma resposta à a lei ou, ao menos, postergar sua com pessoas que passaram pela
política soviética adotada em 1972 implantação, já que via no projeto mesma situação, é doloroso ver uma
de taxar pesadamente e, na prática, um empecilho aos objetivos da frase que se disse fora de contexto.
proibir, por meio de várias medidas política externa americana. (...) Minha intenção à época era que
adicionais, a emigração de pessoas a retirada dos judeus da então União
nascidas no bloco para outros Durante anos Kissinger nunca foi Soviética fosse feita sem alarde, de
países, especialmente aquelas com devidamente ‘perdoado’ por ativistas, forma silenciosa, para resguardar a
boa formação educacional. políticos e associações judaicas dos segurança de todos”, escreveu.
A ação atingia mais pesadamente Estados Unidos, especialmente
os judeus. porque diálogos entre ele e Nixon Aposentadoria?
Jamais...

Com a renúncia do presidente


Richard Nixon, em agosto de 1974,
seu sucessor, Gerald Ford, procurou
dar continuidade ao governo
anterior e manteve Kissinger como
Secretário de Estado. Foi quando
os norte-vietnamitas quebraram o
acordo de paz retomando seu avanço
sobre o Vietnã do Sul. Quando
Saigon, a capital, caiu sob as forças
comunistas, em 1975, Henry
Kissinger se ofereceu para devolver
sua medalha do Prêmio Nobel.
Afinal, a paz ainda era um sonho
kissinger com o presidente putin, no kremlin distante naquela região...

20
REVISTA MORASHÁ i 100

Nas eleições de 1976, Gerald Ford


foi derrotado por Jimmy Carter.
Em seu último mês no governo,
Ford concedeu a Kissinger a
Medalha Presidencial da Liberdade,
a mais alta honraria civil da nação.
O mandato de Kissinger como
Secretário de Estado terminou em
1977. Desde então, dedicou-se a
lecionar, escrever dezenas de livros
e dar consultorias (em 1980, ele
ganhou o National Book Award
por seu livro de memórias
1.
The White House Years e, em 1982,
fundou a empresa de consultoria
Kissinger and Associates). Dentre
seus livros, estão: Diplomacia (1994);
Does America Need a Foreign Policy?
(2001); Ending the Vietnam War
(2002); Sobre a China (2011) e
Ordem Mundial (2015).

Nos últimos anos, Kissinger uniu-se


ao ex-Secretário de Estado George
Schultz, ao ex-senador Sam Nunn e 2. 3.
ao ex-Secretário de Defesa William
1. Com o Presidente Donald Trump 2. Com o Premiê Bibi Netanyahu
Perry para pedir pela extinção total e 3. Com Ronald S. Lauder, presidente do CJM, no centro, e George P. Schultz
completa das armas nucleares.

Anos após os acontecimentos reconhecimento por sua atuação agradecer mais uma vez a Kissinger
da Guerra de Yom Kipur e a a favor de Israel. O título lhe foi por sua contribuição à História do
saída dos judeus da então União concedido “por sua contribuição Estado Judeu. Em grande evento da
Soviética, novos arquivos até singular a Israel e à paz no Oriente comunidade judaica de Montreal,
então secretos foram liberados ao Médio, e por ser um estadista com diante das 2.500 pessoas presentes,
público, revelando os bastidores da visão e criatividade” – ao que o Peres declarou: “A sabedoria não
diplomacia americana. Novos livros homenageado respondeu: “Meus envelhece jamais; e tenho um
foram publicados sobre Kissinger pais ficariam mais orgulhosos com exemplo vivo aqui à minha direita.
que relatam sua atuação durante esta honraria do que com quaisquer Henry Kissinger foi o maior
a 2ª Guerra Mundial, o outras que eu tenha recebido ao estadista de nossa era”.
antissemitismo de Nixon, a Guerra longo da vida”.
de Yom Kipur e sua amizade com os
líderes de Israel, Golda Meir, Rabin Em novembro de 2014 foi o BIBLIOGRAFIA
e Peres ... e muito mais. laureado com o Prêmio Theodor Slater, Elinor e Slater, Robert, Great Jewish
Men, JDavid, 1996
Herzl do World Jewish Congress,
Em junho de 2012, o então Oren, Michal, Six Days of War, Oxford
“por ter contribuído com University Press, 2002
Presidente Shimon Peres, uma conhecimento, brilho e grande Encyclopaedia Judaica, Second Edition,
semana após Kissinger ter recebido a habilidade ao cargo de Secretário Volume 12
Medalha Presidencial da Liberdade de Estado”, nas palavras de Academy of Achievement - http://www.
das mãos do Presidente Barack achievement.org/
Ronald S. Lauder, presidente da
Obama, concedeu-lhe a versão Artigo de Henry A. Kissinger “Putting the
instituição. E, por ocasião de seu Nixon tape in context”, publicado no The
israelense da mesma honraria em 93º aniversário, Shimon Peres quis Washington Post em 26 de dezembro de 2010

21 junho 2018
PERSONALIDADE

Kissinger:
a libertação de Ahlem

O livro de Niall Ferguson, “Kissinger, Vol. 1, 1923-1968:


O Idealista”, é o primeiro a dedicar várias páginas a um
aspecto até então nunca explorado: a participação de
Kissinger na 2ª Guerra Mundial, militar do exército
americano, na libertação de um campo de concentração
nazista, o de Ahlem-Hanover.

c
omo explica o autor, “em 10 de abril de Em 2005, 60 anos depois, as recordações de
1945, poucos dias antes da captura da Kissinger continuavam vivas. Ficaram marcados
célula terrorista da Gestapo, Kissinger em sua mente os “absurdos chocantes” como
viu-se cara a cara com o Holocausto “o pessoal das SS que... tinham permanecido
quando ele e outros integrantes da 84ª porque ‘pensavam que seriam necessários para
Divisão do exército americano descobriram, por administrar ‘o grande empreendimento’; o estado
acaso, o campo de concentração de Ahlem. quase irreconhecível como humano dos prisioneiros,
tão debilitados, que era necessário quatro ou
Durante muitos anos, Kissinger não falou desse cinco deles para agarrar um único SS – que
evento. E, de fato, o acontecimento só veio à luz conseguia facilmente se livrar deles”; meu “instinto
quando o operador de rádio Vernon Tott, um dos imediato... de alimentá-los e... de salvar vidas”. Um
soldados que integrava a Divisão de Kissinger, sobrevivente, Moshe Miedzinski, revelou anos mais
decidiu publicar as fotografias que tinha tirado no tarde que jamais se esqueceu do olhar com que
dia em que descobriram o campo. Para soldados Kissinger lhe disse “Você está livre”!
americanos como Vernon Tott, as monstruosas cenas
em Ahlem foram inesquecíveis. Mas foi ainda pior Kissinger escreveu uma carta de duas páginas
para seus camaradas judeus e, especialmente, os descrevendo como foi seu encontro com os
judeus de origem alemã. Um deles, Bernie Cohn, 35 prisioneiros desnutridos – os sobreviventes de
“começou a soluçar baixinho” quando saíram do um grupo de 850 judeus que haviam sido confinados
campo... em Ahlem. A angústia e fortes emoções que o jovem
Kissinger expressou, logo após a libertação
Como reagiu Henry Kissinger? “Entrar em Ahlem”, do campo, permaneceram ocultas entre seus
Kissinger diria mais tarde, havia sido “uma das escritos – que ele doou à Biblioteca do Congresso,
experiências mais angustiantes e horripilantes de em 1977, – até que Ferguson as publicou em um
minha vida”. novo volume.

22
REVISTA MORASHÁ i 100

Essas declarações têm ainda mais


impacto por terem sido escritas
pouco depois do acontecido, quando
Kissinger deu o seguinte título ao
manuscrito: “O Judeu Eterno” –
uma referência irônica ao filme de
propaganda nazista antissemita, com
esse título, “Der ewige Jude”. Como
explica Ferguson, o documento
tem importância enorme pelo fato
de registrar as reações angustiadas
e imediatas sobre o maior crime
jamais cometido – que merece
ser reproduzido sem reduções ou Henry Kissinger e Fritz Kraemer, Alemanha, 1945
comentários:

“O campo de concentração de Ahlem Isso é a humanidade no século 20. parece ter 40 anos, a idade de seu
foi erguido em uma colina em As pessoas chegaram a tal estupor de corpo é indecifrável. No entanto, sua
Hanover. Arame farpado o rodeava. sofrimento que vida e morte, vitalidade certidão de nascimento diz que você
E enquanto nosso jipe viajava rua ou imobilidade não se podem mais tem 16 anos. E eu estou aqui de pé,
abaixo, esqueletos vestidos de roupa diferenciar. Ademais, quem está morto com minha roupa bem passada e faço
listrada ladeavam a estrada. Havia e quem está vivo, o homem deitado um discurso para você e os que ainda
um túnel nas encostas da colina onde os cujo rosto agonizante me encara ou estão vivos.
prisioneiros trabalhavam 20 horas por Folek Sama, com a cabeça curvada e
dia, na penumbra. o corpo emaciado? Quem teve sorte, o Folek Sama, você é motivo de acusação
homem que desenha círculos na areia contra a humanidade. Eu, ‘Joe Smith’,
Parei o jipe. As roupas pareciam se balbuciando ‘Estou livre’, ou os ossos a dignidade humana; todos falharam
desprender dos corpos; a cabeça presa que estão enterrados na colina? perante você. Você deve ser preservado
por uma vareta do que outrora devia em cimento, aqui no alto da colina,
ter sido uma garganta. Varas estavam Folek Sama, seus pés foram quebrados para que as futuras gerações olhem
penduradas dos lados, em lugar dos para que não pudesse fugir, seu rosto para você e reflitam. A dignidade
braços, outras em lugar das pernas. humana, os valores objetivos pararam
‘Qual o seu nome?’, e os olhos do homem de existir diante deste arame farpado.
embaçam e ele tira o chapéu esperando O que diferencia você e seus camaradas
um golpe. ‘Folek… Folek Sama’. ‘Não dos animais?
tire o chapéu, você agora é um homem
livre’. Contudo, Folek, você continua sendo
um homem. Você está diante de
Enquanto eu falava, olho em direção mim e as lágrimas correm em seu
ao campo de concentração. Vejo os rosto. Soluços histéricos se seguem.
barracões, observo os rostos vazios, Pode chorar, Folek Sama, porque
os olhos sem vida. Vocês estão livres, suas lágrimas são o testemunho de
agora. Eu, com meu uniforme bem sua humanidade, porque elas serão
passado, não vivi em meio à sujeira e absorvidas por este solo amaldiçoado,
à total miséria, não apanhei nem fui consagrando-o.
chutado. Que tipo de Liberdade posso
oferecer? Vejo meu companheiro entrar Enquanto existir consciência neste
em um dos barracões e sair com os olhos mundo, você a personificará. Nada do
lacrimejando. ‘Não entre lá. Foi preciso que for feito para você, Folek, jamais o
chutá-los para saber quem estava morto poderá restaurar. Você é eterno, neste
e quem estava vivo’. sentido.”

23 JUNHO 2018
PERSONALIDADE

Sobreviventes do campo de Ahlem e soldados americanos, à porta da enfermaria

Em 2005, Vernon Tott publicou um fazer uma inspeção. Ele me chamou nível em que eles estavam em Ahlem.
“livro caseiro, de 2,5 cm de grossura”, de lado e disse: ‘Soldado, explique- Mal pareciam homens. Eram meros
com relatos dos soldados americanos me o que ocorre aqui’. Eu expliquei. esqueletos. Não preciso dizer isto aos
que libertaram Ahlem e fotografias Em seguida, fui transferido para a sobreviventes. De fato, estavam tão
que tirou com a câmera que levava Seção G-2, da Inteligência. E, nessa esqueléticos que era perigoso dar-lhes
no bolso do colete. Em 2007, ele capacidade, eu servia na 84ª Divisão alimento sólido, já que muitos poderiam
produziu um documentário sobre de Infantaria quando esta capturou a não o digerir. Foi a experiência mais
sua unidade do exército americano, cidade de Hanover. E, nos arredores chocante que tive, em toda a minha
que libertara Ahlem. O Anjo de de Hanover, como os sobreviventes vida, e que ficou gravada em minha
Ahlem foi produzido pelo Instituto que estão hoje presentes sabem, ficava memória.
de Documentários da Universidade o campo de concentração – ou de
da Flórida. O filme teve sua estreia trabalhos forçados – de Ahlem. Muitos artigos foram escritos a meu
em um evento em maio do mesmo respeito, e muitos afirmam que, quando
ano, no Lincoln Center, em NY, e Claro que eu havia lido sobre os campos criança, fiquei traumatizado com o que
no público estavam 12 sobreviventes de concentração. Posteriormente, fiquei ocorreu na Alemanha Nazista. Pura
do Campo de Concentração de sabendo que minha avó e muitos bobagem! Quando eu ainda estava
Ahlem. Pouco antes da exibição do membros da minha família haviam na Alemanha Nazista eles ainda não
filme, Henry Kissinger fez o seguinte sido enviados a campos de concentração. estavam matando pessoas. Saí de lá em
discurso, que não consta no livro de Na verdade, 13 familiares morreram 1938. Mas o evento traumático foi ver
Ferguson, mas é uma indicação do nos campos, inclusive minha avó. Mas Ahlem. Foi aí que vimos a barbárie
impacto perene do que ele viu em eu não podia sequer chegar a imaginar do sistema nazista e a degradação de
Ahlem como jovem soldado: o que eram na realidade. Nunca havia seres humanos. Não há nada que me
visto pessoas degradadas, reduzidas ao deixe mais orgulhoso de meu serviço
“Costumo falar para vários grupos a este País do que ter sido um dos que
e tenho inúmeras oportunidades de tiveram a honra de libertar o Campo
expressar minhas ideias, mas quero de Concentração de Ahlem. E isso é
dizer que não há grupo algum que algo que não devemos esquecer. É uma
signifique mais para mim do que este obrigação que todos nós temos. Não falo
grupo em particular, aqui esta noite. muito sobre isso, pois aqueles que não
E estou profundamente honrado por passaram por isso não podem entender.
terem me deixado aqui estar. Fiz parte Mas saúdo os sobreviventes aqui
da 84a Divisão de Infantaria. Comecei presentes, e eu ficaria extremamente
na Companhia G do 335º Regimento, honrado se pudessem vir até aqui e tirar
cavando trincheiras em Louisiana. uma foto comigo. Muito obrigado a
Quando a divisão foi transferida todos”.  
para a Alemanha, eu continuava na
Companhia G da 335a Divisão, até Kissinger, à direita, e soldados de
sua unidade, com crianças alemãs. Baseado no artigo de  Menachem
que um dia nosso General veio para 2a Guerra Mundial Butler publicado em 29 de outubro 2015

24
ISRAEL

ISRAEL – 70 ANOS - A BATALHA


PELO RECONHECIMENTO
POR ZEVI GHIVELDER

Em maio de 1945, quando terminou a 2ª Guerra Mundial, a liderança


sionista se dividiu. O grupo em torno de Chaim Weizmann
acreditava que o futuro da antiga Palestina continuaria
dependendo de ações diplomáticas voltadas para a boa
vontade do Império Britânico. Ben Gurion e seus próximos estavam
convictos de que o destino do sionismo estaria na Casa Branca
porque os Estados Unidos haviam emergido do conflito como a
maior potência mundial.

N
o mês de julho daquele mesmo ano, os que pelo menos um milhão de judeus teriam sido
seguidores de Weizmann comemoraram a poupados do Holocausto. A vigência do White Paper,
eleição de Clement Atlee, líder do Partido mesmo depois da 2a Guerra, fazia com que milhões de
Trabalhista britânico, para primeiro- deslocados e sobreviventes se aglomerassem em campos
ministro, derrotando Winston Churchill, de refugiados em diversos países da Europa.
o grande comandante da vitória sobre o nazismo, uma
ingratidão que até hoje os ingleses não conseguem bem Foi nessa conjuntura que teve início a chamada
explicar. Além de Weizmann, todo o núcleo dirigente Aliá Bet, o transporte clandestino de judeus apátridas
da Agência Judaica exultou com a vitória de Atlee. para a Palestina. Os refugiados eram recolhidos em
Depois de longos anos do Partido Conservador no suas instalações provisórias e embarcados em navios
poder, o Reino Unido teria à frente um político de pequenos e rudimentares, que partiam de portos
ideologia socialista, a mesma que inspirava a corrente situados na costa italiana. Ao todo, cerca de 100 mil
majoritária do movimento sionista. Enfim poderia pessoas tentaram entrar de forma ilegal na Palestina
haver com os mandatários um entendimento mais sob mandato britânico, tendo sido realizadas
aberto, com menos repressão e favorecimento para os 42 viagens em 120 navios. Mais da metade deles
árabes cujo imponente guia, o Mufti de Jerusalém, se foram interceptados pela marinha britânica, que
havia aliado aos nazistas. mantinha oito navios em plantão permanente no
porto de Haifa, na Palestina. Esse bloqueio muitas
Entretanto, os dirigentes sionistas foram fulminados vezes se deu de forma violenta e alguns barcos com
por uma terrível decepção. Os ingleses em nada refugiados foram afundados, resultando em mais de
modificaram sua política com relação à Palestina. mil afogamentos. A maioria dos sobreviventes
Pelo contrário. Sustentaram em vigor o White Paper, capturados foi internada em campos na Ilha de Chipre.
documento datado de 1939, que proibia a imigração Não eram réplicas dos campos de concentração, mas
de judeus para Eretz Israel (Terra de Israel). Se esta de qualquer maneira estavam cercados por arames
imposição não tivesse existido, é lícito imaginar farpados.

30
REVISTA MORASHÁ i 100

Protesto Judaico contra o white paper. Palestina sob Mandato Britânico, 1939

Durante três anos, ou seja, A ONU não perdeu tempo. Em


desde o fim da 2a Guerra até a maio de 1947 instituiu a UNSCOP
independência de Israel, os ingleses (sigla em inglês referente ao
mantiveram 50 mil judeus sob Comitê Especial para a Palestina),
custódia. Foram poucos os que incumbida de fazer uma inspeção ao
conseguiram furar o bloqueio. vivo naquele território e, em seguida,
apresentar um plano de resolução.
Ernest Bevin, nomeado chanceler Os dirigentes da Agência Judaica
(ministro das relações exteriores) contavam com o apoio dos Estados
do gabinete de Atlee, antigo Unidos para o sionismo, não tanto
sindicalista, era radicalmente contra por parte do governo, em face das
a existência de uma nação judaica omissões de Roosevelt durante
e diferentes historiadores não o Holocausto, mas por conta do
hesitam em apontá-lo como um expressivo número de personalidades
explícito antissemita. importantes e influentes na vida
americana que já haviam abraçado a
Sentindo-se impotente para causa judaica. Entretanto, a posição
solucionar a questão da Palestina, da outra grande potência do pós-
em fevereiro do ano seguinte guerra, a União Soviética, era uma
Bevin anunciou que o Reino aflitiva incógnita.
Unido renunciaria a seu poder
de mandatário e que, doravante, Na verdade, os sionistas tinham
transferia a solução do problema razões históricas de sobra para
do Oriente Médio para as Nações desconfiar dos soviéticos. Embora
Unidas. a revolução bolchevique tivesse

31 JUNHO 2018
ISRAEL

contado com a participação (referência à palavra migrantes), com


de grande número de judeus, a finalidade de traçar diretrizes para
o antissemitismo permanecia alocar as milhares de pessoas que
entranhado no cotidiano dos russos. certamente vagariam sem destino
A rigor, múltiplas eram as razões depois da guerra, especialmente os
para que os dirigentes da Agência judeus. Nesse sentido, o presidente
Judaica tivessem poucas esperanças convocou o jornalista, romancista
de contar com uma posição favorável e ex-funcionário do serviço de
do bloco soviético nas Nações inteligência, Frank Carter, para
Unidas. o assessor nessa questão. Carter,
por sua vez, chamou o eminente
No que dizia respeito à posição dos antropólogo Henry Field e o
Estados Unidos, os líderes sionistas instruiu para que reunisse outros
avaliavam com ceticismo as ações competentes colegas de profissão.
banco BARCLAY’S, em Jerusalém,
no dia da vitória, 8 de maio de 1945 até então tomadas pelo presidente
Franklin Roosevelt. Sabia-se que o Por que antropólogos? Porque
problema judaico sempre estivera Roosevelt pretendia que os futuros
presente em suas preocupações. refugiados fossem agrupados
Durante muitos anos, ele costumava seguindo critérios étnicos, sociais
comentar em tom jocoso com seus e, inclusive, com perspectivas para
assessores que talvez fosse possível bem sucedidas misturas raciais. Essa
estabelecer os judeus nos picos equipe deveria fazer um minucioso
andinos ou nas savanas africanas, ou levantamento das regiões do planeta
em quaisquer outras paragens, menos capazes de acolher grandes números
nos Estados Unidos. de refugiados, mas os Estados
Unidos não deveriam constar
No entanto, levando o assunto desses levantamentos. A morte de
a sério, Roosevelt ordenou a Roosevelt, em abril de 1945, resultou
elaboração de um projeto, que também na morte do Projeto
recebeu o título de Projeto M M e não se sabe se, realmente,
aconteceu o trabalho da equipe de
antropólogos.

Tendo em vista que a questão da


Palestina havia sido transferida de
Londres para as Nações Unidas,
a Agência Judaica montou uma
força-tarefa, encabeçada por Moshe
Sharret, em Nova York, encarregada
de atuar na sede da ONU. Enquanto
a UNSCOP percorria a Palestina, o
pessoal de Sharret fazia um contínuo
trabalho de persuasão junto a
embaixadores dos países de todos os
continentes. Moshe Sharret e Eliahu
Epstein, diretor da Agência Judaica
em Washington, falavam o idioma
russo com fluência e costumavam
manter longas e amenas conversas
com Andrei Gromyko, o embaixador
BEN GURION, à esq., testemunha perante membros da unscop, em jerusalém soviético.

32
REVISTA MORASHÁ i 100

No dia 14 de maio de 1947 o


diplomata russo se dirigiu à
Assembleia Geral das Nações
Unidas: “O império britânico falhou
em sua missão, transformando
a Palestina num estado policial.
Durante a guerra, o povo judeu
foi submetido a um indescritível
sofrimento que não pode ser
resumido em estatísticas. Agora,
centenas de milhares de judeus
vagueiam sem destino pelos países
da Europa. Ajudar este povo é uma
obrigação das Nações Unidas”.
Membros do PALMACH E IMIGRANTES JUDEUS “ilegais”, Palestina sob Mandato Britânico
Abba Eban escreveu em suas
memórias que ficou tão atordoado
com o discurso de Gromyko que seus satélites, Bielorússia, Ucrânia, da Palestina. Mas era essa pressa
mal conseguiu assimilar o que ele Polônia e Checoslováquia, votaram a que era defendida por Ben Gurion,
estava dizendo. Aquela mudança na favor da partilha. cuja tese acabou prevalecendo. A par
atitude soviética, que há trinta anos dessa incerteza, havia a certeza da
considerava o sionismo como um De dezembro de 1947 a maio de carência militar do país a ser criado.
movimento inimigo do povo russo, 1948, o futuro Estado de Israel viveu E prevalecia um consenso: o futuro
era mais do que surpreendente. dias dramáticos. Primeiro houve a Estado de Israel só se viabilizaria
No entender de Eban, só tinha incerteza referente à proclamação se obtivesse o reconhecimento por
como justificativa a antipatia de em si da independência. Parte parte dos Estados Unidos.
Stalin pelos ingleses e seu desejo dos dirigentes da Agência Judaica
de bani-los do Oriente Médio, julgava inoportuna qualquer medida Antes da votação da partilha,
além de uma represália a Churchill apressada, ou seja, a independência Truman recebeu uma carta de seu
que, em março de 1946, cunhara a logo após a retirada do último inglês velho amigo Eddie Jacobson, que
expressão “Cortina de Ferro” que os
comunistas não suportavam.

Semanas antes da aprovação


da partilha da Palestina pela
Assembleia Geral, no dia 29 de
novembro de 1947, Gromyko voltou
ao pódio ainda mais enfático:
“O povo judeu esteve vinculado
com o território da Palestina no
transcurso de longos períodos da
história. Além disso, devemos levar
em conta a situação em que se
encontra o povo judeu desde o fim
da 2a Guerra Mundial. A solução do
problema da Palestina, com a criação
de dois estados independentes, terá
profundo significado histórico e
atenderá às justas reivindicações do
povo judeu”. Foi sob o eco dessas
palavras que a União Soviética e AssemblEia Geral das Nações Unidas, 29 de novembro de 1947

33 JUNHO 2018
ISRAEL

do estado judeu, “porque somente


através de Eilat e do Golfo de
Ákaba teremos acesso à navegação
no Mar Vermelho”. O memorando
acrescentava: “O próprio relatório
do UNSCOP reconheceu a conexão
histórica entre os judeus e aquele
pequeno porto no Mar Vermelho”.

Weizmann foi recebido durante


meia hora no Salão Oval da Casa
Branca e, em vez de entregar o
papel, resolveu tratar de tudo que
era crucial em viva voz, estendendo
um mapa na mesa do presidente.
Referiu-se aos tempos de fazendeiro
CÚPULA DE Yalta, fevereiro de 1945, DA ESQ. PARA A DIR.: Churchill, Roosevelt
e Stalin de Truman e, portanto, ele saberia
compreender de que maneira os
fora seu sócio numa loja de gravatas aprovada. O caso está entregue a pioneiros judeus estavam fazendo
em Missouri: “Faço-lhe um apelo Marshall e espero que ao final tudo verdadeiros milagres na agricultura,
em nome do meu povo. O futuro dê certo”. tornando férteis terras que estavam
de um milhão e meio de judeus áridas por mais de cem anos. Na
refugiados na Europa depende Dias depois, ainda por interferência questão do acesso ao Mar Vermelho,
do que será aprovado nas Nações de Jacobson, o presidente aceitou explicou que se o Neguev não viesse
Unidas. O inverno está chegando e é receber Chaim Weizmann em a pertencer a Israel, continuaria
preciso aliviar o sofrimento daquela audiência. No dia 19 de novembro, relegado à condição de deserto.
gente. De que maneira eles poderão Eliahu Epstein encontrou-se com Weizmann escreveu em suas
sobreviver no frio, vai além da Weizmann e o juiz Frankfurter no memórias: “Saí muito feliz daquela
minha imaginação. Só há um lugar café da manhã. Juntos elaboraram reunião. O presidente entendeu
neste mundo para onde possam ir: a um memorando que seria entregue rapidamente o que eu lhe apontava
Palestina. Eu e você sabemos disso ao presidente ao cabo da reunião. no mapa e prometeu que levaria o
muito bem. Talvez eu seja um dos assunto para a delegação americana
poucos americanos que realmente O documento enfatizava a absoluta nas Nações Unidas. De fato, Truman
sabe avaliar o enorme peso que agora necessidade de o deserto do Neguev telefonou para Herschell Johnson, o
recai sobre seus ombros. Portanto, eu estar dentro das futuras fronteiras embaixador americano na ONU, e
deveria ser o último a fazê-lo pesar deu-lhe ordens inamovíveis em favor
ainda mais. Mas sinto que você me de um Neguev israelense.
perdoará porque a vida de mais de
um milhão de pessoas dependem da No dia 29 de novembro, quando
sua palavra e do seu coração. Harry, a partilha foi aprovada, o Times
meu povo precisa de socorro e eu Square e arredores, em Nova York,
apelo para que você o ajude”.  tornaram-se um pandemônio.
Milhares de pessoas cantavam e
Pedindo para guardar dançavam nas ruas enquanto eram
confidencialidade, Truman foi pronunciados calorosos discursos dos
conciso na resposta: “Como o líderes sionistas. Emanuel Neumann,
assunto depende das Nações Unidas, um dos principais ativistas sionistas,
não será adequado que eu intervenha falou no microfone: “Devemos essa
no processo, mesmo porque são decisão favorável das Nações Unidas
necessários dois terços dos votos da em grande parte, talvez mesmo
Assembleia para que a partilha seja EDDIE JACOBSON a maior de todas, aos esforços

34
REVISTA MORASHÁ i 100

incansáveis do presidente Harry se indagava sobre o que poderia eles mantinham uma importante
Truman”. ser feito em face daquela sombria aliança política e estratégica nos
realidade. Pediu, então, a alguns desdobramentos do pós-guerra.
Nos primeiros dias de dezembro, amigos militares que fizessem Contudo, no que dizia respeito à
Eddie Jacobson voltou à Casa uma indagação informal destinada então Palestina, Harry Truman e
Branca. Recebido por Truman, a apurar o que aquela gente em Clement Atlee, primeiro-ministro
apenas disse: “Muito obrigado e farrapos pretendia daquela hora britânico, tinham convicções opostas.
que D’us o abençoe”. Os amigos se em diante. A maioria respondeu: Os ingleses permaneciam irredutíveis
abraçaram e, mais tarde, Jacobson “Queremos ir para Eretz Israel”. Isto no cumprimento do White Paper, o
anotou em seu diário: “Ele, somente significou para o presidente, assim documento de seis anos atrás que
ele, foi o responsável pelos votos que tomou posse, uma grande dor de impedia a imigração de judeus para a
favoráveis de diversas delegações”. cabeça.   então Palestina.

Com a morte de Roosevelt, em abril Os americanos tinham lutado ao Embora o embate da partilha
de 1945, assumira a presidência seu lado dos ingleses na guerra e com estivesse superado, o secretário de
vice, Harry Truman, nascido em
1884 na cidade de Independence,
estado de Missouri. Era de religião
batista e tinha profunda devoção
pelos ensinamentos bíblicos que,
em considerável parte, viriam a
orientar todo o seu comportamento
com relação ao povo judeu. Em
novembro de 1944, o presidente
Roosevelt disputaria seu quarto
mandato. Apesar de já estar há
doze anos no poder, as guerras na
Europa e no Pacífico ainda estavam
em curso e os americanos julgavam
que seria desaconselhável mudar a
chefia do governo. Mas, no plano
interno e, a despeito do conflito, os
bastidores do Partido Democrata
estavam pegando fogo porque não
havia um só nome que fosse aceito
NA CASA BRANCA, Chaim Weizmann OFERECE A Harry Truman UM SEFER TORÁ, 1948
para a vice-presidência. Depois de
ácidas desavenças, o consenso acabou
convergindo para Harry Truman, estado americano, o general George
até então um senador por seu estado Marshall insistia que as posições de
natal, de pouca visibilidade. judeus e árabes eram irreconciliáveis,
o que certamente provocaria um
Justamente naquele mês de abril conflito armado. Foi em meio a
de 1945 os Estados Unidos e esse clima inamistoso que avultou
o mundo começaram a tomar na Casa Branca a figura de um
conhecimento dos horrores do jovem assessor do presidente Harry
Holocausto. Havia centenas de Truman chamado Clark Clifford.
milhares de sobreviventes que, na (Tive o privilégio de conhecê-lo
condição de refugiados, estavam na década de 70, no Rio de Janeiro,
sob a responsabilidade dos Estados e de manter com ele uma longa e
Unidos na Áustria e na Alemanha. iluminada conversa). Seu primeiro
Truman, ainda vice-presidente, Clark Clifford passo foi produzir um memorando

35 JUNHO 2018
ISRAEL

Enquanto isso, a situação na


Palestina ia de mal a pior. Era preciso
que os Estados Unidos fizessem uso
de sua força política e, se preciso,
militar, para que a partilha fosse
de fato implementada. A Agência
Judaica chegou à conclusão de que
era imprescindível um novo encontro
entre Truman e Weizmann, que
era admirado e respeitado pelo
presidente. Convocado para ajudar
a resolver o problema, Jacobson
mandou um telegrama para Truman:
“Chaim Weizmann é um grande
estadista e o mais completo líder que
qualquer povo possa almejar. Em sua
idade avançada, ele está combalido
por não poder falar-lhe mais uma
vez. Eu imploro que você o receba”.

TRADICIONAL PARADA DE 1º DE MAIO. TEL AVIV, 1947 Como não obteve uma resposta
firme do presidente, Jacobson voou
de crítica à posição do Departamento para Washington. O que poderia
de Estado, comandado por dizer para sensibilizar o amigo de
Marshall. Argumentou que tentar tantos anos e que se tornara quase
anular a partilha era simplesmente inatingível? Pediu a Abba Eban que
impensável. E mais: que os Estados o aconselhasse e ouviu: “Truman tem
Unidos deveriam intervir junto aos verdadeira devoção pelo presidente
países árabes para que aceitassem Andrew Jackson. Procure traçar
a resolução da ONU. Se houvesse uma comparação entre Jackson e
recusa, seriam rotulados como Weizmann. Talvez dê certo”. Mesmo
agressores. sem audiência marcada, Jacobson
rumou para a Casa Branca e logo
Enquanto isso, a situação na foi acolhido pelo presidente que
Palestina ia de mal a pior, acentuada permanecia irredutível. Antes de se
pelo cerco de Jerusalém, obrigando levantar, Jacobson apontou para um
100 mil judeus a se submeterem busto de Andrew Jackson existente
a um terrível racionamento de no salão oval e disse: “Harry, durante
água e comida. Era preciso que toda a sua vida você tem tido um
os Estados Unidos fizessem uso herói. Não há ninguém na América
de sua força política e, se preciso, que conheça melhor do que você
militar, para que a partilha fosse a vida de Jackson. Pois é, meu
de fato implementada. No mês amigo, eu também tenho um herói.
seguinte, Clifford chamou a atenção Seu nome é Chaim Weizmann. É
de Truman para as manobras preciso que você o ouça para saber
antipartilha que seguiam sendo de fato o que está acontecendo na
feitas por Marshall. O presidente Palestina”. Truman tamborilou os
respondeu: “Eu sei o que Marshall dedos sobre a mesa. Passados quase
pensa e Marshall sabe o que eu dois minutos de silêncio, respondeu:
penso. Ele não vai conseguir mudar “Está bem, você ganha, seu careca
TRUMAN E BEN GURION, OBSERVADOS POR
ABBA EBAN minha política”. sem vergonha. Pode marcar aí com

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REVISTA MORASHÁ i 100

David Ben Gurion LÊ A DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DE ISRAEL, 14 de maio de 1948

o pessoal”. Weizmann foi recebido contato com Eliahu Epstein a Ben-Gurion, que seria o primeiro-
no dia 19 de março e, em princípio, quem pediu munições pragmáticas ministro do estado judaico. 
obteve a concordância de Truman e ideológicas a favor de Israel, um
no sentido de que fosse suspenso e país que ainda nem tinha recebido Ademais, dentre os dezesseis
embargo de armas e que a partilha este nome. Na reunião decisiva no componentes do primeiro gabinete
seria intocável. Salão Oval, o pronunciamento de israelense, oito ministros haviam
Clifford foi brilhante e irrespondível. nascido na Rússia, inclusive o grande
No dia 12 de abril, Jacobson voltou Irritado, Marshall chegou a dizer ao líder, Chaim Weizmann. Mas, o que
à Casa Branca. Queria ouvir do presidente: “Se o senhor aprovar o seria um bom relacionamento entre
próprio presidente como tinha sido o reconhecimento é bem provável que os dois países durou pouco. Em
encontro com Weizmann e jogou um eu não lhe dê o meu voto na próxima janeiro de 1949, um artigo publicado
verde, perguntando se, por hipótese, eleição”. Mas, a cabeça de Truman pelo eminente economista soviético
os Estados Unidos reconheceriam o já estava feita. Os Estados Unidos T.A. Genin enfatizou que “os
Estado de Israel, cuja independência reconheceram Israel no mesmo dia objetivos do nacionalismo judaico
estava para ser proclamada em pouco da sua criação. e do sionismo são objetivos iguais
mais de um mês. Truman disse: aos do capitalismo reacionário e do
“Fique sabendo que sou inteiramente No dia 15 de maio, Stalin imperialismo norte-americano”. 
favorável a essa hipótese”. reconheceu a independência do
Estado de Israel, não porque A guerra de Stalin contra os
No dia 14 de maio de 1948, quando amasse os judeus, ou os sionistas, judeus, em geral, e contra o Estado
Israel se tornou soberano, a Casa ou o país que acabara de ser judeu, em particular, teve um final
Branca viu-se diante do problema criado. Em termos de política imprevisto e inesperado.
do reconhecimento da nova nação: externa pragmática interessava à O comunismo acabou e Israel
sim ou não? Marshall entrou no União Soviética que os britânicos está celebrando 70 anos de
Salão Oval acompanhado de um saíssem do Oriente Médio e existia soberania.
verdadeiro batalhão de funcionários a esperança de que ali pudesse
do alto escalão, todos contra o florescer uma semente comunista
reconhecimento. Na véspera, em função da ideologia socialista do
Clark Clifford havia entrado em partido majoritário, comandado por ZEVI GHIVELDER É ESCRITOR E JORNALISTA

37 JUNHO 2018
DESTAQUE

Príncipe herdeiro sinaliza


mudanças na Arábia Saudita
POR JAIME SPITZCOVSKY

Mohammad Bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita de


32 anos, ao iniciar mudanças em um país marcado por profundo
conservadorismo, sinaliza disposição para implementar uma direção
nova: aproximar o reino árabe de Israel, após décadas de conflitos
e tensões. Líder de uma nova geração a chegar ao poder, MBS,
como é conhecido, não esconde ver no Estado judeu um potencial
parceiro econômico e importante aliado para conter ambições
expansionistas do Irã, inimigo comum de sauditas e israelenses.

N
omeado príncipe herdeiro em junho do muçulmana. O Irã é um país de maioria xiita, enquanto
ano passado, MBS já acumula os cargos os sauditas são majoritariamente sunitas.
de vice premiê, ministro da Defesa e
presidente do Conselho de Assuntos No poder, os aiatolás passaram a pregar a exportação
Econômicos e de Desenvolvimento. de sua revolução no mundo e iniciaram busca pela
Desponta como patrocinador do Visão 2030, projeto liderança no mundo islâmico, reaquecendo a histórica
de modernização da economia saudita e, após rivalidade com a Arábia Saudita. Na lógica de MBS,
enfrentar adversários na luta pela sucessão do trono, sob pressão da ameaça iraniana, clérigos de seu país se
já se torna figura-chave na decisão dos rumos do país, fortaleceram e aprofundaram as raízes conservadoras da
ainda governado pelo rei Salman, 82. monarquia.

Um dos regimes mais conservadores do planeta, a As pretensões expansionistas do Irã, reforçadas pelo
monarquia começou, sob influência do jovem líder, a programa nuclear, aproximaram sauditas e israelenses,
implementar mudanças como permitir às mulheres preocupados com a ameaça do inimigo comum.
dirigir ou reabrir cinemas e teatros, banidos após os Os contatos, no entanto, ainda permanecem informais
anos 1970. Em entrevista ao jornal britânico “The e, muitas vezes, sob uma cortina de segredo. Arábia
Guardian”, MBS afirmou desejar ver seu país “de Saudita e Israel não mantêm relações diplomáticas, o
volta a um islamismo moderado”, depois de ondas que naturalmente impede explicitar a construção do
fundamentalistas das últimas décadas. diálogo.

O herdeiro aponta a revolução iraniana como Mas se multiplicam os sinais sobre as mudanças
responsável por provocar, na Arábia Saudita, uma imaginadas por MBS. Em 2016, um general aposentado
reação conservadora. Em 1979, os aiatolás lideraram do exército saudita, Anwar Eshki, visitou Israel,
o movimento responsável por derrubar o xá Reza chefiando uma delegação de acadêmicos e empresários.
Pahlevi e instalaram em Teerã uma teocracia Foi recebido pelo diretor-geral da chancelaria israelense,

38
REVISTA MORASHÁ i 100

riad, arábia saudita

Dore Gold, e por diversos presidência, Trump escolheu Riad e imagem modernizadora, reuniu-
parlamentares, na Knesset. Jerusalém como destinos iniciais. se com personalidades dos mais
diversos setores da sociedade
Outros tabus caíram. Jared Kushner, genro do presidente, norte-americana. Conversou com
Recentemente, a Arábia Saudita mantém intenso diálogo com MBS. Bill Gates e Jeff Bezos, visitou
permitiu à Air India voar até Israel Em março, o príncipe herdeiro as universidades Harvard e MIT,
cruzando seu espaço aéreo. História embarcou num tour pelos EUA e, debateu com investidores em
também se fez em maio do ano em claro processo de construção de Wall Street e reservou tempo para
passado, quando o Air Force, avião celebridades como Michael Douglas
presidencial norte-americano, levou e Oprah Winfrey.
Donald Trump de Riad a Tel Aviv,
no primeiro voo direto entre os dois A ofensiva incluiu várias entrevistas
países do Oriente Médio. à mídia norte-americana. A conversa
com a “The Atlantic”, conduzida
A eleição do candidato republicano por Jeffrey Goldberg, gerou ruidosa
à Casa Branca contribuiu para repercussão. Ao lhe perguntarem
impulsionar a aproximação israelo- se o povo judeu tem o direito a
saudita. Trump, há tempos, cultiva um Estado-nação em pelo menos
relações com Israel, no plano parte de sua terra ancestral, MBS
familiar e de negócios, assim respondeu: “Creio que cada povo, em
como com países árabes do golfo qualquer lugar, tem o direito de viver
Pérsico, com importantes contatos pacificamente em sua nação.
no mundo empresarial. Não foi Eu acredito que palestinos e
por acaso que, em sua primeira israelenses têm o direito de ter sua
viagem ao exterior após assumir a própria terra”.

39 JUNHO 2018
DESTAQUE

empenhados em usar suas polpudas


reservas para expandir a atividade
econômica em setores de serviços,
como finanças, turismo e tecnologia.

No cenário desafiador do século 21,


MBS calcula que Israel pode ser
importante aliado na modernização
econômica, por exemplo, como
fornecedor de tecnologia. A visão
do príncipe herdeiro, no entanto,
encontra resistências nos setores
mais conservadores da sociedade
saudita e até mesmo o rei Salman,
donald trump e o príncipe herdeiro mohammad bin salman
em várias declarações, repete duras
críticas a Israel, reverberando
posições a prevalecer durante
Na entrevista, o príncipe herdeiro ter confirmado com várias fontes, décadas.
reiterou também orientações que o príncipe, em encontro com
tradicionais da política externa do representantes da comunidade Mas, se enfrenta resistências
seu país e enfatizou a importância judaica em Nova York, criticou no plano doméstico e também
de uma negociação entre israelenses líderes palestinos por haverem externo, MBS cultiva aliados em
e palestinos. “Temos de contar com rejeitado propostas de paz ao longo sua pregação reformista. Outro
um acordo de paz para assegurar a de décadas. A reportagem afirmou importante líder árabe e sunita, o
estabilidade para todos e para termos que MBS chegou a dizer que os Egito, também sabe da necessidade
relações normais”, acrescentou o seguidores de Mahmoud Abbas de modernizar sua economia e
líder saudita. devem “começar a aceitar propostas gerar postos de trabalho, a fim de
de paz ou se calar”. enfrentar o desemprego entre jovens,
MBS, segundo relatos, teria diminuir as chances de turbulências
demonstrado pressa na obtenção de A aproximação saudita com sociais e impedir movimentos como
um acordo de paz e impaciência com Israel não vem apoiada apenas o responsável, em 2011, por derrubar
a liderança palestina. O canal 10 de no enfrentamento das ambições o presidente Hosni Mubarak.
tv israelense reportou, sustentando regionais iranianas, mas também em
lógica econômica. MBS, ao MBS e o presidente egípcio,
assumir o trono, herda uma Abdel el-Sisi, costuram uma nova
riqueza baseada sobretudo fase na relação entre os dois países.
no petróleo, cuja importância Após reunir-se com enviados do
vai-se reduzir nas próximas reino árabe, o deputado israelense
décadas, com o inevitável Issawi Frej, de origem árabe,
avanço na exploração de declarou: “Os sauditas querem
fontes de energia renováveis uma abertura em relação a Israel”.
e menos poluentes. A Arábia Continuou Frej: “É um movimento
Saudita, portanto, avalia estratégico para eles. Desejam
ser inevitável, no médio e continuar o que Anuar Sadat
longo prazo, modernizar começou. Querem se aproximar
sua economia e diminuir a de Israel e pudemos sentir isso
dependência da indústria claramente”.
petrolífera, como já fazem,
há anos, pequenos países
vizinhos, como Emirados Jaime Spitzcovsky foi editor
internacional e correspondente da
Árabes Unidos e Catar, Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim

40
especial

MORASHÁ, 25 ANOS

transcorreram 25 anos desde a primeira reunião na antiga sede


da Congregação Beit Yaacov, quando se decidiu criar uma nova
revista judaica, com o nome “Morashá”. DeSDE A sua criação,
em 1993, até a presente edição de número 100, Morashá cresceu,
ampliando seu alcance e seus projetos, e se tornou Instituto
Morashá de Cultura. revista trimestral voluntária, de apenas
35 páginas e ENVIADA para 5 mil lares, transformou-se numa
publicação profissional, de 88 páginas, com uma distribuição
de 30 mil exemplares no Brasil e no mundo.

Seus exemplares têm sido incluídos uma primeira escola judaica bilíngue, a conceituada Escola
em bibliotecas e utilizados como fonte Beit Yaacov.
de pesquisa. Os encartes incluídos na
Revista, com o passo-a-passo para E o Brasil? E Israel? E o mundo? Ao longo destas décadas,
preparação das festas de Rosh Hashaná também passaram por mudanças importantes. Aqui no
e Pessach, têm servido a milhares de Brasil, foi lançada uma nova moeda, o Real; a hiperinflação
judeus. No entanto, nesses 25 anos foi vencida. Israel se desenvolveu e cresceu em todos
nosso objetivo se manteve: difundir os aspectos, apesar das dificuldades e dos repetidos e
o judaísmo em todos seus aspectos: sangrentos ataques terroristas. Os Estados Unidos foram
religiosos, históricos e culturais. Apropriando-nos das vitimados por ataques do terror. No exterior, a União
palavras do Rabino Lord Jonathan Sacks, mostrando a Europeia foi criada, unindo povos, culturas e moedas; mas
cada edição a “grandeza de ser judeu”. também não ficou a salvo de repetidos ataques terroristas.
Inovações tecnológicas mudaram nossa existência, novas
O Instituto Morashá expandiu suas atividades para além descobertas na área da medicina, processadores cada vez
da publicação da Revista. Foram publicados dois livros mais rápidos; a internet nos permitindo acessar um número
– a Hagadá e Raízes de Uma Jornada. Trouxe ao Brasil cada vez maior de informações.
renomados palestrantes. Foi criado um arquivo digital
contendo imagens dos judeus orientais e sefaraditas, em A Morashá tem acompanhado os avanços tecnológicos. Um
seus países de origens. As imagens foram expostas numa website, que atrai um grande número de visitas, permite,
grandiosa exposição. Esse acervo digital, terá brevemente desde o ano 2000, a leitura das revistas on-line. Desde
seu acesso facilitado. Está em andamento sua migração 2014, o site tem novas ferramentas à disposição de nossos
para uma nova plataforma na internet, que permitirá a usuários, cujo número vem crescendo exponencialmente.
consulta remota a todo o conteúdo, em alta resolução.
A linha do tempo que criamos, a seguir, inclui momentos
Nossa comunidade, a Congregação Beit Yaacov, também importantes da evolução da Morashá, e escolhemos alguns
cresceu nesses 25 anos. Foi erguida uma nova Sinagoga, acontecimentos importantes no Brasil, Israel e no mundo,
na Rua Veiga Filho, com imponente estrutura. Fundou-se para situar melhor no tempo a nossa escalada vitoriosa.

41 junho 2018
especial

Setembro Setembro
1993 Morashá passa para 50 páginas. Morashá passa para 60 páginas.
Morashá entrevista o ex-prefeito de
Janeiro Jerusalém, Teddy Kollek.

Reunião na Sinagoga
Beit Yaacov para criação
de uma revista judaica,
enviada gratuitamente.
Escolheu-se o nome
Morashá, que significa
“Herança Espiritual”.

1994
Novembro
Março Morashá entrevista Elie Wiesel,
Morashá promove avant première sobrevivente do Holocausto e
no Brasil do filme “A Lista de Prêmio Nobel da Paz.
Schindler”, de Steven Spielberg,
lançado em dezembro de 1993 nos
EUA. Vencedor de sete prêmios no
Oscar, é o melhor filme já realizado
Maio sobre o Holocausto.
Primeira edição da Morashá -
35 páginas e tiragem de 5 mil Junho
exemplares. Morashá entrevista o Dr. William
Lançado o Concurso Literário Frosh, psiquiatra da Universidade
Morashá. de Cornell, Nova York.

1993
janeiro Lançada a pedra fundamental Dezembro Entra em circulação no Brasil o
Entra em vigor o Tratado da da nova sinagoga da A empresa israelense Check Real, moeda que circula até hoje.
União Europeia (Tratado de Congregação Beit Yaacov, Point, que atua na área Estabelecimento de relações
Maastricht). na Rua Dr. Veiga Filho, em de segurança na internet, lança diplomáticas entre Israel e o
Higienópolis. O projeto é de o primeiro firewall. Vaticano.
março responsabilidade do arquiteto
francês, Alain Raynaud. 1994 Outubro
A empresa Intel lança o primeiro
processador da família Pentium. Maio Acordos de Paz entre Israel e
Acordos Gaza/Jericó Jordânia.
Abril assinados entre Israel e a OLP Novembro
Inauguração do Museu do estabelecem as bases para a Realizada em São Francisco a
Holocausto em Washington. autodeterminação da população primeira conferência inteiramente
Comemoração dos 50 anos do palestina em Gaza. dedicada ao potencial da World
Levante do Gueto de Varsóvia. Julho Wide Web.
Atentado a bomba na AMIA Dezembro
Setembro
- Associacão Mutual Israelita
Acordos de Oslo 1 entre Israel e Argentina - em Buenos Aires. Yitzhak Rabin, Shimon Peres e
a Organização para Libertação Saldo: 85 mortos e mais de 300 Yasser Arafat recebem o Prêmio
da Palestina (OLP). feridos. Nobel da Paz.

42
REVISTA MORASHÁ i 100

1995
1995 1997
1997
Março Março
Morashá promove palestras com Visita do primeiro-ministro e Prêmio
o Rabino-chefe da França, Joseph Nobel da Paz, Shimon Peres, a São
Sitruk. Paulo.
Abril 1996
1996 Abril
Morashá entrevista o rabino
Avraham Hamra. Maio Suplemento especial da Morashá
com entrevista exclusiva do primeiro-
Junho Morashá entrevista e homenageia ministro Shimon Peres.
Leah Rabin no Salão da Sinagoga
Morashá entrevista o Rabino-chefe
Beit Yaacov, por ocasião de sua
sefaradita de Israel, Eliyahu Bakshi-
Doron, em visita a São Paulo.
visita a São Paulo. 1998
1998
Setembro Setembro
Morashá promove palestra com o Morashá promove palestra sobre Setembro
jornalista Alberto Dines sobre “Os desafios da economia frente Morashá estreia nova diagramação.
“O Caso Dreyfus”. à globalização”, com Abraham
Schochat, ex-ministro da Fazenda
Outubro de Israel.
Morashá promove palestras sobre o
Morashá promove avant-première
“Judaísmo sefaradita” com o
do filme “Lembranças de uma
Prof. Yosef Hayim Yerushalmi,
Sobrevivente”, com a participação de
titular da cátedra de História Judaica,
Gerda Weismann, protagonista do
Cultura e Sociedade da Universidade
filme.
de Columbia, Nova York.
Dezembro Novembro
Morashá entrevista o cantor Morashá promove palestras com
israelense Yehoran Gaon, em turnê o Rabino-chefe da França, Joseph
pelo Brasil. Sitruk.

1995 Haskará em memória de Início das comemorações de Paris o 190º aniversário do


Yizthak Rabin na Sinagoga dos 3 mil anos de Jerusalém, Grande Sinédrio dos Judeus da
Abril
Beit Yaacov, na rua Veiga cidade proclamada capital do França e da Itália (Sanhedrin).
O organização israelense
Filho. Presença de autoridades Povo Judeu pelo Rei David.
Save a Child’s Heart realiza, Agosto
do governo e religiosas, e
gratuitamente, cirurgias Julho Comemoração do Centenário do
lideranças judaicas.
cardíacas para crianças carentes A empresa israelense Mirabilis 1º Congresso Sionista, realizado
de todo o mundo. 1996 lança o ICQ, primeiro sistema na Basiléia em 1897.
Inauguração da nova Sinagoga de mensagem instantânea na
Fevereiro e Março
internet.
1998
Beit Yaacov à rua Dr. Veiga
Filho, Higienópolis. A imponente Onda de violentos atentados Maio
terroristas em Israel. 1997 Cinquentenário da criação do
estrutura tem capacidade para
980 assentos. Março Estado de Israel.
Abril
Onda de atentados terroristas
Acordos de Oslo 2 retomam Operação “Vinhas da Ira” Setembro, outubro e
em Israel.
negociações de paz entre Israel contra o Líbano. Cessar-fogo novembro
e a OLP. Israel inaugura sua primeira Onda de atentados terroristas
assinado em agosto.
usina de dessalinização por em Israel: dois ataques
Novembro Maio osmose reversa. suicidas em Hebron, Beersheva
Assassinato do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu é eleito Maio e Jerusalém (no mercado
de Israel Yitzhak Rabin. primeiro-ministro de Israel. Comemorado na Prefeitura Machané Yehuda).

43 junho 2018
especial

1999
1999 2000 2001
Fevereiro Fevereiro
Morashá promove pré-estreia do Morashá promove palestras sobre
filme “A Vida é Bela”, dirigido por “Drogas e adicção” com o Dr. Rabino
Roberto Benigni, vencedor de três Avraham J.Twerski, fundador do
estatuetas no Oscar. Centro de Reabilitação Gateway
para o Tratamento de Dependentes
Setembro Químicos e JACS ( Jewish,
Rabino-chefe asquenazita de Israel, Alcoholics, Chemically Dependent
Meir Lau, escreve o artigo “Yamim
Noraim – Tempo de Reflexão”,
2000 Persons and Significant Others).

especial para a Morashá. Março


Abril
Morashá entrevista, com
Dezembro Morashá passa a contar com exclusividade, Elie Wiesel, em sua
80 páginas. visita a São Paulo.
Morashá lança artigos do jornalista
Alberto Dines sobre a presença Setembro Junho
judaica no País para marcar
500 Anos do Descobrimento. Lançado o site Dr. Rabino Avraham J. Twerski
www.morasha.com.br. escreve “Os anjos não deixam
pegadas”, artigo exclusivo para
Morashá.
Julho
Oficialmente constituído o Instituto
Morashá de Cultura.

Novembro
Jantar para patrocinadores e
colaboradores marca o 8º aniversário
da Morashá.

1999 2000 e visita, entre outros lugares, Aumenta significativamente o


o Kotel e Yad Vashem. Pede número de atos de violência contra
Janeiro Janeiro
perdão pelos erros cometidos os judeus na França.
O Euro começa a ser usado Descobertos vestígios da
pela Igreja Católica em relação
em transações eletrônicas, em Sinagoga Kahal Zur Israel, a Dezembro
ao Povo Judeu.
11 países-membros da União primeira sinagoga das Américas. Yasser Arafat rejeita o plano de
Europeia. Construída no século 17, em Março, abril e maio paz apresentado pelos EUA.
Recife, é considerada um dos Onda de ataques terroristas
Setembro 2001
tesouros arqueológicos da em Israel.
O general Ehud Barak é eleito
região. Janeiro
primeiro-ministro de Israel. Junho e Julho
Albert Einstein é eleito Fundação da ISRAAID, organização
Ehud Barak e Yasser Arafat Retirada das tropas israelenses de ajuda humanitária que atua em
personalidade do século 20 pela
assinam o 2º Acordo de Paz do Sul do Líbano. áreas de desastres naturais.
revista Time.
de Wye. Duas horas depois,
Lançamento do programa Fracassam negociações de paz Fevereiro
atentados terroristas em Israel.
Birthright, cuja meta é levar entre Israel e a OLP. Ariel Sharon é eleito primeiro-
Dezembro milhares de jovens judeus para ministro de Israel.
Partidos de extrema direita visitar Israel. Outubro
avançam na Europa, Início da Segunda Intifada. Março
principalmente na Áustria e Março Hezbolá lança foguetes contra Aviões dos EUA e Reino Unido
Alemanha. Papa João Paulo II vai à Israel o Norte de Israel. bombardeiam o Iraque.

44
REVISTA MORASHÁ i 100

2002
2002 2003
2003 escola beit yaacov

Dezembro
Instituto Morashá de Cultura cria o
Centro Morashá de Memória.
O objetivo é elaborar um acervo
digital de fotografias, cartas e
documentos de judeus originários
do Oriente Médio, Grécia, Itália e 2001
Norte da África. Início das atividades da Escola
Beit Yaacov, em uma casa no
bairro de Higienópolis, com
120 alunos.
Abril
Morashá celebra seu
10º ano.
Com 84 páginas, a
Revista é distribuída a
30 mil lares, no Brasil
e no exterior. A Edição
número 40 traz o
primeiro suplemento
contendo um guia para as Festas. 2003
Inaugurada nova sede da Escola
Agosto Beit Yaacov no bairro Várzea da
Instituto Morashá, A Hebraica Barra Funda.
e o Beit Chabad do Morumbi Aberto o primeiro ano do
promovem palestras com o rabino Ensino Fundamental, o G1.
Laibl Wolf, da Austrália.

Inaugurado em Recife o Agosto Dezembro Dezembro


Arquivo Histórico Judaico de Assistência Social Beit Yaacov Massada e a Cidade Velha O israelense Daniel Kahneman
Pernambuco, onde havia sido (ASBY) inaugura o Consultório de Acco são designadas recebe o Prêmio Nobel de
construída a Sinagoga Kahal Odontológico. Patrimônio da Humanidade Economia.
Zur Israel. Patrocínio Fundação pela UNESCO.
Safra. Setembro 2003
No dia 11, o maior ataque
2002 Fevereiro
Abril terrorista da História destrói as Abril Explosão do ônibus espacial
Reinaugurada a Sinagoga Beit torres gêmeas do World Trade Mortos e feridos no atentado americano Columbia causa a morte
Yaacov na Rua Bela Cintra, Center, em Nova York. Ataque terrorista à Sinagoga de La da tripulação - um dos astronautas
após ampla reforma. simultâneo contra o Pentágono, Ghriba, na Tunísia. era o israelense Ilan Ramon.
em Washington. Atentados “Ato pela Paz, Contra o Terror Março
deixam mais de 2 mil mortos. e Contra o Antissemitismo”, Coligação liderada pelos EUA
julho promovido pela Federação inicia Guerra no Iraque.
Outubro
16a Macabíadas, em Israel. Rehavam Zeevi, ministro do Israelita do Estado de São Paulo, Dezembro
Turismo de Israel, é assassinado reúne 10 mil pessoas.
Ataques a Israel com foguetes Yad Vashem, Museu do
pelo Hamas. Em resposta, em Jerusalém por um comando Junho Holocausto de Israel, situado
Israel inicia operação em da Frente Popular de Libertação Sinagoga Kahal Zur Israel é no Monte Herzl, em Jerusalém,
Gaza. da Palestina (FPLP). reaberta em Recife. comemora 50 anos.

45 junho 2018
especial

2004 2005 2007


Agosto
Instituto Morashá promove palestra Agosto
“A Cabalá do Equilíbrio entre a Instituto Morashá promove
Alma e o Corpo”, com o rabino a exibição do documentário
Laibl Wolf. “Testemunha Imaginária, Hollywood
e o Holocausto”, de Daniel Anker.
Dezembro
Instituto Morashá recebe 1º Prêmio 2006
K de Responsabilidade Social.
Abertura da exposição de fotografias 2007
e documentos do Centro de Setembro
Memória “Raízes de uma Jornada Instituto Morashá promove Abril
– 45 Anos da Fundação da palestra com Judy Feld, canadense O Instituto Morashá lança uma nova
Congregação Beit Yaacov” . responsável, com seu marido, Ronald edição da Hagadá de Pessach com
Feld, pelo resgate de judeus sírios na comentários inéditos e iluminuras.
década de 1970.

2008

Fevereiro
Implantação do Acervo Digital
do Instituto Morashá de Cultura.
O Acervo reuniu, catalogou e
digitalizou fotos e documentos
cedidos ao longo dos anos.
A iniciativa visa facilitar o acesso da
comunidade ao material. 

2004 2005 2006 2007


Fevereiro Fevereiro Janeiro Janeiro
Na Conferência Europeia sobre Israel e Autoridade Palestina Primeiro-ministro Ariel Sharon A ONU aprova a resolução que
o Antissemitismo, o Rabino- assinam cessar-fogo. sofre derrame e Ehud Olmert condena “sem reservas qualquer
chefe do Reino Unido, Lord assume o cargo de primeiro- negação do Holocausto”.
Jonathan Sacks, alerta sobre o AbriL
ministro.
alastramento do antissemitismo. Instituto Cultural Safra publica 2008
“Sinagogas do Brasil”, com Maio
Maio imagens de 100 sinagogas. Janeiro
A FDA aprova a distribuição
ONU declara Tel Aviv Patrimônio Agosto nos EUA do Azilect, tratamento Os israelenses lançam o sistema de
Mundial como símbolo do estilo Furacão Katrina atinge Nova para a Doença de Parkinson navegação Waze.
Bauhaus. Orleans. Israel envia equipes de desenvolvido pela israelense Teva. Fevereiro
Consultório Odontológico da busca e resgate. Junho Vaticano abre seus arquivos da
ASBY expande atendimento e se Setembro Hezbolá sequestra o soldado Inquisição para consultas
muda para o Bom Retiro. Retirada unilateral israelense Gilad Shalit em território Julho
Dezembro de Gaza. israelense. “Enfrentando o amanhã”, evento
Os israelenses Aaron Ciechanover Dezembro Maguen David Adom passa a ser idealizado pelo presidente Shimon
e Avram Hershko recebem o O israelense Robert Aumann recebe oficialmente membro da Cruz Peres, marcou as comemorações dos
Prêmio Nobel de Química. o Prêmio Nobel de Economia. Vermelha Internacional. 60 anos da Independência de Israel.

46
REVISTA MORASHÁ i 100

2009
2009 2010 escola beit yaacov

Janeiro Maio 2004


Ato em lembrança ao Dia Prêmio Nobel Robert Aumann Implantação do PYP, Primary
Internacional do Holocausto na profere palestra na Escola Beit Years Program, um programa
Sinagoga Beit Yaacov, com a presença desenvolvido pela International
Yaacov. Baccalaureate Organization (IB).
de autoridades federais e estaduais.
Abril
Instituto Morashá promove avant
2011
2011
2008
Inaugurado novo prédio para a
première do filme “Defiance”, baseado Educação Infantil.
na história real dos irmãos Bielski
durante o Holocausto. A primeira turma de Bat Mitzvá
Fevereiro se apresenta no Teatro da Escola.
Setembro Aniversário de 18 anos da Revista
Lançamento de “Raízes de Uma Morashá – Jantar comemorativo para
Jornada” na Sinagoga Beit Yaacov. patrocinadores e colaboradores.
O livro, de 456 páginas, traça o
caminho percorrido, até chegar a
São Paulo, pelas famílias sefaraditas
orientais que hoje compõem a 2012
Congregação Beit Yaacov.
2009
Escola é credenciada pelo
International Baccalaureate
Organization (IB) como IB
World School.
Palestra com o presidente
Fernando Henrique Cardoso
O recém criado Curso de
Educação de Jovens e Adultos -
EJA - (antigo Ensino Supletivo)
atende de 250 alunos.

2009 2010 Dezembro Agosto


Março Março O maior incêndio na história Gilad Shalit, sequestrado em
Binyamin Netanyahu reeleito de Israel devasta centenas de 2006 pelo Hezbolá, é solto em
Ato em lembrança ao Dia quilômetros de uma floresta de troca de 1.027 presos palestinos.
primeiro-ministro de Israel. Internacional do Holocausto na pinus no Monte Carmel, perto
Abril Sinagoga Kahal Zur Israel, em Dezembro
de Haifa.
Tel Aviv celebra centenário de Recife. O israelense Dan Shechtman
fundação. ASBY começa a distribuição recebe o Prêmio Nobel de
gratuita de remédios. 2011 Química.
junho Fevereiro 2012
Satélite israelense de Empresa israelense Solaris Maio
reconhecimento, Ofek 9, é Synergy lança painéis de energia Consultório Odontológico da
lançado da Base Aérea de solar flutuantes. ASBY expande atividades.
Palmachim. Abril Junho
Setembro O sistema de defesa Iron Dome Pesquisa internacional conclui que
Israel torna-se membro pleno da intercepta primeiro míssil de Israel é o segundo melhor lugar
Organização para Cooperação e curto alcance lançado contra para startups de alta tecnologia,
Desenvolvimento Econômico. território israelense. depois do Vale do Silício.

47 junho 2018
especial

Início da distribuição da Morashá


para milhares de bibliotecas públicas escola beit yaacov
no País, ampliando a sua abrangência
e compartilhando a cultura, a história
e os fundamentos religiosos judaicos 2011
com o público brasileiro em geral. Michael Bloomberg, Prefeito de
New York, visita a Escola Beit
2014 2014 Yaacov e profere palestra.

2013
2013 2013

Março
Instituto Morashá traz ao Brasil,
pela primeira vez, o Grão-rabino do
Reino Unido e da Commonwealth,
Lord Jonathan Sacks, para série de
palestras.
Abril

Abril Inauguração da Sinagoga Or


Yossef da Escola Beit Yaacov.
A revista Morashá apresenta
nova diagramação e o site
2014
morasha.com.br se atualiza em
termos de design e tecnologia. A Escola Beit Yaacov aparece em
9º lugar entre as dez melhores
escolas de São Paulo com
Julho base nos resultados do Enem
Instituto Morashá de Cultura tem Pré-estreia do filme “Sobrevivi 2013, segundo o Ministério de
o primeiro projeto aprovado com ao Holocausto”.  Julio Gartner, Educação.
recursos incentivados pela Lei sobrevivente do Holocausto que Com mais de 600 lugares, Teatro
Rouanet do Minc (Ministério da passou cinco anos em campos nazistas, J. Safra é aberto ao público.
Cultura). relata sua história.

2013 2014 Ocidental, matando quatro setembro


rabinos e um oficial de polícia. A Aliá a partir da
Março Janeiro
Morre o ex-primeiro-ministro 2015 América Latina aumentou
Consultório Odontológico da 7% em relação ao ano anterior.
ASBY começa atendimento em Ariel Sharon. Janeiro Destaca-se o aumento no
ortodontia infantil. Junho Atentados contra a sede do número de brasileiros, que
O Estado Islâmico inicia ofensiva jornal “Charlie Hebdo” e cresceu cerca de 50% nos
Setembro no Oriente Médio. mercearia casher, em Paris. últimos anos.
Saddam Hussein é capturado Palestinos sequestram e Evento na Sinagoga Beit Yaacov
Junho
por soldados norte-americanos. assassinam três adolescentes -Veiga Filho comemora os
Israel envia 141 atletas ao Jogos
israelenses. 50 anos de fundação da
Europeus de 2015, conquistando
Dezembro Julho primeira Sinagoga na Rua Bela
12 medalhas.
As IDF iniciam a Operação Cintra.
Israel se torna o 21º Estado-
Julho
membro da Organização Margem Protetora contra a Dezembro
Europeia de Pesquisa Nuclear. Faixa de Gaza. O fortalecimento do BDS
Inovações israelenses na área
(Boicote, Desinvestimento,
O israelense americano Ariel Novembro da agricultura e irrigação estão
Sanções) contra Israel ganha
Warshel recebe o Prêmio Nobel Massacre: dois árabes atacam ajudando a alimentar milhares
novas proporções e atenção da
de Química. sinagoga em Jerusalém de pessoas em todo o mundo.
mídia.

48
REVISTA MORASHÁ i 100

2015
2015 2018
2018 escola beit yaacov

Março 2015
Migração e aprimoramento Escola Beit Yaacov realiza,
do Acervo Digital do Instituto pela primeira vez, o Career
Morashá de Cultura para uma Day, para alunos do 9º ano do
nova plataforma na Internet, que Ensino Médio. Da programação
constaram palestras, estágio,
permite consulta remota, mais rápida visitas a universidades e
e amigável, a todo o conteúdo e seminários.
arquivos em alta resolução.
2016
Abril Aluno vence Chidon Tanach
Morashá celebra os 70 anos da Brasileiro e fica entre os melhores
criação do Estado de Israel. do mundo nas finais em Israel.

2017
Morashá poderá ser lida on-line ou
baixada como arquivo PDF. Ilan Goldfajn, presidente do
Banco Central do Brasil, realiza
abertura do 3º Career Day.

2016 2018
Número de alunos: 960 alunos,
da Educação Infantil ao Ensino
Médio.
Com impressora 3D e novas
2017 ferramentas eletrônicas, Maker
Station é ampliada na Escola.
Escola conquista excelentes
setembro resultados nos processos seletivos
www.morasha.com.br. alcança maior de 2018.
número de visitas.

Foram registrados, nos EUA, Julho Registrados 335 atos 2018


664 incidentes contra judeus, Falece Elie Wiesel, Prêmio antissemitas na França em
um aumento de 9% em relação 2016. Janeiro
Nobel da Paz e sobrevivente Menino judeu de oito anos foi
ao ano anterior. do Holocausto, que lutou pela 2017 atacado por dois adolescentes
Israel é classificado entre as 20 preservação da memória no subúrbio parisiense de
primeiras nações do mundo, dos milhões de judeus Janeiro Sarcelles por estar usando kipá.
de acordo com o índice de assassinados durante Setor de startups em Israel
Desenvolvimento Humano das a 2ª Guerra Mundial. arrecadou mais de US$ 5 Março
Nações Unidas. bilhões em 2017, resultado Assassinada em Paris Mireille Knoll,
Setembro superior ao recorde de US$ 4,8 85 anos, sobrevivente do Holocausto.
Falece o ex-presidente Shimon bilhões registrado em 2016. Abril
2016
Peres, último dos pioneiros da Setembro Israel comemora 70 anos.
Fevereiro fundação do Estado.
20ª Macabíadas: atletas judeus Início de violentos protestos
Inaugurado em São Paulo Falece o Rabino-chefe da de 80 países competem em palestinos na fronteira de Gaza
o Memorial da Imigração França, Joseph Haim Sitruk. Israel. e Israel.
Judaica, na sede da Sinagoga
mais antiga do Estado, a Fórum Econômico Mundial Novembro Maio
Kehilat Israel, na Rua da Graça, classifica Israel como a 2ª nação Comemoração do centenário Abertura da Embaixada dos EUA
no bairro do Bom Retiro. mais inovadora do mundo. da Declaração Balfour. em Jerusalém.

49 junho 2018
arte

O “CASO DREYFUS” E
EDGARD DEGAS
POR REUVEN FAINGOLD

No final do século 19, a França ficou convulsionada pelo


“Affaire Dreyfus”. Um oficial judeu do Estado Maior, Alfred
Dreyfus, havia sido condenado por alta traição. O “Affaire”
dilacera a opinião pública, dividida entre os dreyfusards,
que defendiam sua inocência, e os antidreyfusards, que
acreditavam em sua culpa. intelectuais, escritores e artistas
franceses também se posicionaram. E um dos mais ferrenhos
antidreyfusards foi Edgar Degas.

Pano de fundo do Caso Dreyfus O caso parecia encerrado; ninguém, àquela altura dos
acontecimentos, poderia conceber a tormenta que
O caso Dreyfus ocorre em uma França derrotada na desabaria sobre a França, nos anos seguintes. Não
guerra franco-prussiana (1870-71), que deixou em conformada com a condenação, a família de Dreyfus
seu rasto uma forte crise econômica, tensões sociais e consegue o apoio, a favor de um novo julgamento, de
confrontos políticos. figuras públicas, como os escritores Anatole France e
Émile Zola.
Num cenário como esse, são descobertas evidências da
existência de um traidor nas fileiras do exército, que Em janeiro de 1898, o momento da virada surgiu com
pretendia repassar aos alemães informações sobre a a histórica denúncia de Zola – seu ‘’J’accuse’’, impresso
artilharia francesa. O traidor precisava ser descoberto no jornal L’Aurore, que vendeu 300.000 cópias em um
e Dreyfus era o “ traidor ideal”. Primeiro judeu a servir único dia.
no Estado-Maior do Exército, sua presença irritava os
oficiais franceses. Pouco importavam a falta de provas e Famoso escritor, coberto de condecorações, não hesitara
as irregularidades no processo; para as Forças Armadas em se arriscar a perder tudo, inclusive sua liberdade, por
francesas sua condenação evitaria que um francês cristão não tolerar a ideia de que um inocente estivesse preso.
fosse apontado “Traidor da Pátria”. Em seu célebre manifesto “Eu acuso” Zola expressa
sua indignação perante as intrigas preconceituosas que
Acusado de espionagem a favor da Alemanha, Dreyfus é envolveram o caso.
sumariamente julgado e condenado à prisão perpétua na
famigerada prisão na Ilha do Diabo (na Guiana Francesa). O “Caso Dreyfus” acaba incendiando a opinião pública
Em janeiro de 1895, após ser submetido a uma humilhante e dilacera o país, que se divide em dois campos. De um
degradação militar, diante de uma multidão que exigia lado estavam os antidreyfusards que culpavam o oficial
sua imediata execução aos gritos de “Mort aux juifs”, ele é judeu e opunham-se à reabertura do processo. Do outro,
despachado à Ilha do Diabo, onde ficou preso até 1906. os dreyfusards, partidários da inocência de Dreyfus,

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A degradação de Alfred Dreyfus, 1895

denunciavam as irregularidades do Na época, o país estava dividido frequência acusando os judeus,


julgamento e demandavam uma entre uma direita reacionária, aberta e causticamente, de “trabalhar
revisão imediata do processo. ligada às Forças Armadas e à contra os interesses da França e
Igreja Católica; e, de outro lado arquitetar sua destruição”.
Em 1899, Dreyfus é levado mais os republicanos liberais e as
uma vez a julgamento, perante forças de esquerda. Verifica-se Se a França estava dividida, também
um tribunal militar. Apesar das um considerável aumento nas o estavam seus artistas. O mundo
contundentes provas de sua publicações antissemitas, com das Artes passava por um período de
inocência, é condenado mais grandes mudanças e Edgar Degas
uma vez, recebendo logo a seguir foi um de seus mais aguerridos
um indulto. Sua inocência só foi protagonistas. Conhecido hoje como
verdadeiramente reconhecida “o pintor das bailarinas”, Degas além
em 1905 e, no ano seguinte, foi de um exímio pintor foi gravurista,
reabilitado pelo governo francês. escultor e fotógrafo. Em 1873,
juntamente com Claude Monet,
Intelectuais Camille Pissarro e Paul Cézanne,
e artistas se forma a Sociedade Anônima dos
posicionam Artistas, que abriu sua primeira
exposição impressionista em Paris.
Hoje não restam dúvidas de
que Dreyfus foi vítima do Degas foi logo apontado pela crítica
antissemitismo arraigado na como o líder do novo grupo, que
sociedade e Forças Armadas mais tarde seria conhecido como “os
francesas, uma “diabólica Impressionistas”. Eles propunham
conspiração” como a chamou Zola. ÉDGAR DEGAS uma nova maneira de pintar,

51 JUNHO 2018
arte

em que o movimento e a luz eram desempenhar cargos públicos”.


os elementos mais importantes. Renoir afastou-se de Pissarro,
Apesar de ser classificado de acusando-o de que seus filhos não
“impressionista”, Degas gostava de se tinham servido ao exército “por
autodenominar “realista”. À exceção não sentirem nenhum tipo de
do grande escultor Auguste Rodin, patriotismo com a França”. Em
que insistiu em se manter neutro, 1882, Renoir negou-se a expor
praticamente todos os artistas, junto a este último, declarando
famosos ou não, adotaram uma publicamente que “... expor ao lado
posição no caso Dreyfus. Ou eram a de um judeu é gerar uma revolução”.
favor ou contra o oficial judeu.
Mas, dos artistas impressionistas
Os pintores Claude Monet e Jacob nenhum foi tão crítico e duro
Camille Pissarro, amigos de Zola, com Dreyfus como Edgar Degas.
estavam entre os dreyfusards. Monet Certa vez, uma modelo que posava
não hesitara em escrever uma camille pissaro, AUTORETRATO, 1875
em seu ateliê, questionou a forma
carta a Zola, cumprimentando-o como a França lidava com Dreyfus.
por sua coragem em defender o Enfurecido, Degas retrucou:
oficial judeu, e assinou uma petição de Degas faziam parte Paul Cézanne “Com certeza, você também deve
em defesa de Dreyfus. Pissarro e Pierre-Auguste Renoir. ser judia”, fazendo-a retirar-se
redigiu também uma missiva imediatamente do estúdio.
cumprimentando Zola por acusar Apesar deste último manter grande
abertamente a República Francesa amizade com as famílias judias Apesar de ter sido um grande
de estar cometendo uma injustiça. Natanson e Cahen d’Anvers, sua admirador de Degas, Pissarro
Também acreditavam em sua atitude em relação aos judeus sempre chamou-o de “antissemita
inocência os artistas Paul Signac foi hostil. Ele chegou a afirmar selvagem”, em carta dirigida a seu
(1863-1935), Louis Vuitton (1821- que “... não em vão os judeus são filho Lucien. Certa vez, comentou
1892) e Mary Cassatt (1844-1926). expulsos dos países”, e que “... na com o pintor Paul Signac, que
Das fileiras antidreyfsards, além França lhes deveria ser vedado “Degas e Renoir se haviam
distanciado dele desde os trágicos
acontecimentos de 1894”, fazendo
uma clara referência ao caso
Dreyfus. Degas passou a criticar
Pissarro duramente, argumentando
que “... sua arte é desprezível”.
Quando soube que Pissarro o
admirava, mais que a qualquer
outro artista, chegando a afirmar
que “Ele (Degas) é, sem dúvida, o
maior artista desta época”, Degas se
justificou: “Sim, mas isso foi antes
do Affaire Dreyfus”. Fica evidente
que, na França do século 19, política
e arte se retroalimentavam.

DEGAS PRÉ-DREYFUS

Hoje, críticos de arte e historiadores


acreditam que o Caso Dreyfus
trouxe à tona o até então velado
EDGAR DEGAS “RETRATO DO RABINO ELI ARISTIDE ASTRUC E O GENERAL ÉMILE MELLINET”, 1871 antissemitismo de Degas.

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No século 19, artistas e amantes das Degas para serem retratados.


artes buscavam a companhia dos As opiniões de Degas podem
artistas e intelectuais judeus; e Edgar ser vistas no resultado de seus
Degas não foi exceção. Antes de portraits: na tela, o rabino
eclodir o Affaire, ele mantinha uma Astruc aparece menos forte,
aparente postura favorável aos judeus. menos confiante e menos
Como vimos acima, ele mantinha importante. Ele está tentando
relações profissionais com Pissarro, encontrar um lugar na própria
organizando com ele exposições composição. A mensagem
de arte. Sabe-se que ele foi um dos talvez seja demostrar a
primeiros artistas impressionistas superioridade do Estado diante
a comprar quadros de Pissarro. da religião.
Frequentava, inclusive, um círculo de
artistas judeus composto por Ludovic Em 1878, o pintor termina
Halévy e seu filho Daniel, Geneviève o óleo a “A Bolsa”. À primeira
Halévy (cônjuge de Georges Bizet) vista, o quadro não retrata
e um dos advogados dos Rotschilds, judeus, apenas faz um retrato
que administrava um Salon social da modernidade. Mas,
parisiense. No grupo de Halévy havia Degas retrata o banqueiro
outros judeus, como o compositor de e marchand judeu, Ernest
óperas Ernest Reyer (1823-1909), o May, postado nas escadarias
marchand Charles Ephrussi (1849- da Bolsa de Valores, junto
1905) e Charles Hess. Este último a Monsieur Boulatré. O
inspirou o personagem Swann, de quadro não apresenta o tipo de
Marcel Proust, na obra “Em Busca do caricatura antissemita utilizada Para alguns críticos de arte, como
Tempo Perdido”. na época, na França. Os recursos Louis E. Duranty (1833-1880),
antissemitas utilizados são no óleo, Degas retrata o mito do
Ademais, Degas retratou dezenas mais velados. Reparamos certa “complô financeiro judaico” fortemente
de amigos judeus: Ernest May, semelhança com “Amigos do Teatro” arraigado nas sociedades europeias
Émile Levi (1826-1890), o judeu- (1879), talvez pelas vestimentas dos séculos 18-19. O objetivo desse
português Monsieur Brandão, pai pretas, os movimentos, traços suposto complô judaico era “dominar”
do pintor Édouard Brandão (1831- físicos dos personagens e até pelas a economia das nações. Este suposto
1897), e o artista Henri Michel Levi cores da coluna. Se olharmos a complô surge do retrato preservado
(1844-1911), que retratou Degas, posição em que foram retratados daquilo que “eles” (judeus) guardam
entre outros. os personagens, movimentando em total sigilo de “nós” (franceses).
suas mãos e se falando em voz É uma imagem que revela velado
O viés antissemita contra seus baixa, ao pé do ouvido, revela-se antissemitismo.
compatriotas judeus começa a ser um complô, um momento em que
visível, com seu quadro o “Retrato figuras enigmáticas com sobretudos A AMIZADE DEGAS
do Rabino Eli Aristide Astruc e o e cartolas planejam dar um golpe e HALÉVY
General Émile Mellinet” (V. página mortal na sociedade francesa.
anterior). A tela, uma das obras mais Degas retrata May com um judeu Degas frequentou a casa da família
admiradas do artista, foi pintada de nariz adunco, com olhos saltados Halévy. Uma carta encontrada nos
23 anos antes do “Affaire Dreyfus”. e lábio protuberantes – “marca “Archives Israélites” revela que ele
Astruc, uma autoridade em História artística do status judaico de era presença constante nos almoços
Judaica, foi rabino na Bélgica, estrangeiro. A cena incorpora a dessa família. Seus membros foram
enquanto Mellinet foi um militar realidade da hegemonia financeira retratados várias vezes e assim os
republicano, anticlerical e maçom, judaica, bem conhecida por Degas, Halévy viraram o centro das atenções
que ajudou Astruc a socorrer feridos com a emergência dos Rothschild do artista, a ponto de um deles, Daniel
durante a revolta da Comuna de como força econômica na França e Halévy, afirmar num “Diário”: “Nós o
Paris, em 1871. Ambos procuraram em toda a Europa. criamos”, referindo-se ao pintor.

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arte

Retratos dos membros da família escreveu novelas em que fazia duras tela de 1896, Degas retratou o
Halévy, pintados por Degas, foram críticas à sociedade parisiense. Aos filósofo e pensador judeu Eli
encontrados numa “Caderneta de 31 anos, abandonou seu trabalho na Halévy (1870-1937), filho de
Desenhos”. Num deles, Ludovic administração pública para se dedicar Ludovic. Refletindo, sentado num
escreve: “Degas desenhou, em minha à literatura. sofá, ele segura o queixo com a
casa, todos os retratos que fazem mão. Totalmente mergulhada em
parte desta coleção”. O próprio Em 1868, ele publica os contos pensamentos, sua mãe, Madame
Ludovic e seu filho Daniel foram “A Família Cardinal”. Seus textos Louise Halévy, está sentada no
pintados por Degas no quadro “Seis ironizam os costumes da sociedade mesmo sofá. Na parede, dois
amigos em Diepp” (1885). parisiense durante a Terceira quadros de bailarinas completam a
República. Halévy situa seus composição.
O ressentimento do artista com personagens na Ópera de Paris,
o “aumento do poder judaico na retratando-os como cidadãos Mas, no outono de 1897, a amizade
França” fica mais evidente em sua deslumbrados pelo abastado modo de anos entre Edgar Degas e
pintura de 1879, “Portrait of Friends de vida da classe alta, frequência Ludovic Halévy é subitamente
in the Wings”. Na obra ele retrata assídua nas galerias de arte, interrompida. Mesmo sendo judeus
Ludovic Halevy, judeu autor de espetáculos de dança e teatro. assimilados, os Halévy demostravam
libretos para óperas, conversando uma forte preocupação pelo
nos bastidores da ópera com Albert Descreve, também, nessa obra, clima de animosidade contra seus
Boulanger-Cave, rico patrono os anseios de uma família correligionários reinante na França,
das artes não-judeu. Na tela fica pequeno-burguesa, seus limites e especialmente quando todo o clã
evidente o destaque que Degas dá tentações, suas posturas políticas, defende a inocência de Dreyfus.
à discrepância entre a aparência de suas perversões e devaneios. A
Halevy e o ambiente. Baseando-se desigualdade de classes emerge No diário pessoal, Daniel Halévy
nitidamente na opinião francesa em meio à transição, sobrevivendo descreve os motivos da ruptura
de que “os judeus não estavam em aos costumes e à vida cotidiana. com o artista: “Terça-feira, 25
seu ambiente, na França, e sugavam Halévy narra com ironia teatral as de novembro de 1897. Nunca
a vida do país”, Degas criou um tribulações de uma família classe havíamos levantado o tema [caso
portrait em que Halevy estava média parisiense: mãe dominante, Dreyfus], mas ontem, conversando
completamente deslocado na vida pai politizado, membro da Comuna e no fim da tarde, papai estava
pública francesa, assim como ali, na simpatizante da Terceira República, muito tenso frente à Degas,
ópera francesa.Em contraste com o e duas adolescentes totalmente um destacado antissemita. Foi
pano de fundo brilhante e colorido, dedicadas a performances de ballet nossa última conversa cordial.
Halevy aparece em seu próprio plano na Opéra parisiense. Nossa amizade, surgida ainda na
sombrio, sua expressão abatida em infância, foi cortada repentina e
desacordo com o restante da pintura, Nos anos 70 do século 19, Degas silenciosamente... Degas jantou
sua presença anuviando a cena alegre. desenha a série “A Família Cardinal”. em casa pela última vez. Não falou
Degas usou o estado de ânimo É difícil perceber se o imaginário nada a noite inteira... seus lábios
abatido de Halevy, e o completou do artista consegue distinguir entre pareciam lacrados... Mantinha seu
com os traços estereotipados do as jovens bailarinas e as dançarinas olhar sereno, para o alto, como
judeu, com nariz adunco e barba, do famoso Moulin Rouge. Sabemos se desejasse desconectar-se dos
para demonstrar que Halevy, “o que esses desenhos não agradaram convidados que o circundavam.
judeu”, era um estranho no ninho a Ludovic Halévy e, portanto, não Para Degas, Ludovic disse não
cultural da vida francesa. foram incluídos em nenhuma haver dúvidas de que Dreyfus
edição até 1938, data em que ambos queria defender o exército, um
Ludovic Halévy nasceu em Paris já tinham falecido. Mesmo após exército cuja herança respeitava
(1834-1908), época em que a esse incidente, Halévy continua demais, e que agora era ofendida
literatura francesa estava influenciada ajudando economicamente o artista. com nossas teorias intelectuais.
pelo romantismo. Filho de escritor, Mesmo após o início do Caso Degas não abriu a boca e, encerrado
Ludovic vivia em um ambiente Dreyfus, Degas continua pintando o jantar, sumiu de casa para nunca
propício para as letras. Ainda jovem, membros da família Halévy. Numa mais voltar”.

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REVISTA MORASHÁ i 100

PALAVRAS FINAIS repletos de charges antissemitas


em relação aos judeus e o
O nacionalismo exacerbado levou judaísmo.
Degas à xenofobia, difundindo
ideias preconceituosas. Durante o Na charge antissemita
café da manhã, solicitava a Zoa, sua reproduzida ao lado, o
fiel empregada, que lesse em voz ilustrador da revista “La
alta as mal-intencionadas charges Libre Parole” (Palavra Livre),
publicadas na revista “Psst...!”, como apropriou-se da pintura de
também as charges antijudaicas Degas, “À la Bourse” (Na
inseridas em “L´Intransigeant”. Bolsa de Valores), e substituiu
Será que naquele momento, Degas os negociantes judeus por
pensava em seus amigos judeus, traidores “dreyfusards” cujas
entre eles Ludovic Halévy? Que figuras flácidas simbolizam sua
sentiria o impressionista ao ouvir “torpeza moral”. Os “irmãos
de sua empregada as frases: “Em raciais” (leia-se judeus) e
nome de D’us e da nação francesa, ideológicos de Dreyfus estão
morte aos judeus! ”? Ou “Expulsão distribuindo o folheto “Um
à raça dos traidores! ”, ou ainda, erro judiciário”, de Bernard
“A honra dos franceses diante do Lazare – texto considerado
ouro judaico!”. Será que Degas um verdadeiro anátema pela
se lembraria de Jacob Abraham equipe da “La Libre Parole” e
Camille Pissarro, amigo e parceiro por todos os “antidreyfusards”.
no uso das novas técnicas e um de O próprio Dreyfus está
seus admiradores mais próximos? furtivamente recebendo dinheiro de possibilita ao artista obter uma
um personagem não-identificado, representação bizarra, caricaturesca
Com o pseudônimo de Forain Caran uma clara alusão a sua suposta alta e satirizada. O antissemitismo de
D´Ache, o caricaturista Emmanuel traição, a venda de segredos militares Degas não se manifesta na totalidade
Poiré (1858-1909), satirizava os franceses à Alemanha. de sua obra, aflorando com maior
defensores de Dreyfus no jornal intensidade ao retratar o judeu
“Psst...!”. Ele era amigo de Henri Edgar Degas, o grande artista explorador e capitalista. Desenhos
Rouart (1833-1912) e seus quatro francês do século 19, foi um antissemitas permeiam sua produção
filhos, todos opositores do capitão grande antissemita, um xenófobo artística.
judeu. Em 1895 Degas tinha 61 anos, e misógino, apesar de saber
e, segundo um de seus biógrafos: perfeitamente como e quando
“Na casa da Rua Lisboa, residência externar sua racionalidade,
da família Rouart, Monsieur Degas sensibilidade e emoção. O artista BIBLIOGRAFIA

francês é aquele antissemita definido Barreto, Luiz Cézar, O Berço da Hidra.


- sempre na companhia de amigos - Morashá nº 31, dezembro 2000.
sentia-se à vontade para emitir pelo filósofo Jean Paul Sartre (www.morasha.com.br).
opiniões repletas de ódio, intolerância (1905-1980) como uma figura Drumont, Édouard, La France Juive. 2
e fanatismo. Os amigos presentes sólida e rochosa, de duvidosa moral, vols. Paris 1886.
o festejavam ao ouvir suas ideias constituída por “valores rígidos Nochlin, Linda, Degas and the Dreyfus
Affair: The image of an antissemitic artist.
alopradas e preconceituosas”. petrificados”, uma personalidade In: Norman L. Kleeblatt (Editor), The
lapidada e sem sentimento. Dreyfus Affair: Art, Truth & Justice, Tel
Aviv 1991, (hebraico), págs. 92-109.
Era esta a triste realidade da
Sartre, J. P., Réflexions sur la Question
França na 2ª metade do século O ódio que expressa nasce de um Juive. Paris 1944.
19, o denominado “tempo dos Iluminismo forjador de bodes
Mestres Impressionistas”. Mesmo expiatórios. Para o antissemita Prof. Reuven Faingold é historiador
e educador; PHD em História e História
desconsiderando as telas que se francês, os judeus não passam de Judaica pela Universidade Hebraica de
encontram nos grandes museus, fantasmas que ameaçam consciências Jerusalém. é responsável pelos projetos
educacionais do “Memorial da Imigração
os jornais e revistas da época estão frágeis e atormentadas. O judeu Judaica e do Holocausto” de São Paulo.

55 JUNHO 2018
comunidades

Judeus na Argélia
sob domínio islâmico
A presença judaica no território da atual Argélia remonta
ao início da Era Comum. Durante grande parte de sua milenar
história os judeus ESTIVERAM sob domínio islâmico. Vivenciaram
alguns períodos de tolerância e crescimento, mas inúmeros
outros de humilhações, perseguições e morte. Sua sorte
mudou em 1830 quando a Argélia se tornou colônia francesa.

S
ituada no Norte da África, a Argélia, segundo Sob domínio de Roma
maior país em extensão territorial do
continente africano, faz parte do Magrebe – No ano 70 de nossa Era, os romanos conquistaram
em árabe, Al-Maghrib, que significa “poente” Jerusalém e destruíram o Templo Sagrado. Para os
ou “ocidente”. A região tem sido habitada por judeus, foram dramáticas as consequências da 1ª
povos berberes1 desde o primeiro milênio antes da Era Guerra Judaico-romana: milhares foram mortos, outros
Comum. tantos levados pelos romanos como escravos e outros
fugiram. Era o início da Grande Diáspora. Um grande
Embora não seja possível determinar em que ano e contingente acabou se estabelecendo no Norte da África,
circunstâncias os primeiros judeus se estabeleceram inclusive na Argélia. Epitáfios que foram descobertos na
na região, as tradições locais indicam que sua presença região de Constantina confirmam a presença judaica no
remonta à Antiguidade. De acordo com o Prof. Richard 1º século EC.
Ayoun, judeu argelino e renomado historiador, os judeus
já viviam na região no período fenício e cartaginense. Há um aumento da população judaica na região, no
Havia judeus na costa mediterrânea, em Hippo Regius século seguinte, após Roma ter esmagado as revoltas
(moderna Annaba), Igilgili ( Jijel), Iol (Cherchell), judaicas: em Cirenaica, em 115, a chamada Guerra das
Icosium (Argel) e Gunugu (Gouraya), no interior na Diásporas, e, em 132, na Terra de Israel, a 2ª Guerra
região de Constantina e, no planalto, em Medéia, nas Judaico-romana, liderada por Bar Kochba.
montanhas Atlas do Tell. Sabe-se que seu número cresceu
após terem os romanos derrotado Cartago, em 146 AEC, Nesse período havia uma importante presença de judeus
e estenderem seu domínio sobre todo o Mediterrâneo. não apenas no litoral, mas também na região central da
moderna Argélia, como revelam as pesquisas do
1
Os berberes (que chamam a si próprios Imazighen, ou seja, historiador judeu Jacob Oliel, francês de origem argelina,
“homens livres”) constituem o conjunto de povos do Norte de
África que falam línguas berberes. No uso corrente, chama-se sobre os judeus que habitavam o Saara. Em Touat, por
berbere ao conjunto de populações do Magrebe. exemplo, os judeus se estabeleceram por volta de 132.

56
REVISTA MORASHÁ i 100

Baía de Argel

Para os judeus do Norte da África que passa de religião “lícita” para Apesar desse retrocesso, nos
os séculos 1 e 2 foram marcados por meramente “tolerada”. séculos 4 e 5, a importância das
turbulência e estagnação. Mas, assim comunidades judaicas argelinas
que a Pax Romana foi restabelecida Na Argélia, como em outras é atestada por dois importantes
nos domínios de Roma, eles entram partes do Império, alguns de seus teólogos cristãos: Agostinho, Bispo
em um período de tranquilidade direitos civis são abolidos e algumas de Hipona (Santo Agostinho)
e desenvolvimento. Na Argélia, sinagogas transformadas em igrejas. e Jerônimo de Estridão (São
há um fortalecimento de várias Muitos deixam as cidades litorâneas, Jerônimo). Vale ressaltar que ambos
comunidades, com a construção de refugiando-se entre os berberes, nas nutriam profundo e nocivo anti-
inúmeras sinagogas, entre outros, montanhas Atlas. judaísmo. Em uma de suas cartas,
nas cidades de Setif, no século 3, e Jerônimo de Estridão afirma que
em Auzia (Aumale) e Tipaza, no as comunidades judaicas formavam
século seguinte. uma corrente ininterrupta “desde a
Mauritânia2, atravessando a África
Mas, quando o cristianismo se torna e o Egito até a Índia”.  Registros
a religião do Império Romano, no de historiadores árabes do século 5
século 4, a vida judaica entra em também confirmam sua presença no
retrocesso. Há uma progressiva Sudoeste da Argélia.
degradação oficial do judaísmo,
Com o enfraquecimento do Império
2
Mauretania (ou Mauritânia) é a palavra Romano, os berberes retomaram
latina para uma região do antigo Maghreb, o controle da maior parte de seu
que se estendia, à oeste, da região central antigo território no Norte da
da atual Argélia até o Oceano Atlântico,
passando pelo Norte do Marrocos e as África, com exceção das áreas onde,
Montanhas Atlas, ao Sul. KETER (COROA) DA TORÁ, ARGÉLIA, SÉC. 19 no século 5, os vândalos, tribo

57 JUNHO 2018
comunidades

Para a população judaica, a invasão


árabe foi um período de muito
sofrimento. Um grande número
de judeus alia-se aos berberes,
organizando uma resistência armada
que duraria 25 anos. É desse período
a história de Kahena, a rainha judia
da tribo de Jerawa, que consegue
mobilizar seu povo no Aurès, uma
região no leste da Argélia. Principal
líder na luta berbere contra as forças
árabes, entre 687 e 697, sua morte,
em 693, marca o fim da resistência
das tribos berberes, que então se
submetem ao Islã.

Com o fim dos conflitos, no início


do século 8, judeus vindos de todo
Oriente Médio se estabelecem
RUÍNAS DE TIPAZA, ANTIGA CIDADE QUE ERA PARTE DA PROVÍNCIA ROMANA DA MAURITÂNIA no Magrebe e reerguem a vida
DE CÉSAR. FOI DECLARADA PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE PELA UNESCO.
comunitária. Nas cidades de
Bugia, Argel, Orã, Constantina,
germânica que invadira o Império sucessores, lá se estabelecem, Mostaganem, Biskra e M’za há
Romano, estabelecem um reino. inclusive entre os berberes. comunidades organizadas. Após a
conquista da Espanha, em 711, por
Sob os vândalos, os judeus vivem De acordo com historiadores árabes, Tarik ibn-Ziyad, governador do
em pé de igualdade com o restante ao se refugiarem entre os berberes, Magrebe Ocidental, as comunidades
da população e podem professar sua os judeus converteram muitas tribos argelinas estreitam seus laços com
fé, sem restrições. Mas o período ao judaísmo. Ibn Kaldun, historiador a Espanha muçulmana e se tornam
de bonança chega ao fim quando, árabe do século 14, afirma em suas parte da tradição babilônico-
em 534, as forças do imperador obras que várias tribos berberes sefardita.
bizantino, Justiniano I, subjugam professavam o judaísmo, entre elas
o Reino Vândalo. Com o domínio as de Jarua e de Jerawa. No entanto, A história dos judeus da Argélia
bizantino tem início uma cruel apesar de não descartar totalmente sob domínio islâmico, um período
perseguição aos judeus, que são essa teoria, há historiadores que que se estende por 13 séculos,
excluídos de todas as funções questionam o fato de que “tribos apresenta tanto similaridades quanto
públicas e, mais uma vez, muitas inteiras” se tenham convertido ao particularidades com a de outros
sinagogas são transformadas em judaísmo. Eles apontam para a falta judeus que viviam em Dar al-Islam3.
igrejas, como a de Tipaza. de registros de tais conversões, e o A princípio, os integrantes do Povo
fato de não haver menção a isso em do Livro, judeus e cristãos, podiam
No século 7, apesar das documentos judaicos anteriores ao viver em todo o território sob jugo
discriminações, a vida judaica na século 15. islâmico sem serem forçados a adotar
região da atual Argélia é melhor o islamismo, mediante uma cláusula
do que na Espanha sob domínio A chegada do Islã que lhes concedia o “status protegido”
visigodo, e judeus espanhóis que de al-Adhimma. Na condição de
fugiam de perseguições e conversões O surgimento do Islã, em meados dhimmis, eles aceitavam a supremacia
forçadas pelo rei Sisebuto e seus do século 7, muda a geopolítica e do Islã, submetendo-se ao Estado
a cultura do Norte da África. Em muçulmano, que lhes garantia a vida,
quatro décadas, vencendo a tenaz a propriedade e o direito de praticar
Dar al-Islam, “a terra do Islã”, se refere ao
3

território onde prevalece a religião islâmica resistência berbere, os exércitos sua religião. Em contrapartida,
e onde é aplicada a Shaaria, lei islâmica. árabes dominam todo o Magrebe. tinham que cumprir uma série de

58
REVISTA MORASHÁ i 100

obrigações e pagar tributos especiais, em aplicar a lei islâmica e sua


sendo que o mais importante era um intolerância aos não muçulmanos,
imposto anual, o jizya. na região da atual Argélia os judeus
foram deixados em paz. Mas, sua
A vida judaica sob relativa tranquilidade termina em
diferentes dinastias meados do século 12, quando toma
islâmicas o poder outra dinastia berbere, a dos
almôadas, em árabe al-Muwahhidun,
No decorrer dos séculos seguintes, “os monoteístas”.
a região da atual Argélia é palco de
períodos de instabilidade política e Os almôadas, que queriam pôr fim
militar, quando diferentes dinastias à corrupção e à lassidão dos então
tomam o poder. Com isso, os governantes islâmicos na aplicação
judeus vivenciam curtos períodos das leis do Corão, conquistam o
de tolerância, seguidos de outros Norte da África: Marrocos, em
de humilhações, perseguições e 1146; Argélia, por volta de 1151;
destruição. Pois, como o status de e, em 1160, haviam completado
al-Adhimma apenas suspendia o MAPA ANTIGO a conquista do Magrebe Central.
direito do conquistador de tomar a Ocuparam também grande parte
vida e propriedade dos conquistados, de al-Andalus, Espanha muçulmana,
Judah ibn Quraysh, autor de um mantendo-se no poder até meados
a vida e bem-estar dos dhimmis
estudo comparativo do hebraico e do do século 13.
ficavam à mercê do humor e dos
árabe ao arameu.
interesses de cada governante.
O fundador da dinastia faz dos
No século 11, o surgimento dos judeus o alvo de suas perseguições.
Inicia-se um período de perseguições
almorávidas, dinastia berbere Seus sucessores adotam a mesma
quando a dinastia idríssida passa
islâmica, muda, uma vez mais, a política e o século de domínio
a controlar a parte ocidental da
dinâmica da região. Os exércitos almôada é de intenso sofrimento.
Argélia. O historiador Ibn-Kaldun,
almorávidas conquistam o Norte Relatos da época sobre as
mencionado anteriormente, relata
da África e o Sul da Península comunidades judaicas argelinas
que o fundador dessa dinastia se
Ibérica. E, apesar de seu rigor descrevem massacres e destruição.
dedicou a apagar todos os vestígios
de judaísmo de seus domínios. A
situação volta a melhorar quando, Tadrart
no século 9, os aglábidas4 tomam
o poder na região. Para os judeus,
inicia-se um período de certa
tranquilidade e até mesmo de
favorecimento. Os conselheiros dos
emires aglábidas Ziyadat Allah I e
Ziyadat Allah III, por exemplo, eram
médicos judeus, respeitados no reino.

No início do século 10 havia judeus


em Mejana e Mesila e nas capitais
dos vários reinos berberes, como em
Tiaret. Nessa cidade viveu o Rabi

4
Os aglábidas foram uma dinastia
muçulmana, vassalos dos abássidas, que
reinou de 800 a 909 sobre a maior parte
do Norte da África.

59 JUNHO 2018
comunidades

Nos séculos 13 e 14 estreitam-se


os laços comerciais entre as cidades
costeiras da Argélia e da Espanha.
Comerciantes judeus haviam
recebido concessões e privilégios
por parte de governantes cristãos
bem como de muçulmanos.
Ademais, os reis da Espanha cristã
costumavam enviar judeus como
embaixadores para as cortes dos
califas e príncipes muçulmanos.

Eram especialmente próximas


as relações entre a Coroa de
Aragão e os comerciantes judeus
de Barcelona e Maiorca, que se
haviam estabelecido na Argélia.

Em meados do século 13, Aragão


passa a dominar o comércio entre
as cidades costeiras de Tlemcen,
Orã e a Europa. O controle de
Mulher com “hennin”, chapéu cônico muito usado na Idade Média. Argélia, 1890,
óleo sobre tela
Tlemcen era de importância
estratégica, pois permitia o
Em 1142, a comunidade judaica A chegada dos controle da rota de caravanas
de Orã é arrasada; em 1145, a de sefaraditas que traziam o ouro do Sudão.
Tlemcen; em 1146, a de Bougie. A rota era também conhecida
As ligações entre as comunidades como “A estrada judia” devido
A situação piora em 1165, após judaicas do Magrebe e as da à predominância judaica no
a adoção de uma política de Espanha eram próximas, e não comércio da região.
conversão em massa. Sinagogas e foram poucas as ocasiões em
ieshivot são fechadas e, sob a ponta que, alvo de perseguições em O fluxo de judeus sefaraditas em
da espada, os judeus são obrigados a determinada região, os judeus saíam busca de refúgio na costa africana
escolher entre o Islã e a morte. Em em busca de refúgio no país vizinho. aumenta após 1391, quando os
1198, desconfiando da “veracidade judeus de Castela, Aragão e das
de suas conversões”, os governantes Ilhas Baleares são alvo de violentas
os obrigam a usar um traje especial perseguições conhecidas na
de cor amarela a fim de distingui- história judaica como os Massacres
los dos muçulmanos “autênticos”. de 5151. São poucos os judeus
que se estabelecem no Marrocos,
Em torno de 1236, com a que passava por um período de
desintegração do domínio almôada, turbulência interna; a maioria se
outra dinastia muçulmana, os instala em cidades da moderna
zianidas, toma o poder no Noroeste Argélia, como Tlemcen e Argel, e
da atual Argélia. Centrados no litoral.
em Tlemcen, seus domínios
estendem-se até Argel. Os zianidas Os zianidas, como vimos
conseguem manter certo controle acima, que então dominavam
sobre o Magrebe Central até a grande parte da atual Argélia,
chegada dos otomanos, no autorizam os judeus ibéricos a se
século 16. Hennin, chapéu feminino. Argélia, séc. 19 estabelecerem em seus domínios

60
REVISTA MORASHÁ i 100

mediante o pagamento de uma Edito de sefaradim a Orã: “Alguns (judeus


taxa de admissão, e alguns dentre expulsão de 1492 espanhóis) içaram velas em direção
eles chegam a ocupar importantes às terras muçulmanas, como Orã,
cargos nas cortes. A conexão Após o Edito de expulsão dos judeus Alcazar e Bougie (…) dezenas de
que havia entre os sefardim e da Espanha, em 1492, mais uma milhares chegaram ao porto de
a Península Ibérica foi o que vez há um fluxo judaico em busca Orã. Os habitantes … ao ver o
fez com que os governantes de refúgio no Norte da África, mas grande número de embarcações,
muçulmanos os vissem com bons nessa ocasião, a maioria se estabelece reclamaram… ‘eles veem como
olhos. Em diversas oportunidades no Marrocos. Não é certo o número inimigos para destruir-nos e nos
os judeus foram usados como de judeus que desembarcaram na levar como escravos... Reúnam-se e
diplomatas e intermediários em atual Argélia. Como exemplo, há vamos para as cidades fortificadas
negociações ultramarinas. Nesse registros de que 12 mil chegaram a para lutar’... E eles atiraram nas
período, de modo geral, as relações Tlemcen, enquanto outros afirmam naus… destruindo parte dos judeus.
judaico-muçulmanas eram boas, que foram apenas algumas centenas. Mas, …quando soube da expulsão,
sendo que apenas ocasionalmente o Califa os recebeu com amabilidade,
explosões de fanatismo davam Os sefaraditas, chamados depois que um mediador, na pessoa
origem a perseguições. de megorashim, “exilados” ou de Rabi Abraham, saiu em sua
“expulsos”, se estabelecem tanto em defesa no palácio..., a cidade ficou
Entre os judeus espanhóis que cidades do litoral quanto no interior pequena para absorvê-los. O Califa,
se refugiaram na Argélia havia da Argélia. Não foram poucas então, construiu para eles moradias
grandes rabinos. Em Argel as vezes em que os judeus locais, de madeira fora dos muros da
estabeleceram-se duas importantes chamados de toshavim, tiveram que cidade”.
autoridades talmúdicas: o Rabi interceder perante as autoridades
Isaac ben Sheshet Perfet (1326 – islâmicas para que fosse permitido Enquanto a grande massa de judeus
1408), conhecido como o Rivash, e aos sefaraditas lá se estabelecer. autóctones vivia precariamente e,
o Rabi Shimon ben Zemah Duran dentre eles, era pequeno o número
(1361 – 1444), o Rashbatz. Em Em suas crônicas, o rabino e de abastados, frequentemente os
1394, estes dois sábios redigem os historiador Eliyahu Capsali (c. recém-chegados eram de um nível
estatutos da comunidade judaica 1483-1555), relata a chegada dos sociocultural e econômico mais
de Argel, que, no século 15, torna- elevado. Os sefaraditas passaram
se um grande centro religioso. a viver em bairros separados,
mantendo suas próprias sinagogas,
Em Tlemcen, se estabelece o cemitérios e entidades beneficentes.
Rabi Ephraim ben Israel Enkaoua Vestiam-se de forma diferente,
(1359-1442). Exímio médico, continuando a usar boinas ou
Rabi Enkaoua consegue curar, capuzes. Por essa razão foram
após terem falhado vários outros, chamados de “Ba’alei ha-kapus”
a filha única do sultão zianida. ou Kabusiyyin, contrastando com
Em agradecimento, o sultão lhe os “Ba’alei ha-miznefet”, os judeus
concede um bairro próximo ao nativos que usavam turbantes.
Palácio, onde ele e outros judeus
poderiam viver em paz. Nesse As relações entre os dois grupos se
bairro, conhecido como Darb al- tornam tensas por inúmeras causas:
Yahoud, foi erguida uma grande medo da concorrência comercial,
sinagoga que leva o nome de Rabi diferenças nos costumes e tradições
Enkaoua.  Gerações de judeus religiosas e no idioma.
visitavam seu túmulo, anualmente,
no mês de maio. Depois da Mas, mesmo seus maiores detratores
independência da Argélia, em admitiam que os sefaraditas haviam
1962, o governo proibiu acesso ao dado novo elã à vida judaica na
mesmo. Comerciante judeu da Argélia, séc. 19 Argélia. Suas aptidões nos negócios

61 JUNHO 2018
comunidades

viram obrigados a aprovar o costume


local. Os regulamentos específicos a
cada uma das comunidades davam-
lhes certa individualidade que os
judeus locais tratavam de preservar
para as gerações futuras. Por exemplo,
as comunidades de Tlemcen, Orã e
Argel tinham, cada uma, seu próprio
Machzor, o livro das orações de
Rosh Hashaná e Yom Kipur.

Nos séculos 17 e 18 verifica-se, em


Argel, um renascimento dos estudos
talmúdicos, com os Rabinos Saadia
Chouraqui e Juda Ayache (1690 –
1760), autores do tratado Beit Yehudá
Orã, Argélia: O Forte de Santa Cruz erguidos pelos espanhois.
(Casa de Yehudá), onde descrevem os
costumes dos judeus locais.
e ampla rede de contatos haviam lideravam no século 16 quase todas
impulsionado o comércio, fazendo as comunidades judaicas na Argélia, Ocupação espanhola
com que prosperassem mesmo as sendo que Argel, Constantina e
comunidades judaicas mais remotas. Tlemcen se tornaram conceituados A queda de Granada em mãos
Exportavam penas de avestruz e centros de estudos religiosos. cristãs, em 1492, não pôs fim à
ouro, bem como cereais, tapetes, cruzada dos espanhóis contra
lã e peles para a Europa, de lá Apesar de, com o tempo, os os muçulmanos. Com certa
importando seus produtos. dirigentes comunitários locais facilidade, a Espanha cristã impôs
acabarem adotando a liturgia sua influência sobre a costa do
Sua erudição e devoção ao estudo sefardita, quando se tratava de Magrebe, construindo postos
da Torá fortaleceram as instituições questões relacionadas aos min’haguim, avançados fortificados ao longo
comunitárias e a vida religiosa. tradições religiosas, muitas vezes da costa argelina. Assim, pouco
Rabinos originários da Espanha foram os rabinos sefaraditas que se a pouco a Espanha foi tomando
controle de Mers el Kebir, em 1505;
Orã, em 1509; e Bougie, Tlemcen,
vista do mercado em BISKRA, argélia. cerca de 1899
Mostaganem e Ténès em 1510.
No mesmo ano os mercadores
muçulmanos de Argel entregaram
uma das ilhotas rochosas em torno
de seu porto, onde os espanhóis
construíram um forte.

A ocupação espanhola em Orã e


Bougie trouxe violência e morte na
comunidade judaica local. Em 1509,
após a tomada de Orã, as forças
espanholas caíram sobre os judeus
da cidade massacrando os homens e
estuprando as mulheres. A sinagoga
local foi transformada em igreja. No
ano seguinte, ao conquistar Bougie,
os espanhóis foram ainda mais
brutais com os judeus.

62
REVISTA MORASHÁ i 100

Mas, após algum tempo, os membros


influentes da comunidade em Orã
convencem os espanhóis de que
seu papel de mediadores entre
o enclave espanhol e os reinos
muçulmanos era indispensável para
o bom andamento da economia.
Essa “utilidade”, de puro interesse
econômico, lhes assegura a proteção
da Coroa Espanhola. Durante o
século 16 e grande parte do 17, viveu
em Orã uma pequena comunidade
judaica e, ao contrário do que ocorria
em outros lugares sob domínio
espanhol, seus integrantes eram
abertamente praticantes. Mas, a
sinagoga sanya, argélia, 1840
tolerância chega ao fim em 1669,
quando eles são expulsos da cidade e
a sinagoga é convertida em igreja. ameaçar Argel. O medo toma judeus locais de que as “chamas
conta da comunidade judaica, que subiram dos túmulos dos dois
O temor se alastrou entre os judeus mas a Espanha é mais uma vez Tzadikim, o Rivash e o Rashbatz,
de Argel quando, em 1541, o milagrosamente vencida. Para assustaram e fizeram os invasores
imperador Carlos V da Espanha celebrar o fato de escaparem ao bater em retirada”.
tenta conquistar a cidade. No dia em domínio espanhol, os judeus de
que as tropas espanholas começavam Argel declararam o 11o dia de A Argélia otomana 
a desembarcar, uma tempestade Tamuz como uma outra festividade
excepcional afunda no mínimo umas de Purim, o “Purim Tamuz”. À época em que a Espanha
30 embarcações, destruindo outras Apesar de que a História atribua mantinha poderosos enclaves na
15. A Frota Espanhola bate em essa vitória à corajosa defesa atual Argélia, os irmãos corsários
retirada. Para a comunidade judaica comandada pelo Dey Mohammed Aruj e Khair ad Din – este
de Argel, a Mão de D’us tinha Ibn Uman, corre a lenda entre os último conhecido na Europa
intervindo em seu socorro. Portanto,
declararam o dia da malfadada
tentativa de invasão, 4o dia do mês orléansville - sinagoga

judaico de Cheshvan, um segundo


Purim, chamando-o de Purim Edom
– sendo “Edom5” um eufemismo para
o beligerante cristianismo espanhol.

Duzentos anos depois, em


1775, a Frota Espanhola volta a

5
Edom que advém da palavra hebraica,
Adom, “vermelho” é um dos nomes de
Esaú assim como Israel é o nome de nosso
Patriarca Jacob. Esaú é também chamado
de Edom porque nasceu ruivo. Além disso,
a cor vermelha, que representa o sangue,
está associada ao seu nome pelo fato de ele
ter sido um homem guerreiro e violento.
Nossos Sábios ensinam que o Império
Romano e o Ocidente são os descendentes
físicos ou espirituais, de Esaú.

63 JUNHO 2018
comunidades

como Barbarossa, ou Barba sem o tradicional véu das mulheres


Ruiva – agiam a partir da Tunísia muçulmanas para cobrir o rosto.
governada pela dinastia hafsida. Em Mzab (Sul da Argélia), deviam
Em 1516, Aruj transfere sua base vestir-se de preto quando em
de operações para Argel. Ao ser público.
morto, dois anos depois, toma
seu lugar seu irmão, Khair ad Entrar nas mesquitas era totalmente
Din. O sultão otomano, querendo proibido a eles e, em frente a certas
anexar a região da atual Argélia mesquitas, eram obrigados a andar
ao Império Otomano, dá a ele o descalços. Tampouco podiam
título de Beylerbey (comandante andar a cavalo. Se um muçulmano
dos comandantes), com a função decidisse acusar um judeu de ter
de governador provincial, e envia- proferido uma palavra desrespeitosa
lhe um contingente de janízaros contra o Profeta Maomé, não
(soldados otomanos). Béjaïa: Cúpula da antiga sinagoga havia defesa possível. Como se não
bastasse, eram forçados a alojar
Em pouco tempo Khair ad Din os janízaros em suas residências.
domina a região costeira entre As massas judaicas eram Se reclamassem, eram punidos
Constantina e Orã. Apenas a desprezadas, sujeitas a um com o maior rigor e, até mesmo,
cidade de Orã permanece em mãos tratamento vil, forçadas a pagar queimados vivos, em alguns casos.
espanholas até 1791. Em 1525, pesados impostos. Eram forçados
ele passa a governar a chamada a residir em um bairro restrito, Ainda por cima, os judeus estavam
Regência de Argel. Também chamado de diferentes nomes: expostos a atos arbitrários por parte
chamada de Argélia Otomana, “harrah” e “sharah”, nas províncias de dirigentes locais de baixo escalão.
esta se torna o centro de poder de Argel e Constantina; e “mellah”, O Pashá de Tuggurt, Mohammed
otomano no Magrebe. Em 1710, na de Orã. E, a usar uma roupa al-Akhal ben Jallab, por exemplo,
ainda que Argel permanecesse especial: um “shachiah” – gorro de quis converter os judeus ao Islã pela
como parte do Império Otomano, tecido escuro, um albornoz cinzento força, e não foram poucas as vezes
os Dey6 da Argélia se tornam os e sapatos sem salto (tcharpi ou que os Deys de Argel permitiram
governantes de facto. bettim) e as mulheres, um caftan, ao populacho saquear as residências

Vida judaica
ORÃ - SINAGOGA
sob os otomanos

A sorte dos judeus na Regência


de Argel foi bem pior do que
em outros países governados
pelos otomanos – pior ainda do
que havia sido sob as dinastias
islâmicas anteriores. A relativa
tolerância do mundo islâmico em
tempos medievais fora substituída
por profundo desprezo que
fomentava expressões de escárnio e
abuso. Acusados de incitar o povo
contra as autoridades, os judeus
viviam sob constantes ameaças.

6
Dey - título dado aos governantes da
Regência de Argel e depois, da Argélia,
antes da colonização francesa, em 1830.

64
REVISTA MORASHÁ i 100

judias. Como escreveu o Rabi


Solomon ben Simeon Duran, no
século 15: “Assassinatos de judeus
são uma ocorrência frequente que
passa solenemente sem punição, e
seus assassinos andam livremente,
gabando-se de seus atos”.

Por outro lado, os governantes


adulavam os judeus da classe alta,
entre os quais escolhiam seus
conselheiros, médicos, banqueiros
e diplomatas, bem como advisors
competentes e influentes. Esses
cargos, de extrema confiança,
eram confiados em geral aos
judeus abastados e influentes de
Leghorn, Itália, os chamados
Gorenim. Estes haviam-se
estabelecido na Argélia nos séculos
17 e 18, especialmente em Argel.
Sua própria riqueza e atividades
comerciais haviam enriquecido
os governantes. Os Gorenim se
tornaram os banqueiros dos Dey
e os intermediários entre estes e
Béjaïa: fachada da antiga sinagoga
a Europa, ficando encarregados
da difícil atribuição de manter
relações com as nações europeias judeus. O assassinato foi seguido de sua vida, da opressão dos Deys, da
– tarefa complicada pelos um grande massacre comunitário, tirania dos funcionários otomanos.
assaltos repentinos dos piratas às segundo testemunho do Cônsul Os judeus abraçam a França como
embarcações europeias e sempre francês, Dubois Thainville, que abriu sua pátria. Tornam-se cidadãos,
“perdoados” pelos governantes as portas de seu Consulado, salvando adotam sua cultura e idioma.
argelinos. cerca de 200 judeus. Em 1815, o E apesar das desilusões com “la
Grão-Rabino de Argel, Rabi Isaac Patrie”, com a saída dos franceses
Mas, mesmo para os judeus Aboulker, é decapitado em uma da Argélia em 1962, 90% dos
influentes e com altas posições, dessas revoltas. judeus locais partem para a França.
a vida na Argélia otomana era Hoje não há mais nenhum judeu
perigosa. Em 1805, é morto um Quando os franceses desembarcam na Argélia.
dos principais assessores do Bey, em 1830 na Argélia, vivem no
Naphtali Busnach, principal país entre 15.000 e 17.000 judeus,
dirigente da comunidade judaica em meio a uma população total de
de Argel, em uma das insurreições 3 milhões de habitantes. BIBLIOGRAFIA
populares que arrasavam bairros Gilbert, Martin, In Ishmael’s House:
A vida da população judaica muda A History of Jews in Muslim Lands.
eBook Kindle
drasticamente após a conquista do Bertrand, Jean Marc, Algeria Pre -colonial
N.R. Não há sinagogas em atividade, país pelos franceses. O período da History, Colonial Era, and self-governance:
na Argélia. Todas as imagens colonização francesa não foi um Religious information, ethnic groups,
modernas de sinagogas, neste government and politics . eBook Kindle
artigo, são de antigas sinagogas mar de rosas para os judeus, mas a Masters, Bruce, Christians and Jews in
que foram transformadas em
mesquitas após 1962.
França os salva dos sofrimentos e the Ottoman Arab World: The Roots of
humilhações que faziam parte de Sectarianism. eBook Kindle

65 JUNHO 2018
israel

Melhorando
a vida no planeta

Ao longo de seus 70 anos de existência, a despeito de toda


a adversidade e OS desafios que enfrenta, Israel se tornou
mundialmente respeitado por seus grandes avanços nas
áreas de inovação científica em saúde, tecnologia, segurança
e socorro em caso de desastres.

E
m 15 de abril deste ano de 2018, o jornalista o lançamento de seus primeiros óculos para ciclistas
canadense Robert Sarner escreveu um artigo baseados na tecnologia usada para os capacetes dos
no “Times of Israel”, intitulado “70 Razões pilotos de aviões de combate. Denominados Everysight,
recentes para admirar Israel em seu 70º os óculos fornecem informações sobre as condições de
aniversário” – “70 recent reasons to admire terreno e rota, além de projetar um mapa que dá aos
Israel on its 70th birthday”. Nesse artigo, ele diz: “Como usuários uma visão panorâmica sobre o ambiente ao seu
as pessoas, as nações são melhor julgadas pelo que redor.
realizam.... e com base na qualidade e quantidade de
suas conquistas, Israel claramente é um realizador. Pelo A lista incluiu, ainda, a Yarok Technology Transfer,
terceiro ano consecutivo, homenageando o aniversário de empresa que recebeu um prêmio das Nações Unidas
Israel, preparei uma lista de conquistas admiráveis que o pelo desenvolvimento de um teste rápido e eficiente
país realizou no curto espaço dos últimos 12 meses”. para detectar, em apenas 45 minutos, a presença de
bactérias nos alimentos industrializados. Trezentos e
O jornalista Sarner ainda ressalta que, em janeiro de trinta países participaram da competição “Innovative
2018, de acordo com o Bloomberg Innovation Index, Ideas and Technology on Agribusiness” promovida pelas
Israel era o 10º país mais inovador do mundo. A pesquisa, Nações Unidas, em 2017, e a Yarok foi uma das cinco
anualmente realizada, avalia os países utilizando sete empresas vencedoras.
critérios, entre os quais pesquisa, desenvolvimento e o
número de graduados nas áreas de engenharia. O índice Ainda na área de prêmios internacionais, a Organização
se baseia em dados de várias instituições, entre as quais de Pesquisa Agrícola – Instituto Volcani recebeu, em
o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional 2017, um prêmio da Unesco para Pesquisas na Área de
e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Ciências da Vida por seus trabalhos para desenvolver
Econômico. Sarner incluiu em sua lista uma novidade metodologias e ferramentas que aumentem a segurança
tecnológica desenvolvida pela Elbit, empresa que atua alimentar e a produtividade em áreas áridas, semiáridas
na área de defesa e segurança. A empresa anunciou e desérticas, visando a melhoria da qualidade de vida.

66
REVISTA MORASHÁ i 100

Esta Organização, anteriormente Medical Center, em Holon, e perdesse ossos por qualquer causa,
conhecida como Estação de Pesquisa em alguns hospitais no exterior. teria que passar por procedimentos
Agrícola da Agência Judaica na A ONG é responsável, também, complicados e dolorosos que
Palestina, é um conceituado centro pelo treinamento de mais de 150 implicavam a transferências de ossos
israelense na área. Funciona como profissionais do mundo todo. de outras partes do corpo.
o braço de P&D do Ministério da
Agricultura e Desenvolvimento O Hospital Hadassah, No final de dezembro de 2017,
Rural do Estado de Israel.   em Jerusalém, entrou na lista de no Hospital HaEmek, de Afula,
Sarner por ter realizado uma cirurgia foi realizada uma cirurgia inédita
Neste ano, a ONU também premiou de reconstrução de ossos utilizando no país e no mundo, que, a médio
a organização não-governamental simultaneamente dois robôs. e longo prazo, poderá ser a
Israel Save a Child’s Heart (SACH, O paciente foi submetido à cirurgia solução para a perda de ossos. Isso
Israel Salva o Coração de uma por ter quebrado a perna em dois porque pesquisadores israelenses
Criança), com a láurea United lugares, além de seis vértebras da conseguiram “cultivar” ossos em
Nations Population Award por suas coluna, em um acidente de trabalho. laboratório. O primeiro a passar
realizações na área de saúde, salvando A operação permitiu ao paciente pelo procedimento com a nova
a vida de crianças com problemas voltar a andar normalmente. técnica foi uma pessoa que quebrou
cardíacos, independentemente de a perna em um acidente de carro e
sua nacionalidade, religião, cor, Pioneiro em inúmeras áreas teve que extrair uma parte do osso.
gênero ou condições econômicas. tecnológicas médicas, em 2017 Os médicos retiraram tecido adiposo
Até o início deste ano, a SACH foi Israel saiu na frente na realização do corpo do paciente e o colocaram
responsável pela realização de 4.500 de uma cirurgia para estimular o em um dispositivo especial que
cirurgias cardíacas para crianças crescimento de ossos destruídos em simula o ambiente do corpo e
de 55 países, totalmente grátis. As acidentes ou por tumores cancerosos. proporciona condições ideais para o
operações são realizadas no Wolfson Até há pouco tempo, se alguém crescimento ósseo. Após umas duas

67 JUNHO 2018
israel

semanas, o tecido estava pronto para 17,77% dos votos. Uma tecnologia
ser transplantado, sendo transferido que facilita a vida de bilhões de
do laboratório, em Haifa, para o pessoas no mundo todo a circular
hospital, e injetado no paciente. pelo trânsito pesado do dia-dia e a
Dentro de alguns meses, o osso realizar viagens por lugares poucos
voltou a crescer. conhecidos. A tecnologia Waze foi
vendida à Google por cerca de
A nova tecnologia foi desenvolvida US$ 1 bilhão, em 2013.
há alguns anos pelo Bio Group.
“Criamos milhares de pequenas Em seguida, em 3º lugar, está o
partículas de osso, todas vivas, e sistema de irrigação por gotejamento,
isso nos permite implantá-las na que obteve 17,75% dos votos.
área necessária, onde se conectam A agricultura israelense é das mais
a um osso vivo”, explica o Dr. Shai avançadas do mundo. O método de
Mertzky, CEO da Bio Group e que irrigação “Tip, Tipá”, gota a gota,
desenvolveu a tecnologia. A cirurgia O sistema antimíssil Iron Dome em hebraico, permite a produção de
é também adequada para idosos com (Cúpula de Ferro) verduras, legumes, frutas e flores em
osteoporose e para pacientes com solo desértico ou semiárido. Essa
câncer submetidos à remoção da bateria é composta de um radar tecnologia está sendo exportada,
medula óssea. de detecção e monitoramento, um possibilitando o aumento da
software de controle de disparos e produção agrícola em lugares como
Internautas três lançadores, cada um equipado a África Subsaariana. O Ministério
Israelenses elegem as com 20 mísseis de interceptação. das Relações Exteriores de Israel
melhores tecnologias A primeira bateria foi instalada está fazendo parcerias com ONGs,
em março de 2011 na região de empresas e órgãos governamentais
Mas, de que maneira a tecnologia Beersheva, vítima de ataques para oferecer a tecnologia a países da
mudou o dia a dia dos israelenses e constantes do grupo terrorista África, a baixo custo.
de todos nós? Em homenagem ao Hamas a partir da Faixa de Gaza.
70º aniversário de independência Naquele mesmo ano, mais cinco Em 4º, 5º e 6º se classificaram o
de Israel, o Ministério da Indústria baterias foram posicionadas perto flash drive USB, seguido do micro
e Economia lançou um concurso das cidades litorâneas de Ashkelon e robô para cirurgias desenvolvido
online, denominado “70 Grandes Ashdod, ao sul da grande metrópole pela Memic, e a tecnologia para
Invenções Azul e Branco” – cores de Tel Aviv, e perto da cidade de produção de água diretamente do
da bandeira de Israel. A escolha Netivot, a 20 km da Faixa de Gaza. ar desenvolvida pela Water Gen.
das vencedoras ficou a cargo dos O sistema se revelou particularmente Em 7º foram escolhida as sandálias
internautas. eficaz durante a operação “Pilar de fabricadas pela Source Sandals,
Defesa” em novembro de 2012. que não escorregam nem em áreas
O sistema antimíssil Iron Dome úmidas.
(Cúpula de Ferro) foi votado pelos Desde a sua instalação, o Iron Dome
internautas como a maior invenção já interceptou mais de 1.700 mísseis A lista foi fechada pela Check
israelense dos últimos anos. Dentre e foguetes lançados principalmente Point Software Technologies, pela
as 70 invenções selecionadas pela pelo Hamas contra o território criação do primeiro e mais eficiente
Secretaria de Invenções de Israel, o israelense a partir de Gaza. O firewall do mundo; e pela Offek,
Iron Dome levou 28% dos votos. sistema já interceptou foguetes pelo desenvolvimento de satélites de
Único no mundo no gênero, o Iron lançados em direção às Colinas reconhecimento.
Dome foi desenvolvido pela empresa do Golã pelo Hezbolá, a partir do
Rafael Defense Systems, em 2007, Líbano. Concordamos plenamente com as
para conter ataques de mísseis de escolhas dos internautas israelenses!
curto e médio alcance, permitindo Em 2º lugar na competição das Cada uma dessas brilhantes
abater, em pleno voo, projéteis 70 Grandes Invenções, classificou-se invenções mudou nossa vida para
com alcance de 4 a 70 km. Cada o sistema de navegação Waze, com muito melhor...

68
SHOÁ

A LISTA DE SCHINDLER
CELEBRA 25 ANOS
Em dezembro 1993, na estreia do novo filme de Steven Spielberg,
A Lista de Schindler, ao se acenderem as luzes a plateia
permaneceu em silêncio profundo, angustiada e pensativa.
Era a mesma reação que tantos outros espectadores teriam ao
longo dos anos que se seguiram. 25 anos após o lançamento,
com o ressurgimento do antissemitismo e dos movimentos de
negação do Holocausto, o filme se torna ainda mais relevante.

a
Lista de Schindler consegue chegar ao O filme, como veremos adiante, é a história
âmago de milhões de pessoas, fazendo-as dramatizada, mas verdadeira, de Oskar Schindler,
compreender a extensão da Shoá. À época do um ganancioso e oportunista empresário alemão,
seu lançamento, apesar do Holocausto ter que se estabeleceu em Cracóvia durante a 2ª Guerra,
ocorrido há menos de meio século, o assunto para enriquecer. Num momento de heroísmo, ele
era desconhecido por grande parte da humanidade. Após decidiu utilizar a grande fortuna que ganhara para
a 2a Guerra Mundial, foram produzidos alguns livros, “comprar” dos nazistas os judeus que empregava, que
filmes e documentários a respeito do Holocausto, mas se autodenominavam os Schindlerjuden, os judeus
A Lista de Schindler foi o que conscientizou e emocionou de Schindler. Impedindo que fossem enviados para
centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo. Hoje, Auschwitz mediante pagamento, ele salvou a vida
quando grande parte das novas gerações desconhecem de 1.200 judeus, entre homens, mulheres, velhos e
o próprio fato e a história do Holocausto. O filme de crianças.
Spielberg continua sendo instrumento indispensável para
mostrar o intenso sofrimento judaico durante a Shoá e até Lançado em uma época em que o revisionismo
onde a maldade humana pôde chegar. histórico e o negacionismo do Holocausto estavam
tomando força, o diretor afirmou, em entrevistas,
Em 26 de abril de 2018, o Festival de Cinema de Tribeca, que, enquanto produzia o filme, via-se como um
um dos mais importantes do mundo, realizado no “jornalista”. E queria produzir “um documento” sobre
Beacon Theatre, em Nova York, organizou a exibição em o Holocausto, tendo como alvo os que desconheciam
homenagem ao 25º aniversário de A Lista de Schindler. a história dos judeus europeus durante a 2ª Guerra.
Assistindo o filme na companhia de parte do elenco, “Estava preocupado em contar a história de Schindler
Spielberg se disse muito orgulhoso de sua realização, da forma mais próxima possível da verdade. Este
afirmando que nenhum outro filme que tenha dirigido, filme não deve jamais ser analisado como a história
antes e depois, lhe tinha dado tamanha sensação de do Holocausto; é apenas uma das histórias do
missão cumprida. Holocausto”.

69 JUNHO 2018
SHOÁ

Contrariando a previsão de que Gueto de Cracóvia. A trilha sonora O projeto


seria um fracasso de bilheteria, de John Williams tornou-se um
o filme faturou mais de US 321 clássico e reflete o drama da história, Por mais de 40 anos, Poldek
milhões nas primeiras semanas, elevando cada sequência ao seu auge Pfefferberg, um dos judeus salvos por
valor 14 vezes superior ao custo e mantendo o espectador suspenso e Schindler e que, em 1948, mudou-
da produção. Ao se decidir a angustiado. se para Beverly Hills, na Califórnia,
dirigir o filme, Spielberg declarou tentou tornar conhecida a história
que abriria mão de seu salário Mas, não há dúvida que a ferramenta dos Schindlerjuden. Finalmente, em
e destinou seus ganhos pelos mais poderosa utilizada foi a 1982, o assunto interessou Thomas
direitos autorais à criação da individualização – das vítimas, dos Keneally, autor australiano, que
Fundação Sobreviventes da Shoá, algozes, da população polonesa escreveu o livro Schindler’s Ark.
ajudando a preservar a memória do perante o extermínio de judeus. Steven Spielberg leu esse livro
Holocausto através de testemunhos Spielberg queria que os espetadores à época em que filmava E.T.
filmados dos sobreviventes, mundo entendessem que o Holocausto foi Impressionado com a história,
afora. algo personificado e contínuo – um particularmente com a apresentação
nome, uma pessoa após a outra. Para do Holocausto através de relatos
O filme foi indicado a 12 prêmios os que não passaram pelos horrores individuais, sentiu que queria fazer
no Oscar de 1994. Venceu em da Shoá, é praticamente impossível um filme sobre o livro. Mas foram
sete categorias: melhor fotografia, compreender o sofrimento imposto necessários 10 anos até que ele
melhor diretor (primeiro Oscar de aos judeus. Os números de judeus estivesse emocionalmente pronto
Spielberg nessa categoria), melhor assassinados pelos nazistas e seus para embarcar em projeto daquela
adaptação, melhor edição, melhor colaboradores, que hoje se acredita magnitude.
cinematografia, melhor direção
artística e melhor trilha sonora Tentou convencer outros diretores
original. Em 2007, o American a dirigir o filme, entre eles Roman
Film Institute classificou-o em Polanski e Martin Scorsese, sem
oitavo lugar na lista do 100 sucesso. Polanski recusou
melhores filmes norte-americanos por considerar o filme “muito
de todos os tempos. pessoal”, pois ele e seus pais foram
trancados pelos nazistas no gueto
Para transmitir os horrores de Cracóvia. Ele e o pai
ocorridos e a forte mensagem sobreviveram, mas sua mãe morreu
de que um único homem pode em Auschwitz. Posteriormente,
salvar a vida de muitos outros, Polanski dirigiria “O Pianista”, seu
A Lista de Schindler se utiliza de próprio filme sobre a perseguição
inúmeras ferramentas artísticas. nazista aos judeus.
O longa-metragem foi filmado
em branco e preto, para intensificar Após ler um roteiro que lhe fora
a dor e o sofrimento, à época e, enviado, Spielberg decidiu que
ao mesmo tempo, tornar menos chegara a hora de levar adiante o
gráficas certas cenas. Spielberg Steven Spielberg projeto, apesar de os executivos do
utilizou as referências visuais do estúdio lhe perguntarem “por que
expressionismo alemão, o estilo simplesmente não fazia alguma
que marcou os filmes europeus tenham sido cerca de 7 milhões, são doação a entidades judaicas, ao invés
na época da 2ª Guerra. As únicas uma realidade difícil de se assimilar de desperdiçar o tempo e o dinheiro
cores – além das cenas finais – são emocional e intelectualmente. de todos num filme tão ‘deprimente’”.
das velas de Shabat acesas no início É menos dolorido se perder nas
do filme, no mundo pré-nazismo, estatísticas, discutir números, e não Ao saber da intenção de Spielberg,
onde ainda havia luz e cor, e o entrar na monstruosidade ocorrida... muitos historiadores e críticos
casaco vermelho de uma menina Mas isso seria desumanizar as mostraram-se céticos, questionando
em plena Aktion nazista, no vítimas, uma vez mais... se um diretor de blockbusters de

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REVISTA MORASHÁ i 100

Cena do filme: Schindler nota uma menina judia (Oliwia Dabrowska, três anos de idade), com um casaco vermelho, correndo
durante uma Aktion nazista no Gueto de Cracóvia. O casaco vermelho é um dos raríssimos pontos de cor no filme

efeitos visuais, como ET e Os Schindlerjuden a criação do Gueto de Cracóvia,


Tubarão, conseguiria abordar – sua história em 1941, a invasão e fim do Gueto
tema tão profundo quanto o e a transferência de todos para o
Holocausto. Outros tinham receio A Lista de Schindler é construído infame campo de concentração
de que a história de Schindler com base no cuidadoso roteiro de Kraków-Płaszów, comandado
poderia ser capciosa, caso a ênfase de Steven Zaillian. Esse script, pelo SS-Hauptsturmführer Amon
recaísse mais sobre ele – e não nos de um extremo realismo, contém Göth (Ralph Fiennes). Em termos
judeus. Será que o filme criaria o informações históricas precisas sobre históricos e pelos relatos das
mito de que na Polônia haviam a perseguição aos judeus na Polônia, testemunhas, o roteiro atinge níveis
surgido muitos heróis prontos de documentário.
a salvar judeus, ou que entre os Pôster de divulgação da
membros do partido nazista havia Lista de Schindler No filme, Spielberg consegue
Justos? – pois esse é muitas vezes transmitir aos espectadores o horror
o ônus por querer dar como que os judeus poloneses enfrentavam,
exemplo uma pessoa que é fazendo com que se sintam
uma exceção a regra. E se participantes dos acontecimentos,
os documentários sobre o não meros observadores.
Holocausto, com suas dolorosas
filmagens de crematórios e O espectador conhece os nomes e
escavadeiras e cadáveres, mortos e rostos dos judeus, acompanha seu
vivos, são tão duros de se assistir – sofrimento de perto, desenvolvendo
ao se misturar Hollywood com o uma conexão com cada vítima.
Holocausto, os resultados seriam Tal conexão é o objetivo principal de
medíocres e melodramáticos, Spielberg. Ele quer que o espectador
trivializados. Mas Spielberg se identifique com os personagens,
provou estar à altura do projeto. sinta sua dor e seu pavor.

71 JUNHO 2018
SHOÁ

que tinha salvado, não suportando


a noção de que poderia ter salvo
ainda mais pessoas. Terminada a
guerra, sem fortuna, às voltas com
fracassos comerciais e a dissolução
de seu casamento, Schindler foi
ajudado financeiramente “pelos seus
judeus” e por organizações judaicas
internacionais. Em 1963, Oskar
Schindler recebeu de Yad Vashem
o honroso título de “Justo entre as
Nações”. Ele veio a falecer em 1974.

A “consciência” de Schindler é Itzhak


Stern, seu contador judeu. Stern é
Cena do filme: o nazista Amon Göth (Ralph Fiennes) e Oskar Schindler (Liam Neeson) essencial para toda a narrativa. Desde
o início do filme, salva judeus da
morte certa, tudo enquanto convive
Essa individualização força a plateia instante, ele é forçado a confrontar com Schindler, incentivando-o a
a perceber que cada judeu vítima dos o horror e sua própria cumplicidade fazer algo. É Stern quem aproxima
nazistas tinha a sua história, seus com aquele horror. Posteriormente, Schindler de centenas de judeus.
entes queridos, um lar, um negócio, e, Schindler avista a menina numa
sobretudo, uma vida pilha de cadáveres exumados, que Spielberg procurou “individualizar”
estavam sendo levados para serem também aos nazistas. O personagem
Nos minutos iniciais do longa- cremados em valas comuns. de Amon Göth nos oferece a
metragem, conhecemos o visão da mente doentia de um
protagonista, Oskar Schindler Schindler não consegue mais ser oficial nazista corrompido pelo
(Liam Neeson), um membro do um mero espectador e deixar “seus” antissemitismo. Ele é um perfeito
partido nazista, entretendo os oficiais funcionários judeus, com quem psicopata, a encarnação da ideologia
alemães. Determinado a lucrar com já tinha uma conexão pessoal, nazista. Göth não vê os judeus como
a guerra, ele utiliza pessoas em serem mortos. Decide, pois, usar os seres humanos, mas como uma
seu favor. Ele enriquece usando o recursos financeiros que já ganhara massa não-humana. Contudo, está
trabalho de judeus em sua fábrica de para salvar o máximo de judeus que apaixonado por sua criada judia.
panelas, dirigida por seu contador fosse possível, passando então a Luta contra seus sentimentos.
judeu, Itzhak Stern (Ben Kingsley), subornar os nazistas. De um lado, a atração por ela e, do
pois Schindler nada entende de outro, o ódio puro aos judeus que
negócios. A princípio, Schindler Em julho de 1944, a Alemanha ele não consegue superar. Com
mantém-se afastado dos horrores que nazista, ciente que irá perder a interpretação brilhante, Ralph
acontecem à sua volta, mas ao ver as guerra, ordena às SS que fechem Fiennes se torna a manifestação
atrocidades cometidas pelos nazistas, os campos de concentração e física de todo o terror ali presente.
ele vai se modificando. O momento evacuem os prisioneiros que ainda O que mais choca e assusta é a
da transformação ocorre quando estavam vivos. Schindler consegue causalidade com que Göth comete as
Schindler, a cavalo, do alto de uma “convencer”, através de um polpudo maiores crueldades. De sua varanda,
colina durante uma importante suborno, o SS-Hauptsturmführer por exemplo, ele atira nos judeus para
operação nazista contra os judeus Amon Göth a transferir sua fábrica e praticar a pontaria. (O verdadeiro
do Gueto de Cracóvia, avista uma seus operários para Brünnlitz – e os Göth foi enforcado em 1946 por
menina com um casaco vermelho – salva mais uma vez da morte. crimes contra a humanidade.)
único objeto de cor além das velas A metamorfose de Schindler
de Shabat até o final do filme – que atinge seu clímax nos últimos Spielberg não nos poupa
corre, perdida, em meio à multidão momentos do filme, quando ele nem por um momento sequer.
de judeus e nazistas. Naquele desaba frente a todos os judeus Os focos pontuais nos personagens

72
REVISTA MORASHÁ i 100

secundários ao longo da narrativa


nos levam do interior do gueto e
dos campos de concentração às
câmaras de gás. Podemos sentir o
medo de cada um daqueles judeus,
sabendo que pode ser morto a
qualquer instante, sem nenhuma
razão. A hostilidade declarada aos
judeus demonstrada pelos poloneses
cristãos, seus compatriotas, aparece
claramente no filme em várias
ocasiões, uma delas quando os judeus
de Cracóvia são forçados a entrar
no gueto. Uma garotinha grita, na
rua, repetidamente, “Adeus, judeus”.
Através dela, Spielberg manda a Rodando uma cena sobre o campo de trabalhos forçados de Plaszów
mensagem de que a maldade nazista
“infectara” comunidades inteiras....
Spielberg segue com a ideia de Ben Kingsley (Itzhak Stern),
Spielberg transformou a cena da individualismo até a forte cena Caroline Goodall (Emilie Schindler)
“liquidação” no gueto de Cracóvia, final do filme. Pela primeira vez, e Embeth Davidtz (Helen Hirsch).
apenas uma página no script original, com todas as cores, aparecem os No debate, cada um dos participantes
em uma cena de 20 minutos de Schindlerjuden que sobreviveram. contou suas experiências e
filme, com base em depoimentos Enfileirados, a perder de vista, impressões ao longo das filmagens.
dos sobreviventes. Por exemplo, muitos ao lado de suas contrapartes
a cena em que o jovem escapa no filme, eles colocam pedras no Spielberg revelou que quando
da captura dizendo aos soldados túmulo de Oskar Schindler. levou para casa os Oscars pela
alemães que tinha recebido ordens Melhor Fotografia e por Melhor
de retirar as bagagens da rua, foi A decisão de Spielberg de mostrar Diretor, ele não sentia motivo para
tirada diretamente da história de um os atores ao lado dos sobreviventes festejar. “Aquela noite não foi uma
sobrevivente. a quem representavam teve dois celebração... Não julgo que este
propósitos. Primeiro, mostrar aos filme seja uma celebração. O tema
A morte e o medo da morte espectadores que os personagens e o impacto que o filme causou
governam a vida dos judeus em do filme são pessoas reais, não figuras em nós todos… retirou qualquer
A Lista de Schindler. As cenas de inventadas. Segundo, com isso, confraternização que pudesse haver”,
mulheres, homens e crianças sendo ele está enviando uma mensagem disse. “Vencer foi maravilhoso, mas
friamente assassinados, de modo a todos aqueles que colocam em ao mesmo tempo me fez lembrar
aleatório e indiscriminado, são dúvida a realidade do Holocausto, de como me emocionei quando Branko
cruas, difíceis de se ver, mas nunca que há provas humanas da tragédia e Lustig, nosso coprodutor mostrou ao
apelativas. E, ao contrário do que que a barbárie que lá ocorreu jamais mundo que ele também estivera em
alguns críticos temiam, os judeus poderá ser apagada. As testemunhas Auschwitz, como comprovavam os
de A Lista de Schindler demonstram daquele horror estão vivas para números em seu braço”.
um espírito inquebrantável e o contar sua história e assegurar-se de
desejo de sobreviver. O evento que que jamais seja esquecida. Spielberg e alguns atores relataram
talvez melhor ilustre esse triunfo do fatos que os marcaram durante a
espírito é o casamento no campo de 25 anos depois gravação. Spielberg contou que
trabalhos forçados de Plaszów. Ainda quando já haviam rodado a maior
que vivessem sob constante medo da Como parte da programação, o parte do filme, ele começou a temer
morte, com praticamente nenhum Festival de Cinema de Tribeca que as pessoas não acreditassem que
futuro à sua frente, os dois jovens se promoveu um debate com Spielberg, A Lista de Schindler era uma história
casam na esperança de sobreviver. Liam Neeson (Oskar Schindler), verdadeira. Mas, vencer aquele

73 JUNHO 2018
SHOÁ

Muitas cenas foram baseadas em


traumas reais e, por isso, difíceis
de serem rodadas, para os atores.
Spielberg relembrou a cena das
mulheres entrando nos chuveiros
em Auschwitz. “Foi traumático.
Duas atrizes israelenses ficaram tão
impactadas que não conseguiram
filmar por três dias”.

O elenco se lembrou da sinistra


realidade de sentir, enquanto
filmavam, que mesmo após
Cena do filme: Oskar Schindler (Liam Neeson) anuncia aos Schindlerjuden e
50 anos, o antissemitismo não
guardas nazistas a derrota e rendição incondicional da Alemanha Nazista fora erradicado na Polônia. Spielberg
lembrou que, quando Fiennes estava
temor levou a um dos momentos no local, sentaram-se ao lado dos de uniforme das SS rodando uma
mais pungentes do filme, quando demais participantes e começaram cena, uma mulher no andar superior
os sobreviventes e os atores que a acompanhar a Hagadá. “Algo se de um prédio próximo gritou, pela
lhes representavam colocaram as rompeu dentro de mim. Comecei janela, que desejava que as SS ainda
pedras no túmulo de seu benfeitor, a chorar e, a partir do dia seguinte, estivessem lá para protegê-los.
em Jerusalém. O diretor relembrou as consegui conversar com todos”, Com frequência surgiam suásticas
longas caminhadas noturnas que fazia, contou Spielberg. pintadas nas paredes ao redor
quando lhe ocorreu a cena final com dos sets de filmagem, lembraram.
os sobreviventes salvos por Schindler. Neeson relembrou uma cena Kingsley recordou que, em um hotel,
“Enquanto caminhava, pensei: inesquecível, fora dos portões de ele discutiu com um empresário,
Que tal se eu mostrasse muitos dos Auschwitz, quando o coprodutor chegando ao ponto de expulsá-lo.
judeus de Schindler, sobreviventes Branko Lustig lhe disse: “Você está
do Holocausto, colocando pedras ao vendo aquela cabana? Foi nela que eu A discussão tinha começado quando
redor do seu túmulo?”. fiquei”... o homem fingiu estar amarrando
uma corda no pescoço do ator
Ele também revelou que a maioria Michael Schneider, que dissera ser
dos atores que interpretaram os judeu, respondendo a uma pergunta
judeus eram de Israel e a maior do tal empresário.
parte dos que fizeram o papel de
alemães eram alemães ou austríacos. O Holocausto foi, sem dúvida, um
Foi uma decisão difícil, pois sabia capítulo decisivo na história do
que ele e sua equipe teriam muita Povo Judeu. A Lista de Schindler
dificuldade em ver os atores com permitiu que um número incontável
os uniformes nazistas. Durante de pessoas, inclusive muitos
as primeiras semanas, Spielberg judeus, aprendessem a respeito
disse que evitou contatos pessoais, do extermínio de sete milhões
principalmente por causa do realismo de judeus, inclusive um milhão e
das cenas. “Conscientemente, eu meio de crianças, perpetrado pelo
sabia que eram atores, homens gentis regime nazista. Passados 25 anos
e educados, mas eu não conseguia ser após o lançamento de A Lista de
diferente”. Mas o ambiente mudou Schindler, o filme se tornou ainda
completamente após a realização mais relevante, especialmente com o
do Seder de Pessach, durante as Steven Spielberg, Liam Neeson ressurgimento da direita europeia, do
gravações. Em meio ao jantar, os e Ben Kingsley durante o Festival antissemitismo e do negacionismo
de Cinema de Tribeca. Nova York,
atores alemães e austríacos entraram 26 de abril de 2018 do Holocausto.

74
REVISTA MORASHÁ i 93

Congratulações por terem entre seus colaboradores


Lilia Wachsmann. Suas traduções encantam por seu estilo
leve e fácil e que se lê com o maior prazer. Ao ler o discurso
de Sir Jonathan Sacks, “A grandeza de ser judeu”,
por ela traduzido, senti-me como se estivesse presente,
entendendo tudo o que o rabino dizia. Obrigado, Morashá,
por ter publicado o discurso. Obrigado, Lilia Wachsmann,
por traduzir magistralmente.
Anna Gedankien
Santo André- SP

Recebi, em Nova York, a edição 99 Sou um assíduo leitor da revista on- Nossa kehilá agradece o constante
da Morashá com o excelente artigo line e um grande admirador. envio dessa fonte de informações,
“A Polônia e a Negação do Passado”, De extrema importância a série de indispensável para a Comunidade
de Jaime Spitzcovsky. artigos sobre a Polônia. Parabenizo Sefaradi de Camboriú.
Guga Chacra
a iniciativa, principalmente hoje Prof. Ivan Liñares
Nova York - EUA quando tantos jovens (e não tão Comunidade Sefaradi de Camboriú
jovens) não conhecem nossa história. Camboriú - SC
O artigo “Israel 70 anos”, de Zevi Não podemos permitir que se
Ghivelder, não é apenas didático esqueça o sofrimento e a bravura A contribuição da Morashá
para aqueles que desconhecem a dos judeus poloneses durante o para o judaísmo brasileiro é
autêntica história da criação do Holocausto, precisamos lutar contra incomensurável, com seus artigos
Estado de Israel, mas é o testemunho os que tentam negar interessantes e feitos com bastante
privilegiado de um grande jornalista, os acontecimentos. Eu tenho esmero. Importante salientar que
que enriquece esta excelente revista. indicado a leitura dos artigos a todos nos chaguim recebemos mais um
meus familiares e conhecidos. Sugiro presente, os suplementos alusivos à
Ricardo Goldenberg
Lima - Peru que vocês escrevam uma matéria festa, que na mesa dos sedarim nos
sobre Emanuel Ringelblum, o grande instruem e nos alegram.
Impressionante o relato no artigo herói e historiador que conseguiu Perla Moscovici
“A Vida dos judeus em Fez”, que juntar e enterrar informações Por email
nos ensina mais uma vez a jornada sobre os amargos dias do Gueto de
dos judeus que, em todos os cantos Varsóvia. Conhecer, através da Morashá,
do mundo, contribuem para o Alex Rotter Iylia Schor foi uma surpresa
desenvolvimento dos países nos quais Rio de Janeiro - RJ agradável. Como é importante
se estabelecem e, em vários casos, são um artista perpetuar o judaísmo
vítimas de perseguição e sofrimento. Entrei no site www.morasha.com.br por intermédio de seu trabalho
Claudio Pasternak
e cada vez fico admirado com a de maneira tão fidedigna. Pena
Por email quantidade e o nível das informações que tantos pintores pereceram no
à disposição dos usuários. Não Holocausto. Para nossa sorte, Schor
Gostei muito da última edição da saberia que artigos destacar, tamanha foi poupado da barbárie nazista.
Morashá em que se comemora o 70ª variedade, mas acabei de ler a matéria
Marcio Cohen
aniversário da fundação do Estado sobre os Quatro Guardiães, que Por email
de Israel e explica que o retorno ajudou muito nos meus estudos.
do Povo Judeu à Terra Prometida Marco Svecovski Agradecemos pela revista Morashá,
é muito significativo para toda a Rio de Janeiro - RJ que minha família e eu conseguimos
Humanidade. Interessou-me muito o ler no Shabat de Pessach.
artigo sobre a comunidade judaica de Excelente reflexão sobre Purim, um Amo ler sobre a nossa cultura e as
Fez, Marrocos, sobre a qual não tinha texto esclarecedor e muito didático, matérias publicadas transmitem
muito conhecimento. Agradeço a digno de um povo que possui a valores importantes. Parabéns
valiosa informação religiosa e cultural certeza da presença de D’us em sua à edição! Minha gratidão por
que esta revista traz a cada edição. vida, como o nosso. enviarem tão rápido!
Marilyn Dana Eraldo Bentes Michele Sabrine de Moura
México Belém - PA São Paulo - SP

75 junho 2018

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