PARÁ, BRASIL
Meio dia chegamos em Tucuruí, e o que deu para ver foi uma enorme mudança
ecológica desenvolvida pelo Homo sapiens com a criação da barragem, de um lado
da rua, um lago enorme e aparentemente sem muita vida (Figura 5), já que
possivelmente alterou os nichos ecológicos dos animais que tinha no rio, mudando
até as cadeias tróficas da vida biológica. E do outro lado, um rio seco, com o
ecossistema claramente modificado (Figura 4), e o mais interessante, é que o IdeFlor
– Bio (Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará),
fica bem próximo a barragem (Figura 7).
Paramos na barragem para ver e tirar fotos, foi meu primeiro contato com essa
cena, fiquei imaginando no que o homo sapiens é capaz de fazer para conseguir mais
papel (dinheiro) e energia, até submeter a natureza à processos como esse, alterando
totalmente o ecossistema local e as comunidades ribeirinhas.
Entrando mais a dentro, vê-se como a cidade é separada por classes, e que
de um lado do bairro fica a classe mais baixa e outro bairro uma classe mais alta.
Paramos meio dia e trinta e seis minutos na escola da irmã do Jonas para
almoçar (Figura 10). Estavam todos com muita fome, e a comida estava maravilhosa
e bem rica, tinha até açaí (Euterpe oleracea). Fomos embora satisfeitos e gratos por
ter uma alimentação daquelas.
Enquanto todos estavam vendo o jogo, sentei perto das chicórias em um banco
de madeira, e fiquei lá, sentindo o vento, ouvindo os pássaros e na sombra de várias
árvores. Pude perceber a presença de uma senhora, com duas crianças e um senhor
mais velho. Ela se aproximou das chicórias e disse que era planta medicinal, ela gritou
pelo senhor mais velho, intitulando-o como pai, pedindo uma faquinha para cortar a
chicória. Ela pegou uma chicória e disse para a filha que o chá da planta iria ajudar
ela a melhorar do vômito e que nos tempos antigos as pessoas usavam as plantas
pra fazer remédio e que não precisavam de remédio da farmácia, a filha perguntou
se era ruim e ela afirmou que era um pouco mas era bem eficiente.
Fiquei em choque, assim que cheguei naquele espaço pude ser presenteada
pelo universo com uma fala daquelas, foi um "tapa na minha cara" pode-se dizer
assim, pois gosto muito de plantas medicinais e as de poder, e aquela população em
contato com a natureza, mostra um profundo conhecimento sobre as plantas e o uso
delas para a cura. Tudo que me restou dessa moça foram duas fotos, que guardarei
com extrema gratidão pelas palavras e pelo momento (Figura 15 e 16).
Não deu tempo de terminar de ler e explicar, pois o jogo tinha acabado e todos
já estavam no ônibus à minha espera, perguntei o seu nome e ela respondeu Maria
José Freitas Pereira, perguntei se os filhos dela não sabia ler pois ela tinha me dado
o papel pedindo explicações, e ela falou que todos sabem ler mas nenhum queria
ajudar, então ela achou que eu fazia mapeamento e pediu ajuda, perguntei-lhe se ela
sabia ler e ela respondeu que sim mas tinha dificuldade em entender os textos.
Sai daquele lugar com muitas dúvidas, e não querendo sair, querendo
conhecer mais, vi que tinha uma estrada lá no quintal como se fosse um bosque,
lembro que perguntei a alguém para onde dava estrada e me falava que um local
chamado "Jacundá Centro", o tempo estava curto, o que impossibilitou uma
adentrada na floresta e a conversação com as pessoas.
No dia seguinte, nos reunimos bem cedo, vi o cartório da cidade (Figura 25) e
a casa dos professores (Figura 26) e as oito e meia me encontrei sentada embaixo de
um cajueiro, junto com a turma, esperando o momento de uma celebração importante
pra comunidade, que é o círio, uma procissão à Santo Agostinho (Figura 27). Achei
interessante um momento em que vi um homem chorando na procissão, o que me
remete a ideia de que como o pensamento cristão interferiu bastante na vida dos
indivíduos.
Chegamos na associação (Figura 29) às oito e quarenta e cinco da manhã,
sentamos todos na sala de reunião, e conversamos com o senhor Serdinando, todos
estavam com seus caderninhos e atentos para anotar tudo. Ele falou que em 2000
teve um processo requerendo a área e que somente em 2013 o presidente ajudou a
regularizar a associação. A vila ainda não tem limites. "A gente ainda ta na luta", disse
o seu Serdinando, "são dezoito anos de luta e que os brancos que determinava qual
rumo o negro ia seguir".
A comunidade não tem cooperativa pois ela não tem fins lucrativos mas estão
lutando para conseguir uma cooperativa. O que é mais cultivado é a mandioca
(Manihot esculenta), com agricultura mecanizada, que junto com o PRONAFE e o
Bradesco, conseguiram plantar 60 héctares de mandioca. O técnico - que iria ajudar
com o manivo - não veio deixar as sementes de mandioca, então plantaram a
"Taxinha", na qual eles pretendem fazer farinha com a colheita da mandioca.
"O momento em que se tem o título a coisa muda" reclama seu Serdinando, e
de uns 10 anos pra cá diminui muito o cultivo do arroz e do milho, na qual cada um
planta a sua colheita e que tem que ter o acompanhamento do técnico para organizar.
Ele afirma mais uma vez na conversa que é preciso vigiar a área para não acontecer
invasões e que não tem demarcações, eles tentam conversar com as pessoas que
invadem, chamam a polícia, e que sempre são ameaçados por posseiros.
Tem uma área próximo a comunidade com 10 alqueires de terra, eles tiram
castanha e madeira e que tem várias madeireiras querendo comprar, mas não
pretendem desmatar a área pois 10 alqueires já é pouco, eles utilizam ela como área
de preservação, toda a comunidade antes era uma enorme floresta de castanhal.
Na comunidade tem duas parteiras a dona Raimunda e a dona Marciana mas
não tem hospital, então quando uma doença não dava jeito com remédio caseiro, eles
pegam um barco que tem convenio com a prefeitura para deixar o paciente em Baião
e que demora cerca de uma hora e dez minutos de viagem.
Mais uma vez, fiquei perplexa ao ver os conhecimentos tradicionais desse povo
e o mais interessante é a hospitalidade, dona Domecilha esteve conosco dentro da
floresta e ficava dizendo que planta era o que e pra que servia, ela me deu duas
mudas de terramicina como se eu fosse uma amiga dela e sentisse que eu também
gostava de plantas medicinais, eu agradeci muito pelas plantas e nunca vou esquecer
a gentileza.
Na bandeira estava escrito "Unidos pelo Saber", logo, mostra-se que mesmo
com o plano atual de ensino do governo não atendendo as comunidades indígenas e
quilombolas, o povo continua unido pelo saber, pelo conhecimento, que também é
direito deles, uma educação de qualidade.
Depois de ver essa apresentação, queria muito tirar fotos com eles também,
pedi então para tirar uma foto com uma das meninas que participou das
apresentações, ela ficou meio sem jeito de tirar fotos comigo, mas aceitou, depois eu
agradeci e voltei a ver as apresentações.
NOTAS EM FOTOGRAFIAS
Figura 30. Estudantes e professores junto com Sr. Serdinando, analisando mapa de Umarizal.
Figura 31. Estudantes atentos a todas as informações que o senhor Serdinando dava.
Figura 32. Estudantes e professores em cima da mesa, tirando fotos, bem atentos as
informações.
Figura 33. Jonas e senhor Abrão, 91 anos
Figura 34. Terramicina que ganhei da Dona Domecilha.
Tirada por: Caroline Anjos
Figura 35. Cemitério e ao redor muitos castanhais.
Tirada por: Caroline Anjos
Figura 36. Entrada da floresta, logo após o cemitério.
Tirada por: Caroline Anjos
Figura 37. Alfavaca (Ocimum basilicum)
Tirada por: Roberta Correia
Figura 38. Capim Limão (Cymbopogon citratus)