DE JOHN LOCKE
Por todos esses anos, em seus livros, nota-se que Locke sempre teve um ideal
em que o poder fosse entregue a burguesia. Para isso, ele não utilizou o princípio de
identidade lógica, em que é improvável que certa coisa seja diferente de si mesma, e
até mesmo negou o Argumento Ontológico que era válido para vários autores como
Descartes ou São Tomás de Aquino. De acordo com Locke:
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Graduado do Curso de Filosofia da PUCPR
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Sendo assim, uma das alternativas para provar a existência de Deus está
presente na prova “por contingência do mundo”, que para Locke (2012):
É desse atributo que se gera a Crítica ao Inatismo, feita por Locke. Isso gerou
várias questões que Locke trabalha mais tarde no Empirismo, como a questão da
tabula rasa da mente em que a alma humana é “(...) no momento do nascimento,
como uma “tábula rasa”, uma espécie de papel em branco, no qual inicialmente nada
se encontra escrito” (LOCKE, 2012, p.10)
IDENTIDADE
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Sendo assim, ela não é considerada como um conceito inato, porém devemos
levar em conta que embora ela não esteja presente em nós ao nascer, elas não são
motivos de uma grande especulação perante os homens, o que faz com que se
justifique a questão da identidade como uma idéia que não é inata.
“Se a união dessas idéias perfaz a idéia de homem, então o mesmo corpo
sucessivo que não muda de repente deve, juntamente com o espírito imaterial,
entrar na composição da idéia de um mesmo homem. ” (LOCKE, 2012, p.352)
Enquanto para os cristãos, essa idéia é abismal, devemos entender que Locke
não faz parte desse círculo, e está atacando com a doutrina da reencarnação, o
cristianismo. Em resposta a isso, Locke atacou a questão da Bíblia dizendo que nunca
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haveria três pessoas em uma só natureza2. Além disso, Locke discute como os
cristãos deveriam acreditar em Deus, conforme a seguir:
“Para Locke, o que era necessário para ser um cristão era, basicamente, crer
que o Cristo era o Messias. Acreditar nisso acarretava, é claro, a crença em
que ele se ergueria entre os mortos; a sua ressureição era uma prova de ser o
Messias. Essas crenças também envolviam a noção de que o Cristo devolveu
a vida a todos os homens, a vida que “receberam de novo na ressureição. ”
(YOLTON, 1996, p.247)
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Neste trecho, estamos nos referindo a religião de Locke: O Socianismo. Iniciado no início do século XVII, por
seu fundador Fausto Socino (1539-1604), que baseou sua teologia em seu tio: Lélio Socino (1525-1562). Embora
ela tenha crescido em grande parte da Europa Oriental (como a Transilvânia, Holanda e Polônia), de acordo com
Hugh T. Pope: “ A seita nunca teve uma grande voga na Inglaterra, era desagradável para os protestantes que,
menos lógico, talvez, mas mais conservador em suas opiniões, não estavam preparados para ir para os
comprimentos dos reformadores continentais. Em 1612, encontramos os nomes de Leggatt e Wightman
mencionados como condenados à morte por negar a divindade de Cristo. Sob a Commonwealth, John Biddle foi
destaque como um defensor dos princípios Socinian; Cromwell baniu para as Ilhas Scilly, mas ele retornou com
um ministro de habeas corpus e tornou-se de uma igreja independente, em Londres. Após a restauração, no
entanto, Biddle foi escalado novamente para a prisão, onde morreu em 1662.” (POPE, 2016) Ela é considerada
anti-trinitarista, em que as crenças, baseadas no Catecismo Racoviano, dizem que eles recusam os mistérios,
que a Bíblia deve ser interpretada pela razão, além de que a razão nos ajuda a entender Deus, no entanto se
exclui a sua imensidão e infinitude. Também se rejeita a doutrina do pecado original, no entanto, eles creem na
sua Unidade, sua eternidade, sua onipotência, sua justiça e sua sabedoria. Além disso, celebram o batismo e a
santa ceia, só que sem a graça divina de Deus.
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Como entende-se aqui, essa questão abre o panorama para outro tipo de
identidade: a Identidade Pessoal. Ela seria a Identidade presente num homem
inteligente, racional que é igual a sua consciência de si mesmo, o que é uma
característica essencial para o homem. Sendo assim, ele não pode mudar quem ele
é, pois, a sua consciência, desde o nascimento, molda o eu mesmo presente no
indivíduo, e não pode ser alterado.
Daí que se deriva que a consciência preserva todas as ações de sua família.
Porém o fator que diferencia as ações de uma consciência da outra é o Eu.
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Então, se nota que, na sua época, Locke descreve que o homem é um ser
racional, capaz de pensar, mas que possui uma consciência que determina que essa
pessoa seja diferente do outro, fisiologicamente e analogicamente, indo contra o
homem racional de Descartes.
Isso, no entanto, teve um certo preço, pois sua questão da Identidade Pessoal
foi considerada nociva por sacudir os alicerces da religião. Conforme Yolton descreve:
Como pode se ver, a questão da Identidade fez com que Locke fosse
considerado como um homem perigoso diante da religião, pelo fato das acusações,
citadas no trecho acima.
COEXISTÊNCIA
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força desconhecida que unifica as qualidades coexistentes. A única maneira de nós
entendermos é por uma hipótese presente na Teoria Corpuscular da Matéria. De
acordo com Luciana Zaterka:
Com este exemplo, percebe-se que a sensação adquirida pelo tato é um dos
fatores essenciais para unificar as qualidades coexistentes, que no fundo, são tocar
e sentir as coisas presentes no mundo. Nota-se, então, que uma das funções da
coexistência seria nos ensinar as habilidades presentes no ser humano, como
caminhar, sentir e pensar.
Então, deve existir uma constituição real dependendo das idéias coexistentes.
Para isso, denominamos os objetos ao nosso redor como nomes. Mas daí
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percebemos que a questão da coexistência, no Livro três, serve para criticar os
universais, graças ao nominalismo presente em Guilherme de Ockham. O trecho de
Maria do Livramento Rodrigues Soares Salgado confirma o nosso argumento:
No fim de tudo, nota-se que a coexistência foi fundamental para a crítica dos
universais, além do seu vocabulário.
No livro quatro, a coexistência serve para juntar idéias que se interlaçam com
o conhecimento real. Locke dá um exemplo claro disso nesse trecho a seguir:
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No fim das contas, podemos definir que a coexistência segue um processo em
que certas idéias simples são descobertas na natureza pela coexistência, que logo se
tornam idéias complexas, que no fundo, nos ajudam a descrever a essência e o
formato de um objeto. Isso nos faz criar nomes para esse objeto e depois a mente
arquiteta sua essência interna, para que nós pensemos sobre o objeto no mundo.
RELAÇÃO
A relação tem como função considerar qualquer idéia que é comparada com
outra. Nesse caso, devemos entender que não há só ideias complexas e simples
originadas dessa fórmula, podem haver várias como o entendimento que “(...) pode
como que distender a ideia mesma, ou então, para ver além dela, se é conforme uma
a outra. (LOCKE, 2012, p.332)
Então, se qualquer idéia nos é comparada, então nós podemos dar certos
nomes a essas idéias que são parecidas uma com a outra. Isso é um erro, pois isso
torna-nos difícil compreender qual idéia estamos relacionando com a derivada.
Desse jeito, muitos nomes têm relação com as idéias, o que faz com que abra
uma categoria, chamada denominações externas. Nela, as palavras que damos a
certos objetos tem que estar presentes no nosso conhecimento real. Caso contrário,
ela se torna uma referência, em que a palavra provém da mente e que pode ser tanto
real como fictícia. O trecho a seguir comprova o meu argumento:
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“Se a ideia está na coisa a qual aplica o seu nome, ela é positiva, é considerada
como unida à coisa denominada e como existindo nela; mas, se surge de uma
referência, que a mente encontra nela, a algo distinto dela, que entra em
consideração, então a ideia inclui uma relação. ” (LOCKE, 2012, p. 333-334)
Nota-se, então, que se pode dar nomes para várias coisas específicas, não
importa se forem geradas de idéias simples ou complexas, é possível dar nomes a
qualquer objeto presente à sua frente, mas caso não haja uma referência do nome a
um objeto, a relação e a denominação do objeto não acontece.
Para que haja a relação, deve-se apresentar duas idéias que sejam diferentes
uma da outra. Depois, considere os seguintes pontos:
1. “Não há ideia, substância, modo, relação e nome que não seja capaz de
uma consideração quase infinita por referência a outras coisas,
consideração que responde por uma parte nada desprezível dos
pensamentos e das palavras dos homens. ” (LOCKE, 2012, p. 335)
2. A relação, que pode não ser derivada da existência real das coisas,
ocorre do fato de que a representação das ideias pelas palavras ser bem
clara e distinta que daquela da coexistência.
3. Apesar de possuir infinitas considerações, grande parte das relações
jazem de idéias simples, que, por si só, são a grande fábrica de nosso
conhecimento.
4. Como a relação é “a consideração de uma coisa com outra extrínseca a
ela, é evidente que são relativas todas as palavras que impelem a mente
a qualquer ideia que não se supõe necessária para a existência da coisa
à qual se aplica a palavra. ” (LOCKE, 2012, p. 337)
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“A esta proposição ele remete como exemplo uma criança e um idiota para
mostrar que não são todas as pessoas que conhecem esta afirmação, dirá
aceitá-la. No exemplo demonstra que até estes indivíduos absorverem a
veracidade ou falsidade passarão por processos que pra se chegarem a eles
necessitam de algumas demonstrações, ou seja, precisam experimentar. ”
(SALGADO, 2013)
É claro que os Idealistas vão rebater esse argumento, dizendo que eles podem
processar na memória, mesmo tendo razão, mas Locke diria que é impossível que
isso aconteça.
Como as palavras, para Locke, são abstratas, podemos dizer que o abstrato é
o intocável, que não pode ser analisado nem ser concreto.
EXISTÊNCIA REAL
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Na existência real temos um conhecimento intuitivo de nossa própria
existência, um conhecimento demonstrativo da existência de um Deus e um
conhecimento sensível que não vai além dos objetos presentes aos nossos sentidos.
A Existência Real não tem conexão com nenhuma outra idéia além daquela de nós
mesmos e de um ser primordial. Da Existência Real de outros seres não temos nem
conhecimento demonstrativo nem evidente em si mesmo. Acerca desses seres não
há, portanto, nenhuma máxima.
Até esse ponto devemos considerar a essência das coisas, que está bem longe
de ter uma existência particular e que, consequentemente, não nos concede um
conhecimento de existência real. Neste caso, consiste a definição de abstração:
“considerar a ideia existindo apenas no entendimento. ” (LOCKE, 2012, p.679)
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própria dúvida percebo a minha própria existência, da qual não duvido. ”
(LOCKE, 2012, p. 679)
Esse argumento nos leva a entender que o Empirismo de Locke possuía certas
raízes no racionalismo, embora ele tenha usado a questão da tabula rasa para
mascarar essa segunda doutrina. Embora muitos autores, como George Berkeley
e David Hume, tenham sido influenciados por Locke, alguns parecem ter criticado
parte de seu racionalismo. De acordo com José Maia Neto:
Quando a pessoa sente o seu próprio corpo, ela está ciente que está presente
no mundo, mas ainda duvida de tudo ao seu redor, daí que vem a questão da
tabula rasa de Locke, que diz que sua mente é como uma folha em branco. Esse
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aspecto nos leva a entender que a experiência que a pessoa testemunhou por
toda a sua vida é o que forma o seu conhecimento do mundo.
Locke escreve isso para combater outra corrente filosófica, o Ceticismo, que
possui nomes importantes como Pirro e Michel de Montaigne, e que apoia que a
verdade é inatingível, levando a um estado eterno de dúvida de si mesmo e do
mundo ao seu redor. Essa doutrina possui um teor inato, pois se tem dúvida que
abrange a metafísica, a religião e o real. O trecho a seguir robustece o meu
argumento:
“Se há céticos tão contumazes que negam sua própria existência (pois
duvidar realmente dela é manifestamente impossível), que eles desfrutem por
mim a felicidade de ser um nada até que a fome ou outro incômodo convença-
os do contrário. ” (LOCKE, 2012, p. 680-681)
“Se, portanto, sabemos que existe um ser real, e que a não-entidade não
pode produzir nenhum ser real, isso demonstra com evidência que algo existe
eternamente, pois o que não é eterno tem um início, e o que tem início é
produzido por algo. ” (LOCKE, 2012, p.681)
Então, notamos que Deus é quem cria esses seres, que é o mais poderoso,
inteligente e sábio que já existiu eternamente. Como a religião sempre deu nomes
a Deus, como Jesus Cristo, Javé, Alá ou Yeshua, nós descobrimos que o Deus de
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Locke, apesar de ser puritano, é o Deus criado pela razão, similar ao Deus de
Descartes. O extrato a seguir avigora o argumento:
Sendo assim, nós definimos que Deus existe porque nossa razão a cria, não
importa qual a sua religião, ele sempre será alguém superior a nós.
Com esse argumento, dá para perceber que Locke foi criticado por muitos
grupos religiosos, como os ateus, aumentando a sua infâmia entre a religião. O
fragmento de Yolton fortifica o assunto a seguir:
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não pertencem à existência real das coisas, mas são criaturas e invenções do
entendimento, formadas por ele para seu próprio uso e referindo-se apenas a
sinais, quer palavras, quer idéias. ” (YOLTON, 1996, p.125).
Diante disso, nota-se que somente faz parte da existência de todas as coisas,
as Idéias simples e abstratas. Enquanto que as idéias complexas tenham certos
arquétipos, que seria de onde a mente supõe que as idéias teriam sido extraídas, elas
são um reflexo de sua idéia real. Conforme Yolton descreve na sua definição:
Então, nota-se que Idéias complexas, embora sejam cópias de idéias simples
e abstratas, elas não fazem parte da existência real, o que as exclui da existência de
todas as coisas presente no mundo.
AUTOBIOGRAFIA
Como podemos perceber, o Empirismo é uma linha filosófica que teve seus
primórdios na Grécia Antiga, com Aristóteles, e influenciou vários filósofos como
Guilherme de Ockham, Francis Bacon e Thomas Hobbes. Mas um dos autores
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que vou destacar é considerado o pai do Empirismo que se chama John Locke.
Pudemos notar que o Empirismo de Locke, embora tenha tido sido criticado mais
tarde por seus contemporâneos que diziam que possuía certos conceitos do
Racionalismo, acoimou diversos campos da religião, como o Ateísmo, além de
admoestar o Inatismo, proveniente de Descartes, que também foi uma justificativa
de tentar fazer um debate aos universais, e exprobrou os céticos, que mais tarde
o Bispo Stillingfleet diria que sua filosofia levaria a um Ceticismo, assim como
Berkeley falou que o Ceticismo poderia voltar-se contra o Empirismo. Ainda diante
dessa chuva de críticas, percebemos que Locke é um filósofo importante que
merece ser estudado, pois de acordo com Edgard José Jorge Filho, em seu livro,
Moral e História em John Locke (1992):
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“Não obstante o anseio de autoconhecimento seja tão remoto quanto o lema
inscrito no templo de Delfos (“Conhece-te a ti mesmo”), a autobiografia
somente emerge no século XVIII, graças a Rousseau e às suas Confissões
(1782, 1789), precedidas pelas referências de John Locke, no seu Essay
Concerning Human Understanding (1690), ao “self” e à “identidade pessoal”
(Goodwin 1979:70). ” (MOISÉS, 1997, p.46)
Como pudemos entender, o Ensaio não serve só pra limitar e descrever partes
do conhecimento humano. Ele serve para posicionar um novo assunto, que vai ser
tratado por Rousseau no século XVIII: a autobiografia.
Esse novo modelo moderno foi utilizado por vários autores, depois do Locke,
como Goethe e Wordsworth. O trecho a seguir, descreve isso:
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Então, como vimos, a extensão do conhecimento humano para Locke é
ilimitada. Seus limites éticos e religiosos são criticados por pensadores no século
XVII, mas o Iluminismo utilizou seus escritos e conhecimentos para construir a
autobiografia, que logo se tornou um modelo prático a ser utilizado por filósofos e
escritores do século XVIII. Daí pretendemos aprofundar a investigação da
autobiografia como ferramenta de construção do conhecimento humano segundo
Locke, um pensador reformado inglês diante de seu contexto.
REFERÊNCIAS
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAW8YAI/empirismo-john-locke
http://www.infoescola.com/generos-literarios/autobiografia/
http://oleniski.blogspot.com.br/2013/01/descartes-maquinas-animais-e-outras.html
https://direitasja.files.wordpress.com/2012/04/ensaio_sobre_entendimento_hu
mano.pdf
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http://www.unicamp.br/~jmarques/pesq/Forma_moderna_da_autobiografia.pdf
https://books.google.com.br/books?id=0Pn4qAZ-
QyoC&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
512X2011000200015
http://mb-soft.com/believe/ttcm/socinian.htm
http://www.webartigos.com/artigos/influencia-do-nominalismo-em-john-
locke/111651/
YOLTON, John. Dicionário Locke, 1996. Ed. Jorge Zahar. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=M3-
5zdXPkwEC&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false
http://www.lucianazaterka.com.br/pdf/lzaterka-circumscribere.pdf
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