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Educação Unisinos

10(1):56-61, jan/abr 2006


10
© 2006 by Unisinos

“A vida deles é uma matemática”:


regimes de verdade sobre a educação
matemática de adultos do campo

“Their lives are mathematics”: truth regimes on


mathematical education of adults in rural areas

Gelsa Knijnik
gelsak@unisinos.br
Fernanda Wanderer
fwanderer@certelnet.com.br

Resumo: Este trabalho apresenta resultados parciais de um projeto de pesquisa concebido


com o objetivo de analisar os regimes de verdade sobre a educação matemática de jovens
e adultos do campo, tendo como bases teóricas uma perspectiva pós-estruturalista - apoiada
principalmente no pensamento de Michel Foucault - e o campo da Etnomatemática. O
material de pesquisa examinado consiste em um conjunto de narrativas sobre a educação
matemática produzidas por educadores do campo do sul do país, geradas em entrevistas
que foram realizadas por estudantes de um Curso de Pedagogia vinculado ao movimento
“Articulação por uma Educação do Campo”. A análise do material mostrou que os educadores
identificam práticas de medir, contar, localizar, etc como parte de sua cultura, remetendo
seus significados à matemática escolar na qual foram socializados. Os enunciados sugerem
que há como que um apagamento das marcas que instituem as etnomatemáticas camponesas,
indicando que os entrevistados foram capturados pelo “poder da racionalidade ocidental”
(Walkerdine, 1995).

Palavras-chave: educação do campo, etnomatemática, currículo.

Abstract: This paper presents some results of a research project whose main goal was to
analyze regimes of truth about adult peasant’s mathematics education. Its theoretical support
was a post-structuralist perspective – based on Michel Foucault’s thought – and the field of
Ethnomathematics. The research data analyzed in the paper is composed by a set of
narratives about mathematics education produced by peasant educators living in the south
of Brazil. These narratives were obtained through interviews done by students of a Teacher
Education Course belonging to the social movement “Articulação por uma educação do
campo”. The data analysis showed that the educators identify practices of measuring,
counting, localizing, etc. as part of their culture, addressing its meaning to the school
mathematics in which they were socialized. Its analysis also suggested that there is a sort of
suppression of those marks that institute the peasant’s ethnomathematics, leading to the
idea that the interviewees were captured by the “power of the Western rationality”
(Walkerdine, 1995).

Key words: peasant education, ethnomathematics, curriculum.

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“A vida deles é uma matemática”: regimes de verdade sobre a educação matemática de adultos do campo

Introdução em um outro estudo (Knijnik, 2004a), po; e pela construção de uma escola
ao longo de seus 20 anos de existên- que esteja no campo, mas que tam-
Este trabalho apresenta resulta- cia a educação dos camponeses e bém seja do campo: uma escola polí-
dos parciais de um projeto de pes- das camponesas Sem Terra tem se tica e pedagogicamente vinculada à
quisa concebido com o objetivo de constituído em um processo que “per- história, à cultura e às causas soci-
analisar os regimes de verdade so- passa o conjunto das ações do MST ais e humanas dos sujeitos do cam-
bre a educação matemática de jovens e a vivência de cada Sem Terra no po [...]” (Kolling et al., 2002, p. 19).
e adultos do campo, tendo como ba- movimento de sua própria história, Segundo integrantes do Coletivo
ses teóricas uma perspectiva pós- ou no fazer-se de sua formação” Nacional de Educação do MST (Co-
estruturalista - apoiada principalmen- (Caldart, 2000, p. 143). Essa “vivência municação oral, 2004), a importância
te no pensamento de Michel de cada sem terra no movimento de dada por esse movimento social à
Foucault - e o campo da etnomate- sua própria história”, isto é, as múlti- “Articulação” tem como uma de suas
mática. A análise do material produ- plas facetas da luta pela terra que expressões a inclusão, no Curso Pe-
zido nas diferentes esferas em que o educam, no sentido de produzir sub- dagogia da Terra, de estudantes
projeto foi organizado esteve em jetividades e identidades sociais das organizações e de outros movi-
consonância com tais aportes. muito particulares, podem ser pen- mentos sociais que dela participam.
O material de pesquisa examina- sadas a partir da idéia de multidão, A esses camponeses da “Articu-
do no trabalho consiste em narrati- como apresentada por Hardt e Negri lação”, como parte do trabalho pe-
vas sobre a educação matemática (2001). Para os autores, em oposição dagógico desenvolvido no Compo-
produzidas por 44 educadores do à noção de povo - que é por eles vis- nente Curricular Educação Matemá-
campo do sul do país. Tais educado- to como associado ao Estado-nação, tica – Conteúdo e Método de seu
res foram entrevistados, em suas algo uno, que “tende à identidade e Curso, foi proposta a realização das
comunidades, por estudantes do à homogeneização internamente, ao entrevistas, efetivadas no Tempo-
Curso Pedagogia: Anos Iniciais do mesmo tempo que estabelece suas Comunidade do Curso, isto é, quan-
Ensino Fundamental: Crianças, diferenças em relação ao que dele está do de uma das etapas de estudo não
Jovens e Adultos, promovido pela fora e excluído” (Hardt e Negri, 2001, presencial no ITERRA. Anteriormen-
Universidade Estadual do Rio Gran- p. 120) - “a multidão é uma multiplici- te, havia sido desenvolvida uma ati-
de do Sul (UERGS), em parceria com dade, um plano de singularidades, um vidade na qual os estudantes tive-
o Instituto Técnico de Capacitação conjunto aberto de relações que não ram a oportunidade de explicitar al-
e Pesquisa da Reforma Agrária é nem homogênea nem idêntica a si gumas de suas “verdades” sobre a
(ITERRA), vinculado ao Movimen- mesma, e mantém uma relação indis- educação matemática na qual tinham
to Sem Terra (MST). Os integrantes tinta e inconclusiva com os que es- sido socializados. Agora, havia o in-
do Curso participam do movimento tão fora dela” (Negri, 2001, p. 120). teresse em conhecer as “verdades”
“Articulação por uma Educação do Essa “relação indistinta” do MST sobre a educação matemática que
Campo”, que reúne organizações e com os “de fora” vem sendo circulavam em suas comunidades,
movimentos sociais interessados no construída, em anos mais recentes, nas quais já atuavam ou iriam futura-
debate sobre políticas públicas para no âmbito da educação, através do mente atuar. Inicialmente, foram dis-
a educação do campo: Movimento estabelecimento de vínculos com cutidos os propósitos da produção
Sem Terra (MST), Movimento dos outros movimentos sociais popula- de tal material e a técnica de entre-
Pequenos Agricultores (MPA), Mo- res, especialmente os ligados ao meio vista foi estudada.
vimento dos Atingidos pelas Barra- rural. O “Coletivo Nacional” de seu Após a realização das entrevis-
gens (MAB), Movimento das Mu- Setor de Educação tem destacado a tas, os estudantes redigiram um rela-
lheres Camponesas (MMC) e a Pas- relevância que dá à sua integração tório, que incluiu transcrições do que
toral da Juventude Rural (PJR). (e em certo sentido, sua liderança) foi expresso pelos entrevistados. O
A concepção e implementação do no movimento “Articulação por uma conjunto dos relatórios foi analisa-
Curso Pedagogia da Terra, em suas Educação do Campo”. A “Articula- do, e os resultados preliminares ob-
duas edições, insere-se no contexto ção”, como expresso em seu docu- tidos apresentados aos estudantes,
mais amplo da educação produzida mento intitulado “Declaração de em sala de aula, para discussão. Isso
pelo Movimento Sem Terra, uma edu- 2002” (Kolling et al., 2002), afirma a possibilitou que as unidades de sen-
cação que precisa ser compreendida necessidade de “duas lutas combi- tido construídas pela equipe de pes- 57
não só no âmbito da escolarização nadas: pela ampliação do direito à quisa fossem problematizadas e que
formal. Em efeito, como destacado educação e à escolarização no cam- emergissem novos significados para

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Gelsa Knijnik, Fernanda Wanderer

o produzido nas entrevistas. O ma- vínculos com a constituição de regi- tica como constituídos por e consti-
terial escrutinado no presente traba- mes de verdade e as relações de po- tuintes desta “política geral da ver-
lho está circunscrito aos relatórios der-saber que os engendram. Como dade”. Em efeito, algumas técnicas
apresentados pelos estudantes, ten- expressa Foucault (2003, p. 8), “o que e procedimentos – produzidos na
do como foco analítico uma das uni- faz com que o poder se mantenha e academia – são considerados como
dades de sentido sobre a educação que seja aceito é simplesmente que os mecanismos (únicos e possíveis)
matemática que tal escrutínio fez ele não pesa só como uma força que capazes de gerar o conhecimento
emergir. diz não, mas que ele de fato permeia, matemático, em um processo de ex-
produz coisas, induz ao prazer, for- clusão de outros saberes que, por
Aportes teóricos e ma saber, produz discursos”. não utilizarem tal gramática, são san-
estratégia analítica do É com esse entendimento que, no cionados e classificados como “não-
estudo presente trabalho, a etnomatemática matemáticos”. Tal operação é levada
é considerada como caixa de ferra- a efeito com a chancela dos experts,
A vasta literatura pertinente à et- menta para analisar os discursos so- cujas carreiras estão vinculadas à
nomatemática tem destacado ser o bre a educação matemática, buscan- academia, que têm o estatuto para
brasileiro Ubiratan D’Ambrósio quem do examinar “como se produzem efei- “dizer o que funciona como verda-
cunhou tal termo em meados da dé- tos de verdade no interior de discur- deiro” no campo da educação mate-
cada de setenta do século passado sos que não são em si nem verdadei- mática.
(Knijnik, 1996, 2001). Atualmente, ros nem falsos” (Foucault, 2003, p. Mais ainda, as “verdades” pro-
pode-se mencionar que esta perspec- 7). A produção da “verdade”, para o duzidas pelos discursos sobre a edu-
tiva apresenta-se como um campo filósofo, não estaria desvinculada cação matemática atuam na fabrica-
vasto e heterogêneo, de inserção in- das relações de poder que a incitam ção de concepções sobre como deve
ternacional. Knijnik (2004b, 2004c), e apóiam, estando também atada à ser uma aula de matemática, uma boa
mais recentemente, tem se referido à positividade do discurso. Afirma ser professora, quem são os “bons e
etnomatemática situando-a como in- a verdade “o conjunto das regras maus” estudantes, qual o lugar des-
teressada segundo as quais se distingue o ver- tinado, na sociedade, a essa área do
dadeiro do falso e se atribuem ao conhecimento. Significar o discurso
no estudo dos discursos eurocêntri- verdadeiro efeitos específicos de da educação matemática como pro-
cos que instituem a matemática aca- poder” (Foucault, 2003, p. 13), “um dutor de efeitos de verdade é apon-
dêmica e a matemática escolar; em conjunto de procedimentos regula- tado, também, por Bampi (1999, p. 35),
analisar os efeitos de verdade produ- dos para a produção, a lei, a reparti-
zidos pelos discursos da matemática quando refere estar ele associado ao
ção, a circulação e o funcionamento saber científico, o qual, para Foucault,
acadêmica e da matemática escolar;
dos enunciados” (Foucault, 2003, p. vincula-se à produção da “verdade”
na discussão sobre a questão da dife-
14). Ao mencionar o que denomina
rença na educação matemática, consi- e, também, por circular nos aparelhos
derando a centralidade da cultura e as por “política geral da verdade”,
de educação, fazendo com que abran-
relações de poder que a instituem; na Foucault esclarece:
ja praticamente todo o tecido social.
problematização da dicotomia entre
Feitas as sinalizações que demar-
“alta” cultura e “baixa” cultura na Cada sociedade tem seu regime de
verdade, sua “política geral” de ver- caram - mesmo que brevemente - o
educação matemática (Knijnik,
2004c, p. 131). dade: isto é, os tipos de discurso que sítio teórico do estudo, é necessário
ela acolhe e faz funcionar como ver- então indicar a estratégia analítica
Considerar a matemática acadêmi- dadeiros; os mecanismos e as instân- que será posta em ação para operar
cias que permitem distinguir os enun- com o material de pesquisa, a fim de
ca e a matemática escolar como dis-
ciados verdadeiros dos falsos, a ma- atribuir sentidos às narrativas sobre
cursos, no sentido foucaultiano - isto neira como se sanciona uns e outros;
é, compreendê-los como “práticas a educação matemática de jovens e
as técnicas e os procedimentos que
que formam sistematicamente os ob- são valorizados para a obtenção da adultos do campo. Ao tomar como
jetos de que falam”, afastando-se do verdade; o estatuto daqueles que têm material de pesquisa os discursos
entendimento de que seriam “um o encargo de dizer o que funciona produzidos pelos camponeses entre-
puro e simples entrecruzamento de como verdadeiro (2003, p. 12). vistados, esses estão sendo consi-
coisas e palavras: trama obscura das derados como monumentos, no sen-
58 coisas, cadeia manifesta, visível e Apoiando-se, portanto, em tido atribuído por Foucault (2002).
colorida das palavras” (Foucault, Foucault, somos levados a pensar Como afirma o autor (Foucault, 2002,
2002, p. 56) - implica analisar seus nos discursos da educação matemá- p. 8), não se trata de interpretar o

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“A vida deles é uma matemática”: regimes de verdade sobre a educação matemática de adultos do campo

documento, para verificar se este ex- ca é examinada. Nela foram reunidos constituem - tal cultura. O enuncia-
pressaria a verdade, mas tomá-lo aqueles excertos dos relatórios nos do “Em toda a ação praticada, em
como “uma massa de elementos que quais os entrevistados expressaram, todos os momentos da vida, está pre-
devem ser isolados, agrupados, tor- recorrentemente, a idéia de que a sente a matemática” nos remete, em
nados pertinentes, inter-relaciona- matemática era onipresente em suas certo sentido, ao conceito de fenô-
dos, organizados em conjuntos”, fa- vidas, estava “em todo o lugar”, em meno pancultural apontado por
zendo com que os documentos se- “toda a parte”, fazendo com que, no Bishop (1988, p. 19) - mesmo que tal
jam, então, transformados em monu- limite, a própria vida “deles” - dos ligação possa ficar prejudicada pela
mentos. jovens e adultos envolvidos com a distância existente entre as posições
Discutindo sobre esta transforma- educação matemática - fosse “uma teóricas deste estudo e as suas,
ção, Veiga-Neto (2003, p. 125-126) matemática”. como indicado anteriormente
assinala que, ao tomarmos os docu- Os enunciados que seguem (Knijnik, 2006).
mentos como monumentos, a leitura explicitam, de forma exemplar, essa Bishop (1988), apoiado em um ex-
do enunciado passa a ser realizada idéia: tenso trabalho de campo realizado
“pela exterioridade do texto, sem en- nas ilhas do Pacífico, analisa seis ati-
trar na lógica interna que comanda a Em toda a ação praticada, em todos vidades matemáticas presentes em
ordem dos enunciados”, estabele- os momentos da vida, está presente a
diferentes contextos culturais, bus-
cendo “as relações entre os enunci- matemática. E indispensável para a
vida.
cando demonstrar que “a matemáti-
ados e o que eles descrevem, para, a ca existe em todas as culturas”, sen-
A matemática sempre está envolvida
partir daí, compreender a que poder com as demais disciplinas e sempre é do a matemática produzida na aca-
(es) atendem tais enunciados, qual/ buscada em todos os temas estuda- demia, uma “particular variante da
quais poder (es) os enunciados ati- dos. Não é deixada de lado, pois se matemática desenvolvida ao longo
vam e colocam em circulação”. Além vamos ver tudo é matemática, encon- do tempo por diferentes sociedades”
disto, a leitura monumental não bus- tramos ela em vários lugares. A es- (Bishop, 1988, p. 19). Como expressa
ca uma suposta “verdade” que seria cola precisa se direcionar aos aspec-
um dos entrevistados: “Encontramos
encontrada pelo texto. Em vez disso, tos da matemática presentes nas prá-
ticas do dia-a-dia e que podem em ela [a matemática] em vários luga-
precisamos “tomar o texto menos por res”. “Ela” estaria em vários lugares,
muito ajudar no desenvolvimento do
aquilo que o compõe por dentro, e em particular, na cultura camponesa
aluno.
mais ‘pelos contatos de superfície O principal é trabalhar as coisas que do sul do país, como indicam os
que ele mantém com aquilo que o tem relação com a realidade do aluno, enunciados que integram o corpus
cerca’, de modo a conseguirmos trazer a vida de cada um para a sala de da pesquisa.
mapear o regime de verdade que o aula e mostrar que a vida deles é uma Poder-se-ia indagar, então, sobre
acolhe e que, ao mesmo tempo, ele matemática. Também olhar para ele
a possibilidade de examinar essa ques-
sustenta, reforça, justifica e dá vida” [aluno] e perceber quais os seus co-
nhecimentos e o que ele já sabe. Pre- tão a partir dos entendimentos que
(Veiga-Neto, 2003, p. 127). É com es- temos dado à etnomatemática. Estarí-
cisa ser coisas que o marquem para a
ses entendimentos que as narrativas vida, que ele lembre como algo signi- amos aqui diante do que temos no-
produzidas por educadores do cam- ficativo. meado por etnomatemáticas campo-
po do sul do país foram escrutinadas. O que é importante e deve ser traba- nesas (Knijnik e Wanderer, 2006)? Os
lhado na área da matemática varia bas- enunciados parecem apontar em uma
“A vida deles é uma tante, pois deve levar em conta a rea-
direção oposta. Sugerem que, dife-
matemática”: analisando lidade dos educandos. No nosso caso,
como a realidade dos educandos é o rentemente do sentido que temos
uma das “verdades” sobre dado a tais etnomatemáticas - forte-
campo, devemos trabalhar questões
a educação do campo de porcentagem, pois usamos no mo- mente enredadas nos modos de vida
mento de fazer conta de custo de pro- dos camponeses, marcadas pela(s)
A análise do material de pesquisa dução. racionalidade(s) daquela(s) cultura(s),
possibilitou que fossem geradas uni- expressando-se através de uma gra-
dades de sentido sobre a educação Uma leitura possível desses enun- mática própria, uma linguagem espe-
matemática de jovens e adultos, cada ciados indica que os educadores cífica, que acabam por constituí-las -
uma delas apontando para verdades identificam que práticas de medir, esses enunciados remetem à raciona-
sobre esse campo do conhecimento. contar, localizar, etc, são parte da lidade, à gramática e à linguagem da 59
Neste trabalho, a unidade que no- cultura camponesa do sul do país. matemática acadêmica. Trata-se de
meamos por A vida é uma matemáti- Como tal, são constituídas por - e uma linguagem constituída por sím-

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Gelsa Knijnik, Fernanda Wanderer

bolos que se pretendem neutros e ma que esse tem sido marcado pela centagem, pois usamos no momento
universais, capazes de apreender, de possibilidade de prever e controlar de fazer conta de custo de produ-
“fixar de uma vez por todas”, o senti- eventos, fatos e situações cotidia- ção. Seguindo Walkerdine (1995),
do do que é enunciado. Como escre- nas, como os custos de uma produ- pode-se dizer que os educadores en-
ve Silveira (2005, p. 124): ção ou os trabalhos na lavoura de trevistados, de certa forma, foram
que falaram os sujeitos entrevista- sendo capturados pelo “poder da ra-
Os textos matemáticos operam com dos pelos estudantes do Curso de cionalidade ocidental”, um poder
a formalização de sua linguagem Pedagogia. Assim, para a autora, a “que tem concebido a natureza como
estruturada na lógica, desta forma, eles matemática tem ocupado uma “posi- algo a ser controlado, conhecido, do-
fecham suas interpretações dentro da
ção de rainha das ciências, quando a minado” (ibid., 1995, p. 225), fazen-
lógica dedutiva, não permitindo sen-
tidos diversos, já que trabalham com
natureza tornou-se o livro escrito na do-os anunciar que, assim como para
o previsível. O rigor do texto mate- linguagem da matemática e quando si mesmos, também para os jovens e
mático, objetivado e formalizado, pre- a matemática assegurava o sonho da adultos com quem trabalham, a vida
tende ter o controle dos sentidos. Tal possibilidade de perfeito controle em deles é uma matemática.
controle pretendido pela matemática um universo perfeitamente racional
nos deixa devedores de perceber ou- e ordenado” (Walkerdine, 1990, p. 5). Referências
tras formas de entender o mundo. O controle exercido pela matemática
acadêmica na produção desse uni- BAMPI, L. 1999. O discurso da Educa-
Os enunciados sobre a educação verso “perfeitamente racional e or- ção Matemática: um sonho da razão.
matemática, antes apresentados, denado” acaba operando também no Porto Alegre, RS. Dissertação de
apontam exatamente nessa direção. contexto da escola. Como destaca- Mestrado. Universidade Federal do Rio
No entanto, somos levadas a con- Grande do Sul – UFRGS, 119 p.
do por Walkerdine (1990), isso impli-
jeturar que a identificação de práticas BERNSTEIN, B. 1996. A estruturação do
ca a supressão a toda referência ex- discurso pedagógico: classe, códigos
de medir, contar, localizar, etc. como terna, fazendo com que a matemática e controle. Petrópolis, Vozes, 307 p.
parte da cultura camponesa do sul do escolar se refira a qualquer coisa, a BISHOP, A. 1988. Mathematical
país - processo que emergiu como uma todos os temas estudados em sala enculturation: A cultural perspective
das leituras possíveis do material de de aula ou todos os momentos da on Mathematics Education. Dordrecht,
pesquisa - não estanca aí. A seguir, um vida, como expressaram os educa- Kluwer Academic Publishers, 195 p.
segundo movimento é encetado: tais CALDART, R. 2000. Educação em mo-
dores. Seguindo a autora, podería-
práticas são identificadas com a mate- vimento: formação de educadoras e
mos dizer que, desse modo, o dis- educadores no MST. Petrópolis, Vo-
mática. Que matemática seria essa? curso da matemática escolar acaba zes, 180 p.
Os enunciados sugerem que se tornando-se objeto de uma fantasia, FOUCAULT, M. 2003. Microfísica do po-
trata da matemática escolar - uma do “sonho da razão” mencionado der. Rio de Janeiro, Edições Graal, 295 p.
recontextualização da matemática pelo matemático Brian Rotman, FOUCAULT, M. 2002. Arqueologia do
acadêmica, no sentido dado por saber. Rio de Janeiro, Forense Univer-
Bernstein (1996) - na qual foram so- sitária, 239 p.
[...] o sonho de um universo ordena-
HARDT, M. e NEGRI, A. 2001. Império.
cializados. Haveria como que um apa- do, onde as coisas, uma vez prova-
São Paulo, Record, 501 p.
gamento das marcas que instituem das, permanecessem provadas para
KNIJNIK, G. 2006. Educação matemática,
as etnomatemáticas camponesas, de sempre, a idéia de que a prova mate-
culturas e o conhecimento na luta pela
modo que tudo ficasse em uma mes- mática, com todos os seus critérios
terra. Santa Cruz do Sul, Edunisc, 239 p.
de elegância, realmente nos fornece
ma classe de equivalência, aquela na KNIJNIK, G. 2004a. Currículo e movimen-
uma forma de aparentemente domi- tos sociais nos tempos do Império. In:
qual reina, soberana, a matemática nar e controlar a própria vida A. MOREIRA (ed.), Currículo: pen-
produzida pelos cientistas, cuja lin- (Walkerdine, 1995, p. 226). sar, sentir e deferir. Rio de Janeiro,
guagem tem sido apontada como uma DP&A, p. 95-108.
das metanarrativas da Modernidade. Essa fantasia ensejada pelo dis- KNIJNIK, G. 2004b. Pesquisa em etnoma-
Poderíamos pensar que também os curso da matemática escolar, para temática em tempos pós-modernos. In:
educadores entrevistados do sul do Walkerdine (1990), produz também, UNESCO-SAARMSTE Conference
país foram capturados pelo “poder Workshop, University of KwaZulu,
nos sujeitos, um prazer de tudo con-
Natal/South Africa 8-10 oct.
da racionalidade ocidental” trolar, descrever e analisar, como
60 (Walkerdine, 1995). mostraram os excertos selecionados
KNIJNIK, G. 2004c. Lessons from research
with a social movement: A voice from
Walkerdine (1990), ao analisar o acima, quando é enunciado que de- the South. In: P. VALERO (ed.),
discurso da matemática escolar, afir- vemos trabalhar questões de por- Researching the socio-political

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“A vida deles é uma matemática”: regimes de verdade sobre a educação matemática de adultos do campo

dimensions of mathematics education: Educação matemática e oralidade: um ção ensino/aprendizagem da Matemá-


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York/London, Kluwer Academic GAÚCHO DE EDUCAÇÃO MATE- de do Sul – UFRGS, 240 p.
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KNIJNIK, G. 2001. Educação matemáti- ... Caxias do Sul, 28 a 30 de abril. educação. Belo Horizonte, Autêntica,
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cimento. Bolema – Boletim de Edu- R. 2002. Educação do campo: identi- WALKERDINE, V. 1995. O raciocínio em
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KNIJNIK, G. e WANDERER, F. 2006. dos e construção de conceitos na rela- Routledge, 230 p.

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