filiação e conhecendo os efeitos
I – Identificação
1. Nome : Projeto Reconhecimento de Paternidade : mapeando a demanda, garantindo
o direito à filiação e conhecendo os efeitos
2. Órgãos Responsáveis
4ª Promotoria da Infância e da Juventude da Comarca de Mogi Guaçu
Revivescer – Grupo de Apoio à Adoção e à Família de Mogi Guaçu
3. Parceria : Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de Mogi Guaçu
4. Elaboração Técnica : Maria Isabel Monfredini – Assistente Social Judiciário
5. Supervisão : Dra. Andréa Santos Souza – Promotora de Justiça
II Justificativa
As tonalidades contextuais da família, na atualidade, são múltiplas e foram se
configurando conforme momentos cruciais na dinâmica do processo histórico. Momentos que
marcaram etapas de evolução e superação de padrões culturais, caracterizando até certo ponto,
a mutabilidade da instituição familiar. Neste sentido, temos algumas “fases” características da
“família modelo” na sociedade, com transformações que se processaram conforme as demais
transformações ocorridas no plano social, cultural, tecnológico e jurídico. Avanços
progressistas que acabaram por alargar o escopo do entendimento do que seja família na
contemporaneidade, embora ainda seja difícil localizar a linha condutora que se encaminha na
sua exata definição. Em outras palavras, podemos observar que a multiplicidade de conceitos
e de valores que permeiam a esfera da conceituação de família apresenta dificuldades
nominais e valorativas, tornandose difícil sustentar a idéia de um modelo adequado
(Sarti,2003).
A instituição da família monogâmica definindo então a sociedade patriarcal e a noção
de paternidade, naturalizou os papéis, estabelecendo ao homem a tarefa de lidar com o mundo
externo e à mulher os cuidados com os filhos e com a casa. Na construção da dicotomia entre
o mundo do trabalho e o mundo da família, que passa a ser o mundo da esfera privada trazido
pelo padrão da revolução industrial, conceitos e códigos de conduta permeiam o conteúdo da
família idealizada e reconhecida socialmente. Ou seja, família tradicionalmente aceita e
reconhecida é aquela constituída legalmente, cuja ampliação viria pela prole numerosa de
1
filhos, tidos então como filhos legítimos. Este cenário, abre o espaço “discriminador” para os
filhos havidos fora da união reconhecida, isto é, para os filhos ilegítimos, onde a inexistência
da paternidade conflitava com o processo de convivência e por conseguinte, com o processo
de construção das relações sociais, em razão de sua origem “desqualificada”. Filhos que
viviam à margem de sua identificação paterna e de sua identidade familiar. Mães de filhos
bastardos, carregavam a sobrecarga do enfrentamento da vida pública ao violar padrões e
portanto, sem direito de “reclamar” algum tipo de assistência. Nesse sentido, a questão do pai
provedor reflete o autoritarismo paterno submetido e legitimado pela sociedade e reeditado
inclusive no âmbito jurídico, cujos filhos “ilegítimos” não eram reconhecidos em se tratando
de direitos.
A conquista da autonomia feminina na década de 1970, os avanços tecnológicos na
década de 1980 e no mesmo compasso, os avanços da legislação, especialmente nas décadas
de 1980 e 1990, ancoraram as questões afetas a família, acabando por legitimar a noção de
família remetida ao universo de afetos e de direitos. Neste sentido, ancoraram também os
avanços da paternidade responsável, isto é, a evolução para sua descoberta – exame de DNA
e responsabilidade, acabou ganhando notoriedade, transformando atitudes tradicionais de
irresponsabilidade masculina no reconhecimento da paternidade, em proteção não só para a
mulher, mas sobretudo para os filhos (Fonseca, apud Sarti,2003) .
Percorrendo o caminho da legislação, a Constituição Federal de 1988 reconhece a
família como base da sociedade e desta forma, ao Estado cabe assegurar a sua proteção. Por
entidade familiar não se reconhece apenas aquela havida no casamento, mas também a que se
forma da união estável, razão pela qual, os filhos havidos ou não do casamento possuem os
mesmos direitos. Assim, a criança/adolescente tem assegurado o direito de saber sobre sua
paternidade. Direito este, traduzido como expressão maior do direito à filiação, uma vez que o
nome traz a identidade da pessoa e portanto, direito fundamental como atributo à
personalidade humana.
Nesse contexto, o artigo 27 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069
de 13/07/1990), expressa que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros sem
qualquer restrição, observado o segredo de justiça.
2
A Lei Federal 8.560 de 29 de dezembro de 1992, regula a investigação da paternidade
dos filhos havidos fora do casamento 1 e finalmente a Lei 10.406 que institui o Novo Código
Civil, vem reforçar esses avanços que ancoram a questão do direito a filiação paterna 2 .
Na contemporaneidade, observase que a literatura começa a produzir alguns estudos
sobre o papel da paternidade, nomeandoo como o “novo pai”. Quem é então esse novo pai? É
o homem que exerce cuidados com os filhos, uma vez que a noção de cuidado em relação ao
homem não está privilegiada na constituição de seu papel na sociedade, inclusive em relação
aos cuidados com ele mesmo (Lyra et all, 2003). Segundo os autores, o processo de mudança
destes paradigmas iniciou trazendo a transformação no campo dos direitos e das instituições,
na unidade do trabalho doméstico e no cuidado para com as crianças. Esta ultima significa a
possibilidade de quebra da dicotomia entre paiprovedorprotetor que em se concretizando,
traria uma mudança revolucionária na história da humanidade, quando o eixo do cuidado com
os filhos começaria a fazer parte da subjetividade masculina, trazendo vantagens para as
crianças com o perfil da “nova paternidade”. (...) “Não que haja uma inversão de papéis ou
que o pai se transforme em uma outra mãe; tratase de um homempai que estabelece relações
mais complexas, estreitas e mais reais com os (as) filhos (as), que deseja e encontra grande
satisfação com isso” (Lyra et all, 2003:89). Diferente de uma obrigação, os autores pensam a
paternidade como algo pertencente à órbita do desejo e da responsabilidade.
Em que pese às transformações que a família vem apresentando, configurando o “novo
pai”, nos encontramos na fase de processamento dessas transformações, uma vez que ainda
temos que falar sobre a ausência do reconhecimento da paternidade nos dias atuais. Por mais
que os avanços se façam sentir, filhos gerados “acidentalmente” continuam sendo expressões
que denunciam certo constrangimento para a o indivíduo e para a sociedade, visto a herança
cultural e social de modelo de família ideal que carregamos.
1
Em seu artigo 2º define que em registro de nascimento apenas com maternidade estabelecida, o oficial remeterá
ao juiz certidão integral do registro e, o nome e prenome, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser
averiguada oficiosamente a procedência da alegação.
2
Lei nº 10.406 de 10/01/2002 – publicado no DOU em 11.01.2002
Artigo 16 – “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”
Artigo 1596 – da filiação idêntico ao artigo 226 da Constituição Federal de 1988 “Os filhos, havidos ou não da
relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação”
Artigo 1607 do reconhecimento dos filhos – “o filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais,
conjunta ou separadamente”
Artigo 1609 “o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I – no registro de
nascimento; II por escritura pública ou escrito particular a ser arquivado no cartório; III por testamento, ainda
que incidentalmente manifestado; IV por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido objeto único e principal ao ato que o contém”
3
Chamar atenção para este fato, pode parecer a primeira vista, uma conseqüência
natural trazida pela modernidade e pela evolução da família em suas multifacetadas funções
essenciais, contudo, não podemos relegar este aspecto, tendo em vista sua importância para a
constituição psíquica e social da identidade e da origem do indivíduo. Somos identificados
pela nossa origem e o padrão desta identificação, em nossa sociedade, é a existência do
reconhecimento das figuras materna e paterna. No entanto, quando há a ausência de uma
dessas figuras, a origem já se apresenta diferenciada e a depender da matriz sóciocultural que
deu forma às experiências, a ausência do pai pode impedir a obtenção de respostas às
demandas filiais na transição para a idade adulta, podendo inclusive, desembocar na
experimentação de novos ou diferentes estilos de comportamento e de relacionamento não só
com o outro sexo, mas também com as gerações antecedentes e subsequentes, abrindo alguns
espaços tanto para a inovação como para a inadequação de soluções presentes no repertório da
tradição familiar (Coleta,1999)
Este descompasso entre o relativo progresso das leis, especialmente em relação à
proteção integral da criança e do adolescente cuja direção oferecida também se faz no sentido
da diminuição/redução dos riscos sociais e a naturalização da cultura, continuam a deixar
marcas, que somente a instituição de mecanismos legais regulatórios não conseguem apagar
imediatamente. Portanto, é um processo de mudança de cultura a ser construído na dinâmica
da realidade e incorporado pelo imaginário social coletivo, que busca promover uma ação de
ruptura entre o “novo e o velho”, já que no sistema familiar cada um tem um papel a
desempenhar, traduzindo em funções que, normalmente, tornamse o roteiro de vida da
pessoa.
Nesse sentido, como será então o papel do filho sem a paternidade registrada e o papel
do pai ausente, na representação desta figura para o contexto da família, embora ela funcione
sem ele? Falar de ausência de reconhecimento da paternidade como um fato social e
conceitualo como uma categoria social, tem o mesmo significado para aqueles que nasceram
e se desenvolveram em um contexto familiar constituído pelo modelo de família ideal? Como
então se reconfigura o papel do pai com o reconhecimento tardio da paternidade no sistema
familiar? Quantos pais desnecessários existem? Respostas que ainda estamos a depender de
estudos, em face da precariedade de dados teóricos e empíricos existentes na literatura e,
tendo em vista a representatividade e a relevância do tema, é que se propõe com o presente
projeto, uma relativa aproximação de algumas respostas para estes questionamentos como
objeto da investigação, cuja fonte primária de coleta de dados se faz pelas as ações de
4
reconhecimento de paternidade instauradas na Promotoria da Infância e da Juventude de Mogi
Guaçu.
III – Objetivos
Objetivo Geral
Assegurar e garantir o direito fundamental de filiação paterna da criança e do
adolescente, favorecendo o acesso ao serviço público.
Objetivos Específicos
Conhecer o número de crianças e de adolescentes que estão sem o devido
reconhecimento da paternidade na certidão de nascimento, quantificando as ações efetivas
direcionadas neste sentido e seus resultados;
Instaurar e identificar inquéritos e seus desdobramentos em relação: as ações de
investigação de paternidade, ao reconhecimento da paternidade, as adoções unilaterais, ao
reconhecimento espontâneo e a recusa da identificação do suposto do pai;
Extrair amostra representativa do universo para realizar estudo de caso.
IV Público Alvo e População Abrangida
Crianças e Adolescentes matriculadas na rede pública de ensino e crianças recém
nascidas registradas somente com o nome da mãe.
V Estratégia de Execução
Tendo em vista que inúmeras crianças e adolescentes encontramse com os direitos
violados em relação ao reconhecimento da paternidade, a 4ª Promotoria da Infância e da
Juventude de Mogi Guaçu tomou a iniciativa de assegurar o cumprimento da legislação
vigente e para tanto, notificou as escolas da rede pública de ensino solicitando informações
sobre crianças e adolescentes matriculados, cuja paternidade ou maternidade não esteja
reconhecida na certidão de nascimento.
Mediante a identificação da criança e do adolescente, as genitoras são convocadas para
oitiva na Promotoria, oportunidade em que fornecem a identidade e o endereço dos supostos
pais das crianças. Esses, então, são também notificados para oitiva perante a Promotora de
Justiça, para cumprimento de sua responsabilidade em relação aos filhos.
5
Quando há o reconhecimento espontâneo, caso o genitor não tenha condições de arcar
com os custos da averbação, é requisitada a expedição de mandado de judicial para o ato; caso
seja possível, concedese prazo para o genitor apresentar à Promotoria de Justiça cópia da
certidão de nascimento com o reconhecimento averbado.
Na hipótese de não reconhecimento espontâneo, a genitora é encaminhada à OAB para
a propositura da ação de investigação da paternidade.
Num grande número de casos, existe interesse do atual companheiro ou marido da
genitora em adotar unilateralmente a criança ou o adolescente, que reconhece no novo
companheiro a figura paterna. Nessas hipóteses, o interessado também é encaminhado à OAB
para a formalização do pedido de adoção.
Cada inquérito civil agrupa por volta de cinco crianças e/ou adolescentes e o
arquivamento se processa quando a situação do grupo se regularizou. Após o que, é possível
dar início à fase de coleta e tabulação dos dados, possibilitando desta forma o mapeamento e a
quantificação das ações.
Em observância à Lei Federal 8.560/92, o oficial do cartório de registro civil, informa
trimestralmente os registros de nascidos apenas com a maternidade estabelecida havidos no
período. Tal conduta completa o círculo, pois num futuro próximo, esta ação desencadeada
através das informações da rede pública de ensino será amenizada, visto que parcela
significativa das crianças nascidas no município sem a paternidade registrada está sendo
paulatinamente observada e devidamente encaminhada para que seja assegurado seu direito à
filiação paterna.
A Promotoria da Infância propôs uma parceira com o Grupo de Apoio à Adoção e à
Família Revivescer, uma vez que as ações foram se avolumando, somado a necessidade de
organizálas estatisticamente para que fosse possível mapear e conhecer a demanda, bem
como, para acompanhar os efeitos desta proposta, no sentido de se conhecer quantos
reconhecimentos ou adoções unilaterais se efetivaram.
Embora as fases sejam concomitantes e podem ocorrer ao mesmo tempo,
sinteticamente o fluxograma da operacionalização, pode ser descrito da seguinte maneira:
Fase 1
Notificação às escolas Resposta das escolas Formalização da
Representação por escola Instauração de inquéritos para um grupo de 5
crianças e/ou adolescentes
6
Fase 2
Elaboração de cronograma de atendimentos/mães Notificação de
comparecimento às mães Oitivas nas Escolas
Oitivas na Promotoria
Promotora e Equipe (estagiários e oficiais de promotoria)
Fase 3
Cronograma/agendamentos de atendimento aos supostos pais
Notificação de comparecimento Oitivas individuais pela Promotora
Investigação de paternidade
Reconhecimento espontâneo
Adoção Unilateral
Fase 4
Arquivamento dos IC´s e Tabulação dos dados nos IC´s arquivados – Equipe de
Estagiários (Estudantes do Curso de Direito e de Serviço Social)
VI Recursos
6.1. Humanos
01 Promotora da Infância e da Juventude
01 Assistente Social Judiciário
03 Oficial de Promotoria
04 Estagiários (2 de direito e 2 de serviço social)
6.2. Financeiros
Grupo de Apoio à Adoção e à Família Revivescer, com verbas provenientes do
Fundo Municipal da Criança e do Adolescente de Mogi Guaçu, mediante inscrição e
aprovação do projeto pelo CMDCA, a fim de subsidiar uma ajuda de custo para o transporte e
para a alimentação dos estagiários. No ano de 2005 foi gasto um valor aproximado de R$
900,00 (novecentos reais).
7
VII – Resultados Parciais
Em 68 escolas na cidade de Mogi Guaçu, no ano letivo de 2004, aproximadamente
26.676 alunos estavam matriculados na rede pública municipal e estadual de ensino
fundamental e médio. Destes, 1.988 (8.05%) 3 não possuíam a paternidade registrada,
traduzindo um contingente populacional expressivo, conforme quadro demonstrativo abaixo:
Do universo constatado, 15% dos casos já estavam com ação de investigação de
paternidade em curso. Para os casos restantes, o Ministério Público instaurou os respectivos
inquéritos. Desta forma, foi retirada uma amostra de 75 inquéritos já arquivados, o que
significa que as pessoas envolvidas já foram ouvidas e deram prosseguimento no
encaminhamento necessário, visando o reconhecimento da paternidade na certidão de
nascimento. Nestes inquéritos arquivados temos um contingente de 155 crianças e
adolescentes, ou seja, uma amostra de 9.16% do universo de 1.691.
7.1. Quanto à faixa etária
A faixa etária de interesse é de 7 a 17 anos de idade, representando 92.90%, no
entanto, observase que 7.10% estão situados nas faixas entre 1 a 5 anos idade, que são os
irmãos daqueles que foram identificados pelas escolas. Assim, já é possível mensurar um
efeito social de tal ação, na medida em que favoreceu o reconhecimento da paternidade de
crianças que não estariam, pelo menos nesse primeiro momento, sendo objeto direto desta
iniciativa.
O total de adolescentes perfaz 51.63%, porém, as faixas mais representativas são as de
12 e 13 anos (26.46%) e de 8 e 9 anos de idade (21.93%). Crianças na faixa entre 6 a 11 anos
representam 41.28%.
8
7.2. Em relação às mães
a) A maioria significativa das mães (91.16%), possui filiação completa em seu registro de
nascimento. Embora tal fato não signifique necessariamente que contaram com a presença da figura
paterna em seu desenvolvimento, este indicador pode gerar um corte de estudo específico,
cuja suposição se encaminha no sentido do histórico familiar, ou seja, o fenômeno não se
apresenta recorrente entre uma geração e outra, já que parte significativa destas mães, teve
filiação materna e paterna registrada;
b) A maioria tem apenas um filho sem o reconhecimento paterno, perfazendo 93.20%,
sendo o restante distribuído entre dois (4.76%), três (1.36%) e quatro filhos sem registro
(0.68%);
c) Foi possível constatar que 47% das mães que mencionaram a condição de vida,
praticamente a metade vive com um companheiro, enquanto que a outra metade vive sozinha.
Todavia, este é um dado importante, especialmente em razão da possibilidade de uma adoção
unilateral, sobretudo se considerarmos que a condição de vida pode ser uma variável
interveniente, cabendo inclusive explorações focalizadas, como por exemplo, proposições no
sentido da existência de um companheiro ser fator de estímulo ou de recusa para o ingresso da
ação de reconhecimento da paternidade 4 .
7.2.1. Desejo do Reconhecimento
Ao verificarmos o desejo do reconhecimento pelas genitoras, temos 30% que não
desejam, para 40.13% com desejo positivo, mas por outro lado, há 29.26% de dados ocultos
neste sentido. As mães que não desejam dar prosseguimento com o reconhecimento da
paternidade, atribuem justificativas que se voltam para:
3
Segundo a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, aproximadamente 8% dos estudantes matriculados
no ensino fundamental estão registrados somente no nome da mãe. Fonte – Anuário 2005 da ARPENSP.
4
Nas oitivas das mães, não foi contemplada a condição de vida conjugal, talvez por não se apresentar em
condição de relevância para o objeto da ação na época, antes de se prever a possibilidade de tabulação de alguns
dados. Foi identificado um grupo de cinco crianças e adolescentes cujos pais ainda vivem juntos, culminando
então, em reconhecimento espontâneo e imediato. Este critério foi observado apenas quando havia menção
espontânea no depoimento, desta forma, 53% das mães ouvidas não fazem nenhuma referência quanto à situação
atual em relação à união conjugal.
9
Ø Relacionamento passageiro e casual
Ø Gravidez procedente de um único encontro
Ø Falecimento do pai antes do nascimento
Ø Incerteza/dúvida do pai quanto à paternidade atribuída
Ø Pai casado
Ø Término do relacionamento
Ø Cuidou do filho com o apoio da família
Ø Pai alcoólatra
Ø Não tem notícias do paradeiro do pai 5
7.2.2. Dificuldades enfrentadas pela ausência do registro da paternidade
As mães que não encontraram dificuldades, são as mesmas que avaliam que o
reconhecimento da paternidade não trará nenhum benefício para o(s) filho(s), na medida em
que afirmam que tal ação só iria alterar o nome, que vai confundir a criança, ou então que os
demais membros da família compensam essa suposta falta. Mesmo assim, implicitamente no
discurso reconhecem a ausência da paternidade com uma lacuna, porém não reconhecem que
este direito é do filho. Essas mesmas mães afirmam que não buscariam o reconhecimento
espontaneamente, alegando algumas que desconhecem a localização do pai. 6
As demais atribuíram duas ordens de fatores mais importantes em relação às
dificuldades que enfrentaram e enfrentam com a ausência da paternidade, quais sejam :
Explicar ao filho a recusa do pai em registrálo, e
Se justificar perante a escola
7.2.3. Benefícios do reconhecimento da paternidade para os filhos
Ø Poderá ter pensão alimentícia
Ø Criança não será discriminada
5
Foi constatado um caso de mãe solteira adotiva e um caso de incesto nesta amostra. Como o serviço social não
contribuiu na fase de elaboração do instrumental de coleta de dados e tendo em vista aspectos importantes que
poderiam ser considerados, caso se intente um estudo exploratório mais dirigido para correlacionar as variáveis
intervenientes, a padronização de alguns dados essenciais nas oitivas, é indicada.
6
Esse indicativo e o próximo, teve como referência a pesquisa qualitativa realizada pelas estagiárias Virgína
Scali Sperancini e Eliane Araújo da Silva com as mães, para fundamentar a monografia de conclusão de curso da
Faculdade de Serviço Social de Aguaí no ano de 2005: “Reconhecimento de paternidade em Mogi Guaçu: uma
experiência pioneira”.
10
Ø Criança se sentirá mais pertencente e mais querida pelos irmãos que tem a
paternidade registrada
Ø É um direito assegurado ao filho
Ø É fator de melhora na autoestima
Ø Poderá ser contemplado na repartição dos bens – direito de herança
Ø Não será mais rejeitado pelos colegas
Ø Os filhos ficarão felizes
Um dado relevante se volta para o fato do entendimento de que o reconhecimento – e
neste caso não equivale dizer que haverá necessariamente aproximação e/ou o
desenvolvimento de uma paternidade ativa na convivência entre pai e filho – trará benefícios
que se estruturam em termos afetivos. Ou seja, a felicidade, a melhora da autoestima e o
sentimento de pertença na família que se compôs em outro arranjo. Outro dado interessante é
a observação da não rejeição pelos colegas, especialmente na vida escolar, por ser a fase em
que a criança começa ampliar seu mundo externo no relacionamento com mais crianças e com
as instituições, que via de regra, criterizam normas e padrões que então poderão ser
mecanismo de reforço para a discriminação , para situações vexatórias e para a rejeição.
Além disto, há o fato da necessidade de “prestar contas” para o filho quanto ao motivo
da ausência de registro da paternidade e aí sim , da ausência concreta do pai. Neste sentido e
partindo do pressuposto que a aprendizagem iniciase no grupo primário no ambiente
familiar, através da imitação e da observação e que o ser humano tem uma elaboração interna
de modelo de família onde a influência cultural é fator significativo, as respostas irão
depender do como ele vai lidar com sua história em seu processo de amadurecimento,
delimitando o enfrentamento cotidiano e o modo que irá caracterizar suas relações sociais.
7.3. Em relação ao suposto pai
Embora 92.25% dos supostos pais foram identificados, destes 7.10% são falecidos,
contudo, cabe destaque o fato de que nos depoimentos, parte considerável das mulheres
conheciam apenas o prénome ou o apelido. Para os não identificados foi observada a
proporção de 7.74%. Da amostra, temos que 19% dos pais identificados têm certeza da
paternidade e assim sendo, concretizaram o reconhecimento espontâneo, para 81% que não
tinham certeza, representando então o potencial para o ajuizamento de ação de investigação
de paternidade.
11
7.4. Adoções unilaterais
Um dado relevante é que ingressaram com ação de adoção unilateral 19 casos,
representando em cima da amostragem, um percentual de 12.25%. Tal resultado pode ser
avaliado como indicador de efeito da ação, pois, independentemente das razões individuais,
uma parcela destas crianças e adolescentes, terão a paternidade registrada pela via da adoção.
Casos que normalmente ocorrem quando a mãe vive com outra pessoa ou até mesmo uniuse
legalmente e o marido deseja assumir a paternidade, visto que na maioria das vezes, ele já
vem desempenhando esta função de fato. Portanto, a adoção virá regularizar a situação de
direito.
Para as adoções unilaterais já encaminhadas, é possível observar que tanto as crianças
quanto os adolescentes relatam sobre a importância de passar a ter o pai registrado na certidão
de nascimento, mesmo sendo pela via da adoção. Neste caso atribuem um reconhecimento
legítimo por aquele que está desempenhando o papel de pai e a concretização deste papel será
então selada pela adoção, o que contribui ainda mais para estreitar e elevar o sentimento de
carinho e afeto entre o pai e o filho. Também é possível observar pelos depoimentos, as falas
que são atribuídas a certa condição de normalidade , isto é, a partir da adoção e neste caso, da
ação concreta do registro da paternidade, eles – crianças e/ou adolescentes – não serão
diferentes de seus pares, terão um sobrenome e não sentirão vergonha. Mesmo que não
tenham passado por nenhuma exposição vexatória, ou discriminação de maneira mais
concreta, no plano afetivosimbólico se vêem em defasagem na comparação com os demais.
Adolescentes normalmente atribuem relativa manifestação de gratidão para a figura paterna
que o reconhecerá e projetam a fantasia de que não serão discriminados quando iniciarem o
processo de busca de emprego. E aí , mais uma vez é possível atribuir que a medida do
desenvolvimento, cujas fases exigem do ser humano maior contato com o mundo exterior,
mais chances portanto de ampliarem as relações sociais, o sentimento da diferença volta e
meia aflora, especialmente em situações onde se faz necessário “expor” a identificação de
origem 7 .
7
Um adolescente preferiu ser adotado pelo marido da mãe a ser reconhecido pelo pai biológico, uma vez que
mediante a revelação tardia de sua origem, passou um ano tentando estreitar a convivência com o pai biológico e
com a família deste. Não conseguiu se inserir naquele ambiente familiar se sentindo filho. Outros exemplos
dados por adolescentes se voltam para a questão da inserção no mercado de trabalho, no sentido de acharem que
perderão a vaga ao concorrerem com aqueles que possuem o registro de pai na certidão de nascimento.
12
VIII Sugestão de ação para a agilização do reconhecimento espontâneo
A grande maioria dos supostos pais ouvidos não negam o envolvimento sexual que
tiveram com a mãe da criança e/ou do adolescente que não teve sua paternidade reconhecida.
Nas oitivas realizadas na Promotoria de Justiça manifestaram sua dúvida quanto à paternidade
a eles atribuída, geralmente em razão da superficialidade do relacionamento com a genitora;
entretanto, concordam em se submeter ao exame pelo método da análise do DNA e, caso esse
seja positivo, comprometemse a providenciar o reconhecimento da paternidade da criança.
Ocorre, no entanto, que tal exame tem custo muito elevado e em apenas dois ou três
casos de todo o universo do projeto os supostos pais puderam providenciálo às suas
expensas. Nas demais hipóteses, as genitoras são encaminhadas à OAB para a indicação de
advogado para a propositura de ação de investigação de paternidade, única forma da
realização gratuita do exame.
Essa conduta atrasa em no mínimo dois anos o reconhecimento da paternidade da
criança, além de sobrecarregar o Poder Judiciário com um volume considerável de pedidos de
investigação de paternidade.
A sugestão que se apresenta, portanto, é a de um convênio a ser firmado entre o
Ministério Público do Estado de São Paulo, o IMESC e a Secretaria Estadual responsável pelo
custeio dos exames realizados, mediante determinação judicial, para que tais exames sejam
feitos sem a necessidade da propositura da ação de investigação de paternidade.
O direito à filiação será garantido em tempo bem menor e, na hipótese de recusa do
reconhecimento da paternidade, ainda que positivo o exame, terá o autor da ação prova pré
constituída, o que também agilizaria o processo judicial.
IX Considerações finais
Como resultado efetivo destes casos estudados, podemos dizer que de 155 crianças
e/ou adolescentes, 39 já contam com o registro da paternidade no curso de um ano, pela via da
paternidade biológica ou pela via da adoção, representando 25.16%.
Se amostra for projetada para o grupo detectado de 1.691 crianças e/ou adolescentes,
equivale dizer que em torno de 1.184 terão a paternidade registrada como resultado direto
desta iniciativa. Embora o objetivo seja o de atingir todos os que foram relacionados, não
podemos deixar de considerar que há casos em que a mãe não deseja prosseguir com a ação, o
13
que numa linha projetiva denuncia a possibilidade de um grau elevado de não
reconhecimento, uma vez que 30% de mães que não desejam dar prosseguimento com a ação.
Assim sendo, teríamos em torno de 500 crianças e/ou adolescentes que ficariam sem o
reconhecimento.
A amostragem extraída para o presente estudo retratou alguns indicadores de efeitos
sociais, sendo então possível afirmar que os resultados justificam e validam este instrumento
de ação, na medida inclusive que desencadeiam efeitos sociais não previstos, como por
exemplo, possibilitar que essas mães sejam agentes multiplicadores de informação entre seu
grupo; divulgar e facilitar o acesso a um serviço público prestado; difundir na comunidade as
noções dos direitos básicos de crianças e/ou adolescentes e contribuir para a edição de novos
conceitos, sobretudo para que esses pais repensem suas atitudes e assumam a tarefa inerente
de sua condição em relação aos filhos gerados. A tendência que se desponta é a de que nas
gerações futuras, a maioria significativa de crianças nascidas no município de Mogi Guaçu,
terá o registro da paternidade, já que além do levantamento realizado nas escolas o ciclo deste
processo está se fechando na informação do cartório em relação aos registros de nascimentos
efetuados apenas com o nome da mãe.
Parece que a condição socioeconômica da família define a princípio, alguns
condicionantes no enfrentamento da ausência de reconhecimento da paternidade na certidão
de nascimento. A polarização entre os níveis econômicos e sociais, pode então se traduzir em
diferentes maneiras quando é preciso encarar a ausência da paternidade e neste caso, há um
leque considerável de situações que poderiam ser identificadas, a exemplo de avós e/ou tios
assumindo a tarefa paterna, da ausência ou não de dificuldades financeiras para a criação e
educação dos filhos e manutenção da família. No entanto, tem sido observado que as famílias
muito pobres acabam por incorporar o significante da ausência paterna e mesmo porque, nos
arranjos familiares que se estruturam e se rompem com relativa facilidade, a composição dos
irmãos podem se dar com diferentes pais e o nível de aceitação e de convivência, vai definir
então a forma como cada um irá obter as respostas para as demandas filiais e os estilos de
comportamento e de relacionamento que irão sedimentar. Em que pese não existir
impedimentos para se concretizar o reconhecimento de paternidade em qualquer idade e o fato
do reconhecimento legal não determinar o tipo e tampouco a qualidade do relacionamento
entre pai e filho, a maioria desta amostra é composta de adolescentes e seria muito provável
que ingressassem na fase adulta sem este direito assegurado. E finalmente podemos observar
que a questão não é apenas de sujeito de direito, mas sujeito de desejo (Sarti,s/d), ou seja,
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compreender e dar sentido ao mundo em que se vive. Como então este jovem poderá se situar
em relação a sua família de origem como filho, como marido, como pai/mãe e o que isto
poderá implicar nesta atuação, nestes diferentes papéis que ele irá desempenhar?
Bibliografia
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