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PAIDÉIA
A Formação do Homem Grego
AIMHN TIE<l>YKE TIAL.I TIAI~EIA BPOTOIL.

Werner Jaeger

Traduç-Jo
ARTUR M. PARREIRA

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HISTORIA DA EDUCAÇAO - IFG
PROF. DAYANNA PEREIRA DOS SANTOS
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TEXTO 02

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Martins Fontes
São Paulo 2003
o original: I'AIDEIA,:D/E FORMUNG DJ::S GR/ECHISCHEN MENSCHEN.
Co,>yright © Walter de Gruytrr & Co. Berlin 1936.
Copyr1Nht © 1986, Livraria Murtin.,· Fontes Editora Ltda.,
São Paulo, para a pre.tente edição.

1• edição
maio de J9HtJ
Agraáecimento
4 1 cdlçiio
março dl' 200 I
2 1 Urngc1n
c/t> 2003
tJovcnr/:JnJ

1"rndução
A Ex.m• Sr." D." MARIA HELENA ROCHA PE-
ARTUR M. I'ARR/c"IRA REIRA, distinta Professora Catedrática da Faculdade
de Letras de Coimbra, e ao Reverendo Dr. P.e MA-
Aclaptação do texto pnro " Nllção brasileira
Monica Staht•l NUEL ANTUNES, ilustre Professor Catedrático da
Revisão do texto .:rego
Gilson Cesar Cardo.,·o dt· Souza
FacuJdade de Letras de Lisboa, deixo expresso o meu
RcviHilo gránc:n reconhecimento pela gentileza das suas sugestões e
Flora Maria de Canrpo.\· , ..,.rnandes,
Ht•nato da Rocha Car/o.r. Dirc~u A. Sca/i Junior.
bom acolhimento dispensado aos problemas que se
Morise Simões Leal e Mauricio llalthazar Leal me depararam.
Produção gráfit"ll
Gerr1hlo Alvrs
Arle-nnol O Tradutor
Moacir Kar.nulli Mut.\'11.\'aki

Dadoo; Internacionais de Cal.ltlc>gac.·iio ow l'ublkação (CIP)


(l::ãmara Bra.•ilclm elo l.ivm, SI', Brasil)
Jaeger, WcrnerWilheim, 1888-1961. -----
t_~~~i-~ _: n !.o~_aç_ão do homem grego I Werner Ja~er; trad11ção
Artur M. l'nrreira ; [adapcação do tcxlu para a edição brasileira
·MôD.iéa Stnhç_l ; revisão do texto grcgn Gilson César Cardoso de
Souzaf-:: 4:"~·- ~.ã'?.Paulo: Murtin• Forlles,200~.- (Paidéia)
Tflulo ori~inal: Pa.idCia, Die Fonnung J)cs Griechischen Menschen.
Bibliogrnlia.
··.-~-,•
ISBN 1!5-:136-1395-4 ').

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I. Civilizno;:ão grega 2. Educnçãn grcgu 3. Filosofia antiga 4.
Literatura gn•ga- História e crítica I. Tllulo. 11. Título: A formação
do homem ~u:go. ID. Série.

J-0699 CDD-938
Índices para catálelgo sisl.,mótico:
I. Civilização helênica c)JR
2. Cultura helênica '.1:11!
3. Grécia anliga: Civili.zuçàn 938

os direitos tlt•.rta edição para a lín[?WI portuguesa reservados à


Livr•U"ia Martins Ponte.v Etlitora Lida.
mselheiro Ramalho, 3301340 01325-000 São Paulo SP Brasil
Tel. ( /1) 3241.3677 Fax (1 I) 3105.6867
': info@marrinsfontes.com.br http://www.martinsfontes.com.br

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Lugar dos Gregos
na história da educação

Todo povo que atinge, um certo grau de <.k·senvolvimento


sente-se naturalmente inclinado à prática da educaÇão. Ela é o
princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e
transmite a sua peculiaridade física e espiritual. Com a mudança
das coisas, mudam os indivíduos; o tipo permanece o mesmo.
Homens e animais, na sua qualidade de seres físicos, consolidam
a sua espécie pela procriação natural. Só o Homem, porém, con-
segue conservar e propagar a sua forma de existência social e espi..:
ritual por llleio das forças pelas quais a criou, quer dizer, por
meio da vontade consciente e da razão. O seu desenvolvimento
ganha por elas um certo jogo livre de que can·ce o resto dos
seres vivos, se pusermos de parte a hipótese de transformações
pré-históricas das espécies e nos ativermos ao mundo ela expe-
riência dada.
Uma educação consciente pode até mudar a natureza física
do Homem e suas qualidades, elevando-lhe a capacidade a um
nível superior. Mas o espírito humano.conduz progressivamente à
descoberta desi_próprio e cria, pelo conhecimento do mundo ex-
terior e interior, formas melhores de existência humana. A natu-
reza do Homem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual, cria
condições especiais para a manutenção e transmissão da sua forma
particular e exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto
das quais damos o nome de educação. Na educação, como o Ho-
mem a pratica, atua a mesma força vital, criadora e plástica, que
espontaneamente impele todas as espécies vivas ~t conservação e
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tj LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
INTRODUÇÃO
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lênios; ~as também entre os Romanos a estabilidade das relações
propagac,.io do seu tipo. (( nela, porém, que essa força atinge o
sociais e políticas foi considerada como o valor mais alto e apenas
mais ali<> grau de inlensidade, através do esforço consciente
se concedeu justiftcação limitada aos anseios e ideais inovadores.
do conhc·cimento e da vo11tade, dirigida para a consecução de O Helenismo ocupa uma posição singular. A Grécia repre-
Llm fim.
senta, em face dos grandes povos do Oriente, um "progresso"
Dc:nvam daqui algumas considerações gerais.
fundamental, um novo "estádio" em tudo o que se refere à vida
An1es de tudo, a educação não é uma propriedade indivi- dos homens na comunidade. Esta fundamenta-se em princípios
:lual, mas pertence por essf.ncia à comunidade. O caráter da co-
completamente novos. Por mais elevadas que julguemos as reali-
zações artísticas, religiosas e políticas dos povos anteriore~, a his-
munidade imprime-se em cada um dos seus membros e é no ho-
mem, Ç<,)OV 7tOÂ.t'tlKÓU, muito mais que nos animais, fonte de
tória daquilo a que podemos com plena consciência chamar cul-
toda açiio e de todo comportamento. Em nenhuma parte o influ-
Ko da comunidade nos seus 1nembros tem maior força que no es- tura só cmneça com os Gregos. · .
A investigação m,oderna no século passado abriu imensa-
forço constante de educar, em conformidade com o seu próprio mente o horizonte da }-listória. A oikoumene dos Gregos e Roma~
;entir, cada nova geração. A estrutura de toda a sociedade assenta nos "Clássicos", que durante dois mil anos coincidiu co~ os l~mi­
11as leis e normas escritas e não escritas que a unem e unem os tes do inund9, foi rasgada em todo~. os ~entidos do espaço e pe~
;eus membros. Toda educação é assim o resultado da consciência rante () nosso olhar surgiram mundos espirituais até então insus~
V'iva de uma norma que rege uma comunidade humana, quer peitados'. Reconhecemos hoje, todavia, com i ma~or:clareza,'qtie
;e trate da família, de uma classe ou de uma profissão, quer se tal arripliaÇãô dó nosso campo visual em nadá mudou este fato: à
:rate de um agregado mais vasto, como um grupo étnico ou nossa históri~ ·-:- na sU:a mais profunda unidade -, a.Ssim q~e deixa
os limites de uin povo particular e nos inscreve como rrieinbro~
~m Estado. ·
A educação participa na vida e no cresdmento'da sociedade; nuin vasto círculo de povos, ''começa" com a apal:ição dos. Gre-
:anto nó~ seu destino exterior como na stia'iestruturação interna e gos. Foi pbr esta· razão que a essé grupo de povos dei a: designação
:lesenvolviín.ento espiritual; e, uma vez que I> desenvolvimento de helenocê.nrrico 1 • "Começo" não quer dizer aqui início tempo-
;ocial• depende da consciência dos valores que. regem a vida hu'- ral apenas, mas a"inda á.pxi'\, origem ou fonte espiritual, a que
nana, á história da educação está essencial.mentecondicionada sempre, seja qual' for o grau de desenvolvimento, ·se tem de re-
'ela transformação do~ ·valores válidos para cada sociedade. À gressar pà'ra: encontrar orientação. É este o motivo por que, no de-
!stabilidade das norni.as válidas corresponde a solidez··dos·funêla- curso da nossa história, voltamos constantemente à Grécia. Ora,
nentos da educação. Da dissoluÇão e destruição da.S normas este retomo à Grécia, esta espontânea renovação da sua influênCia,
Ldvém a debilidade, a falta de ·segutança e ·até a impossibilidade não significa que lhe tenhamos conferido, pela sua grandeza espi-
a
Lbsoluta de qualquer ação educativa'.' Acontece isto quáhdo tra~ ritual, uma autoridade imutável, fixa e independente do nosso
lição é violentamente destruída ou sofre decadêhda',ínterna. Sem destino. O fundamento do nosso regresso reside nas nossas pró-
lúvida, a estabilidade não é indíCio seguro de saúde, porque reina prias necessidades vitais, por mais variadas que elas sejam- através
ambém nos estados de rigidez sénil, 'nos ·momentos' finais de da Histó~ia. É claro que, para nós e para cada um dos povos deste
uria culnH-a: assim sucede na China confucioriista pré-revolucio- círculo, a: Grécia e Roma aparecem como algo de radicalmente
lária, nos últimos tempos da Antiguidade, nos derradeiros dias
lo Judaísmo, em certos períodos da história das Igrejas, da arte e
1. Ver o meu ensaio introdutório na coleção Aitertum rmd Gegenwart, 2~ ed.,
las escolas científicas. É monstruosa a impressão gerada pela fixi-
lez quase intemporal da história do antigo Egito, através de mi- p: 11, Leipzig, 1920.

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INTRODUÇÃO LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

estranho. Esta s~paração funda-se em parte no sangue e no senti- crescer na unidade de sentido que tal destiho lhe assliíáfâ,---l1em
mento, em parte na estrutura do espírito e das instituições, e ain- isso importa pará o objeto do nosso estudo.

I
da na diferença da respectiva situação histórica; mas entre esta se- . ,._.,..,",_ Não ·é possível descrever' em poucas palavras a pos1çao
paração·e a que sentimos ante os povos orientais, distintos de nós . revolucionadora· é solidária da Grécia na· hist6ria. da educa:Ção;-hti-
',) mana. O -objeto deste livro -é apresentar a· fortnação do homem
.
pela raça e pelo espírito, a diferença é gigantesca. E é, sem .
.
dúvida, errôneo e falho de perspectiva histórica separar da Anti-
i,,k" y grego, a pdidéia, no seu cà.iáter particular e no seu. desenvolvi-
guidade clássica os povos ocidentais, como alguns escritores fa- lf
~
/ mento hist6riC6. NãO se trata de um
conjunto de idéias abstrata.S,
zem, por uma barreira comparável à que nos separa da China, da I tÍia.S- da pr6pria hÍst§ria da Gréc1a na reahdà,ae concreta d~ seu
Índia ou do Egito.
1!·-
r Clestino .Y:ital. Contudo, essa hist6ri;-·:~IVICrã Ja, ter.i:ãcl'es'ãparecido
Não se trata só de um sentimento de parentesco racial; por i: _..,...\~-1'ifiorigo tempo se o 'homf!m grego não a tivesse criado na sua for-
maior que seja a importância deste fatcú· para a compreensão íriti- ;\ ma perene. Criou-se corno expressão da altíssima vontade com
mi 'de outro' povo.· Ao dizermos que a nossa história começa na ' que thlhou o seu destino. Nos estádios primitivos do Seu éresci-
Gr!éÇi~, precisamos àdquirir uma consciência clara do senrid.o que
nesté 'ca.So damos ·à phla.vni. "história';. História s.ignifica, por
~xe!f?.plo, a expl<}~~ã() de mundos es~r~rihos, sit;Ig~are~ e mis~~­
.• ~-­
:.1:
,
:' mento, não teve a idéia data dessa vontade; mas, à ~edida que
- avariça:vano seu caminho, ia-se. gravando na sua consciência, com
clarezà cada vez inaior, a finalidade sempre presente em que a sua
riosôs. J.\.ssim ·a. cõíiêebeu He.éôdoto. Também hoje, c;om aguda vida assentava: a formação de um elevado tipo de Homem. A
percepção da ~rriorfólbgia da vida humana em todas ~as suasfor- idéia de educaçãõr"epresentava p~ _~e_f.e o :Sfn_tla§'_-:Q_~~'i:Pd.Q_ <> c::__s_for: ...
m~ .• ó,6s nos aproximamos dos pov'os mais remotos eprocurafnos _ ço hum~o~ Eq1. a JUStÍhc-;Çãõ-óid~a da comunidade e individua-
pep~-~i~ no sel1 f!SJ?Íf~~o próprio. Mas é preciso disti~guir a histó- 1
, "''idade humanas. O conhecimento próprio, a inteligência clara do
ria .ç.esté sentido q~e antropológico da história que 'se funda- Grego encontravam-se no topo do seu desenvolvimento. Não há
menta. p~a ilnião espiritual viva e ativa e na comuni_dade de um quaiquer razão para pensarmosque os entenderíamos melhor por
destill:b,, quer seja o do próprio povo, quer o..de um grupo de po- algum gênero de consideração psicológica, histórica ou social.
vos estre.ltame[).te.unidos. Só nesta espécie de história se tem uma Mesmo os imponentes monumentos da Grécia arcaica são perfei-
ínr~a f;qmpreensão é contato criador entre uns e outros. Só neia tamente inteligíveis a esta luz, pois foram criados no mesmo es-
existe w.;pa comunidade de ideais e de formas sociais e espirituais pírito. E. foi sob a forma de paidéia, de "cul cura", que os Gregos
que se desenvolvem e crescem independentes das múltiplas inter- consideraram a totalidade- da sua obra criadora em relação aos ou-
rupções ~ _mudapças através das quais varia, se cruza, choca, desa- tros povos da Antiguidade de que foram herdeiros. Augusto con-
parece e .~e renova l.una família de povos diversos na raça e na cebeu a missão do Império Romano em função da idéia da cultu-
genc;!alogia. Essa comunidade existe na totalidade dos povos oci- ra grega. Sem a concepção grega da cultura não teria existido a
dentais e -~ntre estes e a Antiguidade clássica. Se considerarmos a "Antiguidade" como unidade histórica, nem o "mundo da cultu-
Hi~t1Ól'ia-qeste sentido profundo, no sentido de uma comunidade ra" ocidental.
radical, não poderemos supor-lhe como cenário o planeta inteiro Hoj'ê estamos habituados a usar a palavra cultura não no
e, por mais que alarguemos os nossos horizontes geográficos, as sentido de um ideal próprio da humanidade herdeira da G réeia,
fronteiras da "nossa" história jamais poderão ultrapassar a anti- mas antes numa acepção bem tnais con1um, que a estende a to-
guidade daqueles que há vários milênios traçaram o nosso desti- dos os povos da Terra, incluindo os primitivos. Entendemos as-
no. Não é possível dizer até quando a Humanidade continuará a sim por cultura a totalidade das manifestações e formas de vida
-~
que caracterizam um povo). A palavra converteu-se num simples
conceic<> antropológico descritivo. Já não significa um alto con-
ceito ck valor, um ideal consciente. Com este vago sentimento
INTRODUÇÃO
' LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO.

têntico sentido e do seu valor originário. O conhecimento do fe-


nômeno original pressupõe uma estrutura espiritual análoga à dos
Gregos, atitude semelhante. à que Goethe adota na consideração
9

analógico, nos é permitido falar de uma ·cultura chinesa, hindu, da natureza·- ainda que provavelmente sem se vincular a w;na
babilônica, hebraica ou egípcia, embora nenhum destes povos te,.. tradição histórica direta. Precisamente num mom~nto histórico
nha uma. palavra ou conceito que a designe de modo consciente. em que, pela própria razão do seu caráter epigonal:;'~·vidahuma­
É evidente que qualquer povo altamente organizado tem um sis- na se encolheu na rigidez da sua carapaça, em que o·:complicado
tema educativo. Mas a "Lei e os Profetas" dos Hebreus, o sistem,a mecanismo da cultura se tornou hostil às virtudes herÓicas do
confucionistà dos Chineses, o "dharma" hindu são, na .sUa. essên- Homem, é preciso, por profunda necessidade histórica, voltar os
cia e na sua estrutura espiritual, algo fundamentalmente distinto olhos para as fontes de onde brota o impulso" cri~or do nosso
doideal grego de formação humana. o costume de faiarde uma povo, penetrar nas camadas profundas do ser histór:ico em que o
multiplicidade de culturas pré-helêpicas tem a sua origem, em espírito grego, estreitamente vinculado ao nosso, deu forma à
última análise, n~ ara igualitário do positivismo, que trata as coi- vida palpitante que ainda em nossos dias se mantém, e eterruzou
sas· alheias mediante conceitos de ráiz européia,. sem leyar em o instante criador da sua irrupção. O mundo grego não é só o es- -
consideração que o simples fato de submeter os mundos alheios a pelho onde se reflete o ~l:!!ldQ.~_2_derl}.Q..._t}.ª-.Âua di~nsãe cnlrural
um sistema de ·conceitos que lhes é ~ssenciaini~nte inadequado é e htst6rica ou um símbolo da sua autoconsciência racional. O
já uina falsificação histÓricà. Nela radica o círculo vicioso em que' -mistério e deslumbrameÕtÕ.. c)ríg.ínáiíO cerca a primeira criação de
se (lebáce a quase totaiidade.do :peiisá.niciiitó-h!st6rico. 'Não é J?bs~ llJ:
seduções e estímulos em eterna renovação. Quanto maior é o pe-
sí~el'e.vitá-lo corripletain~nte, porque nãO é possí{i.er sair da/nossa rigo de até o mais elevado bem se degradar no uso diário, com
pr6~tí~ pele. Ma5 é necessário faZê-lo, pelo ·ri:ienos no problema tanto ~maior vigor sobressai o profundo valor das forças conscien-
. fundami:!nt~ d~ divisão -da :1-Iistória, começàD.do pela dist!.rição tes do espírito que se destacaram na obscuridade do coração hu-
primada! entre o inundo pré.:.helêri.íco e o ·que se ln:lda c:om os mano e estruturaram, no frescor matinal e com o gênio criador
Gregos, o qual estabelece peia primeira vezde modo consciei:Ú:e dos ~y~s j~ens, ~_!!l.Jlis..alt~J?C.~~--~~-C.l:l~~-
um ideal de cultura como priricípió--formativo.
Talvez não tenhamos ganhado grande coisa em afir:mar que
os Greg6s foram os criadO:res. da: idéia de cultu'ra, riu~ teirit>o
·· ··· ·
·*i'
...-----::'--Dissemos qúe a importância universal dos Gregos· como)
educad.lares_ d~a sua nova concepç~_do~ do indivíduo
~Qc;;i~, come~templamos o povo grego sobré
cansado de cultura e em que se pode considerar como sobrecarga o fundo histórico do antigo Oriente, a diferença é tão profunda
essa p~.~::::nidade. Mas o que hoje denofuinamos cultura nãÔ passa que os :Gregos parecem fundir-se numa unidade com o mundo
de um produto deteriorado, derradeira metamorfose. do c.onceito europeu dos tempos modernos. E isto chega. ao ponto de poder-
grego· originário. A paidéia riãó:-é, 'pa:f'à·,os -Grêgos, u.ih •''!àSp!_C~-0 mos sem dificuldade interpretá-los na linha da liberdade do indi-
· exteriot da vidiL,, ·K<X't<XO'KE'U'í'l 'tOi)''~ÍO't)',' :incompreensível, fluí- vidualismo moderno. Efetivamente, não pode haver contraste
do e anárquico. Tanto mais conveniente se torna, por isso, ilumi- mais agudo que o existente entre a consciência individuai do ho-
nar a sua verdadeira forma a fim de nos assegurarmos do seu au- mem de hoje e o estilo de vida do Oriente pré-helênico, tal como
ele se manifesta na sombria majestade das Pirâmides, nos túmu-
los dos reis e na monumentalidade das construções o~ientais. Em
2. Para o que se segue, ver o meu trabalho Platos Stelirmg im Arifbau der
'-criechischen Bildtmg (Berlim, 1928), especialmente a primeira parre: Ktilturidee rmd contraste com a exaltação oriental dos homens-deuses, solitários,
Griechentum, pp. 7 ss. (Die Antike, vol. 4, p. 1). acima de tOda a medida natural, onde se expressa uma concepçãO

f~ ·.1
~·.

lO INTRODUÇÃO LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO li

metafísica que nos é totalmente estranha; em contraste com a ~·~ cei!o de natureza, elaboiado por eles em primeim mão, tem·indubi-
i.iI':
.·.
opFessão das massas, sem a qual não seria concebível a exaltação tável origem na sua constituição espiritual. Muito antes deu es-
a
dos soberanos e sua significação religiosa, o início da história pírito grego ter delineado essa idéia; eles já consideravarn'as coi-
grega surge como princípio de uma valoração nova do Homem, a · sas do .murido numa perspectiva tal que ne"nhum:a dela:S Jhes apa-
qual não se afasta muito das idéias difundidas pelo Cristianismo recia como parte isolada dO' resto; tnas sempré'como't'l.rtl:'todo or-
sobre ·o valor infinito de cada alma humana nem do ideal de auto- denado em conexão viva, ria e pela qual ttido ganhava pos'ição e
nomia espiritual que desde o Renascimento se reclamou para sentido. Chamamos orgânica a esta concepção, porque riela rodas
cada indivíduo. E teria sido possível a aspiração do indivíduo ao as partes· são ·consideradas membros de um todo. A tendência do
valor máximo que os tempos modernos lhe reconhecem, sem o espírito grego para a clara apreensão das leis do r~, tendência
sentimento grego da dignidade htimana?
patente ·em todas as· esferas· da· vida - pensamento, linguagem,
É historicamente indiscutível que foi a partir do momento
em .que os Gregos situaram o problema da individualidade no ci-
ação e todas as forina:s de arte ~. tadica.:.se nesta concepção do ser
•11' como estrutura natutal, amadureC.i.da, originária e orgâniCa. .
mo do seu desenvolvimento filosófico que principiou a história da ''
. '

O estilo e a visão artística dos Gregos surgem, êm primeiro


personalidàde européia. Roma e o Cristianismo agiram sobre ela.
E da intersecção desses fatores brotou o fenômeno do eu individuali- ;,.
,.
. ~1~{;
lugar, como talénto estético. Asséntàm num .instinto e núm sim-
ples· ato de visão, não na deliberada rrn:nsferência de uma idéia
zado. Mas não podemos entender de modo radical e preciso a po-
sição,P.o espírito grego na história da formação dos homens, se to-
marmos um ponto de vista moderno. Vale mais partir da consti-
1
1r
.·~.·~~·
para o reino c::b criaçi;io artística. A. idealização da arce só mais tar-
de aparece, no período clássico. É claro que não basta insistir nes-
tuição rácica do espíiito grego. A vivacidade espontânea, a sutil ta dispo~ição natural e na inconsciência desta intuição para expli-
mobilidade, a íntima liberdade (que parecem ter sido as con- cara razão por que aparecem os mesmos fenômenos na liÚ:mtura,
diçõe.s ~o rápido desabrochar daquele povo na inesgotável riqueza cujas criações não ·dependem já da visão dos olhos, mas da
de fornias que nos surpreende e espanta ao C.Ç>ntato com os esari- inte~çãÜ do sentido da linguagem e das emoções da alma. Até
tores gregos de todos os tempos, dos mais primitivos aos mais na oratória grega el'lcontramos os mesmos princípios formais que
modern~s) ·não têm. as suas raízes no cultivo da subjetividade, vemos. na escultura ou na arquitetura. Referimo-nos ao caráter
como :atualmente acontece; pertencem à sua natureza. E quando plástico ou arquitetônico de um poema ou de uma obra em pro-
esse povo atinge a consciência de si próprio descobre, pelo cami- sa. Ao falarmos assim, não .estamos pensando em valores fc >r mais
nho do e,spírito, as leis e normas objetivas cujo conhecimento dá imitadqs das artes plásticas, mas antes em normas análogas da
ao pensamento e à ação uma segurança antes desconhecida. Do linguagem humana e da sua estrutura. Empregamos estas metá-
ponto.de;vista·oriental, é impossível compreender como os artis- foras apenas porque a articulação dos valores nas artes plá..c;t icas é
tas gregoa,<:onsegtiiram representar o corpo humano, livre e mais intuitiva e por isso mais rapidamente apreendida. As li>rmas
deseontcaído, fundados, não na imi cação de movimentos e acicu.,. literárias dos Gregos surgem organicamente, na sua multíplice
des individuais escolhidas ao acaso, mas sim na intuição das leis variedade e elaborada estrutura, dás formas naturais e ingênuas
que governam ·a estrutura, o equilíbrio e o movimento do corpo. pelas quais o Homem exprime a s~a vida, elevando-se daí;, esfe-
Do. mesmo modo, a liberdade sofreada sem esforço, característica ra ideal da arte e do estilo. Também na oratória, a sua apridão
do espírito grego e desconhecida dos povos anteriores, baseia-se para dar forma a um plano complexo t' lucidamente articulado
na consciência nítida de uma legalidade imanente das coisas. Os deriva simplesmente do sentido espontâneo e amadurecido das
Gregos tiveram o senso inato do que significa "natureza". O con- leis que governam o sentimento, o pensamento e a linguagem, o

. ~~:
~

)
12 INTRODUÇiíO . '13
LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

qual conduz finalmente à criação abstrata e técnica da lógica, da nhecemos, distinguem-se igualmente, por esta forma ideal, da-
gramática, da retórica. quelas dos povos anteriores.
A este respeito, aprendemos muito dos Gregos: aprendemos A posição específica do Helenismo na história da 'educação
a estabilidade férrea das formas do pensamento, da oratória e <;lo hu,màna depende da mesma particularidade da sua organização
estilo, que ainda hoje para nós são válidas. ·íntima - a aspiração à forma que domina tanto os ·empreendi-
Isto aplica-se ainda à criação mais bela do espírito grego, ao mentos artísticos corno todas as coisas da vida- e, além disso, do
mais. eloqüente testemunho da. sua estrutura ímpar: a filosofia. seu sentido filosófi{:o do universal, da percepção das leis profun-
Nela se manifesta da maneira mais evidente a força que se encon- das que governam a natureza humana e das quais derivam aS nor::.
tra na raiz do pensamento e da art~ grega, a percepção çlara da mas que regem a vida individual e a estrutura da sociedade. Na
ordem permanente que está no fundo de todos os acontecime11tQs profunda intuição de Heráclito, o universal, o lagos, é o comum
e mudanças da nature~a e da,vida humanas. Todos os povos ç:ria- na essência do espírito, como a lei é o comum na cidade. No que
ram o seu código de lejs; mas os Gregos busc~ a "lei" que age se refere aO problema da educação, a consciência clara dos princí- _;

nas próprias coisas, e procu.r~am reger por ela a vida e o pensa- pios naturais da vida hun1ana e das leis imanentes que regem as
meritô do homem. O povogrego é 'o povo filosófico por excelên- suas forças corporais e espirituais tinha de adquirir a mais alta
cia,:·A "teoria" da filosofia grega_está intimamente li~ada à sua importânda4 •
ai-te e à sua poesia. Não· contér;n s6 o elemento racional em que Colocar estes conhecimentos corno força formativa a serviço
pensamos em primeiro lugár, 'rila$ também, como ó indica a da educação e formar por meio deles verdadeiros homens, como o
etimoiogia da palavra, i.un elemento intuitivo· que apreende o. ob- oleiro modela a sua argila e o escultor as suas pedras, é wna idéia
jet:o·-corno um todo na sua "idéia", isto é, corno 'uma forma vista. ousada e criadora que só podia amadurecer no espírito daquele
Embora esteja:rn.os cônscios. do perigo da generaliiaÇãÓ e da intiÚ- povo artista e pensador. A mais alta obra de arte que o seu anelo
pretação do anterior pelo posterior, não podemos fugir convic-' à: se propôs foi a criação do Homem vivo. Os Gregos viram pela
.
ção di> que a idéia platônica, produto único e específico do. espíii-
to grego, nos dá a chave para interpretar à mentalidade grega em
primeira vez que a educação tem de ser também um processo de
construção consciente.
muitas outras esferas. A conexão entre as idéias platônicas e a ten- "Constitu{~o de modo correto e sem falha, nas mãos, nos
dência da arte para a forma foi posta em ·relevo desde a Antigui- pés e no espírito", tais são as palavras pelas quais um poeta grego
dade3. Mas é também válida para a oratória e· para a essência do dos tempos de Maratona e Salamina descreve a essência da virtu-
espírito grego em geral. Mesmo as concepções cosrnogôhicas dos de humana mais difícil de adquirir. Só a este tipo de educação se
mais <~.utigds filósofos da natureza estão orientadas por uma intui- pode aplicar com propriedade a palavra formação, tal como a
ção deste gênero, ao contrário da física atual, regida pela experi- usou Platão pela primeira vez em sentido metafórico, aplicando-a
mentação e pelo cálculo. Não é urna simples soma de observações à ação educadora5 • A palavra alemã Bildung (formação, configura-'
particulares e abstrações metódicas, mas algo que chega mais lon- ção) éa que designa do modo mais intuitivo a essê~cia da educa-
ge, uma interpretação dos fatos particulares a partir de uma ima- ção no sentido grego e platônico. Contém ao mesmo tempo a
gem que lhes dá uma posição e um sentido como partes de um co~figuração artística e plástica, e a imagem, "idéia", óu"tipo"
todo. A matemática e a música gregas, na medida em que as co- normativo que se descobre na intimidade do artista. Em todo lu-

3. l'ara isto a fome clássic1 é CÍCERO, Or. 7-10, que, por sua vez, baseia-se 4. Ver o meuAntike rmd Httmanismus, p. 13 (Leipzig, 1925).
em fonn·' gregas. 5. TtÂ.á:t'tEW. Platão, Rep., 3 77 B; Leis, 671, E.

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14
INTRODUÇÃO LUGAR DOS' GREGOS NA HISTÓRIA_.Q4__El)UCAÇÃO 15

gar onde esta idéia reaparece mais tarde na História, ela é uma mo, ergue-se o Ho~emco!:n9id.éia,.-'A ela aspiram os edt::::::.:lores
herança dos Gregos, e aparece sempre que o espírito humano ~~ g~·egos, bem como os poetas, artistas e filósofos. Ora, o Homem,
abandona a idéia de um adestramento em função de fins exterio- ·n.t considerado -na 'Sua idéia; significa a imagem do Homem genéri-
res e reflete na essência própria da educação. O fato de os Gregos co na sua validade universal e normativa. Como vimos, a essência
terem sentido esta tarefa como algo grandioso e difícil e se terem da educação consiste na modelagem dos indivíduos pela notma
consagrado a ela com ímpeto sem igual não se explica nem pela da comur:lidade. Os Gregos foram adquirindo gradualmente.
sua visão artística nem pelo seu espírito "teórico". Desde as pri- consciência cla.nl. do significado deste processo mediante ayuela
meiras notícias que temos deles, encontramos o homem no centro . im~gem. do' Homem,: e chegaram por fim, através de um esforço·
do seu pensamento. A forma humana dos seus deuses, o predo- : continuado, a uma fundamentação, mais segura e mais profunda
mínio evidente do problema da forma humana na sua escultura e _que..a..d.e~nh~Q~Qe:da~g:'~!i~@?..±!.r~~a:'ºª~_9.ue~:tção.• ""-"' +, :
na sua pintura, o movimento conseqüente da filosofia desde o.
!?~te idc:al c!<::.!!'!...~~~c:g_~do ~gual_se 4~1\(l.a f~~;.~~L9.if!:"
problema do cosmos até o problema do homem, que culmina em divíduo, não é um esquema vazio; .independente do. espaço e do
Sócrates, Platão e Aristóteles; a sua poesia, cujo tema inesgotável - t~;;;.:-p--;.·1riuna .forma viVa. que~seoesenvofve 'iià s616ôe Uffi"põvo:
desde Homero até os úl rimos séculos é o homem e o seu duro e persiste através das mudanças histórka5. :Recolhe e aceita todas.
destino no sentido pleno da palavra; e, finalmente, o Estàdo gre- as transfo.tmações do seu des.tino e todas as fases do seu desenvol-"
go, cuja essênCia só pode ser compreendida sob o ponto de vista vimen,to:histórico.:.O humanismo~ o classicismo de outros t~tfit:
da formação do homem e da sua vida inteira: tudo são raios de pos -ign(!raram -este fato, ao falare!TI- da:'"humanidade", da "qiltli~- (
Unia única e mesma luz, expressões de um 'sentimento vital ra"»":dô "espírito:· dos Gregos oú dos antigos, como expr~s.,.sfío deé
antropocêntrico que não pode ser explicado nem derivado de ne- túP.a humanidade in temporal e absoluta.I O povo grego transmi-t .
·' nhuma outra coisa e que penetra todas as formas do espírito gre.,.. ----
tiu, sem dúvida, à posteridade, de forma. imorredoura, um tesou- ·
go. Assi~, entre os povos, o grego é o antropoplástico. ro. de conhecimentos impet:ecíveis. Mas seria um erro fatal ver na-
Podemos agora determinar com maio.r precisão a particula- ânsia de forma dos Gregos uma norma rígida e definitiva. A geo~
ridade do povo grego frente aos povos orientais. A sua descoberta metria euclidiana e a lógica aristotélica são, sem dúvida, funda-
do Homem não é a do eu subjetivo, mas a consciência, gradual das mentos permanentes do espírito humano, válid9s ainda em nos-
le.is-,gemis,rque.d~terminam a essência human~O,pcincípiO.·espit SOS dias, e dos quais- não é possível prescindi!;..· Mas até estas for.:.
-rituafaos:Gregos. ~ão é o ind~viduiu.isnio, rrr~.-0 "humanismo~; mas. universalmente válidas, independentes do conteúdo concreto
para usar a palavra 'no seu sentido- clássico e originário; Huma.,. da.vida-hist6rica, são, se as consideramos com um olhar .impreg-
nismo 'vem de humanitas. ·Pelo:menos .desde_o_:tempo de V'ru:.t=ãe--~­ nado de sentido histórico, inteiramente gregas e não excluem a
deC!cero, estapalavra teve, ao lado-da-ac-ep~ão--valgare·pci-m:iciva
coexistência de outras formas de intuição e de pensamento lógico
~e<.:lmmanitáriO;-:que rião nos interessa aqui, um segundo sefi~o e matemático. Com muito maior razão é isto verdade para outras
m~ôbr€re ~~Significou a educação do Homem- de.aeor- criações do gênio grego mais fortemente moldadas pelo ambiente
do Gom,a~v;erdadeim. forma humana, com o seu autêritico;ser6 .<tal histórico e mais diretamente ligadas à situação do tempo.
6"'11: gexmíua pail'léiii':'g rega,eonsi-derarncm.o·detõl5or-·um-ho~
Os Gregos posteriores, do início do Império, foram os pri-
mem:-~~acl:ô-tomano:- Não brota do individual,-mas da idéia. . )
meiros a considerar como clássicas, naquele sentido internporal,
Acima do Homem como ser gregário ou como suposto eu autôno-
as obras da grande época do seu povo, quer como modelos for-_
mais da arte quer como protótipos éticos. Nesse tempo em que a
6. Cf. Aulo Gélio,Noct. Att. XIII. 17.
história grega desembocou no Império Romano e deixou de cons-
LUGAR DOS GREGOS NA HLST6RIA DA EDUCAÇÃO 17
16 INTRODUÇÃO
'·:~·,
~~:
vimento espiritual. para o Estado nos abriu os olhos e nos permi-
t.ituir uma nação independente, o único e mais elevado ideal da
sua vida foi a veneração das suas antigas tradições. Desse modo
tiu ver que no melhor período da Grécia era tão inconcebível um
foram eles os criadores daquela teologia classicista do espírito que espírito alheio ao Estado como um Estado alheio ao espírito. As
é característica do humanismo. A sua estética vita contemplativa é maiores obras do helenismo são monumentos de uma concepção
a forma originária do humanismo e da vida erudita dos tempos do Estado de grandiosidade sem par, cuja cadeia se desenrola
modernos. O pressuposto de ambos é um conceito abstrato e numa série ininterrupta, desde a idade heróica de Homero até o
anti-histórico, que considera o espírito uma região de verdade e Estado autoritário de Platão, dominado pelos filósofos, e no qual
de beleza eternas, acima do destino e das vicissitudes dos povos. o indivíduo e a comunidade social travam a sua última batalha
Também o neo-humanismo alem.ão do tempo de Goethe consi- no terreno da filosofia. Todo o futuro humanismo deve estares-
derou o Grego como manifestação da verdadeira natureza huma- sencialmente orientado para o fato fundamental de toda a educa-
na num período da História definido e único, ·o que é uma atitu- ção grega, a saber: que a humanidade, o "ser do Homem" se en-
de mais próxima do racionalismo da "Época das Luzes" (Aufklà"- contrava essencialmente vinculado às características do Homem
rung) que do pensamento histórico nascente, ao qual com suas como ser político7 • O fato de os homens mais importantes da
doutrinas deu tão forte impulso. Grécia se considerarem sempre a serviço da comunidade é índice
Daquele ponto de vista nos separa um século de.investiga- da íntima conexão que com ela rem a vida espiritual criadora.
ção histórica desenvolvida em oposição ao classicismo. Quando, Algo análogo parece acontecer com os povos orientais e é natural
atualmente, com o perigo inverso de um historicismo sem limite que assim seja numa ordenação da vida estreitamente vinculada à
nem fim, nesta noite em que todos os gatos são pardos, voltamos religião. No entanto, os grandes homens da Grécia não se mani-.
aos valores permanentes da Antiguidade, não podemos considerá- festrun como profetas de Deus, mas antes como mestres indepen-
los de novo como ídolos intemporais. A sua forma reguladora e a dentes do povo e formadores dos seus ideais. Mes·mo quando
sua energia educadora, que ainda sentimos sobre nós, só podem falam em forma de inspiração religiosa, esta assenta no conhe-
mar.!Ç~star-se como forças que atuam na vida histórica, como o cimento e formação pessoal. Mas por mais pessoal que esta obra
foram no tempo em que nasceram. Já não é possível para nós do espírito seja, na sua forma e nos seus propósitos, é considerada
uma história da literatura grega separada da comunidade social pelos seus autores, com vigor infatigável, uma função social. A
de que surgiu e à qual se dirigia. A superior força do espírito gre- trindade grega do poeta (7tOt1l't1ÍÇ), do Homem de Estado
go depende do seu profundo enraizamento na vida comunitária, e (7tOÂ.i'ttXÓÇ) e do sábio (cro<póç) enca.rna a mais alta direção da
os ideais que se manifestam nas suas obras surgiram do espírito nação.
criador de homens profundamente informados pela vida superin- . - Foi nesta atmosfera de íntima liberdade, a qual se sente vin-
dividual da comunidade. O Homem que se revela nas obras dos culada por conhecimento essencial, e até pela mais alta lei divina,
grandes gregos é o homem político. A educação grega não é uma a serviço da totalidade, que se desenvolveu o gênio criador' dos
soma de técnicas e organizações privadas, orientadas para a for- Gregos até chegar à sua plenitude educadora, tanto acima do
mação de uma .individualidade perfeita e independente . .Isto só "irtuosisino intelectual ~ artístico da nossa moderna civilização
aconteceu na época helenística, quando o Estado grego já havia
desaparecido ..- época da qual deriva em linha reta a pedagogia 7. Ver o meu discurso da festa da fundação do Reich, na Universidade de
moderna. Compreende-se que o filo-helenismo da época .clássica Berlim, 1924; Die GriechiJc/; Staatsethik im Zeitalter des Plato, e as conferências:·Die
alemã, quando o povo germânico ainda não tinha autonomia po'" GeiJtige Gegenwart der .\ntike, pp. 38 ss. (Berlim, 1929) (Die Antike, vol. V, pp. 185
ss.) eStaat rmd Kultr1r1Pie Antike, vol. VIII, pp. 78 ss.).
lítica, tenha seguido o mesmo caminho; mas o nosso próprio mo-

•· -. r
-J

LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÍÍ.O


19
18 INTRODUÇÃO

individualista. Assim se eleva a "literatura" grega clássica acima educadora para o resto da poesia. Mesmo quando está ligado ao
da esfera do puramente estético, onde a quiseram em vão encer- :Ir
culto, lança as raízes no mais profundo do solo social e político;
rar, e exerce um influxo incomensurável através dos séculos. com n1uito maior razão, quando se encontro liberto daquele laço.
Por esta ação, a arte grega, nas suas melhores épocas e nas Assim, a história da educação grega coincide substancialmente
suas obras mais represeitcativas, acuou sobre nós do modo mais com a da literatura. Esta é; no sentido originário que lhe deram
vigoroso. Seria necessário escrever uma história da arte grega os seus criadores, a expressão do processo de autoformação do ho-
como espelho dos ideais que dominaram a sua vida. Também se mem grego. Independentemente disto, não possuímos nenhuma
deve dizer que até o séc;. IV a arte grega é fundamentalmente a tradição escrita dos séculos anteriores à idade clássica além do que
expressão do espírito da comunidad.e. Não é possível compreen- nos resta dos seus poemas. Assim, mesmo tomando a História no
der o ideal agônico, revelado nos cantos pindáricos aos vencec1ores, seu mais amplo sentido, uma-só coisa nos torna acessível a com-
sem conhecer as estátuas que nos mostram os vencedores olímpi- preensão daquele período: a evolução e a formação do Homem na
cos na sua ençarnação corporal, ou as dos deuses, como encarnação poesia e na. arte. A Hist6ria determinou que só isto ficasse da
das idéias gregas sobre a dignidade da alma e do corpo hum~os. existência inteira do· Homem. Não podemos traçar o processo de
O templo dórico é, sem dúvida, o mais grandioso monumento formação dos Gregos daquele tempo senão a partir do ideal de ·
que deixou à posteridade o gênio dórico e o seu ideal de estrita Homem que forjaram. .
subordinação do individual à totalidade. Habita nele a força po- Isto aponta o caminho e delimita a tarefa desta exposição. A
derosa que torna historicamente atual a vida de outrora que. ele sua escolha e a maneira de considerá-la não necessitam de justifi-
eterniza, e a fé religiosa que o inspirou. Sem dúvida, os verdadei- cação especial. A si próprias devem justificar-se no seu conjunto,
ros representantes da paidéia grega não são os artistas mudos ainda que no particular se possam, acaso, lamentar algumaS
- esçultores, pintores, arquitetos -,mas os poetas e os músicos, omissões. Será colocado deforma nova um problema velho: o fato
os filósofos, os retóricos e os oradores, quer dizer, os homens de de o processo educativo ter sido vinculado desde sempre ao estu-
Estado. No pensamento grego, o legislador encontra-se, em certo do da Antiguidade. Os séculos posteriores consideraram sempre a
aspecto, muito mais próximo do poeta qüe o artista plástico: é Antiguidade clássica como um tesouro inesgotável de saber e de
que ambos têm uma missão educadora, e só o esc\lltor que forma cultura;· quer no sentido de.uma dependência material e exterior,
o Homem vivo tem direito a este título. Comparou-:se com fre~ quer no de um mundo de protótipos ideais: O nascimento da
qüência a ação educadora dos Gregos à dos artistas p~á.Sticos; os moderna história da Antiguidade, considerada c:om:o disciplina
Gregos, porém, nunca falam da ação educadora da contemplação científica, trouxe ·consigo um:a mudança fundamental da nossa
e da iq.tuição das obras: de ar.te, no senddo de Winck~lmann. A atitude para com ela. O novo pensamento histórico aspini antes
palavra e o som, o ritmo e a harmonia, na medida em que atua:m. de tudo ao conhecimento do que realmente foi e como foi. No
pela palavra, pelo som ou por ambos, são as. únicas forças forma- seu apaixonado intento de ver claramente o passado, considerou
doras da alma, pois o fator decisivo em toda a paidéia é a energia, os dáss'icos como um simples fragmento da História -embora
mais importante ainda para a formação do espírito que para a um fragmento da maior importância-, sem colocar e nem pres-
aquisição das aptidões corporais no agon. Segundo a concepção tar atenção ao problema da sua influência direta sobre o mundo
~rega, as artes pertencen::~Y-l!~.r..ª_:_esfeP!~~}"jurnnre- todo o período atual. Considerou-se isto um problema pessoal e o juízo sobre o
Clássico~ mantiveram o seu lugar no mundo sagrado do culto, no seu valor foi deixado ao critério de cada um. Mas, ao lado desta
qual tiveram origem. Eram essencialmente agalma, ornamento. história enciclopédica e objetiva da Antiguidade, menos livre de
Não sucede o mesmo com o epos heróico, do qual dimana a força valorações do que imaginam os seus mais eminentes promotores,
20 INTRODUÇÃO

permanece o perene influxo da "cultura clássica", por mais que


procuremos ignorá-lo. A concepção clássica da história que o sus-
tentava foi eliminada pela investigação, e a ciência não se preo-
cupou com dar-lhe novo fundamento. Pois bem: quando a nossa
cultura roda, abalada por uma experiência histórica monstruosa, Livro Primeiro
se vê forçada a um novo exame dos seus próprios fundamentos,
propõe-se outra vez à investigação da Antiguidade o problema,
último e decisivo para o nosso próprio destino, da forma e do va-
lor da educação clássica. Este problema só pode ser resolvido pela
ciência histórica e à luz do conhecimento histórico. Não se trata
A Primeira Grécia
de apresentar artisticamente o assunto, sob uma -luz idealizante,
mas de compreender o fenômeno imperecível da educação antiga
e o impulso que a orientou, a partir da sua própria essência espiri-
tual e do movimento hist<lrico a que deu lugar.

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