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Marília Fonseca

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A QUALIDADE


DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: ENTRE O UTILITARISMO
ECONÔMICO E A RESPONSABILIDADE SOCIAL

MARÍLIA FONSECA*

RESUMO: O objetivo do presente texto é compreender como o con-


ceito de qualidade se configurou nos planos brasileiros de educação.
Parte do pressuposto de que a política educacional, nas quatro últi-
mas décadas, oscilou no confronto entre as propostas oriundas dos
movimentos sociais e as políticas públicas fixadas pelos sucessivos go-
vernos. Em meio a essas demandas, foram produzidos diferentes sig-
nificados para a qualidade da ação educativa, quer expressem os prin-
cípios humanistas, privilegiando a cidadania e a emancipação dos su-
jeitos, quer se voltem para a preparação dos indivíduos como meros
produtores e consumidores no mercado.
Palavras-chave: Qualidade educacional. Educação básica. Políticas
educacionais.

PUBLIC POLICIES FOR THE QUALITY OF BRAZILIAN EDUCATION:


BETWEEN ECONOMIC PRAGMATISM AND SOCIAL RESPONSIBILITY

ABSTRACT: This text strives to understand the concept of quality


that underpins the plans for Brazilian education. It assumes that,
over the last four decades, educational policies have oscillated ac-
cording to the confrontation between social movements and educa-
tional projects determined by the successive Brazilians governments.
Either expressed in terms of humanitarian principles stressing citi-
zenship and individual emancipation or of preparation of subjects as
producers and consumers in the market dynamic, such demands
have produced different meanings for the quality of education.
Key words: Educational quality. Basic education. Educational policies.

* Doutora em Ciências da Educação e pesquisadora associada da Faculdade de Educação da


Universidade de Brasília (U n B). E-mail: fmarilia@unb.br

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Introdução

ma reflexão acurada com respeito à qualidade da educação su-


põe apreendê-la no âmago da dinâmica socioeconômica e cul-
tural de um país. Implica perceber como a política educacio-
nal interage com os projetos nacionais de desenvolvimento, os quais,
por sua vez, articulam-se, de forma mais ou menos autonômica, com
as sucessivas mutações da economia mundial; supõe perceber a sua
interlocução com os movimentos pedagógicos e metodológicos e, ain-
da, com as demandas da sociedade organizada, mais especificamente,
aquelas que partem dos educadores, muitas vezes sustentando posi-
ções contrárias à política oficial. No seio dessa dinâmica, são produ-
zidos valores que se traduzem em diferentes sentidos para a qualida-
de. Observada pela função social, a educação de qualidade se realiza
na medida em que logre preparar o indivíduo para o exercício da éti-
ca profissional e da cidadania. Supõe, ainda, educá-lo para compre-
ender e ter acesso a todas as manifestações da cultura humana; do
ângulo puramente pragmático, a educação de qualidade se resume ao
provimento de padrões aceitáveis de aprendizagem para inserir o indi-
víduo – como produtor-consumidor – na dinâmica do mercado.
Alguns autores tomam como referência a função equalizadora da
educação, que exige a responsabilidade do Estado em garantir a oferta,
o acesso e a permanência de todos no sistema de ensino. Neste caso, a
qualidade se articula à noção do direito individual. Oliveira (2007)
considera que a ampliação do acesso à escola fundamental que se deu
nas últimas décadas constitui per se um indicador de que a qualidade
educacional está melhorando, pelo fato de que beneficia a população
historicamente excluída. A ampliação da escola fundamental, por ou-
tro lado, estimula a procura por níveis subsequentes de ensino e pro-
duz novos desafios para o sistema, entre eles, a superação do aprendi-
zado insuficiente e dos altos índices de reprovação e de abandono
escolar. Além disso, a expansão de vagas, segundo Cunha (2007), atrai
para a escola diferentes usuários e, por conseguinte, surgem novas exi-
gências para a qualidade.
Outros estudos examinam a qualidade do ponto de vista das po-
líticas governamentais dirigidas para o sistema, como avaliação exter-
na, o financiamento público, a inovação tecnológica, a formação de

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quadros administrativos e docentes. Ou, ainda, a examinam a par-


tir da dinâmica interna das instituições escolares e universitárias,
enfocando a gestão institucional, a autoavaliação, o currículo. Estes
enfoques não são excludentes; antes, evidenciam os diferentes aspec-
tos pelos quais a qualidade pode ser apreendida.
O presente texto busca analisar a qualidade, conforme esta se ex-
pressa nos planos nacionais de educação produzidos e implementados
no Brasil a partir da década de 1960. Leva-se em conta que a ação
educativa não é mero reflexo dos planos oficiais. Primeiro, porque a po-
lítica educacional é condicionada por fatores externos ao governo cen-
tral de um país, entre eles, a autodeterminação dos entes federados (es-
tados e municípios); as demandas forjadas no campo da economia e
do mercado de trabalho e as que provêm da mobilização de setores
reivindicativos da sociedade. Leva-se, ainda, em conta que as metas fi-
xadas em planos de longo prazo nem sempre se sustentam no decorrer
do tempo, o que demanda modificações e adaptações. Não obstante
essas ressalvas, a decisão de centrar a presente análise nos planos justi-
fica-se pelo fato de que estes expressam os marcos ideológicos que ori-
entam a política educacional de cada governo. Estes determinam as
prioridades do financiamento governamental, as quais, por sua vez, po-
dem influenciar as decisões em diferentes esferas administrativas do sis-
tema. Os planos, portanto, fixam valores e diretrizes que devem ser co-
nhecidos e debatidos em todas as instâncias responsáveis pela ação
educativa e, obrigatoriamente, com a participação direta dos profissio-
nais da escola.
Para resguardar a fidedignidade dos fatos históricos, recorri a
alguns autores cujas obras são indispensáveis para a análise do tema
aqui tratado, entre eles, Baia Horta (1982), Schwartzman et al. (1984),
Saviani (2007) e Vieira (2007).

Como a qualidade se configurou nos primeiros planos educacionais


brasileiros
A década de 1960 representou um marco na educação brasi-
leira, particularmente pela promulgação da primeira Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação (1961) e também pela implementação dos
primeiros planos educacionais. É preciso levar em conta que a ideia

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de planejar a educação já vinha amadurecendo, desde o início da déca-


da de 1930, pela atuação dos educadores conhecidos como pioneiros
ou renovadores.
Como nos mostra o estudo de Baia Horta (1982), os pioneiros,
reunidos na Associação Brasileira de Educação (ABE) orientavam-se por
valores democráticos de universalização do acesso à escola e de igualda-
de de ensino para todos. Incentivavam a qualidade metodológica da
educação básica, pela adoção de uma pedagogia que facilitasse a indi-
vidualização do educando pela atividade livre e espontânea; que se pau-
tasse por um método ativo, estimulando a atividade criadora da crian-
ça por meio do exercício prático. A intenção era substituir o conceito
estático por um conceito dinâmico de ensino. A IV Conferência Nacio-
nal de Educação, promovida pela ABE em 1931, resultou numa pro-
posta conhecida como Manifesto dos Pioneiros, cujo objetivo era funda-
mentar um futuro plano nacional de educação. A Constituição de
1934 incorporou o sentido democrático do Manifesto, estabelecendo
o ensino primário integral, gratuito, de frequência obrigatória e exten-
sivo aos adultos. Para garantir a qualidade para a oferta ampliada de
ensino, estabeleceu a vinculação de recursos e a destinação de fundos
especiais para a educação, na esfera da União e dos estados, além do
estabelecimento de concurso público para o preenchimento dos car-
gos do magistério. Além disso, a Constituição assegurou ao recém-cri-
ado Conselho Nacional de Educação a competência para elaborar um
futuro plano nacional de educação e também participar da distribui-
ção dos fundos especiais.
Com a instauração do Estado Novo, a proposta dos educadores,
assim como a própria Constituição de 1934 tiveram vida breve. O pro-
cesso de elaboração do plano educacional arrastou-se até 1937, quan-
do foi apresentado à presidência da República como projeto de lei.
Tampouco foi aprovado, em virtude do fechamento do Congresso. Du-
rante esse período, a influência dos pioneiros foi arrefecida em virtude
do estilo centralizador do governo e do fortalecimento de outras de-
mandas sociais que conflitavam com a orientação dos educadores da
ABE. Prevaleceu a diretriz imposta pelo Estado Novo, apoiado por seto-
res sociais que a ele se uniam ideologicamente. Os militares e os cató-
licos (estes últimos agremiados na Confederação Católica Brasileira de
Educação) apoiavam o governo e lograram agregar suas propostas no
novo plano de educação que seria apresentado ao Congresso em 1937.

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Inseriu-se o ensino religioso e a moral e cívica no nível básico de ensi-


no, como espaço para a aprendizagem de valores como hierarquia e
disciplinamento dos homens e da sociedade. Tais valores, que serviam
ao pragmatismo do projeto governamental, passaram a constituir refe-
rência para a qualidade do ensino público: a formação de um homem
útil e disciplinado para um Estado que se queria moderno, industrial
e nacionalista (Brasil/Câmara Legislativa, 1937).
Segundo Schwartzman et al. (1984), a política educacional do
Estado Novo privilegiou a formação para o trabalho, mediante a orga-
nização do ensino básico por ramos profissionais que correspondiam à
divisão econômico-social do trabalho e das classes sociais. Propunha-
se, assim, uma educação diferenciada para a elite, para a mulher e para
aqueles que comporiam o grande exército de trabalhadores para dar su-
porte ao projeto industrial do governo. Para estes últimos, a educação
inicial deveria ocorrer fora do sistema regular e com a simplificação dos
conteúdos, de acordo com as ramificações do ensino.
Ainda que o plano de 1937 não tenha sido aprovado pelo Con-
gresso, devido à resistência de segmentos da sociedade, especialmente
os educadores, sua orientação doutrinária deu o tom da qualidade da
educação brasileira nos anos que se seguiram. A análise histórica de
Vieira (2007) mostra que a queda do Estado Novo (com a eleição de
Eurico Gaspar Dutra, em 1945) não implicou mudanças significativas
na linha do governo, embora, no início, tenha restabelecido o estado
de direito e a autonomia federativa. Dutra imprime, no período se-
guinte, um veio intervencionista que durou até a volta de Getúlio
Vargas, eleito para o período 1950-1954.
O governo democrático de Kubitschek, eleito para o período
1956-1961, deflagrou uma política de desenvolvimento sistematiza-
da no chamado programa de metas. A educação foi incorporada ao
programa com o propósito de preparar pessoal técnico para a implan-
tação das indústrias de base. Nesse período, a vinculação entre edu-
cação e economia ganhou destaque internacional pela emergência da
teoria do capital humano e do enfoque de mão-de-obra (man-power
approach). Tal enfoque é um método de planejamento que consiste
em determinar as metas de um plano de educação, com base na de-
manda do mercado de trabalho, especialmente quanto ao perfil e ao
quantitativo de trabalhadores. Articula-se com a teoria do capital hu-
mano, segundo a qual o desenvolvimento dos recursos humanos pelo

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sistema educacional é um requisito essencial para o crescimento eco-


nômico dos países. A educação deveria, portanto, produzir compe-
tências técnicas para o emprego, de forma a agregar valor aos recur-
sos humanos no mercado.
Devido ao destaque internacional, a vinculação educação-eco-
nomia constituiu tema central das reuniões interamericanas de mi-
nistros da educação, convocadas pela OEA no final da década de 1950.
Desses fóruns originou-se a recomendação para que os países incor-
porassem a educação aos seus planos econômicos. No Brasil, a edu-
cação foi integrada ao programa de desenvolvimento do governo de
Kubitschek, como uma das metas de sustentação do setor das indús-
trias de base.
O período de 1956 a 1963, que abarcou os governos democrá-
ticos de Kubitschek a Goulart, foi profícuo para a mobilização dos edu-
cadores, que voltaram a debater as suas ideias em fóruns nacionais. Os
debates concentravam-se nos compromissos assumidos nas conferênci-
as internacionais, notadamente as que foram realizadas em Punta del
Leste e Santiago do Chile, em 1961 e 1962. Estas últimas contaram
com o patrocínio da OEA e de um programa de cooperação técnica e
econômica do governo norte-americano: “Aliança para o progresso”.
Além do aspecto doutrinário que recomendava a integração da educa-
ção ao desenvolvimento econômico e social, as conferências estabelece-
ram metas decenais para a educação na América Latina.
Os intelectuais reunidos no Instituto Superior de Estudos Bra-
sileiros ( ISEB), dedicado ao estudo das ciências sociais, contrapunham
uma alternativa social ao enfoque econômico defendido nos fóruns in-
ternacionais. Para eles, a educação não deveria reduzir o saber exclusi-
vamente a assuntos de natureza técnica e a serviço de um projeto de
desenvolvimento. Deveria abrir a percepção do educando para compre-
ender as condições políticas e ideológicas com que se defronta e
prepará-lo para o empenho coletivo de superação do estado de atraso
do país (Baia Horta, 1982).
Os educadores, entre eles Anísio Teixeira e outros membros do
então Conselho Federal de Educação, criticavam a inadequação das me-
tas internacionais às condições socioeconômicas de cada país. Contra-
riando o enfoque economicista das conferências internacionais, Anísio
Teixeira imprimiu um sentido filosófico-humanista ao plano de 1962:

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“A educação não é um bem acessório, mas uma condição sine qua non
para que o brasileiro se torne um cidadão, possa exercer seus direitos
políticos, seu poder econômico e viver decente e dignamente” (Brasil/
MEC , 1962, p. 60). Além disso, os educadores buscaram resguardar o
enfoque cultural herdado dos pioneiros: a oferta educacional seria
balizada pela demanda social coletiva, constituída pela soma de todas
as demandas individuais, e que levasse em conta as condições econô-
micas, políticas e culturais do país1 (Brasil/MEC, 1963).
Pela intervenção desses educadores, as metas quantitativas dos
primeiros planos de educação foram adaptadas à realidade brasileira.2
Do lado doutrinário, as propostas do capital humano e do enfoque de
mão-de-obra foram mencionadas como meio de lograr a integração en-
tre educação e desenvolvimento econômico.

Articulação entre os planos educacionais e os programas estratégicos


para o desenvolvimento
Com a instauração do governo militar, o Plano 1963-1965 foi
revisto, com o objetivo de adequá-lo à realidade brasileira, tal como a
compreendia o novo governo. As metas seriam fixadas, rigorosamente,
pelo “estabelecimento de ações e de recursos financeiros para vencer os
deficits de educação plenamente justificáveis” (Brasil/MEC, 1965, p. 21).
A gestão educacional passou a ser orientada pelo Decreto governamen-
tal n. 200, de 1967, que deflagrou uma reforma administrativa em
todo o serviço público brasileiro. No Ministério da Educação, o pro-
cesso foi iniciado pela Reforma n. 666.296/70, desdobrada em uma
série de outras ações ao longo das décadas de 1970 e 1980. De forma
esquemática, as principais características são: ênfase aos aspectos orga-
nizacionais (meios) e não a aspectos substantivos ou finalísticos da edu-
cação; organização das ações por projetos prioritários e campanhas de
caráter transitório; criação de grupos-tarefa para gerir as ações transitó-
rias e descentralizadas; participação das empresas privadas e governa-
mentais de consultoria (nacionais e estrangeiras), no processo de mo-
dernização administrativa, entre elas a Agência Norte-Americana para
o Desenvolvimento Internacional (USAID), que já cooperava com o Mi-
nistério desde a década de 1960. Posteriormente, fizeram-se presentes
outras agências de cooperação técnica e financiamento – o Banco

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Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BIRD).


A partir dos anos de 1980, este último desempenhou um papel de-
cisivo na agenda educacional brasileira.
No início da década de 1970, o sistema educacional ajustou-se
à estrutura da reforma administrativa e ao modelo de crescimento
implementado no país. Os planos educacionais foram incorporados aos
programas estratégicos dos governos militares, sendo elaborados segun-
do o enfoque da Administração por Objetivos (APO ). 3 Concebida por
Peter Drucker para o campo empresarial, a APO fundamentou a refor-
ma administrativa que reestruturou o serviço público brasileiro (De-
creto-Lei n. 200/67). O Ministério da Educação incorporou os precei-
tos da APO, entre eles a prioridade para o desenvolvimento de recursos
físicos, materiais e humanos, os últimos devendo constituir um todo ho-
mogêneo do sistema. Este preceito servia aos objetivos da doutrina de
segurança nacional: ao mesmo tempo descentralizada e controladora,
privilegiava a organização formal e recusava o conflito ideológico e a
intervenção de grupos informais nas instituições educativas. Ao afirmar
a padronização como princípio, a educação distanciou-se ainda mais
da pedagogia social dos pioneiros, especialmente no que se refere à
individualização do educando, pela atividade livre e espontânea e pelo
estímulo à sua atividade criadora. Afastou-se, também, da proposta
educacional dos intelectuais do ISEB, no que se refere ao seu papel de
abrir a percepção do educando para compreender e fazer frente às con-
dições políticas e ideológicas com que se defronta como estudante e
como futuro trabalhador.
Conforme uma das orientações da APO, o sucesso de um empre-
endimento resultaria da execução de projetos autônomos e descentrali-
zados, para os quais se exigia a preparação de gerentes eficientes e efica-
zes. O I Plano Setorial de Educação (Brasil/MEC, 1971) foi elaborado
em conformidade com essa orientação. Compunha-se de um conjunto
de 33 projetos, entre eles, a Carta Escolar, o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL), o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE)
e o Programa Intensivo de Mão-de-obra. Para facilitar a gestão descen-
tralizada, como previa a APO, foram criados distritos geoeducacionais e
orgãos especiais de gerência – a exemplo do Programa de Desenvolvi-
mento do Ensino Médio (PRODEM) e do Programa de Desenvolvimento
do Ensino ( PREMEN), cujas sedes se situavam fora do Distrito Federal.

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Para assegurar a coesão entre as ações e o controle do Estado, os órgãos


especiais contavam com gerentes indicados e preparados por instâncias
específicas do poder federal.
A qualidade educacional definia-se pelo objetivo de “formar um
cidadão capaz de participar eficazmente das atividades produtivas da
nação”. Para tanto, “o saber que a escola democrática transmitirá terá
de ser um saber das coisas e não um saber sobre as coisas, com que se
contenta a escola tradicional” (Brasil/MEC, 1971, p. 15-16). Com essa
proposta, o I Plano Setorial consolidou as teorizações do capital huma-
no e do enfoque de mão-de-obra como bases doutrinárias para a edu-
cação brasileira.
Pelo controle do governo, logrou-se anular a manifestação de
conflitos ideológicos, como previa a lógica de segurança nacional. Não
se logrou, como previa a APO , assegurar a necessária coesão entre as
ações descentralizadas. Os projetos autônomos reduziram-se a um con-
junto de ações fragmentadas e sem impacto educacional, sendo paula-
tinamente descartados pelos sucessivos governos militares.
Nos dez anos seguintes, o sistema educacional foi objeto de re-
formas para atender ao crescente apelo social por expansão de vagas e,
também, às exigências impostas pelo próprio desenvolvimento do país.
Como consequência, ocorreu a ampliação significativa da oferta de edu-
cação pública em todos os níveis e o ensino fundamental foi ampliado
para oito anos. Sob influência do capital humano e do enfoque de mão-
de-obra, as mudanças mais qualitativas deram-se no ensino secundá-
rio, com a substituição das disciplinas de cunho erudito e humanístico
por outras de conteúdo técnico-profissional. Em resposta às demandas
das classes sociais, média e alta, garantiu-se o princípio da continuida-
de para todo o ensino secundário (segundo grau), permitindo o acesso
à universidade pelo exame vestibular. Esta exigência foi a que mais se
destacou com respeito à qualidade do ensino médio.
Paralelamente aos movimentos nacionais, os organismos inter-
nacionais de crédito e cooperação técnica passaram a interferir grada-
tivamente na definição da agenda educacional. O Banco Mundial, por
exemplo, impôs-se como um dos parceiros mais atuantes, no período
1970-1990, intensificando o seu financiamento à educação básica. Os
planos educacionais evidenciavam essa influência, referindo-se explici-
tamente ao banco como parceiro técnico e político. Recomendava-se,

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inclusive, que as experiências vivenciadas nos projetos fossem repassa-


das à totalidade do sistema educacional.
O II Plano Setorial (1975-79) manteve o veio doutrinário de for-
mação do homem útil ao país (o termo mão-de-obra foi substituído por
recursos humanos para o desenvolvimento). Explicitou-se a intenção de
adequar o ensino básico ao novo setor produtivo, que se consolidava
com base em tecnologias avançadas nos planos técnico, administrativo
e organizacional. Foram mantidos os objetivos do I Plano: adequação
dos conteúdos, métodos e técnicas de ensino às necessidades – regio-
nais e locais – da clientela; adequação dos resultados do sistema educa-
cional aos requerimentos da estrutura ocupacional; incremento da ofer-
ta de ensino, na modalidade escolar ou não-escolar; treinamento de
docentes in loco; elaboração de modelos de objetivos de ensino; treina-
mento de pessoal, visando à modificação da conduta funcional dos tra-
balhadores (Brasil/MEC, 1975a, p. 53-55).
O plano de 1975 foi complementado por uma proposta inti-
tulada Política Nacional de Educação Integrada, inspirada em pro-
gramas financiados pelo Banco Mundial para a região Nordeste, co-
nhecidos como Projetos de Desenvolvimento Rural Integrados ( PDRI ).
A intenção era articular o ensino de primeiro grau de áreas rurais ao
mercado de trabalho, para garantir a meta de qualificação antecipada
de mão-de-obra.4 Mobilizou-se, para isso, toda a estrutura do ensino
de primeiro grau e do programa de alfabetização. O enunciado dei-
xava clara a adesão ao pragmatismo econômico: “No caso particular
do analfabetismo, a meta deve ser a ação do MOBRAL , de esgotar em
pouco tempo o estoque de analfabetos adultos e, do sistema regular,
de eliminar o reabastecimento desse estoque” (Brasil/ MEC , 1975b,
p. 49).
Na transição do governo militar ao civil, a educação foi alvo de
outras demandas, especialmente por parte das classes médias. Argu-
mentava-se que o ensino profissionalizante, notadamente no segun-
do grau, não tinha qualidade suficiente para permitir o acesso aos ní-
veis superiores. Segundo esse entendimento, o ensino de qualidade
restringia-se aos cursos propedêuticos oferecidos pelo setor privado,
sob a denominação de cursinhos pré-vestibular e cujo acesso era restri-
to às classes sociais mais altas. De fato, durante o período de vigên-
cia da educação profissionalizante, a escola particular fora mais eficaz

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para prover o acesso aos cursos superiores. Era considerada, portanto,


como a “escola de melhor qualidade”.
As demandas sociais foram fortalecidas pela criação de fóruns ci-
entíficos e acadêmicos, como a Associação Nacional de Pesquisa em
Educação (ANPEd) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC). O III Plano Setorial para o período 1980-1985 buscou espelhar
a ambiência democrática que marcou o final do governo militar. Sua
elaboração deu-se por um processo de planejamento participativo, con-
gregando entidades acadêmicas e representativas do setor educacional,
além de pessoal técnico das administrações estaduais e municipais. Em
atendimento aos reclamos das classes médias e altas, substitui-se a
profissionalização obrigatória por uma alternativa menos rígida, conhe-
cida como preparação para o trabalho.
No tocante à diversificação do ensino, o terceiro plano deu con-
tinuidade ao segundo, adequando os conteúdos, métodos e a organiza-
ção da escola às especificidades de cada grupo social. Assim, as escolas
de áreas mais pobres deveriam garantir a formação antecipada para o
trabalho. Esta proposta foi executada no âmbito de dois programas na-
cionais (PRONASEC e PRODASEC). Ambos davam continuidade à política
de educação integrada em periferias urbanas e zonas rurais, incluindo
conteúdos de formação para o trabalho nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental (Brasil/MEC , 1980).
Este breve apanhado histórico mostrou que os planos educacio-
nais adotaram majoritariamente a ideologia dos governos estabelecidos.
A rigor, um plano governamental deveria ser um instrumento para
catalisar as demandas emanadas dos campos científico e econômico e
dos movimentos organizados da sociedade e, ainda, para equilibrar as
tensões que se produzem no embate entre elas. No entanto, o que se
verificou foi que os setores organizados da sociedade perderam ou ga-
nharam espaço de participação, em função da estrutura – mais ou me-
nos democrática – dos governos vigentes. O período militar, pela sua
característica autoritária, marcou-se pelo arrefecimento da mobilização
social e pela intensificação dos acordos de cooperação com agências de
fomento econômico e bancos internacionais. A organização do ensino
por níveis e modalidades, discriminados segundo as características de
cada clientela, produziu um significado peculiar para a qualidade edu-
cacional. Grosso modo, reeditou-se a política discriminatória do Estado

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novo, ao se adaptar a estrutura e os conteúdos do ensino à divisão eco-


nômica do trabalho e das classes sociais.

Os planos da Nova República: tensão entre os movimentos sociais


e a parceria internacional
O período que se seguiu ao regime militar (Nova República) foi
profícuo para a mobilização de setores organizados da sociedade em
prol de políticas sociais mais democráticas. As Conferências Brasileiras
de Educação e o Fórum Brasileiro em Defesa da Escola Pública con-
gregaram partidos políticos, educadores, estudantes, sindicatos, mora-
dores de bairro e associações de pais, tendo como norte a elaboração
de propostas para a futura Assembléia Nacional Constituinte de 1988.
O ensino médio teve centralidade nos debates, dando origem ao docu-
mento: Subsídios para a elaboração de políticas para o ensino médio. Foi
considerado o nível apropriado para o aprofundamento de uma educa-
ção de qualidade: aquela que trabalha conteúdos significativos (cientí-
ficos, tecnológicos, filosóficos e artísticos), que “permitem o desvela-
mento dos fundamentos das relações sociais e, sobretudo, das relações
de produção”. Essas proposições revelavam um novo conceito de quali-
dade, que não se limitava aos aspectos técnicos e quantitativos do sis-
tema, mas que deveriam contribuir para a construção de novo projeto
hegemônico de sociedade (Brasil/MEC/INEP, 1989, p. 15).
No âmbito da política oficial, o Plano Setorial de Educação e
Cultura para o período 1986-1989 integrou-se ao I Plano de Desen-
volvimento da Nova República. Resumia-se a um elenco de metas edu-
cacionais, com o objetivo de superar o déficit educacional da população
alijada da escola. Ao mesmo tempo em que os educadores discutiam
suas propostas nas Conferências Nacionais de Educação, o MEC execu-
tava três programas financiados pelo Banco Mundial: um para as esco-
las técnicas industriais e agrícolas (EDUTEC) e dois para o ensino funda-
mental ( EDURURAL e Monhangara), executados nas regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. As propostas oficiais para a qualidade da
educação fundamental eram estreitamente vinculadas aos objetivos dos
projetos internacionais, entre eles, a criação de uma sistemática de ava-
liação para medir o impacto desses programas no desempenho escolar
dos municípios atingidos. Para tanto, o Plano de 1986 recomendava a

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preparação de planejadores e gestores nos âmbitos federal, estadual e


municipal para o desenvolvimento de “processos gerenciais e organi-
zacionais, com vistas a facilitar e agilizar a utilização dos insumos e pro-
dutos do setor e a avaliação dos seus resultados” (Brasil/MEC, 1986, p.
14-21). Pode-se considerar que essas experiências constituíram a base
para a implantação do sistema de avaliação do ensino fundamental, que
se consolidaria na década seguinte.
A década de 1980, especialmente no período pós-militar, foi pro-
fícua para a mobilização da sociedade. As Conferências Brasileiras de
Educação e o Fórum Brasileiro em Defesa da Escola Pública reuniam os
educadores em torno de outras propostas autonômicas para a educação
pública. Segundo Saviani (2007b), este foi um momento de maturida-
de para a reflexão acadêmica, e, certamente, determinante para a quali-
dade da educação brasileira. Como exemplos, o autor cita a significativa
ampliação da produção científica nesse campo e a influência dos educa-
dores na proposta da Constituinte de 1988 e na LDB de 1996.
No final daquela década, o MEC negociava com o Banco Mundial
outro acordo para o desenvolvimento da educação fundamental nos es-
tados do Nordeste (Projeto Nordeste), cuja execução dar-se-ia na dé-
cada de 1990. No plano das ações, este acordo dava continuidade ao
Projeto EDURURAL , encerrado em 1987. Uma das propostas do Banco
era dar seguimento ao processo de avaliação externa desenvolvido nos
projetos anteriores, desta feita, alcançando o desempenho do aluno, dos
professores e da rede escolar.5 A proposta acordada entre o MEC e o Ban-
co era estender a avaliação à totalidade do sistema educacional. De
fato, as experiências avaliativas efetuadas nos âmbito dos acordos inter-
nacionais deram suporte aos projetos nacionais de avaliação que se con-
solidariam na década de 1990 e que se constituiriam a principal refe-
rência para a qualidade educacional.
Com a instalação do governo Collor de Melo, em 1990, implan-
tou-se um ciclo nacional de estudos visando subsidiar o Plano de Ação
do governo para o período 1990-1995. No que se refere ao setor edu-
cacional, foi produzida uma série de documentos contemplando os
princípios, as diretrizes e metas para o setor. Em seus princípios, o pla-
no afirmava o compromisso do Estado com a qualidade social da educa-
ção, mencionada como elemento central para a cidadania e para fazer
frente às demandas da modernidade.

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Em termos concretos, as políticas traduziam-se pelo provimen-


to de insumos educacionais, tais como: recursos humanos e materi-
ais; manutenção da rede física; adoção de medidas para neutralizar a
repetência e para garantir a permanência do aluno na escola; estabe-
lecimento de conteúdos nacionais mínimos, enriquecidos por contri-
buições regionais e locais; implantação de um processo de avaliação
permanente dos currículos e do desempenho da escola e dos alunos.
Estas medidas, segundo o plano, constituiriam um investimento na
qualidade do produto da ação educativa (Brasil/MEC, 1990b).
A qualidade da educação foi amplamente debatida em ciclos de
estudos, congregando renomados educadores brasileiros, administrado-
res dos diversos sistemas de ensino e estudiosos em geral, inclusive re-
presentantes do empresariado6 (Brasil/MEC, 1990a). Este ciclo teve seu
apogeu em amplo simpósio nacional organizado pelo Instituto de Pes-
quisa Econômica Aplicada (IPEA), em 1991, no qual foi debatido o tema
“Qualidade, eficiência e equidade na educação básica”, e, posteriormen-
te, o Seminário Nacional sobre Medidas Educacionais, organizado pelo
Instituto Nacional de Estudos Pesquisas Educacionais ( INEP). As con-
clusões do simpósio foram encaminhadas ao Ministério da Educação
como subsídio para a reformulação do projeto de lei das Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, já em tramitação no Congresso (ver
Xavier, Plank & Amaral Sobrinho, 1992). O conceito de qualidade
educacional foi assim expresso no documento síntese:

Na definição da pauta mínima, deve o Ministério atuar com base em


definições consensuais de satisfação de necessidades básicas de apren-
dizagem. Essas não podem mais ser referenciadas com categorias difí-
ceis de serem identificadas e aferidas – como, por exemplo, a forma-
ção do espírito crítico –, mas por aspectos concretos que permitam o
salto para a racionalidade tecnológica, que determinou mudanças pro-
dutivas nas ilhas da modernidade. (p. 9)
O trecho citado reitera o sentido da política avaliativa incluída
no plano educacional do governo vigente (Brasil/MEC, 1990b), ao ad-
mitir que a qualidade educacional se produziria pela definição de ob-
jetivos educacionais que pudessem ser quantitativamente aferidos. A
alusão à modernidade dizia respeito à intenção de modelar a educação
segundo a nova estrutura de Estado que se instalava no Brasil e que
afirmava a hegemonia política do neoliberalismo, com suas estratégias

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de Estado mínimo, controlado por sistemas nacionais de avaliação e de


fiscalização, além da desideologização do debate educacional (Brasil/
MEC , 1990a).
No que se refere ao marco doutrinário, o texto reeditou a visão
utilitária dos anos de 1970, segundo a qual o conhecimento escolar só
é válido quando descreve dados objetivos, livres de valoração e de
criticidade, porquanto seu objetivo é a formação profissional adaptada
ao mercado de trabalho vigente. Nesse sentido, constitui uma con-
traposição ao enfoque social do conhecimento, cujo objetivo é desvelar
ao indivíduo as contradições no campo das relações sociais e de produ-
ção, onde transitará não somente como trabalhador, mas também como
cidadão. Na ótica social, a educação de qualidade não poderia prescin-
dir do desenvolvimento do espírito crítico, inclusive para estimular a
capacidade transformadora do indivíduo.
Apesar da intensa mobilização governamental em torno do setor
educativo, os planos elaborados durante o período da Nova República
e do governo Collor tiveram pouco impacto no cenário nacional. O pri-
meiro caso pode ser explicado pela complexidade política que marcou
a transição do regime militar ao governo democrático; o segundo, pela
conturbada e descontínua administração Collor de Melo.
Na qualidade de ministro da Educação do governo Itamar Fran-
co, que substituiu Collor de Melo, Murílio Hingel buscou imprimir
um tom diferenciado à política educacional. De acordo com o minis-
tro, o estabelecimento do Acordo Nacional de Educação configurava-se
como um pacto de qualidade. No final de seu mandato ministerial, a
Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura (UNESCO)
exigiu dos países membros a elaboração dos planos educacionais para a
década, segundo a Declaração Mundial de Educação para Todos, re-
sultante da Conferência Internacional de Jontien, em 1990. Com base
nas recomendações da conferência, o Ministério da Educação elaborou
o Plano Decenal de Educação Para Todos. Apesar do tom democrático
e autonômico do ministro Hingel, o plano assumiu as orientações dou-
trinárias e as metas quantitativas do fórum internacional, entre elas, a
prioridade conferida à ampliação do ensino fundamental, em detrimen-
to do ensino médio; a previsão de uma série de ações para a qualidade
do ensino, entre elas, a necessidade da implantação de um amplo sis-
tema de avaliação da educação básica, com a finalidade de aferir a

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aprendizagem dos alunos do ensino fundamental e de prover informa-


ções para a avaliação e revisão de planos e programas de qualificação
educacional (Brasil/MEC, 1993). No decorrer da década, estas políticas
foram sendo confirmadas pela institucionalização do Sistema de Avali-
ação da Educação Básica (SAEB) e pela prioridade conferida à avaliação
nos textos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil, 1996) e
do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2001).7
Desde então, os resultados da avaliação externa foram tomados
como a principal referência para a qualidade da educação. Isto, certa-
mente, não correspondia à proposta que os educadores lograram inse-
rir na LDB/96 e que confirmaram no Plano Nacional de Educação de
2001, segundo a qual a qualidade educacional resultaria de um esfor-
ço para a construção coletiva de um projeto político-pedagógico que
respeita a autonomia, a participação, a cultura e a identidade escolar.
Conforme mostrou a prática dos anos seguintes, a avaliação externa foi
utilizada como meio de adequar a qualidade do ensino escolar aos pa-
drões estabelecidos por agentes externos.

Planejamento escolar na perspectiva da produtividade: visão estra-


tégica para a eficiência e avaliação externa como referência para a
qualidade
A década de 1990 caracterizou-se pela reestruturação do siste-
ma econômico mundial e pelas demandas da chamada revolução
tecnológica ou revolução informacional. Os países realizaram refor-
mas educacionais para ampliar o grau de articulação do processo de
formação escolar a essas demandas. O governo de Fernando Henrique
Cardoso, eleito para dois mandatos seguidos (1995-2002), im-
plementou uma série de mudanças no âmbito da chamada Reforma
do Estado (Brasil/ MARE, 1995). A primeira delas foi a substituição da
administração pública burocrática pela administração gerencial. Foi
elaborado o plano plurianual de governo (principal instrumento de
planejamento instituído pela Constituição Federal de 1988). As ações
foram organizadas na forma de projetos, interligados em rede nacio-
nal, cada um sob a responsabilidade de um gerente. 8 Vale lembrar
que, embora fosse apresentada com inovação, a modalidade de admi-
nistração por projetos já havia sido adotada na reforma administrativa
do setor público, deflagrada pelo Decreto-Lei n. 200, de 1967.

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As mudanças educacionais implementadas no país seguiram as


orientações da Reforma do Estado e foram incluídas no plano
plurianual do MEC. A qualidade da educação escolar resultaria de uma
adequada revisão curricular, da eficiência da gestão institucional e da
competitividade deflagrada por um processo de avaliação externa. No
primeiro mandato, a meta prioritária centrou-se na ampliação da ofer-
ta do ensino fundamental. No segundo, sob a justificativa da crescente
exigência de qualificação do trabalhador para a nova estrutura do mer-
cado, o ensino médio sofreu uma reforma, sendo desmembrado em
duas modalidades distintas e independentes: o ensino médio, de con-
teúdos gerais, e o ensino técnico-profissionalizante. As mudanças qua-
litativas alcançariam os currículos, além da oferta de cursos de reci-
clagem, no caso do ensino profissional. Consoante o veio controlador
que caracterizou a reforma do Estado, a escola básica passou a ser am-
plamente avaliada, mediante a implantação do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB ). Os resultados foram utilizados como medida
do desempenho da escola e do aluno e, portanto, constituíram a prin-
cipal referência para a qualidade educacional.
Ao mesmo tempo, ocorria uma mobilização ampla em torno da
elaboração do Plano Nacional de Educação (aprovado pelo Congresso
em 2001). Segundo Sena (2000), a construção desse plano deu-se em
meio a processos paralelos, oriundos do executivo, do legislativo e dos
setores reivindicativos. Um deles resultou de um processo de consulta
do MEC, dirigida a diferentes entidades representativas, tais que a União
Nacional de Dirigentes Municipais de Ensino ( UNDIME) e o Conselho
de Secretários de Estado de Educação (CONSED). Paralelamente, os edu-
cadores construíam suas propostas em fóruns nacionais. Em meio ao
debate, um terceiro processo foi deflagrado pela Comissão de Educa-
ção, Cultura e Desporto da Câmara Legislativa, com a intenção de con-
ciliar os dois anteriores. Para o autor, a despeito dessa polarização, o
Plano abriu oportunidade para a construção de planos estaduais e mu-
nicipais, além de constituir um instrumento de longo prazo, de forma
que as metas educacionais não ficassem a reboque das diretrizes orça-
mentárias e políticas dos Planos Plurianuais de Governo (PPA).
De modo geral, as metas do plano centravam-se na equalização
de oportunidades. Destacou-se a universalização da educação funda-
mental e a expansão da educação infantil, do ensino médio e superior,
além da reorganização e ampliação do financiamento, pela constituição

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de fundos contábeis, tal como o Fundo de Manutenção e Desenvol-


vimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(FUNDEF). Nos itens específicos para a qualidade, não se logrou alcan-
çar a amplitude que o tema merecia. As metas referiam-se à implan-
tação de planos de carreira para os profissionais do magistério e à cri-
ação de um Sistema Nacional de Avaliação. Os padrões mínimos de
qualidade da aprendizagem, embora constituíssem uma das metas,
não foram especificados no plano. Sugeriu-se a realização de uma fu-
tura Conferência Nacional de Educação para a sua especificação.
Como uma das metas fixadas pelo PNE, o FUNDEF também ocu-
pou o centro dos debates como uma das principais políticas para o for-
talecimento da educação nacional. Implementado em 1998, o FUNDEF
buscou adequar o aprendizado ao conceito operacional de custo-aluno-
qualidade, traduzido pela quantidade e variedade dos insumos necessá-
rios ao processo de ensino-aprendizagem, com um nível mínimo de
despesas. Desse modo, as propostas apenas tangenciavam a qualidade
educacional ao dar centralidade aos meios – ou insumos – para lograr
a equidade na oferta de ensino e o controle social sobre os recursos.
Uma das metas mais relevantes do Plano referia-se à gestão esco-
lar. Reiterou-se o dispositivo contido no inciso I do artigo 13 da LDB/
96, que atribuía ao estabelecimento escolar a elaboração e execução do
seu Projeto Político Pedagógico (PPP). Tal projeto traduzia a aspiração
dos educadores comprometidos com uma educação de qualidade, como
ação mediadora do diálogo entre a escola, o campo científico e as ins-
tâncias de decisão política.
Em 1998, o movimento dos educadores sofreu uma concorrên-
cia de porte internacional. Embora o PPP fosse considerado – nos textos
legais e no plano plurianual do governo vigente – como um dos pila-
res para a qualidade da educação, o MEC assinou um novo acordo de
financiamento com o Banco Mundial, para a melhoria da qualidade das
escolas fundamentais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: o
Fundo de Desenvolvimento da Escola Básica (FUNDESCOLA). O acordo
estabelecia a adoção de uma modalidade de planejamento escolar co-
nhecida como Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). A qualidade
educacional seria alcançada pela adequada combinação de insumos es-
colares (pacotes didáticos, equipamentos, reformas), pelo repasse de
dinheiro direto à escola e por um modelo de gestão capaz de utilizar

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esses insumos eficientemente. O PDE-escola, portanto, afirmava a pura


racionalidade técnica, contradizendo o sentido político que os edu-
cadores requeriam para um projeto escolar de qualidade. No entan-
to, recebeu amplo apoio técnico e financeiro do MEC e das adminis-
trações estaduais, o que possibilitou a sua instalação definitiva nas
escolas. Sendo negociado como um projeto de longo prazo, a influ-
ência do FUNDESCOLA ultrapassou as fronteiras do governo de Fernando
Henrique Cardoso, pelo fato de que, por força do acordo, seu térmi-
no fora previsto para o ano de 2010 (Fonseca, Oliveira & Toschi,
2004).
A política do novo governo eleito para o período 2003-2007
adotou a justiça social como marco doutrinário. Buscou imprimir um
círculo virtuoso entre investimento e consumo, por meio de políticas
sociais que compensassem a sua fragilidade no campo econômico-soci-
al. No que se refere ao projeto educacional, reiterou o objetivo da ges-
tão anterior, de universalizar a educação básica e de ampliar a oferta do
nível médio. Os recursos para a educação básica, centrados no Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Va-
lorização do Magistério (FUNDEF ), foram estendidos ao ensino médio
com a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (FUNDEB). Comparativamente ao viés economicista do
governo anterior, o Plano Plurianual 2003-2007 expressava uma ten-
dência social mais acentuada, com o intuito de corrigir a histórica de-
sigualdade entre regiões, pessoas, gêneros e raças.
Em 2007, o governo lançou o Plano de Desenvolvimento da
Educação ( PDE), propondo trinta metas para enfrentar os desafios da
qualidade, das quais dezessete se referem ao ensino básico. Desde en-
tão, o Plano vem sendo submetido a debates em que se confrontam
seus pontos frágeis e suas potencialidades com respeito à qualidade
educacional. Saviani (2007) aponta, como uma das fragilidades do PDE,
o fato de que suas metas se limitem a um conjunto de ações sem a
organicidade necessária para se constituir em um plano político de go-
verno. Muitas destas ações não interagem entre si e, tampouco, com as
propostas do Plano Nacional de Educação de 2001. O autor considera
que, pelo fato de ter sido debatido em muitos fóruns nacionais, o Pla-
no de 2001 constitui uma referência para os educadores e, portanto,
não poderia ser ignorado no atual PDE.

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De outro lado, são ressaltadas algumas medidas positivas, como


a nova modalidade de avaliação do desempenho escolar, com o objeti-
vo de levar assistência técnica aos municípios com os mais baixos índi-
ces de qualidade educacional; as propostas para a melhoria da
profissionalização docente, pelo estabelecimento de jornada integral de
trabalho em uma única escola e a destinação de tempo para atividades
fora da sala de aula; a formação de nível superior para os professores
não-graduados, além de outras formas de educação continuada:
presencial e a distância. Um dos pontos de destaque é que a formação
para o ensino básico passa a ser atribuição da CAPES, antes responsável
apenas pela formação de professores de nível superior. Argumenta-se
que a ação reguladora da CAPES possa imprimir qualidade à educação
continuada, na medida em que o processo seja mais duradouro, evi-
tando-se a sua fragmentação em miríades de cursos curtos e desarticu-
lados – tal como ocorrera em experiências anteriores –, subtraindo mo-
mentos de folga dos professores.
Pelo fato de ser um projeto em fase de implantação, o PDE deverá
ser objeto de estudos e debates em todas as fases de sua execução. Al-
guns questionamentos já são recorrentes nos debates entre os educado-
res: em que medida o PDE ensejará uma gestão escolar mais autônoma
e participativa, contrapondo-se à visão gerencial disseminada nos anos
de 1990? A adoção da Prova Brasil e da Provinha Brasil poderá consti-
tuir uma alternativa para o modelo vigente de avaliação externa, supe-
rando o mero objetivo de controle de produtos? A formação de profes-
sores contará com recursos suficientes para que se constitua em ação
contínua e duradoura? Atingirá a educação média, na medida de suas
necessidades? A distribuição dos recursos garantirá o equilíbrio neces-
sário entre formação presencial e a distancia? Em que medida contará
com a participação dos setores públicos e privados?

Considerações finais
É possível concluir que, durante as últimas décadas, a qualidade
educacional oscilou em meio a múltiplas influências. Os planos incor-
poraram, com mais ou menos intensidade, o substrato econômico que
sustentou os diferentes projetos nacionais de desenvolvimento. A
mobilização dos educadores representou um espaço para a construção

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de propostas mais autônomas e socialmente mais relevantes para a edu-


cação brasileira. Essa ambivalência expressou-se nos enunciados
humanistas dos planos e do corpus legislativo, ressaltando a igualdade
de oportunidades para todos, a gestão democrática do sistema e o com-
promisso ético com a qualidade educacional, conforme requeriam os
educadores. Na prática, a ação educativa deu ênfase a programas e pro-
jetos orientados pela lógica do campo econômico, dirigindo a ação es-
colar para as atividades instrumentais do fazer pedagógico e para a ad-
ministração de meios ou insumos. A qualidade, por sua vez, foi sendo
legitimada pelo horizonte restrito da competitividade, cuja medida é a
boa colocação no ranking das avaliações externas.
Se esse enfoque utilitarista serve à excelência empresarial, não é
suficiente para orientar a qualidade da ação educativa. Nesse campo, a
qualidade tem como horizonte as diferentes dimensões da vida social.
Exige, portanto, uma interação constante entre a política educacional
e os campos da ciência, da cultura, da cidadania e da ética. Este é um
horizonte de longo alcance que a escola não pode alcançar em seu iso-
lamento. Portanto, a sociedade espera que o Estado faça a sua parte.
Primeiro, atuando como poder mediador, capaz de catalisar as deman-
das emanadas do campo científico e econômico, da comunidade edu-
cacional e das famílias e de conduzi-las ao encontro de um projeto
educacional que contemple todas as dimensões do conhecimento hu-
mano. Segundo, exercendo sua capacidade equalizadora, no sentido de
prover condições para a superação das dificuldades que afligem os en-
tes administrativos locais (orçamentárias, gestionárias, pedagógicas e
culturais). Enfim, espera-se que o Estado cumpra sua função mais ge-
nuína, a de preparar os profissionais da escola para que possam agir
como sujeitos centrais no processo de construção de um projeto edu-
cacional de qualidade.
Recebido em novembro de 2007 e aprovado em agosto de 2008.

Notas
1. Embora influenciado pelo pragmatismo de Dewey (à época, foco de acirrada polêmica en-
tre os educadores brasileiros), Anísio Teixeira desenvolve uma visão peculiar, segundo a
qual a educação escolar se limitaria à formação para o desenvolvimento econômico, mas
como forma de suplantar o dualismo social, preparando o indivíduo para uma inserção
social democrática, igualitária e participativa.

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2. A política educacional, no período que antecedeu ao golpe militar, foi expressa em três do-
cumentos elaborados com a assessoria do Conselho Federal de Educação: o Plano Nacio-
nal de Educação e o Programa de Emergência do Ministério da Educação e Cultura, para
o ano de 1962. Em 1963, foi elaborado o plano definitivo (Plano Trienal de Educação),
para o período 1963-1965. Com o governo militar, ele foi substituído pelo plano de
1965.
3. APO é uma variante da teoria neoclássica, que tem como foco a ação e os seus resultados.
Portanto, é pragmática e prescritiva, como mostram as suas próprias diretrizes: a) pauta-se
pelo racionalismo ou comportamento segundo as prescrições do sistema; b) enfatiza os
objetivos e os resultados, isto é, a parte instrumental da administração; c) planeja para a
eficiência (custo-benefício) e a eficácia (resultados de impacto ou produto); d) descentrali-
za a ação para aumentar a eficiência.
4. Os PDRI eram administrados pelo Ministério da Agricultura. Desenvolviam ações
educativas voltadas para o ingresso imediato no mercado de trabalho, especialmente o
mercado não-institucionalizado ou setor informal, que pode absorver até 60% da mão-de-
obra urbana, constituído de atividades manuais simples, como artesanato, pequeno comér-
cio e serviços gerais. São serviços que exigem técnicas simples e conhecimentos pouco
especializados, que poderiam ser obtidos fora do ensino formal.
5. A primeira iniciativa deu-se no ano de 1988, no marco de um convênio entre o MEC e o
Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), com a participação técni-
ca da Fundação Carlos Chagas. O convênio respondia a uma demanda do Banco Mundi-
al para desenvolver uma sistemática de avaliação para o futuro Projeto Nordeste – um acor-
do que se encontrava em fase de negociação entre o MEC e o Banco para o financiamento da
educação fundamental na região Nordeste (executado na década de 1990). A intenção era
estender essa sistemática de avaliação para o sistema educacional em nível nacional (Brasil/
MEC/SENEB, s./d.). Em novembro de 1988, foi aplicado o teste piloto da avaliação nos esta-
dos do Paraná e do Rio Grande do Norte. No mesmo ano, o MEC estendeu o processo para
todo o Brasil, ampliando-se a abrangência da avaliação proposta pelo Projeto Nordeste.
Surgiu, assim, o Sistema de Avaliação do Ensino Público de 1º Grau (SAEP). Devido a pro-
blemas orçamentários, os trabalhos só foram retomados em agosto de 1990, ano em que
ocorreu a primeira avaliação em nível nacional. Em 27 de dezembro de 1994, o ministro
da Educação Murílio Hingel institucionalizou o Sistema Nacional de Avaliação da Educa-
ção básica (SAEB) (Horta Neto, 2006).
6. O Instituto Herbert Levy (IHL ) e a Confederação Nacional da Indústria ( CNI) divulga-
ram um documento contendo um conjunto de requisitos básicos para a melhoria da edu-
cação brasileira. Recomendava-se o desenvolvimento de competências exigidas pela revo-
lução tecnológica, de forma a preparar o indivíduo de acordo com os novos requisitos
do mercado: um profissional mais flexível, polivalente ou multifuncional, capaz de
adaptar-se aos requisitos da nova estrutura do trabalho. O documento recomendava,
também, um controle de qualidade, mediante a instalação de um processo de avaliação
externa do ensino básico.
7. A LDB n. 9.394/96, em seu artigo 9º, inciso V, dispõe que “cabe à União a coleta, a aná-
lise e a disseminação de informações sobre educação”. O inciso VI , desse mesmo artigo,
estabelece também que a União, em colaboração com os sistemas estaduais e municipais
de ensino, deve assegurar um processo nacional de avaliação do rendimento escolar nos
dois níveis de ensino, com o objetivo de definir prioridades para melhorar a qualidade
do ensino. O Plano Nacional de Educação de 2001 também estabelece que sejam
implementados, em todos os Estados da Federação, programas de formação do pessoal

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técnico das secretarias para suprir as necessidades dos setores de informação e estatísticas
educacionais, planejamento e avaliação.
8. Os gerentes eram designados pelos ministros e deveriam ser pessoas qualificadas, com só-
lida experiência profissional, grande conhecimento técnico e gerencial, capacidade de ne-
gociação e de motivação, além de espírito de liderança. A formação dos gerentes concentra-
va-se nas áreas de engenharia e economia (Brasil/Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão, 2002).

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EDUCAÇÃO BÁSICA
NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990:
SUBORDINAÇÃO ATIVA E CONSENTIDA
À LÓGICA DO MERCADO

GAUDÊNCIO FRIGOTTO*
MARIA CIAVATTA**

E sem dúvida o nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a


cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao
ser... Ele considera que a ilusão é sagrada, e a verdade é pro-
fana. E mais: a seus olhos, o sagrado aumenta à medida que
a verdade decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que, para ele,
o cúmulo da ilusão fica sendo o cúmulo do sagrado.

(Feuerbach)***

RESUMO: Este trabalho, apoiado no esforço de análises de pesqui-


sadores e intelectuais que não declinaram do pensamento utópico e,
portanto, do esforço de produção de um pensamento crítico a todas
as formas de colonialismo, discute a política de educação básica nos
dois mandatos do Governo Fernando Henrique Cardoso. A conclu-
são a que chegamos é a de que a “era FHC” neste particular, também,
foi um retrocesso tanto no plano institucional e organizativo quan-
to, e particularmente, no âmbito pedagógico. Esta conclusão se fun-
damenta, primeiramente, na análise do tipo de projeto social mais
amplo e do projeto educativo a ele articulado, ambos associados de
forma ativa, consentida e subordinada aos organismos internacionais.

* Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP ) e professor titular na
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro. E-mail:
frigotto@uol.com.br
** Doutora em Ciências Humanas (Educação) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro ( PUC - RJ ) e professora titular em Trabalho e Educação da Universidade Federal
Fluminense (UFF), Rio de Janeiro. E-mail: mciavatta@terra.com.br
*** Prefácio da 2ª edição de A essência do cristianismo, apud Débord, 1997, p. 13.

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No plano mais específico fundamenta-se na relevância da educação bá-
sica à luz das questões mais gerais postas à educação por um mundo em
transformação e às políticas educacionais em relação à Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional e ao Conselho Nacional de Educação, ao
Plano Nacional de Educação, ao ensino fundamental e aos Parâmetros
Curriculares Nacionais e à reforma do ensino médio e técnico.
Palavras-chave: Educação básica. Governo FHC. Subordinação ativa.
Políticas educacionais.

BASIC EDUCATION IN BRAZIL IN THE 1990S:


AN ACTIVE AND CONSENTED SUBORDINATION TO THE
LOGIC OF THE MARKET

ABSTRACT: Based on the analyses of researchers and intellectuals


who have not abandoned the utopian thinking, that is, on thoughts
that criticize any form of colonialism, this paper discusses the basic
education policy under the Fernando Henrique Cardoso (FHC) ad-
ministration (1995-2002). Its conclusions are that the “FHC era” also
meant a retrogression both at an institutional and organizational level,
and more particularly as for the pedagogical sphere. This conclusion is
primarily grounded on an analysis of the broader social project and of
the educational project it implied, both associated in an active, con-
sented and subordinate manner with international agencies. More
specifically, it is based on the relevance of basic education in the light
of more general issues posed to education by a changing world and
educational policies concerning the Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Brazilian Education Basic Tenets Law) and the
National Educational Council, the National Educational Plan, the 8-
year compulsory schooling, the National Curriculum Guidelines and
the reform of senior high and vocational schools.
Key words: Basic education. FHC government. Active subordination.
Educational policies.

Introdução
s últimas décadas do século XX e o início do século XXI vêm mar-
cados por profundas mudanças no campo econômico, sociocultu-
ral, ético-político, ideológico e teórico. Em recente coletânea, por
nós organizada (Frigotto & Ciavatta, 2002), analisamos que essas mu-
danças se explicitam por uma tríplice crise: do sistema capital, ético-
política e teórica.
No plano mais profundo da materialidade das relações sociais está
a crise da forma capital. Depois de uma fase de expansão, denominada

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por Hobsbawm (1995) de idade de ouro, com ganhos reais para uma
parcela da classe trabalhadora, particularmente nos países que repre-
sentam o núcleo orgânico e poderoso do capitalismo, o sistema entra em
crise em suas taxas históricas de lucro e exploração. A natureza dessa crise
o impulsiona a um novo ciclo de acumulação mediante, sobretudo, a
especulação do capital financeiro. Essa acumulação, todavia, não é
possível para todos. Instaura-se, então, uma competição feroz entre
grandes grupos econômicos, corporações transnacionais que se consti-
tuem, na expressão de Noam Chomsky, no poder de fato do mundo. Um
poder que concentra a riqueza, a ciência e a tecnologia de ponta de uma
forma avassaladora e sem precedentes. Martin & Schumann sintetizam
esta tendência com a idéia metafórica de “sociedade 20 por 80” (1999,
p. 7) para designar que apenas uma parcela mínima de 20% da
humanidade efetivamente usufrui da riqueza produzida no mundo. Os
demais 80%, que são os que dominantemente a produzem, apropriam-
se de forma marginal ou são literalmente excluídos.
No plano supra-estrutural e ideológico produz-se um verdadeiro
arsenal de noções que constituem, para Bourdieu & Wacquant (2002),
uma espécie de uma “nova língua” com a função de afirmar um tempo
de pensamento único, de solução única para a crise e, conseqüentemente,
irreversível. Destacam-se as noções de globalização, Estado mínimo,
reengenharia, reestruturação produtiva, sociedade pós-industrial, socie-
dade pós-classista, sociedade do conhecimento, qualidade total, empre-
gabilidade etc., cuja função é a de justificar a necessidade de reformas
profundas no aparelho do Estado e nas relações capital/trabalho.
Essas reformas vêm demarcadas por um sentido inverso às
experiências do socialismo real e das políticas do Estado de bem-estar
social do após a Segunda Guerra Mundial, lidas pelos intelectuais
orgânicos do sistema capital como responsáveis por um desvio dos
mecanismos naturais do mercado e, portanto, pela crise. Trata-se,
então, de retomar os mecanismos de mercado aceitando e tendo como
base a tese de Hayek (1987) de que as políticas sociais conduzem à
escravidão e a liberdade do mercado à prosperidade. O documento
produzido pelos representantes dos países do capitalismo central,
conhecido como Consenso de Washington, balizou a doutrina do
neoliberalismo ou neoconservadorismo que viria a orientar as reformas
sociais nos anos de 1990. É neste cenário que emerge a noção de
globalização carregada, ideologicamente, por um sentido positivo.1
Ao contrário da perspectiva internacionalista do ideário socialista,
de uma igualdade substantiva perante o acesso aos bens econômicos,

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culturais e simbólicos, a noção de globalização traz uma inversão daquilo
que se concretiza na realidade, total liberdade para o que Chesnais
(1996) denomina de “mundialização do Capital”. Uma realidade que
Mészáros (2002) define como o fim da capacidade civilizatória do capital,
para designar o que agora, para manter as taxas históricas de exploração,
o capital tem que destruir um a um, os direitos conquistados no contexto
das políticas do Estado de bem-estar social.
Os protagonistas destas reformas seriam os organismos internacio-
nais e regionais vinculados aos mecanismos de mercado e representantes
encarregados, em última instância, de garantir a rentabilidade do sistema
capital, das grandes corporações, das empresas transnacionais e das nações
poderosas onde aquelas têm suas bases e matrizes. Nesta compreensão,
os organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD ), passam a ter o papel de tutoriar as reformas dos Estados
nacionais, mormente dos países do capitalismo periférico e semiperiférico
(Arrighi, 1998). No plano jurídico-econômico, a Organização Mundial
do Comércio (OMC) vai tecendo uma legislação cujo poder transcende o
domínio das megacorporações e empresas transnacionais. É interessante
ter presente o papel da OMC, pois em 2000, numa de suas últimas
reuniões, sinalizou para o capital que um dos espaços mais fecundos para
negócios rentáveis era o campo educacional.
Em nível regional, vários organismos são criados como uma
espécie de ramificações ou base de apoio para os organismos interna-
cionais. Em termos de América Latina, podemos destacar, no plano
econômico, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
(CEPAL ) e, no plano educacional, como veremos a seguir, a Oficina
Regional para a Educação na América Latina e no Caribe (OREALC).
Num plano mais geral situa-se o Acordo de Livre Comércio das Amé-
ricas (ALCA), cujo escopo se situa dentro da doutrina da Organização
Mundial do Comércio.
Um dos efeitos devastadores do pensamento único, sem dúvida,
manifesta-se no abandono do pensamento crítico vinculado a projetos
societários firmados na perspectiva da autonomia e, ao mesmo tempo,
num relacionamento soberano entre povos, culturas e nações. Reafir-
mam-se, pela via do pragmatismo, das visões positivistas e neopositi-
visas, e neo-racionalistas e do pós-modernismo, uma visão fragmentária
da realidade e uma afirmação patológica da competição e do indivi-
dualismo. A crise do pensamento comprometido com mudanças pro-

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fundas na atual (des)ordem mundial é, também, a crise do pensamento
utópico e da acuidade da teoria social.
Apoiando-nos no esforço de análises de pesquisadores e intelectuais
que não declinaram do pensamento utópico e, portanto, do esforço de
produção de um pensamento crítico a todas as formas de colonialismo,
discutiremos, neste texto, a educação básica no Brasil, nos anos de 1990,
à luz do movimento mais amplo internacional que, com o apoio de
assessorias, documentos formadores de opinião e de recursos, foi se
impondo às políticas públicas de educação com a participação ativa,
anuência e colaboração das autoridades locais.
No primeiro momento, refletimos sobre o sentido da educação
básica à luz das questões mais gerais postas à educação por um mundo
em transformação. A seguir, analisamos o projeto do Governo Cardoso
para a sociedade brasileira e as políticas educacionais com relação à Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e ao Conselho Nacional de
Educação, ao Plano Nacional de Educação, ao ensino fundamental e aos
Parâmetros Curriculares Nacionais e à reforma do ensino médio e técnico.
Os temas do financiamento e da avaliação serão abordados em seu
sentido político amplo ao discutirmos a prioridade do Governo Cardoso,
o ensino fundamental.

1. Educação básica para um mundo em transformação


Após o vendaval da queda do muro de Berlim e da idéia do “fim
da história” e das ideologias, no caso do Brasil, mas não apenas aqui,
explicitou-se um projeto de sociedade que ia na contramão do “pensa-
mento único”. Em termos mundiais, especialmente na Europa, houve o
retorno das idéias social-democratas ou de um socialismo “cor-de-rosa”.
Do ponto de vista da educação, ocorre uma disputa entre o ajuste
dos sistemas educacionais às demandas da nova ordem do capital e as
demandas por uma efetiva democratização do acesso ao conhecimento em
todos os seus níveis. Os anos de 1990 registram a presença dos
organismos internacionais que entram em cena em termos organizacionais
e pedagógicos, marcados por grandes eventos, assessorias técnicas e farta
produção documental.
O primeiro desses eventos é a “Conferência Mundial sobre
Educação para Todos” realizada em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março
de 1990, que inaugurou um grande projeto de educação em nível
mundial, para a década que se iniciava, financiada pelas agências UNESCO,

Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abril 2003 97


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UNICEF, PNUD e Banco Mundial. A Conferência de Jomtien apresentou
uma “visão para o decênio de 1990” e tinha como principal eixo a idéia
da “satisfação das necessidades básicas de aprendizagem”:

Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deverá estar em condições de


aproveitar as oportunidades educacionais oferecidas para satisfazer suas ne-
cessidades básicas de aprendizagem. Estas necessidades abarcam tanto as
ferramentas essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a ex-
pressão oral, o cálculo, a solução de problemas) como os conteúdos básicos
da aprendizagem (conhecimentos teóricos e práticos, valores e atitudes) ne-
cessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plena-
mente suas capacidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plena-
mente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de sua vida, tomar de-
cisões fundamentais e continuar aprendendo. A amplitude das necessida-
des básicas de aprendizagem varia de país a país em sua cultura e muda
inevitavelmente com o transcurso do tempo. (WCEA, 1990, p. 157)
Além de representantes de 155 governos que subscreveram a
Declaração de Jomtien, ali aprovada, comprometendo-se a assegurar
uma “educação básica de qualidade” a crianças, jovens e adultos, dela
participaram agências internacionais, organizações não-governamentais,
associações profissionais e destacadas personalidades na área da
educação em nível mundial. O Brasil, como um signatário entre aqueles
com a maior taxa de analfabetismo do mundo, foi instado a desenvolver
ações para impulsionar as políticas educacionais ao longo da década,
não apenas na escola, mas também na família, na comunidade, nos
meios de comunicação, com o monitoramento de um fórum consultivo
coordenado pela UNESCO (Shiroma et al., 2002, p. 57-58).2
Nesse momento, no Brasil, iniciava-se o governo de Fernando
Collor de Melo, que durou pouco mais de um ano, alvo de denúncias
que o incriminaram e lhe valeram um processo de impeachment como
presidente da República. Mas as bases lançadas pela Conferência
inspiraram o Plano Decenal da Educação para Todos, em 1993, já no
Governo Itamar Franco. Ao lado do breve sucesso de Collor, naufragara
o primeiro projeto popular da esquerda depois da ditadura, a derrota
do candidato do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio “Lula” da Silva.
A nova correlação de forças alterará, como veremos adiante, o rumo da
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), alimentada
pela Constituinte de 1988 e por um amplo movimento da sociedade
civil nos anos subseqüentes.
De outra parte, o movimento internacional, que veio alavancar
as reformas no Governo Fernando Henrique Cardoso, continuou a

98 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abril 2003


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ganhar expressão por intermédio de outras agências e de outros
documentos sobre a educação. Ainda em 1990, a CEPAL publicou Trans-
formación productiva con equidad, que enfatizava a urgência da implemen-
tação de mudanças educacionais em termos de conhecimentos e habilida-
des específicas, demandadas pela reestruturação produtiva. Em 1992, a
CEPAL volta a publicar outro documento sobre o tema, Educación y
conocimiento: eje de la ttransformación productiva con equidad, vinculan-
do educação, conhecimento e desenvolvimento nos países da América
Latina e do Caribe. A urgência era de uma ampla reforma dos sistemas
educacionais para a capacitação profissional e o aproveitamento da produ-
ção científico-tecnológica ou, em outros termos, dos objetivos “cidadania
e competividade”, critérios inspiradores de políticas de “eqüidade e
eficiência” e diretrizes de reforma educacional de “integração nacional e
descentralização” (op. cit., p. 62-63).
A UNESCO e o Banco Mundial completam o quadro principal dos
impulsionadores externos das reformas. Entre 1993 e 1996, a Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI, convocada pela UNESCO,
composta de especialistas e coordenada pelo francês Jacques Delors,
produziu o Relatório Delors, no qual se fez um diagnóstico do “contexto
planetário de interdependência e globalização”. Evidenciam-se o
desemprego e a exclusão social, mesmo em países ricos. O Relatório faz
recomendações de conciliação, consenso, cooperação, solidariedade para
enfrentar as tensões da mundialização, a perda das referências e de raízes,
as demandas de conhecimento científico-tecnológico, principalmente das
tecnologias de informação. A educação seria o instrumento fundamental
para desenvolver nos indivíduos a capacidade de responder a esses desafios,
particularmente a educação média. Sugere ainda a educação continuada
e a certificação dos conhecimentos adquiridos (idem, p. 65-68).
Como co-patrocinador da Conferência de Jomtien, o Banco
Mundial adotou as conclusões da Conferência, elaborando diretrizes
políticas para as décadas subseqüentes a 1990 e publicando o documento
Prioridades y estratégias para la educación, em 1995. Reitera os objetivos
de eliminar o analfabetismo, aumentar a eficácia do ensino, melhorar o
atendimento escolar e recomenda “a reforma do financiamento e da
administração da educação, começando pela redefinição da função do
governo e pela busca de novas fontes de recursos”, o estreitamento de laços
da educação profissional com o setor produtivo e entre os setores público
e privado na oferta de educação, a atenção aos resultados, a avaliação da
aprendizagem, a descentralização da administração das políticas sociais.
Retoma, também, a teoria do capital humano por meio da inversão em

Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abril 2003 99


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capital humano e atenção à relação custo/benefício. A educação básica
deveria ajudar a “reduzir a pobreza aumentando a produtividade do
trabalho dos pobres, reduzindo a fertilidade, melhorando a saúde” e
gerando atitudes de participação na economia e na sociedade (idem,
p. 72-75).
Nesse contexto, na nova LDB que é aprovada no Governo Cardoso,
a educação básica tem “por finalidades desenvolver o educando, asse-
gurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidada-
nia, e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos poste-
riores” (Lei nº 9.394/96, art. 22) e organiza-se nos níveis fundamentais
e médio (art. 24).
A segunda finalidade, expressa no art. 22 da Lei, fornecer ao
educando “meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”,
apresenta-se como uma instância complementar à cidadania no sentido
de realizar, pela educação, algumas das condições básicas para o exercício
consciente da cidadania política. Neste sentido, a educação básica da
escola brasileira depara-se com problemas que incorporam e ultrapassam
o âmbito nacional e o escolar porque dizem respeito à história e à cultura
do país e à reprodução econômica em todo o planeta, apesar de suas
particularidades locais. Enfocaremos apenas os seguintes aspectos: a
questão histórica da cidadania no Brasil, o domínio da cultura visual e a
necessidade da educação tecnológica ou politécnica.
Historicamente, entendemos o problema da cidadania, no Brasil,
como uma questão mal resolvida. A questão da cidadania é, original-
mente, uma questão alheia à constituição da sociedade brasileira pós-
colonial, situação que teria se prolongado sob o fenômeno da exclusão
dos “cidadãos” brasileiros de diversas instâncias da vida social. A questão
que lhe está subjacente é sobre quem pertence à comunidade política
e, por extensão, quem são os cidadãos e quais são os seus direitos de
brasileiros.3
A história do nascimento da Nação brasileira após a ruptura com
o império colonial (Santos, 1978, p. 78-80), nos anos de 1822 a 1841,
foi crucial para a definição do tipo de sociedade que seria o Brasil.
Para os liberais que conspiraram contra o regime colonial, o poder im-
perial deveria ser diminuído e a “sociedade brasileira” deveria gover-
nar o país. O que significava responder de onde emanava a fonte do
poder político legítimo, se este deveria repousar sobre o centro de
poder ou se o poder deveria ser delegado mediante mecanismos de
representação política e social, quem estava qualificado para estas

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funções, quem pertencia à comunidade política como cidadão político
pleno, para que serviam o governo e o Estado.
Não obstante o conhecimento do pensamento liberal (Locke,
Montesquieu e a versão americana), o que prevaleceu se afastou do pacto
liberal. O pacto constitucional apoiado pela elite brasileira estabeleceu
que o poder imperial antecedia a criação da sociedade. O imperador era
o Poder Moderador e todos os poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo)
e todos os ministros respondiam perante ele e não perante a comunidade
política.
A questão sobre quem pertencia à comunidade política recebeu
“nuances democráticas”. A primeira interpretação excluía da comunidade
política somente os criminosos, os estrangeiros e os religiosos. Mas, como
o pacto político deveria expressar as igualdades e desigualdades existentes
na sociedade que, no pensamento da época, eram naturais, definiu-se que
os homens de posses eram os responsáveis pela riqueza do país e
constituíam a comunidade política. O que se traduziu pelo critério
censitário, de renda para distribuição dos direitos de voto. Posterior-
mente, com o voto obrigatório universal, ampliaram-se os direitos de
votar e ser votado, sem que as condições adequadas de vida, trabalho e
educação tivessem se estendido, efetivamente, para toda a sociedade.
Mas a democracia, a cidadania, assim como os processos de
incorporação de toda a população à sociedade produtiva, não se exercem
em abstrato. Assistimos ao avultar dos problemas derivados do modelo
político perverso das origens do país, agravados pelos desafios do
desenvolvimento científico-tecnológico, das imposições do mercado e
de seus desdobramentos no nível da cultura.
Vivemos imersos em um mundo de altas tecnologias accessíveis
na vida cotidiana e de informações abundantes, caóticas e dispersas, em
que as imagens visuais prevalecem sobre a linguagem verbal, oral e
escrita. Só muito lentamente vamos percebendo que se gerou uma nova
sociabilidade e o que significa viver na “sociedade do espetáculo”, tal
como intuiu e teorizou Guy Débord nos anos de 1960. “O espetáculo
não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas
mediada por imagens.” É uma visão de mundo que se materializou e
não apenas o abuso da visão ou o produto de tecnologias sempre mais
sofisticadas. É um resultado e um modo de produção da existência.
Constitui o modelo atual de vida dominante na sociedade, sob todas
as suas formas: informação, publicidade, televisão, filmes, vídeos,
consumo de divertimentos. Não se trata apenas de novas linguagens,

Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abril 2003 101
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mas de uma nova forma de viver e de se inserir no mundo. “Toda a vida
das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se
apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era
vivido diretamente se tornou representação” (Débord, 1997, p. 13-14).
Se a tese do autor faz sentido, não nos podemos espantar diante
da inconsistência dos valores e comportamentos que regem a vida neste
início de século. Há uma predominância da realidade fragmentada, como
se toda ela fora feita de partes que se combinam e se desprendem para
novas combinações aleatórias, como é possível fazer com um conjunto de
imagens fotográficas em que cada unidade é vista separadamente,
abstraída do contexto que lhe dá o significado, que explica sua gênese e
sua particularidade histórica.
O que está posto como desafio ao conhecimento e à ação é a
fragmentação do mundo e sua reunificação ilusória na sedução da
imagem. A escola, que sempre lidou com o discurso articulado do
pensamento cognitivo, vê-se diante de novas formas de conhecer,
aparentemente mais completas porque envolvem o sentimento, a emoção,
o desejo. Na presença da cultura de tendência hegemônica do visual, a
escola, supostamente, moderniza-se e incorpora acriticamente a imagem
como ilustração, como motivação.
O que é um problema da cultura da sociedade se torna um
problema de aprendizagem escolar. Não que o problema da aprendiza-
gem não exista, mas ele não é reconhecido em todas as suas dimensões.
Pensemos, por exemplo, no avançado desenvolvimento da ciência e na
necessidade de uma educação tecnológica que responda às exigências de
uma leitura atualizada do mundo. Ou pensemos na exaltação do mercado
não apenas como o padrão das relações econômicas, mas de todas as
relações humanas pela subsunção de tudo ao valor mercadoria. Pensemos
na destruição do planeta pelo saqueio inconseqüente das formas de ener-
gia não-renováveis (o carvão, o gás, o petróleo), na fome destruidora de
dois terços da humanidade e nos obstáculos para desenvolver um
comportamento solidário entre os povos.
A base conceptual da educação básica em um novo projeto é,
primeiro, o reconhecimento dos problemas maiores do mundo
globalizado, sob os quais temos que tomar decisões locais. Em segundo
lugar, assumir o direito inalienável do povo a uma escola pública de
qualidade, que garanta a todos os cidadãos a satisfação da necessidade
de um contínuo aprendizado. Neste sentido, a educação é tanto um
direito social básico e universal quanto vital para romper com a histórica
dependência científica, tecnológica e cultural do país, e fundamental

102 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abril 2003
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para a construção de uma nação autônoma, soberana e solidária na
relação consigo mesma e com outras nações. A educação é, portanto,
ao mesmo tempo determinada e determinante da construção do
desenvolvimento social de uma nação soberana. Além de ser crucial para
uma formação integral humanística e científica de sujeitos autônomos,
críticos, criativos e protagonistas da cidadania ativa, é decisiva, também,
para romper com a condição histórica de subalternidade e de resistir a
uma completa dependência científica, tecnológica e cultural.

2. O projeto neoconservador do Governo Cardoso e a política de


educação básica
As análises críticas do período do Governo Fernando Henrique
Cardoso (FHC) são abundantes tanto no âmbito econômico e político
como no social, cultural e educacional. Todas convergem no sentido de
que se trata de um governo que conduziu as diferentes políticas de
forma associada e subordinada4 aos organismos internacionais, gestores
da mundialização do capital e dentro da ortodoxia da cartilha do credo
neoliberal, cujo núcleo central é a idéia do livre mercado e da irreversi-
bilidade de suas leis.
Do ponto de vista econômico e social a síntese a que se chega é de
que foi um período de mediocridade e de retrocesso. Francisco de
Oliveira (2002), apoiando-se em dados de Reinaldo Gonçalves, indica
que “além de ser medíocre, o período FHC tem sido o pior da história
Republicana desde Prudente de Moraes” (p. 2). A avaliação de Perry
Anderson (2002) dá-se na mesma direção.

A característica que define o governo FHC tem sido o neoliberalismo “light”


do tipo que predominou nos anos 90 (...). A dinâmica fundamental do
neoliberalismo se ergue sobre dois princípios: a desregulamentação dos
mercados e a privatização dos serviços. (...) Fernando Henrique Cardoso
leiloou a maior parte do setor estatal e abriu a economia completamente,
apostando na entrada de um fluxo maciço de capital externo para moder-
nizar o país. Após oito anos, os resultados estão aí, evidentes: estagnação
crescente, salários reais em queda, desemprego em nível nunca antes visto
e uma dívida estrondosa. O regime foi condenado aos seus próprios ter-
mos. (Anderson, 2002, p. 2)

A análise mais abrangente e contundente é de James Petras e Henry


Velmeyer (2001) no livro Brasil de Cardoso: a desapropriação do Brasil,
cuja tese central é a de que o governo de FHC governou para “tornar o

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Brasil seguro para o capital”. No campo da saúde e educação, áreas tidas
pelo Governo FHC como de extraordinário avanço e alvos de intensa e
permanente propaganda, segundo Oliveira, não se confirma “a melhoria
dos seus indicadores; pelo contrário, procedimentos metodológicos que
medem incrementos marginais dizem que houve uma desaceleração da
melhoria” (op. cit., p. 2).
Uma análise de longa duração indica-nos que as políticas educa-
cionais dos anos 90, em realidade, ganham compreensão mais ampla e
profunda se as considerarmos como epílogo de três projetos societários
do Brasil que “conviveram e lutaram entre si durante todo o século XX”
(Fiori, 2002, p. 2).5
O primeiro projeto nasceu das idéias do liberalismo econômico,
“mas sua formulação econômica e moderna foi dada pela política
monetarista e ortodoxa e pela defesa intransigente do equilíbrio fiscal e
do padrão-ouro, dos governos paulistas Prudente de Moraes, Campos
Sales e Rodrigues Alves” (idem, ibid.). Ao longo do século XX é a
concepção dominante incorporada pelos ministros da fazenda, C.
Castro, Eugênio Gudin, Otávio Bulhões e Roberto Campos (no período
da ditadura de 1964).
Este projeto, destaca Fiori, “foi o berço da estratégia econômica do
Governo Cardoso” (idem, ibid.), cujo ministro, ao longo de dois man-
datos, foi Pedro Malan. Projeto que sempre se contrapôs ao que Fiori
denomina de “nacional desenvolvimentismo” ou “desenvolvimentismo
conservador” presente na Constituinte de 1891 e nos anos de 1930.
Mais enfaticamente se opunha a um terceiro projeto de “desenvolvimento
econômico nacional e popular”. Esta terceira alternativa “nunca ocupou
o poder estatal, nem comandou a política econômica de nenhum governo
republicano, mas teve enorme presença no campo da luta ideológico-
cultural e das mobilizações democráticas” (idem, p. 3).
Antes da denominada “era FHC” o Brasil experimentou uma década
de intensos debates na travessia da ditadura civil-militar para a redemo-
cratização. O centro desses debates foi canalizado pelo processo consti-
tuinte e, em seguida, pela elaboração da nova Constituição (1988).
Poderíamos arriscar afirmar que o capítulo da ordem econômico-social
incorporou amplas teses do projeto de desenvolvimento “nacional-
popular” e logrou ganhos significativos na afirmação de direitos econô-
micos, sociais e subjetivos.
É neste contexto que os educadores, mediante suas instituições
científicas, culturais, sindicais e políticas, que resistiram no período

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ditatorial, protagonizam inúmeras experiências em prefeituras e depois
em alguns estados, como demonstra detalhadamente Cunha (1991), e
iniciam a construção do projeto da Nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional e do Plano Nacional de Educação.
A travessia para a democracia, entretanto, ficou inconclusa. A
vitória de Collor de Mello, filho das oligarquias nordestinas, muda a
rota e assume o ideário ideológico que vinha se afirmando de todas as
formas, mormente mediante as poderosas redes de informação, de que
estávamos iniciando um “novo tempo”. Este ajustamento pressupunha
conter e restringir a esfera pública e efetivar-se de acordo com as leis da
competitividade do mercado mundial.
Collor de Mello, todavia, revelou-se um fracasso. Tratava-se de
uma solução política inesperada, expressão da incapacidade da classe
dominante de construir um candidato dentro dos quadros políticos
tradicionais. O impeachment, que ao final contou com o apoio até da
poderosa Rede Globo de Comunicação, resultou da sua incapacidade
política de afirmar um projeto de ajuste da sociedade brasileira à nova
(des)ordem mundial sob o signo da mundialização do capital e dos
setores internos a ela associados.
A burguesia brasileira encontra na figura de Fernando Henrique
Cardoso a liderança capaz de construir seu projeto hegemônico de longo
prazo, ao mesmo tempo associado e subordinado à nova (des)ordem da
mundialização do capital. Com efeito, como analisa Francisco de Oliveira
(1996 e 2001), a burguesia brasileira, pela primeira vez, busca um proje-
to de longo prazo, já que até o presente nossa história é uma sucessão de
ditaduras e golpes institucionais.
Cardoso construiu um governo de centro-direita e, sob a ortodoxia
monetarista e do ajuste fiscal, agora no contexto da férrea doutrina dos
organismos internacionais e sua cartilha do Consenso de Washington,
efetiva as reformas que alteram profundamente a estrutura do Estado
brasileiro para “tornar o Brasil seguro para o capital”. O fulcro deste
projeto, como aludimos acima, é a doutrina neoliberal ou, mais apropria-
damente, neoconservadora. Essa doutrina se baliza por alguns pressu-
postos que se constituem numa verdadeira bíblia desta nova hegemonia
em construção em nível global, mas, com mais ênfase e destroços práticos,
implanta-se em países como o Brasil.
O conjunto de pressupostos assumidos e partilhados pelo projeto
econômico-social do Governo Cardoso é extraído da cartilha neoliberal
do Consenso de Washington e pode ser resumido nos seguintes:

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primeiramente que acabaram as polaridades, a luta de classes, as
ideologias, as utopias igualitárias e as políticas de Estado nelas baseadas.
A segunda idéia-matriz é a de que estamos num novo tempo – da glo-
balização, da modernidade competitiva, de reestruturação produtiva, de
reengenharia –, do qual estamos defasados e ao qual devemos ajustar-
nos. Este ajustamento deve dar-se não mediante políticas protecionis-
tas, intervencionistas ou estatistas, mas de acordo com as leis do merca-
do globalizado, mundial.6
O ajuste ou “concertación” traduz-se por três estratégias articuladas
e complementares: desregulamentação, descentralização e autonomia e
privatização. A desregulamentação significa sustar todas as leis: normas,
regulamentos, direitos adquiridos (confundidos mormente com privilé-
gios) para não inibir as leis de tipo natural do mercado. No caso brasilei-
ro, para a reforma constitucional, a reforma da previdência e a reforma
do Estado, o fulcro básico é de suprimir leis, definir bases de um Estado
mínimo, funcional ao mercado.
A descentralização e a autonomia constituem um mecanismo de
transferir aos agentes econômicos, sociais e educacionais a responsabi-
lidade de disputar no mercado a venda de seus produtos ou serviços. Por
fim, a privatização fecha o circuito do ajuste. O máximo de mercado e o
mínimo de Estado. O ponto crucial da privatização não é a venda de
algumas empresas apenas, mas o processo do Estado de desfazer-se do
patrimônio público, privatizar serviços que são direitos (saúde, educação,
aposentadoria, lazer, transporte etc.) e, sobretudo, diluir, esterilizar a
possibilidade de o Estado fazer política econômica e social. O mercado
passa a ser o regulador, inclusive dos direitos.
Desse ajuste resulta uma realidade perversa e cínica que Renato
Janine Ribeiro (2000) sintetizou como sendo “a sociedade contra o
social”, onde “no discurso dos governantes ou no dos economistas a
‘sociedade’ veio a designar o conjunto dos que detêm o poder econômico,
ao passo que o ‘social’ remete, na fala dos mesmos governantes ou dos
publicistas, a uma política que procura minorar a miséria” (Janine, 2000,
p. 19). Isso nos permite entender o protagonismo dos organismos
internacionais, mormente do Banco Mundial e do Banco Interamericano
de Desenvolvimento, nas reformas sociais e educacionais da última
década.
Em seu conjunto, o projeto educativo do Governo Cardoso
encontra compreensão e coerência lógica quando articulado com o
projeto de ajuste da sociedade brasileira às demandas do grande capital.
As demandas da sociedade organizada são substituídas por medidas

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produzidas por especialistas, tecnocratas e técnicos que definem as
políticas de cima para baixo e de acordo com os princípios do ajuste.
Cunha (1995), ao analisar as propostas educacionais dos candidatos
Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva (Lula), observava:

A plataforma de Lula resultou de um processo mais indutivo, de modo que


segmentos de interesse social e partidário tiveram especial espaço nos docu-
mentos (negros, mulheres “profissionais da educação”), o que exigiu maior
insistência nos princípios gerais, de modo que se mantivesse a unidade. (...)
O documento de FHC foi elaborado por especialistas em planejamento gover-
namental, razão pela qual se pôde selecionar as demandas que seriam incor-
poradas a partir das diretrizes gerais. (Cunha, 1995, p. 95)

E que especialistas foram estes? Na sua maioria, intelectuais alta-


mente preparados em universidades do exterior e com passagem, alguns
muito longa, outros mais breve, nos organismos internacionais que estão
na base das reformas educativas: Banco Mundial, Banco Interamericano
de Desenvolvimento, Organização Internacional do Comércio (OIT) etc.
Esta lista é encabeçada com aquele que seria o ministro de Educação de
FHC por oito anos, Paulo Renato Souza, e completada, entre outros, por
João Batista de Araújo, Cláudio de Moura Castro, Guiomar Namo de
Melo e Maria Helena Guimarães Castro.
E quais as demandas e que grupos foram beneficiados no campo
educativo? Sem dúvida aqueles grupos que estão articulados historica-
mente com o metabolismo do capital dos centros hegemônicos neste
novo contexto de sua mundialização. É o Governo Cardoso que, pela
primeira vez, em nossa história republicana, transforma o ideário
empresarial e mercantil de educação escolar em política unidimensional
do Estado. Dilui-se, dessa forma, o sentido de público e o Estado passa
a ter dominantemente uma função privada. Passamos assim, no campo
da educação no Brasil, das leis do arbítrio da ditadura civil-militar para
a ditadura da ideologia do mercado (Frigotto, 2002).
José Rodrigues (1988) evidencia-nos que os empresários, por
intermédio de seus organismos de classe, especialmente desde os anos
de 1930, disputavam a hegemonia de seu pensamento educacional não
só no âmbito da formação e qualificação profissional, mas, mais
amplamente, da educação escolar. Trata-se de ajustar a educação escolar
que serve à reestruturação produtiva e às mudanças organizacionais e a
base técnico-científica à nova divisão internacional do trabalho. Este
intento nem mesmo no período da ditadura civil-militar foi atingido.
Isso vai ocorrer de forma explícita e orgânica no Governo Cardoso.

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Em diferentes análises, Neves (1994, 1995, 1999, 2000a,
2000b e 2002) efetiva um detalhado exame das políticas educacionais
das décadas de 1980 e 1990 e de quais os determinantes estruturais e
conjunturais, dentro da nova ordem mundial, que nos permitem
entender a presença dominante do pensamento empresarial na educação
no Brasil.
O projeto de educação básica do Governo Cardoso afirma-se sob a
lógica unidimensional do mercado, explicitando-se tanto no âmbito
organizativo quanto no do pensamento pedagógico. Como as idéias de
um projeto de desenvolvimento “nacional popular” e autônomo passaram
a ser ridicularizadas, também o foi a perspectiva de uma educação básica
omnilateral, politécnica ou tecnológica (Saviani, 2003).
A ausência de uma efetiva política pública, com investimentos no
campo educacional, compatíveis com o que representa o Brasil em termos
de geração de riqueza, vai conduzindo a medidas paliativas que reiteram
o desmantelamento da educação pública em todos os seus níveis. Uma
das estratégias utilizadas por alguns estados para diminuir os custos na
educação básica tem sido a utilização do teleensino, mediante compra de
pacotes do Telecurso 2000 da Rede Globo de Televisão.7
A dimensão talvez mais profunda e de conseqüências mais graves
situa-se no fato de que o Governo Fernando H. Cardoso, por intermédio
do Ministério da Educação, adotou o pensamento pedagógico empresa-
rial e as diretrizes dos organismos e das agências internacionais e regio-
nais, dominantemente a serviço desse pensamento como diretriz e
concepção educacional do Estado. Trata-se de uma perspectiva pedagó-
gica individualista, dualista e fragmentária coerente com o ideário da
desregulamentação, flexibilização e privatização e com o desmonte dos
direitos sociais ordenados por uma perspectiva de compromisso social
coletivo. Não é casual que a ideologia das competências e da empregabili-
dade8 esteja no centro dos parâmetros e das diretrizes educacionais e dos
mecanismos de avaliação.
Maria H. Guimarães Castro, secretária da Secretaria de Ensino
Superior (SESU) do Ministério da Educação (MEC) e diretora do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), responsável pela
Avaliação Nacional do Ensino Superior (Lei nº 9.131, o “Provão”), pelo
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e pelo Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica ( SAEB), 9 explicita claramente que as
competências que devem ser avaliadas são aquelas que os empresários
indicam como desejáveis.

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Em uma pesquisa recente realizada pelo MEC, sobre o que o mercado de
trabalho esperava dos alunos ao final do Ensino Médio de cursos profissio-
nalizantes, revelou-se que as empresas querem que esses estudantes tenham
domínio de Língua Portuguesa, saibam desenvolver bem a redação e se co-
municar verbalmente. Esta é uma das competências gerais que o ENEM pro-
cura avaliar e que a Reforma do Ensino Médio procura destacar. Em segun-
do lugar, os empresários querem que os futuros trabalhadores detenham os con-
ceitos básicos de matemática e, em terceiro lugar, que tenham capacidade de
trabalhar em grupo e de se adaptar a novas situações. Portanto o que os em-
presários estão esperando dos futuros funcionários são as competências ge-
rais que só onze anos de escolaridade geral podem assegurar. (Castro,
2001; grifos nossos)

A afirmação de Castro não acrescenta, todavia, que essas compe-


tências gerais vêm demarcadas pela perspectiva unidimensional daquilo
que “serve para o mercado”.10 Fica patenteado que a análise de Rodrigues
(1998) sobre a disputa dos empresários pela hegemonia do pensamento
pedagógico para além da formação profissional específica materializa-se
no Governo Cardoso. Isso corrobora as análises de Neves (2002) sobre a
reprodução do trabalho simples e adaptação ao complexo na divisão
internacional do trabalho, e as análises de Giovani Arrighi (1998) que
mostram que países semiperiféricos, como o Brasil, desenvolvem as
atividades neuromusculares, ao passo que os países do capitalismo
orgânico central desenvolvem as atividades cerebrais.

2.1. A LDB minimalista e a face privada do Conselho Nacional de


Educação
A estratégia do Governo Cardoso de subordinar as reformas educa-
tivas, no plano organizativo e pedagógico, ao projeto de ajuste econômi-
co-social fica evidente já pela repulsa ao projeto de LDB construído a
partir de mais de 30 organizações científicas, políticas e sindicais, congre-
gadas no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Sua estratégia
aprofunda-se pela natureza e composição do Conselho Nacional de Edu-
cação.
O infindável processo de tramitação da LDB e as centenas de
emendas e destaques11 feitos pelos parlamentares da base de governo,
em verdade, eram uma estratégia para ganhar tempo e ir implantando
a reforma educacional por decretos e outras medidas. O pensamento
dos educadores a sua proposta de LDB não era compatível com a
ideologia e com as políticas do ajuste e, por isso, aqueles foram

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duramente combatidos e rejeitados. Foi por isso, também, que o
projeto de LDB oriundo das organizações dos educadores, mesmo sendo
coordenado, negociado e desfigurado pelos relatores do bloco de
sustentação governamental, foi rejeitado pelo governo. Todas as decisões
fundamentais foram sendo tomadas pelo alto, pelo Poder Executivo,
por meio de medidas provisórias, decretos ou por leis conquistadas no
Parlamento mediante o expediente da troca de favores.
A demora do governo para aprovar projeto substitutivo do senador
Darcy Ribeiro, que desfigurava o projeto dos educadores que tramitava
na Câmara, também nada teve de inocente. Tratava-se de uma estratégia
para, ao mesmo tempo, ir transformando esse substitutivo em projeto
adequado aos interesses do governo e ir impondo sua política de ajuste
pontual e tópico no campo educacional.
A Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96), finalmente aprovada
pelo Congresso, resultou da iniciativa personalista do senador Darcy
Ribeiro e representou, para Florestan Fernandes (1991) uma dupla
traição: fez uma síntese deturpada do longo processo de negociação do
projeto negociado com a sociedade organizada e deu ao governo, que não
tinha projeto de LDB, o que este necessitava. Coerentemente, então, como
evidencia Saviani, em minuciosa análise dos projetos de LDB em disputa,
deveria ser uma LDB minimalista e, portanto, em consonância com a
proposta de desregulamentação, de descentralização e de privatização e
“compatível com o Estado Mínimo” (Saviani, 1997, p. 200).
Poderíamos dizer, sem exagero, que a nova LDB é uma espécie de
ex-post cujo formato, método de construção e conteúdo se constituem
em facilitador para medidas previamente decididas e que seriam, de
qualquer forma, impostas. Exemplar, neste particular, como veremos
adiante, é o que veio a se denominar de educação profissional. Apesar
de a LDB já dar as diretrizes, o Decreto nº 2.208 de 1997, que é uma
cópia quase fiel do Projeto de Lei nº 1.603/96, veio regulamentar a
Lei, embora tenha encontrado ampla resistência, no Parlamento,
mediante a pressão das organizações que compunham o Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública.
Durante os anos da ditadura e na transição, um dos espaços
profundamente comprometidos e envolvidos em negociatas com os
grupos do privatismo foi o Conselho Federal de Educação. Ao longo dos
anos constituiu-se como uma espécie de câmara de troca de favores junto
ao Ministério da Educação, concebido como um órgão da Administração
Federal e subordinado ao Poder Executivo. Por isso, no contexto do amplo
movimento de redemocratização da sociedade brasileira, a natureza e a

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composição do Conselho Federal de Educação foi alvo de intensos deba-
tes. Como reflexo disto, o projeto de LDB apresentado na Câmara pelo
deputado Otávio Elísio, em 1988, propunha um Conselho Nacional de
caráter deliberativo e legislativo com autonomia econômica, financeira e
administrativa. Este teria uma composição com a indicação de um terço
pelo ministro da Educação, um terço pela Câmara Federal e um terço
pelas entidades representativas do magistério. O mesmo espírito foi
mantido pelo substitutivo Jorge Hage e aprovado na Câmara. Tratava-se
de um extraordinário avanço.
Esta perspectiva autônoma do Conselho e a forma democrática
de sua composição se confrontam com as diretrizes gerais da conforma-
ção da educação ao ajuste estrutural proposto pelo governo no âmbito
das reformas do Estado. O substitutivo do senador Darcy Ribeiro,
como demonstra Saviani (op. cit., p. 207), não fazia nenhuma menção
ao Conselho e, na tramitação, fez-se uma referência no inciso IX do
artigo 9º, mantido na versão final aprovada e sancionada, que diz: “Na
estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com
funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por
lei”. Esta formulação, como bem analisa Saviani, permitiu manter o
Conselho Nacional de Educação tutelado e sob o controle do Executivo
e, portanto, em direção oposta ao projeto aprovado pela Câmara Federal
em que o “CNE tinha um outro caráter: era uma instância com funções
deliberativas no âmbito da educação análogas àquelas exercidas pelo
Legislativo e Judiciário no âmbito da sociedade como um todo” (idem,
p. 208).
Prevalecendo o caráter consultivo do CNE e sob a égide do MEC, ao
longo dos oito anos de mandato do Governo Cardoso o ministro Paulo
Renato Souza nomeou os conselheiros em número mais que suficiente
para que nada, que fosse fundamental ao projeto educativo preconcebido,
escapasse do seu controle. Na primeira composição foram incluídos
alguns nomes sugeridos pelas entidades do magistério, mas sem força
suficiente para além de retardar ou dificultar algumas medidas. No
segundo mandato do ministro (1998-2002), o CNE, reeditando o
passado, foi espaço de legitimação do projeto mercantilista e privatista
do Governo Cardoso.

2.2. O Plano Nacional de Educação: projetos em disputa


Os planos nacionais de educação destinam-se a regulamentar a
lei nacional de educação em termos de traduzir a política educacional

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em vigor em estratégias de cumprimento da lei. Esse procedimento supõe
uma ampla negociação com a sociedade e com o Legislativo de modo que
se garanta a orientação política da lei por meio da destinação efetiva de
recursos e da elaboração de instrumentos legais complementares. No
Brasil, onde a tradição autoritária suplanta, freqüentemente, os procedi-
mentos democráticos, os planos educacionais aproximam-se da política e
assumem sua feição mais genérica, ficando a salvo do cumprimento de
metas definidas em função dos problemas a resolver.
As políticas e os planos educacionais, implementados em nível do
Estado, no Brasil, acompanham as vicissitudes da sociedade brasileira na
falência de não consolidar, até hoje, uma sociedade democrática e de não
incorporar amplos setores populares a um projeto superior de país.12
Os planos nacionais de educação, num primeiro momento da
vida nacional, adquirem o sentido de lei e se aproximam das políticas
educacionais em gestação (anos 20 e 30). Num segundo momento eles
são vistos como uma parte do planejamento estabelecido e refletem a
relação educação e desenvolvimento econômico (a partir do final dos
anos 40).
Neste sentido, ou a idéia de plano nacional de educação esvazia-se
e o plano assume o sentido restrito de plano de aplicação de recursos (na
LDBEN nº 4.024 de 1961) ou assume a forma de um plano de governo
contendo metas qualitativas e quantitativas que vão subsidiar os planos
posteriores. Os planos subseqüentes a 1964 saem gradativamente do
âmbito dos pedagogos, para os tecnocratas, economistas e engenheiros
da “nova” economia nacional dos anos 70 que se prolongou até a década
atual (Horta, 1982 e 1997).13
O atual Plano Nacional de Educação (PNE), na forma da Lei nº
10.172 de 9/1/2001, é uma resposta autocrática do Governo Cardoso
(1994-2002) ao Plano Nacional da Educação da Sociedade Brasileira,
elaborado sob a liderança do Fórum Nacional em Defesa da Escola
Pública, que também conduziu a elaboração do projeto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a partir de 1986, juntamente
com a Constituinte de 1988.14 O que se deu por intermédio de
inúmeros encontros preparatórios e seminários temáticos, nos diversos
pontos do país. O deputado federal Ivan Valente analisa os dois projetos
em disputa como dois projetos de Brasil (Valente, 2001). O projeto
governamental foi orientado pelo centralismo de decisões, da formulação
e da gestão da política educacional, principalmente na esfera federal.
Pauta-se pelo progressivo abandono, por parte do Estado, das tarefas de
manutenção e desenvolvimento do ensino, por meio de mecanismos de

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envolvimento de pais, organizações não-governamentais, empresas e de
apelos à “solidariedade” das comunidades onde se situam as escolas e os
problemas. O que resultou em parâmetros privatistas para o funciona-
mento dos sistemas de ensino.
O projeto da sociedade brasileira reivindicava e continua a reivin-
dicar o fortalecimento da escola pública estatal e a democratização da
gestão educacional “como eixo do esforço para universalizar a educação
básica” (fundamental e média) e, progressivamente, o ensino superior. Na
prática, significaria passar do investimento de 4% do PIB em educação
para 10% ao final de dez anos de PNE.
A resposta governamental, quando trata da competência da União,
contorna “a necessidade de indicar prazos e de apontar o setor competen-
te pela execução da meta, contrariamente ao sentido, muitas vezes
invasivo, com que normatiza condutas e procedimentos aos estados e
municípios” e procede “à transferência de responsabilidades da União aos
entes subnacionais, como tentativa de remediar os males decorrentes de
ações anteriores do governo federal”, como é o caso do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valoriza-
ção do Magistério (FUNDEF) (Davies, 1999, p. 11-12 e 35).15
Para o movimento civil organizado, que defendeu o PNE , o
Presidente FHC “veta o que faria do PNE um plano” e comunica os vetos ao
Parlamento (Mensagem nº 9 de 9/1/2001) informando que “quem
orientou a imposição dos vetos ao PNE foi a área econômica do governo,
através dos Ministérios do Planejamento e da Fazenda”, o que significa,
de modo especial, “as razões da política ditada pelo FMI” (Valente, 2001,
p. 37). A retração do Estado e a privatização dos serviços, ao contrário
do discurso oficial e publicitário, não trouxeram benefícios à população.
Ao contrário, privatizaram e elitizaram os serviços, transferiram o cliente-
lismo populista para o clientelismo junto às organizações da sociedade
civil e introduziram o voluntariado como uma questão de “cidadania”.
São políticas que visam a minorar os efeitos da expropriação econômica e
cultural que atingem as classes assalariadas (subempregados e desem-
pregados), marginalizados, em diversos níveis, dos benefícios sociais
propiciados pelo desenvolvimento das forças produtivas. São políticas
pobres para os pobres.16

2.3. A educação fundamental e os Parâmetros Curriculares Nacionais


A política de ensino fundamental, no seu âmbito organizativo e
pedagógico, foi eleita como prioridade central dos oito anos do Gover-

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no Cardoso. Como assinalamos acima, não houve uma efetiva melhora
em seus indicadores básicos. Em estudo recente, Davies (2003) aponta
discrepâncias nas análises estatísticas do Ministério da Educação e
questiona a campanha de 1997/1998, “Toda criança na escola”, que teria
sido viabilizada pelo FUNDEF.17
Com efeito, a educação infantil, a educação de jovens e adultos, a
educação de nível médio e superior ficaram relegadas a iniciativas tópicas.
A educação infantil, ou de 0 a 6 anos, foi delegada aos governos muni-
cipais ou às famílias, com a penalização da classe trabalhadora. A
educação de jovens e adultos passou a se reduzir às políticas de formação
profissional ou requalificação deslocada para o Ministério do Trabalho ou
para iniciativas da sociedade civil. Na educação média, a política foi de
retroceder ao dualismo estrutural entre o ensino médio acadêmico e
técnico. No nível superior apostou-se deliberadamente na expansão de-
senfreada do ensino privado.18 Um aumento de 80% nos oito anos do
Governo Cardoso, sendo que aproximadamente 76% no nível privado.
Em alguns estados da União, como no caso do Rio de Janeiro, houve um
decréscimo na oferta do ensino superior público de 2,6%.
Em que sentido se pode afirmar que o resultado da prioridade do
ensino fundamental foi pífio? Como indicamos no item 2, a concepção
organizativa e pedagógica do projeto educativo do Governo Cardoso
funda-se nos critérios mercantilistas, economicistas e, portanto, num
caráter instrumental. O dogma de não comprometer o ajuste fiscal não
poupou a prioridade do ensino fundamental. O governo aumentou as
estatísticas de acesso,19 o que é um dado positivo, mas insuficiente, pois
degradou as condições de democratização do conhecimento.
A análise criteriosa feita por Saviani dos projetos de LDB da Câmara,
do Senado e da lei aprovada sinaliza um aspecto muito sutil, mas
revelador de que o Governo Cardoso não queria comprometer-se com
mais gastos na educação fundamental. A LDB aprovada restringiu, no
Direito, Dever e Liberdade de Educar, o preceito constitucional que diz:
“O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito subjetivo” (art. 208,
inciso VII, parágrafo I). Na LDB está escrito: “o acesso ao ensino
fundamental é direito publico subjetivo” (art. 5º) (Saviani, 1997, p.
203). Para Saviani, esta restrição tanto abre a possibilidade de o governo
não se obrigar à gratuidade como pode ter sido uma medida preventiva
para não estender a obrigatoriedade e a gratuidade ao nível médio de
ensino, as quais haviam sido aprovadas no projeto da Câmara, elaborado
com intensa participação do Fórum Nacional em Defesa da Escola
Pública.

114 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abril 2003
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O não-comprometimento efetivo com a melhoria da educação
fundamental se manifesta pela descentralização autoritária dos encargos
de manutenção da educação infantil e fundamental pelos municípios sem
garantir, em sua maioria, condições mínimas de manter um atendimento
qualitativo. Com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) para
permitir um gasto mínimo aluno/ano no ensino fundamental, os
municípios aceleraram o processo de incorporação das matrículas depois
que perceberam que poderiam, com isso, aumentar suas receitas compul-
sórias. Em certos casos houve matrículas fantasmas.20
O FUNDEF, todavia, funcionou como uma espécie de condomínio
onde o governo federal induz a transferência dos estados aos municípios
e centraliza outros recursos e os redistribui para os que não atingem o
teto mínimo, menos de 400 reais aluno/ano. Isso se confirma pelas
conclusões a que chega José M. de Rezende Pinto:

O governo federal divulga relatórios róseos sobre os efeitos do Fundo (MEC,


1999), curiosamente, divulgando apenas os ganhos de receitas dos muni-
cípios, sem mostrar que estes recursos “ganhos” correspondem exatamente
às quantias perdidas pelas redes estaduais, mesmo porque os recursos adi-
cionais federais são ínfimos (menos de 3% dos recursos do Fundo). (...)
Portanto, nos anos FHC, apesar de o país ter vivido um progressivo aumen-
to da carga tributária, esta melhoria de arrecadação não repercutiu no sen-
tido de ampliar efetivamente os gastos com ensino no Brasil. (Pinto, 2002,
p. 117 e 128)21

O fraco investimento efetivo na educação fundamental soma-se


não na valorização que o FUNDEF preconiza na própria sigla, mas na
desvalorização do magistério. As apelativas e seqüenciais campanhas de
“adote uma escola”, “amigos da escola”, “padrinhos da escola” e, depois,
do “voluntariado” explicitam a substituição de políticas públicas
efetivas por campanhas filantrópicas. No âmbito organizativo e
institucional, a educação básica, de direito social de todos, passa a ser
cada vez mais encarada como um serviço ou filantropia. Com isso se
passa a imagem e se instaura uma efetiva materialidade de que a
educação fundamental não é dever do Estado e espaço para profissionais
especializados e qualificados, mas para ações fortuitas e tópicas de
amigos, padrinhos e de voluntários. Os professores foram sendo
prostrados por uma avalanche de imposições, reformas sobre reformas
e mudanças sobre mudanças, humilhados nas suas condições de vida e
de trabalho e ignorados e desrespeitados no seu saber e profissão.

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No plano pedagógico duas políticas do governo federal no ensino
fundamental – os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a avaliação
(SAEB) – explicitam, ao mesmo tempo, o caráter dedutivo e, pelo alto das
propostas educacionais do Governo Cardoso, apontadas acima por
Cunha, a sua perspectiva economicista e mercantilista.
Esta característica de definição pelo alto não só se contrapôs a lutas
históricas e a inúmeros estudos construídos com base na realidade socio-
cultural e econômica do país, mas na forma em que se realiza está repleta
de incongruências. Por diferentes ângulos as análises de Edith Frigotto,
Lucíola L. de P. C. Santos e de Alicia Bonamino e Silvia A. Martinez
realçam estas contradições e seus efeitos imobilizadores que interferem
negativamente sobre os processos de construção do conhecimento.
Para Edith Frigotto (1999), o governo proclama a importância de
as escolas produzirem, dentro de suas realidades e de forma participativa,
seus currículos e propostas político-pedagógicas. Essas propostas, todavia,
vêm sendo atropeladas por diferentes mecanismos e exigências que
transformam, na prática, os PCNs, produzidos por especialistas e consulto-
res distanciados das condições concretas da realidade brasileira, numa
imposição obrigatória. A autora destaca como mecanismos que induzem
ao constrangimento obrigatório, entre outros, o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (SAEB), montado a partir dos PCNs, a política
do livro didático e a formação nacional dos professores da educação básica
em serviço.
Lucíola L. de P. C. Santos (2002), numa mesma perspectiva de
análise, mostra que a concepção dos PCNs, tal qual foi proposta, apresenta-
se inviável, tanto do ponto de vista da natureza do processo de construção
curricular, que implica constante construção e reconstrução a partir de
realidades concretas, quanto das condições objetivas de sua realização e
avaliação. A pesquisadora pergunta:

Como implementar os parâmetros Curriculares Nacionais se os professores


têm que resolver problemas sociais, restando pouco tempo para conteúdos
educacionais previstos naquela proposta? Qual a finalidade do SAEB se já sa-
bemos que não existe na escola espaço para o desenvolvimento dos conteú-
dos acadêmicos nas formas como são propostos? Como formar um super-
profissional da educação, capaz de lidar com problemas tão complexos, se a
carreira do magistério é tão pouco atrativa do ponto de vista salarial e profis-
sional? (Santos, 2002, p. 368)
O caráter alheio dos PCNs, feitos pelo alto, aos processos e às
mediações complexas constitutivas das realidades socioculturais onde se

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efetivam os sistemas municipais de educação ratifica-se de forma
emblemática no fato de, como mostram Alicia Bonamino e Silvia A.
Martinez, o Ministério da Educação ignorar os estudos e as próprias
Diretrizes Curriculares Nacionais produzidas pelo Conselho Nacional
de Educação. Para as autoras o processo de constituição dos PCNs pelo
MEC e das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) pelo CNE estabeleceu
uma inversão e uma omissão mútua. “Percebemos que se tratava de
uma política construída num movimento invertido, no qual os PCNs,
apesar de serem instrumentos normativos de caráter mais específico,
foram construídos e encaminhados de forma a reorientar um instrumen-
to de caráter mais geral como as DCNs” (Bonamino & Martinez, 2002,
p. 385). A inversão a que se referem é coerente com a decisão do Execu-
tivo de impor à sociedade um Conselho Nacional de Educação consulti-
vo e subordinado ao MEC e não um Conselho, como analisamos acima,
autônomo e deliberativo.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB)22
constitui-se em mais um instrumento coercitivo, também produzido pelo
alto, e que tem um efeito desagregador e inócuo se consideramos os
aspectos acima apontados por Santos (op. cit.). O que o MEC recolhe são
dados que, se efetivamente analisados como o faz uma pesquisa da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, acabariam
reprovando o conjunto de políticas do próprio Ministério.23 Trata-se de
uma avaliação que não avalia as condições de produção dos processos de
ensino e que não envolve diretamente o corpo docente, portanto não é
avaliação e sim uma mensuração simples. A forma de divulgação e o uso
desta “medida” como avaliação punitiva pelo Ministério da Educação ou
a sua utilização seletiva como critério de acesso ao nível superior e ao
emprego ampliam as suas deformações. Ressaltamos que não se trata de
negar o direto e o dever do Estado de avaliar, o que está em questão é o
método, o conteúdo e a forma autoritários e impositivos de sua
implementação.

2.4. A reforma da educação média e técnica e a emergência da educa-


ção tecnológica24
No final dos anos 70, algumas das mais renomadas Escolas
Técnicas Federais (Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro, e mais tarde,
durante o Governo Sarney, Bahia e Maranhão) transformam-se em
Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETs – (Lei nº 6.545 de
30/6/1978).25 O que significava passar a oferecer não apenas educação

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de nível médio técnico, mas também cursos de nível superior (graduação
e pós-graduação em engenharia industrial e tecnólogos, licenciaturas
plena e curta nas áreas de formação de professores e especialistas, cursos
de extensão, especialização e aperfeiçoamento, e pesquisas na área técnico-
industrial – art. 2º). Na prática, o governo do general Ernesto Geisel dava
uma nova função às escolas que ministravam cursos de engenharia de
operação, naquele momento em situação delicada porque a procura maior
era a engenharia plena das universidades.
A “educação tecnológica” pode ter sido apenas mais um novo
nome para a realidade que se desejava criar. No entanto o desenvolvi-
mento científico-tecnológico, que fazia parte do ideário nacional-
desenvolvimentista dos militares no poder desde 1964, era uma reali-
dade em expansão no mundo ocidental.
Nas últimas décadas, o desenvolvimento científico-tecnológico
responde por um novo fator fundamental: disponibilidade ampla da
microeletrônica e baixos custos no processamento da informação. Toma
força um processo de profunda reestruturação do aparato produtivo
com a incorporação de tecnologias intensivas em informação com base
na microeletrônica (Ciavatta, 2002, p. 60). Eleva-se a composição
técnica do capital e altera-se a divisão internacional do trabalho, sua
divisão social, sexual e de reprodução humana (Gitahi & Rabelo,
1997). Surge um novo perfil ocupacional no qual é sensível o aumento
dos requisitos educacionais para o mercado formal. Há uma progressiva
substituição da força física pelas “capacidades intelectuais”.
Esta é a base do que Adam Schaff (1990) chamou de “sociedade
informática”, assinalando tendências, hoje, em grande parte realizadas,
tais como sociedade do tempo livre/sociedade do desemprego,
qualificação/desqualificação, centralização/descentralização, autonomia/
controle etc. É o que hoje se denomina “sociedade do conhecimento”,
cujas análises destacam a nova sociabilidade do capital. Na competição
entre os capitais e na subordinação do trabalho ao capital, essas análises
elidem a questão das classes sociais. Neste contexto, no plano político-
ideológico, ganham divulgação as teses da sociedade pós-industrial,
pós-capitalista, pós-moderna, sociedade sem classes, fim da história,
fim das ideologias, interpretações parciais de processos complexos, teses
que não revelam seus interesses particulares e sua própria ideologia.
Neste trabalho, consideramos que o projeto educacional, em seu
conjunto, não pode estar desvinculado do projeto social mais amplo.26
Antes, deve estar articulado às políticas de desenvolvimento econômico

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locais, regional e nacional; às injunções do desenvolvimento científico-
tecnológico; às políticas de geração de emprego, trabalho e renda, junta-
mente com aquelas que tratam da formação e da inserção econômica e so-
cial da juventude. Supõe que se mobilize a capacidade produtiva nacional
em favor do crescimento, aproveitando toda a capacidade técnica, empre-
endedora e criadora do povo.
A reforma educacional praticada pelo Governo FHC, no seu conjun-
to e, em particular, em relação à educação tecnológica e à formação
profissional, foi coerente com o ideário do liberalismo conservador em
termos econômicos e sociais, tanto na concepção quanto na ação prática.
O Decreto nº 2.208/97 é uma síntese emblemática desse ideário. Esse
decreto foi complementado, como instrumento coercitivo, pela Portaria
do MEC nº 646 de 1997, que obriga os Centros Federais de Educação
Tecnológica a restringirem em 50% as matrículas do nível médio integra-
do, das oferecidas em 1966, com o indicativo de extensão futura. A arma
do MEC para isso era a concessão de mais ou menos recursos de acordo
com a adesão à portaria. No plano pedagógico, a Resolução nº 04/99 e o
Parecer CNE/CEB nº 16/99, que traçam as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para os cursos técnicos de nível médio, escancaram a perspectiva
economicista, mercantilista e fragmentária mediante a pedagogia das
competências e a organização do ensino por módulos, sob o ideário da
ideologia da empregabildiade.
Ele reinstaura uma nova forma de dualismo na educação ao separar
a educação média da educação técnica. Por isso ele é incompatível, teori-
camente e em termos de ação política, com um projeto democrático de
educação adequado ao baixo nível de escolaridade básica e de formação
profissional da população economicamente ativa, no sentido de superar
essa realidade.
Ainda não há um acúmulo de conhecimento para se saber,
exatamente, os termos de implantação da reforma nos CEFETs a partir
do Decreto nº 2.208/97. Algumas instituições aderiram ao projeto do
governo. Outras estudam sua adaptação. A Câmara de Ensino do
Conselho de Diretores dos CEFETs (CONCEFET) e o Fórum de Diretores
de Ensino dos CEFETs, a partir do projeto pedagógico implementado
nas instituições federais de educação tecnológica, elaboraram um
documento onde registram “um novo modelo pedagógico pautado no
desenvolvimento de currículos por competências”.27 De outra parte,
defendem que “a educação tecnológica deve abranger todas as dimen-
sões da vida e desenvolver todas as potencialidades científicas, sociais,
políticas e culturais”, sinalizando que isso “ultrapassa os limites do

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ensino tradicionalmente chamado técnico, ao integrar o saber e o fazer”
e a reflexão sobre significado destas ações em uma sociedade em que os
valores humanos estão em transformação (Conselho, 2002).
Coerentemente com as reflexões e experiências teórico-políticas de
especialistas e trabalhadores da educação em todos os níveis do sistema
educacional no país, acumuladas historicamente, cabe a defesa de uma
escola unitária, que supere o dualismo da organização social brasileira,
com conseqüências para a organização do sistema educacional. O que
significa a superação definitiva da concepção que separa a educação geral,
propedêutica, da específica e profissionalizante, a primeira destinada aos
ricos, e a segunda, aos pobres. Essa perspectiva não admite subordinar a
política educacional ao economicismo e às determinações do mercado,
que a reduz aos treinamentos para preenchimento de postos de trabalho
transitórios. Isso supõe recuperar, no plano conceitual, o debate da con-
cepção de educação tecnológica ou politécnica, fundamental na orienta-
ção da educação básica e, em especial, do ensino médio das escolas
técnicas federais e estaduais e dos Centros Federais de Educação Tecnoló-
gica. Por essa concepção, a educação básica estrutura-se em consonância
com o avanço do conhecimento científico e tecnológico, fazendo da
cultura técnica um componente da formação geral, articulada com o
trabalho produtivo. Isso pressupõe a vinculação da ciência com a prática,
bem como a superação das dicotomias entre humanismo e tecnologia, e
entre formação teórica geral e técnica instrumental.

3. Considerações finais: da resistência ativa à urgência de inverter a


direção
A direção da análise que empreendemos neste artigo corrobora
inúmeras outras análises, de caráter mais abrangente, algumas aqui
referidas, de que a subordinação consentida aos organismos internacio-
nais, tutores dos interesses do grande capital, a participação ativa nesses
organismos e a adoção das políticas neoliberais veiculadas por eles au-
mentaram no Brasil a desigualdade. A cidadania, como conquista na
direção política da solução dos problemas nacionais, é mais uma palavra
que encobre o fenômeno da exclusão dos “cidadãos” brasileiros de diversas
instâncias da vida social, a exemplo da educação. A fragmentação do
conhecimento, a informação/desinformação da cultura visual aumenta-
ram a versatilidade da propaganda oficial sobre os supostos benefícios do
neoliberalismo. A formação dos jovens para a apropriação criativa da
ciência e da tecnologia debate-se entre uma reforma imposta ao ensino

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médio e técnico com forte acento nos cursos breves, modularizados para
a crença na “empregabilidade”.
O Governo Cardoso deixa de herança uma enorme dívida social
com o agravamento de todos os indicadores sociais – “o pior período na
história republicana desde Prudente de Moraes” –, como demonstram as
análises de Francisco de Oliveira e Perry Anderson acima sinalizadas.
Concordamos com a análise de Sader (2002) de que “foi o fracasso
do neoliberalismo tardio de Cardoso que propiciou o favoritismo de Lula
nas eleições de 2002”. A vitória das forças políticas e sociais, e dentre
estas, de uma maioria que efetivou resistência ativa tanto à ditadura “civil-
militar” quanto à ditadura do capital mediante as políticas neoliberais,
tem a tarefa e o compromisso ético-político de uma inversão de direção
primeiramente do modelo econômico, condição de mudanças concomi-
tantes na esfera social e educacional. Mas é bom que se tenha presente
que a herança Cardoso, paradoxalmente, em seus efeitos de compromis-
sos, acordos e “dogmas” institucionais, perdura como uma esfinge a ser
decifrada pelo atual governo ou este será por ela devorado.
Em face desta herança, o novo governo precisa, como exorta Celso
Furtado, “de muita coragem” para enfrentar a situação de um Brasil
“ameaçado de um processo de desagregação. O governo Lula tem o
desafio de conter essa desagregação” (Furtado, 2003, p. 7-8). Nos dois
primeiros meses de governo, mesmo sob intensa popularidade, de um
modo geral, a inversão de direção, salvo em alguns setores, ainda é
tímida. Na área econômica, núcleo central e decisivo para qualquer
mudança substantiva, os sinais, paradoxalmente, são de estranha
continuidade. Por isso, Francisco de Oliveira, um dos intelectuais de
esquerda fundadores do Partido dos Trabalhadores e renomado cientista
social, cobra que o governo ouse “ultrapassar” a “era FHC”. “O governo
Lula ou ultrapassa a ‘era FHC’ ou estará definitivamente classificado dentro
dela e, no futuro, historiadores e sociólogos reconhecerão um longo
período de hegemonia neoliberal que engloba FHC e seus sucessores por
um tempo que, hoje, não é previsível” (Oliveira, 2002, p. 6).
A inversão de direção e a ultrapassagem da era Cardoso pressu-
põem recuperar ou, quiçá, construir e dilatar a face pública do Estado
brasileiro e torná-la efetivamente democrática para que se constitua em
formulador e coordenador de políticas que garantam os múltiplos direitos
sociais e subjetivos aos que, até o presente, foram excluídos. Para que isso
seja possível, como lembra Celso Furtado, “o povo precisa perceber que a
política não é jogo de elites, mas sim uma disputa pelo poder real”
(Furtado, 2003, p. 7). Trata-se de transformar em poder de fato o

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acúmulo teórico e prático construído pelos movimentos sociais, sindicatos
e partidos de esquerda na resistência mais longínqua dos 502 anos de
colonização reiterada e, mais recentemente, das ditaduras e dos golpes
contra a democracia efetiva. Em muitas oportunidades, vimos o Governo
Cardoso não reconhecer os movimentos sociais organizados como
interlocutores legítimos das negociações necessárias à superação de
algumas fases da crise permanente em que vivemos.28
A síntese a que chegamos, nesta breve análise, é de que no campo
educacional a “era Cardoso” foi de um retrocesso tanto organizativo como
em termos pedagógicos. A atual LDB resultou do desprezo do Executivo
ao longo processo de elaboração da Lei (de 1988 a 1996) pelo Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública. O Conselho Nacional de
Educação teve sua composição alterada para lhe retirar as prerrogativas
de deliberação e submetê-lo às decisões do MEC. O Plano Nacional de
Educação da sociedade brasileira, à semelhança da LDB, foi preterido pelo
expediente questionável de o Executivo não respeitar sua precedência na
entrada no Congresso. O ensino fundamental sofreu as imposições dos
PCNs e da “promoção automática” que, aplicada a todas as séries, elevou
as estatísticas oficiais, mas não os níveis de conhecimento dos alunos (o
que veio a ser demonstrado pelas últimas avaliações levadas adiante pelo
SAEB). A reforma do ensino médio e técnico foi imposta pelo Decreto nº
2.208/97 e pela Portaria nº 646 de 1997 à revelia da resistência de
muitas escolas ao conjunto de medidas que alteraram profundamente
suas instituições. Os PCNs também foram construídos pelo alto, por uma
comissão de especialistas que ignoraram décadas de debates dos pes-
quisadores e educadores da área. Sequer se levaram em conta as Diretrizes
Curriculares elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação.
A ultrapassagem que se impõe, no campo educacional, como tarefa
para o novo governo, indica a necessidade de recuperar o imenso esforço
de teorização e de propostas estruturadas pelas 34 instituições científicas,
culturais, sindicais e políticas reunidas no Fórum Nacional em Defesa
da Escola Pública. Mais que isso, cabe apreender os avanços significativos
e ampliar as múltiplas experiências de governos populares municipais e
estaduais, cujos protagonistas políticos pertencem à mesma base do atual
governo e, muitos deles, compõem seus quadros dirigentes.
O foco organizativo e político-pedagógico deste resgate necessita
alargar a compreensão do educativo para além dos muros da escola e
impregnar-se da realidade dos múltiplos movimentos sociais e culturais
da classe trabalhadora e de suas estratégias de produção da vida pelo
trabalho. Este horizonte, sem dúvida, encontra uma síntese emblemática

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na pedagogia do Movimento dos Sem-Terra, para quem os processos
educativos da classe trabalhadora não começam na escola nem acabam
nela. Começam e acabam na sociedade, mas a escola pública, universal,
laica, gratuita, democrática e, portanto, unitária (síntese do diverso) é um
direito e uma mediação imprescindível nas suas lutas e na produção de
sua humanização e emancipação.

Recebido e aprovado em fevereiro de 2003.

Notas
1. Ver a esse respeito Miriam Limoeiro Cardoso (1999).
2. As estratégias acordadas na Conferência previam: para necessidades diferentes, conteúdos, mei-
os e modalidades de ensino e de aprendizagem diversas; prioridade a grupos em situação de
privação: meninas, mulheres, portadores de necessidades especiais; sistemas de avaliação de
resultados; condições materiais, físicas e emocionais para aprender, incluindo saúde, nutrição
etc.; obrigação de o Estado fornecer educação básica com o concurso de organismos governa-
mentais e não-governamentais, setor privado, comunidades locais, grupos religiosos, famílias;
reconhecimento dos saberes tradicionais e do patrimônio cultural de cada grupo, por meio de
modalidades educativas formais e não-formais (Shiroma et al., 2002, p. 58-59).
3. Estas considerações constam originalmente de Frigotto & Ciavatta, 2002.
4. Parece-nos importante a análise de Luiz A. Cunha (2002) que sublinha a necessidade de
percebermos que não se trata linearmente de uma subordinação das elites brasileiras aos
organismos internacionais, gestores do grande capital. Inúmeros quadros de tecnocratas e
intelectuais brasileiros fazem parte desses organismos. O autor analisa especificamente o
caso da educação e evidencia que os protagonistas das reformas no Governo de Fernando
Henrique Cardoso, em grande parte, pertenciam a esses organismos. Maria Abadia da Sil-
va (2002) sintetiza esta relação como sendo de “intervenção e consentimento”.
5. Otavio Ianni (1978) oferece-nos também uma ampla análise sobre o movimento pendular
das propostas de desenvolvimento no Brasil desde os anos de 1930, ora pendendo para
uma associação subordinada com o grande capital internacional, ora buscando uma pers-
pectiva de desenvolvimento com relações no plano internacional, mas de forma autônoma.
6. O ajuste é, na realidade, um reordenamento do capital, em nível global, na busca de re-
cuperar taxas de lucro em queda. Vista de um ponto de vista histórico, a globalização,
como analisa Paul Singer (1996), é a vingança do capital contra as conquistas e os direitos
da classe trabalhadora.
7. Cabe ressaltar, como indica o Boletim Informação em Rede, da Ação Educativa, que “os
serviços e produtos da Fundação Roberto Marinho e da Editora Globo são adquiridos em
grandes quantidades, envolvendo valores elevados, sem concorrência ou licitação pública”.
Para se ter uma idéia da magnitude dos valores envolvidos, esse mesmo Boletim revela
que o governo estadual do Maranhão assinou um convênio de R$ 102 milhões com a Fun-
dação Roberto Marinho para a instalação de 3.750 telessalas. (Boletim Informação em Rede,
Ação Educativa, São Paulo, ago. 2001, 5, (38), p. 2).
8. Para uma ampla e profunda análise da perspectiva educacional centrada na “pedagogia das
competências”, ver Ramos (2001).

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9. O SAEB “relaciona-se às demandas do Banco Mundial sobre a necessidade de avaliação do
impacto do Projeto Nordeste, segmento Educação, no âmbito do IV Acordo MEC- BIRD (...),
aliadas ao interesse do MEC de implementar um sistema mais amplo de avaliação da educa-
ção”. O que redundou na criação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público de
1º grau (SAEP) no final dos anos 80. Sua implantação, por uma questão de recursos, veio a
ocorrer em 1990 quando a Secretaria Nacional de Educação Básica viabilizou o primeiro
ciclo do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Bonamino & Franco, 1999,
apud Martins, 2001, p. 431-432).
10. Esta perspectiva pedagógica daquilo que “serve ao mercado” era a máxima adotada nas séries
metódicas do SENAI desde sua origem e, agora, foi trazida para o sistema de educação básica.
Ver a esse respeito Frigotto (1977).
11. Um único parlamentar do Partido da Frente Liberal ( PFL ) da Bahia apresentou mais de
mil destaques ao projeto de LDB que tramitou na Câmara e que em sua elaboração teve a
participação massiva dos educadores.
12. Algumas das idéias desenvolvidas nesta seção constam de Ciavatta, 2002a.
13. Para citar os que conduziram à adoção do enfoque mão-de-obra para determinação de me-
tas educacionais, isto é, à fixação de metas com base em projeções de necessidades futuras
de mão-de-obra para o mercado de trabalho, a partir do Plano Nacional de Educação ela-
borado pelo Conselho Federal de Educação em 1962: Programa de Ação Econômica do
Governo (1964-1966); Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967-
1976); Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970); V Plano Nacional de
Desenvolvimento da Nova República – 1986-1989, aprovado pelo presidente José Sarney
na forma da Lei nº 7.486 de 6/6/1986 (Horta, 1982, p. 127 ess. E 1997, p. 169 e ss.).
14. A elaboração do PNE da sociedade brasileira tem se realizado, a partir da aprovação da atual
LDB em 1996, por meio dos Congressos Nacionais de Educação (CONEDs). Buscando garan-
tir o espaço público de debate historicamente preenchido pelas Conferências Brasileiras de
Educação (CEBs, 1980 a 1991), o I CONED (1996) e os subseqüentes, II CONED (Belo Hori-
zonte, 1997), III CONED (Brasília, 2000), IV CONED (São Paulo, 2002), mantêm o mesmo
tema central, “Educação, Democracia e Qualidade Social”, como um esforço coletivo de con-
solidar um Plano Nacional de Educação que “garanta direitos, verbas públicas e vida digna”.
15. “Apesar da propaganda oficial em seu favor, o FUNDEF pode enfraquecer outros níveis e mo-
dalidades de ensino (educação infantil, ensino médio e supletivo), cujas matrículas de tra-
balhadores não são levadas em conta na distribuição do FUNDEF. Além disso, o discurso fe-
deral de valorização do ensino fundamental e do magistério não encontra a contrapartida
dos recursos federais que são ínfimos e bem menores do que os devidos legalmente”
(Davies, 1999, p. 1).
16. O fenômeno não é novo; ver Franco, 1984.
17. No balanço sobre o FUNDEF, divulgado pelo MEC em outubro de 2000 (www.mec.gov.br),
as matrículas estaduais e municipais no Ensino Fundamental Regular (EFR) “teriam cresci-
do 2,3 milhões nas redes públicas de 1997 a 1999, graças ao FUNDEF. Entretanto, a pro-
paganda oficial não revela que este aumento se deve em grande parte à inclusão, no EFR, de
785 mil matrículas de classes de alfabetização ( CA), de 100 mil de educação de jovens e
adultos (EJA), e cerca de 400 mil perdidas pelo setor privado e provavelmente incorpora-
das às redes municipais, sem falar na falsificação de matrículas, problema reconhecido
pelo próprio Ministério da Educação, e que gerou portaria cancelando matrículas de redes
de alguns governos ansiosos por aumentar a sua fatia do FUNDEF” (Davies, 2003, p. 1).
18. No momento em que estávamos produzindo este texto, o jornal O Globo apresentou uma
matéria sobre uma auditoria que estava sendo feita no Ministério da Educação, a qual nos
dá conta de que somente em dezembro de 2002, último mês do Governo Cardoso, foram

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autorizados 434 novos cursos superiores e que “entre as irregularidades encontradas está a
autorização de cursos em instituições universitárias que sequer estavam credenciadas para
funcionar” (O Globo, 26/2/2003, p. 10).
19. De acordo com o relatório do Banco Mundial de 2002, de 89% em 1996 para 96% em
2001. Ver Relatório do Banco Mundial nº 24413- BR – Educação Municipal no Brasil.
Recursos, Incentivos e Resultados. Vol. 1, dezembro de 2002.
20. Para uma compreensão mais ampla da descentralização da educação fundamental no con-
texto das políticas federativas do Governo Cardoso, ver Arretche (2002).
21. Se tomarmos os dados do relatório “Futuro em Risco”, patrocinado pela Inter-American
Dialogue e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, que trata da crise da educação na
América Latina e das conseqüências na estagnação econômica, veremos o quanto falaciosa e
enganosa é a propaganda de que as reformas educacionais, mormente do ensino fundamen-
tal, coadunam-se com os desafios da competitividade internacional no contexto de socieda-
des “globalizadas”. Ao passo que o custo aluno/ano, base do FUNDEF, é de aproximadamente
400 reais, aquele relatório nos mostra que o grau médio de gasto aluno/ano para o ensino
fundamental e médio, nos países desenvolvidos, é de 4.170 dólares (ver Frigotto, 2000).
22. O ENEM e o Provão, respectivamente no ensino médio e superior, reproduzem a mesma lógica.
23. Ver a esse respeito Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (1999 e 2001) e
Carlos Abicalil (2002).
24. Agradecemos à professora Maria Célia Freire de Carvalho as indicações legais e os comentá-
rios críticos sobre o tema.
25. Posteriormente, no Governo Itamar Franco (1992-1993), por intermédio da Lei nº 8.948
de 8/12/1994, fica instituído o Sistema Nacional de Educação Tecnológica (art. 1º), que vai
transformar todas as Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFETs), obedecidos os critérios nos termos da Lei (art. 3º). Depois da promulgação da LDB,
Lei nº 9.394 de 20/12/96, e do Decreto nº 2.208 de 17/4/1997, o Decreto nº 2.406 de
27/11/1997 virá regulamentar o art. 40 da LDB e o art. 2º do Decreto nº 2.208 que distin-
gue três níveis da educação profissional, o básico, o técnico e o tecnológico, este último “cor-
respondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinado a egressos do ensino
médio e técnico” (inciso III).
26. Parte destas reflexões constam de Frigotto & Ciavatta, 2002.
27. O documento não se estende sobre o significado específico do modelo. Para uma revisão da
polêmica que envolve o conceito de competências, ver, entre outros, Deluiz, 1995; Ramos,
2001; Tanguy, 2002.
28. A primeira delas foi a resposta policial à greve dos petroleiros em 1996. No movimento
docente, greves prolongadas e desgastantes foram resultado da política do MEC de não rece-
ber os representantes dos servidores públicos para negociar as reivindicações da categoria.

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Neoliberalismo e educação: manual do usuário

Pablo Gentili

Neste trabalho pretendo abordar criticamente algumas dimensões da configuração


do discurso neoliberal no campo educacional. Começarei destacando a importância
teórica e política de se compreender o neoliberalismo como um complexo processo de
construção hegemônica. Isto é, como uma estratégia de poder que se implementa
sentidos articulados: por um lado, através de um conjunto razoavelmente regular de
reformas concretas no plano econômico, político, jurídico, educacional, etc. e, por ou
através de uma série de estratégias culturais orientadas a impor novos diagnósticos
acerca da crise e construir novos significados sociais a partir dos quais legitimar as
reformas neoliberais como sendo as únicas que podem (e devem) ser aplicadas no atual
contexto histórico de nossas sociedades Tentarei mostrar de que forma esta dimensão
cultural, característica de toda lógica hegemônica, foi sempre reconhecida como um
importante espaço de construção política por aqueles intelectuais conservadores que, em
meados deste século, começaram a traçar as bases teóricas e conceituada do
neoliberalismo enquanto alternativa de poder. Em segundo lugar, tentarei apresentar
algumas considerações gerais sobre como se constrói a retórica neoliberal no campo
educacional. Pretendo identificar as dimensões que unificam os discursos neoliberais
para além das particularidades locais que caracterizam os diferentes contextos regionais
onde tal retórica é aplicada. Meu objetivo será questionar a forma neoliberal de pensar e
projetar a política educacional. Finalizo destacando algumas das mais evidentes
conseqüências da pedagogia da exclusão promovida pelos regimes neoliberais em
nossas sociedades.'

1.O neoliberalismo como construção hegemônica

Explicar o êxito do neoliberalismo (é também, é claro, traçar estratégias para sua


necessária derrota) é uma tarefa cuja complexidade deriva da própria natureza
hegemônica desse projeto. Com efeito, o neoliberalismo expressa a dupla dinâmica que
caracteriza todo processo de construção de hegemonia. Por um lado, trata-se de uma
alternativa de poder extremamente vigorosa constituída por uma série de estratégias
políticas, econômicas e jurídicas orientadas para encontrar uma saída dominante para a
crise capitalista que se inicia ao final dos anos 60 e que se manifesta claramente já nos
anos 70. Por outro lado, ela expressa e sintetiza um ambicioso projeto de reforma
ideológica de nossas sociedades a construção e a difusão de um novo senso comum que
fornece coerência, sentido e uma pretensa legitimidade às propostas de reforma
impulsionadas pelo bloco dominante. Se o neoliberalismo se transformou num
verdadeiro projeto hegemônico, isto se deve ao fato de ter conseguido impor uma
intensa dinâmica de mudança material e, ao mesmo tempo, uma não menos intensa
dinâmica de reconstrução discursivo-ideológica da sociedade, processo derivado da
enorme força persuasiva que tiveram e estão tendo os discursos, os diagnósticos e as
estratégias argumentativas, a retórica, elaborada e difundida por seus principais
expoentes intelectuais (num sentido gramsciano, por seus intelectuais orgânicos). O
neoliberalismo deve ser compreendido na dialética existente entre tais esferas, as quais
se articulam adquirindo mútua coerência.

Com frequência costumamos enfatizar a capacidade (ou a incapacidade) que o


neoliberalismo possui para impor com êxito seus programas de ajuste, esquecendo a
conexão existente entre tais programas e a construção desse novo senso comum a partir
do qual as maiorias começam aceitar, a defender como próprias) as receitas elaboradas
pelas tecnocracias neoliberais. O êxito cultural mediante a imposição de um novo
discurso que explica a crise e oferece um marco geral de respostas e estratégias para sair
dela - se expressa na capacidade que os neoliberais tiveram de impor suas verdades
como aquelas que devem ser defendidas por qualquer pessoa medianamente sensata e
responsável. Os governos neoliberais não só transformam materialmente a realidade
econômica, política, jurídica e social, também conseguem que esta transformação seja
aceita como a única saída possível (ainda que, às vezes, dolorosa) para a crise.

Desde muito cedo, os intelectuais neoliberais reconheceram que a construção


desse novo senso comum (ou, em certo sentido, desse novo imaginário social) era um
dos desafios prioritários para garantir o êxito na construção de uma ordem social
regulada pelos princípios do livre-mercado e sem a interferência sempre perniciosa da
intervenção estatal. Não se tratava só de elaborar receitas academicamente coerentes e
rigorosas, mas, acima de tudo, de conseguir que tais fórmulas fossem aceitas,
reconhecidas e válidas pela sociedade como a solução natural para antigos problemas
estruturais.

As obras de Friedrich A. Hayek e Milton Friedman, dois dos mais respeitados


representantes da intelligentsia neoliberal, expressa com eloqüência, e por diferentes
motivos, esta preocupação. Seus textos de intervenção política nos permitem observar a
sagacidade desses intelectuais em reconhecer a importância política de acompanhar toda
reforma econômica com uma necessária" mudança nas mentalidades, na cultura dos
povos.

Em seu prefácio de 1976 a The Road to Serfdom [O caminho da servidão), Hayek


lamentava que as idéias defendidas naquele texto fundacional, editado originariamente
em 1944, continuassem, trinta anos depois, mantendo plena vigência, embora a prédica
"intervencionista e coletivista' da social-democracia gozasse de boa saúde e relativa
popularidade entre as maiorias. Passadas mais de três décadas, a sociedade ainda não
tinha aceito plenamente o que para Hayek era uma evidência ineludível: toda forma de
intervenção estatal constitui um sério risco para a liberdade individual e o caminho mais
seguro para a imposição de regimes totalitários corno o da Alemanha nazista e o da
União Soviética comunista. Trinta anos depois, o desafio de O caminho da servidão
continuava aberto: só quando a sociedade reconhece o verdadeiro desafio da liberdade é
possível evitar as armadilhas do coletivismo. Hayek não deixava margem a dúvidas
sobre as conseqüências que derivavam de uma cultura mais disposta a reconhecer a
necessidade da intervenção estatal que os méritos do livre-mercado. Se o homem
comum não afirma na sua vida cotidiana o valor da competição, se a sociedade não
aceita as enormes possibilidades modernizadoras que o mercado oferece quando passa a
atuar sem a prejudicial interferência do Estado, as conseqüências - defendia o intelectual
austríaco - são nefastas para a própria democracia: os piores serão os primeiros, o
totalitarismo aumentará e a planificação centralizada tomará conta da vida das pessoas,
impedindo-lhes de expressar seus desejos individuais, sua vocação de melhora contínua,
sua liberdade de escolher. Hitler, Stalin e Mussolini não expressavam um ocasional
desvio totalitário na história dos povos europeus, eram o espelho onde deveriam mirar-
se aqueles líderes políticos que ainda confiavam na suposta eficácia da planificação
estatal centralizada.
Poucos anos depois, Milton Friedman enfrentava um panorama menos desolador.
Seu livro Free to Choose [Liberdade de Escolher], publicado no início dos anos oitenta,
tinha vendido rapidamente, nos Estados Unidos, mais de 400.000 exemplares em sua
edição de luxo e várias centenas de milhares em sua edição popular. O principal
expoente da Escola de Chicago se perguntava sobre as razões do incrível êxito este
volume, sobretudo se comparado à "tímida" recepção que havia tido Capitalism and
Freedom [Capitalismo e Liberdade], seu antecedente mais direto, embora publicado
vinte anos antes. Por que Liberdade de Escolher tinha vendido em apenas poucas
semanas o que Capitalismo e Liberdade vendeu durante vinte longos anos? Como
explicar semelhante fato, se os dois livros abordavam a mesma problemática e
defendiam as mesmas idéias? O espetacular impacto de Free to Choose, segundo o
próprio Friedman, não podia ser exclusivamente atribuído à difusão alcançada pela série
televisiva de mesmo nome que acompanhou o lançamento do livro e que o teve como
protagonista. Antes disso, existia uma mudança mais profunda: a opinião pública havia
mudado, as pessoas estavam mais receptivas à prédica insistente dos defensores do
livre-mercado; as pessoas, agora estavam alertas para se defenderem da voracidade de
um Estado disposto a monopolizar tudo, inclusive o bem mais apreciado pelo ser
humano a liberdade individual. Em seu prefácio) de 1982 à nova edição de Capitalism
and Freedom, Milton Friedman reconhecia satisfeito: 411 as idéias expostas e nonos
dois livros ainda se acham muito distantes da corrente intelectual predominante, mas
agora, pelo menos, respeitadas pela comunidade intelectual e parece que se tornaram
quase comuns entre o grande público" (l985: 6), Margaret Thatcher já era Primeira
Ministra da Inglaterra e Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos. Helmut Khol
acabara de ganhar as eleições na Alemanha... o neoliberalismo se transformava em uma
verdadeira alternativa de poder no interior das principais potências do mundo
capitalista.

Obviamente, a penetração social desses discursos não foi produto do acaso nem
apenas uma questão decorrente dos méritos intelectuais daqueles obstinados professores
universitários. Será no contexto da intensa e progressiva crise estrutural do regime de
acumulação fordista que a retórica neoliberal ganhará espaço político e também, é claro,
densidade ideológica. Tal contexto oferecerá a oportunidade necessária para que se
produza esta confluência histórica entre um pensamento vigoroso no plano filosófico e
econômico (embora, até então, de escasso impacto tanto acadêmico quanto social) e a
necessidade política do bloco dominante de fazer frente ao desmoronamento da fórmula
keynesiana cristalizada nos Estados de Bem-estar. A intersecção de ambas as dinâmicas
permite compreender a força hegemônica do neoliberalismo.

Estes processos tiveram também eu impacto específico na América Latina. Com


efeito, alguns países da região constituíram um verdadeiro laboratório de
experimentação neoliberal de resultados aparentemente milagrosos. A América latina,
de fato, foi o cenário trágico do primeiro experimento político do neoliberalismo em
nível mundial: a dita dura do general Pinochet iniciada no Chile em 1973.

Entretanto, a contribuição latino-americano ao neoliberalismo mundial não se


esgotou na experiência chilena. Durante os anos 80, e no contexto das incipientes
democracias pós-ditatoriais, o neoliberalismo chegará ao poder, na maioria das nações
da região, pela via do voto popular. Algumas experiências, inclusive, transcenderam as
fronteiras como modelos "exitosos" capazes de iluminar (de forma quase universal) o
caminho de uma verdadeira e profunda reforma econômica, a partir da qual garantir a
estabilidade monetária e política, a partir da qual garantir uma suposta governabilidade
democrática. Durante a segunda metade do século XX, o neoliberalismo deixou, assim,
de ser apenas uma simples perspectiva teórica produzida em confrarias intelectuais, a
orientar as decisões governamentais em grande parte do mundo capitalista, o que inclui
desde as nações do Primeiro e do Terceiro Mundo até algumas das mais convulsionadas
sociedades da Europa Oriental.

Cinco décadas de história teórica e quase vinte anos de experiência no exercício


do poder permitem-nos identificar mais regularidades que, para além das
especificidades locais, contribuem para a definição da natureza e do caráter dos
programas de ajuste neoliberal num sentido global. Na seguinte, nosso interesse se
concentrará nas regularidades apresentadas pela retórica neoliberal no campo
educacional. Resumiremos a seguir algumas dimensões discursivas que configuram esta
retórica, a partir da qual são elaboradas uma série de diagnósticos e, consequentemente,
uma série de propostas políticas que devem, sob a perspectiva neoliberal, orientar uma
profunda reforma do sistema escolar nas sociedades contemporâneas. Pretendo, desta
forma, contribuir para a necessária tarefa de caracterizar a forma neoliberal de pensar e
projetar as políticas . A possibilidade de conhecer e reconhecer a discursiva do
neoliberalismo obviamente não é suficiente para freiar a força persuasiva de sua
retórica. No entanto pode ajudar-nos a desenvolver mais e melhores estratégias de luta
contra as intensas dinâmicas de exclusão social promovidas por tais políticas. Pretendo
aqui contribuir minimamente para esse objetivo.

Podemos nós aproximar de uma compreensão crítica da forma neoliberal de


pensar e traçar a política educacional procurando responder, brevemente, a quatro
questões:

1. como entendem os neoliberais a crise educacional?

2. quem são, de acordo com essa perspectiva, seus culpados?

3. que estratégias definem para sair dela?

4. quem deve ser consultado para encontrar uma saída para a crise?

Em primeiro lugar é necessário destacar que na perspectiva neoliberal os sistemas


educacionais enfrentam, hoje, uma profunda crise de eficiência, eficácia e
produtividade, mais do que uma crise de quantidade, universalização e extensão.

Para eles, o processo de expansão da escola, durante a segunda metade do século,


ocorreu de forma acelerada sem que tal crescimento tenha garantido uma distribuição
eficiente dos serviços oferecidos. A crise das instituições escolares é produto, segundo
este enfoque, da expansão desordenada e "anárquica" que o sistema educacional vem
sofrendo nos últimos anos. Trata-se fundamentalmente de uma crise de qualidade
decorrente da improdutividade que caracteriza as práticas pedagógicas e a gestão
administrativa da grande maioria dos estabelecimentos escolares.

Neste sentido, a existência de mecanismos de exclusão e discriminação


educacional resulta de forma clara e direta, da própria ineficácia da escola e da profunda
incompetência daqueles que nela trabalham. Os sistemas educacionais contemporâneos
não enfrentam, sob a perspectiva neoliberal, uma crise de democratização, mas uma
crise gerencial. Esta crise promove, em determinados contextos, certos mecanismos de
"iniqüidade" escolar, tais como a evasão, a repetência, o analfabetismo funcional etc.

O objetivo político de democratizar a escola está assim subordinado ao


reconhecimento de que tal tarefa depende, inexoravelmente, da realização de uma
profunda reforma administrativa do sistema escolar orientada pela necessidade de
introduzir mecanismos que regulem a eficiência, a produtividade, a eficácia, em suma: a
qualidade dos serviços educacionais.

Deste diagnóstico inicial decorre um argumento central na retórica construída


pelas tecnocracias neoliberais: atualmente, inclusive nos países mais pobres, não faltam
escolas, faltam escolas melhores; não faltam professores,, faltam professores mais
qualificados; não faltam recursos para financiar as políticas educacionais, ao contrário,
falta uma melhor distribuição dos recursos existentes. Sendo assim, transformar a escola
supõe um enorme desafio gerencial: promover uma mudança substantiva nas práticas
pedagógicas, tornando-as mais eficientes; reestruturar o sistema para flexibilizar a oferta
educacional; promover urna mudança cultural, não menos profunda, nas estratégias de
gestão (agora guiadas pelos novos conceitos de qualidade total); reformular o perfil dos
professores, requalificando-os, implementar uma ampla reforma curricular, etc.

Segundo os neoliberais, esta crise se explica, em grande medida, pelo caráter


estruturalmente ineficiente do Estado para gerenciar as políticas públicas. O
clientelismo, a obsessão planificadora e os improdutivos, labirintos do burocratismo
estatal explicam, sob a perspectiva neoliberal, a incapacidade que tiveram os governos
para garantir a democratização da educação e, ao mesmo tempo", a eficiência produtiva
da escola. A educação funciona mal porque foi malcriadamente peneirada pela política,
porque foi profundamente estatizada. A ausência de um verdadeiro mercado
educacional permite compreender a crise de qualidade que invade as instituições
escolares. Construir tal mercado, conforme veremos mais adiante, constitui um dos
grandes desafios que as políticas neoliberais assumirão no campo educacional. Só esse
mercado, cujo dinamismo e flexibilidade expressam o avesso de um sistema escolar
rígido e incapaz, pode promover os mecanismos fundamentais que garantem a eficácia e
a eficiência dos serviços oferecidos: a competição interna e o desenvolvimento de um
sistema de prêmios e castigos com base no mérito e no esforço individual dos atores
envolvidos na atividade educacional. Não existe mercado sem concorrência, sendo ela o
pré-requisito fundamental para garantir aquilo que os neoliberais chamam de eqüidade.

A planificação centralizada e, certamente, o clientelismo que caracteriza as


práticas estatais impedem e travam a liberdade individual de eleger, única garantia para
o estabelecimento de um sistema de prêmios e castigos baseado em critérios
verdadeiramente meritocráticos. Para os neoliberais, o Estado de Bem-estar e as
diversas formas de populismo que conheceram nossos países têm intensificado os
efeitos improdutivos que se derivam da materialização histórica destas práticas
clientelistas. Ao criticar enfaticamente a interferência política na esfera social,
econômica e cultural, o neoliberalismo questionar a própria noção de direito e a
concepção de igualdade que serve(ao menos teoricamente) como fundamento filosófico
da existência de uma esfera de direitos sociais nas sociedades democráticas. Tal
questionamento supõe, na perspectiva neoliberal, aceitar que uma sociedade pode ser
democrática sem a existência de mecanismos e critérios que promovem uma progressiva
igualdade e que se concretizam na existência de um conjunto inalienável de direitos
sociais e de uma série de instituições públicas nas quais tais direitos se materializam.

Para os neoliberais a democracia não tem nada a ver com isso. Ela é simplesmente
, um sistema político que deve permitir aos indivíduos desenvolver sua inesgotável
capacidade de livre escolha na única esfera que garante e potencializa a referida
capacidade individual: o mercado. A crise social se deriva, fundamentalmente, de que
os sistemas institucionais dependentes da esfera do Estado (da política) não atuam eles
mesmos como mercados. Isto ocorre, segundo a perspectiva neoliberal, no campo da
saúde, da previdência, das políticas de emprego e também, é claro, da educação.

De certa forma, a crise é produto da difusão (excessiva, aos olhos de certos


neoliberais atentos) da noção de cidadania. Para eles, o conceito de cidadania em que se
baseia a concepção universal e universalizante dos direitos humanos (políticos, sociais,
econômicos, culturais etc.) tem gerado um conjunto de falsas promessas que orientaram
ações coletivas e individuais caracterizadas pela improdutividade e pela falta de
reconhecimento social no valor individual da competição.

Com efeito, como já tentei demonstrar em outros trabalhos, a grande operação


estratégica do neoliberalismo consiste em transferir a educação da esfera da política
para a esfera do mercado questionando assim seu caráter de direito e reduzindo-a a sua
condição de propriedade. É neste quadro que se reconceitualiza a noção de cidadania,
através de uma revalorização da ação do indivíduo enquanto proprietário, enquanto
indivíduo que luta para conquistar (comprar) propriedades-mercadorias diversa índole,
sendo a educação uma delas. O modelo de homem neoliberal é o cidadão privatizado o
entrepreneur, o consumidor.

2. Os culpados

Sendo assim, é relativamente fácil avançar na resposta à nossa segunda pergunta:


(quem são os culpados pela crise educacional? Existem, desta perspectiva alguns
responsáveis diretos e outros indiretos. Entre os primeiros se encontram, obviamente, o
modelo de Estado assistencialista e uma das configurações institucionais que o tem
caracterizado: os sindicatos. A existência de fortes sindicatos nacionais e organizados
em função de grandes setores de atividade, os quais proclamam a defesa de um interesse
geral baseado na necessidade de construir e expandir a esfera dos direitos sociais,
constitui, na perspectiva neoliberal, uma barreira intransponível para a possibilidade de
desenvolver os já mencionados mecanismos de competição individual que garantem o
progresso social. Nesse sentido os principais responsáveis pela crise educacional se
encontram os próprios sindicatos de professores e todas aquelas organizações que
defendem o direito igualitário a uma escola pública de qualidade. Entretanto,
semelhante argumento apresenta um problema evidente. Com efeito, se o Estado e os
sindicatos são os principais responsáveis pela crise, deveria supor-se que a simples
redução do primeiro à sua mínima expressão e a desaparição definitiva dos segundos
constituem uma garantia mais do que suficiente para superar a crise atual das
instituições educacionais. Da perspectiva neoliberal isso e, o menos em parte,
efetivamente assim. Porém, mesmo quando os neoliberais chegam o poder e
desenvolvem (muitas vezes com êxito) sua implacável desarticulação dos mecanismos
de intervenção do Estado, e sua não menos implacável fragmentação das organizações
sociais, nem sempre a crise educacional se soluciona.

Na perspectiva neoliberal, isto acontece porque a crise educacional não se reduz


apenas à existência de um certo modelo de Estado, nem ao caráter supostamente
corporativo das entidades sindicais. O problema é mais complexo: os indivíduos são
também culpados pela crise. e é culpada na medida em que as pessoas ajeitaram corno
natural e inevitável o status quo estabelecido por aquele sistema improdutivo de
intervenção estatal. Os pobres são culpados pela pobreza; os desempregados pelo
desemprego; os corruptos pela corrupção; os faceados pelas violência urbana; os sem-
terra pela violência no campo; os pais pelo rendimento escolar de seus filhos; os
professores pela péssima qualidade dos serviços educacionais. O neoliberalismo
privatiza tudo, inclusive também o êxito e o fracasso social. Ambos passam a ser
considerados variáveis dependentes de um conjunto de opções individuais através das
quais as pessoas jogam dia a dia seu destino, como num jogo de baccarat. Se a maioria
dos indivíduos é responsável por um destino não muito gratificante é porque não
souberam reconhecer as vantagens que oferecem o mérito e o esforço individuais
através dos quais se triunfa na vida. É preciso competir, e uma sociedade moderna é
aquela na qual só os melhores triunfam. Dito de maneira simples: a escola funciona mal
porque as pessoas não reconhecem o valor do conhecimento; os professores trabalham
pouco e não se atualizam, são preguiçosos; os alunos fingem que estudam quando, na
realidade, perdem tempo, etc.

Trata-se, segundo os neoliberais, de um problema cultural provocado pela


ideologia dos direitos sociais e a falsa promessa de que uma suposta condição de
cidadania nos coloca a todos em igualdade de condições para exigir o que só deveria ser
outorgado àqueles (que, graças ao mérito e ao esforço individual, se consagram como
consumidores empreendedores.

A lógica competitiva promovida por um sistema de prêmios e castigos com base


em tais critérios meritocráticos cria as condições culturais que facilitam uma profunda
mudança institucional voltada para a Configuração de um verdadeiro mercado
educacional. Superar a crise implica, então, o desafio de traçar as estratégias mais
eficientes a partir das quais é possível construir tal mercado. Passemos a seguir para a
terceira questão.

3. As estratégias

As políticas educacionais implementadas elas administrações neoliberais


permitem reconhecer uma série de regularidades que, para além das especificidades
locais, caracterizam e unificam as estratégias de reforma escolar levadas a cabo por
esses governos. Poderíamos dizer que existe um consenso estratégico entre os,
intelectuais conservadores sobre como e com que receitas enfrentar a crise educacional.
Obviamente, tal consenso decorre da formulação de um diagnóstico comum partir do
qual é possível explicar e descrever os motivos que originaram a crise) e, ao mesmo
tempo, de uma identificação também comum sobre os supostos responsáveis por essa
crise. A experiência internacional parece indicar a existência de um Consenso de
Washington,, também no plano de reforma educacional. Na construção desse consenso
desempenharam um papel central as agências internacionais, em especial, o Banco
Mundial e, mais recentemente, uma série de intelectuais transnacionalizados (os
experts) que, assumindo um papel pretensamente evangelizador, percorrem o mundo
vendendo seus papers pré-fabricados a quem mais lhes oferecer. Retornaremos a esses
mais adiante.

Essas regularidades se expressam em uma série d objetivos que articulam e dão


coerência às reformas educacionais implementadas pelos governos neoliberais:

a) por um lado, a necessidade de estabelecer mecanismos de controle e avaliação


da qualidade dos serviços educacionais (na ampla esfera dos sistemas e, de maneira
específica, no interior das próprias instituições escolares)

b) por outro, a necessidade de articular e subordinar produção educacional às


necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho

O primeiro objetivo promove e, de certa forma, garante a materialização dos


citados princípios meritocráticos competitivos. O segundo dá sentido e estabelece o
rumo(o horizonte) das políticas educacionais, ao mesmo tempo que permite estabelecer
critérios para avaliar a pertinência das propostas de reforma escolar. É o mercado de
trabalho que emite os sinais que permitem orientar as decisões em matéria de política
educacional. É a avaliação das instituições escolares e o estabelecimento de rigorosos
critérios de qualidade o que permite dinamizar o sistema através de uma lógica de
prêmios e castigos que estimulam a produtividade e a eficiência no sentido
anteriormente destacado.

Não vamos desenvolver aqui as características e o conteúdo que assumem essas


estratégias de reforma. No entanto, é importante especificar brevemente duas questões
relevantes vinculadas a tais objetivos. O neoliberalismo formula um conceito específico
de qualidade, decorrente das práticas empresariais é transferido, sem mediações, para o
campo educacional. As instituições escolares devem ser pensadas e avaliadas (isto é,
devem julgados seus resultados), como se fossem em presas Produtivas. Produz-se nelas
um tipo específico de mercadoria (o conhecimento, o aluno escolarizado, o currículo) e,
conseqüentemente, suas práticas devem estar submetidas aos mesmos critérios de
avaliação que se aplicam em toda empresa dinâmica, eficiente e flexível. Se os sistemas
de Total Quality Control (TQC) têm demonstrado um êxito comprovado no mundo dos
negócios, deverão produzir os mesmos efeitos produtivos no campo educacional.

Por outro lado, é importante destacar que quando os neoliberais enfatizam que a
educação deve estar subordinada às necessidades do mercado de trabalho, estão se
referindo a uma questão muito específica: a urgência de que o sistema educacional se
ajuste às demandas do mundo dos empregos. Isto não significa que a função social da
educação seja garantir esse empregos e, menos ainda, criar fontes de trabalho. Pelo
contrário, o sistema educacional deve promover o que os neoliberais chamam de
empregabilidade.

Isto é, a capacidade flexível de adaptação individual às demandas do mercado de


trabalho. A função "social" da educação esgota-se neste ponto. Ela encontra o seu
preciso limite no exato momento em que o indivíduo se lança ao mercado para lutar por
um emprego. A educação deve apenas oferecer essa ferramenta necessária para
competir nesse mercado. O restante depende das pessoas. Como no jogo de baccarat do
qual nos fala Friedman, nada está aqui determinado de antemão, embora saibamos, que
alguns triunfarão e outros estarão condenados ao fracasso.

Uma dinâmica aparentemente paradoxal caracteriza a estratégias de reforma


educacional promovidas pelos governos neoliberais: as lógicas articuladas de
descentralização centralizante e de centralização-descentralizada. De fato por um lado,
as estratégias neoliberais contra a crise educacional se configuram como uma clara
resposta descentralizadora diante dos supostos perigos do planejamento estatal e dos
efeitos improdutivos das burocracias governamental e sindicais. Transferem-se as
instituições escolares da jurisdição federal para a estadual e desta para a esfera
municipal: municipaliza-se o sistema de ensino. Propõe-se para níveis cada vez mais
micro (inclusive a própria escola), evitando-se, assim, interferência "perniciosa" do
centralismo governamental; desarticulam-se os mecanismos unificados de negociação
com organizações dos trabalhadores da educação (dinâmica que tende a questionar a
própria necessidade das entidades sindicais); flexibilizam-se as formas de contratação e
retribuições salariais dos docentes, etc.

Mas, por outro lado e ao mesmo tempo, os governos neoliberais centralizam certas
funções, as quais não são transferidas aos municípios, aos governos estaduais nem,
muito menos, aos próprios professores ou à comunidade:

a) a necessidade de desenvolver sistemas nacionais de avaliação dos sistemas


educacionais(basicamente provas de rendimento aplicadas à população estudantil);

b) a necessidade de desenhar e desenvolver reformas curriculares a partir das


quais estabelecer os parâmetros e conteúdos básicos de um Currículo Nacional;

c) associada à questão anterior a necessidade de desenvolver estratégias de


formação de professores centralizadas nacionalmente e que permitam atualização dos
docentes segundo o plano curricular estabelecido na citada reforma.

O Estado neoliberal é mínimo quando deve financiar a escola pública e máximo


quando define de forma centralizada o conhecimento oficial que deve circular pelos
estabelecimentos educacionais, quando estabelece mecanismos verticalizados e
antidemocráticos de avaliação do sistema e quando retira autonomia pedagógica às
instituições e aos atores coletivos da escola, entre eles, principalmente, aos professores.
Centralização e descentralização são as duas faces de uma mesma moeda: a dinâmica
autoritária que caracteriza as reformas educacionais implementadas pelos governos
neoliberais.

Para compreender um pouco melhor a natureza da mudança institucional


promovida pelo neoliberalismo nos âmbitos escolares, farei um pequeno parêntese.
Estabelecerei, a título ilustrativo, uma analogia entre as funções atribuídas às
instituições educacionais e a lógica que regula o funcionamento dos fast foods nas
modernas sociedades de mercado. Esta comparação poderá nos permitir avançar na
caracterização de um processo que denominaremos aqui mcdonaldização da escola e
que, na minha perspectiva, sintetiza de forma eloqüente o sentido assumido pela
reforma neoliberal levada a cabo nos âmbitos educacionais.

3. 1. A mcdonaldização da escola

Os processos de mcdonaldização têm sido destacados por alguns autores para


referir-se à transferência dos princípios que regulam a lógica de funcionamento dos fast
foods a espaços institucionais cada vez mais amplos na vida social do capitalismo
contemporâneo. A mcdonaldização da escola, processo que se concretiza em diferentes
e articulados planos (alguns mais gerais e outros mais específicos), constitui uma
metáfora apropriada para caracterizar as formas dominantes de reestruturação
educacional propostas pelas administrações neoliberais.

Na ofensiva antidemocrática e excludente promovida pelo ambicioso programa de


reformas estruturais impulsionado pelo neoliberalismo, as instituições educacionais
tendem a ser pensadas e reestruturadas sob o modelo de certos padrões produtivistas e
empresariais.

Já temos enfatizado que os neoliberais definem um conjunto de estratégias


dirigidas a transferir a educação da esfera dos direitos sociais à esfera do mercado. A
ausência de um verdadeiro mercado educacional (isto é, a ausência de mecanismos de
regulação mercantil que configurem as bases de um mercado escolar) explica a crise de
produtividade da escola. Para os neoliberais, o reconhecimento desse fato permite
orientar urna saída estratégica mediante a qual é possível conquistar, sem "falsas
promessas", uma educação de qualidade e vinculada às necessidades do mundo
moderno: as instituições escolares devem funcionar como empresas produtoras de
serviços educacionais. A interferência estatal não pode questionar o direito de livre
escolha que os consumidores de educação devem realizar no mercado escolar. Apenas
um conglomerado de instituições corri essas características pode obter níveis de
eficiência baseados na competição e no mérito individual. Os McDonald's constituem
um bom exemplo de organização produtiva com tais atributos e, nesse sentido,
representam um bom modelo organizacional para a modernização escolar. Vejamos
algumas das possíveis coincidências entre ambas as esferas. Em primeiro lugar, os fast
foods, e as escolas têm um ponto básico em comum. Ambos existem para dar conta de
duas necessidades fundamentais nas sociedades modernas: comer e ser socializado
escolarmente. Embora a primeira seja uma necessidade tão antiga quanto a própria
Humanidade e a segunda nem tanto, não existiria, aparentemente, nenhuma
originalidade nas funções que atualmente são cumpridas tanto pelos McDonald's quanto
pelas escolas. Entretanto, aqui, como na produção de toda mercadoria, o importante não
é apenas a coisa produzida ( o hambúrguer ou o conhecimento oficial), mas a forma
histórica que adquire a produção desses processos, quer se trate da indústria da comida
rápida, quer se trate da indústria escolar. Isto é, o que unifica os McDonalds e a utopia
educacional dos homens de negócios é que, em ambos, a mercadoria oferecida deve ser
produzida de forma rápida e de acordo com certas e rigorosas normas de controle da
eficiência e da produtividade. O modelo McDonald's tem demonstrado, graças à
universalização do hambúrguer, uma enorme capacidade para ter sucesso no mercado da
alimentação "rápida" (se é que o termo "alimentação" pode ser aplicado nesse caso). A
escola, pelo contrário, no que se refere a suas funções educacionais, não tem sido tão
bem sucedida, se avaliada sob a ótica empresarial defendida pelos neoliberais. Os
princípios que regulam a prática cotidiana dos McDonald's, em todas as cidades do
planeta, bem que poderiam ser aplicados às instituições escolares que pretendem
percorrer a trilha da excelência: "qualidade, serviço, limpeza e preço". A rigor na
perspectiva dos homens de negócios, esses princípios devem regular toda prática
produtiva moderna. O próprio fundador dessa cadeia de restaurantes, Ray Kroc, tem
dito, sem falsa modéstia: "se me tivessem dado um tijolo cada vez que repeti essas
palavras, creio que teria podido construir uma ponte sobre o Oceano Atlântico" (Peter &
Waterman, 1984: 170). A escola, pensada e projetada como uma instituição prestadora
de serviços, deve adotar esses princípios de demonstrada eficácia para obter certa
liderança em qualquer mercado.

Esse aspecto de caráter geral se vincula a outra coincidência (ou melhor, a outra
lição) que os McDonald's oferecem às instituições educacionais. De forma bastante
simples, podemos dizer que os fast foods surgiram para responder a uma demanda da
sociedade moderna pós-industrial: as pessoas correm muito; estão, em grande parte do
dia, fora de casa; e têm pouco tempo para comer. Entre os fast foods realmente
existentes, o McDonald's adquiriu liderança mundial, aproveitando-se daquilo que na
terminologia empresarial se denomina "vantagens comparativas". Uma grande
capacidade administrativa permitiu que essa empresa conquistasse uni importante nicho
no mercado da comida rápida. Algumas das correntes dominantes entre as perspectivas
acadêmicas dos homens de negócios enfatizam que a capacidade competitiva de uma
empresa (e inclusive de uma nação) se define por seu dinamismo e flexibilidade para
descobrir e ocupar determinados segmentos (ou nichos) que se abrem à competição
empresarial. Assim, os mercados expressam tendências e necessidades heterogêneas.
Reconhecer tal diversidade faz parte da habilidade empresarial daqueles que conduzem
as grandes corporações conseguem sobreviver à intensa competição inter-empresarial. O
que é tudo isso tem a ver com a educação? A resposta é simples: se o sistema escolar
tem que se configurar como mercado educacional, as escolas devem definir estratégias
competitivas para atuar em tais mercados, conquistando nichos que respondam de forma
específica à diversidade existente nas demandas de consumo por educação.
Mcdonaldizar, a escola supõe pensá-la como urna instituição flexível que deve reagir
aos estímulos (os sinais) emitidos por um mercado educacional altamente competitivo.

Entretanto, alguém, provavelmente intrigado, poderia perguntar qual é a razão que


explica que o mercado educacional deva ser necessariamente competitivo. Os
neoliberais respondem a essa questão também de forma simples: assim como as pessoas
precisam comer hambúrgueres porque o trabalho (e, claro, a mídia) o exige, também
precisam educar-se porque o conhecimento se transformou na chave de acesso à nova
Sociedade do saber. Na perspectiva dos homens de negócios, nesse novo modelo de
sociedade, a escola deve ter por função a transmissão de certas competências e
habilidades necessárias para que as pessoas atuem competitivamente num mercado de
trabalho altamente seletivo e cada vez mais restrito. A educação escolar deve garantir as
funções de classificação e hierarquização dos postulantes aos futuros empregos (ou aos
empregos do futuro). Para os neoliberais, nisso reside a "função social da escola".
Semelhante "desafio" só pode ter êxito num mercado educacional que seja, ele próprio,
uma instância de seleção meritocrática, em suma, um espaço altamente competitivo.

A necessidade de permitir a competição inter-institucional (escola versus escola)


explica a ênfase neoliberal no desenvolvimento de mecanismos de desregulamentação,
flexibilização da oferta e livre escolha dos consumidores na esfera educacional.
Entretanto, essa questão não esgota a reforma competitiva que os neoliberais pretendem
impor na esfera escolar. Nessa perspectiva, a competição deve caracterizar a própria
lógica interna das instituições educacionais. A possibilidade de construção de um
mercado escolar competitivo depende, entre outros fatores, da difusão de rigorosos
critérios de competição interna que regulem as práticas e as relações cotidianas da
escola. Algo similar ocorre nos McDonald's.

De fato, os sistemas de controle e promoção de pessoal no McDonald's são


conhecidos (e em muitas ocasiões tomados como modelos) pelo uso eficaz de um
sistema de incentivos que promove uma dura e implacável competição interna entre os
trabalhadores bem como a difusão de um sistema de prêmios e castigos dirigidos a
motivar o "pertencimento" e a adesão incondicional à empresa. Esses mecanismos estão
sendo cada vez mais difundidos nos âmbitos escolares até mesmo quando as normas
jurídicas vigentes não o permitem). Quem mais produz mais ganha. E só é possível
saber quem mais produz quando se avaliam rigorosamente os atores envolvidos no
processo pedagógico(sejam professores, alunos, funcionários etc.). Os prêmios à
produtividade são, tal como no McDonald's, tanto meramente simbólicos(quadro de
honra, empregado do mês), quanto materiais(aumento salarial, prêmios em espécie,
promoção de categoria). A educação deve ser pensada como um grande campeonato.
Nela, os triunfadores sabem que o primeiro desafio é assumirem-se como ganhadores.
"Tu pertences à equipe dos campeões!", costuma repetir orgulhoso Ray Kroe em suas
habituais arengas à sua tropa de despachantes de hambúrgueres e batatas fritas baratas.
Espírito de luta, de auto-superação, de confiança no valor do mérito, certeza de saber
que quem está ao nosso lado só atrapalha nosso caminho ao sucesso. Nada mais
apreciado na escola do que o título de Mestre do Ano. Nada mais cobiçado no
McDonald's do que o prêmio All American Hamburguer-Maker.

A pedagogia da Qualidade Total se inscreve nessa forma particular de


compreender os processos educacionais, não sendo mais do que uma tentativa de
transferir para a esfera escolar os métodos e as estratégias de controle de qualidade
próprios do campo produtivo.

O processo de mcdonaldização da escola também tem seu efeito no campo do


currículo e na formação de professores. Quem se aventurar a estudar com mais detalhes
os fast foods(tarefa que constituiria uma grande contribuição para compreender melhor
nossas escolas) poderá encontrar uma surpreendente similitude entre os mecanismos de
planejamento dos cardápios nesse tipo de negócio e as estratégias neo-tecnicistas de
reforma curricular. O caráter assumido pelo planejamento dos currículos nacionais, no
contexto da reforma educacional promovida pelos regimes neoliberais poderia muito
bem ser entendido como um processo de macdonaldização do conhecimento escolar.

Ao mesmo tempo, no contexto desses processos de modernização conservadora,


as p políticas de formação de docentes vão se configurando como pacotes fechados de
treinamento (definidos sempre por equipes de técnicos, experts e até consultores de
empresas!) planejados de forma centralizada, sem participação dos grupos de
professores envolvidos no processo de formação, e apresentando uma alta
transferibilidade (ou seja, com grande potencial para serem aplicados em diferentes
contextos geográficos e com diferentes populações) É essa, precisamente, uma das
características que têm facilitado a expansão internacional de uma empresa como o
McDonald's. Esse tipo de ernpresa tem tido um papel fundamental no desenvolvimento
daquilo que poderíamos chamar aqui "pedagogia fast food": sistemas de treinamento
rápido com grande poder disciplinador e altamente centralizados em seu planejamento e
aplicação. A Hamburguer University de McDonald's em Chicago e sua competidora, a
Harvard dos preparadores de batatas fritas, a Burger King University, na perspectiva
dos homens de negócios, constituem invejáveis modelos de instituições educacionais de
novo tipo. Assim, inclusive, aparecem tios manuais que estimulam o êxito empresarial,
enfatizando o novo valor e a centralidade do conhecimento na sociedade do futuro.
Formar um professor não costuma ser considerada uma tarefa mais complexa do que a
de treinar um preparador de Hamburguer.

Por último, a mcdonaldização do campo educacional se expressa através das cada


vez mais freqüentes formas de terceirização (pedagógica e não-pedagógica) que tendem
a caracterizar o trabalho escolar nos programas de reforma propostos (e impostos) pelo
neoliberalismo. Vejamos. Uma loja do McDonald's (suponhamos, em Moscou) é
sempre um espaço de integração de diversos trabalhos parciais realizados em outras
unidades produtivas. De certa forma, o Big Mac é a síntese "dialética de uma série de
contribuições terceirizadas: por um lado, existe quem produz a carne, quem fabrica o
pão, quem fornece o ketchup e, por outro, quem cultiva os pepinos. O McDonald's da
Praça Vermelha simplesmente articula com a mesma eficiência e limpeza que o
McDonald's da Quinta Avenida( em Nova York) esses insumos, os quais, todos juntos,
dão origem a esse grande invento da cultura americana que são duas pequenas bolas
achatadas de carne moída cujo suporte são dois pedaços de pão. O Big Mac só pode ser
compreendido, a partir da perspectiva de um expert na indústria de hambúrgueres, como
o resultado de uma criativa planificação centralizada e uma não menos criativa
descentralização das funções exigidas para a elaboração de um produto cujos insumos
são fornecidos por um número variável de produtores. A aplicação de uma série de
rígidos controles de qualidade (também centralizados) garante uma alta produtividade,
além da redução dos custos de produção e, em conseqüencia, um aumento da
rentabilidade obtida por esses restaurantes. Essa racionalidade se aplica também ao
campo educacional . A lógica do lucro e da eficiência penetra as administrações
neoliberais. É nesse contexto que a terceirização do trabalho educacional constitui uma
forma de mcdonaldizar a própria escola.

Alguém de espírito certamente apocalíptico poderia dizer, com razão, que a


mcdonaldização da escola não se aplica a um dos atributos que tem caracterizado o
notório crescimento dos fast foods nesta segunda metade do século X: sua progressiva
universalização. Analisando as condições atuais do desenvolvimento capitalista,
poderíamos suspeitar, com efeito, que os McDonald's têm melhor futuro o que a escola
pública. Provavelmente, as vantagens comparativas dos fast foods permitirão que, em
muitos de nossos países, os hambúrgueres e as batatas fritas se democratizem mais
rapidamente do que o conhecimento. Entretanto, este é um problema de caráter
especulativo que excede nossas possibilidades de reflexão? ao menos por enquanto.

O processo de mcdonaldização da escola deve ser considerado de forma


"relacional". Não se trata de um fato isolado e arbitrário. Pelo contrário , ele só pode ser
explicado no contexto do profundo processo de reestruturação política, econômica ,
jurídica e também, é claro, educacional que está ocorrendo no capitalismo de fim de
século. A crise do fordismo e a configuração de um novo regime de acumulação pós-
fordista permite entender . o caráter e a natureza das reformas impulsionadas pelos
regimes neoliberais na esfera escolar. Na economia-rnundo capitalista se articulam
novos mapas institucionais cuja geografia do benefício produz e reproduz novas e
velhas formas de exclusão e desintegração social.

A escola não é alheia a esses processos; sua própria estrutura e funcionalidade é


colocada em questionamento por tais dinâmicas. O processo mcdonaldização expressa
essa mudança institucional dirigida a conformar as bases de uma escola toyotizada, uma
escola de alto desempenho, a administrada pelos novos líderes gerenciais, os quais
planejam formas de aprendizagem de novas habilidades exigidas por um local de
trabalho reestrurado, formas que sejam "concretas", "práticas"", ligadas à vida real e
organizadas através de equipes de trabalho (Wexler- 1995: 162).

De qualquer forma, é importante destacar que essa nova racionalidade do aparato


escolar se constrói sobre aqueles princípios que regulavam a escola taylorista. Trata-se
de um processo de reestruturação educacional onde se articulam novas e velhas
dinâmicas organizacionais, onde se definem novas e velhas lógicas produtivistas através
das quais a reforma escolar se reduz a uma série de critérios empresariais de caráter
alienante e excludente.

4. Os sabichões

Tendo chegado a este ponto, procuraremos responder à nossa última pergunta:


quem, na perspectiva neoliberal, deve ser consultado para poder superar a atual crise
educacional? Poderíamos formular nossa pergunta de forma negativa: quem não deve
ser consultado? A resposta é, em princípio, simples: os próprios culpados pela crise
(especialmente, é claro, os sindicatos e aqueles "perdedores" que sofrem as
conseqüências do infortúnio e a desgraça econômica por terem desconfiado do esforço e
da perseverança meritocrática que permitem triunfar na vida, ou seja: as grandes
maiorias). Defender e promover aquele velho e "improdutivo" modelo de Estado de
Bem-Estar parece também não ser um bom caminho para superar a crise.

Quem, então, deve ser consultado? Quem pode nos ajudar a sair da crise?
Obviamente, os exitosos: os homens de negócios. O raciocínio neoliberal é, neste
aspecto, transparente: se os empresários souberam triunfar na vida (isto é, se souberam
desenvolver-se com êxito no mercado) e o que está faltando em nossas escolas é
justamente "concorrência", quem melhor do que eles para dar-nos as "dicas" necessárias
para triunfar? O sistema educacional deve converter-se ele mesmo em um mercado....
devem então ser consultados aqueles que melhor entendem do mercado para ajudar-nos
a sair da improdutividade e da ineficiência que caracterizam as práticas escolares e que
regula a lógica cotidiana das instituições educacionais em todos os níveis. É nesse
contexto que deve ser compreendida a atitude mendicante e cínica dos governantes que
solicitam aos empresários "humanistas" a adoção de uma escola. Se cada empresário
adotasse uma escola, o sistema educacional melhoraria de forma quase automática
graças aos recursos financeiros que os "padrinhos" distribuiriam (doariam), bem como
aos princípios morais que, vinculados a urna certa filosofia da qualidade total, da
cultura do trabalho e idade do esforço individual, eles difundiriam na comunidade
escolar.
No entanto, a questão não se esgota aqui. Em certo sentido, para os neoliberais, a
crise envolve um conjunto de problemas técnicos (ou seja: pedagógicos) desconhecidos
pelos empresários, mas que também devem ser resolvidos de forma eficiente. Assim,
sair da crise pressupõe consultar os especialistas e técnicos competentes que dispõem
do saber instrumental necessário para levar a cabo as citadas propostas de reforma:
peritos em currículo, em formação de professores à distância, especialistas em tomadas
de decisões com escassos recursos, sabichões reformadores do Estado, intelectuais
competentes em redução do gasto público, doutores em eficiência e produtividade, etc.
Alguém candidamente poderia perguntar-se de onde tirar tanta gente. A resposta a
semelhante questão pode ser encontrada nos corredores dos Ministérios de educação de
qualquer governo neoliberal: são os organismos internacionais (especialmente o Banco
Mundial) os que fornecem todo tipo de especialistas nestas matérias. Para trabalhar
nestes organismos, que não são precisamente de beneficência e ajuda mútua, basta fazer
projetos que se retro-alimentem a si mesmos e, de preferência, ter sido de esquerda na
puberdade profissional.

III. Conclusão

O aumento da pobreza e da exclusão conduzem à conformação de sociedades


estruturalmente divididas nas quais, necessariamente, o acesso às instituições
educacionais de qualidade e a permanência nas mesmas tende a transformar-se em um
privilégio do qual gozam apenas as minorias. A discriminação educacional articula-se
desta forma com os profundos mecanismos de discriminação de classe, de raça e gênero
historicamente existentes em nossas sociedades. Tais processos caracterizam a dinâmica
social assumida pelo capitalismo contemporâneo, apesar dos mesmos se concretizarem
com algumas diferenças regionais evidentes no contexto mais amplo do sistema
mundial. De fato, o capitalismo avançado também tem sofrido a intensificação deste
tipo de tendências no seio de sociedades aparentemente imunes ao aumento da pobreza,
da miséria e da exclusão.

Dois processos decorrentes das políticas neoliberais produzem também um


impacto direto na esfera das políticas educacionais: a dificuldade (ou, em alguns casos,
a impossibilidade) de manter expandir mecanismos democráticos de governabilidade, e
o aumento acelerado da violência. social, política e econômica contra os setores
populares urbanos e rurais

Por outro lado, e ao mesmo tempo, a crescente difusão de intensas relações de


Corrupção - sendo a corrupção política apenas uma das expressões mais eloqüentes
deste processo - tende a criar as bases materiais e culturais um tecido social marcado
pelo individualismo e pela ausência de mecanismos de solidariedade coletiva. O
darwinismo social intensifica o processo de fragmentação e de divisão estrutural
produzido no interior das sociedades neoliberais. A corrupção como problema que
ultrapassa o âmbito da moral particular das elites políticas e econômicas, isto é, como
lógica cultural, constitui um fator característico deste processo de desagregação e
desintegração social. Tal lógica cultural penetra capilarmente em todas as instituições
principalmente nas educacionais, as quais tendem a Converter-se em promotoras e
difusoras desta nova forma de individualismo exacerbado.
Em suma, os governos neoliberais deixaram (e estão deixando) nossos países
muito mais pobres, mais excludentes, mais desiguais. Incrementaram (e estão
incrementando) a discriminação social, racial e sexual, reproduzindo os privilégios das
minorias. Exacerbaram (e estão exacerbando) o individualismo e a competição
selvagem, quebrando assim os laços de solidariedade coletiva e intensificando um
processo antidemocrático de seleção "natural" onde os "melhores"" triunfam e os piores
perdem. E, em nossas sociedades dualizadas, os "melhores" acabam sendo sempre as
elites que monopolizam o poder político, econômico e cultural, e os "piores", as grandes
maiorias submetidas a um aumento brutal das condições de pobreza e a uma violência
repressiva que nega não apenas os direitos sociais, mas, principalmente, o mais
elementar direito à vida.

A resposta neoliberal é simplista e enganadora: promete mais mercado quando, na


realidade, é na própria configuração do mercado que se encontram as raízes da exclusão
e da desigualdade. É nesse mercado que a exclusão e a desigualdade se reproduzem e se
ampliam. O neoliberalismo nada nos diz acerca de como atuar contra as causas
estruturais da pobreza; ao contrário, atua intensificando-as.

O desafio de uma luta efetiva contra as políticas neoliberais é enorme e complexo.


A esquerda não deve ser arrastada (ou arrasada) pelo pragmatismo conformista e
acomodado segundo o qual o ajuste neoliberal é, hoje, a única opção possível para a
crise. Para os que atuamos no campo educacional, a questão é simples e iniludível: logo
após o dilúvio neoliberal as nossas escolas serão muito piores do que já são agora. Não
se trata apenas de um problema de qualidade pedagógica (embora também o seja), serão
piores porque serão mais excludentes.

Os neoliberais estão tendo um grande êxito em impor seus argumentos como


verdades que se derivam da natureza dos fatos. Desarticular a aparentemente
inquestionável nacionalidade natural do discurso neoliberal Constitui apenas um dos
desafios que temos pela frente. No entanto, trata-se de um desafio do qual depende a
possibilidade de se construir uma nova hegemonia que dê sustentação material e
cultural a uma sociedade plenamente democrática e igualitária.

Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade. Nunca a sentença gramsciana


teve tanta vigência. Nosso pessimismo da inteligência deve permitir-nos considerar
criticamente a magnitude da ofensiva neoliberal contra a educação das maiorias. Nosso
otimismo da vontade deve manter-nos ativos na luta contra um sistema de exclusão
social que quebra as bases de sustentação democrática do direito à educação como pré-
requisito básico para a conquista da cidadania, uma cidadania plena que só pode ser
concretizada numa sociedade radicalmente igualitária.

(Texto tirado do livro "Escola S.A.", Tomaz Tadeu da Silva e Pablo Gentili - org.)
Maria Abádia da Silva

DO PROJETO POLÍTICO DO BANCO


MUNDIAL AO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
DA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA

MARIA ABÁDIA DA SILVA*

RESUMO: Este artigo analisa as relações estabelecidas entre a equipe


de diretores, técnicos e conselheiros do Banco Mundial, autores de
um projeto político para a educação pública que conta com a coni-
vência da equipe brasileira do Ministério da Educação (MEC). A au-
tora revela as relações de poder entre as equipes e afirma que ocorre
uma apropriação das estruturas institucionais educacionais do país
por meio do desenvolvimento de projetos, programas e planos que
alcançam o interior da escola pública, entre eles o projeto político-pe-
dagógico.
Palavras-chave: Banco Mundial. Políticas educacionais. Projeto políti-
co-pedagógico.

FROM THE POLITICAL PROJECT OF THE WORLD BANK


TO THE POLITICAL-PEDAGOGIC PROJECT OF BRAZILIAN PUBLIC SCHOOLS

ABSTRACT: This paper analyzes the relationships amongst the fol-


lowing groups: the World Bank’s directors, technicians, and counse-
lors who promoted a political project for public education sup-
ported by the Brazilian group, from the Department of Education
(MEC). The author points out the power the relations between both
sides and the appropriation of the Brazilian institutional structures
of education through the development of projects, programs, and
plans that reach the inner environment of public schools, one of
which is the political-pedagogic project.
Key words: World Bank. Educational policies. Political-pedagogic
project.

* Doutora em educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas


(UNICAMP) e professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UNB).
E-mail: abadia@unb.br

Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 283-301, dezembro 2003 283


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Do projeto político do Banco Mundial ao projeto político-pedagógico da escola...

Introdução
urante os dez anos que trabalhei na rede estadual paulista, no
município de Campinas, São Paulo, tive que enfrentar contínuas
situações de desconforto diante de regras definidas fora da esco-
la, com a finalidade de alterar sua própria dinâmica, sem que o conjunto
de professores tivesse a oportunidade de discuti-las primeiramente.
Mesmo sabendo das possíveis resistências por parte dos docentes, tem
sido uma prática constante introduzir novos projetos e novos programas
na estrutura do sistema educacional, prescindindo-se da necessária in-
serção dos professores nas discussões preliminares.
A sociedade brasileira, historicamente, alimentou práticas autori-
tárias e patrimoniais, decisões elaboradas pelo alto por um grupo de
“iluminados” e “sábios” que se diziam porta-vozes daquilo que a escola
pública brasileira mais precisava. Essas práticas persistem e ainda estão
presentes no cotidiano das escolas das grandes cidades ou de municípios
do interior dos estados. A concepção de gestão racional do sistema edu-
cacional brasileiro, ainda hoje, revitaliza o autoritarismo, a verticalidade,
o gerenciamento, o apadrinhamento e o clientelismo nas relações sociais
e políticas.
Tem sido também uma prática aproveitar-se do momento de
mudança de mandatos de governos ou de secretários de Educação para
se criar novos programas, projetos e planos, com o intuito de dar cara
nova à gestão, quase sempre sem avaliar os resultados anteriores, indu-
zindo à descontinuidade da própria dinâmica escolar. No entanto, as
informações sobre os projetos, programas e planos elaborados pelo novo
governo ou por seus secretários são examinadas rapidamente por técni-
cos da própria secretaria ou por técnicos indicados ad hoc. Geralmente
são esclarecimentos sobre o preenchimento dos formulários, prazos de
entrega dos documentos e demais obrigações que a escola deve conferir
para estar em dia com as exigências da Secretaria de Educação.
Há alguns anos, venho estudando a questão da intervenção e
atuação do Banco Mundial nas instituições educacionais e científicas do
país. Na presente reflexão, a análise central privilegia o confronto entre o
projeto político do Banco Mundial para a educação básica, elaborado
pelos conselhos de diretores executivos e de técnicos, e o projeto políti-
co-pedagógico da escola pública, concebido endogenamente e que se
propõe a ser construído pelos sujeitos históricos da escola. A reflexão

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prioriza a década de 1990, e analisa os mecanismos de intervenção do


Banco Mundial e suas formas de cooptação na estrutura organizacional,
institucional e no funcionamento da escola pública, com a finalidade de
consolidar seus instrumentos produtivos, quantitativos e a cultura em-
presarial no sistema educacional brasileiro.
Relembremos, ainda, que outras instituições financeiras, e não
apenas o Banco Mundial, financiam projetos no Brasil. Pode-se dizer
que cada uma delas merece estudos aprofundados, mas nesta reflexão a
prioridade será compreender as relações que emergem do projeto políti-
co proposto pelo conselho de diretores executivos do Banco Mundial
para as políticas sociais, em especial as educacionais e os dilemas da
concepção do projeto político-pedagógico emancipador. E, neste senti-
do, na primeira parte da reflexão, buscaremos compreender qual o pro-
jeto político do Banco Mundial para as políticas educacionais, e na se-
gunda, as relações de poder que se constroem no processo de expansão
das instituições escolares. Na terceira parte, analisaremos as relações de
poder do conselho de diretores e técnicos do Banco Mundial associadas
com parte dos técnicos do Ministério da Educação, que insistem numa
concepção de gestão gerencial, dificultando os avanços surgidos no inte-
rior da escola, para viabilizar uma educação transformadora, que tenha
na gestão democrática e no projeto político-pedagógico seus elementos
fundamentais. E, na quarta parte, o esforço será demonstrar o que o
Banco Mundial faz que modifica as práticas cotidianas no interior das
escolas públicas.

Do projeto político do Banco Mundial às políticas para a educação


pública
O que é o Banco Mundial ou BIRD? Qual o projeto político do
Banco Mundial para as políticas sociais, em especial para a educação
básica? O que pensam e o que decidem os diretores executivos sobre a
estrutura organizativa e funcional do sistema educacional brasileiro? Que
avaliação os diretores e técnicos fazem do modelo de educação pública
no Brasil? Que papel o Banco Mundial afirma ser destinado à educação
para a consolidação de outra ordem de crescimento mundial?
O Banco Internacional para o Desenvolvimento e a Reconstrução
(BIRD), também conhecido como Banco Mundial, criado em 1944, na

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Conferência de Bretton Woods, estabelece relações com o governo brasi-


leiro desde 1946, quando financiou projeto para o ensino industrial da
escola técnica de Curitiba, Paraná, na gestão de Eurico Gaspar Dutra.
As relações multilaterais existentes entre a equipe de diretores, técnicos
e conselheiros do Banco Mundial e a equipe de técnicos do Ministério
da Educação (MEC) são de assistência técnica na área econômica e social,
de cooperação e de “ajuda” aos países em desenvolvimento. Inicialmen-
te, as suas ações foram para a reconstrução dos países devastados pela
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), passando para as ações de pro-
moção do crescimento econômico dos países em desenvolvimento da
América Latina e da África, financiando projetos voltados para a infra-
estrutura econômica, energia e transporte.
Nos anos de 1970, durante a gestão Robert McNamara (1968-
1981) o Banco Mundial assumiu a política estratégica de diversificação
setorial de empréstimos, redimensionando-os de acordo com os seus
interesses políticos, ideológicos e econômicos para alcançar a economia
dos países capitalistas devedores. Na gestão McNamara, a instituição
financeira aprimorou sua política econômica e suas estratégias para al-
cançar e modificar a economia dos governos devedores, apresentando-se,
portanto, como a única instituição portadora dos instrumentos para re-
duzir a pobreza, combater o analfabetismo e com capacidade para apli-
car políticas econômicas rentáveis e competitivas.
A continuidade dessas relações revela profundas mudanças neste
relacionamento, desde uma simples recomendação até exigências
institucionais a serem cumpridas para a obtenção de outros emprésti-
mos. Se analisarmos essas relações pela sua historicidade, constata-se
uma constante presença e uma firme atuação da equipe do Banco Mun-
dial de diferentes maneiras e, em quase todos os governos e em cada uma
delas, a natureza dessa relação se torna mais assimétrica e revestida de
cooperação técnica e de “ajuda”.
A complexidade deste relacionamento advém das macropolíticas
econômicas formuladas pelo conselho de diretores do Banco Mundial,
representantes dos países capitalistas desenvolvidos, e encaminhadas aos
governos solicitantes de empréstimos e com graves questões sociais e
regionais. Advém, ainda, da decisão dos governos dos países ricos e dos
donos de empresas multinacionais de apropriarem-se da riqueza dos países
da América do Sul e do Oriente. O poder político, bélico e econômico

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desses países possibilita que, por meio do Banco Mundial, do Fundo


Monetário e da Organização Mundial do Comércio (OMC), definam-se e
operacionalizem-se na prática as medidas de ajustes e correção e de
direcionamento dos interesses dos credores e grupos empresariais.
Ao fixar um corpo de representantes como seu grupo de trabalho
em determinada região, o Banco Mundial colhe diagnósticos de situa-
ções específicas, divulgando-os como modelos a serem seguidos. E mais,
a sua presença diária permite uma constante avaliação do devedor, no
que se refere a sua capacidade de pagamento da dívida, monitoramento
e fiscalização quanto ao uso correto dos recursos, além de pressioná-lo
para adotar comportamentos adequados aos princípios do Banco, mas
lesivos para o país. Com estes procedimentos e com o discurso de cola-
boração, os técnicos passam a monitorar e fiscalizar os empréstimos. A
posse de diagnósticos locais permite que se apropriem das singularida-
des e as generalizem, e que se suprimam a história e a cultura da popu-
lação local.
A presença e a atuação dos diretores, técnicos e conselheiros do
Banco Mundial nas decisões educacionais pode ser constatada nas pres-
sões sobre o governo brasileiro e pela afirmação de um pensamento com
as seguintes características:
- Apregoam que existe um distanciamento entre suas estruturas
capitalistas internas e as virtudes proclamadas pela modernidade,
sendo necessária a ajuda externa e a cooperação técnica.
- Que os países subdesenvolvidos estão marcados pelo monopólio
das forças oligárquicas e conservadoras na estrutura de poder, de
forma que são entraves à aceitação de nova mentalidade.
- As dificuldades do governo federal de planejar a educação, per-
cebendo-a como fator de produção de recursos humanos ne-
cessários ao crescimento econômico desejado, assim como, por
meio dela, preparar mão-de-obra qualificada.
- O próprio empresariado industrial nacional vê a possibilidade
de auferir maiores lucros com a presença das multinacionais e
de explorar o mercado do ensino.
- Que a abertura de mercados para as empresas multinacionais e
os bancos estrangeiros se tornou necessária e a globalização

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inexorável. Em alguns casos, as exigências de licitações inter-


nacionais para compra de livros didáticos são reveladoras desta
pressão para expansão de mercados para a venda de produtos e
de serviços de empresas de outros países.
- Aconselham a mudança de rumos aos investimentos na educa-
ção. Propõem redução de custos e induzem o pensamento de
que a educação básica (1a a 8a série) seja prioridade de investi-
mentos e os demais níveis de ensino podem ser ofertados pelas
empresas de ensino privadas.
- Pressionam os ministros e técnicos para que a tomada de deci-
sões favoreça a entrada de capitais por meio de empresas de
construção civil, transporte, telefonia, alimentos e equipamen-
tos, abrindo mercado para o capital.
- A indução de ações setoriais e isoladas de combate à má quali-
dade do ensino e para a reorganização curricular (por exemplo:
os Parâmetros Curriculares Nacionais e o FUNDESCOLA).
- Tratamento da educação como serviço público que pode ser
transferido para as empresas privadas.
- Induzem atitudes que priorizam uma cultura empresarial para
as escolas, sinalizando uma relação de eficácia entre os recursos
públicos e a produtividade do sistema escolar.
Não é apenas a presença das missões e dos técnicos do Banco
Mundial que nos preocupa, algo que vem sendo praticado desde 1964,
quando foram assinados os Acordos MEC-USAID, entregando a reorganiza-
ção da educação brasileira aos técnicos da Agency for International
Development [AID] (Romanelli, 2003, p. 213), mas a receptividade que
este pensamento encontra nos técnicos brasileiros e que se materializa
na criação de uma estrutura paralela ao MEC para fiscalizar, avaliar e pres-
sionar, com a anuência do governo federal. A presença e a atuação desses
técnicos foi exemplar na década de 1990, pela sua capacidade de servir-
se da estrutura organizacional para canalizar seus objetivos, ideologias,
estratégias e concepção de educação.
Para o governo federal, que historicamente depende de recursos
externos para levar avante os seus compromissos nacionais, está colocada
a difícil tarefa de cumprir os acordos externos assinados e afirmar o lugar

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que o país ocupa no cenário internacional, e, ao mesmo tempo, cumprir


com os compromissos assumidos com a população que o elegeu.
De fato, a conjuntura geopolítica e econômica revela que a natu-
reza das relações internacionais ganhou mais complexidade. As questões
nacionais extrapolam os limites geográficos e tornam-se questões suprana-
cionais, entre elas o meio ambiente, o desemprego estrutural, a violência
urbana, o consumo das drogas, a expansão das doenças, a fome e a misé-
ria generalizadas são questões nacionais de amplitude internacional. Nesta
outra ordem mundial, os acordos assinados com países com os quais
estabelecemos relações diplomáticas e de intercâmbio exigem do gover-
no federal outra postura e outra relação de diálogo para a inserção do
país no circuito geopolítico. Podemos afirmar que as formas de inserção
e de participação mudaram.
Neste sentido, no Brasil, a presença do Banco Mundial faz-se por
intermédio dos diretores, técnicos e conselheiros, que atuam nas deci-
sões econômicas há mais de 50 anos, e associados com a equipe brasileira
avaliam regularmente a capacidade de pagamento da dívida externa e
dos empréstimos. Empurram aos governos as condicionalidades e sinali-
zam ao capital financeiro flutuante as possibilidades de rendas rápidas
que permitem a continuidade do fluxo de capitais. Portanto, atestam e
avaliam se o país tem condições de continuar pagando novos emprésti-
mos em dia, regularmente.

As relações de poder na expansão das instituições escolares


No Brasil, as instituições sociais, em especial as educacionais, são
alcançadas pela ingerência das organizações financeiras internacionais
que pressionam e manipulam indicadores econômicos e insistem na re-
dução de recursos para saúde, educação, cultura, produção científica e
tecnológica, a fim de que possa sobrar uma parte de dinheiro para pagar
os banqueiros e credores.
Além desta situação, temos outra sintetizada assim: num mundo
que, cada vez mais, apresenta outras formas de divulgar as informações,
o que se constata no campo social é o aproveitamento do desconheci-
mento alheio ou a omissão de esclarecimentos sobre as origens e as in-
tenções das políticas públicas de educação como caminho mais curto
para conduzir as influências e as pressões externas, emanadas das insti-

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tuições financeiras, fazendo-as chegar de diferentes maneiras e por dife-


rentes sujeitos ao interior da escola.
É verdadeiro que a escola pública tem de responder a novas situ-
ações vividas, seja no ato de ensinar e de aprender, integrados no proces-
so de criação do conhecimento, seja no tratamento das questões de or-
dem política, econômica, científica e tecnológica, a fim de ser uma
instituição co-responsável pelas questões de seu tempo, questões vivas.
Sabiamente Hobsbawm (1994, p. 13) alerta todos sobre a perda
de memória histórica, por meio de processos contínuos de destruição do
passado, e afirma que a tarefa dos historiadores de ofício é lembrar o que
outros esquecem. Cabe relembrar, então, as relações entre sociedade e a
escola pública, compreendendo-a como parte significativa e constituin-
te da sociedade, que possui funções históricas e sociais e vem incorpo-
rando outras, decorrentes do seu conviver e de suas inter-relações com
outras instituições.
É uma instituição social que se faz presente pela sua estrutura
física nos mais recônditos lugares. Mas é também uma instituição de
controle social na medida em que, ainda sob a égide dos padres jesuítas,
os conteúdos políticos, ou melhor, religiosos foram fios condutores de
seu fazer e do seu doutrinar. A presença e atuação dos padres da Compa-
nhia de Jesus e de outras ordens religiosas que aportaram no território
brasileiro tinham objetivos políticos e uma política educacional consis-
tente e bem definida, entre eles, propagar a fé cristã, instruir os descen-
dentes portugueses e domesticar os nativos. Porém, tais objetivos conti-
nham imperativos econômicos e elitistas. Já em 1808 a presença da Corte
Real Portuguesa fez com que D. João VI também executasse uma políti-
ca educacional voltada, prioritariamente, para prover o ensino superior
às elites condutoras, ao passo que ampla parcela populacional foi sendo,
sistematicamente, subtraída do direito à educação pública.
O legislador da lei de 15 de novembro de 1827 colocou no texto
dessa lei que “em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haverá
as escolas de primeiras letras que forem necessárias”, mas o descompasso
com as condições sociais e econômicas do império persistiram e dificul-
taram sua realização. Soma-se, ainda, o Ato Adicional de 1834, delegan-
do às províncias criar, prover e legislar sobre as classes de primeiras le-
tras. Nota-se que, entre o texto da lei, os discursos dos parlamentares e
as ações dos presidentes das províncias, existiram atos e ações de contro-

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le empregados pelas forças imperiais com a finalidade de manter a or-


dem econômica e social.
Às províncias coube gerar ações para criar, prover e legislar sobre o
ensino primário, instituir escolas normais e dar organicidade e funcio-
nalidade ao precário sistema de ensino. A dívida deixada para a Repúbli-
ca foi anunciada no Relatório de Rui Barbosa (1882), quando alertava
para a questão do analfabetismo generalizado e para a manipulação das
estatísticas escolares. A expansão das instituições escolares fez-se acom-
panhada dos conflitos e das disputas pelo controle social.
Em outros momentos, o centro de decisões deslocou-se da Igreja
Católica para o Estado por meio do Ministério da Saúde Pública e Edu-
cação (1930). Foram inúmeros os embates políticos entre os grupos ca-
tólicos e liberais numa disputa pelo poder e pelo controle da escola.
Autoridades religiosas e políticas pleitearam o controle sobre as mentes
e os corpos da maioria da população, reivindicaram o direito de arbitrar
as regras, aplicar o código de conduta moral, de comportamento cívico e
de justiça, ou seja, o direito de formar o homem e a sociedade desejados.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Banco Mundial (1944) e o
Fundo Monetário (1944) assumem a liderança política e afirmam ter
capacidade para prover o desenvolvimento econômico nos países deve-
dores. Por meio de empréstimos aprofundaram ainda mais a dependên-
cia dos governos e exigiram vantagens para o capital. Resultado: a execu-
ção de políticas sociais insuficientes, compensatórias, fragmentadas e
focalizadas que aprofundam as desigualdades.
Pode-se afirmar que a escola pública, historicamente construída
no país, está inserida em um projeto de sociedade que a viabiliza. Mas
pode-se também afirmar que a escola pública desejada e criada pelas
elites dominantes do país não o foi plenamente. A própria escola públi-
ca, pela sua capacidade inventiva, rompe com modelos instituídos, mo-
difica-os e, pela sua heterogeneidade, revela com transparência a face de
seus sujeitos e a complexidade de sua cultura.
É uma instituição de controle social, na medida em que pode estar
a serviço do modelo de sociedade assentada em profundas desigualda-
des, de acordo com o pensamento daqueles que vêm a escola como
reprodutora da ordem socioeconômica e cuja função é ajustar os indiví-
duos ao modelo civilizatório dirigido pelos dominantes e prepará-los
para desempenhar papéis sociais predefinidos. Embora afirmem que a

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educação pode ser utilizada como meio para diferenciar os indivíduos e,


simultaneamente, instrumento de equalização social, na verdade o que
ela faz é adaptar os indivíduos às normas e aos valores vigentes numa
sociedade de classes. Acreditam que a sociedade tem que estar em har-
monia e em equilíbrio, e o elemento condicionante desta sobrevivência é
a educação atribuída aos indivíduos.
Outros pensadores concebem a escola como instituição a serviço
da ideologia do Estado, aparelho ideológico, portanto, a sua função é a
conformação dos comportamentos e a inibição daqueles indesejáveis. As
maneiras de inculcação podem ser dissimuladas ou explícitas com a fi-
nalidade de tornar os interesses particulares, ou de um grupo, como
universais e inevitáveis dentro da mesma ordem. O núcleo central desta
concepção se encontra na revelação de que, por trás da unidade da esco-
la, aberta a todos, na verdade existe uma dupla rede de escolarização.
Uma encarregada da reprodução da classe trabalhadora denominada pri-
mária-profissional; e outra denominada secundária-superior, encarrega-
da de reproduzir os mandos de dirigentes da sociedade capitalista. Cabe,
portanto, aos indivíduos esforçarem-se para superar as dificuldades e
lograr êxito na escola e no mundo do trabalho.
Por fim, outros pensadores alinhados com o materialismo históri-
co dialético afirmaram ser a escola uma instituição que pode estar a
serviço da transformação. Apontaram os constantes conflitos entre as
classes sociais e as lutas dos trabalhadores na defesa dos direitos sociais,
entre eles os educacionais. Historicamente, a escola pública desempe-
nhou funções clássicas e incorporou novas funções de seu tempo, que
serviam ao modo de produção capitalista, ou seja, foi gerada na socieda-
de burguesa e para servir aos interesses burgueses. Para desempenhar
tais funções, instituiu práticas sociais, comportamentais e culturais que
sustentam o modo de ser, de fazer e de pensar da sociedade capitalista.
Sabe-se que a escola pública foi objeto de amplas discussões du-
rante a Revolução Francesa (1789). Por exemplo, o Marquês de
Condorcet (1743-1794), como membro do Parlamento francês, propôs
a educação pública com a finalidade de estabelecer a igualdade de opor-
tunidades. Dizia que “o Estado deve assegurar a cada cidadão o gozo dos
seus direitos, intervindo na supressão das desigualdades sociais” (Cu-
nha, 1991, p. 39). Um outro parlamentar, Louis-Michel Lepelletier
(1760-1793), presidente do Parlamento de Paris e deputado da nobreza

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dos Estados Gerais, concebeu um Plano Nacional de Educação, apre-


sentado por Robespierre em 1793, em que propunha a gratuidade, a
igualdade, a obrigatoriedade e a laicidade. Afirmava que todas as crian-
ças deveriam ser educadas à custa da República; que a educação deveria
ser igual para todos; e que a educação era uma dívida da República para
com todos (Rosa, s/d, p. 214). A escola, que sempre estivera comprome-
tida com a instrução dos afortunados e ministrando saberes humanísticos
e literários, passou a receber crianças das classes trabalhadoras, que aspi-
ravam a melhores oportunidades e ascensão social, cujo aprendizado era
vinculado ao trabalho.
O fato concreto é que a instituição escola pública, inserida no
conjunto de reivindicações sociais dos trabalhadores, é uma instituição
de controle social, mas é também resultado de conflitos políticos, religi-
osos, sociais e ideológicos que permearam o contexto europeu entre os
séculos XVI e XIX, entre autoridades religiosas, poder político estatal e
da classe burguesa em ascensão.

As dimensões do projeto político do Banco Mundial ante os desa-


fios do projeto político-pedagógico emancipador
A intenção agora é analisar as relações de poder que se estabele-
cem entre o conselho de diretores, técnicos e conselheiros do Banco
Mundial, associado com parte de técnicos do MEC, e as escolas públicas
pela via do projeto político-pedagógico.
Como o Banco Mundial interfere na educação brasileira? O que o
Banco tem a ver com a escola pública? Por que os profissionais da educa-
ção precisam saber o que pensa a cúpula de dirigentes do Banco Mundi-
al sobre a educação pública? Existem mudanças que acontecem dentro
da escola e que têm a ver com as decisões e propostas do Banco Mundial?
Quais são elas?
Comecemos por um exemplo. Quando você está muito “aperta-
do” e o seu dinheiro não dá para pagar a contas do mês, então você corre
a um banco e solicita um empréstimo, pois você precisa rapidamente de
dinheiro. Ao ir a um banco, conversa com o gerente, explica a sua situ-
ação financeira e conta de suas dívidas. O gerente ouve, avalia, faz os
cálculos e dá a você uma lista de exigências e de documentos. O gerente
também o alerta sobre a necessidade de ter o “nome limpo”, pois só

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assim poderá atender a sua solicitação. Caso você preencha todas as exi-
gências da lista, apresente todos os documentos e tenha “nome limpo”,
e se você se compromete a pagar os juros cobrados, então assina um
termo de compromisso dizendo estar ciente de que deverá pagar todas as
prestações decorrentes dos empréstimos e com os juros cobrados pelo
banco. Após 24 horas, o dinheiro estará disponível na sua conta e você
torna-se devedor para o banco.
A relação do Banco Mundial com o governo federal ou com os
governos estaduais acontece de forma semelhante. Ou seja, para desen-
volver alguns projetos sociais, ambientais, de infra-estrutura, transporte
e agricultura, o governo federal e os estaduais, em diferentes momentos
históricos, recorreram ao Banco Mundial e solicitaram empréstimos;
comprometeram-se com as regras exigidas pelo Banco. E, em todos os
acordos, assinaram o termo de compromisso, portanto temos uma dívi-
da com os donos do Banco Mundial.
No caso da educação pública os professores, diretores, funcionári-
os, estudantes e pais precisam saber que há mais de 50 anos o Brasil
solicita empréstimos ao Banco Mundial e, depois, os próprios técnicos
do Banco pressionam o governo para reduzir os investimentos em edu-
cação, cultura e saúde, para sobrar dinheiro para pagar a dívida externa.
Que os técnicos do Banco e do MEC ou da Secretaria de Educação deci-
dem quando, onde e como gastar o dinheiro. Ou seja, o dinheiro vem
com rubricas carimbadas e as escolas apenas estão executando decisões.
O governo sabe que os juros são elevados, mas mesmo assim assi-
na os acordos e rende-se às exigências dos credores. Os banqueiros rece-
bem tudo que emprestaram, inclusive os juros e as despesas de tramitação
ou de viagens de comitivas que antecedem as negociações para a assina-
tura final do acordo. Cabe ressaltar um aspecto importante. Por exem-
plo, se o orçamento do nosso projeto for X, o Banco somente financia
uma parte; a outra é por conta do governo solicitante e aquele só
disponibiliza o seu dinheiro depois que gastamos a nossa parte. Se por
alguma dificuldade interna não utilizamos o dinheiro no tempo defini-
do, temos de efetuar o pagamento de juros e encargos. Então recebemos
a visita dos comissários que avaliam o que está sendo feito e se temos
capacidade de pagamento em dia para o montante solicitado. Portanto,
a lógica do Banco é a noção de tempo linear: submete as escolas públicas
ao seu tempo para pôr à disposição os recursos.

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E, assim, os técnicos e gestores do Banco vão se inserindo nas


estruturas burocráticas, apropriam-se destas e edificam uma estrutura
paralela à do MEC, e daí atuam decisivamente nas questões de políticas
para a educação em todo o país. Nos últimos 50 anos, a presença e a
atuação dos gestores do Banco Mundial foi decisiva, em especial nos
projetos Nordeste II e III (Pereira, 2001, p. 68) e no Fundo de Fortale-
cimento da Escola (FUNDESCOLA) implementado por intermédio do Pla-
no de Desenvolvimento da Escola [PDE] (Marra, 1999, p. 7).
No caso da educação superior, foram formuladas as seguintes po-
líticas presentes no documento La enseñanza superior: las lecciones deri-
vadas de la experiencia (1995): fomentar maior diferenciação entre as
instituições, fim da gratuidade do ensino superior, diferenciação dos
objetivos institucionais, desenvolver instituições não-universitárias, di-
versificar as fontes de financiamento, adotar indicadores de desempenho
que levem em conta a produtividade, eficiência e qualidade na prestação
de serviços, fomentar a oferta privada do ensino superior, redefinição das
funções do governo com relação a credenciamento, fiscalização e avalia-
ção e a utilização eficiente dos recursos. Essa política de restrição orça-
mentária para a educação superior e a pesquisa científica e tecnológica
fragilizam principalmente as universidades públicas, e o país reduz sua
capacidade de estabelecer diálogo e interlocução internacionais.
Como os técnicos e conselheiros do Banco participam das deci-
sões políticas? Veja, se a solicitação de financiamento for aprovada, eles
financiam parte do projeto, acompanham e fiscalizam. Vamos aos exem-
plos. Nos anos de 1960 o financiamento do Projeto Brasileiro-America-
no de Assistência ao Ensino Elementar era revestido de assistência técni-
ca e cooperação, mas, de fato, o que se constatou foi a participação ativa
dos técnicos externos nas decisões de políticas públicas nacionais
(Arapiraca, 1982, p. 75).
Se nos anos de 1980 as relações estiveram hibernadas, nos anos de
1990 houve uma preferência do Banco pela educação, que é demonstra-
da pelo aumento dos porcentuais de 2%, em 1980, para 29% entre
1991 e 1994, e o mais significativo não é o valor dos empréstimos, mas
a capacidade política adquirida pelos membros do conselho de diretores
e técnicos do Banco para pressionar e fazer com que os governos dos
países devedores cumpram as exigências determinadas pelos credores
externos. Pressões que aumentam nos períodos eleitorais. Estes encon-

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tros são para afinar os compromissos econômicos e sociais entre ambas as


equipes e certificar-se dos rumos e dos propósitos na nova gestão.
Ainda dentro dos exemplos, relembremos os debates que antece-
deram a aprovação de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
n. 9.394/96, e os embates que resultaram na Lei n. 10.172, que regula-
mentou o Plano Nacional de Educação. Foram momentos em que o
governo federal, apoiado pelos aliados e ancorado nos argumentos dos
técnicos externos, desconsiderou o amplo debate, heterogêneo, que ha-
via sido construído por associações, sindicatos e movimentos populares.
Não houve, por parte do governo federal, nenhuma disposição em elevar
os porcentuais do valor aluno anual, tampouco se dispôs a elevar os
salários dos profissionais da educação, mas, em contrapartida, favoreceu
a expansão da educação média e superior pela via da privatização.
Outro exemplo foi a prioridade que o Banco Mundial atribuía à
educação básica (leia-se 1a a 8a série) e induziu o governo brasileiro a
criar, em 1996, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), instrumento
institucional que serviu para redistribuir o mesmo dinheiro e focalizá-lo
apenas num parcela do ensino fundamental. Essa atitude tinha sintonia
com as políticas do Banco Mundial para a educação.

O que faz o Banco Mundial que modifica as práticas cotidianas no


interior da escola pública?
Com muitas dificuldades algumas escolas públicas elaboram os
seus projetos político-pedagógicos como um documento de referência,
outras recebem o documento semipronto para ajustes, e outras, ainda,
utilizam o documento do ano anterior fazendo pequenas alterações. Mas
o que é o projeto político-pedagógico? É um documento teórico-prático
que pressupõe relações de interdependência e reciprocidade entre os dois
pólos, elaborado coletivamente pelos sujeitos da escola e que aglutina os
fundamentos políticos e filosóficos em que a comunidade acredita e os
quais deseja praticar; que define os valores humanitários, princípios e
comportamentos que a espécie humana concebe como adequados para a
convivência humana; que sinaliza os indicadores de uma boa formação e
que qualifica as funções sociais e históricas que são de responsabilidade
da escola. Que elementos o integram? É um instrumento que organiza e

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sistematiza o trabalho educativo compreendendo o pensar e o fazer da


escola por meio de ações que combinem a reflexão e as ações executadas
do fazer pedagógico. A construção coletiva deve considerar a história da
comunidade escolar, afirmar os fundamentos políticos e filosóficos e os
valores, assegurar uma boa formação e processos constantes de vivências
democráticas, a capacidade de mediar dos conflitos existentes nas rela-
ções interpessoais, primar pela capacidade inventiva e criativa de todos,
conduzir com presteza processos de avaliação processual e revitalizar a
gestão democrática com efetiva participação de todos os membros da
escola e da comunidade onde a escola está geograficamente situada.
No final dos anos de 1980 e início dos de 1990, o movimento
dos educadores em defesa da escola pública, sindicatos e associações de
professores não só discutiam como também exerciam uma postura ativa,
exigindo que o projeto político-pedagógico da escola constituísse o cen-
tro das discussões. Houve um momento em que, na esteira das lutas do
movimento docente, a construção do projeto político-pedagógico estava
no fazer das lutas da escola. Esse momento se desvaneceu e coincide com
uma aproximação do governo federal das agências multilaterais de em-
préstimos e com a retomada das negociações que geraram novos emprés-
timos para a educação brasileira (Silva, 1999, p. 144).
Negar a presença e a participação dos técnicos do Banco Mundial
ficou insustentável. É visível a sua presença, especialmente na tomada
de decisões traduzidas em atos e ações. Na educação, desde os estudos
preliminares para aprovação de empréstimos até o seu relatório final,
encontramos a cooperação técnica e a “ajuda externa”. Resultado: o go-
verno federal subscreveu a política dos gestores do Banco Mundial, e
utiliza o MEC e os secretários de Educação para viabilizá-las na prática.
Inicialmente, oferecem ajuda e cooperação e, em seguida, seduzem os
recursos humanos e, se necessário, criam uma estrutura paralela para
operacionalizar e fiscalizar o uso do dinheiro, o cumprimento com as
metas e o pagamento regular dos empréstimos.
Nesta política de poder e de edificação de uma outra ordem
geopolítica, econômica e social não há espaço para neutralidades, mas,
sim, para os interesses. Não é um jogo para amigos e entre amigos. É um
jogo de política de poder em que países ricos subjugam países em desen-
volvimento. É um jogo em que há o predomínio concreto das nações
avançadas, decididas a apropriar-se das riquezas sociais e ambientais dos

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países devedores. O crescimento é do capital e não do desenvolvimento


humano e social. As relações são assimétricas, com forte tendência para
desconsiderar os meios multilaterais de diálogo entre as nações.
Diante do exposto, é necessário insistir que as ações do Banco Mun-
dial modificam as ações pedagógicas no interior da escola, que aparente-
mente vêm da secretaria. Analisemos, então, três exemplos. O primeiro é
a forma de avaliação empreendida por algumas escolas públicas seguindo
orientações da Secretaria de Educação. Sabemos que é um processo de
avaliação deslocado do processo ensino-aprendizagem. Busca-se quantificar,
punir, premiar os bons ou corrigir desvios. O que importa é alcançar os
resultados/rendimentos escolares definidos a priori. Não importa se o alu-
no de fato se apropria de saberes e de conhecimentos que se traduzam em
processos emancipatórios e de cidadania. Desconsideram-se as funções
clássicas da escola, que é desenvolver as relações ensinar e aprender, pensar
e fazer, partindo-se do princípio de que todos têm condições de aprender,
ainda que seja no seu próprio ritmo. A avaliação é parte da política do
Banco; dependendo da forma como é encaminhada, pode estar a serviço
deste.
O segundo exemplo é a ausência de distinção entre o tempo da
escola, portanto tempo destinado à aquisição e decantação de saberes e
conhecimentos, e o tempo do mercado, rotativo, insaciável, alucinante.
A escola deixou de ser o tempo da socialização, do aprender, do dividir,
do construir afetos, desejos, sonhos, valores e alegria, para ser o templo
do mercado, lugar para fabricar objetos humanos ajustados para servi-
rem ao mercado. A lei selvagem que ronda a educação exige formação
rápida para o fazer e executar, atendendo satisfatoriamente às demandas
de um mercado insaciável. Na universidade pública, o tempo da pesqui-
sa passou a ser ditado pelo tempo do mercado e pelas necessidades des-
te. É preciso abreviar-se, o mercado não espera! É uma insana luta de
todos para estar em dia com as leis e regras do mercado, seja na cobrança
por títulos, seja na produtividade acadêmica, seja, ainda, na profissão
escolhida ou na incorporação de uma mentalidade mercantil para os
fazeres da produção do conhecimento científico.
O terceiro exemplo é o projeto político-pedagógico da escola pú-
blica, eixo ordenador e integrador do pensar e do fazer do trabalho
educativo. Ele não é uma peça documental para ser apenas guardado na
secretaria da escola e manuseado pelos estagiários dos cursos de licencia-

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tura e pedagogia. Se concebido adequadamente, o projeto político-pe-


dagógico revela quem é a comunidade escolar, quais são seus desafios
com relação à boa formação, à conquista da autonomia e da gestão de-
mocrática, capaz esta de organizar, executar e avaliar o trabalho educativo
de todos os sujeitos da escola. Todos nós sabemos que as discussões em
torno do projeto político-pedagógico estão hibernadas e que as escolas
públicas participam de outros projetos, programas e planos sem ter cla-
reza de suas origens e intenções. Pior, migram rapidamente para outros
projetos, programa e planos e arquivam em gavetas o projeto político-
pedagógico. Eis o nosso desafio, recolocar o projeto político-pedagógico
no centro de nossas discussões e práticas, concebendo-o como instru-
mento singular para a construção da gestão democrática.

Considerações finais
O Banco Mundial chega ao interior das escolas públicas por meio
de programas, projetos e planos elaborados por seus técnicos e conse-
lheiros e endossados pelo Ministério da Educação, separando o pensar e
o fazer. A comunidade escolar é apenas informada sobre os programas,
projetos e planos, recebendo orientações necessárias ao preenchimento
de formulários e à prestação de contas. A reflexão sobre o trabalho peda-
gógico diluiu-se em meio a tantos procedimentos burocráticos a serem
cumpridos.
Os diretores, técnicos e conselheiros afirmam sua disposição em
fazer com que as escolas se assemelhem às empresas comerciais, utilizan-
do-se dos próprios canais do sistema educacional para introjetar o mo-
delo gerencial racional de gestão no espaço público. No contexto esco-
lar, o projeto político-pedagógico tornou-se secundário, mas instrumento
para justificar o sistema e servir à burocracia.
Portanto, temos muito por fazer. Demonstrar que os financia-
mentos são lesivos, que a realidade não comporta tais procedimentos,
que não aceitamos passivamente ordens e orientações sem discuti-las,
que compreendemos nossa responsabilidade com a escola pública e com
a formação de boa qualidade e que, sendo necessário, formularemos uma
exposição de motivos, tomaremos decisões contrárias e falaremos para
todos que cabe à escola e aos sujeitos que nela atuam tomar decisões e
eleger suas prioridades. Penso que é necessário, coletivamente, contra-

Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 283-301, dezembro 2003 299


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Do projeto político do Banco Mundial ao projeto político-pedagógico da escola...

por-se aos mandos e desmandos dos “iluminados” e recolocar o projeto


político-pedagógico como um dos elementos da gestão democrática, de
emancipação e justiça social. Contrapor-se e ousar é preciso!

Recebido em agosto de 2003 e aprovado em setembro de 2003.

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FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL:
UM BALANÇO DO GOVERNO FHC (1995-2002)

JOSÉ MARCELINO DE REZENDE PINTO*

RESUMO: O artigo busca fazer uma análise das principais medidas


tomadas no Governo de Fernando Henrique Cardoso com reflexos
no financiamento da educação. Constata-se que, no período,
aproveitando-se da hegemonia obtida no Congresso pela coalizão
de centro-direita por ele articulada, foram aprovadas várias leis com
forte impacto no financiamento da educação, tais como a LDB (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), o FUNDEF (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério) e o Plano Nacional de Educação.
Entende-se que a diretriz mestra adotada por este governo para o
setor foi a de que os recursos já existentes são suficientes, cabendo
apenas otimizar a sua utilização. Conclui-se afirmando que este
governo será lembrado como aquele que gastou 4% do PIB com
ensino e 8% do PIB com juros e encargos da dívida pública.
Palavras-chave: Financiamento da educação. FUNDEF. Plano Nacional
de Educação. Governo Fernando Henrique Cardoso.
Qualidade do ensino.

EDUCATION FINANCING IN BRAZIL: AN ASSESSMENT OF THE


FERNANDO HENRIQUE CARDOSO’ S ADMINISTRATION (1995-2002)
ABSTRACT: This paper seeks to analyze the main education
financing measures adopted by the Fernando Henrique Car-
doso’s administration. Between 1995 and 2002, thanks to the
center-right coalition that gave the government a majority in
Congress, several new laws with strong impact on education
financing were approved, such as the LDB (Brazilian Education
Basic Tenets Law), FUNDEF (Fund for the Maintenance and
Development of Elementary Education and Enhancement of
the Teaching Profession), and the Brazilian Education Plan. This
administration has always assumed that the existing funds are

* Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade


de São Paulo (USP). E-mail: jmrpinto@ffclrp.usp.br

108 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 108-135


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sufficient although their use should be optimized. In conclusion,
the article states that this administration will be remembered as
one that spent 4% of the GDP in education and 8% of the GDP
in interests and service of the public debt.
Key words: Education financing. FUNDEF. Brazilian Education Plan.
Fernando Henrique Cardoso’s administration. Education
quality.

T alvez em poucas áreas como a da educação o governo de


Fernando Henrique Cardoso deixará uma marca política tão
forte. Tendo à frente do MEC (Ministério da Educação), nos
dois mandatos, um mesmo ministro, o economista e ex-reitor da
UNICAMP Paulo Renato Souza, com passagem pelo BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento), onde ocupou uma vice-
presidência. Seu amplo prestígio junto ao presidente da República,
entre as agências internacionais e com generoso, além de pouco
crítico, espaço na mídia, possibilitou ao governo influenciar
decisivamente na aprovação de vários instrumentos legais que regem
hoje a estrutura e organização do sistema educacional brasileiro. A
título de exemplo e com forte impacto no financiamento da
educação, basta citar que, neste período, foram aprovadas a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), a
Emenda Constitucional nº 14 que, entre outras medidas, criou o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e sua regulamentação (Lei
nº 9.424/1996), e o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/
2001). No curto espaço deste artigo não faremos um estudo
pormenorizado dessa legislação, o que já foi feito por vários autores
(ver, entre outros, Saviani, 1997; Monlevade e Ferreira, 1997;
Melchior, 1997; Davies, 1998; Dourado, 1999; Pinto, 2000;
Oliveira e Adrião, 2001), mas procuraremos salientar seus eleme-
ntos mais marcantes e seu impacto concreto nas políticas de
financiamento da educação, em particular no que se refere a dotar
o país com recursos que assegurem um ensino público de qualidade
nas suas diferentes regiões.
Antes, contudo, de entrar propriamente na análise das políticas
gestadas no Governo FHC, importa ressaltar os principais pontos em
discussão na pauta educacional no final do governo que lhe antecede
(gestão Itamar Franco). De um lado, depois de idas e vindas, entrava

Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p. 108-135 109


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no Senado o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que estava em discussão desde fins de 1998 e que foi
finalmente aprovado pela Câmara dos Deputados em 13 de maio de
1993, projeto este (em sua versão final consolidado no substitutivo
do deputado Jorge Hage) que foi fruto de ampla discussão e razoável
participação popular e que, em linhas gerais, conseguia representar
os interesses daqueles segmentos compromissados com a construção
de uma escola pública de qualidade, articulados em torno do Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública. Esse projeto foi incorporado,
em seus principais elementos, pelo substitutivo elaborado pelo seu
relator na casa, o senador Cid Sabóia, aprovado pela Comissão de
Educação do Senado em 30 de novembro de 1994 e encaminhado
ao plenário ainda em dezembro desse ano.
Digna de nota também foi a participação do Brasil, em
março de 1990, na “Conferência de Educação para Todos”, em
Jomtien, na Tailândia, que resultou na assinatura da Declaração
Mundial sobre Educação para Todos. Essa conferência, que teve
como co-patrocinador, além da UNESCO e do UNICEF , o Banco
Mundial, vai inaugurar a política, patrocinada por esse banco, de
priorização sistemática do ensino fundamental, em detrimento dos
demais níveis de ensino, e de defesa da relativização do dever do
Estado com a educação, tendo por base o postulado de que a tarefa
de assegurar a educação é de todos os setores da sociedade. Não
obstante, esse evento acabou por ter reflexos interessantes no Brasil
em função da mobilização das entidades ligadas à educação naquele
momento. Como se sabe, essa declaração estabelecia como meta
principal a universalização, nos países signatários, do acesso à
educação básica a todas as crianças, jovens e adultos, assegurando-
se a eqüidade na distribuição dos recursos e um padrão mínimo
de qualidade (Brasil, 1994). Para que estes objetivos fossem
atingidos deveriam ser elaborados, pelos mesmos países, planos
decenais de educação. Como desdobramento desse processo e
visando a dar subsídios ao plano decenal, foi realizada em Brasília,
de 10 a 14 de maio de 1993, a “Semana Nacional de Educação
para Todos” com intensa participação de órgãos governamentais das
três esferas de governo, assim como de entidades da sociedade civil.
Desse evento resultou o “Compromisso Nacional de Educação para
Todos” com o objetivo de orientar a elaboração do “Plano Decenal
de Educação para Todos”. Esse compromisso foi assinado, entre
outros, pelo então ministro da Educação, Murílio Hingel, pelo

110 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 108-135


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presidente do CONSED (Conselho de Secretários Estaduais de
Educação), Walfrido Mares Guia, pela presidente da UNDIME (União
dos Dirigentes Municipais de Educação), Olindina Monteiro, e
pelo representante da UNESCO no Brasil, Miguel Angel Enriquez.
Entre outros compromissos de sua agenda constava o de: “2-
Assegurar efciente e oportuna aplicação dos recursos constitucio-
nalmente definidos, bem como outros que se fizerem necessários [grifo
nosso], nos próximos 10 anos, para garantir a conclusão do ensino
fundamental para, pelo menos, 80% da população em cada sistema
de ensino.” (Brasil, 1994, p. 87).
Já no texto final do Plano Decenal de Educação para Todos
vamos encontrar em suas “metas globais”, entre outras:

• ampliar progressivamente a participação porcentual do gasto


público em educação no PIB brasileiro, de modo a atingir o
índice de 5,5%
(...)
• aumentar progressivamente a remuneração do magistério
público, através de plano de carreira que assegure seu
compromisso com a produtividade do sistema, ganhos reais
de salário e a recuperação de sua dignidade profissional e
do reconhecimento público de sua função social. (Brasil,
1994, p. 42)
Tendo em vista esta última meta, foi ainda assinado em julho
de 1994, no Governo Itamar Franco, o “Acordo Nacional de
Valorização do Magistério da Educação Básica” que, entre outras
medidas, estabelecia o compromisso de se fixar um Piso Salarial
Profissional Nacional de R$ 300 (cerca de R$ 700 em valores
atuais). Esse acordo foi posteriormente ignorado pelo Governo FHC
(Monlevade, 1996, e Silva, 1996).
Com esta rápida introdução sobre o contexto educacional no
final do Governo Itamar Franco, o que queremos salientar é que, não
obstante a pressão dos interesses privatistas no âmbito da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional e de agências internacionais
como o Banco Mundial, os movimentos sociais envolvidos na defesa
da escola pública conseguiram avanços expressivos tanto na arena
legislativa (aprovação na Câmara dos Deputados, com alterações, do
substitutivo Jorge Hage) quanto no executivo (compromisso de gastos
públicos de 5,5% do PIB e Piso Salarial Profissional Nacional). Como

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veremos, com a vitória do candidato Fernando Henrique Cardoso,
liderando uma aliança de centro-direita, esse cenário vai sofrer uma
acentuada inflexão. Sobre os principais aspectos dessa mudança é que
falaremos a seguir.
Começaremos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394/96). A nova composição partidária, que deu
uma folgada maioria nas duas casas ao governo, e uma ação incisiva
do MEC provocaram uma reviravolta no processo e, por meio de uma
manobra regimental no Senado, o projeto originário da Câmara e
fruto de longa discussão é substituído por outro, elaborado, a toque
de caixa, na “cozinha” do MEC mas com a paternidade assumida pelo
senador Darcy Ribeiro. Esse projeto é aprovado em fevereiro de 1996
no plenário, de onde retorna para a Câmara, que introduz pequenas
alterações e o aprova em 17 de dezembro de 1996. De lá segue para
sanção presidencial e é promulgado como lei em 20 de dezembro
do mesmo ano, sem qualquer veto presidencial, fato raro em nossa
história e que mostra sua total sintonia com a nova aliança no poder
(Saviani, 1997).
Como já dissemos, não faremos aqui uma análise exaustiva
dessa lei, mas pretendemos apontar avanços, ou recuos ante a
situação anterior. No que se refere ao projeto da Câmara dos
Deputados (substitutivo Jorge Hage), embora o capítulo sobre
financiamento seja o que sofreu menos alterações, estas ocorreram e
para pior. Entre outras alterações ele era mais restritivo que a lei
aprovada quanto à destinação de recursos públicos para escolas
privadas; ao contrário desta, excluía os gastos com transporte escolar
e material didático do cômputo dos gastos com manutenção e
desenvolvimento do ensino para efeito de cumprimento da vincu-
lação constitucional ao setor. O mesmo acontecia com a contabili-
zação dos gastos com aposentados, assunto sobre o qual a lei apro-
vada “lava as mãos”, à la Pôncio Pilatos, deixando a cargo dos sistemas
de ensino a sua regulamentação. Ainda no capítulo do financia-
mento, o projeto ampliava a alíquota do salário-educação dos atuais
2,5% da folha de pagamento das empresas para 3,5%, criava a quota
municipal desta contribuição (assunto hoje enviado para a legislação
estadual) e o salário-creche com alíquota de 1% sobre a mesma base
de incidência do primeiro. Estas duas alterações não encampadas no
projeto aprovado representariam um adicional de cerca de 0,25%
do PIB (Produto Interno Bruto) para o ensino fundamental e a
educação infantil (R$ 3 bilhões). Por outro lado, o financiamento

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de uma educação de qualidade foi mais duramente atingido por
cortes ocorridos em outros artigos e capítulos. Particularmente grave
foi a retirada do texto da lei do número máximo de alunos por
professor que no projeto Jorge Hage (art. 32) era de 20 alunos na
creche, 25 na pré-escola e nas classes de alfabetização e 35 em demais
séries e níveis. Na redação inócua do texto final ficou: “será objetivo
permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada
entre o número de alunos e o professor” cabendo “ao respectivo
sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das caracte-
rísticas regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do
disposto neste artigo” (art. 25 da Lei nº 9.394/96). Tendo em vista
que o principal elemento de custo é o gasto com salário docente e a
melhor forma de baixar seu impacto no custo total é superlotar as
salas de aula (as redes privadas que o digam), pode-se ter uma idéia
do que representou a retirada daqueles parâmetros mínimos,
constantes no Projeto Jorge Hage, para a qualidade do ensino. No
mesmo sentido foram os cortes drásticos efetuados na seção referente
à carreira docente. Ali constavam, entre outros aspectos, adicional
noturno e para regiões de difícil acesso, periferia das grandes cidades
e para o ensino nas quatro primeiras séries do ensino fundamental;
jornada preferencial de 40 horas semanais, com incentivo para a
dedicação exclusiva, admitindo-se, como mínimo, a jornada de 20
horas, sempre se assegurando 50% deste tempo para atividade
extraclasse (art. 100 do Projeto Jorge Hage). Todas estas medidas,
de forte impacto do ponto de vista do financiamento, foram para as
calendas no texto final. Em resumo, a lei aprovada pouco acrescentou
diante da situação anterior do financiamento, regulada pela Consti-
tuição Federal de 1988 e pela Lei nº 7.348/85, de autoria do senador
João Calmon, que também foi o autor da Emenda Constitucional
nº 24/83, a qual reintroduziu o princípio da vinculação de recursos
para o ensino para os três níveis de governo na Constituição Federal
de 1969, outorgada pela ditadura militar. De mais positivo no texto
aprovado deve-se comentar o § 5º do art. 68 que estabelece o repasse
dos recursos constitucionais vinculados à manutenção e ao desenvo-
lvimento do ensino, do caixa da União, dos estados, do DF e dos
municípios ao órgão responsável pela educação, de dez em dez dias.
Este postulado é fundamental para dar mais transparência ao uso dos
recursos educacionais e, talvez, assegurar que os porcentuais mínimos
de recursos destinados ao ensino definidos nas constituições federal,
estaduais e leis orgânicas municipais sejam efetivamente repassados.

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Infelizmente, pouco tem sido feito pelo governo federal e pelos
tribunais de contas para que a lei seja cumprida, o que talvez
explique porque o volume de gastos públicos com ensino no Brasil
pouco tenha se alterado com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional e gire em torno de 4,2-4,5% do PIB, cerca da
metade do que se gastou, em média, no segundo mandato de FHC
com o pagamento de juros e encargos da dívida pública, item que,
diga-se de passagem, não possui qualquer vinculação constitucional
de recursos.
A fácil aprovação da LDB foi uma demonstração do grau de
hegemonia do Executivo sobre o Legislativo, a qual já havia sido
testada quando da votação da Emenda Constitucional nº 14, de 12
de setembro de 1996, que, entre outras medidas, criou o FUNDEF
(Fundo de Manunteção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério) e que teve sua regulamentação feita
pela Lei nº 9.424, aprovada praticamente em conjunto com a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 26 de dezembro de
1996, em um grande pacote natalino. Antes de falarmos no FUNDEF,
produto mais famoso dessa emenda constitucional, cabe comentar a
restrição de alguns direitos promovida pela mesma emenda e com
impacto evidente no financiamento. Referimo-nos às alterações
promovidas na redação dos incisos I e II do art. 208 da CF, as quais
retiram a obrigatoriedade do ensino fundamental para todos aqueles
que a ele não tiverem acesso na idade própria, assim como o
princípio da progressiva extensão da obrigatoriedade do ensino
médio. Ora, ao retirar a obrigatoriedade para os alunos, por conse-
qüência, o Estado também acaba se desobrigando da oferta àqueles
que não reivindicam a matrícula. Embora possa parecer antidemo-
crático obrigar alguém com mais de 20 anos, por exemplo, a
freqüentar o ensino fundamental, há que se entender que esta
escolarização não deve ocorrer apenas no interesse do indivíduo, mas
sim da construção de uma sociedade democrática, daí a importância
da obrigatoriedade. Com isso, numa penada, mais de 80 milhões de
brasileiros vêem restringido seu acesso à conclusão do ensino
fundamental ou o ingresso no ensino médio. Em outras palavras, e
em perfeita sintonia com os postulados defendidos pelo Banco
Mundial, a universalização do ensino médio deixa de ser prioridade
e aqueles milhões de jovens e adultos que não concluíram o ensino
fundamental na idade certa não encontrarão grande estímulo, por
parte do Estado, para fazê-lo. O estrago só não foi maior porque, no

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afã de aprovar rapidamente a LDB , os governistas não alteraram a
redação do seu art. 4º que reproduz o texto original da CF de 1988.
Logo e concluindo, aqueles princípios que foram retirados da
Constituição continuam valendo, só que agora amparados pela lei
apenas.
Contudo e inegavelmente, a medida de maior impacto dessa
emenda e de sua posterior regulamentação foi a criação do FUNDEF, o
que ocorreu por meio de nova redação dada ao art. 60 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias da CF de 1988, o qual
estabelecia que nos dez anos seguintes à aprovação da Constituição
os poderes públicos deveriam aplicar, pelo menos, a metade dos
recursos vinculados pela CF ao ensino na universalização do ensino
fundamental e na erradicação do analfabetismo. E aqui a mudança
foi profunda pois, com a nova redação, a União, que nunca cumpriu
esse artigo, teve reduzida a sua responsabilidade, assim como foi
retirado do texto constitucional o compromisso de erradicar o
analfabetismo (cerca de 18 milhões de pessoas com 10 anos ou mais,
em 2002) e de assegurar o ensino fundamental para aqueles que a
ele não tiverem acesso pela via dos programas presenciais de educação
de jovens e adultos. Além disso, o mecanismo de vincular o repasse
de uma parcela da receita de impostos ao número de alunos
matriculados no ensino fundamental regular desencadeou um
processo, em ritmo raramente visto, de municipalização desse nível
de ensino, em especial nas regiões mais pobres do país, de tal forma
que, de um patamar histórico de 1/3 das matrículas do ensino
fundamental público que vigorou até 1996, a rede municipal, hoje,
já possui mais alunos que a rede estadual.
Podemos dizer que o FUNDEF, em suma, foi uma resposta do
Governo FHC ao não cumprido Acordo Nacional de Valorização do
Magistério da Educação Básica. Só que, em lugar de um Piso
Nacional de Salário de R$ 300, em valores de julho de 1994, entra
um provável Salário Médio de R$ 300, em valores de dezembro de
1996. É escusado dizer que salário médio é completamente diferente
de piso salarial. Outro ponto já bastante salientado pelos estudos
que tratam da matéria (ver, entre outros, Arelaro, 1999, Pinto, 1999,
e Rodrigues, 2001) é o não-cumprimento por parte do Governo FHC
da fórmula de cálculo do valor mínimo a ser gasto por aluno, cons-
tante na Lei nº 9.424/96. Com isso, calcula-se, o ensino fundamental
deixou de receber cerca de 10 bilhões de reais de recursos federais
desde 1998.

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Outro problema sério do FUNDEF é que ele provoca um desestí-
mulo de investimentos, por parte dos poderes públicos, na educação
infantil, na educação de jovens e adultos e mesmo no ensino médio.
Aliás, ante a pressão muito grande por mais vagas neste último nível
de ensino, o que muitos estados, como São Paulo, têm feito é burlar
a lei, contabilizando como gasto com ensino fundamental a parcela
do salário de professores referente às aulas que eles ministram no
ensino médio. Porém, talvez o aspecto mais dramático da implantação
do FUNDEF seja a sua contribuição para uma municipalização irrespon-
sável do ensino fundamental e os efeitos catastróficos que advirão com
a extinção desse fundo, definida pela Constituição Federal para 31
de dezembro de 2006. No afã de conseguir recursos do fundo,
municípios fecham salas de aula de pré-escola, superlotando-as com
alunos do ensino fundamental; crianças com pouco mais de 6 anos,
que deveriam cursar a última etapa da pré-escola, são matriculadas
na 1ª série do ensino fundamental. Na cidade de Analândia, no rico
Estado de São Paulo, chegamos a presenciar uma escola municipal
de ensino fundamental que foi instalada no prédio da Câmara Muni-
cipal (que lá continua a exercer suas atividades!), o qual não possuía
qualquer estrutura para abrigar uma escola. Se isso ocorre em São
Paulo, imagine o que se passa pelas regiões mais pobres do país.
Contudo, o mais grave ainda está por vir, com a extinção do fundo,
pois os municípios ficarão com os alunos e terão que os manter
apenas com seus caraminguás. Talvez a tarefa mais urgente do
parlamento eleito em 2002 seja enfrentar esta questão do valor
mínimo por aluno e da extinção do FUNDEF, ainda mais porque 2006
é ano eleitoral e aí tudo ficará mais difícil.
Enquanto isso, o governo federal divulga relatórios róseos sobre
os efeitos do fundo (MEC, 1999), curiosamente, divulgando apenas
os ganhos de receitas dos municípios, sem mostrar que estes recursos
“ganhos” correspondem exatamente às quantias perdidas pelas redes
estaduais, mesmo porque os recursos adicionais federais são ínfimos
(menos de 3% dos recursos do fundo). Um outro elemento do qual
a propaganda oficial se vale para confundir a opinião pública
evidencia-se quando afirma que o FUNDEF amplia os recursos para o
ensino no país. O que o FUNDEF fez foi dar mais transparência ao
transferi-los para uma conta específica, o que facilita a fiscalização,
mas não impede a fraude, como a imprensa largamente tem denun-
ciado no país. Pena que essa transferência ocorra apenas com parte
dos recursos já que o fundo abrange menos de 60% dos recursos

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vinculados ao ensino e, como vimos, pela LDB, e independentemente
do fundo, essa transferência deveria ser do total dos recursos.
A única forma de o FUNDEF provocar um aumento nos gastos
com ensino no país seria se o governo federal fixasse um valor mínimo
por aluno que de fato assegurasse um ensino de qualidade (que hoje,
para começo de conversa, não poderia ser inferior a R$ 1.800), o
que implicaria um aumento significativo de sua contribuição para o
fundo. Contudo, como vimos, o Executivo sequer contribui com o
mínimo definido em lei (art. 6º, § 1º da Lei nº 9.424/96 que
regulamenta o fundo). Para se ter uma idéia clara do descompromisso
educacional do Governo FHC com o ensino fundamental, apesar do
discurso em contrário, basta citar o veto do presidente ao dispositivo
dessa lei (diga-se de passagem, lei por ele enviada ao Congresso), que
determinava a contabilização, para efeito de recebimento dos recursos
do FUNDEF , dos alunos do ensino fundamental matriculados na
modalidade presencial da educação de jovens e adultos (inciso II do
§ 1º do art. 2º). Com a não-inclusão desses alunos no cálculo do
fundo, o governo federal economizou alguns milhões de reais e os
estados e municípios foram desestimulados a investir nesta modali-
dade de ensino, uma vez que, graças ao veto do presidente, essas
matrículas não implicariam em recebimento de recursos do fundo.
Por fim, cabe comentar que um dos postulados positivos
estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
em seu art. 74, que define as formas de colaboração entre os poderes
públicos de governo na oferta do ensino fundamental, é o de que a
oferta de matrícula dos estados e municípios deve ser proporcional
à sua capacidade fiscal. Ora, com o atual estágio da municipalização
no país, este princípio já foi descumprido porque os municípios
possuem pouco mais da metade dos recursos tributários existentes
em mãos dos estados e um número maior de alunos que estes, no
nível fundamental. Além disso, devem oferecer a educação infantil,
com sete anos de duração (0 a 6 anos), ao passo que aos estados cabe
manter o ensino médio, com apenas três anos de duração, em geral.
A última medida legal de impacto, no que se refere ao
financiamento da educação, adotada no Governo FHC foi a apro-
vação do Plano Nacional de Educação, PNE (Lei nº 10.172 de 9
de janeiro de 2001). Cabe a essa lei definir as metas a serem
atingidas pela educação no país na década que começa com a sua
aprovação, bem como os meios para que estas se realizem. Em
resumo, podemos dizer que o projeto final aprovado não chegou

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a ser parcimonioso nas metas, mas o foi absolutamente nos meios
para atingi-las, ainda mais com os vetos apostos pelo presidente
da República. Antes, contudo, de analisarmos as principais implica-
ções dessa lei para o financiamento, cabe uma rápida descrição de
sua tramitação por ser extremamente representativa de como a
educação foi tratada nos anos FHC.
Inicialmente, cabe comentar que a tramitação do PNE , em
muitos aspectos, foi uma reprise do que ocorreu na Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional. O ponto de partida para o PNE foi
dado pela própria LDB ao estabelecer, em seu art. 87, que a União,
no prazo de um ano a partir da sua aprovação (20/12/97, portanto),
deveria encaminhar ao Congresso Nacional o Plano Nacional de
Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em
sintonia com a nossa já conhecida “Declaração Mundial sobre
Educação para Todos”. Nesse ínterim, enquanto se travavam os
debates finais em torno da aprovação do texto da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, em 31 de julho de 1996, cerca de 5
mil pessoas, de 27 estados brasileiros, reuniam-se em Belo Hori-
zonte, no campus da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais),
para realizar o I Congresso Nacional de Educação (CONED), o qual,
em sua plenária de encerramento, estabeleceu, como uma das tarefas
de seus participantes, construir de forma coletiva e democrática um
Plano Nacional de Educação que buscasse, dentro do possível,
“expressar a compreensão e a vontade coletiva da sociedade brasileira”
(CNTE, 1996, p. 58).
Este processo resultou no Plano Nacional de Educação: pro-
posta da sociedade brasileira, aprovada em 9 de novembro de 1998,
no II CONED, realizado também em Belo Horizonte, a partir de um
documento prévio discutido com associações de profissionais da
área, com as entidades estudantis e com associações acadêmicas e
científicas. Este projeto, por sua vez, foi encampado pelo deputado
federal Ivan Valente, que lhe deu entrada na Câmara dos Deputados
em 10 de fevereiro de 1998, onde se constituiu no PL nº 4.155/
98. Paralelamente, o governo federal construía o seu projeto, feito
a partir de consultas a diferentes entidades, o qual acabou enviado
ao Congresso Nacional posteriormente ao prazo determinado pela
LDB , assim como um dia após a entrada do projeto do deputado
Ivan Valente. Com a identificação de PL nº 4.173/98 ele foi
apensado ao PL nº 4.155/98 em 13 de março de 1998. Coube a
relatoria ao deputado Nelson Marchezan, do PSDB e com uma longa

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folha de serviços aos governos de plantão desde os tempos da ARENA,
na ditadura militar. Tendo em vista a prioridade de entrada e,
portanto, de discussão do projeto encabeçado pelo deputado Ivan
Valente, mais uma vez e de forma análoga ao que ocorreu na
discussão da LDB , a estratégia governista foi a de apresentar um
substitutivo que, em sua estrutura e princípios gerais, pautou-se
no PL nº 4.173/98. Contudo, tendo em vista a mobilização do
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e de deputados
comprometidos com a defesa da escola pública, associada ao efeito
das audiências públicas promovidas pela Comissão de Educação da
Câmara para debater a questão, o texto final do relator apresentou
alguns avanços, em especial no que se refere ao financiamento da
educação, avanços estes que caíram por terra em virtude dos vetos
do presidente da República ao projeto aprovado pelo Congresso.
É este projeto, transformado em lei que, em linhas gerais, discuti-
remos a seguir nos seus aspectos que dizem respeito ao financia-
mento da educação.
O primeiro ponto a ressaltar diz respeito à importância dessa
lei, visto que ela define as metas e os objetivos da educação
brasileira para a próxima década. Em consonância com este PNE ,
caberá aos estados e municípios elaborarem seus respectivos
planos. O princípio básico que norteou a elaboração do PNE da
Sociedade Brasileira (PL nº 4.155/98) foi, como define a boa
técnica do planejamento, em primeiro lugar, estabelecer um
parâmetro básico de custo/aluno que assegurasse um ensino de
qualidade como, aliás, determinam a Constituição Federal e a LDB
e, a partir daí, e tendo em vista as necessidades de atendimento
dos diversos níveis e das modalidades de ensino, chegar a um
valor preciso dos recursos financeiros necessários de acordo com
um cronograma de desembolso para o cumprimento das metas e
dos objetivos definidos pelo plano. A partir deste procedimento
chegou-se ao valor de 10% do PIB a ser gasto com manutenção e
desenvolvimento do ensino público, por um período de 10 anos,
após o qual e vencidos os atrasos acumulados, esses valores se
estabilizariam no patamar de 6% do P I B . Já o procedimento
adotado no projeto aprovado foi o oposto: não se estabelece um
padrão básico de custo/aluno e define-se um conjunto extre-
mamente extenso e detalhado de metas (295 no total), sem a
correspondente avaliação do respectivo impacto financeiro. O
aspecto positivo do texto final do relator foi a propositura de que

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os gastos públicos com educação atingissem o equivalente a 7%
do PIB , ao passo que o projeto do Executivo propunha 6,5% do
PIB com recursos públicos e privados, o que significaria, pratica-
mente, congelar os gastos públicos atuais com ensino, que não
superam 4,5% do P I B . Contudo, este ponto positivo do texto
aprovado diante do projeto do Executivo foi vetado pelo presiden-
te e nenhum valor foi fixado. Outro problema sério que permeia
todo o texto aprovado do PNE é a falta de explicitação, em suas
metas quantitativas, da parcela que caberia ao Poder Público
cumprir. Portanto, o quadro que se avizinha é o de uma lei feita
para não vingar, o que, obviamente, vai depender das forças
políticas que saírem vitoriosas nas eleições de 2002 e, mais do
que isso, da mobilização popular. Mesmo porque, como veremos
a seguir, para conquistarmos o cumprimento das metas previstas
no PNE aprovado, mesmo com todos os problemas apontados, com
certeza precisaremos de recursos da ordem daqueles previstos no
PNE da Sociedade Brasileira (PL nº 4.155/98), ou seja, 10% do
PIB que representam, aproximadamente, 1/3 dos recursos hoje
arrecadados pelo Poder Público no Brasil.
A seguir apresentaremos um quadro com as metas de principal
impacto para o financiamento da educação do texto final do PNE (Lei
nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001), inclusive com os itens que
foram vetados pelo presidente mas cujo veto pode ser derrubado pelo
Congresso Nacional na nova legislatura.

Quadro 1
PNE: Metas de maior impacto financeiro

EDUCAÇÃO INFANTIL (total de 26 metas)


• Assegurar o atendimento de 30% das crianças na faixa de 0 a 3 anos e de 60% na faixa de 4 a 6 anos,
em 5 anos, atingindo 50% e 80% nessas respectivas faixas etárias, em 10 anos, universalizando o
atendimento na faixa de 6 anos e incorporando-a ao ensino fundamental que passaria a ter 9 anos de
duração (não define a parcela que caberia ao sistema público de ensino). (meta 1)
• Em 5 anos, prédios e instalações com padrões mínimos de infra-estrutura. (meta 4)
• Que, em 5 anos, 100% dos professores tenham formação de nível médio (normal) e, em 10
anos, de nível superior. (meta 5)
• Em 3 anos, 100% dos municípios com estrutura de supervisão da EI (pública e privada). (meta 10)
• Alimentação escolar para todas as crianças matriculadas na EI (instituições públicas e conveni-
adas). (meta 12)
• Adotar progressivamente o atendimento em tempo integral (não define prazo). (meta 18)
• (VETADO) Atender, no Programa de Garantia de Renda Mínima, em 3 anos, 50% das crianças de
0 a 6 anos que se enquadram nos seus critérios, atingindo 100% em 6 anos. (meta 22)

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ENSINO FUNDAMENTAL (30 metas)
• Universalizar o atendimento. (meta 1)
• Ampliar a sua duração para 9 anos, com início aos 6 anos. (meta 2)
• Em 5 anos, prédios e instalações com padrões mínimos de infra-estrutura. (meta 5)
• Programa de Garantia de Renda Mínima para famílias carentes (não define %). (meta 10)
• Escolas com, no máximo, dois turnos diurnos e um noturno. (meta 20)
• Ampliar progressivamente a jornada escolar para, pelo menos, 7 horas/dia (sem prazo). (meta 21)
• Promover a eliminação gradual da necessidade de oferta do ensino noturno (sem prazo). (meta 23)
ENSINO MÉDIO (20 metas)
• Atendimento, em 2 anos, de todos os egressos do ensino fundamental, dos alunos com defasa-
gem de idade e daqueles com necessidades especiais; em 5 anos, atendimento de 50% da de-
manda, atingindo 100% em 10 anos. (meta 1)
• Em 5 anos, todos os professores com nível superior. (meta 5)
• Em 5 anos, prédios e instalações com padrões mínimos de infra-estrutura. (metas 8 e 9)
• Programa emergencial para a formação de professores, especialmente nas áreas de ciências e
matemática. (meta 17)
EDUCAÇÃO SUPERIOR (35 metas)
• Prover, em 10 anos, atendimento para 30% da faixa etária de 18-24 anos. (meta 1)
• (VETADO) Ampliar a oferta do ensino público de forma que ela responda por, no mínimo,
40% do total de vagas oferecidas. (meta 2)
• Dobrar, em 10 anos, o número de pesquisadores qualificados. (meta 15)
• Aumento de 5% ao ano do número de mestres e doutores formados. (meta 16)
• (VETADO) Criação, por meio de legislação, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Superior, constituído, entre outras fontes, com, pelo menos, 75% dos recursos da
União vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino para manutenção e expansão
da rede federal. (meta 24)
• (VETADO) Ampliar o programa de Crédito Educativo de modo a atender 30% da população
matriculada no setor privado. (meta 26)
• (VETADO) Ampliar o financiamento público à pesquisa científica e tecnológica de forma a
triplicar, em 10 anos, os recursos do setor.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (26 metas)
• Alfabetizar 10 milhões de adultos, em 5 anos, e erradicar o analfabetismo em 10 anos. (meta 1)
• Assegurar, em 5 anos, a oferta da EJA equivalente às quatro primeiras séries do EF para 50% da
população de 15 anos ou mais que não a possua. (meta 2)
• Assegurar, em 10 anos, o equivalente às quatro séries finais do EF para toda a população de 15
anos ou mais que concluiu a 4ª série. (meta 3)
• Dobrar, em 5 anos, e quadruplicar, em 10 anos, a capacidade de atendimento da EJA de nível
médio. (meta 16)
• Implantar em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendem jovens e adoles-
centes infratores programas de EJA de níveis fundamental e médio, assim como de formação
profissionalizante. (meta 17)
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA e TECNOLOGIA EDUCACIONAL (22 metas)
• Capacitar, em 5 anos, pelo menos 500 mil professores para a utilização da TV Escola e de
outras redes educacionais. (meta 16)
• Instalar, em 10 anos, 2.000 núcleos de tecnologia educacional. (meta 17)
• Instalar, em 5 anos, 500 mil computadores em 30 mil escolas de nível fundamental e médio,
com acesso à internet. (meta 18)

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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA e TECNOLOGIA EDUCACIONAL (22 metas)
• Capacitar, em 10 anos, 120 mil professores multiplicadores em informática da educação. (meta 19)
• Capacitar, em 5 anos, 150 mil professores e 34 mil técnicos em informática educativa. (meta 20)
• Equipar, em 10 anos, com computadores e acesso à internet todas as escolas de nível médio e
todas aquelas de nível fundamental que possuam mais de 100 alunos. (meta 21)
EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA e FORMAÇÃO PROFISSIONAL (15 metas)
• Triplicar, a cada 5 anos, a oferta de cursos básicos de educação profissional. (meta 3)
• Triplicar, a cada 5 anos, a oferta de formação de nível técnico. (meta 5)
• Triplicar, a cada 5 anos, a oferta de educação profissional permanente. (meta 6)
EDUCAÇÃO ESPECIAL (28 metas)
• Generalizar, em 10 anos, o atendimento dos alunos com necessidades especiais na educação
infantil e no ensino fundamental. (meta 5)
• Assegurar que, em 5 anos, todos os prédios escolares estejam adaptados com padrões mínimos
de infra-estrutura para o atendimento de alunos com necessidades especiais. (meta 12)
• Aumentar os recursos financeiros destinados à educação especial de forma a atingir, em 10
anos, o mínimo de 5% dos recursos vinculados ao ensino. (meta 23)
EDUCAÇÃO INDÍGENA (21 metas)
• Universalizar, em 10 anos, a oferta das quatro séries iniciais do EF, em uma escola indígena
própria que assegure uma educação diferencial e de qualidade. (meta 3)
• Dotar, em 5 anos, as escolas indígenas com equipamento didático-pedagógico básico, incluin-
do biblioteca, videoteca e outros materiais de apoio. (meta 10)
• Implantar, dentro de 1 ano, cursos de educação profissional, especialmente nas regiões agrárias,
visando à auto-sustentação e ao uso da terra de forma equilibrada. (meta 19)
MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA (28 metas)
• Garantir a implantação, já a partir do 1º ano, de planos de carreira de acordo com a Lei nº
9.424/96 e com as diretrizes do Conselho Nacional de Educação. (meta 1)
• Implantar gradualmente a jornada de trabalho em tempo integral. (meta 2)
• Destinar entre 20 e 25% da carga horária dos professores para atividades extraclasse. (meta 3)
• (VETADO) Implantar, em 1 ano, planos de carreira para os profissionais de educação que
atuam nas áreas técnicas e administrativas e os respectivos níveis de remuneração. (meta 4)
• Generalizar, nas instituições de ensino superior públicas, cursos regulares noturnos destinados à
formação de professores.
• Garantir que, em 5 anos, todos os professores da educação infantil e das quatro séries iniciais
do EF, possuam, no mínimo, habilitação de nível médio na modalidade normal. (meta 17)
• Garantir que, em 10 anos, 70% dos professores de educação infantil e EF tenham formação
em nível superior, em cursos de licenciatura plena. (meta 18)
• Garantir que, em 10 anos, todos os professores do EM possuam formação em licenciatura
plena nas áreas de conhecimento em que atuam. (meta 19)
FINANCIAMENTO E GESTÃO (44 metas)
• (VETADO) Elevação dos gastos públicos em educação até atingir 7% do PIB, ampliando-se à
razão de 0,5% do PIB nos primeiros 4 anos e 0,6% do PIB no 5º ano. (meta 1)
• Garantir, nos planos plurianuais, a previsão de suporte financeiro às metas do PNE. (meta 6)
• (VETADO) Orientar os orçamentos de modo que se cumpram as vinculações e subvinculações
constitucionais, e alocar, no prazo de 2 anos, em todos os níveis e modalidades de ensino, valores por
aluno que correspondam a padrões mínimos de qualidade, definidos nacionalmente. (meta 7)
• (VETADO) Garantir recursos do Tesouro Nacional para o pagamento de aposentados e
pensionistas do ensino público da esfera federal, excluindo-se estes gastos das despesas com
manutenção e desenvolvimento do ensino. (meta 13)

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FINANCIAMENTO E GESTÃO (44 metas)
• Informatizar, em 10 anos, a administração de todas as escolas com mais de 100 alunos, conec-
tando-as em rede com as secretarias de educação. (meta 33)
• Assegurar que, em 5 anos, 50% dos diretores possuam formação específica de nível superior,
atingindo a totalidade em 10 anos. (meta 35)

Fonte: PNE (Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001).

Uma rápida análise das metas apresentadas mostra com clareza


a postura adotada pelo Executivo diante do projeto aprovado pelo
Congresso Nacional: vetar todos os mecanismos que viabilizariam
financeiramente, sem um comprometimento maior da qualidade, o
atendimento das metas ali estabelecidas. Assim, de uma forma geral,
foram vetados todos os itens que implicassem um aporte adicional
de recursos, por parte do governo federal, como se fosse possível
atender o seu conjunto de metas sem a alteração dos valores
atualmente gastos com ensino no Brasil. A Tabela 1 mostra, em uma
primeira aproximação, o impacto para os sistemas de ensino apenas
das metas quantitativas de atendimento.

Tabela 1
Estimativa de alunos a serem atendidos com base nas metas do PNE

Nível/Modalidade de Matrícula (2000) Metas do PNE (setor público e privado)


Ensino (x 1.000) (alunos x 1.000)
5 anos 10 anos
Creche 917 2.900 5.000
Pré-escola 4.421 6.000 8.500
Ensino Fundamental 35.718 34.000** 32.00
Ensino Médio 8.193 12.000 16.000***
Ensino Superior 2.700 - 7.000
Ed. Jovens e Adultos 3.410 7.000 10.000
Alfabetização 1.000* 10.000 18.000
Ed. Especial 301 - 3.000

Fonte: Tendo por base os dados do INEP (para matrícula) e do IBGE (para população na
faixa etária), foram aplicados os índices estabelecidos pelo PNE.
* estimativa; ** redução em função de melhoria do fluxo; *** maior que a população
de 15-17 anos em função do atraso acumulado no atendimento e do ensino técnico.

Pelos dados da Tabela 1, constata-se o desafio que corresponde


o cumprimento das metas definidas pelo PNE e o quão irresponsável
foi o Executivo federal ao vetar todos os itens que apontavam para a

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ampliação, ainda que transitória, dos recursos aplicados em educação
no país. Como vemos, considerando apenas o impacto no número
de alunos nos próximos dez anos, estas metas implicam mais do que
quintuplicar as matrículas nas creches; duplicá-las na pré-escola e
no ensino médio; multiplicá-las por 2,6 vezes no ensino superior;
decuplicá-las na educação especial, no ensino técnico e nos programas
de alfabetização; e triplicá-las na educação de jovens e adultos.
Mesmo em se considerando a ambigüidade do texto final aprovado,
que não define, em boa parte das metas, a parcela de responsabili-
dade do setor púbico, é notório que o maior quinhão pelo seu cum-
primento caberá a esse setor, mesmo porque o setor privado, no
Brasil, já atingiu a parcela de mercado com condições financeiras
para pagar suas anuidades. No setor da educação superior inclusive,
existiam, em 1999, 146 mil vagas não preenchidas (INEP), o que ajuda
a entender a meta de nº 26 que assegurava o crédito educativo para
30% dos alunos matriculados no setor e que, felizmente nesse caso,
foi vetada pelo Executivo.
Em função destes fatos, podemos dizer com tranqüilidade que
se o país quiser, de fato, cumprir as metas quantitativas e qualitativas
fixadas pelo PNE , precisará destinar, ao setor educacional público,
recursos equivalentes a 10% do seu PIB nos próximos dez anos.
Veremos, a seguir, de que forma o arcabouço jurídico aprovado nesse
período, sob influência direta do presidente e do seu ministro da
Educação, refletiu-se nas políticas educacionais adotadas.

A política educacional em ação


No que se refere ao financiamento da educação, podemos
dizer que a política para o setor nos anos FHC teve como pressuposto
básico o postulado de que os recursos existentes para a educação
no Brasil são suficientes, cabendo apenas otimizar a sua utilização,
por meio de uma maior focagem nos investimentos e uma maior
“participação” da sociedade. Dentro desta lógica, aliás, em fina
coerência com o pensamento neoliberal, prioriza-se, por exemplo,
o ensino fundamental em detrimento do ensino superior, ou ainda,
no caso do primeiro, o ensino para as crianças na faixa etária ideal,
em detrimento da educação de jovens e adultos. Quanto a possíveis
recursos adicionais, estes deverão advir do setor privado, por
intermédio das parcerias com empresas ou do trabalho voluntário
de pais e dos “amigos da escola” conforme conhecido projeto da

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Rede Globo de Televisão. Esta postura talvez explique porque, no
período FHC , o país gastou em recursos públicos, em média, 4%
do P I B com ensino e 8% do P I B com o pagamento de juros e
encargos da dívida pública. O resultado foi um gasto médio por
aluno da educação básica da ordem de 11% de nossa renda per
capita, ou cerca de US$ 300/aluno-ano. Nos EUA este valor é
superior em termos absolutos (US$ 7.000/aluno-ano), como seria
de se esperar, mas também em termos de esforço educacional, já
que este valor por aluno corresponde a cerca de 24% de sua renda
per capita.
O Governo FHC também vai ser lembrado pela intensa propa-
ganda que fez para mostrar que os gastos com educação no país
foram comparáveis àqueles dos países desenvolvidos. O ponto alto
desta batalha de marketing foi manchete estampada no boletim on-
line do INEP de 23/11/98, que dizia: “Brasil gasta com educação igual
(sic) países da OCDE”. De acordo com o texto, segundo dados da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico),
o país gastava em educação pública o equivalente a 5% do PIB, fato
que o colocava no mesmo patamar de boa parte dos países do
Primeiro Mundo. Esta notícia, como boa parte daquelas divulgadas
pelo INEP em seu site, teve entusiasmada repercussão por parte da
imprenssa local, que sempre ressaltou como fonte da informação a
insuspeita OCDE . O truque foi desmascarado por Otaviano Helene
(2000) professor do Instituto de Física da USP, conforme depoimento
dado em audiência pública na Câmara dos Deputados referente ao
PNE . Ele entrou em contato com a OCDE , solicitando informações
sobre como a organização havia chegado àquele gasto com educação
para o país e obteve como resposta que a fonte fora, na verdade, o
próprio INEP. Bem, contado o milagre, vamos ao santo, ou seja, qual
foi a fonte do INEP? Este se valeu, na verdade, de um estudo feito
pelo economista Barjas Negri, ex-presidente do FNDE (Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação), arquiteto do FUNDEF e que, ainda,
substituiu José Serra no Ministério da Saúde. Nesse trabalho, o
autor, tendo por base a receita de impostos dos diferentes níveis de
governo e os porcentuais mínimos vinculados ao ensino e, somando-
se a isso os recursos do salário-educação e do sistema “S” (SENAI, SENAC
e SENAT) e estimando-se, grosseiramente, o gasto das famílias no setor
privado em 0,9% do PIB , chega-se a 5,4% do PIB em recursos
públicos e privados (Negri, 1997). O INEP, em seu relatório à OCDE,
transformou então este valor em 5% do PIB em recursos públicos.

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Este cálculo consta também em um texto “para inglês ler” produzido
pelo MEC, “Development of education in Brazil” (MEC, 1996). Assim,
no que se refere aos recursos vinculados para o ensino, o valor a que
o estudo de Negri chegou reflete o quanto o país gastaria com
manutenção e desenvolvimento do ensino se a Constituição Federal,
as constituições estaduais e as leis orgânicas fossem cumpridas. Ora,
mas o grande problema, quando o assunto é o financiamento da
educação, é exatamente que os poderes públicos tudo fazem para
burlar a determinação legal; é o dilema da diferença entre os recursos
potenciais para o ensino e aqueles efetivamente gastos e nesse aspecto
o Governo FHC pouco fez para dar mais transparência a essa difícil
questão. Nesse sentido, a Tabela 2 apresenta uma estimativa, com
dados de 2000, sobre o potencial de recursos disponíveis para o
ensino no Brasil.

Tabela 2
Potencial de recursos para o ensino advindo da receita de impostos
(em % do PIB) 2000

União Estados* Municípios Total


Receita Líquida de Impostos 4,1 8,2 4,1 16,4
Potencial para Educação 0,74 2,4 1,03 4,2

Fonte dos dados da receita de impostos: SNT


* Considerando 35% para RS e RJ, 30% para SP, MT, PI e SP e 25% para os demais.

Considerando ainda a receita do salário-educação (0,27% do


PIB), concluímos, portanto, que o potencial de recursos para o ensino
é de cerca de 4,5% do PIB , um valor, como vimos, claramente
insuficiente para que sejam atingidas as metas do PNE . Por outro
lado, fica a questão: quanto é gasto, de fato, com ensino no país? O
estudo que mais buscou aproximar-se dos valores efetivamente gastos
foi feito pelo IPEA (Castro e Fernandes, 1999) e chegou a um valor
de 4,2% do PIB para os gastos com ensino no Brasil. Cabe, contudo,
ressaltar que esse estudo tomou por base dados de 1995, antes
portanto da aprovação da LDB . Todavia, como vimos, essa lei não
introduziu modificações significativas no que se refere à ampliação
dos recursos para o ensino e, logo, há uma grande probabilidade de
o número efetivamente gasto atualmente estar próximo deste
apontado pelo IPEA.

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Cabe comentar, ainda, que esse trabalho do IPEA se valeu dos
dados de balanço, que são infinitamente superiores aos dados de
orçamento, mas que ainda trazem muita gordura embutida nos
gastos com ensino. Mesmo com o advento da LDB , o descumpri-
mento à vinculação constitucional permanece. Basta citar o caso da
cidade de São Paulo, onde prefeitos como Paulo Maluf e Celso Pitta
descumpriram sistematicamente a vinculação definida pela Lei
Orgânica e Marta Suplicy parece ter ido mais além ao ampliar o
conceito do que sejam gastos com ensino por meio da Lei Munici-
pal nº 13.245/2001, em choque, aliás, com a LDB . Estas manipu-
lações dos gastos com ensino atingem também o Estado de São
Paulo, onde, conforme relatório da CPI da Assembléia Legislativa,
que teve como presidente o deputado Cesar Callegari, deixou-se de
aplicar em ensino o equivalente a R$ 6 bilhões, de 1995 a 1998,
na gestão de Mário Covas (Callegari, 2000). Segundo esta CPI até
recursos destinados à alimentação para os animais do zoológico
foram contabilizados como gastos com ensino. Se estes problemas
acontecem na maior cidade e no maior estado do país, o que dizer
sobre as regiões onde o controle social e a fiscalização são muito
mais tênues.
Portanto, nos anos FHC , apesar do o país ter vivido um pro-
gressivo aumento da carga tributária, esta melhoria da arrecadação
pouco repercutiu no sentido de ampliar efetivamente os gastos com
ensino no Brasil. Aliás, dois fatores ajudam a entender porque esse
aumento das receitas públicas não se refletiu em maiores gastos com
ensino. Em primeiro lugar, isso aconteceu porque boa parte do
aumento recente ocorreu na esfera federal, que é a que possui menor
comprometimento com a educação, sendo responsável, segundo o
mesmo estudo do IPEA (Castro e Fernandes, 1999), por apenas 25%
dos gastos do setor. Inclusive, no período, apesar do grande aumento
das receitas federais, os gastos da União com ensino caíram em termos
reais (Ação Educativa, 1999). Em segundo lugar, o aumento de receita
ocorreu basicamente por meio da criação de fundos e contribuições,
como a CPMF (Contribuição “Provisória” sobre a Movimentação
Financeira), que são fontes sobre as quais não incidem os porcentuais
constitucionais para o ensino (que só se aplicam sobre os impostos)
nem as transferências constitucionais para os estados e municípios.
Um outro aspecto das políticas concretas de financiamento da
educação do Governo FHC que merece análise refere-se à forma como
foram enfrentadas as desigualdades regionais no setor. E aqui a

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situação encontrada por ele, ao assumir a presidência, era preocu-
pante; segundo ainda os dados obtidos por Castro e Fernandes
(1999), em 1995 o gasto médio por aluno do ensino fundamental
variou entre um mínimo de R$ 216 no Estado do Pará e um máximo
de R$ 1.635 no Distrito Federal (que recebe recursos da União)
(Castro e Fernandes, 1999). Calculando-se o desvio-padrão entre os
diferentes estados, obtém-se, para um valor médio de R$ 460, um
índice de 56% quando se considera o valor do DF, e de 30% quando
não se leva em conta esta unidade da federação. Entre as redes
municipais e estaduais, nas quais se encontram 90% dos alunos do
ensino fundamental, notam-se também grandes discrepâncias. Assim,
segundo o mesmo estudo, o gasto médio por aluno na rede muni-
cipal em 1995 foi de R$ 418, ao passo que na rede estadual foi de
R$ 502, um valor 20% superior. As diferenças, contudo, no interior
dos estados são muito mais gritantes. Assim, enquanto o gasto médio
por aluno na rede estadual de São Paulo foi de R$ 574, na rede
municipal ele foi de R$ 1.390, um valor 2,4 vezes maior. Em
situação oposta, nos estados de Alagoas, Maranhão e Piauí, os alunos
que freqüentaram as escolas estaduais de ensino fundamental
receberam, em média, 2,5 vezes mais recursos que seus colegas que
freqüentaram a rede municipal.
Para enfrentar esse problema, o Executivo passou a ter, com a
aprovação do FUNDEF , um grande instrumento à mão. Contudo a
possibilidade de reduzir as diferenças entre estados nos gastos por aluno
não se transformou em realidade porque, como já vimos, o governo
federal não cumpriu o papel que lhe cabia de equalizar os gastos.
Assim, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN, 2000),
em 1999, o fundo propiciou um valor médio de R$ 474 por aluno/
ano, oscilando entre R$ 308 no Estado de Pernambuco e R$ 927 no
Estado de Roraima, com um desvio-padrão de 34% em relação à
media. Fosse outra a postura do governo federal, fixando, por exemplo,
um valor mínimo de R$ 1.000/aluno, um grande passo teria sido
dado para resolver este problema. Contudo, como já comentamos, nem
o mínimo definido pela fórmula da lei (cerca de R$ 465 nesse ano de
1999) foi cumprido.
Por outro lado, o FUNDEF exerceu um forte impacto no sentido
de reduzir as discrepâncias encontradas entre os gastos por aluno nas
diferentes redes de ensino no interior de um mesmo estado. O
problema é que esta equalização se deu pela via da socialização da
miséria, tornando precárias aquelas redes que, em função de gastos

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mais elevados, apresentavam melhores indicadores de qualidade e
salários. Por sua vez, os recursos transferidos para as redes mais pobres
foram insuficientes para que estas apresentassem indicadores
mínimos de qualidade como determina a Constituição Federal. Por
fim, como estudo do próprio MEC (1999) e a imprensa do país
mostraram, o FUNDEF não conseguiu impedir fraudes na utilização dos
recursos da educação.
Um último aspecto a se comentar nesta avaliação refere-se aos
empréstimos internacionais na área da educação. Tendo por base
apenas aqueles firmados na esfera do Banco Mundial, constata-se que
foram aprovados, na gestão FHC, cinco projetos (Fundescola 1 e 2,
Projeto de Fortalecimeno da Qualidade da Educação Básica do Ceará,
Projeto de Educação na Bahia e Projeto de Suporte à Reforma em
Ciência e Tecnologia), totalizando US$ 579 milhões de recursos do
banco, com a correspondente contrapartida do governo brasileiro.
Existem ainda dois projetos em análise, o Fundescola 3 e o Projeto
de Desenvolvimento da Infância Precoce, que totalizam US$ 280
milhões de recursos do banco (Banco Mundial, 2002). Não é nosso
objetivo fazer uma análise detalhada desses projetos, mas o que se
constata é que eles estão em sintonia com a prioridade do banco de
investir principalmente no ensino fundamental, particularmente nas
quatro séries iniciais, e que reproduzem boa parte dos problemas
detectados pelos estudos já feitos sobre eles. Entre estes salientamos:
custo financeiro elevado, uma vez que são empréstimos bancários;
presença de custos indiretos significativos para a elaboração dos
projetos; pequena participação tanto técnica quanto social na sua
elaboração e no acompanhamento dos quais, geralmente, são
excluídos tanto o parlamento quanto os eventuais “beneficiários”
como os executivos estaduais e municipais; captação de recursos
(caros) para projetos que poderiam ser desenvolvidos com recursos
locais; constrangimento das políticas educacionais mais amplas a seus
objetivos e metas; e, por fim, reduzida eficácia diante dos objetivos
pretendidos (Fonseca, 1995, Lauglo, 1997, e Ação Educativa, 1999).
Assim, o que se constata é que o país pouco se beneficia desses
recursos que, proporcionalmente, pouco representam no total de
recursos aplicados em educação (menos de 1%), mas que acabam
tendo uma influência decisiva em alinhar as políticas educacionais
do país com aquelas priorizadas pelas agências multilaterais (leia-se
nações mais ricas do mundo), políticas estas que, diga-se de passa-
gem, não são seguidas pelos países que controlam essas agências.

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Porém, se a educação brasileira pouco se beneficia destes emprés-
timos, eles fazem a alegria dos funcionários do Banco Mundial (afinal
bancos só existem em função de empréstimos) e de um grupo de
burocratas, encastelados no setor público e privado, que coordenam
e fazem a intermediação desses projetos, e que, inclusive, podem
fazer carreira nessas agências multilaterais, como ocorreu com o ex-
ministro Paulo Renato Souza. Esses projetos ajudam, inclusive, a
financiar pesquisa no exterior. É o que aconteceu com o Fundescola,
projeto de maior fôlego do Governo FHC, previsto para várias etapas
e destinado a “melhorar o desempenho do Ensino Primário Público
em áreas selecionadas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste”
(Banco Mundial, 2002). Mantendo ainda uma denominação de nível
de ensino que foi abolida em 1971, o projeto envolve reforma e
construção de prédios escolares, produção de material didático,
financiamento do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica),
formação de professores e diretores e repasse de recursos diretos para
as escolas gastarem de acordo com um “plano de desenvolvimento
da escola”, elaborado com ampla participação de sua comunidade,
segundo o texto do projeto (Banco Mundial, 2002). O interessante
desse projeto é que ao passo que ele destina míseros R$ 10 por
aluno/ano para as escolas implementarem seus planos, a Universidade
de Stanford vai receber mais de US$ 1 milhão para avaliá-lo. A
escolha desta instituição se deve, provavelmente, ao fato de seus
pesquisadores atuarem geralmente como consultores do Banco
Mundial; sua contratação com recursos generosos seria, portanto,
uma estratégia adotada pelo MEC para facilitar a aprovação da etapa
3 do projeto, na expectativa de um parecer favorável daquela
instituição. Um dado de interesse é que, entre os consultores
contratados, encontra-se Eric Hanushek, um pesquisador que
direciona boa parte dos seus trabalhos para provar que a ampliação
dos recursos educacionais (como melhores salários e redução dos
alunos/classe) não altera a qualidade do ensino (Hanushek, 1996).
Nos EUA , seus trabalhos sofrem séria contestação (ver Hedges e
Greenwald, 1996) mas, agora, o governo brasileiro está ajudando-o
a financiar suas pesquisas. Enquanto isso, no ensino fundamental e
médio, os EUA possuem uma média de 16 alunos por classe e seus
professores ganham, em média, US$ 40 mil/ano (1998) (NEA, 2000).
Já o Brasil atende a cerca de 40 alunos/turma e seus professores
ganham, em média, menos de US$ 6 mil/ano (1997), para uma
jornada bem mais extensa (MEC-INEP, 1998).

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Conclusão
Concluiremos este trabalho realçando os grandes desafios que o
novo governante do país e sua equipe terão pela frente como herança
do governo aqui analisado. E, a meu ver, eles são, basicamente, dois.
O primeiro grande desafio é desativar a bomba-relógio chamada
FUNDEF. Com o fim desse fundo, constitucionalmente previsto para
ocorrer em 31 de dezembro de 2006, os sistemas de ensino muni-
cipais, em especial nas regiões mais pobres do país, viverão o caos em
função do fim dos repasses de recursos estaduais. Esta tarefa exigirá
uma grande habilidade do futuro presidente, no Congresso, pois, em
especial, os governadores não terão grande interesse na prorrogação do
FUNDEF , ou em sua substituição por algum outro fundo (como o
FUNDEB) que implique reduzir seus recursos tributários.
O segundo grande desafio será o de criar condições para que
as metas do PNE, que agora possuem força legal, sejam cumpridas.
Como vimos, isso só será possível com a ampliação dos gastos
públicos com educação no país. Isso porque as metas do PNE
sinalizam para a necessidade de recursos da ordem de 10% do PIB ,
nos próximos dez anos, ao passo que o potencial atual está na casa
dos 4,5% do PIB . Este aumento vai depender de um esforço
conjunto das três esferas públicas, mas com prioridade para a
União, já que esta detém a maior parte dos recursos públicos no
país (considerando impostos e contribuições) e é a que menos se
envolve com o financiamento da educação. Uma forma também de
ampliar os recursos vinculados e que não implicariam aumento da
carga tributária seria a aprovação de uma emenda constitucional
que determinasse que a vinculação para o ensino incidisse não
apenas sobre a receita de impostos, mas que englobasse também as
contribuições sociais e econômicas, as quais, em 2000, represen-
tavam, só na esfera federal, o equivalente a 14% do PIB , dos quais
apenas 1,9% (salário-educação) se destinava à educação. Uma
medida desta natureza, que teria pouco impacto sobre as finanças
dos estados e municípios, representaria um acréscimo de recursos
para a educação da ordem de 2,5% do PIB . Além desses recursos,
nunca é demais ressaltar aqueles que adviriam da melhoria da
eficácia do sistema arrecadador (segundo o chefe da Receita Federal,
Everardo Maciel, tendo por base os dados da CPMF, o equivalente a
1 PIB escapa à tributação no país), da redução do mercado informal
de trabalho e da rediscussão das isenções e dos incentivos fiscais

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que somam cerca de 2% do PIB , só na esfera federal. Uma medida
a ser considerada também é o uso do déficit público para financiar
a educação. Afinal, se esse déficit já foi usado para financiar tantas
políticas desenvolvimentistas que pouco fizeram o país crescer e em
nada alteraram a sua distribuição de renda, a pior do mundo, por
que não tentar com a educação?
Por último, nunca é demais dizer que uma política efetiva de
distribuição de renda, a qual, no caso do Brasil, passa obrigatoriamente
por uma reforma agrária e educacional de fôlego, é um dos melhores
instrumentos de promoção do desenvolvimento econômico, aumen-
tando a receita pública no país e, por conseguinte, os recursos para a
educação. Foi este o caminho seguido pela maioria dos países desen-
volvidos, e deu certo.

Recebido e aprovado em julho de 2002.

Referências bibliográficas

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Ação Educativa, 1999. Disponível em: <www.acaoeducativa.org>
Acesso em: 2002
ARELARO, L.G.R. Financiamento e qualidade da educação brasileira:
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do FUNDEF – Relatório MEC”. In: DOURADO, L. (Org.). Financia-
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A gestão escolar no contexto das recentes
reformas educacionais brasileiras
School management within the context
of recent brazilian educational reforms
La gestión escolar en el contexto
de las recientes reformas educativas brasileñas

MARÍLIA FONSECA
JOÃO FERREIRA DE OLIVEIRA

Resumo: Com base em pesquisa interinstitucional, o artigo trata de repercussões de


dois programas brasileiros de gestão escolar desenvolvidos com financiamento inter-
nacional: o Fundescola e o Pró-Qualidade. A pesquisa apontou o fortalecimento de
uma visão gerencial estratégica e a convivência de duas concepções opostas de gestão
da educação pública: ora privilegiando práticas gerenciais (Plano de Desenvolvimento
da Escola); ora sinalizando para as aspirações da comunidade por uma escola mais
autônoma e de qualidade (Projeto Político Pedagógico).
Palavras-chave: gestão estratégica da escola; ensino fundamental; autonomia escolar;
cooperação internacional.

Abstract: Based on inter-institutional research, the article looks at the effects of two
Brazilians programs in education management carried out with international financing:
the Fundescola and the Pró-Qualidade. Research indicates the strengthening of a
strategic managerial approach and the existence of two opposing concepts of public
educational management: at times favoring managerial practices (School Development
Plan); while at other times emphasizing the aspirations of the community for a more
autonomous and quality-based school (Political Pedagogical Project).
Keywords: strategic school management; primary school; school autonomy; inter-
national cooperation.

Resumen: Con base en investigación interinstitucional, el artículo trata de los efectos


de dos programas brasileños de gestión escolar implementados con financiamiento in-
ternacional: el Fundescola y el Pró-Qualidade. Los resultados de la investigación señalan
el fortalecimiento de una visión gerencial estratégica y la existencia de dos concepciones
opuestas de gestión de la educación pública: ya sea favoreciendo prácticas gerenciales
(Plan de Desarrollo de la Escuela); o entonces enfatizando las aspiraciones de la comuni-
dad educativa por una escuela más autónoma y de calidad (Proyecto Político Pedagógico).
Palabras clave: gestión estratégica de la escuela; enseñanza primaria; autonomía
escolar; cooperación internacional.

RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009 233


Introdução

O presente texto apresenta resultados de pesquisa interinstitucional, des-


tinada a compreender e analisar algumas experiências de gestão escolar no ensino
fundamental brasileiro, desenvolvidas a partir da década de 1990. Nessa direção,
foram examinados dois programas: o Projeto Melhoria da Qualidade na Educação
Básica (Pró-Qualidade), em Minas Gerais, e o Fundo de Desenvolvimento da Escola
(Fundescola), nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Os dois projetos inte-
gravam a política de financiamento do Banco Mundial para o desenvolvimento da
gestão da escola básica brasileira. O primeiro já foi encerrado; o segundo iniciou-se
em 1998 e encontra-se em fase de conclusão, prevista para 2010.
O objetivo da pesquisa foi refletir sobre o impacto do Pró-Qualidade e do
Fundescola na gestão e organização do trabalho escolar. Focou-se, sobretudo, o
Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), concebido como uma modalidade de
planejamento estratégico e que constitui o carro-chefe dos dois programas. Buscou-se
detectar como a comunidade escolar acolhe os projetos, como percebe a vincula-
ção entre esses programas e as macropolíticas que os sustentam e como avalia seus
efeitos na organização e gestão da escola, bem como no trabalho e nos processos
ensino-aprendizagem.
Participaram da pesquisa professores e estudantes de graduação e de pós-
graduação das seguintes instituições: Universidade de Brasília (UnB); Universidade
Federal de Goiás (UFG); Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes);
Universidade Federal de Tocantins (UFT); Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
e universidades Federal e Estadual do Mato Grosso do Sul (UFMS e UEMS).

Reforma do Estado e gestão educacional: cooperação


internacional, descentralização e eficiência

As novas propostas voltadas para a gestão da educação básica, a partir dos


anos 1990, fazem parte do conjunto de mudanças que compuseram a reforma do
Estado brasileiro, no contexto da reestruturação produtiva capitalista e das orienta-
ções políticas, econômicas e educacionais de inspiração neoliberal. Havia que fazer
frente à configuração do novo sistema econômico global, marcadamente orientado
pelos princípios do neoliberalismo e, ainda, adaptar-se às demandas da nova estrutura
produtiva e tecnológica que exigia novas perspectivas na formação dos trabalhadores.
A administração pública adquiriu um formato gerencial, mais ágil e flexível, com o
objetivo de imprimir eficiência ao desempenho do Estado, tornando-o mais compa-
tível com a atual fase do capitalismo global e competitivo. Uma das ações prioritárias
foi a descentralização, pela qual foram transferidas funções da burocracia central para
estados e municípios e para as denominadas organizações sociais, configuradas como
entidades de direito privado, públicas não-estatais. Tais organizações atenderiam a

234 RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009


serviços como os de saúde e educação, considerados serviços fundamentais, mas não
exclusivos do Estado. Com essa alternativa, o Estado deixaria de ser o responsável
direto pelo desenvolvimento econômico e social, garantindo para si a definição e o
controle das decisões estratégicas (BRASIL, 1995).
As mudanças que orientaram a reforma do Estado brasileiro tiveram efeitos
imediatos na gestão do sistema educacional. Na década de 1990 foram desenvolvi-
das modalidades de gestão que prometiam a melhoria dos indicadores de evasão e
repetência, além do rendimento dos alunos, a autonomia e a participação da família,
da comunidade educacional e da sociedade em geral em decisões afetas à escola.
Compreendia-se, assim, a gestão escolar eficiente como aquela capaz de produzir
mais com menor custo, inclusive buscando fontes alternativas para o financiamento da
escola. Enfim traduzia-se por um conjunto de mudanças e processos com certo
grau de sistematização, com vistas a modificar políticas, atitudes, idéias e conteúdos
curriculares, entre outros.
Essas orientações foram postas em ação por meio de iniciativas nacionais,
como o Programa Dinheiro Direto à Escola (PDDE), que, como o próprio nome
diz, destina recursos para serem geridos pelas unidades escolares, cujo controle se dá
por meio de entidades de direito privado, dentre eles, a Associação de Apoio à Escola
e o Caixa Escolar. Outras iniciativas desse porte foram implementadas no âmbito de
acordos de financiamento do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
(Banco Mundial ou Bird) com os estados ou com o Ministério da Educação (MEC).
Na década de 1990, os organismos internacionais tiveram presença mar-
cante no Brasil, dentre eles a Unesco, o Unicef, o Pnud e o Banco Mundial (BM).
Na educação básica, este último projetou-se como a principal agência internacional
de cooperação, seja pela amplitude territorial e temporal de seus projetos, seja pela
magnitude dos financiamentos. Dois acordos foram firmados com o governo fede-
ral e outros diretamente com os governos dos estados de São Paulo, Minas Gerais,
Bahia, Ceará, Espírito Santo e Paraná. O Projeto Nordeste também faz parte desse
processo, fruto de um acordo do MEC com o BM para o desenvolvimento do ensino
nas quatro primeiras séries da educação fundamental em toda a região nordeste. De
acordo com a expectativa gerada pela cooperação do BM, as experiências dos projetos
seriam repassadas para o sistema educacional como um todo, produzindo eficiência
(maior produtividade educacional com menor custo) e eficácia, esta entendida como
alcance de objetivos de impacto para melhorar o desempenho escolar (expansão de
matrículas, diminuição da evasão e da repetência).

O Pró-Qualidade:
refletindo sobre seus objetivos e impactos

Buscava-se, com o Projeto Pró-Qualidade, melhorar o desempenho do


sistema educacional do estado de Minas Gerais, mediante formas construtivas para

RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009 235


efetivar mudanças na organização e aperfeiçoamento das escolas, inclusive auxiliando-
as a elaborar seu próprio planejamento a longo prazo. O projeto definiu estratégias
para: (a) ajudar os diretores de escola a assumirem seus novos papéis de líderes e
administradores, em sistema estadual mais descentralizado; (b) proporcionar aos
administradores centrais e regionais instrumentos para as tomadas de decisão com
informações adequadas; (c) aumentar o acesso de professores a oportunidades de
treinamento; (d) distribuir um conjunto de materiais didáticos aos alunos das escolas
públicas; (e) melhorar a administração da rede física, de modo a assegurar a utilização
adequada do espaço escolar.
O Pró-Qualidade foi executado em conjunto com o Programa Gerência da
Qualidade Total na Educação (GQTE).1 Com esses programas, deu-se início, a partir
de 1991, a uma profunda reforma política, administrativa, financeira e pedagógica na
rede escolar estadual de Minas Gerais. Seus resultados foram utilizados como base para
a definição de próximo acordo do MEC com o BM: o Fundo de Desenvolvimento
da Escola (Fundescola), também foco de análise do presente texto.
Integravam o Pró-Qualidade três programas complementares: o Plano de
Desenvolvimento da Escola (PDE), que visava a solução de problemas rotineiros
e formas ultrapassadas de organização escolar, mediante a adoção de planejamento
com enfoque gerencial (planejamento estratégico); o Programa de Apoio às Inovações
Educacionais (Paie), que desenvolvia múltiplas modalidades de formação continuada
e de trabalhos participativos, voltados para refletir acerca da realidade vivida na prá-
tica cotidiana da escola; e, completando essa tríade, o Projeto de Desenvolvimento
e Enriquecimento Curricular (Prodec), cuja especificidade era favorecer as ações
incentivadoras da autonomia das práticas pedagógicas, estimulando a própria co-
munidade escolar a solucionar problemas pedagógicos prioritários definidos pelas
escolas (BANCO MUNDIAL, 1994; MINAS GERAIS, 1997).
Cabe observar que a investigação específica sobre o Programa de Apoio às
Inovações Educacionais (Paie), em Minas Gerais, foi coordenada por professores da
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e
sua Unidade Descentralizada de Pirapora (VELOSO et al, 2004).2

1
O programa Gerência da Qualidade Total (GQTE) tinha como finalidade regulamentar o
art. 206, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, e o art. 196, inciso VII, da Constituição
Federal de Minas Gerais de 1989, que dispõem sobre a gestão democrática do ensino na forma
de lei. O Pró-Qualidade foi implantado em 1993, com a assessoria da Fundação Christiano
Ottoni (FCO), que integra a Escola de Engenharia da Universidade de Minas Gerais.
Originalmente destinado ao setor empresarial, foi estendido para setores da administração
pública, especificamente para educação. Integrou-se ao projeto Pró-Qualidade, que só foi
oficializado em 1994, a partir da assinatura do acordo entre Secretaria de Educação/MG e
o Banco Mundial (MARQUES e PAIVA, 2005).
2
Foram investigadas quatro escolas, sendo três delas localizadas no município de Montes
Claros e uma em Pirapora. Como sujeitos da pesquisa, foram entrevistados 16 professores,

236 RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009


Implantado pela resolução n. 8.036, de 1º de agosto de 1997, o Paie desen-
volveu uma série de ações em escolas estaduais de ensino fundamental de Minas
Gerais. Previa a mobilização da comunidade educativa como forma de descentra-
lizar a gestão escolar e estimular a inovação do trabalho pedagógico num processo
coletivo e de proposição de idéias, meios e ações. Promovia-se, assim, a reflexão
acerca da realidade escolar e a elaboração de um projeto de ação educativa, para
culminar com a transformação da realidade em questão.Visava, ainda, imprimir
uma nova dinâmica nas práticas educativas, utilizando metodologias inovadoras
e estratégias participativas, promovendo parcerias com a comunidade em geral e
com as famílias dos alunos, na busca de soluções para problemas e questões de
natureza pedagógica.
As escolas beneficiárias dos recursos do Paie foram selecionadas pela SEE-
MG, mediante concurso que apontou os projetos escolares com maior possibilidade
de atingirem bons resultados de aprendizagem, medidos pelas taxas de reprovação,
de abandono e pelo rendimento escolar em Português e Matemática aferido por
avaliação externa. Esses indicadores determinavam o grau de risco de cada escola:
baixo risco (escolas com índice de risco até 20%); médio risco (escolas com índice de
risco entre 20% e 30%); alto risco (escolas com índice médio acima de 30%).
Segundo os docentes entrevistados, ainda que o Paie tenha sido bem acolhi-
do na rede, as ações não lograram estabelecer um processo crítico-reflexivo acerca
da realidade escolar. As ações inovadoras adquiriram um sentido de “novidade” ou
quebra de rotina, instalando-se uma percepção de que a inovação em si garantiria a
qualidade dos processos educativos produzidos pela escola.
Não foi possível romper com as verdadeiras causas do fracasso escolar e
tampouco foram abordadas convenientemente as questões pedagógicas. A inovação
limitou-se à introdução de uma aparência modernizante, via elaboração de projetos
que produzissem um movimento diferenciado no interior da instituição escolar. Para
muitas professoras, as ações propostas pelo Paie já vinham sendo desenvolvidas pelas
escolas, constituindo, pois, uma continuidade de práticas já vividas, cujas experiências,
significados, finalidades e resultados não foram sequer discutidos. Os depoimentos
deixaram perceber que as professoras eram compreendidas como executoras do Paie,
não lhes cabendo a nem a concepção e a tomada de decisões e tampouco a avaliação
das propostas do programa (VELOSO et al, 2004).
O Projeto de Desenvolvimento e Enriquecimento Curricular (Prodec) foi
executado no período de 1998 a 2003. Caracterizava-se como uma ação inovadora
complementar ao Paie, pelo fato de ser elaborado pela equipe docente da escola,
com a participação de outros membros da comunidade escolar.

em escolas de primeira a oitava série, sendo um professor de cada disciplina, além de um


supervisor e um diretor em cada escola. Ao todo, foram entrevistados vinte e quatro interlo-
cutores, sendo dezesseis professores, quatro supervisores e quatro diretores.

RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009 237


Foram estabelecidos, como critérios de seleção para participar do Prodec, o
grau de sucesso da escola na execução do Paie, a qualidade da proposta pedagógica
da escola, o nível de participação da comunidade e a própria pertinência e relevância
da proposta para o Prodec. À semelhança do Paie, cada escola receberia os recursos
de forma diferenciada, de acordo com sua categoria de risco e o número de alunos.
Destinou-se um percentual para cada categoria, 50% das oportunidades estariam à
disposição das escolas classificadas como de alto risco; 30% das oportunidades estariam
à disposição das escolas de médio risco e 20% para a categoria de baixo risco.
Os programas Paie e Prodec foram investigados por um grupo de professores
da Universidade Federal de Uberlândia (MARQUES e PAIVA, 2005).3 Os resultados
assemelharam-se àqueles obtidos na investigação realizada pelo grupo da Unimontes.
Segundo os dirigentes e professores entrevistados, as escolas conseguiram, mesmo
que timidamente, impor uma nova postura ao trabalho escolar, permitindo maior
integração da comunidade e nova forma de realizar atividades pedagógicas. Um outro
aspecto apontado foi a contribuição no sentido de melhorar a disciplina dos alunos.
Um fator a se considerar com respeito aos dados da pesquisa é que, embo-
ra o Prodec fosse um projeto voltado para o desenvolvimento do currículo e das
atividades pedagógicas, ocorreu um descompasso entre o ideal e o real: um relativo
distanciamento entre o preconizado pela proposta oficial e as parcas mudanças que se
efetivaram no currículo e nas práticas pedagógicas, consideradas “de pouca monta”,
em face da expectativa gerada pelo projeto.
Os dados empíricos evidenciaram, ainda, que não ocorreu o êxito esperado
do Prodec quanto à promoção de uma mudança cultural dos profissionais envol-
vidos, bem como a adoção de novos valores que possam ser capazes de propiciar
mudanças na prática pedagógica. Nesse sentido, não houve um envolvimento que
pudesse causar impactos no desenvolvimento do projeto. Tal mudança exigiria romper
com paradigmas já estigmatizados ao longo da construção da história institucional
profissional da comunidade escolar, o que demandaria a vontade e o compromisso
de toda a equipe responsável pela realização das ações.

3
Para a seleção das escolas investigadas, foram definidos os seguintes critérios: ter partici-
pado do Paie; pertencerem aos diferentes níveis de classificação pelo grau de complexidade
(baixo, médio e alto risco, conforme definição da SEE/MG no momento de implementação
do projeto); terem demonstrado, na execução do Paie, desempenho favorável e desfavorável
(também conforme avaliação da SEE-MG); pertencer ao município de Uberlândia e locali-
dades adjacentes. Conforme tais parâmetros, as escolas selecionadas foram: Escola Estadual
Jardim das Palmeiras, de Uberlândia, considerada de alto risco; Escola Estadual Visconde de
Ouro Preto, de Araguari, considerada de médio risco, sendo que ambas obtiveram resultados
de sucesso. E, também, Escola Estadual do Parque São Jorge, de Uberlândia, considerada
de alto risco; Escola Estadual Honório Guimarães, considerada de médio risco. Como
sujeitos da investigação, foram entrevistados em cada escola: um professor participante,
um professor não participante do projeto, um membro da equipe pedagógica e um dos
coordenadores do Prodec.

238 RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009


Como as pesquisadoras assinalaram, o sucesso de uma proposta de inovação
da prática pedagógica depende do fortalecimento de múltiplas faces do funciona-
mento do contexto da escola, tais como: gestão, organização do tempo e espaço da
escola, currículo, metodologias, condições de trabalho e formação continuada. Há
que considerar, ainda, que as mudanças são lentas e graduais, uma vez que implicam
em desestabilizar formas convencionais de trabalho que vão se cristalizando em
determinadas práticas, atitudes e convicções.

O Fundescola/PDE: proposições para mudar


a organização, a gestão e o trabalho escolar

O Fundescola integra a atual política de descentralização e municipalização


do ensino fundamental brasileiro. Foi implementado em 1998 e encontra-se em fase
de conclusão. O Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) é o projeto principal
do Fundescola. Seus objetivos inspiraram-se em acordos internacionais anteriores (a
exemplo dos projetos Pró-Qualidade e Nordeste), especialmente quanto à eficiência
administrativa a ser alcançada por meio de um modelo de planejamento estratégico
(concebido pelo BM) e da elevação do grau de compromisso de diretores, professores
e outros funcionários com os resultados educacionais.
Em sua proposta de ação, o Fundescola/PDE tem uma missão mais ampla do
que os projetos antecedentes, em razão da própria dimensão temporal (com início em
1998 e execução prevista para 10 anos) e extensão territorial do Programa (abarcando as
regiões norte, nordeste e centro-oeste). Segundo o Manual de Operação e Implementação
do Projeto, o objetivo era formar um grande número de profissionais de educação, com
os atributos gerenciais necessários para dirigir um sistema local mais autônomo, por meio
de provisão de ferramentas de gestão e do treinamento em áreas como: processos de
desenvolvimento da escola, padrões mínimos de funcionamento, planos de gestão de
secretaria, plano de carreira do magistério e mapeamento escolar (BRASIL, 2002, p. 13).
Para cumprir tal objetivo, o Programa se propôs a desenvolver ações de
fortalecimento da escola por meio de convênios com os municípios, mediante adesão dos
mesmos e a obrigação de adotarem a metodologia de planejamento estratégico, conforme
modelo do PDE.
A pesquisa sobre o impacto do PDE/Fundescola foi executada por pro-
fessores do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília (UnB) e da
Universidade Federal de Goiás (FONSECA, OLIVEIRA e TOSCHI, 2004). Em
Mato Grosso do Sul, ficou a cargo de professores das universidades Estadual e
Federal – UFMS e UEMS (FERNANDES et al, 2004). Em Tocantins, os dados foram
enriquecidos por dissertação de mestrado defendida na FE/UFG (RIBEIRO, 2002).4

4
Foram realizadas entrevistas e observações diretas em nove escolas situadas em três muni-
cípios goianos, segundo critérios previamente fixados: a) pertencer ao centro e periferia, b)

RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009 239


De modo geral, registrou-se um bom acolhimento ao projeto (PDE), tanto
por parte das equipes de sistematização quanto dos professores. Conforme a maior
parte dos agentes escolares, o PDE tornou o planejamento das atividades escolares
mais organizado e participativo. Mesmo em escolas em que o PDE não tenha introduzi-
do projetos novos (na maioria dos casos são reordenamentos de ações preexistentes),
o PDE traz instrumentos, como modelos de diagnóstico e de acompanhamento,
capazes de orientar os relatórios e de imprimir uma sistemática para as reuniões ro-
tineiras da escola. Enfim, o PDE ensina técnicas de planejamento importantes para
a instituição. Para alguns gestores do sistema estadual, esse formato é positivo, pois
contribui para que os estados e municípios assumam a descentralização da escola por
meio do repasse de recursos diretamente para a escola. Assim, o PDE é visto pelos
gestores como um instrumento que vai forçar os governos a colocar dinheiro direto na
escola, mesmo com o encerramento do financiamento internacional.
Embora reconhecendo alguns benefícios na organização física e material
da escola, o PDE não foi capaz de produzir mudanças mais qualitativas no âmbito
pedagógico. A maioria dos professores entrevistados o percebe como uma modali-
dade de intervenção voltada para a organização do sistema educativo, tendo como
alvo principal a contenção de gastos, a eficiência operacional e objetivos orientados
racionalmente para resultados ou produtos. A dinâmica da mudança é garantida pela
variação dos insumos (ênfase nos materiais didáticos e tecnologias), sendo a me-
lhoria pedagógica decorrente dos novos procedimentos inseridos na organização.
São introduzidos novos projetos e programas, materiais curriculares, estratégias
de ensino-aprendizagem, modelos didáticos e outras formas de organizar e gerir o
currículo, a escola e a dinâmica da sala de aula.
As informações coletadas mostram que, embora em sua concepção inicial
o Fundescola enfatizasse a possibilidade de aumento do poder de decisão para as
escolas, na prática a própria sistemática de co-financiamento internacional impõe
instrumentos de controle sobre os projetos, como manuais para acompanhamento
e planejamento de ações, além de normas para utilização de recursos e prestação de
contas do dinheiro repassado diretamente à escola para aquisição de materiais e melhoria
do espaço escolar.

ter sido classificada pela SEE como escola de sucesso ou insucesso na implantação e con-
solidação do PDE, c) pertencer à rede municipal ou estadual e d) tempo de PDE na escola.
Em cada escola, foram entrevistados três membros do Grupo de Sistematização do PDE
(coordenador do PDE, diretor da escola e líder de objetivos estratégicos do PDE) e dois
professores não envolvidos diretamente com o projeto. Nas escolas situadas no entorno de
Brasília, foram entrevistados ainda pais, estudantes e funcionários, além de um trabalho de
observação direta de reuniões de conselho escolar voltadas para a discussão e avaliação das
ações do PDE. Foram visitadas nove escolas, sendo entrevistados vinte e sete membros do
grupo de sistematização, dezoito professores não participantes do PDE, vinte e um pais, oito
estudantes e quinze funcionários.

240 RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009


Se, de um lado, esses instrumentos ajudam a organizar o trabalho rotineiro
da escola, de outro, dificultam ou até mesmo impedem as decisões autônomas sobre
outras questões mais pedagógicas, como a realização de cursos de formação docente.
Segundo a análise de Rosa e Khidir (2004), os cursos oferecidos nas escolas de Goiás
privilegiaram conteúdos voltados para as relações interpessoais, o que confirma o veio
estratégico-comportamental que caracteriza o PDE. Como todas as escolas pesqui-
sadas adquiriram recursos tecnológicos com a verba do PDE, os cursos enfatizaram
a formação técnica dos professores para a utilização desses aparatos.
Segundo alguns depoentes, os cursos melhoraram a rotina escolar, a articula-
ção entre as dimensões administrativas e pedagógicas, as relações com a comunidade
e também a qualidade das aulas. Não obstante esses ganhos, o processo de formação
não atendeu às reais necessidades da escola e do professor. Outros depoentes afirma-
ram que o trabalho em sala de aula não melhorou em função do PDE, mas deveu-se
ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) em escolas que já desenvolviam um trabalho
coletivo para a construção do PPP. Em primeiro lugar, os cursos do PDE seguiram
um cronograma apertado, geralmente em finais de semana, portanto, em horários
que extrapolaram a carga horária de trabalho do professor. Segundo as normas do
Fundescola, a oferta dos cursos ficou a cargo de entidades privadas, o que favoreceu
a proliferação de empresas de consultoria que fizeram o trabalho de agenciamento,
planejamento e intermediação. Os cursos eram escolhidos pelas escolas; no entanto,
ficavam limitados à oferta das empresas, nem sempre atendendo às demandas de
professores e alunos.
Apesar dessa limitação, os professores consideravam a oportunidade posi-
tiva, uma vez que as escolas nunca tiveram recursos próprios para tais ações. Aliás,
essa visão é recorrente em todas as escolas investigadas. Não há como negar que a
comunidade escolar não queria prescindir desse recurso extra, que pode ser utilizado
com rapidez para suprir as carências mais prementes. No entanto, como o dinheiro
transferido não supria todas as necessidades básicas da escola, esta era levada a
buscar alguma forma de arrecadação de dinheiro mediante convênios, acordos e
contratos com entidades públicas e privadas, nacionais ou internacionais ou ainda
realizar campanhas e eventos capazes de prover recursos adicionais para a escola.
Desse modo, a equipe de direção gastava grande parte de seu tempo em atividades
de pouca monta, que não visavam diretamente ao núcleo pedagógico.
A gestão financeira era feita por intermédio de uma entidade de direito pri-
vado (Associação de Apoio à Escola). De acordo com a proposta inicial de estimular
a participação dos pais, as tarefas de arrecadação, utilização e fiscalização do dinheiro
seriam repassadas para os pais e outros membros da comunidade. Infelizmente, a
participação dos pais ocorreu por mero formalismo legal, afastando-se dos propósitos
de uma prática de gestão efetivamente participativa. Reduziu-se à presença eventual,
geralmente para ouvir a transmissão de ordens, avisos ou para conversar sobre o
comportamento ou rendimento escolar dos filhos. Ou, ainda, limitou-se ao cumpri-

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mento de atividades operacionais e colaborativas no Conselho Escolar, no controle
fiscal do dinheiro repassado à escola ou em eventos cívicos e festivos.
Isto explica a forma diferenciada como dirigentes escolares e docentes
concebiam o PDE. Os primeiros o consideraram um instrumento primordial para
facilitar a administração física da escola, uma vez que permitia concretizar soluções
imediatas, como reformas, compras de equipamentos e materiais. Já os professores,
embora reconhecessem esses benefícios, não consideraram o PDE como incentiva-
dor de mudanças mais qualitativas no trabalho pedagógico. Registrou-se que o Plano
imprimia uma organização que facilitava a divisão pormenorizada do trabalho escolar,
com nítida separação entre quem decide e quem executa as ações, cada uma com sua
gerência própria. Além disso, muitos projetos decorriam de atividades pré-preexistentes
ao PDE, como ações ambientais, festas cívicas, entre outras. Os professores afir-
maram, ainda, que as exigências burocráticas aumentavam a carga de trabalho dos
mestres sem contribuir necessariamente para a melhoria do processo pedagógico.
Os documentos que expressam a concepção do Fundescola mostram que
a gestão educacional incorpora um sentido peculiar que não alcança o caráter de-
mocrático outorgado pelos textos legais brasileiros. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE) dispõem sobre
a gestão democrática, incentivando a co-responsabilidade dos diferentes níveis admi-
nistrativos (União, estados e municípios) e a colaboração entre fóruns nacionais e
locais de planejamento, bem como conselhos de educação, em seus diferentes níveis.
Na área de abrangência do Fundescola, a orientação internacional é a que
mais se fortalece na maioria das escolas, em razão da própria dinâmica promovida
pelo MEC, oferecendo cursos de preparação e instrumentos de planejamento e
acompanhamento para o desenvolvimento do Fundescola/PDE. Isto explica de
algum modo a submissão dos projetos político-pedagógicos (PPP) ao PDE nas
escolas envolvidas.
Em Goiás, os dados da pesquisa mostram que o principal componente
do Fundescola, ou seja, o PDE, estava sendo acolhido pelo governo. De acordo
com a análise de Fonseca, Oliveira e Toschi (2004), o financiamento assumido
pelo Fundescola vinha decaindo ano a ano, enquanto o do estado de Goiás ia
aumentando progressivamente e, ao final das ações, este incorpora plenamente o
financiamento e a metodologia do PDE, fazendo sua a concepção do programa
internacional.
Nos estados de Tocantins e Mato Grosso do Sul, os resultados do PDE
foram semelhantes aos de Goiás, segundo os estudos de Ribeiro (2002) e Fernandes
et al (2004). Os dados relativos ao município de Dourados (MS) atestam o impacto
motivador promovido pelo processo de capacitação dos profissionais da escola, todos
imbuídos em realizar satisfatoriamente a tarefa proposta. Quanto à execução, algumas
ações do PDE foram consideradas positivas, como a realização de diagnósticos das
dificuldades mais sensíveis da escola; a incorporação de parcerias para reforço peda-

242 RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009


gógico, a avaliação de funcionários, além da aquisição de materiais e equipamentos.
Por outro lado, a “missão, a visão de futuro e os objetivos estratégicos”, presentes
nos planos das escolas, emanavam do manual de elaboração do PDE, na maioria
das escolas estudadas.
Em Tocantins, os professores ressentiram-se de um planejamento escolar que
valorizava principalmente a realização de reuniões, atas, preenchimento de quadros,
fichas, formulários de funcionamento da escola, de prestação de contas e questio-
nário de avaliação do desempenho da escola. Questionavam a formação continuada
dos professores, desenvolvida na forma de cursos “curtos”, que não alcançam a
profundidade necessária para uma atuação pedagógica de qualidade. Os profissionais
da escola apontaram ainda que o excesso de burocracia exige trabalhos extras, uma
vez que não é possível reunir as equipes em horário de aula.
Pelo exposto, pode-se afirmar que se produziu a submissão da organização
e da gestão do trabalho escolar aos objetivos, às técnicas e às rotinas de trabalho
estabelecidas pelos modelos de planejamento e gerenciamento estratégicos, conforme
o modelo definido no PDE. Essa percepção foi corroborada em depoimentos de
gestores do sistema estadual de Goiás, quando informaram que havia certa convicção
de que o modelo de gestão do Banco Mundial, executado por meio do PDE, seria
altamente diretivo e não levaria à autonomia da escola, conforme foi estabelecido em
sua proposta inicial. Os gestores municipais também realçaram esse caráter diretivo
do Projeto, afirmando que as escolas alcançadas pelo Fundescola eram escolhidas à
revelia das secretarias municipais de educação. Certamente, essa prática não se coa-
duna com uma perspectiva de gestão democrática e de implementação de um projeto
político pedagógico produzido coletivamente no interior de cada escola, conforme
preceitua a legislação brasileira.

Considerações finais

A análise aqui apresentada permite tecer algumas considerações sobre os


programas em pauta. De modo geral, o estudo mostrou que a comunidade apresen-
tava expectativas positivas em relação aos projetos internacionais. Seja no caso do
Fundescola/PDE ou do Pró-Qualidade, os projetos mereceram o apoio dos qua-
dros dirigentes estaduais e municipais, além da participação da comunidade escolar
na preparação e implementação dos projetos. No caso do Fundescola/PDE, cujo
acordo foi firmado com o MEC, contou-se inclusive com aporte significativo de
recursos estaduais (FONSECA, OLIVEIRA E TOSCHI, 2004). Isto significa que
alguns resultados insatisfatórios aqui relatados não podem ser atribuídos à resistên-
cia dos diferentes níveis administrativos do sistema educacional, nem mesmo aos
profissionais da escola.
É importante frisar que os projetos aqui analisados são anunciados como
alternativas inovadoras, capazes de provocar ou mudanças estruturais ou de impacto

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na gestão, na organização e no trabalho pedagógico da escola, as quais servem de
justificativa para a assinatura dos acordos internacionais.
Os dados empíricos não evidenciaram o efeito que se esperava dos proje-
tos. Não ocorreram profundas mudanças na gestão, na cultura escolar e na prática
pedagógica. Apesar das promessas, os resultados apontaram uma distância entre
o preconizado e o que se efetivou na prática. As parcas mudanças observadas no
processo ou nos produtos escolares não podem ser consideradas como impactos ou
efeitos dos projetos e, portanto, não justificam o alto custo financeiro e administrativo
dos acordos internacionais.
As promessas embutidas nos acordos fariam dos projetos instrumentos
capazes de promover, em menor tempo, maior produtividade escolar, com diminui-
ção de custos. Como conseqüência, exigia-se o fortalecimento de um tipo de gestão
sustentada pela crença de que a eficiência gerencial, per se, determinaria os resultados
ou produtos definidos pelos projetos. Ao aceitar esta crença, deixa-se em segundo
plano outros fatores internos e externos que condicionam igualmente o desempenho
escolar e que compõem as múltiplas faces do contexto escolar e as relações dos meios
social, econômico e cultural dos alunos.
Um desses fatores é o descompasso entre o tempo definido para a execução
de um projeto internacional e a realidade da escola. Quaisquer mudanças que se
operam em seu contexto são lentas e graduais, uma vez que exigem romper para-
digmas já estigmatizados ao longo da construção da história institucional e que se
consubstanciam com a identidade própria da escola.
A história recente da educação brasileira mostra uma série de experiências
que ilustram o esforço de comunidades e suas organizações no sentido de procurar
um novo significado para a educação, mostrando ser possível arriscar um caminho
inovador para a escola básica sem a tutela de agências internacionais. O atual cenário
nacional exige o olhar atento dos educadores que investigam e pensam a política
educacional brasileira.
Em 2007, o governo lançou o Plano de Ações Articuladas (PAR) como
instrumento de apoio técnico e financeiro articulado para promover a melhoria do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O PAR se apresenta como
uma proposta democrática, porque pressupõe a participação de gestores, educado-
res e comunidade na sua elaboração. Paralelamente, o Plano de Desenvolvimento
da Escola (PDE), concebido no âmbito do Fundescola, vem sendo expandido para
todas as regiões brasileiras que não tinham sido contempladas pelo projeto inicial.
Fica a seguinte indagação: como poderão conviver, dentro da mesma esfera
escolar, diferentes propostas de organização da escola básica? Acresce, ainda, que a
legislação educacional ainda privilegia o Projeto Político Pedagógico (inc. I do art. 13
da LDB de 1996). A convivência de projetos oriundos de diferentes matrizes teóricas e
metodológicas pode levar ao risco de se abarrotar a escola com micro-ações que não se
complementam e que, portanto, fragmentam a prática escolar e diluem a sua qualidade.

244 RBPAE – v.25, n.2, p. 233-246, mai./ago. 2009


A questão fundamental é que as escolas dispõem de profissionais que po-
dem e devem ser agentes intelectuais ativos, capazes de fazer frente às propostas
exógenas, centradas na primazia de meros resultados e produtos, e de privilegiar
os projetos pedagógicos identificados com a história e a função social da escola. A
escola democrática, participativa e de qualidade socialmente referenciada, requer
profissionais do magistério engajados e comprometidos com a sua transformação
cotidiana, mesmo considerando as condições objetivas em que se estabelece o pro-
cesso ensino-aprendizagem, o que implica na discussão, proposição e materialização
de um projeto político-pedagógico específico, definindo princípios, diretrizes e metas
coletivamente pactuadas.

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UCG, 2004, p. 81-98.

Marília Fonseca é pesquisadora colaboradora sênior da FE-UnB.


Professora visitante da Faculdade de Educação da UFG. E-mail: fmarilia@
unb.br.

João Ferreira de Oliveira é professor associado da Faculdade de


Educação da UFG. Pesquisador CNPq. E-mail: joaofo@terra.com.br.

Recebido em março de 2009.


Aprovado em abril de 2009.

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Gestão escolar em tempo de redefinição do papel
do Estado
Planos de desenvolvimento e PPP em debate
Marília Fonseca∗

RESUMO: O artigo discute a gestão escolar em tempo de re-


definição do papel do Estado. Observa-se os marcos políti-
co-ideológicos implícitos à cooperação do Banco Mundial
e as prioridades da cooperação internacional. Analisa-se o
impacto do Plano de Desenvolvimento da Escola na gestão
escolar, em contraposição ao Projeto Político-Pedagógico
e a necessidade de fortalecer o papel do Estado no apoio
a escola para a superação das restrições orçamentárias,
gestionárias e pedagógicas. Prover as escolas de condições
para que seus profissionais assumam autonomia, agindo
como sujeitos da ação educativa.

Palavras-chave: Gestão escolar. Plano de Desenvolvimento


da Escola. Projeto Político-Pedagógico.

Introdução

N
os anos de 1990, a gestão escolar sofreu uma série de mudanças com
o intuito de prepará-la para atender aos reclamos das reformas em-
preendidas na estrutura dos estados, que, por sua vez, adequavam-
se às demandas oriundas da configuração do novo sistema econômico global que se
instalou no final do século. A globalização trouxe implícita a ideologia segundo a
qual, para garantir desenvolvimento econômico e social, os países deveriam liberar a
economia da intervenção estatal, deixando-a a mercê das regras e sinais de mercado.
As instituições públicas foram também alvo de mudanças, que buscavam apro-
ximar a sua gestão ao modo gerencial do setor privado. No campo educacional, insta-

* Doutora em Ciências da Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação (PPGE) da Universidade Brasília


(UnB) e Professora Visitante do PPGE da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: <fmarilia@unb.br>.

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Marília Fonseca

lou-se a proposta descentralizante, conhecida como “Gestão Autônoma das Escolas”,


que valorizava a autonomia e o fortalecimento da liderança dos gestores escolares.
Sob diferentes denominações, a proposta foi disseminada em países da Europa Oci-
dental, Leste Europeu, América Latina e América do Norte.
Documentos provenientes da Unesco apontavam que esse modo de gestão cons-
tituía uma evolução, na medida em que outorgava maior autonomia à administração
educacional, “acarretando uma nova transferência de poder das autoridades superio-
res para as autoridades subalternas em tudo o que concerne aos programas escolares,
ao orçamento, à destinação de crédito aos docentes, aos alunos e, em alguns casos, à
avaliação” (ABU-DAHOU, 2002, p. 19).
Na sua aplicação prática nos países europeus, a gestão autônoma das escolas foi
alvo de críticas, que apontavam o seu caráter gerencialista, entendido como uma cul-
tura e uma forma particular de organização que demanda o controle quantitativo do
desempenho escolar por meio de comparações e julgamentos inter e intra-escolares.
As propostas, implementadas em Portugal e na Inglaterra nem sempre se mostraram
benéficas para a escola. As mudanças organizacionais fundamentaram-se mais em
redefinições das normas do que na ressignificação da cultura escolar, e desse modo, a
formação de professores privilegiou as normas que deveriam reger a escola, em detri-
mento dos aspectos pedagógicos do conhecimento (BALL, 2001; BARROSO, 2001).
No Brasil, as mudanças na gestão do sistema educacional se deram num quadro
social complexo, marcado pela situação de desequilíbrio financeiro e de aumento
inflacionário do final dos anos de 1980, que se seguiram ao período pós-militar. Do
ângulo social, pode-se dizer que esse foi um período de intensa mobilização de seto-
res organizados da sociedade. Os educadores, agremiados em suas entidades profis-
sionais e sindicais, foram proponentes de uma educação inclusiva, que garantisse a
expansão e o acesso aos direitos educacionais em todos os níveis e modalidade de en-
sino, sendo a gestão democrática requerida como principal meio de mudança. Dentre
elas, sobressaíram a Associação Nacional de Política e Administração da Educação
(Anpae), a Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação (Anped),
a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfop), além
das entidades reivindicativas, como o Sindicato Nacional dos Docentes das Institui-
ções de Ensino Superior (Andes/ SN) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores
em Educação (CNTE).
Os textos legais brasileiros incentivaram a descentralização do sistema, atenden-
do, em certo grau, à reivindicação dos educadores. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996) e o Plano Nacional de Educação (PNE)
(BRASIL, 2001) deram ênfase ao projeto político-pedagógico (PPP), como instrumen-
to privilegiado para agregar a participação dos profissionais da escola em torno de
um projeto respeita a cultura e a identidade institucional.

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Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate

Os anos de 1990 foram o cenário para a realização das mudanças de maior im-
pacto no sistema educacional. A reforma do Estado, deflagrada no governo de Collor
de Mello, já incluía a educação como um dos alvos prioritários para dar início à re-
forma do Estado. As políticas educacionais já se diferenciavam conceitualmente das
propostas dos educadores, na medida em que sinalizavam o advento do modo “ge-
rencial” de conduzir a escola. Os objetivos centravam-se no provimento de insumos
mínimos para a escola; na adoção de medidas para neutralizar a repetência e para
garantir a permanência do aluno na escola; no estabelecimento de conteúdos nacio-
nais mínimos, enriquecidos por contribuições regionais e locais; na implantação de
um processo de avaliação permanente dos currículos e do desempenho da escola e
dos alunos (BRASIL, 1990).
As propostas não tiveram continuidade, em virtude da conturbada gestão do
governo vigente, culminando com a sua transferência para Itamar Franco e a condu-
ção do Ministério para o ministro Murílio Hingel. Pode-se dizer que, embora breve,
esta foi uma oportunidade para a retomada do diálogo do governo com os setores
organizados da sociedade, que se deu em torno do processo conhecido como “Acordo
Nacional de Educação”.
A consolidação da reforma do Estado ocorreu, concretamente, na gestão de Fer-
nando Henrique Cardoso. Uma das propostas prioritárias foi a descentralização ad-
ministrativa, pela qual foram transferidas funções da burocracia central para estados
e municípios e para as denominadas “organizações sociais”, que se configuram como
entidades de direito privado públicas, não-estatais. Tais organizações atenderiam aos
serviços como saúde e educação, considerados direitos fundamentais sem fins lucra-
tivos, mas não exclusivos do Estado. Com essa alternativa, o estado deixaria de ser
o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social, garantindo para si a
definição e o controle das decisões estratégicas. (BRASIL, 1995)
A política educacional estabeleceu as bases para a descentralização, imprimiu-se
um formato gerencial à administração pública, tornando-a mais apta para atuar com
eficiência, ou seja, com a capacidade de alcançar maiores resultados com menor custo
para o Estado. A gestão escolar foi concebida, portanto, como um conjunto de proces-
sos para modificar práticas pedagógicas e de gestão escolar, que se traduziam pelo
conjunto de ações que o Ministro Paulo Renato de Souza denominou: “A Revolução
gerenciada” (SOUZA, 2005).
A descentralização da educação básica acarretou, ainda, a adoção de novas for-
mas de financiamento da escola. Dentre elas, a adoção de fundos de natureza contá-
bil, como o Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Outras experiências de
grande porte foram desenvolvidas por meio de acordos firmados pelo Banco Inter-
nacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial ou BM) e o governo
brasileiro. Nesta última categoria, incluem-se os projetos “Pró-Qualidade”, desen-

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volvido nos anos de 1990, em Minas Gerais; “Educação Básica para o Nordeste”, em
nove estados da Região Nordeste e “Municipalização do Estado do Paraná”.
O último acordo de financiamento do MEC com o Banco Mundial foi firmado em
1998 para o desenvolvimento de um programa, ainda em fase de conclusão, denomi-
nado Fundo de Desenvolvimento da Escola (Fundescola) cujo objetivo era melhorar
o desempenho das escolas fundamentais das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.
Como ação prioritária, o Fundescola instalou o Plano de Desenvolvimento da Escola
(PDE), objeto da presente análise1.

Algumas considerações sobre os marcos político-ideológicos implícitos à


cooperação do Banco Mundial

A análise de um projeto internacional como o Fundescola não é simples, em vir-


tude da complexidade de um financiamento do BM. O grupo de pesquisadores par-
tiu do pressuposto de que a dita “cooperação” do BM, na forma de financiamento de
projetos, parte de um acordo prévio com o Banco, onde são estabelecidas pré-con-
dições, que implicam a aceitação, por parte da instituição executora, das diretrizes
políticas, das normas e dos métodos concebidos pelo Banco para a execução de qual-
quer projeto. É preciso levar em conta, ainda, que um acordo com o BM custa muito
caro aos cofres públicos, devido aos custos dos juros e de outras taxas adicionais, que
compõem os chamados “serviços” do empréstimo. Para dar respaldo técnico e finan-
ceiro aos acordos, foram fixadas medidas prévias. Dentre elas a garantia, por parte
do tesouro nacional, de dar prioridade para a contrapartida aos créditos externos,
além de adotar medidas administrativas facilitadoras, como a contratação de pessoal
independentemente das regras vigentes na administração pública. Tais medidas exi-
giram em alguns casos a organização de “equipes paralelas ou unidades especiais de
gerência” para a execução de projetos, nos níveis da administração federal, estadual
e municipal.
Ante uma operação tão complexa, indaga-se a razão pela qual o governo federal
e os governos estaduais vêm renovando esses empréstimos, ao longo de mais de trin-
ta anos? Uma primeira explicação é que a cooperação do BM suscitava expectativas
positivas por parte da administração pública brasileira. No caso da educação, acre-
ditava-se que o aporte de recursos externos traria dupla vantagem. Além da entrada
dos recursos externos propriamente ditos, os acordos garantiam recursos mais per-
manentes do tesouro nacional. Isto porque o financiamento do BM à educação segue
o modelo de cofinanciamento, segundo o qual o Banco não empresta diretamente,
mas ressarci o país pelo investimento antecipado, na forma de contrapartida nacio-
nal. Por força do acordo, a contrapartida incluía-se entre os recursos “protegidos”

188 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 185-198, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate

pelo Congresso Nacional, significando que o fluxo orçamentário não poderia sofrer
interrupção durante o período de duração dos projetos. Esta garantia compensava a
descontinuidade que marcou a administração pública, especialmente na década de
1980, quando a sucessiva troca de ministros era acompanhada pelo cancelamento dos
projetos anteriores.
Além das promessas e aporte de recursos financeiros, o Banco prometia a me-
lhoria do funcionamento do sistema educacional, por meio de metas de impacto,
como a expansão de matrículas, a diminuição da evasão e repetência, a melhoria da
qualidade do ensino escolar e o aproveitamento da experiência do BM para incutir
eficiência à administração do sistema educacional em todos os níveis administrativos
(BANCO MUNDIAL, 1999).
A vasta coleção de estudos e pesquisas produzidos diretamente pelo Banco ou
por intermédio de consultorias constituía um dos fatores que facilitava os acordos
do Banco com as burocracias locais, e, ainda, uma das estratégias para a amplia-
ção do seu papel político junto aos países, como afirmava um de seus presidentes:
“A qualidade de nosso trabalho está melhorando, graças aos progressos de nossos
esforços para nos transformarmos em um Banco de conhecimentos. Temos criado
redes para disseminar conhecimentos em todas as regiões e os principais setores do
desenvolvimento” (WOLFENSOHN, 1997, p. 8). No campo da educação, os estudos
abrangiam uma variedade de temas voltados para a relação educação e desenvolvi-
mento, educação-emprego-renda, além de análises de custo-benefício, que mostram
a importância de “insumos” escolares (professores, material didático e metodologias)
para o desempenho dos alunos.
Um outro fato que não pode ser desconsiderado é que o Banco passou a ser o
único depositário do conhecimento acerca dos resultados dos projetos que financia-
va. Isto se deveu ao fato de que o Ministério da Educação não realizou avaliações
sistemáticas sobre o desempenho físico, financeiro e educacional dos projetos, ou,
se as fez, não as utilizou na negociação dos acordos seguintes. Dessa forma, muitos
acordos foram negociados e firmados sem se levar em conta os resultados dos proje-
tos anteriores.
Além disso, deve-se levar em conta o substrato político-ideológico que sustenta
a cooperação internacional. Em estudo anterior, levantei algumas questões acerca dos
princípios e das estratégias definidas nos textos políticos do Banco (FONSECA, 1998).
Embora os discursos de alcance público do BM expressem um sentido humanitário,
com apelos à diminuição da pobreza e à equidade na distribuição de benefícios edu-
cacionais, os documentos de divulgação mais restrita reforçam um sentido pragmá-
tico, assentado na utilidade econômica, mais do que no direito aos benefícios sociais.
Os primeiros documentos políticos produzidos nos anos de 1970 já expressavam esse
veio utilitário: “Todo ser humano deve receber um mínimo de educação básica na

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Marília Fonseca

medida em que os recursos financeiros o permitam e as prioridades do desenvolvi-


mento o exijam” (BANCO MUNDIAL, 1972).
Nos anos seguintes, o Banco demarcou a sua política de concessão de créditos
educacionais, de acordo com essa proposta seletiva. De um lado situavam-se os pro-
gramas de baixo custo de ensino fundamental atenderiam às necessidades de instru-
ção elementar das crianças em idade escolar, notadamente das mulheres e adultos
analfabetos; a educação no campo era destinada a grupos definidos, no âmbito de
amplos programas de desenvolvimento rural. A educação formal, nos níveis secun-
dário e superior, deveria ser planejada de maneira seletiva e prudente, “levando-se
em conta a capacidade de absorção de mão-de-obra limitada do setor moderno de
trabalho e as demandas por administradores e técnicos dos setores públicos e priva-
dos” (BANCO MUNDIAL, 1980, p. 95).
Desse modo, reforçava-se o papel utilitário da educação para a estabilidade dos
países, primeiro, porque a restrição do acesso aos níveis superiores de ensino já cons-
tituía um meio de diminuir os custos educacionais. Segundo, as nações mais pobres
deveriam buscar outras estratégias de diminuição de custos, desenvolvendo moda-
lidades extra-escolares ou não formais de ensino; utilizando modalidades de ensino
de massas, via rádio e televisão, ensino programado, dentre outros. Recomendava-se,
ainda, a utilização de novas fontes de financiamento para a escola, assim como for-
mas mais racionais de planejamento, de modo a imprimir a eficiência à gestão escolar
(op.cit., 1980).
Dando continuidade à política de apoio à pobreza, o BM concebeu um crédito
integrado para programas rurais, desenvolvidos no período 1970-80, em conjunto com
o Ministério da Agricultura. Os créditos destinavam-se à pequena agricultura e inclu-
íam algumas ações sociais, como pesquisa agrícola, saúde e educação, o objetivo era
capacitar agricultores para incrementarem a produtividade do trabalho no campo.
No Brasil, esses investimentos denominaram-se PDRI (Projetos de Desenvolvimento
Rural Integrado). Nos anos 1980, uma nova versão desses investimentos ficou conhe-
cida como PAPP (Projetos de Apoio ao Pequeno Produtor).
Os projetos para o setor rural incluíam algumas ações educacionais, restritas
à alfabetização e ao ensino nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. Os
currículos desenvolviam conteúdos de formação profissional, de forma a permitir a
inserção rápida dessa população no mercado não-formal de trabalho. Desse modo, a
educação cumpria duas funções utilitárias, propiciando, ao mesmo tempo, uma edu-
cação de baixo custo e a geração de renda no curto prazo para a população mais pobre.
O Ministério da Educação, no começo dos anos de 1980, deu continuidade à pro-
posta de formação antecipada para o trabalho, que o Banco já desenvolvia no quadro
dos créditos rurais (Programas de Desenvolvimento Rural Integrado – PDRIs), com-
binando objetivos de modernização da pequena agricultura com formação inicial de

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Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate

crianças (primeira a quarta séries) para inclusão antecipada no trabalho local. Com
base na experiência dos PDRIs, o Ministério da Educação implementou alguns pro-
gramas no início dos anos de 1980 [Programa Nacional de Ações Socioeconômicas e
Culturais para o Meio Rural (Pronasec) e Programa Nacional de Ações Socio-Educa-
tivas e Culturais para as Populações Carentes Urbanas (Prodasec)], dando seqüência
à política de formação antecipada para o trabalho no ciclo inicial de ensino no meio
rural e em periferias urbanas. A intenção era oferecer preparo profissional aos alunos
carentes na perspectiva da educação-produção, levando-o a transformar o produto
de seu trabalho em renda para si e para sua família (BRASIL, 1979).
Além dos dois programas de iniciativa nacional, o MEC firmou com o BM, no
início dos anos oitenta, dois acordos para o desenvolvimento da educação inicial em
áreas rurais e de periferias urbanas. São exemplos desses acordos os projetos Educa-
ção Rural (Edurural), desenvolvido na nos estados do Nordeste e o Monhangara, na
região Centro-Oeste.

A gestão escolar como prioridade da cooperação internacional

Na década de 1990, o BM firmou vários acordos diretamente com os governos


estaduais, entre eles, o estado de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Espírito San-
to e Paraná. O Projeto Nordeste, executado no início dos anos de 1990 nos estados da
região e o Fundo de Fortalecimento da Escola ou Fundescola (para as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste) foram negociados diretamente com o Ministério da Educa-
ção (MEC). Esses últimos acordos sinalizavam a intenção do Banco de centralizar as
ações na gestão e no planejamento da escola fundamental (BRASIL, 1999).
Segundo as promessas embutidas no acordo, o sucesso do Fundescola seria as-
segurado pelo aproveitamento de experiências de gestão acumuladas pelo BM no
desenvolvimento dos projetos executados na década de 1990 e, ainda, do Edurural e
Monhangara, executados na década de 1980. O projeto também recebeu influências
de experiências internacionais na área do ensino básico, como as do Chile, Uruguai e
da Escola Nova, na Colômbia (BRASIL, 2002).
O Fundescola pode ser considerado como a ação internacional mais significativa,
pelo fato de ter sido planejada para o período de dez anos (1998-2010) e de incluir
uma vasta parte do território nacional. O Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE),
principal componente do Fundescola, introduziu um modelo de planejamento volta-
do para a eficiência na condução da escola. Adota-se a metodologia e os procedimen-
tos do planejamento estratégico, inscritos em manual que apresenta o processo passo
a passo, incluindo conceitos, princípios e instrumentos necessários ao gerenciamento
do Plano. Na primeira etapa do processo – visão estratégica – a comunidade escolar

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Marília Fonseca

define seus valores, sua visão de futuro, missão e os objetivos estratégicos. A partir
deles, a escola define o conjunto de ações e metas que transformarão sua visão de
futuro em realidade.
Os resultados da pesquisa relatados por Fonseca, Oliveira e Toschi (2005) mos-
tram que o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) funciona mediante o repasse
direto de recursos para a escola. Por força do acordo, no primeiro ano os recursos
provinham integralmente do PDE. Nas fases subsequentes, os estados passaram a ar-
car paulatinamente com as despesas, até assumi-las integralmente, fazendo suas as
propostas pelo acordo internacional.
Recebiam recursos financeiros e apoio técnico para elaborar o PDE as escolas que
tinham a partir de 100 alunos, organizassem unidades executoras, dispusessem de
condições mínimas de funcionamento e que possuíssem liderança forte. Os recursos
seriam repassados proporcionalmente ao número de alunos, segundo a Tabela 1.
De acordo com a própria sistemática de financiamento definida no acordo entre o
MEC e o Banco Mundial, os recursos do Fundescola decaiam ano a ano, enquanto os
do Estado aumentavam progressivamente, como mostra a Tabela 2.
Pelo fato de que o financiamento do PDE passa a ser assumido paulatinamente
pelo Estado, mesmo com o fim dos recursos internacionais as escolas adotariam intei-
ramente a concepção de gestão e a metodologia de planejamento implícitas no PDE e
também os seus custos.
As propostas dirigidas ao planejamento escolar orientam-se pelas diretrizes esta-
belecidas em documentos produzidos pelo BM (BRASIL, 1999; BANCO MUNDIAL,
1998). Afirma-se a necessidade de fortalecimento da autonomia e da gestão escolar,
com ênfase na liderança do diretor, a partir da adoção de medidas de treinamento in-
tensivo em planejamento estratégico, abordando assuntos tais como a mobilização da
comunidade, a gestão de recursos e a formação do professor. O importante era buscar
meios de financiar melhorias de qualidade e expansão de acesso à escola, sem onerar
a carga fiscal do investimento do Estado brasileiro com a educação.

Um breve relato sobre os resultados da pesquisa: a materialização do PDE


na escola

No que se refere às escolas de Goiás, o estudo registrou que tanto a equipe de


sistematização quanto os professores acharam que o PDE tornou o planejamento
das atividades escolares mais organizado e participativo. Mesmo em escolas em
que o PDE não tenha introduzido projetos novos, o PDE disponibilizou instru-
mentos, como modelos de diagnóstico e de acompanhamento, capazes de orientar
os relatórios e de imprimir uma sistemática para as reuniões rotineiras da escola.

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Enfim, o PDE ensinou técnicas de planejamento que pudessem ser aproveitadas


pela escola.
Ainda que reconhecendo alguns benefícios na organização física e material da
escola, a maioria dos professores não considera o PDE como promotor de mudanças
mais qualitativas no âmbito pedagógico. Se, de um lado, esses instrumentos ajudaram
a organizar o trabalho rotineiro da escola, de outro, dificultaram ou até mesmo impe-
diram as decisões autônomas com respeito a outras questões, como a realização de
cursos de formação docente e adequação das condições de trabalho em sala de aula.
Embora o Fundescola enfatizasse a possibilidade de aumento da autonomia para
as escolas, na prática, a própria sistemática de cofinanciamento internacional impõe
instrumentos de controle sobre os projetos, como manuais para acompanhamento e
planejamento de ações, além de normas para utilização de recursos e prestação de con-
tas do “dinheiro repassado diretamente à escola”. O planejamento, sob sua orientação,
valoriza, principalmente, aspectos burocráticos da escola, como o preenchimento de
formulários, fichas de prestação de contas e de avaliação da escola, além de utilização
de manuais para acompanhamento de ações, atendimento às normas para utilização
de recursos e prestação de contas do dinheiro repassado à escola e para utilização de
materiais e espaço escolar.
A divisão mais democrática do poder na escola, como prometia a proposta in-
ternacional de “gestão autônoma”, não se fez presente no âmbito do PDE. Em seu
lugar, ocorreu a diluição de poderes entre os membros da mesma coletividade, onde
cada um é responsável apenas por uma parte do poder decisório em virtude da orga-
nização das ações escolares na forma de projetos escolares, com gerências próprias.
As decisões mais substantivas já vinham definidas por “instâncias superiores”, como
asseveravam os membros da escola.
Na prática, produziu-se um processo de submissão da organização e da gestão do
trabalho escolar aos objetivos, às técnicas e às rotinas de trabalho estabelecidos pelo
planejamento e gerenciamento estratégico. De acordo com os resultados da presente
investigação, a autonomia da gestão se fundamenta na liderança do diretor, a partir da
adoção de medidas de treinamento intensivo em planejamento estratégico, abordando
assuntos tais como mobilização da comunidade, gestão de recursos e planejamento da
carreira do professor. Essa percepção foi corroborada em depoimentos de gestores do
sistema estadual, quando informam que há, atualmente, certa convicção de que o mo-
delo de gestão do Banco Mundial executado por meio do PDE é altamente diretivo e
não garante a autonomia da escola, conforme fora estabelecido na proposta inicial. Os
gestores municipais também realçaram esse caráter diretivo do Projeto, pois as escolas
são escolhidas à revelia das secretarias municipais de educação, o que não coaduna
com uma perspectiva de gestão democrática e de implementação de um projeto polí-
tico pedagógico, produzido coletivamente no interior de cada escola.

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Ficou evidente que, apesar de sua existência ser anterior ao PDE, o projeto polí-
tico-pedagógico (PPP) não teve a mesma repercussão do PDE nas escolas. Ficou claro
que isso se deveu à prioridade que o poder público concedeu ao PDE, garantido o seu
financiamento e acompanhamento por mais de uma década (FONSECA, 2008).

Considerações finais

Tendo por base as informações colhidas em escolas de Goiânia e de cidades lo-


calizadas no entorno do Distrito Federal, ficou evidente que, dentro da mesma es-
fera governamental, convivem duas concepções antagônicas de gestão educacional,
provenientes de diferentes matrizes teóricas. O PDE, de caráter burocrático, que in-
ternaliza modelos concebidos por especialistas internacionais, portanto, sem o aval
do coletivo escolar. O PPP, que na visão de Veiga (2001), constitui o espaço para a
construção de um processo democrático de decisões de forma a romper com a rotina
burocrática no interior da escola, eliminando as relações competitivas, corporativas
e autoritárias. Deve, portanto, ser legitimado pelas decisões tomadas de dentro para
fora da escola, com a participação de todos os envolvidos com o trabalho escolar.
No ano de 2007, o Governo Federal lançou o Plano de Desenvolvimento da Edu-
cação (PDE), integrando um conjunto de programas para dar organicidade ao sis-
tema nacional de educação, mobilizando toda a sociedade em prol da melhoria da
qualidade da educação em todos os níveis e modalidades: educação básica, superior,
educação profissional e alfabetização (BRASIL, 2008). Articulado ao PDE nacional,
situa-se o Plano de Ações Articuladas (PAR) como instrumento de apoio técnico e
financeiro articulado com o para promover a melhoria do Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica dos Entes Federativos (Ideb).
O PAR se apresenta como uma proposta democrática, porque pressupõe a parti-
cipação de gestores, educadores e comunidade na sua elaboração. Ao mesmo tempo,
o Plano de Desenvolvimento da Escola (por força das cláusulas do próprio acordo que
determina a duração do Fundescola até 2010), continua sendo executado e expandido
para outras regiões que não faziam parte do acordo inicial. Neste caso, reforça-se a
convivência, na mesma escola, de propostas que não se coadunam ideologicamente,
tais como o PDE/Fundescola, o PPP e o PAR.
Questionar essa convivência parece-me oportuno no atual momento, não so-
mente porque o modelo fomentado pelo Banco vem sendo mundialmente colocado
à prova, mas também em face das atuais propostas governamentais que sinalizam
uma perspectiva mais democrática para a escola pública. Vale lembrar que o ques-
tionamento não deve limitar-se aos financiamentos do Banco, mas deve alcançar o
processo de cooperação internacional como um todo. Esta é, a meu ver, a forma de

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Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate

evitar a repetição dos erros que têm impedido a tomada de decisões mais autônomas
para a escola básica.
Certamente, esta é uma ação de longo alcance e que exige o fortalecimento do
papel do Estado brasileiro no sentido de cumprir a sua função, apoiando a escola
para a superação das restrições (orçamentárias, gestionárias e pedagógicas) que difi-
cultam o seu protagonismo. Enfim, provendo as condições para que os profissionais
da escola assumam a sua autonomia no sentido político do termo, agindo como su-
jeitos da ação educativa.

Recebido em junho e aprovado em julho de 2009.

Nota
1 O presente texto procede da pesquisa foi executada sob minha coordenação geral, integrando professores dos
Programas de Pós-graduação das universidades: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul (UFMS), Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Federal de Uber-
lândia (UFU) e Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Seus resultados foram sistematizados no
livro “Escolas gerenciadas” (FONSECA, OLIVEIRA, TOSCHI, 2004).

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Anexo - Tabelas

Tabela 1 – Financiamento das ações do PDE– Convênio Fundescola


Tamanho da escola por no de aluno Faixa de Financiamento (R$ 1.000)
De 100 a 199 alunos 4,4
De 200 a 500 alunos 6,2
De 501 a 1000 alunos 10,00
De 1001 a 1500 alunos 12,00
Acima de 1500 alunos 15,
Fonte: FONSECA; OLIVEIRA; TOSCHI, 2005, p. 139.

Tabela 2 – Percentuais de financiamento assumidos pelo Fundescola e pelo


Estado de Goiás, conforme o ano de implementação do Programa.
Programa/Estado 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano
Fundescola 100% 70% 50% 30% 0%
Estado 0% 30% 50% 70% 100%
Fonte: FONSECA; OLIVEIRA; TOSCHI, 2005, p. 134.

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Marília Fonseca

School management in times of redefinition of the State’s role


Development plans and political and educational projects in debate
ABSTRACT: The article discusses school management in times of redefinition of the State’s role, initially
highlighting the political and ideological marks implied in the cooperation of the World Bank and the
priorities of international cooperation. Then the impact of the Plano de Desenvolvimento da Escola
(School’s Development Plan), one of the programs of Fundoescola, in school management is analyzed in
contrast with the Political and Educational Project. As a conclusion, the need of strengthening the role
of the Brazilian State in its function of supporting schools in the overcoming of budgetary, managerial
or educational constraints that hinder their protagonism is evidenced. Finally it is necessary to provide
schools with conditions for its professionals to assume their autonomy in the political sense, turning
them into actors of the educational action.

Keywords: School management. Plano de Desenvolvimento da Escola. Political and Educational Project.

La Gestion scolaire en temps de redéfinition du rôle de l’État


Les plans de développement et les projets politique-pédagogiques en
discussion
RÉSUMÉ: Cet article discute de la gestion scolaire en temps de redéfinition du rôle de l’État, en mettant
en relief les repères politiques et idéologiques implicites à la coopération de la Banque Mondiale et les
priorités de la coopération internationale. Ensuite, seront analysés les effets sur la gestion scolaire du
Plan de Développement de l’École, l’un des programmes compris dans le Fundescola, en le comparant
au Projet Politique-Pédagogique. À guise de conclusion, on mettra en évidence la nécessité de renforcer
le rôle de l’État brésilien dans la réalisation de ses fonctions, en assistant l’école dans le dépassement
des limitations budgétaires, gestionnaires et pédagogiques empêchant son plein développement. Fi-
nalement, il faut pourvoir les écoles des conditions pour que leurs professionnels puissent avoir de
l’autonomie au sens politique du terme et agir en tant que sujets de l’action éducative.

Mots clé: Gestion scolaire. Plan de Développement de l’École. Projet Politique-Pédagogique.

La gestión escolar en tiempos de redefinición del papel del Estado


Planes de desarrollo y proyectos político-pedagógicos en debate
RESUMEN: Este artículo discute la gestión escolar en tiempos de redefinición del papel del Estado,
destacando inicialmente los marcos político-ideológicos implícitos a la cooperación del Banco Mun-
dial y las prioridades de la cooperación internacional. Seguidamente, se analiza el impacto del Plan de
Desarrollo de la Escuela, uno de los programas del programa Fundescola, en la gestión escolar, en con-
traposición al Proyecto Político-Pedagógico. A modo de conclusión, se pone de manifiesto la necesidad
del fortalecimiento del papel del Estado brasileño en el sentido de cumplir su función, apoyando a la
escuela para la superación de las restricciones (presupuestarias, de gestión y pedagógicas) que dificul-
tan su protagonismo. En fin, se hace necesario proveer a las escuelas de condiciones que permitan a los
profesionales que trabajan en ellas asumir su autonomía en el sentido político del término, actuando
como sujetos de la acción educativa.

Palabras clave: Gestión escolar. Plan de Desarrollo de la Escuela. Proyecto Político-Pedagógico.

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