COMUNICAÇÃO OU DOMESTICAÇÃO?
o estudo procurou:
54 Educação em Debate, Fort. 6/7 (2/1); iul/dez, 1983 jan/jun 1984 Educação em Debate, Fort. 6/7 (2/1); jul/dez. 1983 jan/jun 1984 55
o surgimento da Coordenação Nacional dos CRUTACs - CIN- movimentos populares, cumprindo consciente ou inconsciente-
CRUT AL. E igualmente o momento em que surge a Coorde- mente, uma determinação do Estado no sentido de sustentação
nação de Atividades de Extensão - CODAE - do Ministério do status quo ... Todavia, acredita-se, a universidade pode ser
de Educação e Cultura - MEC -, quando passa-se a contar um mecanismo de apoio ao processo de mudança social. Como
também_ com estruturas administrativas de planejamento, co- se teve chance de analisar anteriormente, os grupos da unl-
ordenaçao e execução das atividades de extensão, a nível das versidade que pretendem trabalhar com o povo, devem parti-
universidades. Avança-se muito a nível do discurso oficial, in- lhar com ele, de um processo de troca ou confronto de sabe-
corporando-se inclusive o conceito de comunicação à proposta res, onde se faça o desvendamento das limitações instituclo-
geral de extensão, concepção esta que passou a ser ampla- nais, instrumentalizando-o para tirar o maior proveito não so-
mente difundida, certamente, em função da presença de anti- mente das ações possibilitadas pela ação da Instituição de En-
gos militantes dos movimentos estudantis - especialmente sino Superior, mas, das organizações do Estado de um modo
dos estudantes, vinculados à Igreja -, que aceitaram ocupar geral. Devem igualmente buscar um conhecimento concreto das
um espaço no plano institucional. Esta pode ser uma das ra- condições de vida da classe subalterna, das suas formas de
zões que explica o conteúdo humanista dos documentos ofi- produção do saber, de seus valores, descobrindo, assim, onde
ciais de então. De outro ângulo, pode-se apelar também para o está a ciência no senso comum. Devem assessorar as popula-
comportamento hábil e inteligente dos grupos do poder, em ções, no sentido de que estas se tornem mais capazes de um
sua atuação no sentido de criar mecanismos propiciadores da esforço crítico, para poder interpretar e compreender a reali-
missão educativa do Estado. O governo brasileiro do pós-1964, dade presente e sistematizar suas propostas de direcionamento
procurou destruir ou desarticular os movimentos sociais, des- da sociedade, auxiliando concretamente o surgimento dos inte-
caracterizando as suas propostas, despolitizando-as e incorpo- lectuais orgânicos da classe dominada·
rando-as aos Instrumentos legais e planos surgidos após 1968. Em relação às mudanças ocorridas a nível interno das ins-
Veja-se por exemplo, o caso da Lei n.? 5.540 em relação à "De- tituições de ensino superior, pela via da extensão universitária,
claração da Bahia", e suas inúmeras semelhanças. Estabeleceu- há poucos registros que permitam uma identificação mais obje-
-se muitos limites, mas, a própria contradição existente a nível tiva. Há referências em alguns documentos à mudança de m n-
do Estado permitiu a abertura de novos espaços, que foram tal idades de docentes e discentes - especialmente os partl-
ocupados por elementos que pleiteiam a mudança social ... cipantes de programações na linha da ação comunitária ou
Em relação à análise crítica da ligação universidade/socie- desenvolvimento de comunidades, nos CRUTACs e Campi Avan-
dade é imprescindível que se tenha uma plena consciência das çados -; à reestruturação administrativa da universidad
limitações da extensão, sem com isso minimizar a sua influên- com criação de novos mecanismos facilitadores da ação ext n-
cia em alguns momentos. Somente dessa maneira pode-se iden- sionista -; da articulação dos Programas de Pós-Graduaçi o,
tificar as possibilidades da participação da universidade em com ações de extensão; da reestruturação de algumas dlr tri-
ações transformadoras no sentido de uma nova estrutura so- zes acadêmicas; e, fala-se de pequenas experiências no ub I -
cial. temas de ensino, surgidas em função da extensão, relacion das
Certamente, na realidade, o grande momento de engaja- com estágios, grupos de reflexão - o caso do Labor tórlo
mento de segmentos universitários em tentativas de mudan- Rogers, mas, tudo isso aparece muito vagamente.
ça social, foi o período entre 1961 a 1964 quando o movimento As razões da dificuldade de compreensão da extenso como
estudantil, dizia atuar em direção ao povo, ou em função de um função própria da universidade, tem sua origem na próprio Im-
novo Projeto de Sociedade, que nunca foi definido. " E a tão precisão com que a Lei n.O 5.540 trata o assunto. O r I tórlo
propalada comunicação, que implicaria num relacionamento em sobre a "Avaliação da Implantação da Reforma Unlv r It ria",
que as partes se colocariam como iguais, restringiu-se basica- preparado pela UFBA-ISP, mostra muito bem a respon bllldade
mente ao plano dos discursos ou a tentativas individuais ... desta legislação neste sentido. Além do mais, como pode
Predominantemente, se teve o desenvolvimento de ações a sentir, não há uma única maneira de encarar a xt n 50 uni-
partir do interesse da universidade, que, muitas vezes refle- versidade, existe, isto sim, extensões da unlvcrsldado. m di-
tiam um puro processo de domesticação. E com isso, em alguns reção a comunidades, instituições, organizações, em r loção a
momentos, sem dúvida alguma, se reduziu a intensidade dos classe dominante ou a dominada, de acordo com proposta
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política dos grupos que participam da ação extensionista. Como curso procurou-se também ampliar as possibilidades da exten-
não há uma proposta unitária, uma única formulação ou uma são e vê-Ia como elemento que poderia trazer um "feedback"
única maneira de encarar o processo de extensão, torna-se di- renovador e dinamizador às universidades... Pode-se, com a
fícil para alguns, considerar como extensão universitária a atua- idéia da extensão atingir os interesses de modernização da
ção de grupos que praticam ações completamente diversas das universidade, porém, não se conseguiu conquistar os mais tra-
suas ... dicionalistas. Estes, além de alegar o perigo de perda de quali-
A fragilidade do ensino e a incipiência das pesquisas reali- dade do ensino, viam a extensão como função que poderia re-
zadas pelas universidades, parecem ter sido as causas princi- presentar novas exigências de trabalho. .. E muitos dos mais
pais da operacionalização da extensão universitária em forma comprometidos com o processo de mudança social, apesar de
de prestação de serviços sociais de caráter assistemático, mui- reconhecerem a validade do discurso, perceberam criticamen-
tas vezes, substitutivos da ação governamental. Ainda hoje, o te a ambigüidade que muitas vezes acontecia com o nível da
ensino é visto como a função básica da universidade, numa prática concreta ...
tradição de transmissão de conhecimentos, muitas vezes já su- Na realidade, se considerada no plano estritamente lnstl-
perados ou alienados da realidade; é maior a preocupação com tucional e na perspectiva dominante nas universidades brasi-
a memorização dos conhecimentos e com a verificação de leiras, a extensão tem sido até hoje uma função exercida assis-
aprendizagem - as provas -, do que com a problematização tematicamente, esporadicamente, sem vinculação com o ensi-
de situações que poderiam levar a um efetivo aprendizado. Vê- no e a pesquisa, não sendo considerada de fato como função,
-se o ensino somente como o momento de relação entre pro- apesar das inúmeras instâncias burocráticas existentes para
fessor e aluno na sala de aula, onde o primeiro, na maioria sua operacionalização ou coordenação. O que é chocante, é o
das vezes, em sua condição de autoridade, transmite e submete alegado compromisso que a universidade declara criar com as
o aluno a sua visão, avalia em função da fidelidade aos con- comunidades pobres, pela via da extensão gerando grandes ex-
teúdos transmitidos, através de critérios que estimulam multo pectativas ...
mais a concorrência do que a solidariedade grupal ... E a pes- É inadmissível que se continue com discursos refinados
quisa, por seu lado, prevista como função indissociável do en- como justificativa para práticas incompetentes. A extensão não
sino na lei n." 5.540, onde é apresentada como forma de uma pode mais continuar a ser a função unlversltárla "que, consiste
transmissão criativa do saber, ainda é ineficaz no quadro geral geralmente em levar conhecimentos supérfluos ou preciosis-
da universidade brasileira, sendo ainda hoje a grosso modo, tas, a uma minoria de beneficiários interessados" como salien-
muito mais uma resultante de esforços individuais, que, de ta Bordenave.tã) E o que é pior, muitas vezes nem se sabe se
uma ação institucional. E dentro do quadro apresentado, consi- os beneficiários estão interessados.
derando-se que as posições favoráveis à transformações são A extensão deve ser vista como um espaço possibilitador
minoritárias, o que pode ser a extensão, função de relação des- de estabelecimento de uma ligação com a classe trabalhadora,
tinada a levar à sociedade os frutos do saber universitário? Lo- que permita um intercâmbio de conhecimentos, no qual a uni-
gicamente, considerando-se a situação do ensino e da pesquisa, versidade aprenda a partir do saber popular e assessore as
a extensão ter-se-ia de contentar de aparecer sob forma de um populações no sentido de sua emancipação crítica. .. De acor-
ensino como o que se ministra a nível acadêmico, ampliado às do com posição expressa por Gadotto, em análise sobre a re-
populações de um modo geral e de difusão dos resultados das visão crítica do papel do pedagogo na atual sociedade brasilei-
pesquisas que mesmo incipientemente a universidade executa. ra, deseja-se reiterar que: "é falsa a afirmação de que nada
Mas, que proveito a sociedade global tiraria disso tudo, já que é possível fazer na educação enquanto não houver uma trans-
suas exigências são muitas vezes de caráter pragmático e ime- formação da sociedade, porque a educação é dependente da
diatista? Certamente, ter-se-ia que partir para um tipo de pres- sociedade. A educação não é, certamente, a alavanca da trans-
tação de serviços que não se restringisse somente à extensão formação social. Porém, se ela não pode fazer sozinha a trans-
do ensino e dos resultados da pesquisa; e a oportunidade se formação, essa transformação não se efetivará, não se conso-
afigurou, na ocupação de espaços nos quais o poder qoverna-
mental não tinha condições de atuar ou então firmar-se no 2 BORDENAVE, [uan Diaz. Pode a Universidade ser Motor de Desenvolvi-
apoio às ações desenvolvidas pelo governo. A nível do dis- mento. São Luís, UFMa, 1978, 20 p. mimeo.
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lidará, sem ela. Se ela não é a alavanca, isso significa, ainda,
que a sua luta deve estender-se além dos muros da escola,
não deve limitar-se ao seu campus, o que a ideologia dominan-
te entendeu há muito tempo, querendo limitar o conflito aos
muros dos campi ... (3)
A extensão universitária em uma dimensão de mudança
social na direção de uma sociedade mais justa e igualitária, tem
portanto, obrigatoriamente, de ser uma função de comunicação
da universidade com o seu meio, possibilitando, assim, a sua
realimentação face à problemática da sociedade, propiciando
uma reflexão crítica e revisão permanente de suas funções de
ensino e pesquisa. Deve representar, igualmente, um serviço
às populações, com as quais os segmentos mais conscientes
da universidade estabelecem uma relação de troca ou confron-
tos de saberes.