Platão e Isócrates Introdução: ■ Após a geração dos grandes sofistas e de Sócrates, fecunda, sucede outra, a que cabe o mérito de ter conduzido a educação antiga, por muito tempo estagnada num estado arcaico à sua maturidade e a forma definitiva que representa aos olhos da História, sua originalidade. ■ Esse progresso decisivo verificou-se no início do quarto século (principalmente 390-380) e é devido, essencialmente, à obra de dois grandes mestres: Isócrates (436-338) abriu sua escola em 393 e Platão (427-348) abriu sua escola em 387. ■ Estes dois personagens, ou seu tempo, não introduziram muitas inovações nas instituições e nas técnicas educativas. - Sua ação, muito mais profunda, consistiu em delinear, de maneira nítida e definitiva, em seu próprio pensamento e na consciência antiga, os quadros gerais da cultura superior; ao mesmo tempo, e indiretamente, foram por eles definidos os mestres da educação. ■ O primeiro fato é que esse ideal de cultura antiga se apresenta sob dupla forma: - a civilização clássica não adotou um tipo único de cultura, nem, por conseguinte, de educação; - ela esteve dividida entre duas formas antagônicas, diante das quais jamais pode resolver-se a fazer uma escolha definitiva: uma de tipo filosófica, outra de tipo oratória, das quais Platão e Isócrates foram, respectivamente, os patronos. ■ Seria simples, e profundamente inexato, fazer de Platão o herdeiro de Sócrates, e de Isócrates, o herdeiro dos sofistas, assim como ver na rivalidade, uma simples renovação do debate da geração precedente. I. Platão ■ Platão como o fundador da cultura e da educação eminentemente filosóficas. ■ Sem dúvida, não era essa sua busca fundamental, que foi sempre de ordem política: “outrora, quando eu era jovem, nutria, como tantos outros, o propósito de, quando me tornasse senhor de mim mesmo, consagrar-me à política” Carta VII. ■ O ideal a que Platão conformou sua ação e seu ensino: orienta-se sempre para o bem comum da cidade, a ênfase não é mais posta no valor militar, mas nas virtudes civis da vida política. ■ Platão aborda menos o problema geral da formação do cidadão que o da formação do técnico, do perito em assuntos políticos, conselheiro do rei ou líder popular. 1. A procura da verdade ■ A obra pedagógica de Platão ultrapassou de muito, em importância histórica, o papel político que ele lhe havia designado. ■ Opondo-se ao pragmatismo dos sofistas, apegados à eficácia imediata, Platão edifica todo o seu sistema educacional sobre a noção fundamental da verdade, sobre a conquista da verdade pela ciência racional. ■ O verdadeiro homem de Estado, este dirigente, este “rei” ideal que urge plasmar, distinguir-se-á de todas as suas contrafações por possuir a ciência, a ciência crítica e direta do comando, no sentido técnico que, no grego de Platão, o de ciência verdadeira, fundada em razões, por oposição a opinião vulgar. ■ Esta “ciência real” qualificará, também, aquele que, ao invés de uma cidade, tem sua família e sua casa para reger. ■ É o mesmo critério, a posse da verdade que definirá o verdadeiro orador, por oposição ao sofista, como também o verdadeiro médico, e evidentemente, também o verdadeiro filósofo. ■ O tipo de educação que Platão concebe com vistas à formação do dirigente político é um tipo de educação dotado de valor e alcance universais: - qualquer que seja o campo da atividade humana para o qual alguém se oriente, não há mais que uma alta cultura válida: a que aspira à verdade, a possessão da verdadeira ciência. Todo o pensamento de Platão é coroado por esta alta exigência. ■ A norma é a verdade e não o sucesso: daí o valor conferido ao saber verdadeiro, fundado em rigor demonstrativo, cujo símbolo é a verdade geométrica que o Menon oferece como exemplo. ■ Por toda obra de Platão insinua-se este mesmo tema (Protágoras, Diálogos socráticos): A nobreza espiritual, pressupõe, ainda que não se identifique com ele, o conhecimento, a ciência do Bem; - no sétimo livro da República, o mito da caverna, proclama o poder emancipador do saber, que livra a alma desta incultura (ignorância). No Górgias denunciada como o maior dos males. 2. Organização da Academia ■ Os Diálogos nos permitem entrever e mostra-nos Platão como um partidário dos métodos ativos; seu método dialético é bem o contrário de uma doutrinação passiva. - Longe de inculcar a seus discípulos o resultado, já elaborado, de seu próprio esforço, ao Sócrates, apraz, ao contrário, fazê-los trabalhar, fazê-los descobrir por si mesmos, de início, a dificuldade, e depois, à custa de aprofundamento progressivo, o meio de superá-la. ■ A academia era, ao mesmo tempo, uma Escola de Altos Estudos e um instituto de educação. ■ Os quadros de sua organização. - A Academia tem uma sólida estrutura institucional: se apresenta na forma de uma confraria, cujos membros se acham estreitamente unidos pela amizade (fília) - vínculo afetivo, entre mestre e alunos. - Do ponto de vista legal, ela é, como a seita pitagórica, uma associação religiosa, uma confraria votada ao culto das Musas. Após a morte do mestre, ao culto de Platão heroificado. Esse culto corporificava-se em festas: sacrifícios e banquetes. ■ A vida da academia implicava certa comunidade de vida entre mestre e discípulos, mas não uma organização propriamente colegial. 3. Utopia e antecipações ■ Naturalmente, não se trata de pretender que Platão haja executado, de maneira sistemática, no âmbito restrito de sua Academia, os planos que elaborou nas duas obras: Da Republica e Das Leis. ■ Com plena liberdade teórica: Platão salienta bastante, que a realização do seu ideal pedagógico teria exigido uma transformação completa do Estado. ■ As aspirações de Platão para a educação: - A exigência fundamental: a educação deve tornar-se coisa pública (polis); os mestres serão escolhidos pela cidade, controlados por magistrados especiais. - A igualdade rigorosa que ele prescreve, entre a educação dos rapazes e a das moças (educação paralela, mas não coeducação: a partir dos seis anos, os dois sexos tem mestre e classes distintos). Esta proposta reflete um fato real: a emancipação das mulheres na sociedade do quarto século. 4. Educação elementar e tradicional ■ No topo do sistema estavam os altos estudos filosóficos, reservados a um núcleo de indivíduos especialmente dotados. Esses estudos supõem a previa aquisição de uma solida formação básica (República (livros II-III) e nas Leis) ■ Essa “educação preparatória” não pretende conduzir à verdadeira ciência: mas tornar o ser humano capaz de ter-lhe acesso um dia, desenvolvendo harmoniosamente o espírito e o corpo. ■ Platão não elaborou um programa original para este primeiro ciclo de estudos, afirma através de Sócrates: “qual será, pois essa educação? Parece difícil descobrir uma melhor do que a adotada pelos antigos: ginástica para o corpo, música para a alma...”. ■ Platão instala na base de seu sistema pedagógico, a educação grega tradicional. ■ Segundo Platão, os primeiros anos da criança deveriam ser ocupados por jogos educativos praticados em comum, pelos dois sexos, e sob vigilância, em jardins de crianças; mas a educação propriamente dita só começa aos sete anos. ■ Platão, no referente à ginástica reage violentamente contra o espírito de competição que causava danos ao esporte do seu tempo. - Queria ele reduzi-la à sua finalidade original, a preparação para a guerra: no atletismo, interessa-se pela luta, que é preparação direta para o combate. ■ Platão introduz combates de esgrima, combates de infantaria leve e pesada, insiste particularmente nos exercícios de caráter militar (que destina tanto às mulheres como aos homens: a cidade platônica inclui mulheres-soldados); ■ A preocupação de dar ao esporte seu valor propriamente educativo, seu alcance moral, seu papel, em pé de igualdade a cultura intelectual, e, em estreita colaboração com ela, na formação do caráter e da personalidade. ■ Platão em sua concepção da ginástica inclui todo o domínio da higiene, as prescrições concernentes ao regime da vida e ao regime alimentar. ■ Platão, em As Leis, acrescenta a dança na ginástica, que inseparável do canto coral, pertenceria também à música. - A dança é o meio de disciplinar, de submeter à harmonia de uma lei a necessidade, espontânea em todo ser jovem, de exaurir-se, de agitar-se; ela contribui assim, da maneira mais direta e mais eficaz, para a disciplina moral. ■ O lugar que Platão concede aos aspectos propriamente espirituais da cultura, mostra claramente ter já o papel da educação física passado para o segundo plano. ■ Quais serão estes autores? ■ Platão crítica Homero, os trágicos e os mitos. - Os poetas porque seus mitos são mentiras, apresentando da divindade ou dos heróis uma imagem falaciosa, indigna de sua perfeição. Sua arte, repassada de ilusão, é perniciosa por ser contrária à verdade (verdade que toda a pedagogia deve estar subordinada) e por desviar o espírito de seu fim, que é a conquista racional. Opondo com vigor poesia e filosofia. ■ Platão, desta forma coloca a alma grega diante de uma opção difícil: devia a educação permanecer basicamente artística e poética ou devia tornar-se científica? ■ Para Platão, a música ocupa sempre um lugar de honra na educação; a criança aprenderá o canto e o manejo da lira. ■ Na música, começa a ceder o passo às letras; a criança deverá aprender a ler e a escrever, depois passará aos autores clássicos, estudando-os integralmente ou em antologias, poesias e prosa. 5. Papel das matemáticas ■ Platão introduz na Paideia, de modo inesperado, uma terceira ordem estudos, trata-se das matemáticas. - Elas não são mais um campo reservado ao grau superior do ensino: devem encontrar lugar em todos os níveis, começando pelo mais elementar. ■ A escola secundária, desde a sua criação, teve de incluir um estudo elementar dos números: contar, aprender a série dos inteiros e provavelmente, as frações empregadas na metrologia grega, isto fazia parte do aprendizado da língua e da vida. ■ Platão vai muito mais longe: ao estudo da aritmética ele junta a prática dos exercícios de cálculo ligados a problemas concretos, extraídos da vida e dos negócios. ■ Paralelamente, Platão concede um lugar, na geometria, a aplicações numéricas simples: medidas de comprimento, superfícies e volumes, e, em relação à astronomia, ao mínimo de conhecimentos supostos pelo uso do calendário. ■ Uma inovação de imenso alcance pedagógico. Trata-se, conforme Platão, de uma imitação das práticas egípcias. ■ Todas as crianças devem estudar matemáticas, pelo menos nesse grau elementar: serão introduzidas nesse estudo desde o início, conservando-se em tais exercícios o atrativo de um jogo; terão eles, como objetivo imediato, a aplicação à vida prática, à arte militar, ao comércio, à agricultura ou à navegação. ■ O papel das matemáticas não se limita ao equipamento técnico: estes primeiros exercícios, por mais práticos que sejam, possuem já uma virtude formadora mais profunda; ■ Platão proclama a eminente virtude educativa das matemáticas: nenhum objeto de estudo a possui em tão alto grau: elas servem para despertar o espírito, fazem-no adquirir desembaraço, memória e vivacidade. ■ Esses exercícios de cálculo aplicado revelam os espíritos dotados e desenvolvem lhes a natural disposição para entrarem em qualquer espécie de estudo; - os espíritos de início inertes, mais lentos, por meio deles despertam, com o tempo, de sua sonolência, aguçam-se e tornam-se mais aptos a aprenderem do que o eram por sua natureza. ■ Livro VII da República, consagrado a estas ciências, se abre com o mito da Caverna; as matemáticas são o principal instrumento da “conversão” da alma, desta correção interior pela qual ela desperta à plena luz e se torna capaz de contemplar não mais “as sombras dos objetos reais”, mas “a própria realidade”. ■ Para obter-se tal benefício, urge orientar o estudo de maneira que elas levem o espírito a libertar-se do sensível, a conceber e a pensar o Inteligível, única realidade verdadeira, única verdade absoluta. ■ Platão, transcendendo as preocupações utilitárias, confia às matemáticas um papel antes de tudo propedêutico: elas devem formar um espírito capaz de receber a verdade inteligível. ■ Platão introduz que a noção ideal e o programa especifico daquilo que propriamente se deve chamar de ensino secundário. ■ É necessário, ao mesmo tempo, experimentar e preparar os candidatos a filósofos: Platão é o primeiro a estabelecer esta exigência, que se imporá doravante ao educador. 6. O ciclo dos estudos filosóficos Importa fixar bem quais sejam, cronologicamente, os diferentes estágios de todo o cursus de estudos que Platão impõe a seu futuro filósofo. ■ 03- 06 anos: “Jardim da infância” ■ 06-10 anos: a Escola “primária”; ■ 10-18 anos: Estudos “secundários”. Platão queria dividir tais estudos em três ciclos de três anos: - 10-13: estudos literários - 13-16: estudos musicais - 16-18 estudos matemáticos. ■ Aos dezessete ou dezoito anos: os estudos propriamente intelectuais interrompem-se por dois ou três anos, consagrados “ao serviço obrigatório militar (de ginástica)”. ■ Aos vinte anos: começa o ensino superior: - continua o estudo das ciências matemáticas transcendentes, mas em nível superior: por uma visão de conjunto, uma coordenação, uma combinação de seus elementos, o espírito se habituará, pouco a pouco, a entrever a unidade que supõem suas relações mútuas, a natureza da realidade fundamental, que é seu objeto comum ■ Aos trinta anos: após uma derradeira seleção, poder-se-á enfim tratar do método propriamente filosófico, a dialética, a qual, renunciando, ao uso dos sentidos, permite atingir até a verdade do ser. - Serão cinco anos de trabalho, a fim de integrá-los na plena posse deste instrumento, o único que conduz à verdade total. ■ Aos trinta e cinco anos: durante quinze anos, ele participará da vida ativa da cidade, para nela adquirir um suplemento de experiência e completar, pela sua luta contra as tentações, sua formação moral. ■ Aos cinquenta anos, os que tiverem sobrevivido e superado todas estas provas chegarão ao fim: a contemplação do bem em si: “São necessários cinquenta anos para fazer um bom homem...” 7. Grandeza e solidão do filósofo ■ Este programa parecia um desafio ao espírito prático dos atenienses. ■ O pensamento platônico, movido de início pelo desejo de restaurar a ética totalitária da cidade antiga, chega, em última análise, a transcender definitivamente os quadros desta e a lançar os fundamentos daquilo que será a cultura pessoal do filósofo clássico. ■ Na busca de seu ideal de perfeição interior, o filósofo encerra-se numa solidão heroica. ■ Nesse entretempo, que acontece à cidade real? Ter-se-á de abandoná-la aos maus pastores? - Por querer demasiado, o platonismo deixava a questão sem resposta II. Isócrates (2.5.) Isócrates de Atenas (436-338 aC) ■ Figura proeminente da cultura grega, distinguiu-se como escritor, pedagogo, teórico e professor de retórica. ■ Partidário da união das cidades gregas sob uma autoridade forte, foi levado a favorecer o poder da Macedônia. ■ A tradição apresenta Isócrates como aluno de Protágoras de Abdera, de Pródico de Ceos e, sobretudo, como aluno de Górgias de Leontini. Tudo indica que também ouviu Sócrates. ■ A Guerra do Peloponeso liquidou com suas posses e, a partir de então, Isócrates começou a ganhar a vida como logógrafo, aquele que fazia discursos perante os tribunais de Atenas. ■ Devido a esta atividade, abriu em Atenas uma escola de eloquência que se tornou famosa, mais ou menos, na mesma época em que Platão inaugurava a Academia. ■ Como orador e retórico, Isócrates preocupou-se sobretudo com a forma, dando à prosa ática uma docilidade e harmonia ainda não atingidas. ■ Cerca de vinte e um de seus discursos sobreviveram, entre eles: Contra os sofistas (390 aC), Panegírico (380 aC), Plataico (cerca de 373 aC), Sobre a paz, (355 aC) e Filipe (346 aC). ■ Combateu a filosofia platônica, que julgava inapta para a formação ética e política do homem grego. ■ No âmbito político, Isócrates foi adversário de Demóstenes, lutando pela união do mundo helênico sob a monarquia de Filipe da Macedônia, contra os persas. ■ Foi na escola de Isócrates que surgiram as manifestações mais precoces de anti-aristotelismo, protagonizadas pelo seu discípulo Cefisodoro e inspiradas sobretudo por rivalidades entres escolas e por distintas concepções da retórica e do seu ensino. Presume-se que, nessa época, Aristóteles ainda teria sido membro da Academia de Platão. ■ De uma maneira ou de outra, Isócrates é continuador da técnica sofística, segundo a qual um educador profissional deve ser remunerado pelas aulas dadas ou pelos discursos proferidos. ■ O ensino de Isócrates reveste-se de características práticas e realistas e inaugura a noção clássica de imitação literária que teria, ao longo dos séculos vindouros, uma longa e tradicional duração. ■ Isócrates pode ser considerado um continuador dos sofistas. Contudo, difere destes ao procurar dar um lastro cultural, moral, cívico e patriótico à sua eloquência. ■ Seu pensamento pode ser entrevisto nos dizeres seguintes: “Chamamos gregos antes aqueles que possuem em comum conosco a cultura que aqueles que têm o mesmo sangue.” ■ Denominador comum: a língua. ■ Em oposição à cultura filosófica de Platão, Isócrates defendeu a cultura oratória. - Nem sempre essas duas mentalidades pedagógicas se opuseram como rivais e adversárias. - Mas inegavelmente encontramos na oratória, que se limitou a preparar o homem para atuar prática e concretamente dentro dos horizontes palpáveis da opinião, um sentido mais agudo da realidade. ■ Contra os sofistas é um dos discursos mais técnicos de Isócrates. Apesar de seu objetivo fundamental ser a crítica aos sofistas, este discurso foi também uma forma de propaganda da sua escola, do tipo de ensino ministrado e das funções aí estabelecidas para o discípulo e para o mestre: - “Aqueles que são menos dotados não poderão tornar-se, com a educação, bons críticos nem inventores de discursos, mas podem fazer progressos, o que os torna mais reflexivos sobre muitos pontos.” - “O aluno, além das qualidades naturais necessárias, deve conhecer os procedimentos do discurso e exercer o seu uso. O mestre deve ser capaz de expor os procedimentos exatos, de tal maneira que ele não se esqueça de nenhum dos pontos a ensinar.” - “A palavra conveniente é o sinal mais seguro do pensamento justo”, pensa Isócrates! - Foi sob este slogan (da paidéia) que a Grécia conquistou espiritualmente o mundo. E, se do ponto de vista do nacionalismo helênico pode parecer excessivo o preço pago para conferir ao povo grego este título de glória perante a história universal, não devemos deixar de lembrar que não foi propriamente a cultura que determinou a morte do Estado helênico; pelo contrário, a filosofia, a ciência e a retórica eram as formas sob que podia perdurar o que de verdadeiramente imortal havia na criação dos Gregos. A pedagogia Isocrática ■ A pedagogia isocrática orienta-se para um fim concreto e formal: formar a elite intelectual de que a Grécia daquela época necessitava. - Ao menos no juízo de Isócrates, o ensino tem um objetivo de interesse imediato e, de certa maneira, bem chão: formar uma elite intelectual de que carece a Grécia do seu tempo. ■ Isócrates foi o mestre por excelência da cultura oratória, da educação literária que vão impor-se, como caracteres dominantes, à tradição clássica. ■ De maneira geral, foi Isócrates, e não Platão, o educador da Grécia do quarto século, e, em seguida, do mundo helenístico e depois romano: - De Isócrates saíram numerosos pedagogos e estes letrados, animados de um nobre idealismo, estes moralistas ingênuos, amantes de belas frases, eloquentes e volúveis, aos quais a antiguidade clássica deve, em qualidades e defeitos, toda a essência de sua tradição cultural. ■ Tendo-se perpetuado esta tradição em nossos próprios métodos pedagógicos, recaem sobre Isócrates, mais do que sobre qualquer outro, a honra e a responsabilidade de haver inspirado a educação literária de nossa tradição ocidental. ■ A vida e a obra de Isocrátes situam-se num plano bem mais modesto que o de Platão. ■ Isócrates está muito mais próximo do intelectual médio de Atenas – do homem médiano. ■ Isócrates não pronunciou, de fato, seus discursos-conferências: publicou-os. - Ajudou a transpor a arte da oratória para o domínio da literatura artística e contribuiu para conservar-lhe este cunho de oralidade. ■ Quanto ao ensino isocrático conservará sempre um vivo senso de eficácia prática: formava outros professores como ele ou, e principalmente, homens cultos aptos a bem julgarem e a participarem com desembaraço, dos colóquios da vida mundana. ■ Profissionais, os discípulos de Isócrates aprendem, antes de tudo, a arte de bem falar. ■ Se a educação platônica funda-se na noção de verdade, a educação isocrática repousa na exaltação das excelências da palavra. ■ Isócrates sistematizava, justificava e legitimava, perante a consciência moral, este gosto pela eloquência, que assumira em Atenas. - Doravante toda a cultura e toda a educação do homem antigo irão orientar-se para este ideal único, o ideal do orador, o ideal do “bem falar”. ■ Isócrates abriu uma escola em Atenas, aberta ao público, desprovida do caráter de seita hermética que distinguia a Academia. - Escola paga, onde como entre os sofistas, se combinava o preço de um ciclo completo de estudos com a duração de três ou quatro anos. 1. O ensino secundário ■ O ensino isocrático era uma espécie de ensino superior que vinha coroar, ao final da adolescência, um ciclo de estudos propedêuticos. ■ Isócrates aceita e louva a velha educação tradicional que vem dos ancestrais, à qual ele adiciona as principais inovações pedagógicas introduzidas em seu tempo: a educação que se dirige à plenitude humana do corpo e da alma, colocando a ginástica e a cultura intelectual como duas disciplinas conexas e simétricas. ■ Aos estudos literários, Isócrates adiciona as matemáticas. - A seu futuro aluno ele recomenda consagrar algum tempo a tais ciências, nas quais louva o valor formativo: abstratas e difíceis, estes estudos habituam o espírito ao trabalho disciplinado, exercitam-no e aguçam-no. ■ Isócrates acrescenta a esta “ginástica intelectual, que é preparação à alta cultura”, aquilo que ele chama de “erística”, a arte da discussão tal como é ensinada através do diálogo e que corresponde à dialética, ou seja, a filosofia. - Para Isócrates, esses estudos são colocados ao nível do ensino secundário, para os jovens e, ainda assim, com a condição de que só lhes consagrem um certo tempo, sem correrem o risco de neles se ressecarem ou perderem ou aprofundá-los. 2. O ensino da retórica ■ Para Isócrates a oratória é uma arte autônoma – a arte suprema. ■ Em Isocrátes, a retórica é algo bem diverso daquilo que era em Górgias. - Isócrates crítica a retórica formal, isto é, a dos autores de manuais teóricos, para estes, o método era uma maquina perfeita, a funcionar sem enguiços, quaisquer que fossem o caso particular e o espírito que devesse aplicá-lo. ■ Isócrates reage contra o otimismo radical desse formalismo: insiste sobre a utilidade da prática, sobre a necessidade dos dons inatos, das qualidades pessoais: invenção, capacidade de esforço, memória, voz... ■ Começava por uma teoria, embora elementar, por uma exposição sistemática daquilo que ele denominava: os princípios gerais de composição e elocução. ■ Seu aluno era bem cedo iniciado na prática, começando por exercícios de aplicação que envolviam os elementos a princípio estudados abstratamente, e isto em função da exigências de um assunto dado. A essência do aprendizado consistia no estudo e no comentário de belos modelos. - Isócrates transpunha, para o plano literário, os conceitos fundamentais da educação homérica: o exemplo e a imitação. ■ Na escola de Isócrates, os textos básicos são as próprias obras-primas do mestre (Isócrates). ■ Isócrates, ensino prático e realista, quer que seu discípulo ponha mãos à obra, participe do trabalho de criação. - Assim, o faz descobrir, gradativamente, o ideal que vivifica sua arte: um estilo claro, fácil de entender-se ao primeiro contato, mas que, ao leitor atento, revela um tesouro de maravilhas. 3. Seu valor educativo ■ Se o objetivo desse ensino era o domínio da palavra, o domínio da expressão, a eloquência isócratica não é mais uma retórica irresponsável, indiferente ao conteúdo real, mero instrumento de sucesso. ■ Isócrates, preocupado em responder ao desafio lançado, deste Sócrates e o Górgias, pela filosofia, quis prover sua arte de um conteúdo de valores: sua eloquência não é neutra do ponto de vista moral, mas tem, particularmente, alcance cívico e patriótico. ■ Isócrates combate, alternadamente, em duas frentes: se contrapõe a Platão (e, com este, a todos os outros socráticos, particularmente a Antístenes) e aos continuadores dos sofistas (por exemplo Alcidamas, que preocupava-se unicamente com o sucesso, com a eficácia da palavra real, tal como é esta usada na assembleia ou no tribunal). ■ Isócrates é um homem bem integrado no seu tempo, que assiste à passagem do ideal coletivo da cidade antiga para o ideal, mais pessoal, que triunfará na era seguinte. - Isócrates no ensino tem como tarefa educar homens capazes de executarem seu ideal em matéria de bom governo. ■ Sua escola foi um centro de homens políticos. Para seus alunos, Isócrates foi um mestre, na mais plena acepção da palavra. 4. O humanismo de Isócrates ■ O ideal político de Isócrates nos interessa pelas relações que o ligam a seu ideal pedagógico e cultural. O sentimento de unidade dos gregos. ■ Isócrates milita em prol do discurso político capaz de interessar ao mais vasto público pelo fato de explorar temas de interesse geral, de interesse humano. ■ Assim, pouco a pouco, ante as mãos de Isócrates a retórica transmuda-se em ética. Aplicar a um grande tema é um meio seguro de contribuir para a educação do caráter, do senso moral, da nobreza para a alma: “Uma palavra verídica, conforme à lei e justa, é a imagem de uma alma boa e leal”.. ■ Isócrates aparece como a fonte de toda a grande corrente do humanismo escolar. Conclusão 1. Isócrates contra Platão ■ Isócrates jamais consente em deixar o plano da vida cotidiana e da eficácia prática. O homem verdadeiramente culto é o que tem o dom de atinar com a boa solução, o horizonte efetivamente acessível, a única ambição que o homem possa realizar. ■ Platão pretende impor-nos um imenso ciclo de estudos, tão complexo e difícil que elimina, de princípio a maioria dos candidatos, e isto com o objetivo (quimérico) de fazer-nos assomar à ciência perfeita. Mas na vida prática não há ciência possível, a tomar-se a palavra no sentido preciso que assume, em Platão, o termo conhecimento racional e demonstrado. 2. As duas colunas do templo ■Tais são os dois tipos fundamentais de educação, as duas orientações rivais que Platão e Isócrates imprimiram à pedagogia grega, aquilo que se vai tornar a tradição clássica. Com efeito, o ensino platônico e o ensino isocrático, paralelos e contemporâneos, jamais se defrontaram com rigor, como rivais e adversários. ■ Entre Isócrates e Platão, há não apenas rivalidade, mas conexão, e isto interessa ao desenvolvimento da história da educação: aos olhos da posteridade, a cultura filosófica e a cultura oratória aparecem como rivais, mas também como irmãs: ela tem não apenas uma origem comum, mas também ambições paralelas e, por vezes, idênticas, são duas variedades de uma mesma espécie: o debate que mantiveram enriqueceu a tradição clássica, sem comprometer-lhe a unidade; Dois pilares. ■ Texto disponibilizado e compilado: - “Os mestres da Tradição Clássica” MARROU, Henri-Irénee. História da educação na antiguidade. São Paulo: EPU 103-149.